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Revista Pentagrama 2008-3

Published by Pentagrama Publicações, 2016-06-13 21:24:55

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pentagrama Lectorium Rosicrucianum Nada muda... A Gnose árabe de Sohravardi O livro da iluminação A criação, um espelho… A esfera melodiosa da música2008 3JunhoNÚMERO

Redação Revista Bimestral da EscolaC. Bode, A.H.v.d. Brul, I.W. v.d. Brul,A. Gerrits, H.P. Knevel, G.P. Olsthoorn, Internacional da Rosacruz ÁureaA. Stockman-Griever, G. Uljée,P. Huijs (editor responsável) Lectorium RosicrucianumEndereço da Redação A revista Pentagrama propõe-se a atrair a atenção dePentagram, seus leitores para a nova era que já se iniciou para oMaartensdijkseweg I, desenvolvimento da humanidade.NL – 3723 MC Bilthoven, Holanda. O pentagrama tem sido, através dos tempos, o sí[email protected] do homem renascido, do novo homem. Ele é também o símbolo do Universo e de seu eterno devir, porEdição Brasileira meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-Editora Lectorium Rosicrucianum to, um símbolo somente tem valor quando se torna realidade.O homem que realiza o pentagrama em seuAdministração, assinaturas e vendas microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, está noCaixa Postal 39 caminho da transfiguração.13240-000 – Jarinu – SP A revista Pentagrama convida o leitor a operar essaTel: (011) 4016-1817 revolução espiritual em seu próprio interior.Fax: (011) 4016-5638www.lectoriumrosicrucianum.org.brEditada nos seguintes idiomasHolandês, Português,Alemão,Espanhol, Francês, Grego*, Húngaro*,Inglês, Italiano*, Polonês*,Russo*, Sueco*A revista é editada 6 vezes por ano(*Editada 4 vezes por ano)Lectorium RosicrucianumSede no BrasilRua Sebastião Carneiro, 215, São Paulo, [email protected] em PortugalTravessa das Pedras Negras, 1, 1º, [email protected]© Stichting Rozekruis PersProibida qualquer reprodução semautorização prévia por escritoISSN 1677-2253

p e n t a g r a m a Ano 30 número 3 junho 2008Todos os que querem nos ligar outra vez com a grande luz da Sumárioqual saímos outrora falam a linguagem da alma. É a linguagem queos iluminados aplicam também na poesia e na música. Fala-se que, a gnose árabe em três contos deno fim dos tempos, os filhos da luz tocarão uma música perfei- Sohravardi – contribuição da Alemanha 2ta para seu criador. Eles entoarão todos os temas da maneira nada muda… – do lado de lá da vida,correta. Haverá harmonia perfeita. Cada um reconhecerá a tarefa do lado de cá da morte – contribuição dado outro dentro do coração como ele mesmo será reconhecido, França 7e todos entenderão perfeitamente as intenções da luz. a criação, um espelho… – contribuição da Holanda 18Nessa edição da pentagrama, Sohravardi,Tolkien e Ko Juan a esfera melodiosa da música – contribuiçãodescrevem essa idéia brilhante. Beethoven, Ravel, Satie e outros da Suíça 24ligam-nos com o efeito da música na alma. a verdadeira virtude – J.A. Blok 36 o livro da pureza – Ko Chuang 39Um relato minucioso sobre experiências de quase-morte mostra o mistério do coração 43como transcorrem os momentos misteriosos do falecimentohumano. Esses artigos compõem este número de nossa revista. Capa: Há uma tradição árabe que, depois de séculos, guarda o tesouro da gnose hermética. O poeta e filósofo Sohravardi, dotado de conhecimento direto, ousou, no século XII, abrir largamente as portas desse espaço secreto – e teve de pagar com sua vida. tijd voor leven 1

