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Memorial Padre Cícero e outras histórias

Published by meucariri, 2019-07-04 09:39:21

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50  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 35 Romeiros visitando o Museu do Memorial Padre Cícero, recém-inaugurado.

A BIBLIOTECA A Biblioteca, por sua diversidade de suportes, pode ser considerada um Centro de Documentação. Possui livros, revistas, jornais, fotografias, documentos impressos e manuscritos, que também tratam da trajetória do Padre Cícero, bem como das personalidades históricas relacionadas à sua vivência, do município de Juazeiro do Norte e da região do Cariri. Tem por objetivo atender prioritariamente a comunidade acadêmica (estudiosos e pesquisadores), bem como os demais interessados nesses temas. Em 2017, foram contabilizados mais de 12 mil itens em seu recinto. Imagem 36 Missal utilizado pelo Padre Cícero. 52  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 37 Jornal O Rebate, o pioneiro do jornalismo impresso de Joaseiro, que funcionou de 1909 a 1911, com o objetivo de apoiar o movimento que reivindicava a emancipação política da localidade. Imagem 38 Carta do Padre Cícero a um afilhado, datada de 1931. O Memorial Padre Cícero 53

Imagem 39 Livro Breviarium Romanum, pertencente originalmente ao acervo da Biblioteca de José Marrocos. Imagem 40 Livro de registro que contém a certidão de óbito do Padre Cícero. 54  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 41 Fragmentos de um manuscrito , com uma mensagem para uma afilhada, assinado pelo Padre Cícero, datado de 1924. O Memorial Padre Cícero 55

UM CENTRO DE EVENTOS Imagem 42 I Simpósio P or comportar um amplo auditório, com 350 lugares, o Memorial se Internacional: transformou em um dos palcos mais requisitados da região do Cariri, “Padre Cícero e os abrigando grandes eventos, de natureza diversa (políticos, administrativos, Romeiros”, realizado sociais, religiosos e culturais), embora sua prioridade seja a de impulsionar pela Universidade ações de formação, como simpósios, seminários e colóquios, cujas temáticas Regional do Cariri e dialoguem ou se relacionem com a história do Padre Cícero Romão Batista Prefeitura Municipal e a cidade de Juazeiro do Norte. Para tanto, tem estabelecido ao longo dos de Juazeiro do Norte, anos várias parcerias com universidades e instituições afins. Destacam-se no período de 17 a 20 como um dos principais eventos sediados, os Simpósios Internacionais de abril de 1988, antes sobre o Padre Cícero. da inauguração oficial do próprio Memorial. 56  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 43 Imagem 46 II Simpósio Simpósio “Mediunidade, Internacional: Misticismo e Beatos – Paralelos “Juazeiro do Padre Vivenciais”, realizado no Cícero e a beata período de 27 a 31 de março Maria de Araújo: de 1990, pelo Memorial. Um contexto de milagre”, realizado no período de 15 a 19 de setembro de 1989. Imagem 44 Seminário “100 anos de Mestre Noza”, realizado pela Prefeitura Municipal, no período de 25 a 27 de fevereiro de 1997. Imagem 45 Imagem 47 Simpósio Nacional Cartaz do III Simpósio “100 anos de Internacional, realizado Lampião”, realizado em 2004. no período de 4 a 7 de julho de 1997. O Memorial Padre Cícero 57

58  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

OS DIRIGENTES P ela instituição, já passaram vários Presidentes, nesses quase 30 anos de sua existência: Abraão Bezerra Batista, José Bendimar de Lima, Geraldo Menezes Barbosa, João Batista Menezes Barbosa, Maria do Carmo Ferreira da Costa, Antônio Renato Soares de Casimiro, Altamiro Pereira Xavier Júnior, Ricardo Ferreira Lima, Marcelo Henrique Fraga Rodrigues, Antônio Chessman Alencar Ribeiro, Solange Maria Tenório Cruz e Cristina Rodrigues Holanda (desde janeiro de 2017). Ex-Presidentes Memorial Padre Cícero: 1988 a 1996 Abraão Batista 1997 a 2000 José Bendimar de Lima 2001 a 2004 Geraldo Barbosa 2005 a 2008 João Barbosa Maria do Carmo Ferreira 2009 Renato Casimiro 2010 Altamiro Junior 2011 Ricardo Lima e Marcelo Fraga 2012 Chessman Alencar 2013 a 2014 Solange Cruz 2015 a 2016 Imagem 48 Celebração da missa comemorativa dos 150 anos de nascimento do Padre Cícero, com a presença de 150 sacerdotes, na praça do Socorro. O Memorial Padre Cícero 59

60  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Para Saber Mais por Regivania Rodrigues Para Saber Mais 61

O QUADRO GRANDE E m visita ao Joaseiro, no ano de 1856, o escritor Dias Sobreira descreve as suas impressões sobre o lugar: O povoado, nesse tempo, compunha-se de umas sessenta casas de taipa, umas co- bertas de telhas e outras de palha de carnaúba ou de palmeira. A disposição dellas não obedecia à regra natural de arruamento. Logo na entrada do povoado, come- çavam duas fileiras de casas, sem guardar a equidistancia, no seu prolongamento. Ao seguir iam ellas affastando-se, de modo que, tendo no começo uns vinte metros de largura, terminavam com mais de cem metros ao chegar à igreja, e assim ainda hoje conservam-se. Não havia estética, nem nexo, naquella formação de arruamento (SOBREIRA, 1921, p. 83). E as coisas vão mudando. O tempo corre. Era assim no início da segunda metade do século XIX. O Padre Cícero ia incentivando os moradores das áreas mais distantes a fazerem casas na rua. As terras do patrimônio de Nossa Senhora das Dores se estendiam do rio Salgadinho até a pendência das águas, em direção às Timbaúbas. Conta-se que o encarregado dessas terras era José Leandro, um neto do brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, uma espécie de agrimensor improvisado. Era seu trabalho vender a terra, dividir os terrenos e ainda alinhar as ruas. O preço era um vintém por palmo, o que equivalia a vinte réis na moeda antiga. Sempre orientado pelo Padre Cícero, Zé Leandro foi aumentando a rua da Matriz e a praça da Igreja. Prolongou a Rua Nova (atual Dr. Floro) e melhorou a capelinha de Nossa Senhora do Rosário, no cemitério3, que ficava nessa mesma rua. 3 Na antiga Rua Nova, atual Av. Dr. Floro, havia um antigo cemitério, junto do qual se ergueu uma pequena capela em honra a Nossa Senhora do Rosário. A capela servia inicialmente aos escravos da fazenda Tabuleiro Grande. A imagem da santa foi adquirida pelo Padre Pedro Ribeiro, neto do Brigadeiro. Veio de Portugal, juntamente com a primeira imagem de Nossa Senhora das Dores. Foi nessa capela do cemitério velho, como era conhecido, que foram enterrados o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e sua esposa Rosa Josefa do Sacramento (OLIVEIRA, 1969). 62  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Pouco depois, num depois que ninguém espiou pra marcar, foram abrindo mais casas de comércio. Foi chegando mais gente pra vender e pra comprar, fixando moradia no Joaseiro. O Padre Cícero iniciou um plano de organização urbana e o Quadro Grande começou a ser talhado, fazendo nascer as ruas Grande, São José e Santa Rosa. A Rua Grande, como o próprio nome diz, era a maior rua da época, e é atualmente a Rua Padre Cícero. Depois cortou as ruas São Francisco e do Cruzeiro. O traçado do pequeno povoado começava a ganhar novos ares. Já se podia chamar de povoado. Joaseiro crescia. A rua Nova se prolongava em dire- ção às Malvas. A Rua do Padre, a São José e a Santa Rosa se estendiam em paralelas, direcionadas ao sítio Pedrinhas, estrada do Crato. Como também recebiam o mesmo impulso e prolongamento as ruas do Cruzeiro, São Francisco, Conceição e Santa Luzia. Novas ruas se iniciavam, com suas margens construídas e com casas de taipa, meia água, entremeadas por prédios de alvenaria (MENEZES, 2012, p. 122). O Quadro Grande estava dividido. Naquele momento, nascia o que hoje se conhece como Praça Padre Cícero. A porção de terra mais concentrada no atual bairro do Socorro permanecia com a Feira do Capim até os primeiros anos da década de 1920, quando José Geraldo da Cruz recebeu autorização do Bispado do Crato para construir a Capela em honra a São Vicente de Paulo, sob a coordenação dos vicentinos. A Feira foi, então, transferida para fora do eixo central da cidade, local onde hoje é a Prefeitura Municipal. Por lá, permaneceu por um longo período. Imagem 49 Desenho artístico do Tabuleiro Grande, na primeira metade do século XIX. Para Saber Mais 63

