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Revista Coração, Vasos e Tórax N.º 2 - Abril 2020

Published by Miligrama - Comunicação em Saúde, 2020-07-23 11:50:47

Description: A segunda edição assinala o 50.º aniversário do Serviço de Cardiologia Pediátrica Revista

Keywords: Saúde,miligrama,hospital santa marta

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Revista do Departamento 2n.º Coração, Vasos e Tórax do Centro Hospitalar Abril 2020 Universitário Lisboa Central Diretora: Sílvia Malheiro e Revista Quadrimestral PVP 5,01 euros CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA Pioneirismo e inovação hoesap“oOittaómlrdaeexud, eidcmeasdetoojodaéoaqacousureaasçepãocler,inaeiotusumvdaes”os TraPnesrpfluEansxãtVoaçiPãvuoolPmnuaolmnaornar “Tqeumeeomssaubremefmearoebnsocaaiarre”de Isabel Fragata, diretora clínica adjunta Experiência Única Ana Sofia Santos, responsável pela consulta e da área da Anestesiologia do CHULC em Portugal de adultos do Centro de Referência de Fibrose Quística do CHULC 1

EDITORIAL José Fragata Diretor do Departamento Coração, Vasos e Tórax “A INOVAÇÃO CONTINUA A HONRAR A HISTÓRIA E A MARCAR O PROGRESSO” Este é o segundo número da departamento, mas também curiosamente também, hoje, Revista da área Coração, Vasos constatei que a inovação o lema do Centro Hospitalar e Tórax do Hospital de Santa continua em Santa Marta a Universitário de Lisboa Central. Marta, CHULC. Como Diretor honrar a história e a marcar Mas tem, este número, uma deste enorme departamento o progresso. participação muito especial, da médico-cirúrgico na área Esta edição inclui uma simpática recém aposentada diretora do Cardíaca, Vascular e Pulmonar, mensagem da presidente do Serviço de Anestesiologia, a dá-me um gosto muito especial Conselho de Administração, a Dra. Isabel Fragata, pioneira em escrever este editorial. Dra. Rosa Valente de Matos, Portugal da moderna anestesia Enquanto revia os diversos que fazendo jus à história do cardíaca pediátrica – uma longa textos que compõe esta Hospital e dos serviços que hoje carreira, uma visão sempre edição, dei-me conta da constituem a área, dos quais a atual e uma vida ao serviço da extensão e da qualidade do vetusta Cirurgia Cardiotorácica, Anestesiologia e do SNS, que trabalho que aí realizam os com 60 anos (!), refere o seu descreve numa entrevista de uma mais de 600 colaboradores do papel de “Inovar no Cuidar”, enorme humanidade. 3

e EDITORIAL É justo reconhecer aqui o enorme Ex Vivo de preservação pulmonar, 20 casos, se acham no prelo, contributo da Dra. Isabel Fragata para recuperar pulmões para para publicação. Esperamos para o desenvolvimento da área, transplante, que temos usado com poder contribuir para que mas também as suas inspiradoras sucesso, e que tenho expectativas, num futuro próximo os doentes capacidades de liderança, essas nos permitam vir a aproveitar mais portugueses deixem de ter de prolongadas em muitos dos meia dezena de pulmões por se deslocar ao estrangeiro para anestesistas que, no Centro e ano, número significativo, pois este tipo de intervenções, por muito fora dele, tem treinado. fechámos o ano com cerca de delas disporem, com segurança O Dr. António Tomás, promissor 40 transplantes pulmonares - esta e qualidade, no nosso cirurgião cardíaco, escreve um uma outra marca que se pensava Serviço. Estamos todos nisso belo artigo sobre a cirurgia da inatingível entre nós. O técnico de empenhados! aorta, intervenção que tem, perfusão Paulo Franco ressalta, Esta revista é de toda a área, sob a orientação do Dr. Álvaro com muita clareza, os aspetos e a todos pretendo abranger Laranjeira, conhecido no Centro técnicos deste procedimento, numa palavra de agradecimento um desenvolvimento ímpar, e para o qual convergem e de estímulo, neste momento que terá continuidade no Dr. cirurgiões, anestesistas, técnicos pandémico difícil que temos António Tomás. de circulação extra-corporal vindo a atravessar. Só a Vossa Mas também a Prof.ª Teresa e enfermeiros. competência e colaboração Timóteo, falou sobre as A Prof.ª Fátima Pinto, falou sobre a interdisciplinar tem permitido terapêuticas para a insuficiência Cardiologia Pediátrica, exaltando manter a atividade a um nível cardíaca avançada, terapêuticas a sua história e os muito relevantes seguro e razoável, continuando em que o hospital foi pioneiro, contributos para a especialidade, a servir os nossos Doentes. ao implantar o primeiro coração cujo berço foi ali mesmo... Este Permitam-me que destaque na artificial, num doente que ainda Serviço, por ela dirigido, é o direção da área, a enfermeira ontem vi numa das suas visitas ao exemplo da capacidade de Clara Vital e a Dra. Ana Isabel, Serviço. compatibilizar o legado histórico os diretores de especialidade Num artigo resultante de da Prof.ª Fernanda Sampayo, em exercício, mas também na uma entrevista ao enfermeiro um legado de pioneirismo, de gestão de topo, a Dra. Anabela Vítor Ferreira descreve-se o ensino e de forte tenacidade, Costa, a Prof.ª Fátima Pinto e desenvolvimento da Reabilitação com a abertura à inovação e ao o enfermeiro Faustino Isidro, a Cardíaca no CHULC, área que desenvolvimento, nas vertentes quem deve a área muitas das muito recentemente testemunha académica, assistencial e papel condições que vem reunindo um novo desenvolvimento na Sociedade. para o seu bom desempenho. com o início da Reabilitação Esta reportagem é Obrigado! Cardíaca Pediátrica, e o serviço particularmente atempada e Só quando listamos o de Cirurgia Vascular, que está muito feliz, quando o Serviço que fazemos nos damos, agora a inaugurar o seu novo acaba de assinalar 50 anos de verdadeiramente, conta do bloco operatório, publica um honrosa existência. Desejo ao resultado do esforço de cada excelente artigo sobre uma das serviço e seus colaboradores um, e das muitas lideranças de suas áreas de expertise – a mais 50 anos com iguais, ou proximidade, que todos os dias cirurgia carotídea. maiores, sucessos! vemos emergir ao nosso lado, e Num magnífico exemplo de Finalmente, não poderia deixar que fazem com que este Hospital, colaboração, a Dra. Ana Sofia de mencionar o mais recente esta Área e os seus Serviços, Santos descreve a atividade de Centro de Referência em Santa continuem a marcar no panorama um dos sete centros de referência Marta – o de Hipertensão da Medicina Cardiovascular. que o Hospital de Santa Marta Pulmonar no Adulto e de Tenho muita honra em liderar acomoda, este o de Fibrose Tromboendartrectomia Pulmonar. este departamento e a sua Quística, em colaboração com o Este centro é, no que respeita à gente, em ajudar a cuidar e a Hospital de Dona Estefânia. cirurgia de Tromboendartectomia inovar, mas também a ajudar O Hospital continua a introduzir, Pulmonar, o único no País, acha- a desenvolver as lideranças hoje como ontem, inovação -se já em plena atividade e a futuras, que haverão de no Serviço de Saúde, é o caso produzir resultados de qualidade continuar nele, a tradição e a recente da utilização dos sistemas os quais, referentes aos primeiros ousar na modernidade. 4

e Dedicação. Responsabilidade. Excelência. Inovação 06 N.º 2 - Abril 2020 S U M Á R I O Rosa Valente de Matos, presidente do Conselho de Administração do 07 CHULC “O meu desejo é que se crie no Santa Marta um hospital 13 dedicado ao coração, aos vasos e ao tórax, em toda a 14 sua plenitude” 16 Grande entrevista a Isabel Fragata, diretora clínica adjunta e da área da Anestesiologia do CHULC (recentemente aposentada) 20 Serviço de Cirurgia Cardiotorácica separado em duas 22 unidades funcionais 31 Abertura de 10 camas de internamento para a Cirurgia Torácica 33 Cirurgia da Aorta António Cruz Tomás, assistente hospitalar de Cirurgia Cardíaca 36 Perfusão Pulmonar Ex Vivo na Transplantação Pulmonar. Experiência Única em Portugal – CHULC 38 Paulo Franco, Inês Figueira, Duarte Furtado, Pedro Lucas, Vanda 40 Cláudio, Miguel Mendo TSDT Cardiopneumologia - Perfusionistas do CHULC, EPE Tempo de celebrar Comemorações dos 50 anos do Serviço de Cardiologia Pediátrica Há 50 anos a tratar do coração das nossas crianças Reportagem ao Serviço de Cardiologia Pediátrica “As crianças são verdadeiramente resilientes, transparentes e honestas. Aprendo muito com elas” Fátima Pinto, diretora do Serviço de Cardiologia Pediátrica Equipa presta cuidados estruturados e de qualidade a doentes com fração de ejeção abaixo dos 35 por cento Ana Teresa Timóteo, responsável pela Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada Enfermagem de Reabilitação: essencial para a recuperação dos doentes cardíacos Vítor Ferreira, enfermeiro responsável pelo Programa de Reabilitação Cardíaca “Temos uma boa rede e sabemos a quem referenciar” Ana Sofia Santos, responsável pela consulta de adultos do Centro de Referência de Fibrose Quística do CHULC Patologia Carotídea Obstrutiva Aterosclerótica Isabel Vieira; Tiago Ribeiro; Anita Quintas; Rita Soares Ferreira; Maria Emília Ferreira, Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital de Santa Marta, CHULC; Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada FICHA TÉCNICA: Revista Coração, Vasos e Tórax | Diretora: Sílvia Malheiro ([email protected]) | Redação: Publicação Catarina Cardeta ([email protected]), Sílvia Malheiro | Fotografia: Jorge Correia Luís, Inês Galvão Costa (colaboração) | Paginação e design: Isa Silva | A Revista Coração, Vasos e Tórax é uma publicação da Miligrama Comunicação em Saúde, Unipessoal, Lda. ([email protected]) de periodicidade quadrimestral, dirigida a profissionais de saúde,isentaderegistonaERC,aoabrigodoDecretoRegulamentar8/99,de9/06,artigo12,n.º1ª. | Tiragem:3.000exemplares | | PreçodeVendaaoPúblico:5,01euros | DepósitoLegal:462354/19 | Impressãoeacabamento:Sprod-ProduçãoDigitalLda. 5

e OPINIÃO DEDICAÇÃO. RESPONSABILIDADE. EXCELÊNCIA. INOVAÇÃO. Ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – Hospital de Santa Marta chegam diariamente doentes de todo o país: homens, mulheres e crianças encaminhados para uma instituição que é uma referência nos cuidados do Coração, Vasos e Tórax. Em 2019, estes serviços realizaram e da excelência para assegurar um Rosa Valente de Matos cerca de 76 mil consultas externas, futuro de referência. Presidente cerca de 3 mil cirurgias e deram alta E, por isso, todos os dias a mais de 5 mil doentes internados. reescrevemos os nossos limites Conselho de Administração Aqui todos os minutos contam e todos e superamos os mais diversos do Centro Hospitalar os esforços são importantes. A nossa desafios na busca da excelência missão é cuidar do coração quando dos cuidados como resposta às Universitário de Lisboa Central ele abranda, dar novo fôlego a quem necessidades de cada um dos perde as forças e procurar soluções nossos utentes. como redefinir o percurso hospitalar quando o essencial falha. Em 2019, como resposta às do doente cirúrgico, em especial na Fazemo-lo, todos os dias, através exigências assistenciais que Cirurgia Vascular. da prestação de cuidados decorrem do desenvolvimento No entanto, recomendamos em casos como: transplantes técnico e científico da especialidade, cada vez mais a continuação cardíacos, transplantes pulmonares, aumentámos em 10 camas dos cuidados no lar e por isso cardiopatias, insuficiências a capacidade instalada no reforçaremos a nossa aposta respiratórias e muito mais. internamento na especialidade de com a extensão do protocolo de Estes são apenas alguns exemplos Cirurgia Torácica. Para aumentar a referenciação dos doentes para do muito que tratamos, nas várias diferenciação técnica e possibilitar hospitalização domiciliária e especialidades e potencialidades dos a internalização dos métodos com o lançamento do programa serviços e unidades. São exemplos complementares de diagnóstico e de Integração de Cuidados e de situações muitas vezes complexas, terapêutica no CHULC, iremos ainda Telemonitorização em doentes com cujas respostas são pensadas e aumentar a capacidade instalada DPOC e insuficiência cardíaca. debatidas ao detalhe por equipas das várias técnicas de diagnóstico Acreditamos na inovação e multidisciplinares. invasivas de Pneumologia. Para investigação como as bases que O Serviço de Cirurgia Cardiotorácica garantir a otimização dos tempos garantem a sustentabilidade do tem 60 anos e é a referência da operatórios para três especialidades nosso futuro e por isso iremos Cirurgia Torácica portuguesa. (Cirurgia Vascular, Cirurgia Torácica reforçar a aposta nos novos projetos, O Serviço de Cardiologia Pediátrica e Cirurgia Cardíaca) também será programas de desenvolvimento tem 50 anos e nasceu neste centro reforçada a capacidade dos e investigação. hospitalar. A história e a vasta blocos operatórios. Somos uma referência e queremos experiência que caracteriza esta área, Tendo a melhoria da experiência continuar a sê-lo, queremos nesta instituição, faz-nos perder a conta dos nossos utentes como foco, estar na linha da frente da aos milhares de pequenos e grandes pretendemos reorganizar os inovação, com orgulho, com corações acompanhados pelos nossos processos de atendimento responsabilidade e compromisso. mais de 600 profissionais. administrativo no ambulatório, Queremos, todos os dias, continuar Orgulhamo-nos do passado e do em todas as especialidades, já a “Inovar no Cuidar” – dando presente deste serviço e queremos em curso com a colocação de vida ao lema do Centro Hospitalar continuar o caminho da diferenciação quiosques de atendimento, bem Universitário de Lisboa Central. 6