a gnose árabe em três contosExiste uma linguagem universal feita de símbolos e imagens que se dirige não só aointelecto, mas sobretudo à alma que desperta. No século XII, o gnóstico persa AlSohravardi Shihab al-Din Yahya (1154-1191) era mestre nessa linguagem. Ele conta, emvários relatos, como as almas humanas outrora caíram nas trevas e como podem, porfim, retornar ao país da luz.Sohravardi nasceu no vilarejo de Sohravardi, Aristóteles e nas doutrinas neoplatônicas, uma a noroeste do Irã, e estudou nas cidades metafísica mesclando a herança da Antiguidade de Marâgheh e Isfahan, na Pérsia, depois aos conceitos islâmicos. Entre suas mais impor-viajou para o sudeste de Anatólia, onde foi tantes obras estão seus quatro tratados filosófi-recebido na corte dos seljúcidas e travou conhe- cos, nos quais ele elabora pormenorizadamentecimento com príncipes e soberanos. Em Alepo seu ensinamento, a saber: O livro das indicações, Oele conheceu o governador da cidade, filho do livro das réplicas, O livro dos caminhos e dos diálogospoderoso Saladino, famoso no Ocidente desde e A filosofia da iluminação. Neste último eleas cruzadas. elabora mais detalhadamente seu conhecimento da luz por meio de vocabulário e métodoO pensamento de Sohravardi está fortemente próprios. Ele afirma que essas quatro obrasimpregnado dos ensinamentos de Hermes. O representam um desenvolvimento progressivomundo das idéias de Platão ocupa aí um lugar da filosofia lógica rumo à filosofia intuitiva.especial, bem como, é claro, o dos mestressufistas da Pérsia. Esse grande mestre e pensador O segundo grupo de escritos compreendebaseou-se nas doutrinas do famoso Avicena, as relatos essencialmente simbólicos. Ele narra aquais completou. Sohravardi instituiu também viagem da alma durante as etapas da realizaçãouma escola de Ishraq (Iluminação). Nela, ele pessoal. Imagens magníficas são usadas emelaborou com seus alunos sua filosofia da luz. relação a algumas premissas de sua filosofia daEm 1183, ele foi a Alepo, onde acabou sendo iluminação, enquanto ele tenta descrever suapreso e executado aos 37 anos em virtude de visão intuitiva fundamental.suas convicções religiosas não-ortodoxas. No O terceiro grupo contém tratados curtos, comomundo islâmico ele é chamado xeique al-Ishraq, por exemplo, Os templos da luz, onde ele apre-que quer dizer, mestre da iluminação (ou da senta sua filosofia sob uma forma mais simples.luz). Podemos extrair deles um conjunto de reflexões acompanhadas de orações.O SABER INTERIOR Sohravardi possui, como A própria essência da filosofia de Sohravarditestemunham seus escritos, o saber interior, o pode ser resumida da seguinte maneira:conhecimento do coração. Ele sabe ligar esse conhe- • trata-se de um conhecimento sempre atual,cimento do coração à profunda erudição de um • conhecimento da atualidade (divina),filósofo do século XII. Como filósofo, ele segue • a consciência do verdadeiro eu (o conheci-seu célebre predecessor, Ibn Sina, conhecido mento do coração, a gnose).no Ocidente pelo nome de Avicena, morto em Cada ser capaz de ter acesso a esse1037. Avicena havia elaborado, com base em conhecimento é “uma luz pura”.2 pentagrama 3/2008

de sohravardi contribuição da Alemanha a gnose árabe em três contos de sohravardi 3