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Imagem 50 A FEIRA DO CAPIM Terreno para onde foi transferida a O Povoado ia crescendo: aumentavam as casas localizadas sempre em torno da Capela Feira do Capim, e ao longo das proximidades da margem do Rio Salgadinho. E foram surgindo os na década de 1920. aglomerados: ‘Cacimba do Povo’, ‘Rua do Brejo’, ‘Feira do Capim’, ‘Mercado Velho’. Ao fundo, vê-se a Mais adiante — Bôca de Cobra, Volta, Salgadinho, Mochila, Comboeiro, (Malvas) Rua Carlos Gomes, (OLIVEIRA, 1969, p. 35). em formação. Nos dias atuais, o Uma réstia de noite ainda aparecia, enquanto o sol começava a estender local corresponde à seus primeiros braços de luz sobre o Joaseiro. É a terra da fé e do traba- Praça da Prefeitura. lho. O dia mal abria o olho e os animais já iam se ajuntando, tangidos por Bigodeiro, Zé Roseno e Manuel Baião4, que logo traziam seus animais pro carrego. Assim como eles, outros que se ocupavam do mesmo afazer pro- curavam lugar no espaçoso terreiro, o Quadro Grande. Os animais eram pra carregar tudo quanto era coisa: material de construção, alimento, utensílios. O aluguel dos animais de carga foi aos poucos gerando um pequeno co- mércio. Para manterem os animais, os agricultores das proximidades da serra do Catolé e arredores traziam e comercializavam capim pra dar de comer pros bichos. O movimento se concentrava mais na porção de terra onde hoje está localizado o largo do Socorro. Por causa da forrageira para alimentar os animais, o lugar passou a ser conhecido como Feira do Capim. E o povo se juntava pra vender, comprar, botar as conversas em dia. Em pouco tempo já se vendia de tudo: tora de cana, café, tapioca, bolo de macaxeira, amendoim e até a famosa garapa de cana de seu Zé Chaves. Desde de manhãzinha até a noite, o povo ficava por ali, ouvindo as músicas que o Cego da Lata, vinha da Rua do Horto, vinha cantar. 4 Citados por Daniel Walker (2017). Para Saber Mais 65

UMA PROMESSA À VIRGEM DO SOCORRO Imagem 51 Capela de Nossa O s custosos anos de suspensão de ordens do Padre Cícero lhe impri- miram sérios danos à saúde. A conturbada situação levou influentes Senhora do comerciantes locais, como Manoel Vitorino (chegado ao povoado de Joaseiro Perpétuo Socorro, nas primeiras levas de romeiros), a se unirem aos comerciantes da capital na década de 1940. junto ao Bispo Dom Joaquim José Vieira. Essas iniciativas geravam no sacer- dote lampejos de esperança na reversão da sentença imposta. Tomamos no devido apreço o pedido da ilustre Comissão, mas não podemos satisfa- zer seu desejo porque a questão está afeta ao Santo Ofício, que, por três vezes, já se pronunciou sobre ela. Dirijam-se, pois, os interessados a este Santo Tribunal, que é o competente para resolver o caso proposto. Fortaleza, 30 de março de 1906. Ass. Joaquim, Bispo Diocesano (OLIVEIRA, 1969, p. 124). A resposta do Bispo Dom Joaquim, acrescida de outras portarias e severas advertências, lançou as expectativas do Padre Cícero ao solo, debilitando-o de forma tal que se prostrou por quatro meses, acometido de erisipela, uma doença infecciosa, caracterizada por uma inflamação da pele. O estado físico e emocional do Padre causava preocupações e constantes investidas junto ao campo celestial, por parte das pessoas que lhe eram mais próximas. Uma delas, Hermínia Marques de Gouveia, lançou suas intenções a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, para que intercedesse por seu conselheiro espiritual. Ao alcançar a graça, havia ela de construir uma capela em sua honra. Hermínia nasceu em 1871 na vila de Jardim (CE). Casada com um homem simples e pacato, criador de canários, o que lhe rendeu o apelido de João Canário, não teve filhos. Sua chegada em Joaseiro se deu em 1891. Conta-se que era uma mulher dedicada aos afazeres domésticos e muito dada a contribuir com o que se fizesse necessário. Sofreu calúnias que feriam sua honra, por mui- tas vezes ser confundida com uma beata. O Padre Cícero fazia pessoalmente seu acompanhamento espiritual, dada a necessidade que a mulher apresentava. 66  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Para Saber Mais 67

