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Revista Pentagrama 2016-4

Published by Pentagrama Publicações, 2017-05-18 16:44:58

Description: “Leiam” – está escrito em destaque na capa. Porque “ler forma o caráter…”. É verdade que a alma vivente – que é sempre o tema principal desta revista – não precisa de um caráter específico para existir. Toda personalidade que se abre para ela é boa! A alma vivente busca sempre o que é mais elevado: ela respira e vive nos éteres puros de uma atmosfera completamente diferente. Seu pensar é a percepção das relações na vida magnífica e grandiosa, cuja essência é simplicidade pura e inteligente. Mas nós, seres humanos pensantes que precisamos fazer um caminho através de uma vida complexa, nos bene ciamos de uma linha de pensamento estruturada, fornecida por textos de qualidade.Textos que lancem uma luz sobre as circunstâncias em que vivemos e que abram uma janela para a imensidão da vida universal.
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2016 número 4Leiam!Ler é um trabalhodo espírito vigilante.Ler forma o carátere dá força.Para bom leitor,boa revista!Pentagrama Lectorium Rosicrucianum

balizas para uma viagem terrestre e cósmica os contornos do mundo da alma para alunos e amigos – Lectorium Rosicrucianumperspectiva: assim como é no alto, é embaixo – o milagre do cotidiano pentagrama – base da consciência da almapentagrama

Ano 38 • 2016 número 4 Pentagrama “Leiam” – está escrito em destaque na capa. Porque “ler forma o caráter...”. É verdade que a alma vivente – que é sempre o tema principal desta revista – não precisa de um caráter específico para existir. Toda personalidade que se abre para ela é boa! A alma vivente busca sempre o que é mais elevado: ela respira e vive nos éteres puros de uma atmosfera completamente diferente. Seu pensar é a percepção das relações na vida magnífica e grandiosa, cuja essência é simplicidade pura e inteligente. Mas nós, seres humanos pensantes que precisamos fazer um caminho através de uma vida complexa, nos beneficiamos de uma linha de pensamento estruturada, fornecida por textos de qualidade. Textos que lancem uma luz sobre as circunstâncias em que vivemos e que abram uma janela para a imensidão da vida universal. E, quando esses textos vão além e nos apresentam também um guia sobre a prática da aprendizagem do justo pensar, indispensável para podermos começar a trilhar o caminho da alma, – como acontece, por exemplo, no artigo de James Allen –, é como se nos ofertassem um presente duplo. Este é um presente que vai agradar efetivamente a vocês, os bons leitores que fazem uma boa revista.CapaRetrato de Babur (Tigre) (1483 – 1530),o fundador da dinastia mongol na Índia. 3

Conteúdo4 Campos brancos J. van Rijckenborgh14 Contos de fada para 201618 Experiências chocantes21 Sobre o Caminho22 Iniciação – Iluminação – Libertação36 Arminius & Externsteine54 Um traço58 Primeiros passos na vida superior James Allen8 Ponte de luz em Mostar Reportagem17 Dois tipos de tempo para dois mundos Coluna42 O legado de Carl Gustav Jung Ensaio56 O círculo duplo Símbolo4 Conteúdo

imagens do mundoHá um conto que se encaixa muito bem no mundo exterior quanto interior. E quantos caminhos já não forammoderno: João e Maria. Afinal, não foram só eles que se bombardeados e estão bloqueados? Os primeiros cristãosperderam pelo caminho! Oriente e Ocidente começaram chamavam a si mesmos de “gente do caminho”, cami-a se agitar e as ruas estão cheias de viajantes por todo nhantes. É justo aí que reside o segredo, a chave que abrelado. Para viajar em busca de sol e mar o viajante ocidental o significado do conto – e da consciência: o Caminhoconta com passagem aérea de volta. Mas qual é a distân- da Verdade (a Verdade tão leve que não precisa tomarcia a ser percorrida por aquele que perdeu tudo e já não posição alguma); o Caminho do Amor (Amor tão grandetem onde morar? Não é todo mundo que teve a chance que nada exclui); e o Caminho da Vida (Vida que está node poder semear miolos de pão e pedrinhas para achar o interior de todo ser que está no Caminho da Realização).caminho de volta para casa! Isso vale tanto para o mundo5

4 ICnahmoupdos brancos

Campos brancos A ordem da Rosa-Cruz, tendo o impulso da corrente universal na retaguarda, estimava, no início do século 20, que o tempo estaria maduro para revelar seus ensinamentos. O Círculo da Rosa Mística foi uma das comunidades de trabalho que concedeu sua ajuda, assumindo a execução de um caminho inteiramente protegido e muito praticável de baixo para cima, traçando um caminho através de tudo, até das terras marginais, para que nenhum microcosmo vazio aí chegasse, porém somente as personalida- des purificadas, mudadas e transfiguradas, que pudessem penetrar as regiões da vida verdadeira. Essa missão incomensuravelmente grande e essencial foi o trabalho voluntariamente aceito da comunidade do Círculo da Rosa Mística. Como um chamado retumbante, ela tomou nas mãos a execução do projeto – evidentemente não poderia ser de outro jei- to – ajudada pela corrente universal inteira. No início do trabalho, J. van Rijckenborgh se perguntou: Onde poderíamos encontrar pessoas, almas maduras? Para responder a isso, ele considerou como linha diretriz a sentença clássica do livro de sabedoria por excelência, a Bíblia: “Levante os olhos e veja as nações; elas já estão brancas para a colheita”. 5

Campos brancos! contro do ideal e o elevamos até a flama. J. VAN RIJCKENBORGH Se tentarmos ilustrar as ver- Essa relatividade agita a mística profunda dades espirituais por meio em nós e guia o gnóstico ao conheci- de imagens tomadas das mento. coisas da natureza, ser-nos-á Contudo, na semelhança está dissimuladoevidente que o valor de tais imagens é um perigo que é preciso não subesti-relativo. mar. Se este for mal compreendido, umCom efeito, jamais podemos determinar método incorreto é aplicado, uma visãoessas verdades espirituais utilizando mei- injusta, e uma profunda tristeza se segue.os emprestados da matéria; no máximo Então surgem a indiferença ou a incre-podemos indicar um caminho, com a dulidade: Será que a Ordem se enganou?ajuda do qual será finalmente possível Seremos nós inexperientes a despeitoaproximarmo-nos delas. Contra todas do bom-senso? Campos brancos? Ondeas probabilidades, devemos dizer que o podemos encontrá-los? Esse testemunhovalor das similitudes se encontra no fato clássico apoia-se num saber interior. De-de que elas são relativas. vemos fazer, como Fausto, que exclama:Uma semelhança é como um clarão que “Ah, se no espaço existem espíritos, des-colore magicamente o objeto em uma cei dos fluidos de ouro e vesti-me comfração de segundo. É um apelo atraente, vosso manto real”?como o da Fada Morgana, uma miragem,que no instante seguinte ressoará nova- Mas não, conhecemos a lei gnóstica, oumente de outro modo, e a imagem irreal seja, que não se obtém o conhecimentoaparecerá num traje diferente. espiritual, a compreensão, senão pelaE todas essas imagens que passam e esses ação, e com o maior dos esforços.sons que se elevam suscitam, contudo, Nada é dado de graça. O que recebemosuma reação em nosso estado de ser nas- deve ser ganho. É a psicologia da graça.cido da natureza. Sua relatividade provoca E isso também é válido para o tornar-seem nós indizível nostalgia do verdadeiro, consciente da humanidade inteira, queum desejo sem medida pela imagem atrás não acontecerá sem um formidável es-do véu, por aquilo que é a realidade. forço. O peso da escola do aprendizado éEssa relatividade é como um aguilhão. Ela extremamente grande, mas o resultado épode nos impulsionar a um entusiasmo a força eternal.jubilante. Com os braços estendidos e a Campos brancos! Não se trata de “tomecabeça ereta, nós nos apressamos ao en- uma foice e colha, então”. Aqui, um 6 Campos brancos

O pensamento único de Jan van Rijckenborgh e seu grande amorpela humanidade levaram-no, com Catharose de Petri, a fundar umaescola moderna tendo em vista o desenvolvimento da consciência, oLectorium Rosicrucianum. Eles o fizeram partindo da ideia de que asupressão da falta de conhecimento dos objetivos de nossa existên-cia é a chave para colocar fim ao sofrimento do mundo.núcleo de 1000 membros, lá outro de volver a luz interior, imergir no centro de100.000. Não, o grão branco, o grão de força a fim de receber coragem e energiafato maduro, é o divino em cada filho dos para efetuar o trabalho exaustivo. Aquihomens, a centelha divina a caminho de podemos nos elevar à nova aurora. Aquiuma individualidade plenamente autocri- podemos juntos fortalecer sempre a forçaadora. interior irradiante de cada núcleo.Deus é luz, e nós somos portadores da Não penseis que tal local se eleva doluz. Colocai-vos em espírito como um Lectorium Rosicrucianum. Cada um delessábio no alto de uma torre. Elevai-vos em existe na medida da força interior quevisão espiritual bem alto acima da terra, devemos possuir para formar um lugarintroduzi-vos nas assembleias e reuniões de colheita dos campos brancos. Quantode pessoas e vereis nelas toda sorte de mais numerosos e concentrados formos,nuanças da luz branca de Deus contendo melhor poderemos trabalhar. Os camposem si todas as cores. E, portanto, os cam- estão brancos para serem colhidos? Parapos brancos são perceptíveis nas maiores os que sabem, isso é evidente. É um fato.profundezas da terra, as espigas de trigo Vamos, portanto, ao encontro da luzpodem ser encontradas no homem mais branca, para liberá-la dos pesados laços ecorrompido, no mais grosseiro bem guiá-la até a nova aurora.como no mais civilizado. Essas centelhasde luz foi o que a Ordem viu, e o queainda vê. Quanto maior a aflição, consci-ente ou inconsciente, maior é o brilho.E todos os filhos dos homens, onde querque estejam, onde quer que habitem, for-mam juntos os campos brancos, tornadosvisíveis para a visão interior.Vivemos na noite terrestre, e é somentecom o maior esforço e o maior sacrifí-cio que os campos brancos podem sercolhidos. Graças a um sistema judiciosoe aos esforços de trabalhadores, comu-nidades são estabelecidas por toda parteno mundo, onde os que pertencem aoscampos brancos podem vir para desen- 7

Ponte de luz em MostarNOVO CENTRO DE CONFERÊNCIAS NA BÓSNIANo dia 18 de abril de 2016 foi inaugura- 800 quilômetros de Mostar. Essas viagensdo um centro de conferências na cidade cansativas agora pertencem ao passado! Osde Mostar, na Bósnia. Cerca de oitenta 14 alunos de Mostar, Sarajevo, Dubrovnik ealunos de diferentes países estavam pre- da Croácia do Sul podem, a partir de agora,sentes a fim de compartilhar, com o cora- ter suas reuniões no andar inferior de umação em festa, um momento memorável casa confortável, onde há espaço suficientecom outros alunos da Bósnia e da Croá- para conter um templo para 30 pessoas,cia do Sul, reunidos em torno desse novo uma sala do silêncio, uma cozinha funcionalnúcleo gnóstico. Mostar – cidade de e dezesseis leitos.grande diversidade étnica – é conhecidapor sua velha ponte em ogiva, que data A gratidão para com essa pequena cidadeda época Otomana. Essa passarela sobre iluminada, próxima à capital da Herzegóvinao rio Neretva foi destruída em 1993 pela (Saravejo) – onde a quantidade de ruínas sãobarbárie e violência da guerra. Em 2004, o testemunho de imensos sofrimentos defoi inteiramente reconstruída segundo guerra – irradiava de todos os interessados.o plano original de 1566. É como se a Essa gratidão foi brilhantemente expressaponte, por essa inauguração, nascesse pela representante da direção nacional, queem Mostar pela segunda vez, mas dessa ressaltou o trabalho excepcional realizadovez como Ponte de Luz. nessa região: “Nesta cidade onde inúmeras religiões se encontram, uma cidade caracteri-Durante os últimos dez anos, os alunos de zada por sentimentos profundos, de recor-Mostar (que possui 113.000 habitantes) dações marcantes e de longa duração, dee outros, vindos dos arredores da cidade, uma consciência étnica própria, fortementeresponderam ao chamado interior como delineada e com conhecimento profundoverdadeiros pioneiros. Em 2005, o trabalho da força do sol e da pedra”. Ela resumiu oteve início com dois candidatos, que foram objetivo e o significado do trabalho realizadoindicados para as conferências em Zagreb e até então de modo conciso, pelas seguintesem Belgrado (a 500 quilômetros de distân- palavras: “Tudo depende de vós, Senhor, ecia). Quando chegaram outros alunos, o de mim”.grupo alugou uma casa com dois cômodos De acordo com a Direção Nacional, aprincipais, preparando-se para organizar as questão concernente ao futuro dos alunosatividades de informação e orientação. Por nos arredores de Mostar coloca-os – e não sóocasião das conferências de renovação, eles eles – diante de uma escolha na aceitação doiam a Neustein em Steinfeld na Áustria, a desafio: “Afinal: permaneceremos ligados à 8 IPnohnotuedde luz em Mostar