“O exílio ocidental” é a expressão usada por Sohravardipara designar o aprisionamento da alma humana nomundo que não é sua pátria originalSer simplesmente uma luz pura e incorrupta levar à fronteira da consciência superior. Umasignifica possuir uma conhecimento do consciência assim aparece quando nos voltamosverdadeiro eu, como ser verdadeiro e divino. para a luz. Ele trata da queda da alma nas trevas,Segundo Sohravardi, tal consciência pode ser dito de outra maneira, de seu banimento.atribuída não apenas a todas as entidades auto- Sohravardi, em sua qualidade de arif (aquele queconscientes, mas também a Deus mesmo, de sabe), está incluído entre os gnósticos.quem emanou a “Luz das luzes”. A consciênciae a intensidade de sua luz contém todas as Já no século IX era possível obter escritoscoisas. Sohravardi não coloca o coração no lugar baseados na filosofia hermética e traduzidosdo intelecto; seu ponto de partida é a emanação para o árabe. Sohravardi fez um estudo apro-da nova alma, da consciência superior, ou seja, fundado deles. Em O farfalhar das asas de Gabriel,da nova razão. O caminho de libertação é um encontramos três de seus contos que mostramcaminho interior que nós abordamos, sem especialmente os laços e correspondênciasdúvida, primeiro pelo intelecto, e que acaba por entre suas próprias concepções e o pensamentoTrês relatos caminho compreende “sete mara- namento interior do Islã, e contém vilhas”. Ele começa com a travessia imagens astronômicas e alquímicas.Cada relato apresenta uma pers- das esferas do Universo e termi- Esse relato fala do aprisionamentopectiva diferente. O primeiro, O na na metamorfose da alma que, da alma humana em um mundo,farfalhar das asas de Gabriel, trata da tendo superado o mundo material, denominado “exílio ocidental”, queconstrução do macrocosmo e do reencontra a fonte da vida. Esse não tem nada em comum com sualugar do homem na criação divina. caminhar é representado por meio pátria original. Associam-se aí umaEle fornece imagens do mundo de imagens e peripécias extraí- geografia interior imaginária, em queextraídas dos gnósticos neoplatô- das da mitologia da Pérsia antiga. países e regiões do mundo islâmiconicos e herméticos. A figura central Reencontramos aqui, por exemplo, da época simbolizam as etapas deé o anjo Gabriel, também chamado os célebres heróis Rostam e Esfan- retorno à pátria original.Também“Verbo Divino” e “Espírito Santo”. dyâr, a clássica montanha de Qâf, e nesse conto há inúmeros ensina-Suas asas representam o mundo da Simorgh, o pássaro místico. mentos gnósticos a serem coloca-luz e o mundo material das trevas. O simbolismo do terceiro conto, O dos em paralelo com uma fonteNo segundo relato, O arcanjo púr- relato do exílio ocidental, provém em gnóstica bem conhecida: o Hino dapura, Sohravardi descreve o retor- grande parte do sufismo, o ensi- Pérola do Evangelho de Tomé.no da alma de luz, o “pássaro daalma”, à sua pátria, o país da luz. O4 pentagrama 3/2008

hermético. Esses escritos mostram bemque ele não é apenas um filósofo, mastambém um homem engajado, sério erealista, que sempre insiste no conheci-mento atual, no presente vivo, que surgegraças a uma compreensão interior,profundamente vividos, que a seguir serãotambém captados pela razão. No entanto,o erro não está excluído. Neste ponto,Sohravardi abandona seus predecessorese segue seu próprio caminho, o do “saberdo coração”. A essência de sua mensagemé a seguinte: o homem que busca averdade deve entregar sua alma à luzdivina, colocá-la totalmente nessa luz.O mundo das almas Os relatos deSohravardi são inteiramente alegóricos.Cada frase, cada símbolo, é escolhidoconscientemente com o objetivo deexpressar metaforicamente seu próprioensinamento. Quem quer que se atenha aesse ponto descobre que as imagens e ascomparações não são colocadas umas aolado das outras de maneira arbitrária paraesclarecer algum ponto do ensinamento.O leitor entra em um mundo que nãotem nada a ver com o que ele conhece,um mundo que se esconde por trás dossímbolos e leva à vida. Sohravardi nãotem a menor dificuldade em andar nessemundo da alma para exprimir sua verdadeinterior.Mas esse tipo de transmissão apresentava a gnose árabe em três contos de sohravardi 5