Imagem 52 Concentração da população à frente da Capela do Socorro após a missa, década de 1950, aproximadamente. 68  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 53 Consta que Hermínia tinha visões e fora orientada pelo Padre a registrá-las Capela de Nossa no papel, pois escrevia e lia muito bem. Não se sentia à vontade com o que Senhora do a acometia, sentimento este que a fez queimar alguns dos seus escritos e Perpétuo Socorro, enterrar outros, pouco antes de sua morte. A atitude desagradou seu orien- na década de 1940. tador espiritual, que mandou desenterrar os papéis, dos quais não restaram praticamente nada, pois havia chovido na noite anterior. Imagem 54 Padre Silvino Nos primeiros sinais de recuperação do sacerdote, Hermínia apressou-se Moreira Dias, em cumprir com o seu prometido. O lugar escolhido era o terreno da capela primeiro sacerdote destinada para o novo cemitério. Iniciada a obra, os trabalhos foram logo da capela de suspensos pelo Padre Quintino de Oliveira e Silva, que seguia ordens de Dom Nossa Senhora do Joaquim, e logo se tornaria o primeiro Bispo da Diocese de Crato. Perpétuo Socorro. Determinada a cumprir a sua promessa, Hermínia pede a Dr. Floro Imagem 55 Bartolomeu da Costa que advogasse pela continuação da obra, pois, já debi- Hermínia Marques litada por doença, temia morrer sem ver a sua conclusão. de Gouveia, cuja promessa pela Padre Cícero comprometeu-se com as despesas decorrentes da continui- saúde do Padre dade da construção. Não querendo se colocar diretamente, Floro orienta Cícero resultou na José Xavier de Oliveira, que trabalhava no erguimento da capela, a con- construção da Capela versar com o clero, já que gozava de afeição junto à Igreja. E assim se fez. de Nossa Senhora do O Padre Quintino permitiu de pronto, com a condição de nenhum envolvi- Perpétuo Socorro. mento do Padre Cícero. Parecia mais um capricho e o P. Cícero já com o côro duro de tantas bordoa- das daquela natureza, resignado, se dispoz, sem que o seu nome aparecesse, a concorrer com o necessário, até com o dinheiro. De modo que, qualquer outro christão por mais pecador que fosse, poderia fazer a obra, menos o Padre Cícero (COSTA, 2010, p. 61). Paredes erguidas e teto feito, morre Hermínia Gouveia. Diante do seu empenho, o Padre Cícero decide enterrar a mulher na capela, cuja existência se devia, em maior parcela, a sua pessoa. Sabendo da inten- ção, o Padre Quintino envia um emissário para proibir tal ação, mas era tarde, pois Hermínia já repousava eternamente no interior de sua pro- messa materializada. Para Saber Mais 69

Nova proibição imposta à conclusão da capela, que Floro Bartolomeu Imagem 56 ignorou completamente, argumentando que o submetido às ordens da Convite da missa Igreja era o Padre Cícero e não ele. Deu prosseguimento aos trabalhos, até de 7º. dia da morte concluir os acabamentos, conforme relata José Xavier de Oliveira. do Padre Cícero. A mandado do Pe. Cícero, pedi ao vigário Quintino, licença para fazer a Capela do cemitério. Quando as paredes já tinham cerca de 2m de altura, veio aqui o vigário e foi olhar o trabalho; achou que eu estava ‘fazendo uma Igreja grande e não uma capela de cemitério como havia pedido licença’. Ficou zangado; mas eu suportei sua zanga, calado, depois de lhe haver dito que, de futuro, aquela Capela seria pequena para caber o povo que já era muito (OLIVEIRA, 1969, p. 127). A obra foi concluída, mas não pôde sediar nenhum ato religioso, pois a Diocese não permitiu que a capela fosse benta. Em plena guerra de 1914, a 17 de janeiro, morre a beata Maria de Araújo, principal protagonista do Milagre do Joaseiro. A oralidade logo dá a sua versão para a morte, contan- do que a religiosa ofereceu sua vida pela vitória do Joaseiro, já emancipado do Crato, mas ameaçado de ser invadido pelas forças do Governo de Franco Rabelo. A mando do Padre Cícero e à revelia da Igreja, a beata foi enterrada num túmulo na Capela do Socorro, preparado por José Xavier, que trancou o caixão e entregou a chave ao Padre. O túmulo ficava no lado direito de quem entra na porta principal. Foi violado e destruído, em 1930, pelo então vigário de Joaseiro, Monsenhor José Alves Lima, sob o argumento de reforma física do local. Sem autorizações expressas do clero, também foram enterradas no in- terior da capela: Maria Joaquina, funcionária da casa do Padre; D. Quinou e Angélica, mãe e irmã do Padre Cícero, respectivamente. Em dezembro de 1921, indignados com o veto do clero à utilização da capela, alguns beatos e devotos invadiram o local e passaram a noite em vigília, rezando e cantando, vindo a se retirar com a intervenção do Padre Cícero. Somente 24 anos após a conclusão da obra da Capela é que a Diocese finalmente, em 10 de junho de 1932, benze e autoriza as atividades reli- giosas no local. Suspenso de ordens desde 1892, o Padre Cícero nunca 70  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 57 celebrou na tão conflituosa capela, que veio a tornar-se um verdadeiro Década de 1970, santuário, ao fazer-se sua última morada, em 20 de julho de 1934. aproximadamente, com o antigo Ao longo de sua existência, a capela passou por algumas reformas e traçado urbano hoje se mantém como importante patrimônio da história da cidade. Para a que o espaço lá se deslocam milhares de pessoas vindas de vários Estados do Nordeste obedecia. e outros pontos do país, para pedirem ou agradecerem graças, especial- mente no feriado de Finados. Para Saber Mais 71

72  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 58 OS VICENTINOS Confraternização dos Vicentinos no J osé Geraldo da Cruz Bezerra de Menezes nasceu no sítio Santa Clara, em 8 sítio Catolé, de de outubro de 1889, mesmo ano em que a hóstia se derramava em sangue propriedade de na boca da beata Maria de Araújo. Estudou com o professor José Marrocos, José Geraldo da no Colégio São José. Em 1913, abriu um estabelecimento de manipulação, Cruz e sua esposa a Pharmácia dos Pobres, na Rua Padre Cícero, em atividade até os dias de Maria Estácio hoje, com a venda de seu principal produto: o Bálsamo da Vida. da Cruz, após a cobertura da capela Na atividade profissional, atendia como clínico, enfermeiro, parteiro, de São Vicente. ortopedista, traumatologista, dentista, otorrino e massagista. Casou-se duas vezes e teve dezessete filhos. Muito comprometido com o desenvolvimento de sua cidade, fundou a União Comercial, que posteriormente passou a se chamar Associação Comercial de Juazeiro do Norte. Entrou na vida políti- ca a partir dos anos 1930. Ocupou por cinco vezes a função de Prefeito de Juazeiro. Criou a União Beneficente, associações dos Pedreiros, dos Volantes, entre outras. Fez parte da comitiva que contribuiu para a criação do Grupo Escolar Padre Cícero. Passou a integrar a Conferência Vicentina em 1916, imprimindo aí uma ação de dinâmica liderança e reunindo centenas de integrantes à causa. A Sociedade de São Vicente de Paulo ou Conferência Vicentina, como ficou mais conhecida, uma organização civil de leigos, formada por homens e mulheres dedicados ao trabalho cristão de caridade. O movimento surgiu em maio de 1833, em Paris, por iniciativa de Antoine Frédéric Ozanam e mais seis jovens universitários e católicos, com o intuito de aliviar o sofri- mento de pessoas vulneráveis, fortalecendo sua fé. Inicialmente chamava-se Conferência da Caridade, tendo sido oficializada como Sociedade de São Vicente de Paulo somente em 1835. São Vicente de Paulo é o ícone católico conhecido como Santo das Obras de Caridade. Presente em 150 países do mundo, no Brasil foi fundada em 1872, chegando a ter, nos dias atuais, mais de 153 mil membros. Em 1922, o vigário da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores, Padre Pedro Esmeraldo da Silva, e José Geraldo da Cruz, já haviam criado algu- mas Conferências Vicentinas na cidade de Joaseiro. No mesmo ano, José Para Saber Mais 73