E N T R E V I S TA É apaixonada pela sua profissão. Dedicou-se de corpo e alma à Anestesiologia e ao cuidado assistencial ao doente. Conseguiu muito, à conta de trabalho pro bono e de muita carolice. Fez inúmeros procedimentos anestésicos inaugurais. Tem preferência pela anestesia para cirurgia cardíaca pediátrica, à qual se dedicou. O seu lema é “o conhecimento vence tudo”, razão pela qual apostou no ensino e formação dos internos e dos especialistas do serviço que dirigiu. Isabel Fragata, diretora clínica adjunta e da área da Anestesiologia do CHULC “O MEU DESEJO É QUE SE CRIE NO SANTA MARTA UM HOSPITAL DEDICADO AO CORAÇÃO, AOS VASOS E AO TÓRAX, EM TODA A SUA PLENITUDE” A uma semana de se reformar da atualmente, no Serviço Nacional RCVT - Está a dias de função pública, Isabel Fragata, de Saúde, assumindo que o se reformar, sente-se diretora clínica adjunta para seu desejo é ver as condições preparada para despir Santa Marta e diretora da área melhorarem, em geral, e que a bata? da Anestesiologia do CHULC, o Hospital de Santa Marta se Isabel Fragata (IF) – Não vou contou um pouco da sua história, torne uma entidade dedicada ao despir a bata, vou diversificar a falou da preocupação que sente coração, aos vasos e ao tórax, minha vida. Dei muito ao setor em relação à situação vivida, em toda a sua plenitude. público, trabalhei milhares de 7

e horas pro bono, aprendi e ensinei profissionais. No entanto, pior ao papel primordial da muito. Porém, é chegada a hora é estarmos a passar por um Anestesiologia. Corre ainda a de partir. Além de já ter idade período em que não se pensa ideia de que o anestesiologista para me reformar, confesso que, em construir uma Anestesiologia é aquele que adormece o enquanto profissional do Serviço forte, dinâmica e com a doente para a cirurgia. É um Nacional de Saúde, este não é qualidade que todos desejamos. erro e uma ignorância total! Esta um momento em que me sinta O que está a ser feito é o especialidade é uma medicina empolgada. espartilhar dos técnicos para a peri-operatória, porque envolve Existem fatores precipitantes, contratação de tarefas. o pré, o intra e o pós-operatório. mas, de qualquer maneira, a Entendo que a especialidade só A morbilidade e mortalidade reforma seria inevitável dentro terá futuro se for centrada num anestésicas podem não ser de sensivelmente dois anos. departamento, com profissionais facilmente vistas no período Vou continuar a ter a minha que, simultaneamente, preparem operatório imediato, mas atividade como anestesiologista, os novos anestesiologistas, seguramente existem e no privado, mas em part time. mantenham uma atualização permanecem ocultas. Só uma Não vou integrar nenhum corpo permanente, consigam obter melhor Anestesiologia, com clínico, vai ser uma atividade, de melhores condições técnicas e qualidade, regrada, com certa forma, liberal. possam evoluir. Isto iria resultar em bom apoio tecnológico, boas RCVT - A que fatores especialistas mais eficazes, mais condições físicas e motivada precipitantes se refere? eficientes, com maior qualidade, pode melhorar todo o panorama. IF – Estamos a viver um ambiente melhor segurança, e, ainda que RCVT – Temos muito a fazer difícil, sobretudo no âmbito da indiretamente, melhor produção. em Portugal? Anestesiologia. Não conseguimos Atualmente, é difícil atingir os IF – Temos! E provavelmente em competir com o setor privado, no níveis necessários de produção. Inglaterra também. Não sei como que respeita aos contratos dos Na minha perspetiva, porque está é atualmente a situação local, profissionais. Temos obrigação de tudo desregulado e espartilhado. mas deve ser bastante semelhante formar pessoas e fazemo-lo com O que se tem vindo a fazer é à portuguesa. Em outros países gosto. Temos formado excelentes tentar arranjar respostas que, em europeus tem havido o cuidado anestesiologistas, que partem vez de melhorar a situação, vão de manter a especialidade coesa assim que têm a sua “carta de levar à degradação dos serviços e com departamentos científicos e alforria”. Vão para instituições de Anestesiologia, num futuro tecnicamente autónomos. onde lhes são dados melhores próximo. Hoje recorre-se à prestação de salários, condições físicas e, Tenho muita pena, tenho até serviços, para dar resposta às provavelmente, facilidades mágoa. Em Portugal e em necessidades de produção, mas técnicas que não têm no setor Inglaterra, vivi o fantástico a médio prazo vai ser público. É uma pena! Antevejo conceito do serviço de uma desgraça. graves dificuldades se não se Anestesiologia com as suas RCVT – E consegue dar-se alterar esta situação. hierarquias, um local privilegiado essa resposta? RCVT – A escassez de onde se discutiam casos, IF – Consegue dar-se uma anestesiologistas tem se ensinavam os internos e resposta relativa, não a levado a dificuldades para se garantia a qualidade e necessária. Com a evolução o centro hospitalar em geral a segurança na atividade. tecnológica nas diversas áreas e para o Departamento Atualmente, esse conceito está cirúrgicas, aumentaram muito Coração, Vasos e Tórax em destruído. os exames realizados fora do particular? Existem entidades, como a bloco operatório e há uma IF – A falta de anestesiologistas Sociedade Portuguesa de maior necessidade de sedar é transversal em todo o país Anestesiologia e o Colégio da e/ou mesmo anestesiar os e, obviamente, acontece Especialidade de Anestesiologia doentes, logo são precisos também nas valências mais da Ordem dos Médicos, que mais anestesiologistas. Neste específicas. Atravessamos um trabalham incessantemente nesse momento, não há estrutura grande problema de falta de desiderato… Não sei se os nossos que permita dar resposta a um gestores acompanham. Há falta de cultura em relação 8

E N T R E V I S TA número sem fim de procedimentos. dedicava à cirurgia cardíaca, e, algumas derrotas, mas poucas. Pelo contrário, as dificuldades por inerência, fui-me dedicando Foram compensadas pela alegria económicas do nosso país à anestesia cardíaca. Mais tarde, da maior parte dos casos. Hoje, e a Troika limitaram muito a estive em Inglaterra e, numa ainda visito ou sou visitada por contratação de pessoal. Não sei parte substancial do meu estágio, doentes, que foram operados no qual será a solução, mas é uma tive oportunidade de aprender período neonatal e que são agora situação que me preocupa e que anestesia para cirurgia cardíaca jovens e adultos com profissões, deve preocupar muito os nossos pediátrica, que me fascinou. integrados na sociedade e com gestores e a Tutela. Trabalhei muito com o Prof. José família. É uma compensação. RCVT – O que a levou a Fragata neste setor, durante Chega-se a um ponto em que se seguir Anestesiologia? muitos anos, e foi a área que tem muitas alegrias. IF – Depois de voltar do serviço mais gostei: anestesiar para RCVT – Já tinha sido mãe médico à periferia, conheci a cirurgia cardíaca, nomeadamente quando começou a operar Dr.ª Cristina da Câmara, uma cardiopatias congénitas. bebés? anestesiologista que estava à RCVT – Como é operar o IF – Já era mãe e tinha uma frente da Unidade de Cuidados coração de bebés? filha com uma cardiopatia Intensivos Neurocirúrgicos do IF – Poderá ser considerado o congénita, por infelicidade e antigo Serviço 10 do Hospital topo da dificuldade anestésica, por obra do destino! Isso levou- de São José, e foi, nessa altura, mas o tempo, a experiência e a -me a dar muito mais valor à que comecei a interessar-me pela dedicação fazem com que esse minha profissão e ao que sentia especialidade. Até então, não trabalho se torne relativamente em relação aos pais daquelas tinha ideia do que queria seguir. mais fácil e, simultaneamente, crianças, porque eu estava na RCVT – Quais os tipos de grande realização pessoal e mesma situação. de cirurgia que mais a profissional. Sobretudo, porque, RCVT – Apesar de todas as desafiam? na maior parte dos casos, dificuldades que já referiu, IF – Fui a primeira interna da conseguimos entregar os filhos aos o que significa para si especialidade do Hospital de seus pais, com capacidade de uma passar a Direção da área Santa Cruz, que, na altura, se vida útil e isso é uma vitória. da Anestesiologia? No decurso da minha vida, tive 9

e IF – Chega a uma altura da vida IF – É interessante. Pelos assuntos Administração adjunto de Santa em que temos de o fazer e é que nos trazem para tratar, é um Marta, em cooperação com preferível que essa mudança seja misto daquilo que é ser médica e os serviços clínicos. Tratámos realizada enquanto nos sentimos responsável por um departamento. dessas obras, que estão ainda a saudáveis e capazes. Quando Foi uma aprendizagem, ao início decorrer, assim como de outros podemos passar o testemunho a incipiente, mas agora já assuntos de natureza diária que é uma, ou várias pessoas, em tempo estou adaptada. preciso gerir. útil, e a quem acreditamos que Estamos com obras de RCVT – Há alguma coisa possa seguir a linha que remodelação do bloco que gostasse de ter feito, traçámos e em que acreditamos. operatório da Cirurgia Vascular, enquanto diretora clínica É um sentimento estranho, temos algumas estratégias de adjunta, mas que não teve porque sinto que, daqui a alguns remodelação do hospital de dia tempo de concretizar? dias, acabou! e a abertura de uma sala de IF – Gostava de ter tido Contudo, vou iniciar uma nova técnicas pneumológicas. oportunidade de deixar o fase e continuar com a minha O Serviço de Anestesiologia Hospital de Santa Marta atividade privada. Tenho outros vai sair do local onde está apetrechado tecnologicamente. projetos de vida e quero dedicar- implantado, junto ao bloco, e De deixar as salas de bloco -me à família, para quem não tive ser instalado num outro piso, operatório com ecógrafos, que muito tempo. para dar espaço às técnicas são atualmente imprescindíveis RCVT – Está na Direção de Pneumologia. Todas as para uma boa prática, e de Clínica há pouco tempo, decisões de alterações, ter apoio tecnológico mais cerca de sete meses, mas maquetes, escolhas de lugares adequado para o manejo das como é o dia a dia da e reorganização do hospital de vias aéreas. diretora clínica adjunta? dia foram tomadas em conjunto Estou a referir-me ao Hospital de pelos elementos do Conselho de E N T R E V I S TA 10

Santa Marta, mas digo o mesmo em mas considero que não foi bom profissional, de obrigação, de relação a todo o CHULC. Gostava agrupar hospitais velhos! Se uma servir a instituição e os doentes, que os meus colegas ficassem instituição com dificuldades físicas e sempre muito focado na com os seus locais de trabalho e técnicas já é difícil de gerir, qualidade e na segurança da sua devidamente equipados. Existem esta afiliação de tantas entidades atividade. dificuldades financeiras que tornam com tantas necessidades tornou a Temos um grupo de cerca de 50 tudo isto uma luta diária e que situação de gestão extremamente internos do CHULC, que, todos desgastam qualquer profissional. complicada, até para os próprios os anos, aprende e se diferencia Fiz muito durante toda a minha gestores. Não gostava de estar connosco. carreira, aqui e não só: muitos no seu papel. No gabinete de ensino, procedimentos inaugurais, No que respeita à junção de temos uma equipa entusiasta, tanto em cirurgia cardíaca especialidades afins, sabe-se, que segue os internos e os pediátrica, como na de adultos, hoje, que os doentes não são prepara para os desafios na transplantação pediátrica, ou não devem ser tratados na da especialidade, porque na transplantação cardíaca e especialidade A, B ou C. Uma entendemos que a qualidade, na pulmonar. O saldo foi muito pessoa que vai ser submetida a eficácia e a produtividade positivo à custa de muita carolice a cirurgia cardíaca, já passou vêm do conhecimento. Por cada e empenho, o que cansa, porque pela Cardiologia, vai precisar anestesiologista bem preparado a contrapartida é muito difícil. Por da Anestesiologia e, depois, são salvas muitas vidas. isso, gostaria de deixar o Serviço provavelmente, de Reabilitação. Embora grande parte das de Anestesiologia equipado de Deve ter um percurso global e instituições públicas hospitalares recursos humanos. ser tratada como um todo. Isto não dê espaço ao ensino, esta foi A Maternidade Alfredo da permite obter saúde, ou próximo sempre uma preocupação que tive Costa está a passar por grandes dela, de forma integrada. enquanto responsável. dificuldades. Quem decidiu que RCVT – Quais os É importante formar pessoas com deveria permanecer aberta não principais desafios que o um bom nível profissional, porque se preocupou em recrutar pessoas. departamento coloca à vão, seguramente, ser bastante Esta é uma situação que me tem Direção Clínica? úteis para a sociedade. Sinto-me desgastado ao longo dos anos e IF – A restruturação. É honrada por sair com a sensação para a qual não se tem conseguido necessário reformular e integrar de que deixei gente muito boa. arranjar uma solução efetiva. os serviços. Isso não se faz num Pelo menos, isso fica. Mas também há aspetos positivos. dia, é preciso tempo e um plano A evolução não sei como será. A equipa de anestesiologistas de estratégico definido, que tem de Vai depender da capacidade todo o CHULC é de muito boa ser seguido. Caso contrário a das pessoas que ficam a liderar, qualidade. Temo que, se não junção torna-se ineficiente. se lhes permitirem liderar com as lhes forem dadas mais condições RCVT – Onde está esse condições necessárias e se a Tutela técnicas e salariais, essas pessoas plano estratégico? consentir o aumento dos recursos se cansem e se vão embora. IF – Existe e está definido. humanos. Saio contente, mas É uma pena. É um grupo que Esperemos que os nossos não tranquila. Vou com alguma merece ser acarinhado. superiores hierárquicos o ponham preocupação com a evolução. RCVT – Quais considera em marcha. Enquanto diretora clínica adjunta, ser as mais-valias de se RCVT – Qual o balanço que foi uma passagem muito rápida, ter criado o Departamento faz da sua carreira? não consigo fazer um balanço Coração, Vasos e Tórax IF – É um balanço positivo. real e nem faz sentido. em detrimento das Trabalhei muito e consegui RCVT – Durante todos estes especialidades isoladas? congregar excelentes profissionais anos, como foi conciliar IF – Há sempre a tentativa de no âmbito anestésico. Tenho os seus papéis de médica, se aglutinar especialidades, orgulho de deixar um grupo de diretora, de mãe, de departamentos e, até, hospitais. coeso, trabalhador, com sentido mulher…? Começando pelos centros IF – Para mim, a Anestesiologia hospitalares, percebo a iniciativa, sempre foi um bichinho. Tornou- 11