perigo. Na sociedade de seu tempo, era arriscado retratar, sem véus, as cenas simbólicas que ele descreveu; isso podia levá-lo a ser irremediavelmente persegui- do como não-ortodoxo. E, mesmo sob o véu dos símbolos, era, ao que parece, muito audacioso naquela época sustentar o ensinamento da pré-existência da alma e da queda da alma humana. Essas noções gnóstico-herméticas foram consideradas subversoras, heréticas, e Sohravardi, então ainda jovem, teve de pagar com a vida por sua audácia µ Het ruisen van Gabriëls vleugels, (O farfalhar das asas de Gabriel): três contos de Sohravardi, o mestre da iluminação, traduzidos e comentados por Bettina Löber. Haarlem: Rozekruis Pers, 2008.6 pentagrama 3/2008

nada muda... contribuição da FrançaOs testemunhos de “quase-morte” revelam nada muda… 7experiências extremas que indicam que apósa morte do corpo a vida continua. Mas osuniversos que descobrimos são paraísos,mundos divinos, campos de ressurreição doverdadeiro homem, o homem divino?E xistem atualmente diversos testemunhos de experiências feitas “além do véu” e muitas obras abordam esse tema. Com base nessasexperiências a pessoa tenta, por exemplo, sabercomo se parecia antes de seu nascimento (o“renascimento” e a regressão hipnótica permitemconhecer as vidas anteriores) ou ainda descobriroutras dimensões graças à utilização de seus dife-rentes veículos (corpos etérico e astral) e, graças aeles, empreender viagens ao “Além”.Às vezes a passagem é forçada por meio de drogas,hipnose, ou mediante o estímulo dos “sete portaisdos chacras”. Certos “guerrilheiros do astral”esforçam-se por visitar outros planetas e encon-trar seus habitantes, ou querem ler na memória danatureza, o Akasha, e descobrir os diversos mun-dos sutis e seus grandes mestres, assim como ospovos subterrâneos, os reinos paralelos aos nossos,os elementais (elfos, silfos, gnomos, salamandras),os devas ou espíritos-de-grupo dos reinos mine-ral, vegetal e animal.Por volta de 1930, o doutor John Lilly (1915-2001) já havia consagrado sua vida a experimen-tar e descrever “estados alterados de consciência”,utilizando-se da hipnose, do LSD e tambémde diversas formas de meditação, e estabeleceuuma “geografia da consciência”, espécie deautobiografia do espaço interior.1 Tudo isso,portanto, não é de fato novo, pois sempre exis-tiram grupos para os quais a vida no Além é oobjetivo supremo de suas “iniciações”. Um livrocomo o Bardo Thodol, por exemplo, o livro dosmortos tibetano, é até mesmo completamente