Geraldo adquire, com recursos próprios, uma parcela de terra comprada do Imagens 59 e 60 Tenente José Dias Guimarães. Consegue autorização do Bispado do Crato Padre Pedro para a construção de uma Igreja em honra a São Vicente, e se iniciam as Esmeraldo da Silva e obras, nas extremidades do que fora anteriormente conhecido como Quadro José Geraldo da Cruz, Grande. A pequena capela ainda existe até os dias atuais, no encontro das respectivamente, ruas Monsenhor Joviniano Barreto e Leandro Bezerra. responsáveis pela criação das Para tanto, tivemos que carregar tijolos (na cabeça) do Sítio Volta até o centro da Conferências cidade. Valeu a pena o sacrifício. À frente da multidão, caminhava o beato José, con- Vicentinas em duzindo uma bandeira, a bandeira da vitória. Construímos a capela, mas faltava o sino. Joaseiro. Ao tomarem conhecimento de um sino de propriedade do Cel. Antônio Fernandes, os interessados pela aquisição do referido objeto negociaram com ele, e o resultado não foi outro senão a compra do sino que ainda hoje badala naquele templo, chamando os fiéis à oração (RIBEIRO, 1992, p. 43-44). Como se tratava de uma obra assistencialista, os trabalhos de construção foram feitos em etapas. Para fazer o telhado do pequeno templo católico, foi realizada, sob a organização de José Geraldo, a Festa da Cumeeira. Todos os integrantes se reuniram para o trabalho, que aconteceu de forma colabo- rativa, ao som da Banda de Música da Família Soares e com muita comida. Uns faziam o emadeiramento, enquanto outros já conduziam as telhas, que iam sendo transportadas até a parte superior por outras mãos, e assim por diante. Uma grande festa, que foi noticiada até na Revista O Malho, do Rio de Janeiro, em 1923. Após a conclusão dos trabalhos, todos seguiram para uma confraterniza- ção no sítio Catolé, de propriedade de José Geraldo da Cruz e de sua esposa, Maria Estácio da Cruz. 74  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 61 Momento de descontração na confraternização dos Vicentinos no Sítio Catolé, junto aos integrantes da banda de música da Família Soares. Imagem 62 Vicentinos após reunião na capela de São Vicente de Paulo, em 1923. Para Saber Mais 75

A CASA DE IMPOSTOS DA RUA SANTA ROSA N o encontro da Rua Santa Rosa (Av. Monsenhor Joviniano Barreto) com a Rua do Salgadinho (Leandro Bezerra), ficava um bonito bangalô onde funcionava a Coletoria Estadual, como também a residência do Coletor, que geralmente vinha de outra cidade e ficava em Juazeiro por uma tem- porada. O Sr. Jesus Rodrigues, um dos mais antigos coletores, veio à cidade trabalhar por uma temporada, mas resolveu ficar, dada a afeição que de- senvolveu pelo lugar. Nas suas pesquisas para escrever o livro Milagre em Joaseiro, na década de 1970, Ralph della Cava encontrou um importante documento nos arqui- vos dos salesianos, apresentado à Assembleia Legislativa do Ceará em 1º de janeiro de 1909, provavelmente organizado por Floro Bartolomeu. Havia nele a descrição do povoado, que já contava à época com dois cemitérios, uma bolandeira de algodão, 18 engenhos de ferro para cana e quatro de madeira, Estação Telegráfica, Agência dos Correios, Coletoria Estadual e Cartório de Registro. Muito provavelmente, a Coletoria não estava instalada nas dependências da Rua Santa Rosa, o que se supõe que tenha vindo a acontecer entre as dé- cadas de 1930 e 1940. Um dos últimos moradores dessa casa foi Sr. Orlando Rocha, Coletor Estadual nos anos 1950. Logo depois, o prédio da Coletoria foi adaptado para receber as instalações do Treze Atlético Juazeirense. 76  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 63 Vista panorâmica do prédio da Coletoria Estadual e do Grupo Escolar Padre Cícero, a partir da rua Santa Rosa. Para Saber Mais 77

78  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 64 A INSTRUÇÃO PÚBLICA E O Fachada do Grupo GRUPO ESCOLAR PADRE CÍCERO Escolar Padre Cícero, construído E m tempos remotos, o primeiro responsável pela Capela de Nossa Senhora na administração das Dores, o Padre Pedro Ribeiro, já alfabetizava e ensinava a doutrina cristã de José Geraldo aos meninos de sua família e a alguns filhos de escravos. Por volta de 1860, foi da Cruz, em 1935, criada, na povoação, a primeira Escola Régia, que tinha como professor o Padre oito anos após sua Antônio de Almeida. Logo, em 1865, o padre seguiu como voluntário para a criação oficial. Guerra do Paraguai, vindo a ser substituído pelo Professor Semeão Correia de Macêdo, que teve como seu subsequente o irmão, Pedro Correia de Macêdo. O ensino era limitado somente a meninos, que aprendiam a ler, a escrever, a fazer contas e obtinham noções de teoria musical, para comporem a Banda de Música local, mantida pelos irmãos Climério e Pelúsio Macêdo, filhos do professor. Pelos idos de 1876, iniciava-se o ensino para meninas, sob a regência de Dona Naninha, uma moça recém-chegada do Riacho do Sangue5, onde já trabalhava no ensino particular. Sob sua tutela, traz consigo uma criança por nome de Joana Tertulina de Jesus, que se tornaria, anos à frente, administradora da casa e dos interesses do Padre Cícero e que ficou conhecida como Beata Mocinha. Era lá que as meninas aprendiam a ler, a escrever, a fazer contas e alguns trabalhos domésticos, como renda de almofada e costura em máquina de mão. Seguiram-se outras iniciativas de ensino, tendo como professoras Dona Carolina Gonçalves Sobreira e Dona Generosa Moreira Landim, com escolas para meninos e para meninas, separadamente. Sob a orientação e vigilância do Padre Cícero, os mestres Guilherme Ramos de Maria, Miguel e Joaquim Siebra também ofereciam seus ensinamentos em escolas para meninos. Em 1896, mais uma escola feminina abre as portas, sob a condução da professora Isabel Montezuma da Luz, beata do padre Felix, de Missão Velha. Ainda na década de 1890, a também beata Maria Cristina de Jesus Castro, conhecida como Cotinha, que fora diplomada na Escola Normal do Rio Grande do Norte, assume outra escola, frequentada por crianças e adultos, com aulas inclusive no período noturno, cujo ensino era voltado para as 5 Antigo nome do município cearense de Solonópole. Para Saber Mais 79

