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Japao_Blurb

Published by cesfranco, 2020-06-30 14:42:05

Description: Japao_Blurb

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Não esperava encontrar outra companhia.







Provavelmente vieram de carro. Pela pequena estrada que atravessa a montanha, subindo qua- se em linha reta do lado de lá e descendo em suaves curvas do lado de cá. Se tivessem vindo a pé, pela mesma estrada, estariam suados, cansados, ofegantes. Estavam tranquilos, encos- tados em uma grande pedra e olhando o rio descer tranquilo em direção à cidade lá embaixo. Apesar de não ser verão ainda, a semana trouxe uma não esperada onda de calor para toda a região. Impossível ficar dentro de casa, olhando o tempo estagnado pelo ar úmi- do e pesado. Neste domingo, famílias inteiras vieram logo cedo para garantir seu pe- daço de grama nas margens tranquilas do rio que desce limpo e vagaroso das terras lá de cima. Toalhas e esteiras e chapéus e gritos de criança colorem um longo trecho de águas mais rasas e calmas. O silêncio uma lembrança lá longe, de tempos mais frios.



Falavam de uma viagem. Ou melhor: dos preparativos para uma viagem. Falavam pau- sadamente, um ouvindo o outro antes de falar novamente. Não havia excitação no ritmo das frases. Nem tédio. Também não era um sotaque da região. Parecia algo mais do nor- te, mais perto do mar e longe das montanhas. Do meu ponto de observação, vi que não traziam nenhuma toalha, mochila ou bentôs. Nada dizia que vinham para passar o dia. A viagem parecia ser para longe. E não iriam juntos. Ele chegaria depois, dois dias após a chegada dela. Ela deveria esperar por ele sozinha. E após a chegada dele iriam conti- nuar a segunda parte da viagem. E a julgar pela pouca ênfase e discussão em torno des- sa primeira parte, a viagem importante iria realmente começar a partir deste reencontro.





O local combinado parecia não ter nome.



Ou se tinha, me escapava. O ruído da água nas pedras apagava algumas palavras antes que subissem até meu involuntário esconderijo.



II

O que sempre o agradou naquele café: a luz suave filtrada por pequenas janelas; o volume bai- xo de alguns poucos discos de jazz; a quase total ausência de clientes nas longas tardes; o fato de estar escondido em uma pequena viela no meio de tantos prédios insipidamente modernos.



E Yamane.



Passar horas observando Yamane atrás do balcão, realizando suas tarefas de for- ma quase distraída. A atenção em algum outro lugar que não ali. A capacidade de es- tar concentrada em si mesma e ao mesmo perceber cada sutil movimento no café. Demorei um certo tempo para me aperceber de tudo isso. Desde o momento em que des- cobri este café escondido no tempo nesta cidade gigantesca, foram algumas semanas de visitas diárias para aprender a dinâmica quase muda dos acontecimentos dentro daque- le ambiente tão estranhamente familiar. Na minha primeira vez ali, me senti um fantasma. Passei longos minutos sentado em um canto do pequeno balcão. E quando estava quase convencido de minha invisibilidade diante dos olhos de Yamane (ainda não sabia ser este o seu nome, evidentemente), recebo um olhar rápido e desinteressado que me mostrou tudo o que eu precisa ver. Uma xícara de café muito quente e encorpado. A partir deste momen- to soube que de alguma maneira pertencia àquele local. Parte de mim pertencia ao lugar.





E então comecei a aparecer todas as tardes. Por volta das 15h, quando os poucos fregue- ses saiam, após um almoço rápido.





Ao entrar, era sempre saudado com um leve arquear de sobrancelhas, um quase sorriso e um piscar mais longo de ambos os olhos. A não necessidade de palavras era outro impor- tante atrativo para mim. Só soube que seu nome era Yamane ao ouvir a sua resposta a um tardio cliente que parecia não entender a dinâmica e os horários da casa. Ya-ma-ne. Caia bem o nome em seu corpo magro, esguio, elegante em seu despojamento de gestos. Suas orelhas, mais alongadas do que poderíamos prever, dava ao rosto um ar felino, agradável e misterioso. E ela sabia disso. Já era tarde, passava das 22h. O café de noite era ainda mais vazio que durante o dias (se fosse possível ser mais vazio que nada). Aparentemente, havia sido um dia como outro qual- quer. Mas não era assim. Havia algo incomodando Yamane. Talvez nem ela mesma soubesse o quê. Eu com certeza não sabia, mas pressentia. Algo havia acontecido. Ou estava prestes a. Uma pequena vibração tomava conta do salão, havia chegado há um tempo. De início muito leve, como os primeiros sinais de uma onda que se aproxima, vinda de muito longe.



Com o passar das horas foi aumentando e estabelecendo sua presença no local. Agora já havia uma presença suficientemente notável. Pelo menos por Yamane.



Mas antes mesmo de ser tornar algo consciente para ela, tal sensação foi espantada pelo toque ruidoso do telefone.



Eu nem sabia da existência de um telefone ali. Talvez por isso nossos corações tenham saltado no peito. Yamane parece ter demorado uns segundos a mais para entender que ela precisaria atender a ligação. Seu desconforto continuava. A conversa não estava deixando Yamane mais tranquila. Da sua boca saiam menos palavras e mais interjeições, algumas ve- zes de surpresa e, na maioria das vezes, de resignação. Não era possível para mim, ouvindo apenas um lado da conversa, entender o que estava se passando ali. Que tipo de história estaria se desenvolvendo.





Quem poderia ser?

Até então, nas semanas e semanas que eu frequentava o café, além de Yamane apenas uma senhora muito velha havia dados as caras. Ela parecia menos uma empregada e mais uma ajudante eventual do lugar.



Aparecia com algumas compras, arrumava tudo nos fundos do salão e depois desaparecia por dias e dias. Para mim era um mistério absoluto entender como tudo ali funcionava ape- nas com a presença de Yamane. Não que a clientela fosse das mais numerosas (os cafés bem iluminados e com wi-fi disponível atraiam a maioria dos trabalhadores dos enormes prédios de escritório ao redor). E nem o cardápio era dos mais variados (apenas café, chá e alguns petiscos frios para enganar a fome).





Mas mesmo assim era de se pensar em como ela conseguia dar conta de tudo ali sozinha, por ela mesma.

Aquele telefonema definitivamente abalou a rotina do lugar. Suas últimas palavras davam conta que havia concordado em ir encontrar alguém próximo das montanhas, em alguns dias. “Só preciso de dois dias para fechar e então estarei aí”, foram as palavras finais de Yamane. Nenhum entusiasmo, nenhuma apreensão, nenhuma expectativa. Nem mesmo surpresa, eu diria. Era inevitável. O café estaria fechado. Eu teria que encontrar algum outro lugar.



Por quanto tempo? Eu iria saber.




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