consagrado ao acompanhamento dos mortos no trata-se geralmente de uma plenitude, de umAlém. Mas atualmente, com o desenvolvimento derradeiro refúgio de paz. Mas se os fenômenosda medicina e da cirurgia e com o aumento dos de quase-morte fora do corpo são por naturezaacidentes de carro, vemos crescer o número dos bem similares aos outros fenômenos de divisão daque passam pela experiência de quase-morte, o consciência, vividos com conhecimento de causaque os anglo-saxões chamam, com pesquisadores por esoteristas e ocultistas, este artigo tem umcomo Moody, Sabom e Ring, de Near Death interesse particular pela EQM, e sobretudo pelasExperiences (NDE), experiência de quase-morte pessoas que a experimentaram, pois, isentos de(EQM). Paralelamente, vemos o desenvolvimento qualquer dogma, são por assim dizer livres bus-de “acompanhadores”, versão moderna dos “que cadores, habitantes temporários de um país quepassaram” para o outro mundo. No processo entreviram, do qual têm a lembrança e para ondenatural que representa a morte, essa passagem desejam voltar.para o outro lado do véu é, para muitas pessoas, As descobertas que as EQMs nos permitem fazerretardada por uma cirurgia ou cuidados médicos, são de fato múltiplas e ricas, sendo a primeiraque trazem o viajante de volta para o lado de cá, delas certamente a de que existe um Além depoisdepois de ele já haver feito uma entrada no outro de todo sofrimento físico e medo; e que no mo-lado. Quando volta, o viajante não se lembra mento de renunciar à vida, no próprio momentototalmente do que acabou de descobrir (em parte do absoluto “deixar ir”, oscilamos numa espécieporque antes de voltar ele tomou como que “um de serenidade onde já não há nem sofrimentogole de esquecimento” e em parte porque sua nem medo, mas paz; nosso ser não se desagregaexperiência é intransmissível, estando além das inteiramente no nada, há uma diminuição de suapalavras e possibilidades dos estados ordinários densidade, um tipo de dissociação da nossa partede consciência). Mas ele sabe que acabou de física, enquanto a parte mais sutil permanecevivenciar uma experiência extraordinária, que consciente.não é nem intelectual, nem devida a drogas ou Experimentamos a maravilhosa sensação de flutu-a alguma técnica de meditação qualquer. E para ar acima do corpo físico, abandonado à sua sorte,a maioria deles, trata-se da mais impressionante com um sentimento de liberação e de indiferença.e fundamental experiência de sua vida, que os Enquanto os outros viventes nos vêem nummodificará. estado de coma aparente, somos de fato bastanteExiste agora e cada vez mais, para qualquer pessoa perceptíveis, entendemos e tentamos falar comcomum, crente ou não, a certeza de que há, mal eles, mas já não podemos nos comunicar comou bem, após a morte, um continuum, um depois, eles. Somos animados com pensamentos positivosoutro “algo”, que não se parece com nada em que por todos os seres e, em relação aos que aindaacreditavam ou lhes foi ensinado, e que além disso nos são caros, lamentamos a tristeza que está8 pentagrama 3/2008

cada movimento, cada desenvol-vimento, cada passo deixa suasmarcas, porém...por vir, ao mesmo tempo em que nos sentimos anteriormente, e dentro dele já não temos ne-enfim libertos do medo da morte e das limitações nhuma referência. Esse Além, onde não existemterrestres. Os vivos nos parecem então bem painéis indicadores, é o mundo surpreendentemais mortos que nós e sentimos pena pelos que da vacuidade e da plenitude, da consciência deainda duvidam e estão limitados à vida terrestre. algo que somos e bem mais do que nós, de umaAlgumas pessoas ainda se comunicam às vezes consciência global impessoal, sem desejos, enfimcom entes queridos, amigos ou parentes mortos do sentimento de haver finalmente escapado aoque os acolhem com imensa ternura. tempo e ao espaço, encontrando-nos não no nada ou na nulidade, mas, de forma perfeitamenteSOMOS ILIMITADOS? Além dessas considerações lógica, na presença do “Isso”. E nos perguntamosiniciais, fazemos experiências mais fundamentais. como pudemos ter no passado ignorado essaParece-nos que nosso “ser” não tem realmente evidência, no entanto tão próxima de nós!nenhum limite, estando ao mesmo tempo em Existem ainda muitas outras percepções possíveis,parte alguma e em todos os lugares, em cada mas elas são as mais freqüentes e ficam presentesrecanto do universo. Sentimos que cada parte do na memória na forma de traços quando da cha-universo se comunica com todas as outras, for- mada à vida terrestre pelos médicos, retorno quemando um único grande todo orgânico, onde o pode ser feito contanto que o “cordão prateado”que é grande ou pequeno já não faz sentido, que da vida não tenha se rompido. Uma vez trazidoestamos abarcados nesse grande todo e compreen- de volta à vida terrestre, em geral contra suademos todas as coisas. Experimentamos a não- própria vontade consciente, o experimentador,dualidade, a não-separação. Desde então, nossos acalmando-se, questiona se esse estado de cons-pensamentos humanos nos parecem totalmente ciência era o paraíso, o nirvana, o purgatório, arelativos: o santo e o assassino já não se diferen- harmonia das esferas ou outra coisa. Ser supra-ciam aos nossos olhos, pois amamos tudo e todos terrestre e atemporal que é, nova borboleta, ele secom o mesmo amor universal.Temos também sente embrutecido, comprimido em seu envelopeum sentimento de onisciência, conhecimento carnal, do qual já acreditava ter se livrado, e queque não é intelectual, mas que está ligado ao fato lhe parece, por comparação, tão estreito.de que estamos no todo. Esse todo é também Ele virou lagarta novamente! Ele teria muitapluralidade, e principalmente amor. Esse amor é vontade de voltar “para lá”, a vida aqui em baixouma música de beleza e harmonia indescritíveis, lhe parece uma ilusão, uma prova a passar. Masdentro da qual tudo parece se banhar e se nutrir. tendo quase morrido, ele já não teme a morte.Como quase-mortos, já não estamos nem no Tendo-a visto de frente, ele perde a dúvida etempo nem no espaço, estamos num Além onde o medo, essas duas maldições fundamentais donão há nada de comparável ao que conhecíamos homem.2 nada muda… 9