domésticas que trabalhavam nas residências das famílias mais abastadas. Imagem 65 Funcionava na sala de visitas da casa da beata Minda da Cruz Neves, que Sobrado do Cel. se localizava onde foi construído, posteriormente, o Colégio Monsenhor Manoel Fernandes, Macêdo, na Rua Padre Cícero, ao lado da Igreja Matriz. no cruzamento das ruas Padre Cícero Havia ainda a Escola primária do beato Salú, que funcionou nos anos de com São Francisco, 1912 e 1913, encenando peças teatrais com os alunos. onde funcionou inicialmente o A escola de Salú era uma escola ativa: havia sessões com números de artes, nos quais agrupamento tomavam parte os alunos Cícero e Pedro Coutinho, Vicente Xavier de Oliveira (Ferrer) das classes para a José e Otacílio de Cincinato Silva, Antônio de Siqueira Filho (Siqueirinha), José e formação do Grupo Demócrito Guimarães. Nas lapinhas, eles funcionavam como os caboclinhos da ‘aldeia’, Escolar, em 1927. dançando com as pastorinhas, que eram as alunas da escola de Isabel da Luz... sua atuação extraescola foi notável, na época (OLIVEIRA, 1969, p. 236). O professor José Joaquim Teles de Marrocos, que era também jornalista e abolicionista, iniciou os trabalhos educacionais em Juazeiro em 1908, com o Colégio São José, onde ensinava para alunos já alfabetizados, de ambos os sexos, gramática portuguesa, aritmética, além de rudimentos de francês e latim. Os melhores trabalhos eram revisados e publicados como artigos no jornal semanário O Rebate. O Joaseiro dos primeiros anos do século XX seguia num ritmo acelerado de desenvolvimento. A ação do Padre Cícero se fazia presente em pratica- mente tudo. Em um documento6 municipal de 1909, consta que a povoação apresentava 18 ruas, 4 travessas e uma população de 15.050 habitantes. O mesmo documento menciona ainda que, no povoado, já funcionavam 18 escolas particulares (12 para mulheres e 6 para homens), além de duas escolas públicas (uma para mulheres e outra para homens). É importante considerar que desde os tempos iniciais, a estrutura física e funcional das escolas era equivalente a uma sala de aula. 6 Documento encontrado nos arquivos dos salesianos pelo historiador Ralph della Cava, nas pesqui- sas para escrever o livro Milagre em Joaseiro (1976). 80  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 66 Escolas estaduais foram instaladas na segunda década do século XX, Maria Gonçalves regidas por Maria Luiza Furtado e Josefa de Alcântara Leite. Era comum que, da Rocha Leal, além do trabalho no ensino público, os professores também tivessem sua primeira Diretora própria escola particular, como eram os casos dos Colégios Santa Filomena do Grupo Escolar e Salete, que levavam os nomes de suas professoras; o Colégio São Miguel, Padre Cícero. somente para rapazes, de propriedade de Dr. Manoel Pereira Diniz; o Colégio São Geraldo, fundado e dirigido pelo professor Edmundo Milfont, que funcio- nou entre os anos de 1926 e 1931; e o Colégio do Professor Anchieta Gondim. Todas essas iniciativas fertilizaram o terreno para a proposição de agrupar algumas escolas num núcleo educacional. Após sua formação no ensino pedagógico da antiga Escola Normal Pedro II, em Fortaleza (CE), Maria Gonçalves da Rocha Leal retorna, em 1923, para Joaseiro, sua cidade natal, e no ano seguinte, já se faz presente no encontro que culminaria na criação do primeiro Grupo Escolar Estadual. Em 1924, a professora Gonçalves, como ficou conhecida, foi nomeada para a terceira cadeira docente da cidade, assumindo a direção do Grupo Escolar Padre Cícero, oficialmente criado em 1927, segundo consta de um telegrama enviado pelo Dr. Juvêncio Santana, que, na época, era Secretário dos Negócios do Interior: Diretor Instrução (Lourenço Filho) acaba me informar que por ato hoje, foi criado Grupo Escolar dessa cidade sendo nomeada Diretora, Profa. Maria Gonçalves. Para completar número professores necessário funcionamento Grupo, foi transferida de Araripe conforme pedido Pedro Silvino, D. Luiza Alencar e nomeada acordo sua pro- messa a Fenelon (Gonçalves Pita) D. Stela Pita. Presentemente, não é possível outras nomeações. Saudações. Juvêncio Santana (CASIMIRO, 2017, [s/p.]). Com o agrupamento das classes, o Grupo Escolar funcionou em termos provisórios na esquina da Rua Padre Cícero com São Francisco, onde existia o imponente sobrado do Cel. Manoel Fernandes da Costa. Nos anos de 1940, o velho casarão cedeu lugar ao palacete da família Viana, existente ainda hoje. Durante anos, a construção do Grupo Escolar foi promessa política de al- guns governadores do Ceará, como João Thomé de Sabóia e Silva, Justiniano de Serpa, José Moreira da Rocha, entre outros. Foi na administração muni- Para Saber Mais 81

82  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 68 cipal de José Geraldo da Cruz, com o apoio do Interventor do Estado, Felipe Escola Normal Moreira Lima, em 1935, oito anos depois de sua criação oficial, que se con- Rural, na década cluiu a construção do prédio do Grupo Escolar Padre Cícero, na Rua Santa de 1950. Rosa, atual Av. Monsenhor Joviniano Barreto. Imagem 67 Posteriormente, no início dos anos 2000, o Grupo Escolar foi extinto Estudantes da da rede estadual, sendo reinserido no munícipio, em 2005, pelo prefeito Escola Normal Rural Raimundo Antônio de Macedo, com uma proposta de inclusão de alunos na década de 1950. com necessidades educacionais especiais e uma nova nomenclatura: Escola de Ensino Infantil e Fundamental Padre Cícero. O antigo Grupo traz escrito, em seus anais, capítulos importantes da história educacional de Juazeiro do Norte. Por lá estiveram, na condição de alunos, importantes nomes da política local e regional, além de profissionais que se destacaram nas mais diversas áreas. Aconteceram, ainda, outras experiências que tiveram grande impor- tância para a educação não só da cidade, mas também da região do Cariri, e que não se podem deixar de registar. Em 1927, no Colégio das Doroteias, em Fortaleza, Amália Xavier torna-se a segunda filha de Joaseiro a ser di- plomada. Sem uma indicação imediata para o magistério público, abriu um externato para ministrar aulas particulares, em março de 1928. Iniciativa que se tornou, mais tarde, o Ginásio Santa Teresinha. Em 1934, foi criada a primeira Escola Normal Rural do Brasil, instalada na cidade de Joaseiro, como primeiro Diretor Plácido Castelo Branco, auxiliado pela professora Amália Xavier, que, logo depois, tornou-se Diretora, ficando à frente da escola por mais de duas décadas. Para Saber Mais 83

