O anjo mutilado - Final

O ANJO MUTILADO 1

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AAUUTTOORREESS - Ana Luiza Apgaua Beatriz Afonso Elizete Rodrigues Ferreira Marcela Teófilo Márcio Lambert Maria Aparecida Vasconcelos Faria Maria Goretti Machado Maria Lucia dos Santos Oliveira Moema N. Queiroz Sandra Beatriz Duarte de Freitas 4

CURADORIA - André Meyerewicz Bárbara Amaral Beatriz Amaral Daniel Chico Helga Freitas Pompeu Yasmine Evaristo 5

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Este livro é dedicado a todos que perderam o convívio com um amigo, um parente ou um conhecido, que partiram para a sua última viagem, levados pela crueldade da pandemia que assolou o mundo nestes quase dois últimos anos. Mário Santiago - Organizador 7

- APRE- SENTAÇÃO 8

Os anjos são figuras que habitam a imaginação dos Marcelina Almeida povos, em suas mais diferentes crenças e credos. Seja na poesia, na teologia ou no universo místico, os an- - jos foram e ainda são tema para debate: existem? po- dem ser vistos? possuem gênero definido? que função Historiadora, docente ou funções desempenham? Muitas perguntas e poucas respostas. na Escola de Design/ UEMG Comumente, acredita-se na existência de uma vasta hierarquia celestial e nela se situam as figuras angelicais, sendo, elas próprias, mensageiras intercessoras entre o plano celeste e o plano físico. Essas figuras fazem parte do cenário cemi- terial, povoam a paisagem, decoram túmulos. São as mais variadas representa- ções angelicais, enviando mensagens de desolação e de esperança. O anjo mutilado nos convida a pensar sobre todos esses significados, desde a precariedade e fragilidade da memória, até a nossa capacidade de enxergar be- leza e poesia nas ruínas e entender que as histórias, pequenas histórias, podem ser narradas de modo diverso e múltiplo. Esta é a missão deste livro. O convite está feito, para esta viagem singular, tran- sitando entre as mensagens e o mensageiro. Primavera de 2021 9

ANA LUIZA APGAUA - [email protected] 10

A mão do pai estava suada, mas Pedro não ousava despren- der-se dela. O cemitério sujo e áspero evocava tristeza, um aperto no coração que não ia embora. No derredor, via os vultos descritos por vó Santinha, sabida de coisas do além, diziam. Ajoelhado, revirou o pescoço para encontrar o olhar do Anjo. Dorinha tinha mesmo virado anjo e, dali, velava seu sono, as brincadeiras radicais, provas do colégio. Ver o Anjo sem cabeça e sem braço trouxe desalento. Parecia que Dorinha tinha morri- do outra vez. Fez um Pai-Nosso apressado. Só vó Santinha teria remédio para sua solidão. 11

BEATRIZ AFONSO - [email protected] 12

Era anjo do amor romântico. Acreditou sempre que, unindo sua alma à de outrem, encontraria respostas para todas as per- guntas; veria aquietarem-se seus anseios. Em momento algum esteve preparado para, num transe de amor real, ver dobrarem de número e se agigantarem suas perguntas, agora em mão du- pla. Assim é que, imantado todo de eflúvios e vibrações român- ticas, tanto se debateu e se confrontou com a realidade, do mais banal ao mais grave fato, que quebrou cabeça e perdeu mão so- bre seus atos. Era um anjo. Do amor romântico. A realidade lhe fez mutilado. Estático. Alado e incapaz de voar. 13

ELIZETE RODRIGUES FERREIRA - [email protected] @amorhiperativo 14

O silêncio gritava vida. Um querido jardineiro zelava pela praça central de uma cidade cheia de ares densos, com gentes cheias de esperanças... Certa noite, ouviu barulhos e viu luzes, parecia ser um combate. Uma voz sussurrou-lhe no ouvido: acredite na força do seu coração e silencie, tudo vai passar. No outro dia, encontrou o Anjo com um braço quebrado, a cabeça segura num toque firme perto do cora- ção, as asas incrivelmente intactas. Feliz, o jardineiro concluiu: o anjo venceu com a força do que pulsa no coração – ele cuidou da cidade! O anjo lá permanece; alguns repetem a história. 15