e -se uma necessidade, logo fizemos a nossa parte, relemos uma vez que as nossas reformas foi fácil. Enquanto diretora da a tese, corrigimos as vírgulas… são fracas. A nível pessoal, quero área, fui capaz de organizar Somos uma equipa fantástica e estar com a família, “aquela” que e definir quais os profissionais sempre conseguimos conciliar tudo. esteve sempre comigo. Agora coordenadores que estariam em RCVT – Como é estar no vou poder ser eu a estar com ela. cada um dos polos. Sendo um bloco operatório com o Vou recompensá-las pelo tempo centro tão grande e com tanta marido? que me dedicaram e vou poder atividade, temos de saber delegar. IF – Umas vezes é bom, outras estar com os netos. Tenho dois, Acredito que o fiz sabiamente. é uma luta! Temos alturas em um rapaz e uma rapariga. É bom trabalhar com pessoas que estamos de acordo e outras De resto… Quero cuidar de que sentem paixão pelo que em que não estamos. Contudo, mim e viver um bocadinho as fazem e que têm capacidade de conhecemo-nos muito bem, manhãs, porque sempre me liderança. Difícil foi o que veio do porque trabalhamos juntos há levantei às 06h00. Quero ter exterior, as necessidades que não anos. Sabemos exatamente os tempo para ler, para escrever e foram repostas, tanto de recursos passos que cada um vai dar. para descansar. Não tenho mais humanos, como de materiais. Temos uma concordância de projetos, mas sei que nunca mais Como mãe… Agora, tenho duas trabalho real, o que é bom. vou querer gerir pessoas. Foram filhas adultas e já sou avó. Quando Para mim, ele é um excelente muitos anos! eram pequenas, as minhas filhas cirurgião, com quem tive Mesmo de casa, gostava de passaram muitas noites no Hospital oportunidade de trabalhar. poder ver este departamento de Santa Cruz, onde eu e o meu Espero que, para ele, eu tenha do Hospital de Santa Marta marido trabalhávamos. Muitas sido uma boa anestesiologista. florescer na direção correta. vezes, não tinha quem ficasse com RCVT – Falam muito de No sentido de lhe serem dadas as meninas, a carrinha da escola trabalho em casa? condições para que possa fazer deixava-as lá e ficavam connosco. IF – Sempre. Desde que o sol ainda melhor. De certa forma, Jantavam, dormiam e, no dia nasce, até que se põe! ia também dar algum valor à seguinte, iam para a escola com a RCVT – Projetos futuros? minha atividade. mesma farda! IF – A nível profissional, continuar Esse é o meu desejo, que a Hoje, uma delas é médica. A outra com a minha atividade privada, situação melhore e que se crie não, é advogada. Fomos sempre mesmo um hospital dedicado ao uma equipa, inclusive quando o coração, aos vasos e ao tórax, meu marido se doutorou, todos em toda a sua plenitude. Isabel Fragata Nasceu em Lisboa, a 16 de novembro de 1952. É anestesiologista desde 1986. Foi a primeira interna da especialidade do Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, onde permaneceu durante cerca de 20 anos. Durante dois anos, fez vários estágios, em Londres. Altura em que começou a anestesiar para cirurgia cardíaca pediátrica, em conjunto com o cirurgião cardiotorácico José Fragata, seu marido. Em 1998, concorreu a chefe de serviço do Hospital de Santa Marta, onde foi colocada. Posteriormente, assumiu a Direção do Serviço de Anestesiologia desta mesma instituição e, aquando da constituição do CHULC, tornou-se diretora da área de Anestesiologia, ou seja, dos seis hospitais que o constituem. Há cerca de sete meses, tornou-se diretora clínica adjunta do CHULC, uma passagem rápida, uma vez que vai deixar, dentro de dias, a função pública, por reforma. Isabel Fragata foi substituída, na Direção Clínica, por Fátima Pinto, também diretora do Serviço de Cardiologia Pediátrica. 12

Serviço de Cirurgia Cardiotorácica separado em duas unidades funcionais ABERTURA DE 10 CAMAS DE INTERNAMENTO PARA A CIRURGIA TORÁCICA A separação física das duas especialidades do No passado dia 25 de Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, Cirurgia novembro, o CHULC Torácica e Cirurgia Cardíaca, tratou-se de uma procedeu à abertura necessidade de carácter não só logístico, mas de mais 10 camas de também científico. Esta separação é o reflexo do internamento, que que, em termos práticos, já acontecia. deram origem à Unidade de Cirurgia Tóracica, aumentando assim a resposta deste centro hospitalar às crescentes exigências assistenciais da especialidade. Este caminho permite não apenas o desenvolvimento da Cirurgia Torácica, mas também que a atividade da Cirurgia Cardíaca se possa expandir de igual modo, uma vez que deixaram de partilhar o mesmo espaço de internamento. 13

e OPINIÃO CIRURGIA DA AORTA A grande evolução que, ao longo dos últimos anos, se tem assistido no tratamento da patologia da aorta, conferiu a possibilidade de tratamento a doentes que outrora, pelo elevado risco cirúrgico, eram abandonados à evolução natural da sua doença. De facto, os avanços técnicos e o conhecimento crescente nesta área tornaram-se tão marcados e específicos que a própria Sociedade Europeia de Cirurgia Cardiotorácica (EACTS) viu necessidade de obter um novo domínio, ao qual denominou ‘Vascular’, em adição aos já existentes (Cardíaco de Adultos, Congénitos e Torácico). Com o advento da cirurgia estratégia cirúrgica, isto é, qual António Cruz Tomás endovascular e com o o melhor tratamento que pode Assistente hospitalar aparecimento de novas estratégias ser oferecido – o que pode de Cirurgia Cardíaca na cirurgia aberta, não só a ser definido como aquele que mortalidade cirúrgica diminuiu apresenta o melhor resultado a geralmente para o resto da sua vertiginosamente, como também longo prazo, expondo o doente vida, que gerou um volume as complicações se tornaram ao menor risco possível. No crescente de consultas. menos frequentes. Doentes que no nosso Departamento, doentes Tal como acontece com o passado teriam um risco proibitivo com patologia mais complexa tratamento de outros órgãos, para cirurgia, podem hoje ser (multissegmentar) são discutidos caminhamos para um futuro tratados com um risco até bastante em reunião multidisciplinar minimamente invasivo – não inferior ao de qualquer outra e é decidida qual a melhor estamos longe de poder tratar cirurgia cardíaca convencional abordagem. Desde a cirurgia a totalidade da aorta de forma (por exemplo, inferior ao risco de de Frozen Elephant Trunk ao endovascular. Claro que, uma substituição valvular aórtica) FEVAR, a maioria das opções de tudo isto, terá um custo e será e com um regresso mais rápido à tratamento estão disponíveis no necessário preparar este mesmo sua vida ativa. nosso armamentário. futuro, investindo na formação A aorta, principal artéria do No nosso Hospital, a cirurgia dos profissionais e no Hospital, organismo, deve ser vista e da aorta regista uma atividade dotando-o de recursos capazes abordada como órgão único bem acima da média. Para de acompanhar esta evolução. que é. A clássica divisão entre tal, contribuiu a diferenciação Numa altura em que se criam torácica e abdominal é, cada vez técnica do nosso Serviço ao Centros de Referência, sob mais, meramente anatómica, pois longo dos últimos anos com o pretexto de se concentrar para efeitos de tratamento não o desenvolvimento de uma conhecimento e recursos, para beneficia o doente. À semelhança equipa dedicada à aorta, o obter os melhores resultados, do que acontece com outros elevado número de doentes fará todo o sentido considerar o órgãos, o manejo dos doentes referenciados de outros centros exemplo do nosso Hospital nesta com patologia da aorta deve ser e a boa relação entre Cirurgia área para torná-lo num centro multidisciplinar. O anestesiologista, Cardíaca e Cirurgia Vascular. Os para Cirurgia da Aorta. o cirurgião cardíaco e o cirurgião bons resultados traduziram-se vascular devem avaliar o no seguimento pós-operatório doente e definir qual a melhor rigoroso destes doentes, 14

e Paulo Franco; Inês Figueira; Duarte Furtado; Pedro Lucas; Vanda Cláudio; Miguel Mendo TSDT Cardiopneumologia - Perfusionistas do CHULC, EPE PERFUSÃO PULMONAR EX VIVO NA TRANSPLANTAÇÃO PULMONAR EXPERIÊNCIA ÚNICA EM PORTUGAL - CHULC Atualmente, o número de pessoas que necessitam de um transplante pulmonar é superior ao número dos pulmões doados disponíveis. Isto depende, em larga escala, do facto de apenas cerca de 20 por cento dos pulmões doados serem aceites para transplantação.1,2 Têm sido estudadas, ao longo dos anos, diversas formas de ultrapassar o problema da escassez de órgãos, como por exemplo, potenciar a qualidade dos órgãos doados e a possibilidade de utilizar órgãos de dadores de coração parado. Durante a última década, o método de recuperação Figura 1 e avaliação pulmonar Ex Vivo Lung Perfusion (EVLP), Sistema Vivoline LS1 conquistou uma maior aceitação, como forma de aumentar o número de pulmões disponíveis para SISTEMA EVLP transplantação. Foi desenvolvido e utilizado pela primeira vez em humanos, quando Steen e Col. Este equipamento apresenta-se como sendo o transplantaram um pulmão de um dador de coração primeiro sistema do mercado com aprovação CE, parado em Lund, Suécia, no ano 2000.3 capaz de realizar uma avaliação Ex Vivo de forma O método também pode ser utilizado na segura e controlada, destinando-se à recuperação, recuperação de pulmões de dadores inicialmente avaliação e conservação a frio de pulmões de rejeitados. O primeiro transplante pulmonar de dadores marginais, após a doação e antes da um pulmão de dador inicialmente rejeitado, após transplantação (Fig. 1). recuperação EVLP, foi realizado com sucesso em O dispositivo é composto por um sistema compacto, 2005 por Steen e Col. 4 O método foi adotado constituído por três partes principais, uma unidade e aperfeiçoado por outros centros.5,6 Ao utilizar de avaliação, uma unidade de monitorização/ a recuperação e avaliação pulmonar Ex Vivo, a /controlo e uma câmara para os pulmões. A unidade capacidade de oxigenação dos pulmões de dadores de avaliação substitui uma máquina coração- marginais pode ser aumentada e estes podem ser -pulmão, possibilitando a monitorização e gestão de viáveis para transplantação.7,8 pressões pulmonares (0-20mmHg), fluxos (0-6l/min) O Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do CHULC dispõe de uma equipa multidisciplinar constituída por um cirurgião torácico, um anestesiologista, um perfusionista e um enfermeiro instrumentista, responsáveis pela criação de um Protocolo EVLP. O primeiro transplante com pulmões recuperados EVLP foi realizado em Portugal, em 2019, no CHULC – Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, tendo-se realizado até à data dois casos de perfusão com este dispositivo, com uma taxa de utilização de 100 por cento. 16