reportagemA ponte de Mostar, 2013. Aaron Frutman, DGA photoshop9

tradição e aos costumes, com os olhos fixos em 1993. Esse acontecimento mostra bemnas cicatrizes das feridas que nos foram in- a que ponto o homem está continuamentefligidas na luta contra as forças dialéticas ou pronto para aniquilar aquilo que serve a elenos juntaremos ao oceano, no qual a menor e aos seus, ou que o liga a outras pessoas. Agota tem um significado e uma função?” destruição de uma ponte também pode ser vista como uma separação entre as pessoas.Uma ponte entre o buscador e a Gnosis Justamente: em Mostar, essa segregaçãoServindo-se de uma metáfora, o Presidium entre as pessoas é uma longa história! Emchamou igualmente a atenção sobre a 1999, por exemplo, quase todos os croatasfunção espiritual da ponte que o novo centro habitavam na parte oeste do rio Neretva, eestende entre passado, presente e futuro: “O quase todos os bósnios na parte leste.” Emsímbolo da cidade – a ponte – foi destruído toda a Bósnia, 45% da população é muçul-A PONTE DE OURO PARA O OBJETIVO FINALDurante o estágio de involução e nos primeiros tempos do processo evolutivo, todos os grandesem espírito aplicaram-se em desenvolver, entre os grupos de pioneiros, todos os valores quecolocariam o homem em condição de atingir o monte da consecução. Há éons nosso orga-nismo espiritual e material está perfeitamente equipado, e o caminho está aberto. Nos dias deNoé, o arco da promessa já irradiava no firmamento espiritual.Assim, o caminho é a base, a ponte áurea para o objetivo; e Cristo e seus servidores trabalhamna manutenção dessa ponte, que é continuamente atacada pelas forças da magia negra.E a vida mesma encontra-se aqui, conosco! Devemos seguir esse caminho de degrau em de-grau, na força de Cristo.O caminho não é o objetivo: a própria vida é o objetivo. Nessa parte da criação eterna, em querepresentamos o papel principal enquanto espíritos virginais, trata-se de nos tornarmos consci-entes das entidades humanas. Esse é o grande drama que representamos juntos, há milhões deanos!Devido, em parte, ao desenvolvimento das coisas, as escolas de mistérios tal como as conhecía-mos outrora foram abolidas e totalmente renovadas. Quando Cristo enviou-lhes curadores, eestes, uma vez terminado o trabalho, regressaram, entusiasmados e cheios de força, ele lhesdisse estas palavras: “Em verdade vos digo, fareis coisas maiores que estas”. Assim como nopresente a ponte de aproximação é formada e mantida por Cristo e seus auxiliares, assim tam-bém deveremos, no futuro, formar a ponte para nossos irmãos e irmãs que ainda não estão nocaminho. Por isso, todos os que estão conscientes, os que ouviram o chamado e seguiram suavocação interior são chamados para o Monte Sagrado. Ali, eles serão transformados em pedrasáureas, em pedras dos sábios, e trabalhados no arco do Senhor, a ponte áurea. Quando Paulodiz: “Trabalhai por vossa salvação, em temor e tremor”, ele não quer dizer: “Cada um por sie Deus por todos”, mas coloca a excelência da fraternidade na verdadeira amizade. Ninguémpode atingir a libertação sem a libertação do outro! Devemos esperar uns pelos outros. For-mamos, juntos, uma hierarquia de entidades, um corpo, um organismo palpitante. Por isso, aanimosidade e o ódio não têm sentido, pois, segundo a lei natural, a inimizade e o ódio devem,por fim, transformar-se em amor e amizade. Assim, devemos amar nossos inimigos e bendizeraqueles que nos odeiam. Essa é a realização da mais elevada Lei e dos profetas.Redação livre segundo Jan van Rijckenborgh 10 IPnohnotuedde luz em Mostar

mana, 34% sérvios ortodoxos, 15% católica da adversidade para conduzi-lo ao campo de Um discipu-e 1% protestante. Assim, durante séculos, força da Nova Vida – pois não são apenas as lado baseadoos grupos étnicos e as várias orientações re- margens do Neretva que deverão ser ligadas, no amor, naligiosas viveram uns ao lado dos outros, mas mas também o campo da natureza com o tolerância enão em harmonia. campo da Nova Vida. na compreen-“E agora, 12 anos após a restauração da Os alunos daqui e os de fora não somente são de nossoponte, encontramo-nos aqui com um têm a responsabilidade de sempre lançar próximopequeno grupo, em nosso centro, tendo uma passarela para os demais; eles têmem vista oferecer a todos o Ensinamento igualmente como tarefa serem verdadeirosUniversal, segundo o plano do pensamento mostari: guardiães que oferecem contínua re-gnóstico da Rosacruz Áurea, sem qualquer sistência às tentações diárias. Dessa maneira,reserva quanto a sua origem e suas crenças. eles mantêm a ponte aberta para todos osUm ensinamento baseado no princípio fun- que desejam segui-los. Essa não é uma tarefadamental do amor, bem como da tolerância fácil, porém uma perspectiva promissora. As-e da compreensão mútua. sim como o desejo dos habitantes de MostarO centro mesmo de Mostar é uma ponte. fez renascer a velha ponte, assim também osEle é agora confiado a todos vocês, não alunos daqui construíram agora uma ponteapenas como edifício, mas também em sua que não é feita de pedra, mas de Luz”.função de ponte, como ligação, pois seuaspecto mais importante é ser um laço entre A ponte do passado no presenteo buscador e o campo de força da Gnosis. O novo centro é igualmente um meio deEste centro pode retirar o homem da força lançar uma ponte até os bogomilos da Vista frontal do centro de con- ferências e do lugar de serviço do Templo 11

Stari Most ( a velha ponte de Mostar) mais acima do rio Neretva, foi construída em 1556 pelo arqui- teto Mimar Hajruddin. Em 9 de novembro de 1992, a ponte foi destruída por um tanque blindado, porém em 2004 foi refeita em sua antiga glória pela comunidade internacional.Ponte entre o ontem e o agora, entre aBósnia e a Croácia, a Rosa-Cruz dosbogomilos, entre os sufis e os gnósticos,entre a matéria e o espíritoIdade Média (“os amigos de Deus”) ou pravi personificam a corruptibilidade do corpokrstjani, os verdadeiros cristãos que, nesta mortal, mas sim a incorruptibilidade do serregião, formaram o último elo da corrente vivente, espiritual. O fato de os bogomilosde Fraternidades e que transmitiram os nas proximidades de Mostar atraírem o inte-impulsos gnósticos para a Europa. Precisa- resse é confirmado por um estudo recentemente em Mostar (em Radimlja, em Boljuni apresentado poucos dias antes da inaugura-e em Podvelezje) podemos encontrar cen- ção, sobre os stecci pertencentes a uma áreatenas de monumentos funerários que datam bogomila bastante desconhecida até agora,da Idade Média: os stecci, que nos recordam chamada Podvelezje. Alguns alunos do novoos bogomilos. Esses stecci não são apenas centro também estão envolvidos no estudolápides para os mortos, para os corpos mor- do simbolismo dos stecci.tais, mas antes testemunhos da ressurreição,da incorruptibilidade; essa é a razão de Em homenagem aos krstjani, o dirigente doencontrarmos neles os atributos e símbolos centro local leu em alta voz a seguinte prececoncernentes a essas características. Eles não dos bogomilos: 12 IPnohnotuedde luz em Mostar

Purifica-me, meu Deus.Purifica-me em meu ser interior e exterior.Purifica o corpo, a alma e o espírito,a fim de que os germes de Luz em mimcresçame de mim façam um archote.Faze com que eu me torne uma chamaque transforma em Luz tudo que está emmime ao meu redor.Uma ponte entre o Islã e o cristianismo Um pouco mais distante e fora de Mostar encontra-se Blagaj Tekke (Tekke é o nome de um santuário sufi.) Essa estância para os derviches itinerantes foi construída entre 1446 e 1520,A ponte do centro de Mostar também sendo considerada um dos centros mais místicos da Bósnia-Herzegóvina.tem outra função importante. Podemosvê-la também como uma ponte entre oIslã e o cristianismo: uma ponte que ligae reconcilia. Há muito em comum com ognosticismo no Islã, difundido pelos sufis.Em árabe, s’ufija significa sabedoria es’afa significa pureza.Essas palavras constituem uma ligação en-tre o evangelho gnóstico da Pistis Sophia,os bogomilos e os cátaros, a Fraternidadedos puros.Certamente não deve ser coincidên- Abre os olhos e desperta, Literatura:cia o fato de que, após a reconstrução Vê o amor e a unidade que te criaram. J. van Rijckenborgh, Confessio da Frater-da ponte, Tekija Blagaj, há tempos um Ama, ama, enquanto puderes. nidade da Rosa-Cruz,grande centro sufi a 20km de Mostar, Ama, ama, até que o segredo Sufi – Mestres do Amor, Rumi & Hafez,tenha ressuscitado de suas cinzas! Ele está de tua criação te seja revelado. 34 e parte da série dos simpósios,situado próximo à fonte de Buna, um local Mergulha, mergulha no oceano do amor, Haarlem 2015, 81onde os bogomilos se reuniam na Idade deixa fluírem teus pensamentos Adis Zilic, Stecci Podvelezja, MostarMédia. Ele corresponde aos sete princípios e fica em sintonia com o Amor. 2016de uma tekija bósnia, nome dado a um Ama, ama, e depois, depois, Tekija Blagaj, brochurasantuários sufi: uma casa, uma escada, desaparece, desaparece, no oceano dauma queda d´água, rochedos, um lugar unidade,onde um rio nasce, um monumento fu- desaparece no oceano da belezanerário de um mestre de sabedoria e uma do ser humano que tu és,gruta. Esses sete elementos estão ligados e vive, vive, ama, ama,segundo leis cosmológicas e justificam os como o som da flauta de caniço.fatos históricos, as revelações de outrorae as diversas linhas diretrizes tradicionais (Poema de um mestre sufi)aplicadas. Tekija Blagaj agora é visitadanos finais de semana por centenas desufis. 13

Contos de fada para 2016 IParecer ou ser?A época em que vivemos é muito especial essenciais. objetivos que agora reconhe-e interessante porque qualquer opinião Mas o que é essencial? A sabedoria ini- cemos que eram ilusórios.estabelecida pode ser derrubada de um ciática do Ocidente nos demonstra isso Embora esteja oculto nomomento para outro. com nitidez na linguagem simbólica dos mundo material, esse ser pre-A aparência de tudo aquilo a que nos contos de fada como, por exemplo, no cioso e cheio de mistério nãoapegamos pode nos escapar, estragar da Cinderela. A parte substancial, a es- provém da matéria grosseiraou simplesmente desaparecer sem que sência em nós, é frágil e insignificante. que sempre se desfaz comopercebamos. Por detrás dessa aparência Ela é como uma pobre menina que deve pó. Sua origem é infinita-não há nada. E, para não cairmos no abastecer o fogão e, “procurar nas cinzas mente mais elevada. Para recoabismo e no vazio, nos agarramos a uma as lentilhas”, o pouquinho de comida que nhecer isso parece que pre-nova aparência que depois de um tempo restou para ela. Lembramos aqui da poesia cisamos de um príncipe, umtambém deixará de nos amparar. A incer- de van Camphuysen, de alguns séculos mensageiro, um enviado comteza nos aprisiona e nos apegamos a ela. atrás: uma consciência superior. E oOnde estarão os valores seguros nos quais Muita luta terá de ser travada, sapato de cristal, a diminutaconfiamos por tanto tempo? Será que muitas cruzes e misérias deverão ser suportadas, prova da origem da Cinde-os pilares de nossa visão de mundo são haverá certamente preceitos sagrados, rela, é o passaporte com orealmente essa imensa ilusão? um caminho estreito há de ser palmilhado, qual a alma pode festejar um e muitas preces serão proferidas, “casamento” novo, melhor eOs anos, dias e horas escorrem como areia durante todo o tempo em que estivermos aqui embaixo, principesco. Essa consciênciaentre nossos dedos e não conseguimos assim a paz do bom fim há de chegar um dia. superior envolve a consciên-reter coisa alguma. Por isso as pessoas cia antiga e limitada e desejatendem tanto a agarrar-se à espuma do De fato é preciso que antes aconteça preenchê-la totalmente – nãopassado ou a tatear na névoa do futuro. alguma coisa em nossas vidas. Precisamos para monopolizá-la, mas paraElas não enxergam o momento precioso passar por muitos e amargos enganos, realizá-la completamente edo agora, o instante para o qual tudo con- sobretudo os relacionados a nós mes- torná-la infinitamente feliz.verge e no qual tudo se decide. mos, antes de encontrarmos coragem eQuem tem a coragem de reconhecer a nobreza suficientes para recuarmos umfragilidade do aspecto exterior das coisas, passo e nos tornarmos humildes. Humil-que leva a sério a inconstância do tempo des o bastante para reencontrarmos o quee ousa procurar os fundamentos de suas é essencial e reconhecermos que, comopróprias ilusões, destrói a fantasia e recon- um enteado, desperdiçamos aquilo queduz seu mundo interior a suas proporções possuíamos de mais valioso para alcançar 14 Contos de fada para 2016