MARCELA TEÓFILO - [email protected] www.penaemliberdade.wordpress.com 16

Ella escrevia afiado pra fazer rolar a máscara angelical imagi- nária que cobria sua real face dentro das cabeças alheias. Num só golpe de verbo sufocado, guilhotinava ideias que levaram a Razão às últimas inconsequências. Desviante das estéticas fun- cionais da normalidade, aos olhos cediços, seu corpo era um poço vulnerável de desejo instantâneo. Ninguém desenhou amo- res, prole, carreira e estruturas da cidade acessíveis para Ella. As pedras frias da torre de preconceitos arranhavam sangrando o céu. Quem se desconstruísse pelo alto risco da escalada de amar e ser amado por Ella, quebraria maldições, construindo o para- digma libertador de toda a posteridade. 17

MÁRCIO LAMBERT - @lambertmarcio [email protected] 18

Vem de criança a história do anjo caído. Anjo caído, anjo temido. Foi morar vizinho do cemitério. Quanto anjo! Cercado de anjos, túmulos e cortejos. Em cada jazigo, uma história construída e a dúvida entre anjo bom ou anjo caído. E todos eram lindos! Mas como saber das verdadeiras intenções representadas? Na dúvida, desenvolveu pontaria precisa com seu estilingue. No seu ingênuo pensamento, anjo bom guiava a pedra que era certeira se fosse caído. Disparava. Alma lavada quando cabeça, tronco e membros eram castigados e destroçados. Em frangalhos, anjos caídos não eram temidos. 19

MARIA APARECIDA VASCONCELOS FARIA - [email protected] 20

Do Orientador da Academia Celeste Ao Anjo Estagiário Prezado, Felicito seus avanços. Primeiro, plasmar a ideia do anjo acéfalo na mente do escultor. Só mesmo um especialista em arte da decompo- sição e passagem pelo limiar inspiraria a criação do anjo sem memó- ria da angelitude. Depois, direcionar o fotógrafo na visita à necró- pole. A imagem revelada indica que o fotógrafo se viu refletido nele. Em breve, veremos mais um ateu se reconhecendo na angelitude. Cordialmente, Aladino 21

MARIA GORETTI MACHADO - [email protected] 22

No caminho pelas ruas, imagens são vistas, admiradas e até mesmo despercebidas. Elas compõem um cenário da sociedade que retrata muitas ações humanas e da natureza. É desafiante o exercício do olhar e do contemplar. Quantas imagens! Imagens perdidas, imagens vividas, imagens quebradas... As imagens en- cenam a vida e muitas vezes incomodam. Quando quebradas, podem representar um abismo entre a razão e o coração da hu- manidade, mostrando que a inocência deixa de existir. 23

MARIA LUCIA DOS SANTOS OLIVEIRA - @poetizalu 24

Gosto do meu voo, tenho asas sustentáveis, voo para o meu destino certo. Percorro o espaço para alcançar vidas porque sou encarregado de protegê-las. Venho lá do Céu azul, voo sobre desertos e colinas para encontrar meu lugar e ajudar e prote- ger meus escolhidos. Acolha-me com bons olhos, estou aqui em forma de estátua, mas sou da Divindade Celeste. Depois farei ou- tros voos e pousarei em outros seres pra protegê-los dos males da humanidade. Carrego a proteção do Pai do Céu no meu coração aberto e pouso em você. Esta é a minha sina: anjo protetor cui- dando com amor. 25

MOEMA N. QUEIROZ - [email protected] @moemavix 26

Mesmo descrente, observo-te buscando compreender tuas do- res. Sentinela, procuro não te assustar em vão, pois hás de com- preender que, embora pareça obscuro, há em mim forte ardor pelo deslumbramento que me desperta tua mirada. De tão longe vieste – vago olhar fascinado – que não cogito aterrorizar-te, mas sussurrar encantamentos em teus sonhos por compreenderes quão profunda é a solidão que me abate à espera deste reencon- tro há tanto desejado. Ouso proferir, dado teu apreço por minha triste figura, poder sonhar mais alguns séculos, até nesta minha impassível imobilidade, porém de cerne renovado pelo que vi em teus olhos de mar. 27