Figura 3 Diagrama ELVP e temperaturas (6-37ºC), dependendo da fase de O visor na interface do perfusionista apresenta tratamento em que se encontra. A câmara para os pulmões consiste num conjunto descartável que gráficos e valores de pressão, temperatura e garante um campo asséptico para a manutenção dos órgãos durante todo o procedimento. fluxo pulmonar (Fig.2). A resistência vascular As principais vantagens associadas a esta inovação tecnológica prendem-se com questões de maior pulmonar é calculada e apresentada. Todos os conforto e tranquilidade na decisão para a equipa cirúrgica, uma potencial economia de órgãos e um dados são armazenados pelo sistema e podem ser estímulo à investigação científica no tratamento de doenças pulmonares. O sistema EVLP destaca-se facilmente acedidos para fins de investigação ou assim por: • Fornecer um controlo de pressão e de fluxo que documentação relativa à qualidade. minimiza o risco de danificar o órgão; Como o sistema é controlado por pressão e fluxo, • Os órgãos poderem ser armazenados até ao dia a configuração inicial de parâmetros irá limitar seguinte, eliminando a necessidade de realizar um transplante durante a noite; automaticamente o valor alcançado. Desta forma, o • O movimento operatório não sofrer perturbações durante o tratamento EVLP, garantindo-se a risco de fluxo aumentado no circuito pulmonar e/ou realização de cirurgias eletivas agendadas, com uma gestão otimizada de recursos e tecnologias pressões demasiado elevadas é limitado. dispendiosas, características dos blocos operatórios; A temperatura é medida em dois • O equipamento pode ser montado de forma rápida pelo perfusionista, reduzindo, assim, Figura 2 locais diferentes (oxigenador as necessidades de pessoal durante o Monitor do LS1 e aurícula esquerda), sendo a tratamento EVLP; temperatura alvo de cada fase • Permitir testar facilmente pulmões de dadores marginais, oferecendo a oportunidade de definida no monitor. aumentar o número de órgãos disponíveis para transplante; De forma a garantir a perfusão dos • Garantir a adoção de uma técnica uniformizada, seguindo um órgãos submetidos a EVLP, devem protocolo definido, o que simplifica a investigação; ser selecionadas sucessivamente • O sistema permitir o acesso a bases de dados para estudos científicos. diferentes fases no monitor – COMO FUNCIONA preparação, recuperação, A unidade de avaliação possui uma avaliação, arrefecimento e bomba de roletes integrada, uma unidade de aquecimento/ arrefecimento e um preservação, de acordo com o sistema de gás. O conjunto descartável estéril é constituído por uma câmara protocolo adotado no serviço. O para pulmões com um reservatório, um oxigenador, um filtro leucocitário, fornecimento de gás é pré-definido sensores de pressão e set de tubos. e altera-se automaticamente durante as várias fases (Fig. 3). Preparação: O sistema está montado para utilização, 17

e Figura 4 de oxigenação, executando gasimetrias seriadas e Priming do circuito avaliando a saturação de O2. Esta é a fase decisiva para a aceitação ou rejeição do(s) órgão(s) para procedendo-se à administração do priming, para transplante (Fig. 6). Arrefecimento: Inicia-se o arrefecimento para expurga do circuito, com a adição de uma solução a temperatura pretendida e faz-se circular uma solução oxigenada pelo pulmão, confirmando- de avaliação, com elevada pressão oncótica (Steen -se pela análise dos parâmetros do sistema, a capacidade funcional do órgão (Fig. 7). Solution®), para reverter o edema pulmonar, e de Preservação: O pulmão é perfundido com uma solução de proteção farmacológica cristaloide duas unidades de concentrado eritrocitário (Perfadex®), armazenado e mantido húmido e frio através de refrigeração tópica por um período máximo de 22 horas, aguardando a implantação no recetor (Fig. 8). (Fig. 4). Esta fase corresponde à preparação do CASOS CLÍNICOS sistema e expurga do circuito para a receção do pulmão doado (Fig. 5). A primeira preservação EVLP no sistema LS1 Recondicionamento: O pulmão é reaquecido lentamente e perfundido com solução de Steen foi realizada após colheita de órgãos em oxigenada, sendo esta a fase de tratamento dador do sexo feminino, de 60 anos, em morte propriamente dita. É durante esta fase que se cerebral por AVC hemorrágico, observando-se procede à reversão do edema pulmonar, graças acroscopicamente um edema significativo das ao efeito oncótico bases pulmonares, em pulmão enfisematoso da solução de Steen, com várias bolhas apicais bilaterais (com devolvendo ao pulmão PaO2 310mmHg), que ditou a indicação a sua capacidade para recondicionamento EVLP. O tempo de funcional, neutralizando isquemia fria foi de 3 horas, tendo-se iniciado o edema provocado o recondicionamento com duração total de 90 durante as manobras minutos. Na gasimetria final após avaliação foi calculado um ratio PaO2/FiO2 = 580, com teste associada à colheita. de colapso adequado Avaliação: A membrana oxigenadora para elegibilidade do circuito, utilizada até dos órgãos para então para oxigenar e transplante. perfundir os pulmões, A segunda EVLP é utilizada agora para no sistema LS1 foi desoxigenar, mediante realizada após a administração na Figura 5 membrana de uma colheita de órgãos Preparação do pulmão em dador do sexo mistura gasosa de masculino, de 36 anos, CO2/N2, (azoto e dióxido de carbono) de modo a em morte cerebral circular pelo pulmão em normotermia. Nesta fase, os por causa iatrogénica pulmões estão conectados ao ventilador e testa- num contexto de -se a função/capacidade de oxigenar esta mesma distúrbio psiquiátrico, solução dessaturada a 21 por cento, 50 por cento observando-se e 100 por cento FiO2. É realizada a avaliação e macroscopicamente verificada a funcionalidade pulmonar, capacidade um edema significativo Figura 6 das bases pulmonares, Fase de Avaliação 18

Figura 7 com critérios gasimétricos concordantes Fase de Arrefecimento (PaO2 220 mmHg Gasimetria Arterial / / PaO2 260 mmHg Aurícula Esquerda), que formalizaram a indicação para REFERÊNCIAS recondicionamento por EVLP. O tempo BIBLIOGRÁFICAS de isquemia fria foi de 5 horas, tendo-se iniciado o recondicionamento com duração 1. Ware LB et al Lancet. total de 120 minutos. Na gasimetria final 2002, 360:619-20 após avaliação foi calculado um ratio PaO2/FiO2 = 423, com teste de colapso 2. Pierre A F et al. J., Thorac adequado para elegibilidade dos órgãos Cardiovasc. Surg., para transplante. 2002;123;421-428 CONSIDERAÇÕES FINAIS 3. Steen et al. Lancet; 2001; Vol 357; March 17. O recurso a esta tecnologia poderá traduzir- -se num potencial aumento do número 4. Steen et al. Ann Thorac de dadores para transplante pulmonar, Surg. 2007; 83 2191-95 utilizando pulmões de dadores marginais, que à partida seriam rejeitados. Com a técnica EVLP, a recuperação pulmonar pode ser de 50 a 70 por cento em 5. Wierup et al. Ann Thorac centros com experiência, dependendo dos critérios para iniciar o tratamento do Surg. 2009; 87 255-60 órgão. Estas taxas de utilização estão dependentes não só da experiência do serviço, mas também do protocolo utilizado (Lund, Toronto ou OCS). 9 6. M. Cypel et al American A utilização desta técnica vai aumentar o número de dadores entre 15 a 30 Journal of Transplantation. por cento dependendo do estado inicial do dador, não havendo para já uma 2009; 9: 2262–2269 relação protocolo - resultado estabelecida. 9,10 Quando comparados os resultados de doentes transplantados com 7. P M Pego-Fernandes órgãos submetidos a EVLP versus transplante convencional, os resultados et al. Transplantation não apresentam diferenças estatisticamente significativas relativamente a Proceedings. 2010, complicações pós-operatórias e melhorias na qualidade de vida dos doentes. 10,11 42, 440–443 Importa sublinhar que esta tecnologia foi desenhada para a recuperação de dadores marginais e não para a substituição de dadores ótimos, contribuindo de 8. Wieruo et al. ANN Thorac forma efetiva para a diminuição das listas de espera para transplante pulmonar. Surg. 2006;81:460-6 9. Andersson et al., European Journal of Cardiac- Thoracic Surgery. 46-2014, 779-788 10. Valeza, Franco et al. Transplant International. 2014, 553-561 11. Cypel et al. The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery. 2012, 144-5,1200,1207 Figura 8 Fase de Preservação 19

e TEMPO DE CELEBRAR A manhã do dia 29 de outubro foi de festa. Comemorou-se o 50.º aniversário do Serviço de Cardiologia Pediátrica e desta especialidade em Portugal. Atual diretora do serviço, com os pioneiros, criadores e antigos diretores do espaço. Sashicanta Kaku, Fernanda Sampayo, Fátima Pinto e Manuela Lima (da esq. para a drt.) A festividade teve início com uma missa na capela do hospital, seguida de uma sessão em auditório sobre a Cardiologia Pediátrica no Hospital de Santa Marta, onde se homenageou Fernanda Sampayo, criadora do serviço e sua primeira diretora, assim como Manuela Lima e Sashicanta Kaku, médicos envolvidos na criação do serviço e seus antigos diretores, e ainda Agostinho Borges, pelo seu trabalho pioneiro na ecocardiografia fetal. As honras da casa foram feitas por Fátima Pinto, atual diretora do Serviço, José Fragata, diretor do Departamento, e Rosa Valente de Matos, presidente do Conselho de Administração do CHULC. A sessão foi participada e animada, tendo até contado com a presença da Super Dra. Ginjação e do Dr. EuGénio, “Doutores” da Operação Nariz Vermelho, que resolveram “dar o ar de sua graça”. A festa terminou com um almoço aberto a todos os presentes. 20

Cardiologia Pediátrica: “Portugal no pelotão da frente” À margem das comemorações, Fátima Pinto salientou o pioneirismo e o mérito do trabalho de Fernanda Sampayo: “A professora trabalhou no sentido de criar e desenvolver a especialidade de Cardiologia Pediátrica, em Portugal. Conseguiu reconhecimento científico e que a Ordem dos Médicos considerasse a área como uma especialidade autónoma.” “Foi um avanço muito grande no nosso país. Portugal ficou no pelotão da frente. Fomos os terceiros a nível mundial a ter a especialidade de Cardiologia Pediátrica com caráter autónomo de formação médica.” Fátima Pinto lembra que “Portugal passou a ser um caso de estudo para a Associação Europeia de Cardiologia Pediátrica, que está a trabalhar no sentido de normalizar a formação dos cardiologistas pediátricos em toda a Europa”. 21

e Serviço de Cardiologia Pediátrica do CHULC HÁ 50 ANOS A TRATAR DO CORAÇÃO DAS NOSSAS CRIANÇAS 2222

Alguns profissionais da equipa, com os Doutores Palhaços, da Operação Nariz Vermelho O Serviço de Cardiologia mais pequenos: cateterismos, como pela especialidade que, há Pediátrica do CHULC cirurgias cardíacas, transplantes, uns anos, abraçou são visíveis, nasceu, há 50 anos, no arritmologia/eletrofisiologia, dão-lhe brilho e vontade de Hospital de Santa Marta, coração artificial externo e nos dar a conhecer o excelente pela mão da cardiologista até diagnóstico em grávidas, trabalho que desenvolvem, assim Fernanda Sampayo, dando permitindo programar o como os profissionais com quem origem à especialidade de nascimento dos bebés com trabalha. Há esforço, empenho e Cardiologia Pediátrica, em cardiopatias congénitas em orgulho. Portugal. Resultado: uma segurança e iniciando de Depois de nos mostrar o espaço “redução drástica” da imediato o seu tratamento. em que o serviço se instala, mortalidade infantil. Foi entre a alegria que nos Fátima Pinto levou-nos até ao transmitem as pinturas das gabinete da Direção do Serviço, Este serviço pioneiro, berço da paredes do corredor do serviço até ao seu gabinete, para especialidade no nosso país, que dirige e as brincadeiras das mais calmamente podermos continua a ser inovador e a crianças e dos Drs. Palhaços conversar sobre este conceituado manter-se na vanguarda no – Super Dra. Ginjação e Dr. espaço e o trabalho que nele é que respeita à execução da EuGénio – que a cardiologista desenvolvido. maior parte das técnicas e dos pediátrica Fátima Pinto, atual No que respeita aos doentes procedimentos, atualmente, diretora deste espaço, recebeu a pediátricos, atualmente, é feita utilizados no tratamento das equipa de reportagem da Revista uma média de 8 mil consultas doenças do coração dos Coração, Vasos e Tórax. por ano e são internados cerca A paixão e o encantamento que de 400 doentes. Quanto aos sente pelas “suas” crianças, assim adultos com doenças cardíacas 23

e congénitas, fazem, em parceria Uma história de sucesso área. Tivemos a sorte de ter com os cardiologistas de adultos, Fátima Pinto recua 50 anos, regressado a Portugal e de ter pelo menos 1700 consultas até aquele que ainda “não sido contratada para o Serviço por ano e cerca de 100 era o seu tempo”, e conta a de Cardiologia deste hospital”, internamentos. história de sucesso do Serviço conta Fátima Pinto. Em 2019 foram feitas cerca de Cardiologia Pediátrica, Depressa se percebeu que não de 8 mil ecocardiografias, fazendo jus ao nome da pioneira havia mais nenhuma instituição entre crianças e adultos com Fernanda Sampayo, que teve no país a fazer Cardiologia patologia congénita, mais de a iniciativa de, em outubro de Pediátrica e todos os doentes 1600 ecocardiogramas fetais, 1969, criar a primeira consulta passaram a ser referenciados realizados pelos profissionais de Cardiologia Infantil. para a consulta do Hospital de do serviço, no Hospital de Cerca de quatro anos mais tarde, Santa Marta. “Foi necessário Santa Marta e na Maternidade a Cardiologia Pediátrica foi criar um espaço para internar as Alfredo da Costa, pelo menos reconhecida como especialidade crianças, passámos a ter duas 190 cateterismos cardíacos de no nosso país. “A Prof.ª Fernanda camas na enfermaria de senhoras intervenção em cardiopatias Sampayo esteve nos Estados da Cardiologia, mas rapidamente congénitas e 330 cateterismos Unidos, onde fez um treino nesta foi preciso um quarto inteiro. diagnósticos. Anos depois, em 1985, criou- 24 -se um espaço autónomo para Fátima Pinto a especialidade, onde se instala, até hoje, o Serviço de Cardiologia Pediátrica”, conclui a diretora do serviço. Foi neste mesmo ano, em 1985, que Fátima Pinto iniciou a especialidade de Cardiologia Pediátrica, neste serviço em que permaneceu e onde se encontra até hoje, agora como diretora. Inicialmente, nos anos 70, as equipas médicas intervencionavam apenas as crianças com mais de 20 kg, mas Fernanda Sampayo conseguia fazer com que as mais pequenas fossem tratadas no estrangeiro. No início de 1990, houve uma grande evolução técnica e a mortalidade relativa aos doentes com cardiopatias congénitas, em Portugal, caiu para cerca de 10 por cento. Desde o início da atividade nesta área, nos anos 70, verificou-se uma queda da taxa de mortalidade nestas doenças de 50 para menos de 5 por cento atualmente, com repercussão significativa na mortalidade infantil nacional.