A SAÚDE NA TERRA DO “PADIM” Imagem 69 Posto de Higiene, A quinta edição do jornal semanário Correio do Juazeiro, do dia 13 de construído na fevereiro de 1949, trazia na capa a matéria de Taumaturgo Nogueira, gestão de José intitulada Morrem 60 creanças por dia! O jornal chamava a atenção para a Geraldo da Cruz. situação da mortalidade infantil na cidade. A principal causa da mortandade era uma doença chamada enterite, uma inflamação na mucosa do intestino delgado, causada geralmente por infecção alimentar e consumo de água não tratada. Muitas famílias viviam em situa- ções precárias em termos financeiros, o que incidia diretamente na falta de uma alimentação adequada e consumo de água potável. Essas circunstâncias expunham grande parte da população à vulnerabilidade de saúde e bem estar, sobretudo na fase da infância. Crianças e recém-nascidos apresentavam o maior índice de patologias. Em 1924, o Padre Cícero já se empenhava pessoalmente em buscar so- luções para que essas situações não tomassem grandes proporções. Ainda neste ano, no dia 8 de julho, foi inaugurado o Posto de Profilaxia e Saneamento Rural da Região do Cariri Moura Brasil, cujo primeiro dirigente foi o Dr. José Epifânio de Carvalho, seguido por Dr. Manoel Belém de Figueiredo. O Padre 84  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 70 nomeou ainda Maria Soledade Magalhães como atendente do posto. Com Jornal semanário Correio empenho, a jovem, de apenas 15 anos de idade à época, dedicou-se e foi além do Juazeiro, cuja Direção de sua função inicial. Aplicava injeções, vacinas, fazia curativos e manipulava era do Dr. Geraldo medicamentos. Frequentemente era solicitada às escolas e residências para Meneses Barbosa. pequenos procedimentos. Nos idos de 1932, um surto de cólera e varíola acometeu a população de algumas propriedades rurais, nas imediações da cidade. Juntamente com Dr. Belém de Figueiredo e o sanitarista carioca Dr. Manoel Rodrigues, Dade, como ficou conhecida a dedicada enfermeira, trabalhou empenhadamen- te. Nos anos seguintes, teve reconhecimento do seu trabalho, quando os médicos Amaral Machado e Gavião Gonzaga vieram do Rio de Janeiro e lhe concederam o título de Enfermeira Chefe. Afastada do serviço público por questões políticas, trabalhou na Farmácia dos Pobres a convite de Dr. José Geraldo da Cruz até abrir as portas do seu próprio Ambulatório, que funcio- nou na Rua Padre Cícero, durante 26 anos. Dr. Mário Malzone também foi um importante nome da saúde pública na cidade. Nascido em Guaxupé (MG), formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1934. Especializou-se em Clínica Geral e Anestesiologia. Logo em seguida, veio trabalhar e morar em Joaseiro. Em 1943, fundou a Sociedade de Tisiologia do Ceará e, alguns anos depois, a Sociedade São Francisco das Chagas, trabalho que abriria as portas para a proposição e construção do Hospital e Maternidade São Lucas, inaugurado em 1955, cujo atendimento se destinava aos mais pobres, de forma gratuita e com qualidade. Anos à frente, fundou, juntamente com os médicos Leão Sampaio e Possidônio da Silva Bem, o Hospital Santo Inácio. Malzone foi, ainda, diretor da Escola Técnica de Comércio e professor de ciências biológicas da Escola Normal Rural. Um levantamento feito na década de 1940, por Elvídio Landim, um Agente Municipal de Estatística, mostra dados realmente alarmantes da mortalida- de infantil na primeira infância, na cidade: 702 crianças em 1945; 701 em 1946; e 860 em 1947. Dr. Malzone foi o primeiro a encaminhar estatísticas da localidade para o Ministério da Saúde. Para Saber Mais 85

Em 1937, antes de ser deposto do cargo de Prefeito, José Geraldo da Cruz Imagem 71 dá início à construção do Posto de Higiene, obra que só veio a ser concluída Coluna do Dr. em seu retorno como Interventor, no ano de 1946. Mário Malzone, “Cuidemos da Assumida a delegação de poder, por nomeação do Interventor Estadual Pedro Firmeza, Criança”, no José Geraldo da Cruz iniciava essa fase administrativa pela conclusão das obras do jornal semanário Posto de Higiene, constante de projeto de quando prefeito constitucionalmente eleito Correio de Juazeiro, (NASCIMENTO, 1998, p. 69). em 1949. Dr. Mário Malzone foi diretor desse posto por muitos anos. O lugar era Imagem 72 conhecido também como Posto de Puericultura, por oferecer cuidados e Dr. Mário Malzone, orientações para mães e recém-nascidos. Funcionou inicialmente num pré- Diretor do Posto dio grande alpendrado, mudando-se, anos à frente, para um outro prédio, de Puericultura com alpendre em forma de arco, na rua do Salgadinho, atual Leandro Bezerra. por muitos anos. 86  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 73 A LBA (Legião Brasileira de Assistência), órgão assistencial, foi criado Dr. Possidônio pela então primeira-dama do país, Darcy Vargas, em 1942, para ajudar as da Silva Bem, famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial. Ao final da guerra, médico do Posto expandiu os trabalhos, oferecendo assistência a todas as famílias necessita- de Tracoma. das em geral. Em Juazeiro, funcionou, em atividade conjunta, no Posto de Puericultura, durante um período. Ainda na década de 1940, muitos casos de tracoma foram registrados no Ceará, chegando com forte impacto nas terras do Cariri. Trata-se de uma doença inflamatória ocular crônica, causada por uma bactéria, transmissível através do contato direto com o infectado, podendo causar cegueira. A doen- ça chegou ao Brasil trazida pela imigração europeia, a partir do século XVIII, com a deportação de ciganos que, expulsos de Portugal, estabeleceram-se nas províncias do Ceará e Maranhão, constituindo, a partir de então, os pri- meiros focos de tracoma no país, dos quais o de maior evidência nacional foi o que ficou conhecido como Foco do Cariri. A primeira medida, em âmbito nacional, para controle da doença, foi registrada somente em 1923 e consistia na proibição da entrada de imigran- tes infectados no país. Como a medida mostrou-se ineficiente, em 1943, o Governo Federal inicia a Campanha Federal contra o Tracoma, sob a re- gência do Departamento Nacional de Saúde Pública. Dr. Possidônio da Silva Bem foi um dos médicos que teve forte atuação no combate e orientação quanto aos cuidados com a doença. Nascido em Serrita (PE) no ano de 1900, formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia e, em 1942, fixou residência na cidade de Juazeiro do Norte. Foi também professor de francês da Escola Normal Rural e da Escola Técnica de Comércio. Trabalhou por muitos anos no antigo Posto de Tracoma, cujas instalações ficavam na Rua Santa Rosa (atual Monsenhor Joviniano Barreto), numa modesta construção, vizinha ao Grupo Escolar Padre Cícero. Em 1946, Dr. Possidônio participa de uma formação sobre o tracoma, no Rio de Janeiro. Em 1955, integra, também no Rio de Janeiro, a primeira turma de pós-graduação, promovida pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Os dois postos foram integrados a outros órgãos estaduais e municipais de saúde, posteriormente, e as antigas instalações, desativadas, serviram de espaço de brincadeira para as crianças que moravam no entorno. Era também o lugar discreto para encontros fortuitos entre casais enamorados. Para Saber Mais 87