O PONTO DE VISTA DA FÍSICA Apesar de não quererem enxergar os fatos, os físicos têm a obrigação de reconhecer que há séculos os gran- des místicos de todas as religiões experimentam estados extremos, desafiando as leis ordinárias do mundo material. Esses estados, antigamente enaltecidos como santidade pelo culto dominante da época ou denunciados como bruxaria por outros cultos ou outras tendências, são hoje englobados sob o vocábulo mais seguro de “parapsicologia”. Os seres que fazem esse tipo de experiências parecem de fato penetrar “o real” de uma matéria desconhecida e inacessível ao mortal comum. Eles parecem ter experimentado sensações, níveis de consciência que costumamos designar timidamente de “êxtase” (o que não está errado, pois etimologicamente a palavra evoca uma saída de si mesmo, ou seja, fora de si ou da consciência-eu). É fato notório que o resultado dessas explorações levam a uma profunda modi- ficação de suas personalidades. Certos cientistas puderam ver aí um método de abordar de forma não-convencional “a realidade”, violentando-a, de alguma forma, por meio de um método que, além do mais, não é científico, pois é impossível de ser reproduzido pelos experimentadores. Imprevisível e impossível de ser reproduzida, essa forma de conhecimento extática fora de padrão é portanto negada, senão condenada, pelos que não podem Pierre Alechinsky, serigrafia: De baixo para cima (p.7) e De cima para baixo representam bem o movimento das duas esferas de consciência entre o Aquém e o Além de nosso mundo.10 pentagrama 3/2008