Serviço segue, até hoje, isquémica, entre outros. No entanto, salvaguarda que, os pilares de Fernanda “Em 1990, formámos uma atualmente, já existem outros centros Sampayo equipa, com profissionais da no país a fazê-lo. Cardiologia de Adultos, que se Segundo conta, em 2004, foi Fátima Pinto continua a falar quiseram dedicar à cardiopatia implantado no Santa Marta o com entusiasmo e admiração congénita operada e passámos a primeiro Berlin Heart, um “coração do saber, do pioneirismo e da acompanhar os doentes crónicos artificial externo”, em Portugal. De coragem de Fernanda Sampayo. desde a altura da sua gestação, acordo com a diretora do serviço “Desde a altura da criação do ainda enquanto fetos, a adultos”, este aparelho de suporte circulatório Serviço que a professora se exclama Fátima Pinto. ventricular mecânico permite que focou em três grandes áreas”, os doentes se mantenham vivos e afirma. E enumera: “Desenvolver Coração artificial externo e estáveis, até que seja possível a a área médica, de forma a que transplante cardíaco realização do transplante. as crianças com cardiopatias Porém, acompanhou a equipa de congénitas fossem tratadas e Fátima Pinto afirma que o reportagem da Revista Coração, ficassem bem; ensinar e formar tratamento da insuficiência Vasos e Tórax até ao gabinete pessoas na área da Cardiologia cardíaca avançada é uma das da sua colega Conceição Trigo, Pediátrica, para se poderem áreas em que se destacam. responsável pelo Programa de constituir mais unidades no país; e formar pediatras e outros Conceição Trigo clínicos acerca dos sinais e sintomas destas patologias, de forma a serem feitos diagnósticos atempados.” Com o passar do tempo e com a evolução da tecnologia, passou, tal como refere Fátima Pinto, a ser possível fazer o diagnóstico destas anomalias ainda no feto, sendo também importante dar formação aos obstetras. “Estes três pilares foram implementados logo de início pela professora e foram seguidos por todos os diretores e profissionais de saúde que por aqui têm passado.” Com todas estas evoluções, começou a surgir uma grande população de doentes que atingiram a idade adulta, tendo sido necessário criar uma equipa que os pudesse seguir, não apenas no que respeita ao tratamento das cardiopatias congénitas, mas também aos problemas mais típicos dos adultos – hipertensão arterial, aterosclerose, doença 25

e Transplante Cardíaco e pela problema com a doação de perda, é sempre muito gratificante Unidade de Cuidados Intensivos corações para transplante, que trabalhar esta área”. Pediátricos, que nos explicou tudo se prende com o tamanho das com mais detalhe. crianças.” Na vanguarda da Enquanto lá de fora, no corredor, Por esta unidade passam situações hemodinâmica se podia ouvir a azafama dos críticas e complicadas, de doentes, profissionais de saúde, que que estando ou não ligados E porque o pioneirismo é mesmo cuidavam das rotinas matinais a corações artificiais, têm de uma tradição deste serviço, estes das crianças, juntamente com a permanecer internados até ser profissionais são também muito algazarra boa dos Drs. Palhaços encontrado um dador. procurados para o tratamento do acabados de chegar, Conceição “Temos a preocupação de ter coração dos mais pequenos por Trigo esclarecia-nos que “a uma equipa constituída também via percutânea. “Temos médicos transplantação cardíaca, em por psicólogos, que fazem o especificamente formados termos de resultados globais, acompanhamento pré e pós- para fazer o diagnóstico e o sobretudo de sobrevida, é -transplante. É uma travessia tratamento das crianças com estas bastante encorajadora”. muito longa e pesada para pais e anomalias”, salienta Fátima Pinto, “Uma criança a quem seja crianças, pois muitas já entendem levando-nos até ao responsável realizado um transplante, embora o que estão a passar.” da Hemodinâmica do Serviço com um número de consultas e Falando do gosto que tem pelo seu de Cardiologia Pediátrica, José de medicação muito significativo, trabalho, Conceição Trigo diz que, Diogo Ferreira Martins. pode perspetivar uma vida embora, “pese a possibilidade de Encontrámos o médico à saída boa e com qualidade”, indica, acrescentando que “todos os José Diogo Ferreira Martins miúdos transplantados têm a sua atividade escolar, fazem desporto e têm uma vida dita normal.” São estes bons resultados que dão força a Conceição Trigo para continuar o seu trabalho. “A perspetiva com que começo a trabalhar baseia-se na crença de que, no final do dia, alguém vai ficar melhor do que estava.” A grande dificuldade para esta médica prende-se, sobretudo, com o tempo de espera dos seus doentes por um coração compatível, que consequentemente os leva a internamentos longos, pesados e difíceis de gerir para as famílias. “A lista não é grande. Fazemos uma média de dois transplantes por ano. Porém, o tempo de espera é imprevisível e tanto pode ser de 24 horas, como de um ano ou mais”, refere Conceição Trigo. E desenvolve: “Em idade pediátrica temos um grande 26

do laboratório, tinha acabado os doentes logo à porta da de pacemakers em crianças, de fazer um encerramento de um sala, de modo a que, quando assegurada por cardiologistas canal arterial a um bebé de dois se separam dos pais, tenham de adultos. anos. Segundo o especialista, a já algum apoio farmacológico. Aqui são feitas inúmeras hemodinâmica ocupa um espaço Desta forma, não se sentem tão técnicas, entre procedimentos muito importante dentro do incomodados. invasivos, ablações, estudos serviço. “Pelo menos 40 por cento “Gosto muito do que faço eletrofisiológicos e implantação dos doentes internados são para e gostaria de referir que o de pacemakers e CDI, sempre procedimentos de hemodinâmica. Hospital de Santa Marta não com o apoio da Anestesiologia. Diria que é o maior motivo de ‘só’ inaugurou a Cardiologia A taxa de sucesso, à semelhança internamento”, observa. Pediátrica, há 50 anos, como se das restantes, é alta e ronda os 98 Referindo que a taxa de tem mantido na vanguarda da por cento, mas tudo é subjetivo e sucesso dos procedimentos é de hemodinâmica e isso é algo que depende da patologia. quase 100 por cento, mas que nos orgulha”, indica, concluindo “Atualmente, julgo que somos a obviamente varia consoante que, nos últimos 10 anos, segunda maior consulta específica a patologia e o objetivo da introduziram muitas novas técnicas do serviço. Damos cerca de 900 intervenção, José Diogo Ferreira em Portugal. consultas por ano, um número Martins diz que 70 por cento elevado face à dimensão da das intervenções realizadas em Arritmologia em crianças: Cardiologia Pediátrica”, salienta. doentes pediátricos são para mais uma área em destaque E conclui: “Os nossos doentes têm tratamento por cateterismo e que um seguimento verdadeiramente apenas 30 por cento são para A arritmologia é outra das integrado, multidisciplinar e procedimentos diagnósticos. vertentes destacada por multiprofissional.” É com admiração que o médico Fátima Pinto. Ao que conta, o fala dos seus doentes. “Gosto de acompanhamento que é dado Um pequeno grande serviço trabalhar com crianças, porque aos doentes desta área é também existe verdade na relação. Se a “diferente” do que é realizado Falando em geral das criança chora é porque está mal e em outros centros. A equipa de características do serviço, “muito se ri é porque está bem. Isto torna eletrofisiologia e tratamentos bem decorado” por alunos tudo muito mais fácil.” Além disso, invasivos das arritmias é constituída de Belas Artes, em regime de tal como refere, atualmente a taxa por dois cardiologistas pediátricos mecenado, Fátima Pinto lamenta de mortalidade em Cardiologia e dois cardiologistas de adultos. apenas que seja pequeno. Pediátrica é de cerca de 2 por “O que nos distingue é sermos “Estamos muito aconchegados. cento. “Não me canso de dar nós, cardiologistas pediátricos, a O espaço não aumentou desde a boas notícias”, exclama com tratar estes doentes. Obviamente, sua criação. Era bom termos uma contentamento. com o apoio de uma equipa unidade maior.” Tal como descreve todo o multidisciplinar, com colegas Atualmente, trabalham no Serviço processo de intervenção é feito da arritmologia de adultos, de Cardiologia Pediátrica oito do “modo mais humanizado dirigida pelo Prof. Mário médicos especialistas, seis possível”. “Fazemos questão Oliveira”, explica Sérgio Matoso internos em formação específica que os pais acompanhem as Laranjo, cardiologista pediátrico e dois cardiologistas de adultos, crianças até à porta da sala responsável por esta área. para os doentes congénitos não de hemodinâmica. Além disso, O médico recorda que a área pediátricos. temos também os nossos amigos da arritmologia surgiu no Serviço “O ideal seria ter 12 assistentes palhaços, que vão a cantar de Cardiologia Pediátrica há já hospitalares. No entanto, temos durante todo o caminho para as muitos anos. “Ainda eu cá não internos com os quais gostaríamos acalmar”, descreve o médico. estava”, exclama. E que começou de ficar, por isso não temos Geralmente, o anestesista recebe por ser uma consulta específica pressa.” 27

e Mário Duque um apaixonado pelo que faz, orgulha-se em dizer que, apesar desde o trabalho assistencial, à de tantos anos num cargo de Os médicos do serviço dão apoio envolvência com as famílias e ao gestão, ainda “não perdeu a à Maternidade Alfredo da Costa contacto com as crianças, bem mão” para fazer as técnicas. e ao Hospital de Dona Estefânia, como pelo espaço em si. “As crianças são muito generosas também com equipas de urgência Acha-o alegre e bonito, gosta de e honestas. Quando gostam de 24 horas por dia, à chamada. ver fotografias do “antigamente” nós, gostam mesmo. Além disso, “Em 1985, quando iniciei a e de perceber a evolução e a faz-me sentir bem perceber o seu especialidade a mortalidade era mudança daquelas paredes crescimento e desenvolvimento. de 40 por cento e só se tratavam ao longo dos anos. “Os Acompanhamo-las desde que doentes com mais de 10 anos e doentes merecem. O ambiente nascem até à idade adulta. de 20 kg. Estamos a falar de uma é muito bom e o serviço é Estabelecemos uma relação forte mudança abissal, em 30 anos. bonito para que as crianças tanto com os doentes, como Mas continuamos a escrever a e os pais se sintam o melhor com os pais, que reconhecem história, até porque começou possível”, afirma. em nós o carinho que temos agora o boom de crescimento de É enfermeiro-chefe, mas assume pelas crianças”, menciona doentes adultos com cardiopatia que o que o “faz sentir-se feliz” Mário Duque. E continua: “Para congénita”, termina Fátima Pinto. é estar com as crianças e com trabalhar neste serviço é preciso “Para trabalhar neste as suas famílias, perceber os gostar muito do que se faz. Caso serviço é preciso gostar seus problemas e ajudar a contrário, é difícil continuar.” muito do que se faz” resolvê-los. Entrou no Serviço de Enquanto chefe, a sua função é Também Mário Duque, Cardiologia Pediátrica em 2001, zelar para que tudo corra bem, enfermeiro-chefe do Serviço é já como enfermeiro-chefe, mas desde o mais ínfimo pormenor, verificando e fazendo com que 28 a equipa de Enfermagem faça o seu papel o melhor possível. “Isto passa por tudo, por ter elementos em número adequado e com a preparação necessária, por gerir o material, entre outros aspetos. A função do enfermeiro-chefe é garantir que tudo funciona.” Para si, o grande desafio da sua profissão não passa apenas pela dimensão e diferenciação do serviço, mas também pela gestão das reações dos doentes e, sobretudo, dos seus familiares. “Todos os pais têm reações diferentes. Por vezes, é preciso saber antecipar a sua forma de agir, aceitar e adequar a nossa abordagem, de maneira a lidar com eles da melhor forma possível, em benefício das crianças. Isto requer experiência”, salienta Mário Duque.