SANDRA BEATRIZ DUARTE DE FREITAS - [email protected] @sandra.duarte79 28

Amèlie tinha dois anos quando morreu. Criança linda, viva e feliz, foi passar o fim de semana com os avós no campo. Brincou com Lili a pequena bonequinha, correu, dançou e comeu fru- tas, dentre elas, cerejas. Por causa do caroço dessa última fruta, engasgou e morreu, ali mesmo, no campo - não houve nada que pudesse ser feito. Seu corpo frágil foi enterrado no Père-Lachai- se e uma escultura de menina anjo, a homenageava. O tempo – sempre ele – passou; a escultura está em ruínas, mas a memória daqueles dias da infanta Amèlie, ainda ecoam nos campos da pequena cidade de Lion. 29

- DEPOIMENTO DO FOTÓGRAFO DANIEL CHICO 30

Eu estava participando de uma visita guiada ao ce- mitério do Bonfim quando fotografei a estátua. A visita era mensal e organizada pela prefeitura de Belo Hori- zonte. Fiz várias fotos nesse dia, de forma totalmente despretensiosa. Depois de revelar as fotos, que foram feitas em filme analógico, me interessei muito por essa e por uma outra figura. Planejei voltar ao cemitério para reencontrá-las e tentar descobrir algo sobre elas. Mas a pandemia começou e não fui mais lá. A imagem do anjo foi então usada para o projeto “His- tórias que a cidade conta”, da editora Atafona. Li os textos antes que o livro fosse editado. Achei muito in- teressante perceber como a minha fotografia provocou interpretações tão diferentes nos autores. À medida que lia cada texto, pude perceber como a mesma ima- gem, que provoca em mim uma sensação tão marcante, desperta no outro um imagem muito diferente. Confes- so que, antes de começar a ler as histórias, criei uma expectativa que foi se desfazendo a cada texto que lia. Imaginei que os textos te- riam uma aura mais sombria e misteriosa, mas alguns seguiram caminhos bem diferentes. Isso é muito rico, na minha opinião. A cada texto que eu finalizava a leitura, sentia falta de ler algo que contemplasse a minha visão sobre aquela imagem. Pensei até em eu mesmo escrever um texto para materializar minhas ideias. Fiquei ansioso para ver o resultado final. Daniel Chico é mestrando em Artes pela Universidade do Estado de Minas Ge- rais/UEMG. Pós-graduado em Artes plásticas e contemporaneidade pela Escola Guignard/UEMG. Realiza pesquisas sobre fotografia e recuperação de arquivos fotográficos, como material para obras de arte contemporânea. Formado em Comunicação Social Integrada, pela PUC Minas. Trabalha com fotografia há mais de 10 anos. 31

- Créditos © da foto – Daniel Chico © dos textos – os autores das histórias, 2021 © desta edição - Atafona, 2021 Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Este livro foi composto nas fontes Albra e Rama Gothic C. Editor Mário Santiago Fotografia Daniel Chico Projeto gráfico Yasmin Moura Revisão Diogo Rufatto Divulgação Lucas M. R. Faria Vinicius Gonzaga 32

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (C âm ara Brasileira do Livro, SP, B rasil) O Anjo mutilado [livro eletrônico]. -- Belo Horizonte : Atafona - Casa Editorial dos Novos Autores, 2021. PDF Vários autores. ISBN 978-65-86805-10-9 1. Contos - Coletâneas - Literatura brasileira 2. Memória 21-81994 CDD-B869.9308 Índices para catálogo sistemático: 1. Contos : Coletâneas : Literatura brasileira B869.9308 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964 Caixa Postal 7789 30.411-973 – Belo Horizonte – Minas Grais – Brasil Telefone: 55+31 99919-8785 www.editoraatafona.net [email protected] 33

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