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IIMariazinha e TeseuO mundo continua girando e os contos de interpretá-los novamente, a entender sua rosto petrificado da Medusa efada estão revivendo. João e Maria (a massa linguagem em nossa época, compreender nos deixaremos conduzir pelohumana) perdem-se e chegam à apetitosa ludicamente o que eles estão nos contando. fio de Ariadne. Poderemoscasinha da bruxa. O nome dela é Wi-Fi? O ser humano é uma criatura de carne e libertar nosso comportamentoEles ficam mordiscando na casinha feita de osso que pode ser colocada em movimen- do poder do Minotauro oupão de mel. João, que representa a massa to, pois em suas veias corre sangue. Com jogar a bruxa no fogo, pois elahumana, fica gordo e preguiçoso. Porém uma força surpreendente, quase inconce- somente continuará vivendoMaria está consciente do perigo: ela não bível, o coração bombeia sangue através de enquanto nossa consciênciaquer ficar gorda e cevada para servir de nosso corpo. A Terra também tem um cora- permitir. Com o fio de Ariadnesacrifício no jantar para a aranha da Web. ção, um núcleo vivo no mais recôndito de em mãos, aquilo que antes eraO fogo é atiçado e a Terra vai esquentando. seu ser. E o ar, oxigênio, nitrogênio e di- um labirinto agora passa a serA bruxa (Wi-Fi, Facebook,Tinder, Snap- óxido de carbono de que precisamos para uma via sétupla em espiral. Te-chat?) monitora de vez em quando para viver são elaborados de forma permanente seu vence o monstro. Maria dáverificar se as crianças (a massa) já estão e vívida, até onde podemos pensar. E, de o último empurrão na bruxa.gordas o suficiente. Maria engana a bruxa tempos em tempos são purificados através O que quer que aconteça, amostrando um pauzinho através das grades. do organismo incrivelmente refinado de confiança no Espírito deve serQuando tudo está no ponto e o fogo está Gaia (a Terra) em um trabalho conjunto o essencial em nossa vida. Nãoquente o bastante (quanto tempo ainda com o Sol (Zeus ou Júpiter, o espírito vi- larguem o fio!leva?), a bruxa vai buscar as crianças, reu- tal) e colocados à disposição para servir o “O Fogo do Espírito nunca senindo todas as suas energias para empregá- ser humano em seu desenvolvimento. Não apaga.” Essa parece ser a men--las visando seus objetivos. No entanto para prejudicá-lo, pois do contrário outras sagem cheia de esperança queMaria, com a “presença de espírito” que formas de vida inferior teriam sua energia ilumina, por diversos ângulos,tem, está vigilante e empurra a feiticeira vital roubada. tanto os contos de fada comopara o fogo – e assim ela é queimada. A Terra e o ser humano estão permanen- os mitos e escrituras sagradas.Nesse momento ali estão queimando dois temente ligados entre si. Mas agora parece Também é o que diz o contofogos: o da bruxa e o fogo do Espírito. que o “animal”, o “dragão dos mitos” está da Branca de Neve, a mor- solto para devorar tudo o que é delicado, dida na maçã, as sete fases noO conto põe as crianças – que somos nós fino e nobre. Onde está o altivo Miguel, serviço na casa dos sete anões.– no caminho que leva para casa. E sempre onde está o orgulhoso Jorge para abatê-lo? O sono profundo causado pelafoi assim. O fogo espiritual nos indica o A Terra está suando, o ser humano está maçã, o príncipe, o Espíritocaminho de volta! perdendo o fôlego e as energias estão pro- que, com seu beijo, despertaOs contos de fada voltaram a chamar a curando uma saída, como sempre. Por essa a essência da região transcen-atenção: todo mundo se reconhece neles, razão, o fato de voltarmos a ser o “chefe” dente da consciência superior.tanto individual como coletivamente. Os de nosso próprio sistema é um caminho O beijo vale para todos. Todoscontos de fada têm muito mais a nos dizer inteligente. Assim, traremos novamente o são afetados. Despertem,do que geralmente supomos. Eles podem Espírito à nossa vida e agiremos de acordo apressem-se! Isso é o que diz aser revividos nos momentos que precisa- com ele. Veremos o próximo com os olhos mensagem.mos deles. Apenas precisamos aprender a do Espírito, desviaremos nosso olhar do 16 Contos de fada para 2016

colunaDois tipos de tempo para dois mundosNa tradição indígena pré-colombiana da América De qualquer forma, trata-se de algo bem diferente de Central eram conhecidos dois tipos de tempo: o nosso próprio juiz interior (afinal, esse juiz nada mais é Tonal e o Nagual. que uma subdivisão do sistema do ego). Para ele, tudo oO Tonal é o “tempo real” da existência cotidiana. Nele, que fazemos nunca é suficiente ou bom o bastante.uma hora corresponde a 60 minutos e é usado para in- Apesar de desenvolver-se no e pelo silêncio-Nagual, adicar e empregar a duração, para estruturar e ordenar os contemplação da alma é uma atividade muito dinâmica.fatos caóticos e imprevisíveis da existência. Assim, aplica- Essa contemplação requer mais força e coragem em vez domos o aparelho do pensar do ego que nos faz perceber a que preocupação constante com questões essenciais como:possibilidade de realização da vida. A rotina das cidades e a “Quem sou eu? O que significa ‘viver’ para mim? Qual éorganização de uma empresa situam-se no tempo Tonal. O minha ‘verdade’ no que diz respeito à existência em geralNagual, por outro lado, é o tempo fluido, o tempo espiri- e à minha própria existência? Essas existências estão emtual. Aí a vivência da duração pode variar. sintonia? O que vai sobrar de mim sem ‘meus papéis’ eO Tonal é unidimensional. Já o Nagual possui duas di- ‘minha importância’? Onde se situa meu núcleo espiritualmensões: sua própria dimensão interior e, por detrás dela, e qual é minha aspiração?”.há ainda a dimensão de outro mundo, que podemos alcan- É no tempo Nagual que essas questões despertam no es-çar somente depois de passar pelo nosso próprio Nagual. pírito do pesquisador. Guarde essas perguntas no silêncioO Nagual é o reservatório da intuição e a porta que con- da alma. As respostas definitivamente não vão agradarduz a uma consciência superior. Quando não conseguimos nosso ego, já que as máscaras e os papéis sociais ficampermanecer durante alguns instantes no Nagual, entramos evidentes. Continue a observar em silêncio e não tenteem um estado de intenso sofrimento. A dimensão do outro responder as perguntas com seu pensamento.mundo do Nagual era também chamada de “desconhecido Se tudo correr bem, as questões vão eliminar todos osilimitado”; não podemos descrevê-la com palavras, mas seus julgamentos e suas certezas em relação ao que deveriaapenas experimentá-la interiormente. ser a vida, o mundo e você mesmo. Na etapa seguinte, a dimensão do silêncio misericordioso que emana doSeu desejo sincero de conhecer a Verdade Nagual da supranatureza conseguirá operar. Essa dimensãoserá seu melhor companheiro de caminhada do silêncio vai criar outra realidade. A única maneira de você conseguir permanecer nessa condição é abandonar asIsso demonstra o exagerado cinismo de quem quer criar próprias verdades. O mais surpreendente é que até as cren-o Nagual de modo artificial por intermédio dos sistemas ças relativas à sua espiritualidade serão consumidas, poisde realidade virtual. Essa realidade é somente isso: virtual, o papel delas era justamente protegê-lo contra a autorren-como o próprio termo diz. Mas, como passaremos do dição, que é o que permite a verdadeira vivência espiritual.Tonal para o Nagual espiritual, para o Nagual do mundo Seu desejo sincero de conhecer a Verdade será seu melhorsuperior? companheiro de caminhada. Segundo as palavras de RumiA primeira etapa consiste em uma busca constante e total- (poeta e místico sufi): “O que é falso perturba o coração,mente sincera daquilo que encontramos em nós mesmos, mas a Verdade traz uma alegre paz. Pela janela entre oseja como obstáculo ou como potencial espiritual.Trata-se coração e o Coração, a Luz irrompe e distingue a verdadede um estudo feito a partir de nosso “observador”: o olhar da mentira”*.da alma, que é objetivo e desprovido de julgamento. Esseolhar é um excelente instrumento para podermos ver a * Rumi – Masnavi – II 2732nós mesmos com distanciamento.17

Experiências chocantes• K iss the devil (Beije o diabo) é o texto que o grupo de rock estava cantando cheio de convicção, no momento em que os assassinos metralharam a sala do• Bataclan em Paris. Os melhores rendimentos para o seguro de vida são obtidos por meio de com- pras de ações da bolsa ligadas à indústria armamentista. Portanto, devemos adquirir essas ações para ganhar uma pensão tão elevada quanto possível. 18 Experiências chocantes

Nesta introdução vemos dois S Memorial Batacian c Lewis Potts, Parisexemplos de acontecimentos mun- erá que essas experiências chocantes não poderiam contribuirdiais que nos chocam: um, por para uma tomada brusca de consciência? Ou temos medo dessasseu horror imediato, que atinge conclusões, e dizemos: “Sim. Mas eu nunca quis isso! Não possorapidamente seu objetivo. Ou- ser responsabilizado pelo que esses loucos fazem com suas armas”.tro, lento e asfixiante, pela moral Será que teremos coragem de olhar a realidade deste mundo quepérfida que se apresenta inexo- caiu tão baixo? Será que podemos admitir que somos tanto o atirador quantoravelmente ao espírito, sugerindo a vítima, que no mínimo somos responsáveis por tornar isso possível, eque podemos lucrar e viver da que nos falta força e coragem para impelir o mundo e a sociedade em outramorte dos outros (geralmente de direção?pessoas jovens), pois cada bala E, se refletimos ainda um pouco mais, perceberemos que tudo o que nosaumenta o volume de negócios. cerca impede-nos de observar tranquilamente o mundo, a sociedade, a nós mesmos, nossa própria vida e que tudo isso nos aparta do saber interior. Os jovens querem ser autênticos, conhecer as verdadeiras experiências e partilhá-lhas. Essa busca coletiva não seria a razão dos festivais e dos clu- bes? Eles sentem que há alguma coisa adormecida em seu interior, grandes 19

“O primeiro homem, Adão, havia recebido um magnífico manto de luz, feito de forças doselementos e de luz concentradas; o tempo e os elementos não estavam ainda divididos em partesseparadas pela Queda, porém formavam um único elemento de força. Pela Queda, o homemperdeu sua veste de luz. Então, o grosseiro e o tangível apareceram. Contudo, o ser de luzretirou-se para nosso ser interior como uma pequena centelha de luz, como um grão de semente.E essa pequena centelha de luz espera um dia possuir novamente a plena veste de luz, quando atransformação for realizada pelo fogo purificador da alquimia divina”.Karl von Eckartshausenpossibilidades e um objetivo elevado – e que marque um novo início, equilibran- e a cabeça aprende a discer-porém não existe conhecimento de como do a vida exterior e a crescente consciên- nir. O ser em questão não édespertá-las, e esperam encontrá-lo em cia interior. o atirador nem a vítima. Elesuas reuniões. Os cientistas que fazem de tudo para evitar é livre e traz em si todos nós,Contudo, o caminho que conduz a isso as palavras “Deus” e “fé” servem-se da no amplo espaço aberto peloestá semeado de emboscadas. Especial- palavra “verticalidade”, demonstrando homem liberto, pelo homemmente porque achamos cansativo enfren- enorme necessidade da religiosidade (não espiritual. Isso significa rece-tar obstáculo atrás de obstáculo e rapida- de crença). No mundo secular há um ber a ligação com a Luz, commente chegamos ao ponto de exaustão. desejo crescente pela vivência religiosa. a Gnosis, com o saber interior,O caminho de experiências é doloroso, Numerosos estudos ressaltam a incapaci- com o amor-sabedoria. Nesseporém claramente necessário, tanto para dade do homem moderno de crer em algo espaço interior, a partir desseos jovens quanto para o mais idosos. superior e apontam para o sofrimento que espaço-sem-julgamento, éOs mais idosos são coletivamente res- isso acarreta, pois sentimos ao mesmo possível fazer alguma coisaponsáveis pela condição de nossa socie- tempo a necessidade de religiosidade. com nossa compaixão emdade, pela res publica, pelo bem público. “É provável que, enquanto os homens fo- meio à realidade pungente daMas eles também um dia já foram jovens rem mortais, limitados, pelo menos inte- existência. Mantendo-se noe cheios de esperança em seu futuro neste lectualmente, a maior parte deles - apesar centro silencioso com auxíliomundo – nos limites estreitos traçados de sua incapacide de crer, no sentido tradi- da Luz, o pensamento aclaradopor seus predecessores. A esperança que cional – continuará a aspirar por algo além e o coração purificado trazemse transformou no staccato cruel dos fuzis da realidade cognoscível, a sonhar com uma pedra de construção paraautomáticos, as visões de felicidade su- um estado no qual o impossível na visão o edifício. Ou melhor: trazemfocadas no clarão e na fumaça dos cintos científica se torna possível.” Afinal, não um raio de luz, a fim de neu-de explosivos, o horror das decapitações. há nada mais poderoso do que a força do tralizar a polarização causada,Vemos tudo isso clara e agudamente pelos coração humano! O impossível torna-se de um lado, pela itensidadeacontecimentos que vivenciamos em possível. A despeito de toda limitação e re- da violência, e de outro, pelosociedade. E podemos tão somente esperar sistência, o coração atrai aquilo que deseja cinismo insidioso.e orar para que todas essas experiências através dos campos astrais e dos mundos.conduzam a uma mudança na busca: um Ele é alimentado por aquilo que atrai. Fontecaminho vertical, um afluxo de compreen- Quem deseja o impossível atrai o impos- K. van Velde, Flertar com Deus. Religiosida-são sanadora e anseio por unificação, uma sível. As vibrações de luz afluem: isso é de sem fé. Editora Ten Have, Utrecht 2011Luz que dê confiança, que toque o coração inevitável. O coração sente consolo e luz, 20 Experiências chocantes