Reabilitação Cardíaca: a mais recente aposta Sérgio Matoso Laranjo, do serviço cardiologista pediátrico Ao que se sabe, não existe ainda nenhum programa com três jovens, com uma média de 17 anos. estruturado de Reabilitação Cardíaca a funcionar em “A experiência de outros países é boa e tem resultados positivos. Portugal. “Este será o primeiro do país”, diz orgulhoso Sérgio Esperamos e acreditamos que os nossos também virão a ser”, Matoso Laranjo, responsável pelo projeto. menciona, acrescentando que estão, agora, a adaptar, a E explica: “O nosso objetivo é melhorar a qualidade de restruturar e a adquirir tudo o que é necessário para recrutar vida dos nossos doentes e a capacidade de serem tão crianças mais pequenas. ativos quanto possível. Melhorar o seu estado, assim Sérgio Matoso Laranjo salienta que estão também a trabalhar no como a sua educação para a saúde, tendo sempre em sentido de criar ligações com a comunidade – ginásios, clubes conta as suas patologias e o que podem ou não fazer. Se de futebol, escolas, entre outros – para que as crianças possam conseguirmos com este projeto aumentar-lhes a esperança escolher o desporto que mais gostam, desde que adequado a si. média de vida, melhor.” Segundo o médico, este programa, ainda piloto, é destinado a uma população de crianças e jovens com problemas cardíacos estruturais, que desde sempre tiveram limitações graves, sobretudo no que respeita à prática de exercício físico, “muitas vezes impostas pelos próprios, pelos pais, pelos professores e até mesmo pelos médicos”. Trata-se de um programa multidisciplinar e multiprofissional, do qual Sérgio Matoso Laranjo é o responsável pela área da Cardiologia Pediátrica, mas que é constituído por especialistas de Medicina Física e de Reabilitação, de Enfermagem, de Fisioterapia, de Nutrição e de Psicologia. Aquando da nossa presença no serviço, o projeto era ainda muito recente, estando estes profissionais a trabalhar apenas Lídia de Sousa, cateterismo ou cirúrgicos”, explica. cardiologista Idealmente, a passagem para a Cardiologia de adultos é responsável pelos feita entre os 18 e os 20 anos. Contudo, dependendo de adultos com cada doente e dos problemas que apresente, pode ser cardiopatias antecipada ou adiada. congénitas Tal como explica, a mudança de equipa médica nem sempre é fácil, sobretudo para os que são doentes desde “Os doentes congénitos são os melhores do muito pequenos e que estão, por isso, habituados ao mundo. Uma lição de vida” ambiente da Cardiologia Pediátrica, “personalizado e Lídia de Sousa é a cardiologista responsável pela equipa que dirigido”, sempre pelo mesmo médico. “Tentamos que assegura o tratamento dos doentes com cardiopatias congénitas seja uma passagem tão calma quanto possível”, conta que transitam para a idade adulta. “Trabalhamos de forma Lídia de Sousa. integrada com a Cardiologia Pediátrica. Fazemos a transição No entanto, e segundo refere, atualmente ainda são do doente e asseguramos a continuidade dos cuidados, tanto feitos muitos diagnósticos em idade adulta, pelo que nem em ambiente de consulta, como de internamento e em casos de todos passam pela Cardiologia Pediátrica, sendo a sua adaptação mais fácil. “São doentes complicados e com muitos problemas, devido à sua patologia física e à carga emocional e psicológica de ter uma doença crónica, mas é um privilégio poder acompanhá-los. São os melhores doentes do mundo”, afirma Lídia de Sousa, falando com carinho do seu trabalho na área das doenças congénitas. E continua: “Aprendo imenso com eles. São pessoas que só querem ter uma vida normal: estudar, trabalhar, constituir família. São uma lição de vida.” 29

e “Trabalhar em contexto Teresa Rodrigues, hospitalar é a minha educadora missão” ter”, recordou Teté. Mais tarde, soube da existência de um concurso Foi entre muitos lápis de cor, para o lugar que hoje ocupa, concorreu e aqui permanece. livros para colorir, puzzles Já lá vão 17 anos. e outros brinquedos que encontrámos a educadora Teresa Rodrigues, mais conhecida como Teté. “É mais fácil para as crianças pequeninas me chamarem”, exclama. Trabalha neste serviço há 17 anos e considera que está a cumprir a sua “missão de vida”. Aqui, nem todos os dias são fáceis. Por vezes, é difícil gerir algumas emoções, mas Teté já aprendeu a fazê- -lo e descreve o seu trabalho como uma “experiência muito enriquecedora”. Enquanto fazíamos desenhos coloridos com duas das crianças internadas, Teté contou que está no serviço de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 18h00, mas que fora desse período, a “sala de brincar” está aberta e os doentes têm sempre acesso a algum material, como livros, jogos e pinturas. Teté já era educadora no ensino regular, quando se apercebeu que poderia fazer o mesmo trabalho em contexto hospitalar. A sua filha esteve internada e foi, nessa altura, que soube da existência desta profissão. “Pela minha experiência enquanto mãe, junto à minha filha hospitalizada, percebi que esta era uma experiência que queria 30

E N T R E V I S TA “As crianças são verdadeiramente resilientes, transparentes e honestas. Aprendo muito com elas” Fátima Pinto, diretora do Serviço de Cardiologia Pediátrica RCVT – Trabalha neste Gosto de trabalhar com reagem de formas diferentes, serviço desde 1985 e é crianças, mas não trocava a umas ficam em pânico e choram, diretora desde setembro Cardiologia Pediátrica pela outras ficam em negação, de 2008. Quando iniciou Pediatria, com todo o respeito parece que não ouvem o que a sua especialidade, que tenho pela especialidade. lhes dizemos. Há também os alguma vez pensou que A Cardiologia Pediátrica tem que têm uma reação melhor, hoje estaria a dar uma características muito particulares: que percebem e querem saber entrevista como diretora não é rotineira, não existe uma tudo. Destes, uns são positivos do serviço? anomalia igual à outra e todos e têm esperança, outros são Fátima Pinto (FP) – Em 1985?! os dias me deparo com situações pessimistas e acreditam que vai Não! Estava cheia de medo de diferentes. Particularmente, o que correr tudo mal. É complicado, começar a especialidade e nem mais me alicia é a capacidade mas quem lida mais com estas me atrevia a pensar que, algum inovadora e de transformação ansiedades são os enfermeiros. dia, a Prof.ª Fernanda Sampayo que a especialidade tem. RCVT – Como é que lida viesse a sair. Por outro lado, aprendo com as tragédias? Em 1993, a professora aposentou- muito com as crianças. São FP – Sempre mal. Preciso de -se e foi substituída pelos verdadeiramente resilientes, as aceitar, mas lido mal. Se há especialistas seniores, também extremamente transparentes algo que me pesa sempre muito, envolvidos na criação do serviço. e honestas e estas são não na consciência, mas no Primeiro pela Dr.ª Manuela Lima características inacreditáveis, pensamento, são todos aqueles e depois pelo Prof. Sashicanta que nos ajudam a moldar a doentes que morreram e que não Kaku. Passei à Direção, em 2008, nossa personalidade e forma conseguimos salvar. depois do professor se reformar. de ser. RCVT – Poderia ter seguido Próximo dessa data, se me Os cardiologistas pediátricos outra profissão? perguntasse se poderia vir a ser são exatamente assim: honestos, FP – Não! Tenho sorte, porque diretora do serviço, dir-lhe-ia que resilientes e persistentes. Deve considero que sou uma pessoa sim, que tinha características ser porque aprendemos com os muito feliz nesse aspeto. Faço e vontade. nossos doentes. o que gosto, consegui sempre RCVT – Como é trabalhar RCVT – Como gere o stress fazer o que queria e não posso com crianças? e o medo dos pais? querer mais do que isto. FP – É um desafio muito bom. FP – É muito difícil. As pessoas 31

Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada EQUIPA PRESTA CUIDADOS ESTRUTURADOS E DE QUALIDADE A DOENTES COM FRAÇÃO DE EJEÇÃO ABAIXO DOS 35 POR CENTO A Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada encontra-se estruturada de forma a dar resposta a todas as necessidades terapêuticas e sociais dos doentes com uma fração de ejeção reduzida, abaixo dos 35 a 40 por cento. A insuficiência cardíaca é um devido a esta patologia, com uma Para tal, afirma, é essencial problema grave de Saúde duração média de 10 dias. “É uma a existência de uma equipa Pública que atinge um elevado doença com muito impacto na multidisciplinar “bem estruturada”, número de indivíduos e que está economia nacional, nas famílias não só no que respeita às associada a taxas de mortalidade e na qualidade de vida dos especialidades médicas, mas e morbilidade elevadas. De doentes”, salienta. também a nível da prestação de acordo com Ana Teresa Timóteo, Segundo a entrevistada, a cuidados, ou seja, de enfermeiros, cardiologista responsável pela organização, a criação de nutricionistas, fisioterapeutas, Unidade de Insuficiência Cardíaca programas, as unidades de assistentes sociais, entre outros. Avançada do CHULC, estima-se tratamento e o acompanhamento “A profissionalização deste tipo que, atualmente, cerca de 400 mil de doentes com insuficiência de cuidados é fundamental para portugueses tenham esta patologia. cardíaca é muito importante, para garantir a melhor qualidade do “Acreditamos que a prevalência da que exista uma estruturação dos tratamento e do acompanhamento insuficiência cardíaca em Portugal cuidados. aos doentes”, salienta Ana Teresa se encontre entre os 2 e os 4 por “É necessário que os cuidados Timóteo. Indicando que, “em cento. No entanto, uma vez que o sejam dirigidos por pessoas com Portugal, já existem vários grupos envelhecimento é um dos fatores maior conhecimento na área, dedicados à insuficiência cardíaca, que aumenta a sua prevalência, para que se sigam as práticas de Norte a Sul do país”. nos grupos etários acima dos 65 internacionais e se cumpram os anos, este valor pode atingir os critérios de qualidade”, refere. Unidade de Insuficiência 10 por cento”, afirma Ana Teresa E justifica: “O seguimento Cardíaca Avançada Timóteo, acrescentando que “com prestado a estes doentes deve ter o envelhecimento da população, mais abrangência. Trata-se de A Unidade de Insuficiência prevê-se que, dentro de 15 anos, pessoas que passam por vários Cardíaca Avançada segue, haja um incremento de cerca de 30 internamentos, que precisam de essencialmente, pessoas com por cento dos casos”. cuidados em hospital de dia, uma fração de ejeção reduzida, Além disso, a especialista destaca de consultas regulares e de ser abaixo dos 35 a 40 por cento. Este que a insuficiência cardíaca é referenciadas para outras formas espaço, disponibiliza aos doentes um dos principais motivos de de tratamento mais avançadas, todo o tipo de cuidados que a sua internamento hospitalar. Em 2015, com a colaboração da Cirurgia ou patologia exige, como consultas registaram-se 19 mil internamentos da Arritmologia.” de ambulatório, hospital de dia, 33

e internamento e telemonitorização. de telemonitorização cardíaca, uma avançadas, os doentes são No que respeita às consultas de grande mais-valia, no sentido em encaminhados para a equipa ambulatório, Ana Teresa Timóteo que é possível anteciparmos de Transplantação Cardíaca, explica que são feitas por um possíveis descompensações, coordenada por Rui Soares, cardiologista e por um enfermeiro prevenindo-as e evitando prováveis para ponderar a hipótese de que, antes da parte médica, analisa situações de internamento.” transplantação ou de tratamento com o doente, verifica se tem medicação, Atualmente, a unidade é composta dispositivos de assistência ventricular. o seu conhecimento sobre a doença por três cardiologistas, dois internos Ana Teresa Timóteo lamenta que, em e avalia os sinais vitais. dedicados à área da insuficiência Portugal, não exista um maior acesso “Além disso, durante estas consultas, cardíaca e quatro enfermeiros. e cobertura à área dos Cuidados os enfermeiros fazem um trabalho Ligação com as várias áreas Paliativos. “Obviamente, por muito educativo, que é muito importante do CHULC bons que sejam os tratamentos, nem para os doentes, uma vez que sempre é possível fazermos mais necessitam de ter informação para o pelos doentes. Precisamos de uma seu próprio autocuidado”, menciona Santa Marta é um hospital terciário rede muito mais alargada, para que a cardiologista. e, como tal, dispõe de todo o lhes possamos dar resposta. Em fases De acordo com a médica, o hospital espectro do diagnóstico e do terminais, os doentes acabam de dia é também um espaço tratamento que os doentes com por ficar em internamento, muito útil, onde é possível fazer a insuficiência cardíaca necessitam. quer por sobrecarga hídrica, baixo administração de alguns fármacos, Logo, os profissionais da unidade débito ou outras complicações”, nomeadamente furosemida trabalham em interligação com indica. endovenosa, carboximaltose diversas áreas, tanto do diagnóstico E conclui: “O acesso à terapêutica férrica, entre outros. Desta forma, - ecocardiografia, ressonância paliativa é um problema nacional. é possível prevenir e limitar a magnética cardíaca, tomografia É preciso lembrar que os Cuidados necessidade de internamento axial computorizada e provas de Paliativos não são apenas para hospitalar dos doentes. esforço cardiorrespiratórias -, como os doentes oncológicos, os com “Paralelamente, temos um projeto para referenciação para outro tipo insuficiência cardíaca também de tratamentos, como a Reabilitação precisam. É uma das principais A Cardíaca, a Arritmologia e a causas de mortalidade no nosso unidade em implantação de dispositivos. país. Precisamos de repensar esta números (2019): Quando chegam a fases mais área a nível nacional.” Consultas: 750 Internamentos em hospital de dia: 100 Insuficiência Cardíaca do CHULC, uma área em restruturação Doentes seguidos em telemonitorização Ana Teresa Timóteo é, desde janeiro de 2019, responsável por aquela que é, hoje, a Unidade (atualmente): 11 de Insuficiência Cardíaca Avançada do Serviço de Cardiologia do CHULC. Tal como conta, o tratamento especializado desta patologia não é uma novidade, nem é algo recente neste centro hospitalar. Porém, por se encontrarem em processo de restruturação e reorganização da equipa, foi convidada pelo seu diretor, o cardiologista Rui Cruz Ferreira, para dirigir a unidade. “Eu já estava ligada à área, porque leciono este tema na Faculdade de Medicina de Ciências Médicas e, com a saída de alguns colegas, fui convidada a abraçar o projeto, que realmente me interessa”, recorda Ana Teresa Timóteo. E continua: “Desde o arranque da nova fase, estamos já a implementar algumas mudanças, mas ainda apenas a nível interno, porque há muito para fazer. No futuro, devemos também estruturar a unidade na sua interligação com os Cuidados de Saúde Primários, que são quem segue os doentes no seu dia a dia.” Ana Teresa Timóteo é cardiologista há cerca de 17 anos. Teve preferência pela especialidade que trata o coração, logo desde a altura da faculdade. “Considero que é um ‘órgão nobre’, com o qual tenho muita afinidade”, explica. 34