A PRAÇA SÃO VICENTE Imagem 74 E O CINQUENTENÁRIO DE JUAZEIRO Antigo coreto da Praça São Vicente, também T ambém conhecida como Pracinha, a Praça São Vicente foi construída conhecida como na administração municipal de Antônio Conserva Feitosa. Abrigava Pracinha, onde se vários bancos de madeira e ferro, além de um coreto. Os circos que fa- veem, da esquerda para ziam temporada pela cidade ocupavam o seu terreno, como foi o caso do a direita, os irmãos famoso circo Nerino. Antônio, Vicente, José e Iderval, da família Antônio Conserva Feitosa ou simplesmente Dr. Feitosa, como era mais Reginaldo Tenório. conhecido, foi um médico pernambucano que chegou a Juazeiro em 1940. Comunicativo, logo estava integrado ao quadro social da cidade. Foi nomeado interventor, permanecendo no cargo de 18 de junho a 22 de novembro de 1945. Disputou eleições municipais, ainda na década de 40, sendo eleito prefeito para o período de 1948 a 1951, voltando a exercer o cargo, num outro pleito vitorioso, para os anos de 1959 a 1963. Foi ainda Deputado Estadual, de 1951 a 1954. Antônio Conserva Feitosa foi para Juazeiro do Norte uma espécie de semideus. Na mi- nha infância e adolescência pela rua São José, ainda se ouvia falar de um certo ‘Anjo da Lagoa’, personificado no mítico líder político que construía sua residência no cru- zamento das ruas Santa Luzia e São José, onde antes havia uma lagoa.7 Foi no segundo mandato de Dr. Conserva Feitosa que Juazeiro come- morou seu primeiro cinquentenário de emancipação política, com muitos preparativos para a festa. A Praça São Vicente foi reformada e passou a se chamar Praça do Cinquentenário. Um grande monumento de concreto com duas imagens do Padre Cícero compunha o espaço. Na mesma época e ao lado da praça, foi construído o Centro Municipal de Artesanato, um prédio de arquitetura arredondada, que se destinaria à exposição e venda do artesanato local, além de mostras de artes. Oficialmente, a praça e as demais constru- ções só foram inauguradas em 28 de dezembro de 1961, mesmo dia em que 7 Discurso pronunciado por Renato Casimiro, em nome da Associação dos Filhos e Afilhados de Juazeiro (AFAJ), no dia 24/3/2009. Veja: AFAJ, 2017, p. 203-204. 88  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 75 Imagem 76 Praça São Vicente, Preparação do em 1953. Ao centro, terreno para a o escritor Renato construção da Casimiro e sua irmã, Praça São Vicente, Ana Célia Casimiro, na década de 1940. quando crianças. Ao fundo, a rua do Salgadinho, atual rua Leandro Bezerra. Para Saber Mais 89

se celebrou a conquista da chegada da energia de Paulo Afonso à cidade, cujo Imagem 77 marco foi fixado no monumento, em forma de placa. Praça do Cinquentenário, O cinquentenário da cidade aconteceu no dia 22 de julho de 1961, com vista do ângulo celebrações religiosas e festividades. Uma missa, celebrada por Dom Vicente da atual Travessa de Paulo, Bispo Auxiliar da Diocese do Crato na época, levou um grande nú- Maria Gonçalves. mero de pessoas aos pés da Coluna da Hora da Praça Padre Cícero, local da celebração, que foi transmitida ao vivo pela Rádio Iracema. Crônicas e sau- Imagem 78 dações foram escritas para homenagear a cidade que, em tão pouco tempo, Dr. Antônio já exibia um caminho de conquistas e prosperidades. Conserva Feitosa. O Ceará em peso comemorará o cinquentenário de autonomia de Juazeiro do Norte, cidade das que mais têm crescido no interior do Nordeste brasileiro, em todos os setores da atividade humana. O artesanato juazeirense firmou-se a transpor fronteiras, impon- do-se em toda parte. Indústria promissora de beneficiamento de algodão, cortumes e fábricas de óleo nasceram e tendem a progredir (FIGUEIREDO FILHO, 1994, p. 55-56). 90  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 79 Celebração realizada por Dom Vicente, aos pés da Coluna da Hora, na Praça Padre Cícero, em comemoração ao cinquentenário da cidade de Juazeiro do Norte, em 1961. Para Saber Mais 91

CLUBE ATLÉTICO JUAZEIRENSE E xistia um grupo de rapazes apaixonados por futebol de salão na cidade de Juazeiro, na década de 1950, quando a modalidade praticamente nem existia ainda no Ceará. Era sempre no finalzinho da tarde que o bate-bola co- meçava. Juntava muita gente: quem ia jogar e quem ia só olhar. Foi Francisco Augusto Tavares, mais conhecido por Dr. Nei, recém-chegado de Recife, que iniciou a prática com os amigos João Barbosa, José Leite Feitosa (Dr. Zi), José Vasconcelos Neri (Didi Neri), José Wilson, Ronald Brito e outros (CASIMIRO, 2013). Eles criaram o Clube Atlético Juazeirense, para a prática do esporte. Logo em seguida, montaram um time, o Independentes, utilizando a quadra da Escola de Comércio, na esquina da Rua da Glória com a São Francisco, para treinarem. Mais à frente, adquiriram o terreno entre a Coletoria Estadual e o Grupo Escolar Padre Cícero, e ali construíram uma quadra, com energia própria, mantida por um motor a diesel, o que permitia que a moçada jogasse bola até a hora que conviesse. O novo espaço foi inaugurado em 1955, com as presenças do Padre Silvino Moreira e do Prefeito da época, José Geraldo da Cruz, além dos integrantes do time e convidados. Alguns anos à frente, foi criado um novo time, o Cruzeiro, e uma partida entre os dois adversários logo foi organizada. A vitória foi do Independentes, dono da casa e da bola. Imagem 80 Construção da quadra de futebol de salão do Clube Atlético Juazeirense. 92  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 81 Inauguração da quadra de futebol de salão do Clube Atlético Juazeirense, em 1955, com as presenças do Padre Silvino e do Prefeito José Geraldo da Cruz, entre outros. Para Saber Mais 93