Sobre o caminhoOque é o caminho? Imagine uma chamado. De bom grado colocamos esse sensação de nostalgia inexplicá- pessoa que se encontra em chamado interior no coração do homem, vel e indefinível? É o impulso, a dificuldades financeiras. Certo na rosa ou lótus. Esse é o começo, o co- vontade de conhecer o sen- dia, chega uma visita que lhe meço da própria religião, que significa ligar tido da vida, a fim de trilhar o diz que o quadro pendurado na novamente: é o verdadeiro “tudo em Um”. caminho, partir, sair. Quem éparede do corredor é um Picasso, avaliado em O chamado nos impulsiona até fazer que você? O que faz que você sejamilhares de dólares. A avaliação de sua situa- aspiremos essa religação. É um vínculo que o que é? O caminho concretoção econômica, por esse simples fato, muda não é fácil e que não pertence a este mundo, é formado pela tensão causada,completamente! Essa pessoa já não consegue não é algo parecido com um desejo mais ou por um lado, pelo querer “sairolhar para esse quadro sem ver dólares. O que menos possessivo. Muito pelo contrário! Não do Sistema”, e por outro, pelafoi que o convidado lhe trouxe? Nenhuma se trata de um desejo de ter, mas sim de ser, ignorância causada pelo “então,nova religião, nenhum novo conceito de vida, de ser consciente. É um sentimento que não o que é?”. Você trilha um ca-e sim uma perspectiva. pode ser expresso por palavras! Trata-se da minho, consciente ou não. NãoO caminho é uma maneira diferente de olhar essência profunda de nosso ser, a fronteira há estagnação, o cosmo e vocêpara as coisas que já existem, uma perspectiva onde começamos e não paramos mais. Todas estão em contínuo movimento.totalmente diferente. Por essa nova maneira as nossas experiências contribuem para essa Estar consciente e trilhar ode olhar, a consciência do observador se consciência. Você já se encontra nessa rota caminho é inevitável. Aceitar otransforma. Graças a ela, o homem aprende e há muito tempo. De onde você vem? O que inevitável e percorrer o caminhovive. A partir dessa nova perspectiva, desen- o motiva? A todo momento a perspectiva é libertador.volvem-se um novo pensar, um novo sentir, do Ser é um clarão de consciência para cada Então o caminho se torna parauma nova vontade e ações renovadoras. O um. Nesse sentido, o homem vive continua- você um caminho libertador.que é antigo permanece, pois o quadro no mente de clarão em clarão, em movimento e Enquanto o ego determina oscorredor continua a ser um quadro no cor- criação. Os sentimentos, os pensamentos, as seus passos, você sai em buscaredor. Quando a nova consciência é acres- ações e as expressões da vontade formam um do caminho. Enquanto você estácentada, o observador dá ao quadro uma sistema sólido: o ego. Se você acredita que o empenhado em fazer isso, seunova e preciosa significação. Conhecimento e Ser é mais que o ego, se acredita que existe ego o acompanha. Assim vocêexperiência dão nascimento à compreensão, algo mais além do que pode ser visto, então pode optar entre experimentarque produz mudança e movimento. Este é o talvez você também reconheça o impulso isso como peso ou motivo deresumo do caminho: uma compreensão reno- de querer sair do sistema. Você tem essa júbilo!vada, dinâmica, em outro paradigma.Agora, esta é a pergunta que lhe fazemos, caro leitor: Oque você está buscando? O que você busca no caminho?O caminho começa na consciência, na somade suas experiências. Onde a consciência élúcida, a percepção muda e surge uma novaperspectiva!A consciência assemelha-se a um suave 21

Iniciação Iluminação LibertaçãoPlantação de repolho próxima a Brownsville, Texas © Richard Misrach Iniciação – Iluminação – Libertação 22

Neste período espiritual de “nova era” e saberesotérico, talvez seja útil para todos receber umesclarecimento sobre esses conceitos básicosdivulgados através dos tempos e provenientes dasverdadeiras escolas de mistérios. O que os diferencia?Em que se assemelham? Que influências exercemsobre a consciência?Que entendemos por esses conceitos? Iniciação: Que esconde esse conceito tão frequentemente mal compreendido? Qual é sua relação com o desenvolvimento e a descoberta do mundo interior da alma? Podemos alcançar a iluminação espiritual sem o caminho iniciático?A iluminação é um acontecimento esplêndido e grandioso na vida de umapessoa. Sua inteira percepção da realidade imediatamente se modifica. Ilu-minação pode ser definida como um despertar. A pessoa que alcança esseestado experimenta que até esse momento estava mergulhada num sonoprofundo.Libertação: podemos ver a vida comum como um circuito fechado ondeprevalece irremediavelmente a lei de causa e efeito. Isso explica por que,desde tempos imemoriais, nossa existência é representada pela metáforado labirinto. Buscamos uma saída, mas nos perdemos recorrentemente noscaminhos.Para ser liberto, há apenas um caminho possível. Devemos encontrá-lo esegui-lo. Para isso, engajamos nossa inteligência fundamentada num ver-dadeiro processo de iniciação e no estado de consciência de despertos.Purificação da consciênciaEm nossa consciência está tudo aquilo que definimos como puramentehumano, a saber: raciocínio, discernimento, livre-arbítrio, criatividade.Cada ser humano tem consciência de si mesmo, e essa consciência nos levaa pensar que somos quem somos, e somos como somos. Isso define nossa23

A verdade somente pode ser conhecidapor quem preparou seu órgão depercepção para esse fimidentidade, e essa identidade é o resulta- segundo um ordenamento lógico. A razãodo de um conglomerado de atributos que é somente um dos componentes da cons-fomos coletando ao longo da vida. ciência, um de seus instrumentos.Todos esses atributos, porém, procedem, No entanto, há outros de importância se-quase em sua totalidade, de fora do nosso melhante ou até maior, como por exem-ser, do mundo exterior e seus fatores plo, nossa vida de sentimentos, nossoscondicionantes. Por isso, desde a Anti- desejos, anseios, expectativas, medos eguidade se aplica o adjetivo “ilusório” emoções, em suma, tudo aquilo que tocapara descrever a natureza dessa personali- nossa fibra sensível. Todavia, com a vidadade e sua identidade. O que verdadeira- de pensamentos e sentimentos não se en-mente somos não sabemos, e como não o cerra o círculo de afluentes da consciên-sabemos, tampouco o conhecemos. cia. Nossa força de vontade, nosso afã,As três perguntas que, desde o passado nossa capacidade de resistência, enfim,remoto, a Voz da Sabedoria faz a cada ser tudo o que se desenvolve no âmbito dahumano que se aproxima de seu raio de vontade também tem uma importânciaação – Quem és? De onde vens? Para onde vais? decisiva na constituição da consciência,– nada perderam de sua validade. Elas ainda que, no geral, confundamos muitoseguem atuais e exercem forte pressão facilmente o que queremos (vontade)sobre nossa consciência. com o que desejamos (sentimento).Se queremos falar de iniciação, ilumina- E muitas vezes não sabemos muito bemção e libertação, devemos, indubitavel- se o que pensamos é o resultado de ummente, adentrar a própria natureza da processo lógico, racional, ou de umsabedoria e do conhecimento. processo de desejo ou vontade, que acabaComo se pode saber o que é a verdade, distorcendo a lógica para impor-se àsem antes ter ajustado o instrumento de razão. Por isso, nos sistemas de iniciaçãoque se dispõe para isso? pitagóricos, a iniciação era precedidaO instrumento para a busca da verdade de uma fase prévia, a da “purificação”.e, portanto, a resposta às três perguntas A purificação é imprescindível para quecolocadas, é a nossa consciência. Portanto, a consciência se torne suficientementetudo o que influi na consciência deve ser clara, intensa e transparente, a fim de verobservado detalhadamente. a luz sem deslumbrar-se.Quando falamos de “consciência”, não Condição sine qua non desta purificaçãonos referimos à capacidade racional, à ca- é ser capaz de discernir com clareza ospacidade de análise lógica, nem estamos processos que contribuem na formaçãofalando dos mecanismos que configuram de nossos estados de consciência.nossa capacidade de expressar pensa- Essa fase de purificação tem três exigên-mentos com palavras e frases construídas cias: 24 Iniciação – Iluminação – Libertação

1. A eliminação ou supressão de todos os A iluminação é o contato direto do novo elementos que perturbam ou distor- ser interior com a própria Vida, é respirar cem a consciência, como o consumo pela primeira vez o Alento Divino, é sair de álcool e de drogas. do campo matriz e entrar no mundo da Luz.2. A observação serena de nossa vida A libertação é o processo pelo qual esse interior, isto é: a vida de nossos sen- ser recém-nascido cresce, se desenvolve e timentos, vontades e pensamentos, obtém uma capacidade independente de para poder verificar como influen- levar adiante o plano de sua vida. ciam na formação de nossas opiniões, Os três aspectos abordados não tratam de disposições e estados de ânimo. Aqui coisas desconexas entre si, mas sim das devemos considerar, particularmente, a diferentes etapas do caminho que conduz esfera das nossas simpatias e antipatias. o homem material terrestre ao homem espiritual celeste, e que, a nosso ver, apre-3. A formação de um sólido edifício éti- sentam uma sequência muito precisa. co, baseado em princípios espirituais, e Como eixo condutor é preciso ter sempre o esforço para manter-nos íntegros. presente que “saber” e “conhecer” não são a mesma coisa, e que nem tudo o queVemos, assim, que a libertação é prece- sabemos é verdade.dida de um processo tríplice, que pode Sob esta luz talvez se possa compreenderser definido pelas palavras purificação, melhor as famosas palavras de Sócrates:iniciação e iluminação. Cada fase conduz “Somente sei que nada sei”, paradigmaà outra e abre sua possibilidade. A con- da posição de um verdadeiro sábio.quista de uma delas, porém, não pres-supõe obrigatoriamente o êxito da fase Iniciaçãoseguinte.Uma imagem integrativa que pode ser Existe uma vasta literatura sobre a inici-útil a esse respeito é a seguinte: ação, que abrange desde as coisas mais• o processo de purificação pode ser as- surpreendentes e pitorescas, até as mais misteriosas e incompreensíveis. De nossa sociado à concepção; parte, exporemos nosso conceito de inici-• o processo de iniciação pode ser com- ação de uma forma simples. Iniciação é uma palavra, cuja raiz está parado à gestação; muito presente na linguagem comum.• o processo de iluminação ao nasci- Um “curso de iniciação à música”, por exemplo, trata das primeiras noções bási- mento; cas de música.• o processo de libertação ao crescimento A palavra “início” significa “começo de algo”, e chamamos também de inicial a e desenvolvimento de um ser adulto primeira letra de uma palavra. autônomo e livre. E a palavra “descobrir” tem muito a verA purificação nos prepara para que o com iniciação e com mistério, pois aEspírito fecunde em nós o germe de um verdadeira realidade está como que “co-novo ser interior. Os rosa-cruzes clássicos berta” por um véu, que nos impede defalavam da fecundação da semente-Jesus contemplá-la.no coração: a rosa-do-coração, o centro Descobrir algo significa destampá-lo, oude força latente da alma original do ho- seja, tirar tudo o que se interpõe entremem. Dito de outra forma, a concepção.A iniciação coincide com o desenvolvi-mento de todos os órgãos que permitirãoa esse novo ser interior viver, manifestar--se e expressar-se ela é comparável a umagestação. 25

sua realidade e nossa consciência. O que menos o que ocorre quando dormi- Nossadescobrimos assim, já existia antes. No mos) para, em seguida, elevar-se às verdadeiraentanto, toda a nossa vida foi construída esferas do mundo dos pensamentos, identidadesobre um fundamento que não levou em com a consciência livre das condicio- dissimuladaconta essa realidade coberta; e ao desco- nantes do corpo, e ali obter conheci- sob milharesbri-la, toda a nossa vida deve ser repro- mento de primeira mão; de véusgramada e reordenada. 2. Os sistemas que se esforçam para continua umPortanto, tal descoberta nos “inicia” em conduzir a personalidade a um estado mistériouma nova etapa existencial. de pureza e sutileza extremas, de modoComo já assinalamos, desconhecemos a que a luz do pensamento divino possaverdadeira essência do nosso ser, e por refletir-se e manifestar-se nela;isso, quando nos perguntam – Quem és? – 3. E o sistema que se esforça pela trans-somente podemos responder indicando mutação alquímica da estruturanosso nome. Com isso não dizemos molecular da personalidade natural,grande coisa, pois nem sequer esse nome de maneira que o resultado seja, deé algo nosso, uma vez que nos foi outor- fato, uma nova personalidade. Emboragado por nossos pais. semelhante à anterior, a nova persona-Nossa verdadeira identidade é para a lidade é construída com base em ummaioria dos seres humanos um mistério conjunto de informações diferentescoberto por muitos véus. das que condicionaram a formaçãoNa maioria dos sistemas de iniciação se do corpo biológico. Ela possui átomosparte da premissa de que o ser humano e substâncias de uma natureza muitoparticipa de duas naturezas: superior aos que normalmente se en-a) Uma personalidade natural, biológica, contram no campo de vida planetário.originária do campo de existência ter- Este terceiro sistema tem, a nosso ver,restre, dotada de imensas possibilidades muitas vantagens, porque, além de obtere capacidades, autêntica joia da evolução os mesmos resultados práticos dos doisnatural, porém programada para uma primeiros, coloca o candidato em umaexistência efêmera, fustigada permanen- situação muito favorável diante da liber-temente por enfermidades e declínio tação, como pretendemos explicar maisfísico. adiante. Além do mais, ele evita todos osb) Um ser de natureza espiritual, de ori- inconvenientes e perigos associados à di-gem divina, que se encarna na persona- visão da personalidade ou ao seu cultivo.lidade natural para dispor de um veículo No interior do ser humano, encontra-sede manifestação e expressão, com cuja oculto, embora latente, o ser divino. Estecolaboração ele pretende construir uma ser divino é uma centelha do grande fogoponte entre os dois. divino universal, na qual se reflete toda aTodos esses sistemas de iniciação se esfor- sabedoria da Divindade. Para poder deci-çam em preparar a personalidade natural frar e codificar essa sabedoria, o candida-para esse encontro, torná-la apta para per- to à iniciação deve abrir sua consciênciamitir a revelação do ser divino interior. ao vocabulário dos mistérios e aprenderDe forma resumida, os sistemas de a conjugar seus verbos. Essa linguagem,iniciação podem ser agrupados em três como é lógico, não é ensinada como sevariantes: costuma fazer, por exemplo, em uma1. Os sistemas que procuram separar a escola de idiomas. A linguagem dos mistérios não é irracio- consciência da personalidade (mais ou 26 Iniciação – Iluminação – Libertação