e Programa de Reabilitação Cardíaca ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO: ESSENCIAL PARA A RECUPERAÇÃO DOS DOENTES CARDÍACOS Os enfermeiros de reabilitação têm um papel preponderante no que respeita à recuperação dos doentes cardíacos. São estes profissionais que implementam e monitorizam planos diferenciados, baseados nos problemas reais das pessoas, trabalhando o doente como um todo e analisando os seus fatores de risco. Desta forma, é possível melhorar a qualidade de vida e prevenir novos eventos. A Reabilitação Cardíaca tem de uma área em crescimento, internamento, altura em que os evoluído muito nos últimos tempos, com grande impacto na vida dos enfermeiros trabalham no sentido sendo atualmente já reconhecida doentes, e que o poderia levar a de perceber de que forma poderão como uma terapêutica essencial ter uma melhor ação a nível da iniciar a fase 1 da reabilitação. para a recuperação funcional Cardiologia. Nesta altura, são avaliadas as dos doentes, melhorando a sua “Com o passar do tempo, apercebi- necessidades, tanto do qualidade de vida e reduzindo o -me que, cada vez mais, podemos foro respiratório, como do risco de novos eventos. fazer a diferença na realidade das cardíaco e do motor, até mesmo Esta é uma área multidisciplinar, pessoas e isto é o que realmente no caso dos doentes com que compreende um corpo de me motiva”, afirma o especialista, dependência de mobilidade ou conhecimentos e procedimentos acrescentando que “poder assistir sob ventilação mecânica. específicos, do qual o enfermeiro ao ganho do doente”, em termos O objetivo da reabilitação não de reabilitação é parte integrante, de alterações físicas, posturais, de passa apenas por fazer exercício assumindo um papel de relevo. Este perda de peso, entre muitos outros físico, mas também pela prevenção profissional implementa e monitoriza aspetos lhe dá força para continuar de complicações e restabelecimento planos diferenciados, baseados nos o seu trabalho. rápido da autonomia do doente. problemas reais dos doentes. “Vejo uma grande evolução por “Iniciamos a reabilitação mesmo Os seus conhecimentos permitem- parte dos doentes, sinto que são que a pessoa esteja instável, por -lhe tomar decisões relativas à gratos e ouço ‘obrigados’ reais exemplo ventilada, com o intuito promoção da saúde, prevenção e muito sentidos. Essa é a minha de conseguirmos iniciar o levante de complicações secundárias, grande motivação.” quanto antes, fazer com que dê os tratamento e reabilitação, O papel da Enfermagem de primeiros passos, com que suba e maximizando o potencial da pessoa. Reabilitação desça escadas, etc. Vítor Ferreira, enfermeiro de Vítor Ferreira explica que até Logo aqui, já temos uma mudança reabilitação desde 2009 e mesmo os doentes instáveis e com de mentalidade. No passado, responsável pelo Programa de alguma debilidade são eletivos acreditava-se que se o doente Reabilitação Cardíaca do para reabilitação aquando do estava instável era melhor deixá-lo CHULC, conta ter escolhido esta sossegado. De facto, não é fácil, especialidade por acreditar tratar-se 36 temos muitos dispositivos, muitos

cateteres, mas devemos avaliar a início, em 2004, na sua fase para tal, deveríamos ter mais pessoa, para perceber o que está 2. A fase 1, começou uns anos pessoas só adstritas à área”. comprometido e o que podemos mais tarde, em 2008, tendo Percurso do doente modificar para começar a atuar.” sido iniciada pelos enfermeiros Falando em concreto dos doentes A fase 2 da reabilitação inicia-se, de reabilitação Vítor Ferreira e que reabilita, Vítor Ferreira conta como é sabido, posteriormente à Luciano Alves. serem, na sua maioria, homens, alta hospitalar. Além das sessões de Trata-se de um projeto com uma idade média de 60 anos, exercício físico no ginásio, durante interdisciplinar, com porém “é variável, uma vez que o as consultas, os enfermeiros de interação entre médicos, mais novo tem 34 anos e o mais reabilitação incidem sobre os fatores enfermeiros, fisioterapeutas, velho 88.” de risco, fazem educação para a cardiopneumologistas, Depois da fase 1, realizada saúde, reeducação em termos da nutricionistas e psicólogos, que nos cuidados intensivos e na atividade sexual e outros ensinos aposta na prevenção secundária, enfermaria, o doente é enviado de acordo com a especificidade da cujo objetivo é diminuir o risco para a consulta de Reabilitação pessoa, para determinar a estratégia cardiovascular e melhorar Cardíaca, onde lhe é explicado e os objetivos a atingir. a capacidade funcional e a todo o processo e incentivada a Os doentes terão de mudar de qualidade de vida dos doentes. sua continuação no programa. estilo de vida. Um desafio para os “Em 2017, o programa passou a Cada pessoa faz, pelo menos, 32 próprios e para os enfermeiros de ‘ter o grau de intensidade’ que sessões de exercício em ginásio e é reabilitação. Vítor Ferreira assume tem atualmente, altura novamente avaliada. que nem sempre é fácil perceber em que foi colocado um A fase 3 é feita em Centros cada um dos doentes e motivá-los enfermeiro especialista na de Reabilitação Cardíaca na para que não desistam, até porque consulta de reabilitação, com comunidade, como por exemplo, todos são diferentes. consequente ida ao ginásio”, o da Universidade de Lisboa No entanto, afirma que é recorda Vítor Ferreira. (CRECUL), estrutura independente precisamente isso que mais gosta. E acrescenta: “Em cada sessão ao CHULC. “A fase 3 é também “Não vou dizer a um homem de de exercício de fase 2 está um uma das nossas metas. Já 60 anos, que sempre fumou três enfermeiro de reabilitação com iniciámos alguns contactos, mas maços de tabaco por dia, que suporte avançado de vida, um é um futuro ainda longínquo”, tem de deixar de fumar amanhã”, técnico cardiopneumologista e um indica Vítor Ferreira. afirma, comentando ser importante fisioterapeuta. Temos também a E conclui: “Felizmente, a “perceber até que ponto a pessoa colaboração de um fisiatra e de Reabilitação Cardíaca já não é vai aceitar a mudança”. um cardiologista.” algo estranho e afastado, não só “Os doentes são recetivos ao Ao longo do tempo, o programa a nível dos doentes, como das programa, mas é necessário sermos tem vindo a estender-se a mais equipas clínicas. Antigamente realistas. Temos de lhes dizer quais patologias e doentes. Vítor tínhamos dois a três médicos a são as regras e explicar- Ferreira gostaria de, futuramente, encaminhar os doentes, hoje, a -lhes que, se não as cumprirem, é reabilitar doentes mais complexos referenciação é grande.” muito provável que voltem a ter um – estruturais, pós-cirúrgicos e O programa de Reabilitação evento. Por vezes, o medo funciona pós-transplante – e de ter sete Cardíaca foi criado pelo como ponto positivo. Não estamos dias de reabilitação por semana Serviço de Cardiologia, tendo aqui para apaparicar. A ideia no internamento e cinco dias no como primeira responsável a é melhorar, trabalhar, evoluir e ginásio. Atualmente, as sessões cardiologista Ana Abreu, sua continuar”, indica. decorrem às segundas, terças, coordenadora até julho de 2018. Programa de Reabilitação quartas e quintas-feiras. O responsável médico é, agora, Cardíaca do CHULC “A perspetiva é fazer crescer a o cardiologista Pedro Rio, sob O programa de Reabilitação reabilitação e passarmos Direção de Serviço de Rui Cruz Cardíaca do Serviço de de 75 para 100 doentes por Ferreira. Vítor Ferreira é, como foi já Cardiologia do CHULC teve ano, no que respeita à referido, o enfermeiro responsável. insuficiência cardíaca e ao enfarte agudo do miocárdio, mas, 37

e Ana Sofia Santos, responsável pela consulta de adultos do Centro de Referência de Fibrose Quística do CHULC “TEMOS UMA BOA REDE E SABEMOS A QUEM REFERENCIAR” O Centro de Referência de Fibrose Quística do CHULC segue atualmente cerca de 70 doentes, na sua maioria ainda crianças. De acordo com Ana Sofia Santos, responsável pela consulta de fibrose quística do polo de adultos, esta rede de cuidados estruturados presta assistência de qualidade e responde a todas as necessidades das pessoas com fibrose quística. A fibrose quística é uma doença crianças é identificada numa idade fármacos muito bons, que permitem hereditária causada por mutações tardia, por volta dos 10 ou dos prolongar a vida dos doentes, com do gene CFTR (Cystic Fibrosis 15 anos, altura em que já existem qualidade, até à altura Transmembrane Conductance alterações estruturais pulmonares, do transplante. Regulator), uma proteína presente que poderiam ter sido evitadas”, “Alguns estudos indicam que os na superfície apical das células alerta a especialista. E refere doentes que nasceram nos anos epiteliais. Trata-se de uma doença que, no final do ano de 2018, 2000, conseguem chegar até multissistémica, que afeta vários foi incluído no teste do pezinho o à 5.ª década de vida”, indica, órgãos, nomeadamente as vias despiste da fibrose quística. desenvolvendo que: “Até há pouco aéreas, o pâncreas, o intestino, o “Os médicos devem estar atentos tempo, os medicamentos tratavam trato biliar, os canais deferentes e as para conseguir associar a doença apenas os sintomas. Nos últimos glândulas sudoríparas e salivares. à panóplia de sintomas que as cinco anos, têm vindo a surgir novas Segundo Ana Sofia Santos, pessoas com fibrose quística podem terapêuticas que atuam no cerne da responsável pela consulta de ter, tanto da área respiratória, doença e que permitem alterar o adultos do Centro de Referência como da Gastrenterologia e, ainda, seu curso.” de Fibrose Quística do CHULC - no que respeita à má absorção, Ana Sofia Santos considera que o com base nos dados do rastreio característica da fibrose quística, tratamento dos doentes com fibrose neonatal iniciado em 2018 -, que pode ajudar a despistar a quística em Portugal é feito de estima-se uma incidência de 1 por doença”, observa Ana Sofia acordo com o estado da arte, com cada 14.470 casos, em Portugal. Santos. A médica salienta também tanta qualidade como em qualquer Contudo, em 2019, verificaram- a importância de os doentes outro país. -se 49 casos positivos com o teste serem encaminhados quanto antes No entanto, identifica uma do pezinho, que tiveram de ser, para um centro de referência, a dificuldade: “Os novos fármacos são posteriormente, confirmados com fim de se iniciar um tratamento e muito caros, o que pode dificultar testes genéticos. um acompanhamento precoces, a aprovação para a sua aquisição, “Teoricamente, é uma doença evitando complicações. por parte dos hospitais. Espero que pode ser diagnosticada à Tratamento da fibrose que o Serviço Nacional de Saúde nascença. No entanto, em muitas quística em Portugal venha a ter mais dinheiro, para A pneumologista observa que a que possamos oferecer aos nossos ciência avançou muito na última doentes aquilo a que têm direito: a década e que existem, atualmente, oportunidade de alterar o curso de uma doença que, numa idade muito 38 jovem, pode ser debilitante.”