Imagem 82 Time do Treze Sport Club, na formação da década de 1950. Imagem 83 Time do Treze Sport Club, na formação da década de 1960. 94  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 84 OS PRIMEIROS TEMPOS DO FUTEBOL Antônio Fernandes EM JUAZEIRO Coimbra, fundador do time O Joaseiro Futebol Clube foi o primeiro time formado em Joaseiro de que do Treze Sport se tem notícia. Foi criado em 15 de janeiro de 1927, por Júlio Gomes, João Club, em 1937. Tenório de Assis, Fauser Jereissati, Agauço Oliveira, José de Almeida e Didi Melo. Era representado pelas cores verde e branca. O time fez um pedido ao Padre Cícero: a doação de um terreno para a construção de um campo. Terreno doado, o campo passou a funcionar fora do centro da cidade, na Rua do Seminário, onde, tempos à frente, foi construída a Usina José Bezerra. O alambrado era feito de corda. No jogo de estreia, o Joaseiro Futebol Clube enfrentou o Crato Atlético Clube, perdendo a partida por dois a zero. Logo na sequência, outro time formou-se: o Artístico Futebol Clube. Era o representante da periferia. Sua sede estava localizada nas imediações da Rua Santa Luzia, onde, depois, passou a funcionar a Feira Nova e, nos dias atuais, está o Mercado Central. Posteriormente, um outro campo foi criado. Funcionava como um primei- ro estádio, onde atualmente está o Santuário de São Francisco. Era conhecido como o campo de Dr. Mozart. Em meados de 1950, Antônio Fernandes Coimbra, mais conhecido por Mascote, funda a Liga Desportiva Juazeirense (LDJ), com um novo campo, que ficava no antigo Quadro Santo Antônio, no entroncamento das Ruas São Luiz, Conceição e São Francisco, finalizando na linha férrea. Os próprios jogadores, ajudados por outros simpatizantes da causa, fizeram a mudança das traves, do antigo para o novo campo. Nomes como Antônio Padre, Tonico, Beato, Quixaba, entre outros, fizeram jogos memoráveis no lugar. Para Saber Mais 95

96  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 86 O VELHO TREZE, DAS PARTIDAS E Primeira Sede do DOS CARNAVAIS Treze Sport Club, no entorno da A ntes de ser clube social, o Treze era um time de futebol: o Treze Sport Praça Padre Cícero. Club. Foi criado em 1937, por Antônio Fernandes Coimbra, mais co- nhecido por Mascote, que ganhou esse apelido por “dar sorte” a um time de Imagem 85 futebol que acompanhou num campeonato, quando criança. Era natural de Festa Branca, no Juazeiro, nascido em 15 de fevereiro de 1920. Gostava de livros de história. clube do Treze, Em 1944, criou o jornal O Centenário, para homenagear o centenário de quando a sede nascimento do Padre Cícero. Foi publicitário e dirigiu o Centro Regional de era ainda no Publicidade, precursor da implantação do rádio no Cariri. Teve sua primeira entorno da Praça experiência na gráfica O Bancário, de Odílio Figueiredo. Depois, montou Padre Cícero. seu próprio empreendimento comercial, com grande êxito, fabricando e vendendo calendários. Mascote foi presidente e treinador do Treze de 1953 até 1960. Foi ele quem o sustentou financeiramente, com recursos próprios. O Treze foi, por mais de uma década, o grande representante do futebol juazeirense em campeonatos locais e interestaduais. Em 1958, o Treze Sport Club fundiu-se com outras três agremiações: o Clube Atlético de Amadores, o Juazeiro Clube e o Clube da Chave. Tornou- se o Treze Atlético Juazeirense, uma sociedade desportiva, recreativa e cultural, cuja sede social localizou-se, inicialmente, na Praça Padre Cícero. Na sequência, o Clube ocupou a edificação outrora destinada à Coletoria Estadual, na Praça São Vicente, na esquina da Rua do Salgadinho com a Rua Santa Rosa. A quadra do Clube Atlético Juazeirense, utilizada para a prática de futebol de salão, foi incorporada à nova sede do Treze. Odílio Figueiredo foi um dos responsáveis pela reforma do prédio da Coletoria, para receber as novas atividades. A pista de dança em breve estaria aberta para oferecer-se ao bailado de Mirival Calado, considerado um dos maiores dançarinos da época. Muitas programações passaram a fazer parte do calendário do novo espaço de convivência e diversão da cidade. Matinais, vesperais, Festa Branca e os velhos carnavais. Para Saber Mais 97

Entre as décadas de 1950 a 1970, João Martins era o grande animador das Imagem 87 festas do Treze e de outros clubes da cidade. Nascido em Missão Velha, foi J. Martins e seu morar na cidade de Milagres, onde trabalhava como alfaiate. Ainda em 1950, Conjunto, em os irmãos Alberto e José Brasileiro fizeram um show na cidade de Milagres, apresentação no acompanhados pelo violão de João Martins. Empolgados com a qualidade Treze Atlético do músico, chegaram a Juazeiro e contataram o radialista Coelho Alves, que Juazeirense. foi em busca do novo talento, oferecendo-lhe 800 mil réis para tocar no re- gional da Rádio Iracema, que, à época, desfrutava de grande audiência. João Martins aceitou o convite e, em 1952, passou a morar em Juazeiro, exercendo sua vocação musical na Rádio, mas sem deixar de trabalhar como alfaiate. Em parceria com o sobrinho Rosiel, montou o J. Martins e seu Conjunto. Depois tornou-se J. Martins Show e, finalmente, na década de 1970, numa parceria com Hildegardo Benício, o HildeMartins Som. Entretanto, o grupo ficou popularmente conhecido como o Conjunto do Treze. 98  Memorial Padre Cícero e Outras Histórias

Imagem 88 Diretoria do Treze e a Rosa do Ano, 1969. O Clube construiu ainda uma sede campestre, na Av. Virgílio Távora, como mais uma opção de lazer, com piscinas e uma grande área aberta. No início da década de 1980, a sede social deslocou-se e fundiu-se com a sede campestre. Entre 1982 e 1985, o prédio que abrigou a sede social do Treze Atlético Juazeirense, na Praça do Cinquentenário, foi arrendado para João Bezerra de Oliveira, que fundou o Clube Asa Branca, local que promovia grandes shows com artistas locais e de renome nacional, como Renato e seus Blue Caps, Quinteto Violado, The Fevers, entre outros. Para Saber Mais 99


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