nal, mas foi edificada com base em umalógica diferente da lógica corrente. De-vido a sua complexidade, essa linguagemtem sido transmitida por meio de mitos,símbolos, imagens, alegorias e alusões,ou mesmo de paradoxos.Durante o processo de iniciação, ocandidato é conduzido lentamente poruma aprendizagem que, pouco a pouco,amplia sua visão da tríade “Deus, cosmoe ser humano”. Ele entra em contato comgrande quantidade de ensinamentos parapoder examinar os múltiplos compo-nentes da realidade e compreender queposição aí ocupa.Tudo isso lhe permite avançar, passo apasso, na compreensão das sugestões sutisque procedem de seu ser divino central,como se fossem um chamado longínquo.Porém, enquanto esse fluxo de potên-cias de luz é absorvido pela consciênciapurificada, o intelecto trabalha ardua-mente para recodificar tudo isso em seuesquema binário.Assim, pode ser que ao mesmo tempo emque surge uma nova alma espiritual, pro-duza-se também um reforço das estrutu-ras ilusórias antigas como consequênciado processo alquímico de separação entrea luz e as trevas. Esse reforço da ilusão é,em certo sentido, como a sombra que re-sulta do nascimento da alma-espírito, daunião do espiritual com o material. Essailusão se produz tanto na esfera astral ena esfera das experiências e das emoçõesEstela de Vologeses III, rei dos partas (105-147), emgrande pompa. Ele restabeleceu a paz no reino persano século 2 depois que os romanos retiraram seusexércitos. Em sua mão esquerda ele segura o cálicede oferenda. Ele estende a mão direita para o bra-seiro. A inscrição em língua parta do outro lado diz:“o corpo do neto do rei Vlkhsh (Vologeses). Vlkhsh,o jovem rei...” 27

quanto na esfera mental, a região do pen- Resumindo, a iniciação, com todo o seusamento. Por essa razão, cedo ou tarde, o processo, consiste na abertura progressivacandidato aos mistérios ver-se-á confron- da consciência à corrente de luz da Gno-tado com um inimigo interior que blo- sis e, simultaneamente, na compreensãoqueia os circuitos do seu sistema nervoso crescente desse impulso, graças à lingua-cerebrospinal, impedindo-o de chegar à gem dos mistérios. A iniciação não é umcontemplação. A iniciação não é, por- conjunto de cerimônias, oficiadas por umtanto, um aprendizado simples. Ela é, ao poderoso hierofante, mas um conjunto demesmo tempo, um combate interior, uma impressões que vão abrindo sua com-luta entre o novo homem em gestação e preensão a respeito da realidade da alma-formação sob a radiante luz da Gnosis, o -espírito por um lado, e a realidade deconhecimento divino, e o velho manto sua velha natureza, que se opõe a ela.astral e mental. Este tenta evitar que o É, portanto, luta interior, crescimentocentro de gravidade vital seja deslocado espiritual e compreensão da Palavra Viva.para fora de sua área de controle. E esse processo culmina no descobri-Como o leitor compreenderá, o esforço mento da verdadeira identidade. Por issofundamental durante todo o processo se diz, frequentemente, que os iniciadosiniciático deve estar centrado na obtenção recebem um novo nome! E inclusive, quede uma consciência lúcida sobre a autên- muitos deles mudam seu nome a partirtica natureza humana e seus dois campos da culminação do processo.de manifestação: isso que habitualmente No entanto, quem atravessou a iniciaçãodefinimos como o bem e o mal. com êxito ainda não é um iluminado. ANeste processo não se trata, de modo iluminação é o fruto final, o prêmio quealgum, de uma abordagem moral baseada coroa todo o esforço realizado.em um decálogo de bons costumes, masdo conhecimento profundo das causas de Iluminaçãocada uma dessas projeções morais.O jogo habitual do bem e do mal é, as- Na linguagem comum, usamos a expres-sim, completamente desmascarado, e toda são “dar à luz” quando nos referimos asua hipocrisia é desvendada à observação um nascimento. O novo ser, gestado nainteligente do candidato. Se tudo correu escuridão e na segurança do útero ma-bem durante sua preparação, ele não sen- terno, tem de atravessar um túnel estreitotirá nenhuma emoção, nem de aceitação para chegar ao mundo da luz solar. Aonem de rejeição. sair, respira, entra em contato direto comEle sabe, por isso, que o Bem Único está o ar.somente em Deus, e que só é possível No ar, na atmosfera que circunda nossoviver no verdadeiro Bem vivendo nele e planeta, estão presentes todas as matérias-por seu intermédio. Então, a despeito de -primas da vida: hidrogênio, nitrogênio,todos os contratempos e resistências, ele oxigênio e carbono. Impossível viver semaplicará em sua vida os impulsos divi- ar. Uma experiência parecida ocorre nonos espirituais. Cada pensamento, cada nascimento – na realidade, do renasci-sentimento, cada atividade da vontade, mento – do homem-alma-espírito.cada ato realizado sobre essa base penetra A iluminação também pode ser descritaa estatura natural e torna-se uma pedra de como um despertar. Novos olhos seconstrução para a estatura da nova alma, abrem, os da estatura da alma que se cons-de natureza nova e muito sutil. tituiu ao longo do processo de iniciação. A grandiosa vivência de Gautama Buda 28 Iniciação – Iluminação – Libertação

sob os ramos da árvore Bodhi é descrita A iluminação é o frutopor ele como um despertar. que coroa todos osQuando alguém desperta de manhã, tudo esforços dispendidoso que se viveu no mundo dos sonhosé geralmente apagado da consciência, podemos afirmar que, muito provavel-e existe uma espécie de barreira in- mente, você não conheça qual é a causatransponível que impede o acesso para verdadeira que motiva sua leitura. Nãorecuperá-lo. seria necessário, no mínimo, conhecer, deDo mesmo modo, quando uma pessoa primeira mão, por que e para que faze-experimenta tal despertar, tudo o que mos o que fazemos?vive a partir desse momento não tem Porém, para isso é preciso obter acessonenhuma relação com a vivência enquan- ao mundo das causas. O mundo exterior,to dormia. Ainda voltaremos a falar sobre tudo o que vemos e captamos com oseste ponto importante. sentidos, tudo o que deduzimos e con-A iluminação não é simplesmente uma jecturamos com base em nossas expe-mudança de estado de consciência, mas riências com o mundo externo, tudo issotambém uma mudança da forma. Algo pertence ao mundo dos efeitos. E inclu-muda notavelmente na estrutura psíquica sive o que definimos como causas nãodo ser humano, assim como em tudo passa de efeitos de outros efeitos aindarelacionado a sua capacidade de per- mais profundos e imperceptíveis. Paracepção da realidade. É como se os circui- conhecer as causas verdadeiras é precisotos cerebrais fossem reconfigurados para dispor de uma consciência nova, superior,restaurar a configuração inicial, original. diferente. Essa consciência se movimentaQuem vive este acontecimento passa a ver em uma dimensão que transcende a cons-as coisas sob outra luz. As cavidades cere- ciência normal. Nossa consciência tembrais são banhadas por uma luz intensa, como eixo as três dimensões espaciaisque expulsa toda sombra e escuridão. E de largura, comprimento e altura, alémneste momento se conhece a verdade. O da dimensão temporal de antes, agora ecandidato conhece que é filho do Único depois.e, portanto, recupera sua verdadeira A nova consciência, contudo, movimen-identidade. A partir de então, Buda obtém ta-se também por uma dimensão queo nome de Tathagata, “o que deixou tudo poderíamos definir como profundidade. Elapara trás”. E diz: “Tathagata desvelou a pode penetrar profundamente em todascausa de todos os fenômenos provenien- as dimensões conhecidas, como se otes da causa única”. fizesse por meio de uma dimensão per-A iluminação, o primeiro contato funda- pendicular a cada uma delas. O própriomental com o plano nirvânico de existên- fato de nossa consciência normal não sercia, é exatamente o mesmo que irromper capaz de formar uma ideia ou imagemno mundo das causas, de todas as causas dessa dimensionalidade diferente de umaque dão origem a todos os fenômenos vida de natureza diferente é prova infalí-que se produzem ao nosso redor, incluin-do nossa própria existência natural e suasformas.É importante não confundir “saber” com“conhecer”.Você “sabe” que, neste mo-mento, está lendo este livro. No entanto, 29

vel de que nossa consciência comum não Deméter dá ao jovem Triptólemo uma haste de trigo, símbolo da humanidade queé uma consciência superior e iluminada aprende a trabalhar a terra. Atrás do jovem está Perséfone, a filha de Demétere, portanto, não está habilitada para entrar que Hades raptou e leva todo ano ao inferno. A alegria dada à sua mãe por seuno universo das causas. retorno traz a primavera e o verão. O baixo-relevo nos remete aos pequenos mis-Assim como é preciso dispor de dois térios do eterno retorno, mantidos secretos, mas aos quais todo habitante livre deolhos para captar visualmente a terceira Atenas podia ter acesso. Essa é uma cópia de um baixo-relevo dos anos 450-425dimensão espacial, do mesmo modo é a.C., encontrada em Elêusis. Museu Nacional de Atenasnecessário dispor do terceiro olho paracaptar essa quarta dimensão. Esse terceiroolho abre-se precisamente com a ilumi-nação! “E seu rosto resplandecia como osol” – descreve Mateus em seu evangelho,ao falar da iluminação de Jesus.Uma nova luz emana da face do ilumi-nado. Tal luz tem seu foco na fronte, atrásdo osso frontal, ou melhor dizendo,encontra seu ponto de contato na hipó-fise. As consequências anatômicas de tudoisso são impressionantes. Limitamo-nosa dizer o seguinte: a hipófise é como“o diretor” das glândulas endócrinas,enquanto a pineal é como “o presidente”.Praticamente não há nenhum hormônioproduzido por nosso corpo que não surjasob sua direção.Uma porcentagem considerável do nossocaráter pode ser explicada pelo funciona-mento dessa glândula. Nossos estados deânimo, nossa orientação sexual, grandeparte de nossa sensibilidade e nossasdisposições emanam da atividade dahipófise.Por isso, pode-se deduzir com facilidadeque a iluminação muda completamentetodas essas disposições, colocando-as emuma oitava superior. Uma nova energia euma nova atitude de vida surgem disso.Não como algo premeditado, programa-do, sujeito a um método ou a certadisciplina, mas como um estado de serespontâneo.A razão, livre de todos os condiciona-mentos animais, experimenta, pela pri-meira vez na vida, o que é pensar.Como se alcança a iluminação? A ilumi-nação é o resultado de uma plenitude de 30 Iniciação – Iluminação – Libertação

experiências e vivências. Um dos pilares viagem até essa aldeia, passando por dife- Um bomfilosóficos da Rosa-Cruz é o ensinamento rentes fases de aclimatação e preparação. preparoda reencarnação. Mas o que reencarna? A experiência de amanhecer em plena físico eO que reencarna não é o ser humano tribo é a mesma para ambos, porém psíquicobiológico, mas sim o ser divino que exis- as consequências e possibilidades são arma ote de forma latente em seu interior. Ao radicalmente diferentes. Escolhemos este homemlongo de centenas de novas imersões no exemplo, um tanto estranho, que ilustra contra osmundo da vida física, produz-se, em seu que o caminho para o alvo buscado ne- perigos docampo vital que denominamos micro- cessita uma preparação tanto física quanto caminhocosmo, um acúmulo de conhecimentos, psicológica. Elas armam o homem contraexperiências e vivências. Eles determinam os perigos e tornam possível ir ao encon-o “dote de inteligência” para cada nova tro do desconhecido da justa maneira.alma humana, surgida da vida natural. Se lermos as narrativas dos que tiveramEvidentemente, na hora de assumir ou uma experiência com a iluminação,não essa herança, cada alma é livre para veremos claramente o que a realidadeusá-la em um ou outro sentido. histórica demonstra: que essas pessoasO certo é que há microcosmos com gran- que atingiram a iluminação sem preparar-de maturidade e determinada “saturação” -se por meio de um processo de purifica-de experiências. Facilmente pode ocorrer ção e iniciação, descrevem suas vivênciasque um microcosmo desse tipo abrigue utilizando as imagens de sua própriaativamente uma personalidade como a formação religiosa.nossa e que, em determinado momento Se um hindu tiver tal vivência, toda a suapsicológico, ocorra uma incursão consci- descrição terá Krishna por referência, ouente no mundo das causas, com a conse- outras referências imagináveis da culturaquente experiência luminosa. hindu. E se essa for a vivência de umEssa maravilhosa experiência tem enorme cristão, é inevitável que Jesus Cristo tenhavalor, porém não foi o resultado de um um papel relevante. Um agnóstico, no en-processo de iniciação. Talvez você pense: e tanto, também poderá ter essa experiên-que me importa? O importante é a expe- cia e, neste caso, falará, por exemplo, deriência em si! campos energéticos e esferas planetárias.Um simples exemplo será útil para Podemos afirmar, portanto, que o proces-compreender a diferença. Imagine que so de iniciação provê o candidato de umahoje você dormisse tranquilamente em bagagem racional e imaginativa muitocasa, em sua cama, e no dia seguinte pela precisa, que lhe permite interpretar acer-manhã, ao despertar, se encontrasse numa tadamente suas vivências e experiênciascama de palha, em uma aldeia de uma com a ajuda da luz. Quem não passou portribo perdida na selva amazônica, que, esse processo iniciático, por sua vez, temantes de dormir, você desejasse ardente- dificuldades para superar a etapa contem-mente conhecer. E já que estamos falando plativa de tudo isso.de experiências, compare esta experiência Como a iluminação não é a meta – poiscom a de alguém que, tendo o mesmo a libertação é a meta verdadeira e defini-desejo que você, tivesse se preparado tiva – não basta alcançar a vivência da luz.durante anos para isso; que conhecesse A libertação depende completamente doo idioma, os costumes, o ambiente e a que o iluminado faça na nova situação.forma de entender a vida dessa mesma Como dissemos, a libertação é o estadotribo, e que, a seguir, empreendesse uma adulto e maduro da alma humana unida 31