À parte desta realidade, vivida em mais-valia dos centros”. “Temos mais graves o seguimento é mensal. todos os hospitais do país e não uma boa rede e sabemos para Em todas as consultas, os doentes apenas naquele em que trabalha, a quem referenciar. No nosso caso, fazem uma prova de função especialista afirma que Portugal tem temos também a vantagem de ser respiratória, uma espirometria uma boa rede de fibrose quística, o único centro de referência do e análise microbiológica de com muita “capacidade humana”. país com transplante pulmonar no expetoração. A Enfermagem avalia Fibrose quística no CHULC próprio Centro Hospitalar.” o peso, os sinais vitais, faz os O Centro de Referência de Fibrose Segundo explica, os doentes ensinos e verifica se estão ou não a Quística do CHULC é constituído com fibrose quística são os que cumprir a medicação. por dois polos. Um para crianças melhor recuperam e respondem “Apesar de ser uma doença (Pediatria), com lugar no Hospital ao transplante de pulmão, sistémica, habitualmente o pulmão de Dona Estefânia, e outro para apresentando uma sobrevida média é o órgão mais afetado, razão pela adultos, que se localiza no Hospital de oito anos. qual as consultas base são feitas de Santa Marta. Neste momento, a consulta de por pneumologistas ou pediatras “O polo pediátrico ainda é o mais fibrose quística de adultos é feita por ligados à Pneumologia. No mesmo importante. Em Portugal, existem duas pneumologistas, sempre com o dia, se necessário, são vistos pela mais crianças com fibrose quística apoio da Enfermagem. “É suficiente, nutricionista, uma vez que têm do que adultos, apesar desta porque atualmente temos cerca problemas gastrointestinais. Além tendência estar a inverter-se, a nível de 17 doentes. Porém, se algum disso, têm o metabolismo acelerado mundial”, menciona a responsável, colega se quiser juntar à equipa, e pode ser necessário adotar uma contando: “O polo do Hospital de será bem recebido”, observa. O alimentação equilibrada, mas rica Dona Estefânia foi criado há muitos polo da Pediatria segue uma média em calorias e proteínas. Podem anos. Entretanto, surgiu o problema de 50 doentes. O coordenador é o ainda ter consultas com a assistente de não haver quem seguisse pediatra José Cavaco. social e com o psicólogo.” estes doentes durante a idade Percurso do doente adulta. Há cerca de cinco anos, Os doentes são seguidos no Hospital Sintomas de criei a consulta de adultos para de Dona Estefânia, até por volta dos alerta para fibrose começarmos a recebê-los.” 18 anos de idade. No momento da quística: Em 2017 foram acreditados como transição, a consulta é feita, ainda “centro de referência”, estando na mesma instituição, pelo pediatra Tosse frequente com agora esse seu título em processo que sempre os acompanhou e por expetoração de revalidação. Ana Sofia Santos. O centro tem como base as “São seguidos desde pequenos Infeções respiratórias especialidades de Pediatria ou de pelo mesmo médico e equipa de frequentes (incluindo Pneumologia de adultos e uma Enfermagem. Tentamos que esta pneumonia) série de outras valências essenciais, transição se torne o mais suave para responder às necessidades possível”, diz a pneumologista. Atraso no crescimento e destes doentes, como sejam E explica: “Gostaríamos que todos peso nas crianças Gastrenterologia, Medicina Física e transitassem para Santa Marta de Reabilitação, Medicina Interna, aos 18 anos, porém depende Infertilidade masculina Enfermagem, Psicologia, Nutrição, muito do desenvolvimento de Pele com sabor salgado Serviço Social, entre outros. cada pessoa. Eu continuo a ir ao “Mais tarde, se precisarem por Hospital de Dona Estefânia fazer Ano de 2019 exemplo de um transplante, são as consultas e convido-os para encaminhados para o Centro de virem conhecer o Hospital de N.º de consultas adultos: 79 Referência de Transplante Pulmonar Santa Marta. Quando se sentirem N.º de internamentos: 5 no Hospital de Santa Marta”, confortáveis transitam, mas N.º de referenciação para esclarece, acrescentando que o habitualmente a transição é entre transplante: 1 Centro de Referência de Fibrose os 18 e os 20 anos.” Quística tem capacidade para Preferencialmente, e de acordo com responder com “qualidade” a tudo a especialista, estes doentes são o que necessitem. observados com uma periodicidade Salienta também que “essa é a de três meses. Contudo, nos casos 39

e 1IsSaebrevliVçoiedireaA1,2n;gTioialoggoiaReibCeiirrou1r;gAianViatascQuluairndtaosH1; RosiptaitSalodareeSsaFnetrareMiraa1r;taM, CarHiaUELmCíli;a2 Ferreira1 Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada. Serviço de PATOLOGIA CAROTÍDEA OBSTRUTIVA ATEROSCLERÓTICA A doença cerebrovascular é uma das principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo, tendo um importante impacto social e económico.1 O acidente vascular cerebral (AVC) continua a ser a doença com a maior mortalidade em Portugal.2 Estratégias de prevenção bem-sucedidas podem trazer enormes benefícios clínicos, sociais e financeiros. A principal causa evitável do AVC isquémico é a assintomática pode ser considerada em doentes com doença arterial obstrutiva da bifurcação carotídea múltiplos fatores de risco cardiovasculares, com o de etiologia aterosclerótica.3 Os fatores de risco intuito de otimizar a terapêutica farmacológica e de para AVC isquémico por doença aterosclerótica reduzir a morbilidade e mortalidade cardiovascular obstrutiva da bifurcação carotídea, incluem muitos e não de identificar candidatos a intervenções dos fatores de risco para aterosclerose generalizada, carotídeas invasivas.5, 6-7 Caso a revascularização nomeadamente hipertensão arterial, tabagismo, carotídea seja ponderada, um segundo eco-Doppler dislipidémia e diabetes mellitus.4 por um operador diferente deve ser realizado ou O mecanismo pelo qual a placa aterosclerótica na a avaliação imagiológica ser complementada por bifurcação carotídea causa um acidente isquémico AngioTC ou RMN, para avaliação da extensão das transitório (AIT) ou um AVC isquémico não é tão lesões obstrutivas, relações anatómicas, segmento bem conhecido como o que ocorre nas artérias carotídeo mais distal e circulação cerebral.5 coronárias no enfarte agudo do miocárdio. Os O tratamento conservador, que engloba estratégias mecanismos propostos são a ateroembolização modificadoras de risco (farmacológicas e não e a hipoperfusão. farmacológicas), tem vindo a ocupar um lugar A hipoperfusão cerebral é um mecanismo raro, uma de destaque na estabilização da doença, vez que a circulação colateral cerebral é abundante, reservando-se a intervenção cirúrgica para doentes ocorrendo apenas em doentes com doença selecionados.5, 8-9 De acordo com a presença ou obstrutiva grave tanto do território arterial carotídeo ausência de manifestações clínicas neurológicas, quanto do território da artéria vertebral. Já a os doentes enquadram-se em dois grandes grupos: ateroembolização para a circulação cerebral é vista doença cerebrovascular extra-craniana sintomática como a causa predominante de AIT/AVC isquémico (evento neurológico isquémico ipsilateral há menos na doença arterial obstrutiva da bifurcação de 6 meses) e assintomática.5 Esta diferenciação carotídea de etiologia aterosclerótica.3 tem um importante impacto nas decisões O eco-Doppler colorido surge como exame de terapêuticas subsequentes. primeira linha na investigação e caracterização A revascularização carotídea na patologia morfológica e hemodinâmica da estenose cerebrovascular extra-craniana assintomática é carotídea. Contudo, o eco-Doppler colorido por ponderada tendo em conta: o grau de estenose rotina para diagnóstico desta patologia não está carotídea, esperança de vida do doente, recomendado.5 A avaliação por eco-Doppler presença de critérios de risco para AVC e colorido para exclusão de estenose carotídea preferência do doente. 40

AB C DE Figura 1 Endarterectomia da bifurcação carotídea: A – Exposição e referenciação da bifurcação carotídea; B- Colocação de shunt; C – Endarterectomia da placa; D – Placa resultante da endarterectomia; E – Encerramento com patch da arteriotomia Os principais preditores clínicos/imagiológicos Esta deve estar associada a taxas de mortalidade/ identificados para AVC/AIT são enfarte cerebral /AVC inferiores a 6 por cento.5 silencioso detetado em TC ou RM, AIT contralateral, Tendo em conta as recomendações disponíveis mais progressão da estenose, dimensão da área da placa atuais, os critérios para intervir cirurgicamente são: significativa, determinadas características da placa nos doentes sintomáticos estenose carotídea ipsilateral carotídea (heterogenicidade, ecolucência, presença superior a 50 por cento e nos doentes assintomáticos de grande núcleo lipídico necrótico, hemorragia com uma expectativa de vida superior a 5 anos e intraplaca) e embolização espontânea detetada com estenose carotídea superior a 60 por cento (na na monitorização por Doppler transcraniano.5 Nos presença de uma ou mais características de imagem doentes assintomáticos, a intervenção cirúrgica associadas a um risco aumentado de AVC/AIT carotídea justifica-se, se esta estiver associada a uma ipsilateral tardio).5 taxa de complicações peri-operatórias de AVC ou Os doentes sintomáticos devem preferencialmente morte inferior a 3 por cento.5 ser submetidos a revascularização carotídea por Na patologia cerebrovascular extra-craniana cirurgia convencional – endarterectomia carotídea sintomática, na qual existe maior evidência para (recomendação grau classe I, nível A).5, 12 a cirurgia de revascularização, é tido em conta: Contudo, em centros com taxas documentadas de o grau de estenose carotídea, características morte/AVC inferiores a 6 por cento do stenting da placa, défices decorrentes do AVC prévio e carotídeo em doentes sintomáticos, este pode ser preferência do doente.5 considerado neste grupo particular de doentes5 A evidência atual revela maior benefício da (ver figura 1). intervenção cirúrgica carotídea nos doentes O stenting carotídeo pode ter algumas indicações sintomáticos, sobretudo se realizada precocemente específicas: re-estenose após endarterectomia após o evento neurológico agudo. A intervenção carotídea, estenose rádica, lesão neurológica prévia cirúrgica nos doentes sintomáticos deve ocorrer de par craniano, condicionantes anatómicas adversas preferencialmente dentro dos primeiros 14 dias após e presença de comorbilidades associada a um elevado o evento neurológico isquémico.5, 10-11 risco anestésico-cirúrgico5, 13 (ver figura 2). AB FStiegnutirnag2carotídeo: A – Passsagem do fio-guia na lesão; B e C– Deployment do stent carotídeo; D – Angiografia final com stent bem expandido C D na lesão 41

No Serviço de Angiologia e e Cirurgia Vascular do REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Hospital de Santa Marta a revascularização carotídea 1. Nichols M, Townsend N, Luengo-Fernandez R, Leal J, Scarborough P, realiza-se preferencialmente por Rayner M. European cardiovascular disease sta- tistics 2012. Sophia endarterectomia carotídea, conforme Antipolis: European Heart Network, Brussels, European Society of as recomendações mais recentes. Cardiology. Os doentes ficam em vigilância no período pós-operatório numa 2. Ferreira RC, Neves RC. Portugal – Doenças cérebro-cardiovasculares unidade de cuidados intermédios, em números – 2015. Programa Nacional para as Doenças Cérebro- exceto aqueles que, pela presença de Cardiovasculares. Direcção Geral da Saúde (2016). múltiplas comorbilidades, necessitam de vigilância numa unidade de 3. Ay H, Arsava EM, Andsberg G, Benner T, Brown RD, Chapman SN, cuidados intensivos. et al. Pathogenic ischemic stroke phenotypes in the NINDS-stroke Têm alta ao 2.º - 3.º dia pós- genetics network. Stroke 2014;45:3589e96. -operatório, com antiagregação simples após endarterectomia 4. Shinton R, Beevers G. Meta-analysis of relation between cigarette carotídea ou dupla após stenting smoking and stroke. BMJ 1989;298:789e94. carotídeo. Nos últimos dois anos, foram 5. P. Kolh, N. Chakfe, R.J. Hinchliffe, I. Koncar, J.S. Lindholt et al. submetidos a revascularização Management of Atherosclerotic Carotid and Vertebral Artery Disease: carotídea neste Serviço 117 doentes, 2017 Clinical Practice Guidelines of the European Society for apesar de os doentes admitidos Vascular Surgery (ESVS). Eur J Vasc Endovasc Surg (2018) 55, 3e81. pela via verde de AVC no Centro Hospitalar ficarem ao cuidado da 6. Ricotta JJ, Aburahma A, Ascher E, Eskandari M, Faries P, Lal BK. especialidade de Neurorradiologia. Society for Vascular Surgery. Updated Society for Vascular Surgery Relativamente às complicações no guidelines for management of extracranial carotid disease. J Vasc período pós-operatório, verificou- Surg 2011;54:e1e31. -se uma taxa de AVC/morte inferior ao descrito acima e expresso nas 7. Brott TG, Halperin JL, Abbara S, Bacharach JM, Barr JD, Bush RL, et recomendações. al. 2011 ASA/ACCF/AHA/AANN/AANS/ACR/ASNR/ CNS/ A patologia obstrutiva SAIP/SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVS guidelines on the man- agement cerebrovascular extracraniana of patients with extracranial carotid and vertebral artery disease. J Am mantém-se uma causa importante Coll Cardiol 2011;57:1002e44. de morbimortalidade em Portugal. Apesar do reconhecimento da 8. Hadar N, Raman G, Moorthy D, O’Donnell TF, Thaler DE, Feldman importância crescente da terapêutica E, et al. Asymptomatic carotid artery stenosis treated with medical farmacológica nesta patologia, nos therapy alone: temporal trends and implications for risk assessment doentes sintomáticos e assintomáticos and the design of future studies. Cerebrovasc Dis 2014;38:163e73. com maior risco de AVC/AIT, a revascularização carotídea assume 9. Naylor AR. Time to rethink management strategies in asymptomatic um importante papel na prevenção carotid disease. Nat Rev Cardiol 2011;9:116e24. de eventos isquémicos no futuro. 10. Rothwell PM, Eliasziw M, Gutnikov SA, Warlow CP, Barnett HJ. Carotid Endarterectomy Trialists Collaboration. Endarterectomy for symptomatic carotid stenosis in relation to clinical subgroups and timing of surgery. Lancet 2004;363:915e24. 11. Rothwell PM, Gutnikov SA, Warlow CP. European Carotid Surgery Trialist’s Collaboration. Sex differences in the effect of time from symptoms to surgery on benefit from carotid endarterectomy for transient ischaemic attack and non disabling stroke. Stroke 2004;35:2855e61. 12. Howard G, Roubin GS, Jansen J, Halliday A, Fraedrich G, Eckstein H-H. Association between age and risk of stroke or death from carotid endarterectomy and carotid stenting: a meta-analysis of pooled patient data from four randomised trials. Lancet 2016;387:1305e11. 13. Hicks CW, Malas MB. Cerebrovascular Disease: Carotid Artery Stenting. In: Sidawy AP, Perler BA. Rutherford’s Vascular Surgery And Endovascular Therapy. 9a edição, 2018. 1215-1232. 42

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