com o Espírito. E você sabe, por expe- corpo”. Os dois princípios mencionados Nesse afresco do templo de Mitrariência própria que, na vida comum, nem (o principio divino e o princípio pla- em Marino, Itália (sec. 2 aC), Mitratodos a atingirem o estado de adulto são netário) mesclam-se nas três estruturas, mata o touro. Os mistérios de Mitraseres verdadeiramente livres; não basta espírito, alma e corpo. iniciam o candidato aos mistérios doapenas completar um número de anos Quando nos referimos a nossa estrutura cosmo em sete fases. O fato de matarpara isso. É preciso uma atividade auto- corporal, por exemplo, notamos que o o touro simboliza a força de Mitra, ocriadora muito intensa. Por isso, como coração é um órgão extraordinariamente filho fiel de Ahura Mazda, o deus soljá indicamos, o método de iniciação, seu singular, porque nele confluem ambas as que movimenta o universo inteiro:sistema, é muito importante e essencial, naturezas. Por isso, quando nos referi- o culto marca a era do touro, queem virtude da meta final que coroa o pro- mos à expressão do princípio divino na substituiu a era de áries. O própriocesso da evolução humana. estrutura corporal, falamos de rosa-do- Mitra explica: “Porque o primeiro -coração. degrau de Corax [mercúrio] é para osLibertação A estrutura do coração responde plena- que receberam meus ensinamentos mente aos dois princípios vitais e ambos da boca de meus sacerdotes e dese-O conceito de libertação nos conduz se mesclam neste órgão tão especial. jaram me seguir. O segundo degrauimediatamente ao de “dar livre curso Poderíamos dizer o mesmo da estrutura faz de um homem um Nymphus, poisa algo retido”. Esse “algo” retido dis- anímica. A estrutura da alma é constituí- ele desposou minha religião. Miles,põe, por si, das qualidades necessárias da por cinco fluidos: o fluido sanguíneo; o soldado, é o que batalha por mimpara atuar segundo sua própria natureza o fluido hormonal; o fluido nervoso; o e Leo (o leão) caça a meu lado parae, portanto, ser livre. Porém há outro fluido espinal; e o fluido da consciência. expulsar o mal. Persis, o persa, reduz“algo”, impedindo-o. Observando-se esses cinco fluidos, nota- o mal a cinzas com suas tochas ePodemos fazer uma analogia muito sim- -se que o sanguíneo é o mais tangível aclara o caminho de meus alunos. Oples para ilustrar essa ideia. Um tronco e concreto e, por isso, de todos eles, sexto degrau, Heliodromus, confirmade madeira atado a uma pedra é retido é o mais ligado ao corpo. O fluido da que meus alunos poderão subirno fundo de um lago. Tão logo possa cons- ciência, por sua vez, é mais sutil no carro-sol até Ghoan (o domíniosoltar-se da corda, o tronco, por si só, e inclusive misterioso, sendo o mais original dos homens) e sentar-se pertosem ajuda alguma, emerge à superfície ligado à estrutura espiritual. Os outros de Pater, meu pai, fora do alcanceda água, abandonando o fundo do lago. três fluidos – hormonal, nervoso e espi- de Ahriman, quando seu tempo tiverA mesma ideia está encerrada na palavra nal – formam o núcleo central da alma. chegado. Estarei lá e cuidarei de sua“libertação”. O ser divino eterno está Convém precisar que, em geral, usamos mesa. Agora devo ir e preparar essapreso à matéria densa por um poderoso o termo microcosmo para referir-nos à mesa para ele e para todos os quelaço; porém, basta soltar o laço, basta estrutura espiritual. observam as leis de Ahura Mazda (aque desatemos o “nó”, e esse ser divino O microcosmo é uma estrutura de linhas Luz), que vos ensinei”. Fonte: Mitosemergirá ao mundo divino, por sua de força extraordinariamente complexa. e contos épicos, sussurros de Kleio,própria natureza, abandonando a esfera Se você recordar a imagem utilizada para Frans Schobbe, 2004de existência onde agora se encontra representar a estrutura de um átomo, po-retido. derá fazer uma ligeira ideia daquilo a queDizemos que, embora reconheçamos no nos referimos como “estrutura de linhasser humano dois princípios, dois núcleos de força”. Essa esfera eletromagnética évitais, a saber: um princípio divino e um uma projeção espacial da centelha divina,princípio planetário (o primeiro imortal da mônada, o ser divino primordial.e o segundo mortal), esses dois prin- Pois bem, essa estrutura tem seu reflexocípios se manifestam por meio de uma corporal na configuração eletromagnéticaestrutura tríplice: a estrutura espiritual; a do nosso cérebro. Portanto, podemosestrutura anímica; e a estrutura corporal. afirmar que o ser divino e o ser carnalA partir de agora, vamos referir-nos a estão unidos por uma rede psicofísicaeles simplesmente como “espírito, alma e 32 Iniciação – Iluminação – Libertação

tríplice. próprio do ser humano que conquistouExiste uma rede na estrutura espiritual, a libertação e dispõe de plena autonomiauma na estrutura da alma e outra na de movimento por todos os planos doestrutura do corpo. Essas três redes – ou espírito e da matéria. Portanto, a liber-essa rede tríplice – são formadas tanto tação não é outra coisa senão a supres-por fios pertencentes ao ser carnal como são de tudo o que impede ou retémpor fios pertencentes ao ser divino. essa liberdade de movimento. Contudo,Pode-se dizer que, nessa rede, todos os como você facilmente pode supor, obterfios verticais emanam do ser divino e o estado de libertação não é uma tarefatodos os fios horizontais emanam do ser fácil. Coloquemo-nos no lugar do serterrestre. Quanto mais plena de expe- humano que já percorreu as fases prévias,riências é a vida de um ser humano, mais descritas anteriormente. Ou seja, umdensa é essa rede, mais formas e cores ela ser humano que purificou sua estruturaapresenta e, portanto, mais possibilidades tríplice, usando suas possibilidades aocontém. máximo, e no qual tal pureza se expressaNa Antiguidade, tal rede era denominada notoriamente na composição de seu san-de “tapete mágico”. Esse tapete mágico é gue. Um ser humano que, graças a esse 33

Apenas experimentar a luz não ésuficiente no caminho que está diante de nósestado purificado, pode adentrar, com bem, por baixo e por dentro deste “forochance de êxito, um processo de inicia- interior” ainda há mais dois núcleos, umção, que é coroado por uma iluminação dentro do outro. Esse núcleo central éplena, por um estado desperto, como o um verdadeiro prodígio, pois é ali que sede um renascido. Pois bem, esse ser hu- constrói a realidade.mano comprova que o autêntico trabalho Quando esse homem desperto aí pe-alquímico agora está realmente à sua netra pela primeira vez, descobre suafrente, e tudo o que vivenciou até então, verdadeira identidade e sua verdadeiratodas as mudanças que lhe aconteceram “história”. Contudo, não o faz como sena vida, tiveram lugar no âmbito íntimo entrasse em um túnel do tempo, que oe interior de seu sistema humano. Essa leva do presente ao passado ou do pre-pessoa vivencia que o trabalho alquímico sente ao futuro pelas veredas do tempo.interior propriamente dito pode somente Não, pois ali o tempo não se comportacomeçar. Trata-se agora de trabalhar na dessa maneira. Ali se encontra a esferamudança energética de seu corpo materi- do eterno presente e, por isso, tudo estáal grosseiro. É graças a seu estado de vida simultaneamente no agora. Pois bem,que novas forças e substâncias podem quando o ser humano desperto com-operar nele de modo que o corpo mate- preende tudo o que contempla, descobrerial grosseiro se una até certo ponto com um ponto muito concreto, no qual todoo corpo da alma. Na medida em que isso o seu sistema triplo está sujeito ou ligadonão é possível, o corpo continua mortal. à esfera existencial planetária; e queAgora, porém, graças à sua nova cons- devido a isso, sua essência divina estáciência desperta e aguçada, ele descobre retida e atada à roda da vida e da morte,que existe uma esfera, um espaço que até ao circuito incessante de nascer, florescerentão lhe estava completamente vedado. e perecer.É o interior do mais interior. Sabe então que basta soltar a rede desseNa Antiguidade, esse santuário recebia o ponto para que o barco possa começarnome de Sanctum Sanctorum; era o lugar sua travessia, para que seu ser divinomais santo do que já era santo. Nesse imerja no mundo do Espírito Divino.núcleo do núcleo do núcleo de nosso Ao mesmo tempo, no entanto, sabe quesistema vital confluem todos os fios que se o fizer, ocorrerá com ele o que nosformam nosso tapete ou rede vital. acontece pela manhã, ao despertar: tudoEmpregamos três vezes a palavra “nú- o que vivemos até então, durante a noite,cleo” porque realmente é assim: é o nos parece um sonho irreal.núcleo que está dentro de outro núcleo, Isto é, sabe que ao desatar esse laço per-contendo, por sua vez, um terceiro derá completa e paulatinamente o con-núcleo. Este último é o que costumamos tato com o que lhe parecia real até aquelechamar de “nosso foro interior”. Pois momento, e em seu lugar aparecerá a 34 Iniciação – Iluminação – Libertação

verdadeira realidade, ofuscando tudo o essencial encontra-se na esfera do núcleoque ficou para trás. mais interior. Dali ela dirige, dia e noite,É claro que a tentação de abandonar esse uma corrente de amor e força paravale de lágrimas é muito forte. Entre- toda a humanidade. E o plano consistetanto, quem chegou até esse ponto não o simplesmente em fazê-lo até que todosfará. Quem chegou até o ponto em que os seres humanos tenham atingido osua libertação total está ao seu próprio despertar. Na esfera central mais interior,alcance, abrirá mão de tal opção nesse o tempo adquire uma projeção diferente;momento e a postergará. Por que? Por o amanhã, o ontem e o hoje apresentam-saber que a lei do amor espera que ele -se como um todo, e assim notamosmantenha contato com seus semelhantes que a vitória final já aconteceu, mesmoainda adormecidos, a fim de ajudá-los, sabendo que, por estarmos existencial-no que for possível, em seu caminho de mente no exterior do exterior, devemospurificação e iniciação. passar por muitas provas e dissabores atéEste é o fundamento do princípio cristão, encontrar, um dia, o hoje da vitória nosegundo o qual Jesus Cristo renunciou presente.à sua própria glória para ajudar seusirmãos, os homens. E este também é o Esperamos de todo o coração que,fundamento dos bodhisattvas, na tradição quando a Gnosis, a sabedoria divina, lhebudista, que renunciam ao nirvana para fizer-lhe a tríplice pergunta, você possaseguir em contato com os seres humanos responder com as três respostas corretas:e ajudá-los. Quem és?Na realidade, não existe maior sacrifício — Sou um raio de teu sol invisível.possível que esse. Ele gera tais efeitos so- De onde vens?bre o nosso planeta, que aí reside a causa — De ti.de muitos fenômenos ocorridos diaria- Para onde vais?mente e que não podem ser explicados. — Retorno a ti.Pois viver nesse plano de existência supe-rior, dispondo de tal estado de consciên-cia e dessa visão da realidade, ocasionapoderosa mudança eletromagnética naatmosfera, a qual acelera o processo dedespertar para milhares de seres hu-manos, na realidade, para centenas demilhares! A Rosa-Cruz consagra-se a essetrabalho, razão pela qual dizemos que aEscola da Rosacruz Áurea é uma escolade mistérios. Seu centro de gravidade 35

Arminius &36 IAnrhmoiundius & Externsteine

Externsteine Quem reflete sobre a ideia de “tempo e es- 37 paço” vai perceber os períodos e lapsos de tempo irreversíveis que ocorrem na história da humanidade. É um grande ir e vir, uma contínua modificação das formas terrestres. A causa dessas trans- formações memoráveis está na circulação periódica de correntes magnéticas produzidas por forças cósmicas, por energias provenien- tes de radiações, que levam nosso planeta a movimentar-se, de tempos em tempos, por um campo magnético diferente.

m princípio fundamental todas as tribos sedentárias possuíam diz que “a Luz sempre re- lugares de culto, os quais expandiam-se torna ao lugar onde um dia espiritualmente para além dos costumes locais, com um raio de caráter regionalUbrilhou”. A Luz espiritual e soberania reconhecida. divina pode retrair-se por A região em torno do Externsteine eum período quando um núcleo gnós- de Hohenstein é um desses lugares. Atico foi reprimido no local onde atuou. maior parte das pessoas que visitam oMas ela voltará a agir todas as vezes que Externsteine vê apenas um grupo deo buscador amadurecer por meio de ex- imponentes rochas, cuja idade é difí-periências decorrentes da busca interior. cil de ser determinada, assim comoQuando a Luz é rejeitada em um local, ocorre com outros santuários antigosou núcleo, imediatamente ela passa a que conhecemos. Porém, quem temiluminar outro local e pode voltar a uma visão de mundo mais profundainflamar-se, após um período mais ou descobre algumas particularidades quemenos longo, no local precedente. podem ser comparadas, em seu simbo-Assim, no ano de 1965, o archote da lismo espiritual, com o Vale do Ariège,Luz foi novamente aceso no templo nos Pirineus franceses. Nas duas regiõesdo Centro de Conferência van Rijcken- a iniciação era realizada com o “ritualborgh em Bad Münder, um dos nume- do sepultamento”, a chamada endura.rosos núcleos mundiais da Rosacruz Provavelmente os quinze penhascos deÁurea, que se revelou como um local arenito que formam o Externsteine,de ressurgimento de uma chama muito com aproximadamente 30m de alturaantiga. Afinal, Bad Münder fica próximo cada um, fossem antigamente cercadosà floresta de Teutoburger, onde existe por uma floresta densa e impenetrável.uma formação rochosa monumental Nesse lugar, as cerimônias religiosasconhecida pelo nome de Externsteine, eram realizadas de forma invisível paraum antigo centro espiritual, em Wesen- o mundo exterior.bergland (região do rio Weser).Ao contrário das regiões sul e leste, Antes de descrevermos as relações entreo centro e o norte da Europa ficaram o Arminius e o Externsteine, vejamospraticamente desabitados durante os mais alguns dados sobre essas notáveisprimeiros milhares de anos que se formações rochosas.sucederam à Era Glacial. Não obstante, Egge-Sternstein ou Externsteine sig-ainda antes da Era Cristã se estabele- nifica “pedras de ângulos estelares”.ceram na Europa Central, onde hoje Bem no alto dessas rochas, em um dosestá a Alemanha, os indo-germânicos, penhascos mais elevados, foi escavadopovo com crânio de forma alongada, o altar do sol, defronte ao qual há umade alta estatura e de cabelos loiros. rocha erguida em forma de estrela deAlém de caçar, eles lavravam a terra e cinco pontas, também conhecida comodominavam o fogo, o que os auxiliou pentagrama.na forja de placas redondas e em forma Outros símbolos que se destacam sãode meia-lua, símbolos do sol e da lua. o Irminsul e a linha da lua. O Irmin-A paisagem montanhosa da região do sul é tido como o pilar ou árvore doWeser é rica em santuários germânicos mundo. Ele foi considerado como umantigos, todos situados nos arredores de pilar erguido por Deus, através do qualBad Münder. Muito antes de nossa era, 38 Arminius & Externsteine

os sacerdotes podiam entrar em contato No centro do complexo de rochascom Ele.Voltado em direção à Estrela está a Descida da Cruz, uma im-Polar, ele estava em conexão com toda portante obra de arte do século 9a abóbada celeste e o mundo divino.Sobre a linha da lua, podia-se dizer queo sol e a lua eram vistos, respectiva-mente, como os princípios paterno ematerno. O culto a Maria, amplamentedisseminado a partir da Era Cristã, é, naverdade, uma continuação do culto àlua de outrora.No centro do complexo de rochas estáa Descida da Cruz de Cristo, obra primade origem incerta, datada de um perío-do mais recente, por volta do século9. Segundo muitos, não há em todaa Europa algo de semelhante beleza eexpressão. Além disso, essa notável obraparece representar a transição entre opaganismo e o cristianismo.Rudolf Steiner estudou o fenômeno doExternsteine, especialmente quanto àsua relação com os romanos na épocade Arminius. A seguir, algumas infor-mações de suas descobertas.Steiner considera o Externsteine e seusarredores o centro espiritual da Europano início da Era Cristã.Através de entidades superiores, quetraziam sua sabedoria dos antigos atlan-tes, partiam dali outrora os maiores im-pulsos espirituais para os povos germâ-nicos do norte e do oeste da Europa,com a missão de promover a evoluçãoda alma natural para a alma espiritual.Nesse contexto, parte da humanidadepossuía a faculdade da clarividência,e, para que pudesse conceber a vidaterrena como escola e aprendizado, pre-cisaria voltar-se mais profundamente aomundo material abdicando, portanto,dessa faculdade. Assim, após determi-nado lapso de tempo, a ligação com omundo espiritual seria restabelecida denova maneira, através de Cristo.No ano 9 d.C, ocorreu, entre germâni- 39

Entre os grandes comandantes germânicos,ninguém despertou tanto a imaginação daspessoas quanto Arminius, o queruscocos e romanos, a Batalha da Floresta de conseguissem avançar para o norte, o abstenção, lavou as mãos noTeutoburgo, também chamada de De- que seria fatal para a continuidade da julgamento de Jesus Cristo.sastre de Varo, a qual está estritamente evolução espiritual prevista pelo plano Próximo a Extersteine, narelacionada aos fatos até então narrados divino para o mundo. Os comandantes floresta de Teutoburger, oe foi liderada, do lado germânico, por romanos conheciam o centro espiritual exército romano foi abatidoArminius (ou em alemão Hermann), germânico de Externsteine, e sua meta de forma devastadora peloso querusco. Como resultado da batalha era tomá-lo para desestabilizar a uni- “selvagens” germanos sobestabeleceu-se o rio Reno como frontei- dade cultural daquele povo. Com esse o comando de Arminius, ora entre os impérios romano e germâ- fim, no ano 16 d.C., um grande exér- querusco, conforme retra-nico, tanto do ponto de vista territorial cito romano comandado por Julio Cesar tado na imagem abaixo.como cultural. Germanicus empreendeu um último O historiador romano Tá-Mais tarde, o centro espiritual da Eu- ataque para apropriar-se das terras dos cito disse que Arminius, oropa mudou-se para o centro do Santo germanos, chegando até o rio Elba. querusco, foi, sem dúvida, oGraal. Dos grandes líderes germânicos Até Pôncio Pilatos estava nesse exército libertador do povo germâ-do início da era cristã, nenhuma outra como jovem oficial – o mesmo que, nico e o descreveu comofigura estimulou a imaginação, abalou anos mais tarde, como prova de sua um comandante que ousouos sentimentos e agitou as investigaçõescientíficas como Armínio, o querusco.Continuamos com os dados menciona-dos por Rudolf Steiner.No ano 4 d.C., Arminius, o querusco,então com 14 anos de idade, foi con-siderado maduro para a iniciação nosmistérios do deus Wotan, divindademaior da cultura germânica pagã. Essesmistérios se desdobram sobre o Extern-steine enquanto centro de iniciação.Segundo Rudolf Steiner, o ser de Armi-nius, o querusco, já havia vivido antesno corpo de um antigo iniciado dotadode virtudes do mundo espiritual, demodo que, para realizar a missão queentão lhe era confiada, a alma de Armi-nius, o querusco, teve de se adaptar àscondições culturais de sua época.Ele teve de evitar que os romanos 40 Arminius & Externsteine

No ano 4 d.C. Arminius, o querusco, foi iniciado nos mistérios do deus Wotan, uma cerimônia no centro de iniciação de Extersteineatacar o império romano no auge de sangrenta. o mundo à Luz.seu poder. E, assim, é novamente for- Bad Münder jada uma Una Sancta em todoA esse respeito Rudolf Steiner diz que o mundo: uma Fraternida-sem essa vitória decisiva o destino dos Assim, retornamos ao fato de que a Luz de que, de fato, está nestepovos de língua germânica, de toda a universal sempre volta ao local onde mundo, mas não é desteEuropa e até mesmo do mundo inteiro, outrora esteve presente. Prova disso é mundo, e fará a colheitateria sido totalmente diverso. Os paí- que o archote da Luz foi aceso no novo do novo homem que estáses do oeste e do norte europeu não núcleo de Bad Münder, nas proximi- chegando.falariam o idioma germânico, mas sim dades do centro espiritual de Extern-uma espécie de latim. Possivelmente steine. Nesse meio tempo entramos, Links: Furor Teutonikus, a batalhanão teria havido Goethe, Bach, talvez enquanto humanidade, no período de em Teutoburgo, ano 9 d.C, pinturanem mesmo Shakespeare, para citar Aquário. de Paja Jovanovic (1859-1957). Aapenas alguns dos numerosos gênios Os dois campos magnéticos, o dialético pintura original foi perdidadas línguas germânica e anglo-saxônica. e o gnóstico, estão se aproximando umMas tudo isso teve de acontecer para o do outro nesses tempos do fim mais dodesenvolvimento espiritual da huma- que o normal e, com isso, as chancesnidade. Os romanos também tentaram de libertação são maiores do que antes.subjugar os britânicos celtas no ano Além dos muitos núcleos da Rosacruz61 d.C., mas estes, sob o comando da Áurea na Europa e em outras partes dorainha Boudicca, opuseram dura re- mundo, existem naturalmente outrossistência em uma guerra terrivelmente agrupamentos que têm a tarefa única de ligar as pessoas buscadoras de todo 41

O legado deCarl Gustav JungJung nasceu no final do século 19, quando a ciência em-pírica, baseada na crença otimista do progresso humano,estava em pleno desenvolvimento. Essa ciência queria con-duzir todas as experiências a resultados quantitativos deobservações objetivas, às proporções do que poderia sercalculado. A partir de uma visão como essa, era inevitávelque o mundo mítico e religioso fosse considerado irracional,ilusório. O céu e o inferno tornaram-se totalmente invisíveis;os deuses e demônios estavam mortos e enterrados, semexceção. Jung, cuja primeira intenção era a de estudar asCiências Naturais, e talvez, em seguida, a Medicina interna,tentou ser um cientista confiável – afinal, ele pensava queera isso que esperavam dele.M as, ao lado de tudo um antistes, ou presidente do conselho da isso, sempre houve, Igreja e pastor, e de seu avô paterno, que desde sua tenra infân- assumiu o cargo de reitor da universidade cia, uma influência onde ele dava aulas e foi também o grão- misteriosa que inicial- -mestre dos “maçons suíços unificados”.mente era invisível e quase imperceptível. Até corria o boato de que ele seria filhoEle foi criado por uma mãe dotada de natural de Goethe, fato que Jung come-capacidades psíquicas paranormais, até morava secretamente. Quando menino,mesmo mediúnicas, que levava seu filho Jung também vivenciou experiênciasa sessões espíritas organizadas por sua espirituais sob a forma de sonhos iniciá-família. Ele foi menos influenciado pela ticos bastante estranhos. No fundo, elepersonalidade relativamente apagada de sabia que era não somente um menino,seu pai do que pelas notáveis personali- mas também um velho sábio que já haviadades de seu avô materno, um linguista vivido em tempos mais antigos. Portanto,célebre, especialista em língua hebraica, não é de se espantar que ele tenha se 42 O legado de Carl Gustav Jung

ensaiotornado mais tarde um leitor ávido dos neste mundo, acreditamos com muita Nos desenhos e pinturas depensadores que o inspiraram como Nietz- firmeza que a felicidade vem do sucesso, Törsten Slama, as representa-sche, Goethe, Swedenborg, Schopenhauer, apesar de vermos que os grandes, como ções tradicionais se fundem comEckhart e Boehme, que percorreram, cada Cristo e os sábios de todos os tempos nos abstrações e imagens provindasum por sua vez, seu próprio caminho ensinam e nos mostram que precisamos do subconsciente. “Para os queiniciático. As conferências de Zofingen fazer exatamente o contrário. (...) Parece aspiram a iluminar seus coraçõesministradas por Jung refletem tudo isso que as pessoas se esqueceram disso e já e suas almas. Para os que estãobem claramente. Trata-se de palestras que não querem ser lembradas de que todas fatigados e para os desencoraja-aconteceram entre 1896 e 1899, quando as visões transcendentais do mundo são dos, para reconfortar seus espíri-ele estudava na Universidade da Basileia, pessimistas. Elas baniram todas as for- tos por alguns instantes. Se vocêque na época era uma cidade assom- mas de metafísica e se apegam com uma está buscando socorro, este ébrada pelo espírito de Paracelso. Nessas ingenuidade que chega a ser idiota aos o lugar”, ele escreveu comoconferências, também transparecia um belos discursos sobre uma ética livre de introdução à sua ficção. Essaspessimismo gnóstico, principalmente toda e qualquer metafísica, que pode se palavras valem também para suaquando ele diz: “Temos uma fé exagerada traduzir, é claro, por um otimismo dos arte, na qual algo assim como uma hipótese fluida ressoa a partir das diferentes esferas de consciência. (Publicação com autorização do artista). 43

mais exasperantes”. Retrato de uma esfinge ou de uma O rosto humano pode ser fechado,Esses propósitos realmente não são, de deusa de Micenas, na Grécia, entre mas em seu interior convergem asacordo com nosso modo de pensar, algo 1300-1250 a. C. (Museu Arqueoló- alturas do mais puro êxtase e as cor-com base no qual poderíamos esperar um gico Nacional de Atenas) rentes mais profundas do subconsci-futuro científico. Curiosamente, são os ente. Através dos séculos, milharespróprios cientistas (e estamos pensando de artistas modelaram o rosto, comoem Charcot, Janet, Breuer e, claro, Freud) um mundo dentro de um mundo noque descobriram o estranho fenômeno qual expressam o que vive dentro dodo inconsciente. Primeiro, esse conceito microcosmofoi definido como um subconsciente, O legado de Carl Gustav Jungcomo algo que é inferior ao pensamentoconsciente e que remonta a um passadolongínquo na infância, que retorna à su-perfície sob a forma de reações desvian-tes, comportamentos neuróticos e psicóti-cos. Exatamente como o mundo subjetivodos sonhos, esse inconsciente, que vemdo interior, perturba frequentementecada comportamento racional e, assimfazendo, é duramente rejeitado por nossaopinião racional e nossos pensamentosconscientes. Logo, quando a ciência daépoca estava redescobrindo o mundo dafé e da superstição, o subconsciente aindaera considerado algo que revelava uma es-pécie de doença mental. A doença mentalsomente poderia ser tratada e sanada pormeio da hipnose, pela análise dos so-nhos ou por exercícios de livre associ-ação. Wo Es war, soll ICH werden – ou seja:onde estivesse o subconsciente, deveriasurgir o consciente. Freud esperava queseu colega Jung se tornasse um represen-tante fiel desse lema e o considerava um 44

sucessor digno de confiança. Mas, depois e da imaginação. Assim, ele trouxe à vida Eu voltei, estou novamentede ter apoiado seu mentor durante mui- muitas imagens vazias de sentido e mor- aqui – eu sacudi de meustos anos, Jung mudou radicalmente sua tas, que pertenciam a um passado longín- pés o pó de todos os países econcepção a respeito do inconsciente. Seu quo. Nessa época, para explicar tudo isso, vim a ti, estou contigo; apóstrabalho na clínica Burghölzli, em Zurich, ele não dispunha de um quadro interpre- muitos anos de longa peregri-havia lhe mostrado claramente que existia tativo diferente do de Freud, que tradu- nação voltei novamente a ti.algo muito significativo nas vociferações zia cada símbolo em termos de energia Devo contar-te tudo o que vi,aparentemente insensatas dos pacien- sexual ou libido. Isso provocava profundo vivenciei, absorvi em mim?tes psicóticos e esquizofrênicos, e que conflito interior na alma de Jung, se- Ou não queres ouvir nada deseus complexos carregados de emoções melhante ao do herói da libido ou, em todo aquele turbilhão da vidacomportavam, na verdade, um significado termos míticos, do herói solar que, em e do mundo? Mas uma coisasecreto. Além disso, ele havia observado uma viagem noturna no mar, precisava precisas saber: uma coisa euenorme semelhança entre as representa- combater o monstro do inconsciente que aprendi: que a gente deveções improvisadas das pessoas doentes e, ele quase consegue matar. Nessa época viver esta vida.por exemplo, algumas imagens religiosas, ele foi assediado por energias obscuras, Esta vida é o caminho, oideias gnósticas e rituais dos Mistérios como forças estranhas e sombrias. Freud, caminho de há muito pro-da antiguidade. Convencido de que o que havia rejeitado com firmeza seu curado para o inconcebível,inconsciente não é somente um desvio “misticismo”, sentindo-se traído, resol- que nós chamamos divino.pessoal e subjetivo de uma realidade ob- veu bani-lo de seus círculos. Depois dessa Não existe outro caminho,jetiva, Jung acabou rejeitando a hipótese ruptura, Jung passou por grave depressão, todos os outros caminhos sãofreudiana. Ele passou a já não considerar que alguns chamaram de “doença criati- trilhas enganosas. Eu encon-o inconsciente um depósito de conteúdos va”, que o levou aos limites da psicose. O trei o caminho certo, ele merejeitados, mas sim um estado psicoló- mundo espiritual que ele havia conhecido conduziu a ti, minha alma. Eugico independente, capaz de produzir “inconscientemente” durante sua juven- volto retemperado e purifica-imagens pessoais transcendentes que tude, e que havia desaparecido por longo do. [...] Minha alma, contigodemonstraram ser as mesmas em épocas tempo, agora estava prestes a voltar à vida deve continuar minha viagem.e culturas diferentes. Como psiquiatra, o em sua existência como um elemento Contigo quero caminhar emais importante ainda era ter a esperança importante, mas também perigoso. subir para minha solidão. Foide que uma comunicação com as cama- Sem qualquer proteção, ele quis sub- isto que o espírito da profun-das profundas desse inconsciente pudesse meter-se ao mesmo estado de espírito deza me obrigou a falar e aocurar as doenças e os pacientes, ou pelo que o de seus próprios pacientes e assim mesmo tempo viver contramenos contribuísse para que eles pudes- passar por tudo o que eles haviam pas- mim mesmo, pois não o es-sem estar aptos para auxiliar a si mesmos. sado. Como todos sabem, foi nessa época perava. Naquele tempo estavaA partir daí Jung entrou no campo da (entre 1913 e 1916) que ele começou a ainda totalmente preso aopesquisa objetiva, rumo ao que ele escrever seu diário no qual, com lingua- espírito dessa época e pensavachamou inicialmente de “dominan- gem semi-religiosa, ele descrevia todos de outro modo sobre a almates do inconsciente” e, mais tarde, de os seus sonhos e suas visões. Esse diário humana. Eu pensava e falava“arquétipos”, tomando a direção de foi logo conhecido como o Livro Ver- muita coisa da alma, sabiaPlatão, Agostinho e das fontes herméticas. melho e foi publicado quase cem anos muitas palavras eruditas sobreDepois de realizar um estudo comparado mais tarde, com introdução e anotações ela, eu a analisei e fiz dela ume profundo das mitologias, da história fornecidas por Sonu Shamdasani. Assim, objeto de ciência. Não tomeida cultura e das ciências religiosas como esse livro contém o resumo das atividades em consideração que minhauma espécie de ciência física da psique, de Jung em busca de sua alma. Percebam alma não pode ser objeto deele estava pronto para seguir a energia a amplitude da honestidade desta con- meu juízo e saber: antes, meupsíquica que se oculta por detrás da cri- fissão: “Minha alma, onde estás? Tu me juízo e saber são objetos deação dos símbolos, por detrás da fantasia escutas? Eu falo e clamo a ti – estás aqui? minha alma. Por isso obri- 45

gou-me o espírito da profundeza a falar de seu próprio mundo irracional, como Parapara a alma, a invocá-la como um ser vivo em um sonho ou uma visão profética, Jung erae subsistente em si mesmo. Eu tinha de e outra que serve de proteção contra o importanteentender que havia perdido minha alma”. perigoso domínio do inconsciente. Na dialogarEsses suspiros provêm do fundo do cora- verdade o mundo psíquico parecia ser diretamenteção de Jung: eles são seu grito de liberta- para Jung como algo muito ambivalente: com asção da prisão científica da época. Nesse li- ao mesmo tempo como uma mãe positiva correntesvro impressionante, podemos ouvir o eco e geradora de vida, mas também como de energiadas grandes obras da literatura mundial, uma madrasta aterradora e voraz, sempre inconscientesmas é, sobretudo, a linguagem gnóstica à espreita da jovem consciência do egoque aí está expressa. Jung havia lido os nascente. Era a natureza interior em suabelos salmos gnósticos que lhe haviam forma mais dualista e errática. Jung viasido enviado pelo teósofo G.R.S. Mead. nessa natureza a fonte criadora das reli-Muitos anos mais tarde, Jung o visitou giões, dos dogmas e dos rituais religiosos,em Londres para agradecer-lhe pessoal- representada antigamente pelas igrejas ins-mente pela excelente tradução e publica- titucionalizadas que, além disso, haviamção desses textos gnósticos. É importante imposto uma crença coletiva.observar que Jung chamava de “verdadei- Nesse momento em que as instituiçõesros amigos” todos esses gnósticos que o haviam perdido, em grande parte, seuhaviam auxiliado nessa descida solitária impacto sobre a consciência das pes-até as profundezas do inconsciente. No soas, era importante para Jung entrar ementanto, nessa época, ele ainda não con- diálogo direto com as correntes de ener-seguia compreendê-los totalmente, pois gia inconscientes. Era necessário vivenciarlhe faltava conhecer o elo indispensável um confronto pessoal, a fim de que ele seda Alquimia, que ele descobriu somente tornasse uma pessoa autônoma e inteira,bem mais tarde. um indivíduo em equilíbrio com seuEle considerava os gnósticos os primei- consciente e com seu inconsciente. Jungros psicólogos a ter verdadeiramente estava convencido de que isso somentecompreendido e traduzido os impulsos seria possível por meio de um processodo inconsciente a partir de uma visão de integração (que ele chamava de “indi-mitológica do mundo, muito mais rica viduação” – ou em alemão Selbstverwirk-que a da Igreja Católica com seus dogmas lichung). Esse processo deveria começarrígidos. Em seu Livro Vermelho, encon- pelo desvelamento de inúmeras máscarastramos também o conceito da formação da personalidade – o comportamento so-da teoria junguiana, já designada pela cial e moral, determinado pela influênciaexpressão de “Psicologia Analítica”. da imaginação coletiva – e continuar, noTendo essa nova teoria como base, ele decorrer de um processo de imaginaçãofundou, em 1916, seu próprio “Clube ativa (a ativação da formação pessoal dode Psicologia de Zurich”. Pouco depois símbolo), pelo confronto com as forçasda guerra, ele a apresentou pela primeira obscuras da consciência primeiramentevez no exterior, em Londres, depois de ter individual e depois coletiva, reconhecidaviajado para a Cornualha e para o oeste da como figura de sombra, que é preciso serInglaterra, onde a lenda do Graal sempre integrada.está viva. A Psicologia Analítica nasceu da Em seguida vem a luta com a dualidadeconfluência de duas correntes, sendo que da vida: para um homem, isso significauma surgiu diretamente das profundezas um combate com a anima ou o duplo 46 O legado de Carl Gustav Jung

feminino; para uma mulher, com o animus tificações, e sobretudo sem que o ego variadas fontes. Retirando-asou o duplo masculino. Em outros termos, se confunda com o ser, é que podemos de seu cenário metafísico,trata-se das projeções de nossa própria atingir o objetivo tão esperado da cura ele conseguiu explicar essasalma polarizada e, de maneira mais geral, pelo “tornar-se Um”. E, é claro, isso so- verdades com uma linguagemda vida com toda a sua ambiguidade. mente pode resultar de um processo con- específica que todos podiamMais tarde adquirimos a capacidade de tínuo de diferenciação e de integração. compreender facilmente: areceber lições do “velho sábio”, ou da Armado com esses novos conceitos linguagem da Psicologia daspersonalidade-Manas e do arquétipo do psicológicos do funcionamento do Profundezas. Mesmo cor-espírito que age nos bastidores – tudo inconsciente, Jung acreditava que havia rendo o risco de reduzirisso correndo o risco de nos tornarmos conseguido uma chave importante com a tudo isso a um ponto desubmissos ou de nos identificarmos er- qual podia abrir portas que haviam ficado vista psicológico, ele tinha aroneamente com esse arquétipo. fechadas por muito tempo. Ele tornou intenção secreta de romperÉ somente pela realização do ser pessoal, acessíveis ao homem moderno antigas com a visão restritiva e obtusaao transformar e introjetar as energias verdades, recolhendo e comparando do homem moderno e, acimaque correspondem a todas essas iden- dados empíricos que coletara nas mais de tudo, tornar acessíveis ao 47

Cabeça. Modigliani criou Mesmo que a astrologia, o tarô e oesta escultura em 1909, I-Ching são discutíveis de um pontoextremamente influen- de vista psicológico e científico, Jungciado pelas máscaras os apresentou de modo objetivoétnicas africanas, quesugerem um mundointerior animadogrande público livros espirituais como O O legado de Carl Gustav JungLivro Tibetano da Grande Libertação, O Segredo daFlor de Ouro e outros tratados alquímicosmedievais como Aurora Consurgens e RosariumPhilosophorum. De um modo objetivo eneutro, quase como um profano, sem quealguém suspeitasse que ele poderia serum propagandista ou um camponês dealma simples, ele conseguiu revalorizaro estudo astrológico dos horóscopos, autilização das cartas de tarô e o I-Ching.Com a mente totalmente aberta e im-parcial, Jung foi quase a figura centraldas Conferências Eranos em Ascona, quereuniam os estudiosos mais polêmicos deseu tempo, como James Hillman, HenryCorbin (o especialista em gnósticos co-memorado recentemente em Amsterdã),Gilles Quispel e muitos outros, vindos dasmais diversas disciplinas.Além disso, ele procurou encontrarsoluções para curar o homem ocidental esua cultura. Como um verdadeiro médicoda alma, ele queria curar os ferimentos deAmphortas, o rei da lenda do Graal. Nadoença desse rei pescador ele reconheciaa doença de seu pai, o pastor da paróquiaque sofria seriamente com suas própriasdúvidas religiosas e parecia não conseguirreconhecer a graça da experiência vivado Espírito Santo, que Jung, de maneiramuito direta e pessoal, achava que haviarecebido. E mais: ele buscou sua inspi-ração em grande parte no simbolismo 48