…que significam esses traçosque um golpe de vento apaga?praticá-la por conta própria. Os cientistas inven- (em mais de um lugar). Só podemos falar, portan-taram, então, outra realidade, talhada na dimensão to, de probabilidade, e é o experimentador que,estrita dos limites do homem materialista e de observando-a ou medindo-a com certa intenção,seu maior atributo, o córtex cerebral. Mas essa “faz passar” a partícula para este ou aquele estadorealidade científica não seria agressiva, visto determinado. Nesse estágio, vale mesmo dizer queproceder essencialmente por análise, quer dizer, é a consciência do observador que determina aetimologicamente por cortes, pela separação das medida da partícula, se não a própria partícula. Apartes de seu todo? E portanto, mesmo no campo esse respeito, a fórmula de John C. Lilly tornou-dessa abordagem científico-analítica, o conceito se famosa:“No domínio da consciência, o que“realidade” não resiste ao exame da microfísica acreditamos é verdadeiro ou torna-se, mas dentro(a física quântica)3. de certos limites descobertos experimentalmente; e esses limites são, por sua vez, artigos de fé que éNÍVEIS DE CONSCIÊNCIA De fato, hoje muitos preciso ultrapassar. O Espírito, ele, não tem limite.”pesquisadores da ciência concordam que mais À intromissão perturbadora da consciência navaleria falar de “diferentes níveis de realidade”, física de ponta junta-se outra intromissão, muitoexpressão que se parece, aliás, muito com “níveis mais natural na aparência, mas cujas conseqüênciasde consciência”. A definição da consciência está são maiores: a do conceito de “informação”. Aindissociavelmente ligada à da realidade: é apenas informação está ligada ao conceito de desordem,a consciência que nos permite perceber e analisar quer dizer, à entropia. Um universo fechado, queo que chamamos de real. Essa observação é ainda se desconecta de seu meio ambiente, se degrada,mais importante quando um número considerável se empobrece, e vê portanto sua desordem au-de teóricos da mecânica quântica admitem atual- mentar. Expressaremos isso dizendo que a entropiamente que, para a física, a consciência do experi- de um sistema isolado aumenta continuamente.mentador interage e participa das medições, sem Se o universo é um sistema isolado anisotrópicoconseguir determinar o que é a consciência, além (cujas propriedades não são as mesmas em todas asdo que já se sabe. De fato, em mecânica quântica, direções) sua desordem intrínseca deve, portanto,se determinamos com precisão a posição de uma sempre crescer, e se o homem, esse microcosmo,partícula, sua velocidade permanece indetermina- esse pequeno universo, se separa de seu universoda, e vice-versa. É o famoso princípio da incerte- natural e de sua fonte própria, de seu cosmo eza. É impossível medir simultaneamente grandezas seu microcosmo, acontece o mesmo com ele.conjugadas dessa partícula, tais como energia e Podemos concluir que aderir à informaçãotempo, ou posição e velocidade. Na realidade, no equivale a restabelecer estruturas de ordem. Para onível quântico, uma partícula possui grande nú- ser humano comum que aceita se limitar ao quemero de estados ou está simultaneamente presente acredita ser sua pequena vida terrestre, religar-se nada muda… 11

na areia, aqui e ali, traços de algo completamente novo…à informação da natureza superior traz de volta a podemos considerar nosso mundo cotidianopossibilidade de frear sua desordem, impedir que como um buraco negro onde nem a verdadeiraa desordem se instale dominante e restabelecer luz nem a informação total podem penetrar.uma estrutura de ordem mais elevada. Quem ousa Nosso corpo físico, com seu cérebro e seus órgãos,assim transcender seus limites participa de uma seria também um miniburaco negro. O universoordem superior, que o transporta muito além de “superluminal” (tudo que tem uma velocidadesua própria desordem. Isso pode caracterizar um superior à velocidade da luz) e, portanto, a cons-êxtase. ciência superluminal estariam situados fora desseEnfim, mais um pilar fundamental da física está buraco negro. E a fronteira entre o buraco negrohoje seriamente abalado, tendo em vista a tese dos e o resto do universo seria a própria barreira datáquions, que seriam partículas mais rápidas do luz. Nessa abordagem, quando os laços que retêmque a luz, cuja velocidade seria a fronteira ins- a consciência no mundo subluminal (as interaçõestransponível que serve de base para a atual visão córtex cerebral/consciência, portanto) se libertamcientífico-cosmológica do mundo (e sobre a qual um após o outro, como o fazem na hora da morte,foi construída a Teoria do Big Bang...).4 resulta, para os “quase-mortos”, a muito curiosaAceitar essa tese significa sacudir toda a edificação sensação de se evaporarem de seus corpos; essacientífica. No entanto, cada vez mais cientistas sensação está associada a uma impressão de bem-ousam encará-la. A maior conseqüência da ultra- estar muito explicável, pois a consciência, livrepassagem da constante da velocidade da luz é a do corpo, deixa de receber os influxos dolorososperda do sentido da ligação espaço-tempo.Tendo provindos do mundo físico. Ao longo das fasesultrapassado a barreira da luz, já não existe tempo transcendentais seguintes, a consciência transpõe aa uma velocidade infinita, já não há nada além barreira da luz (a zona obscura: a famosa passagemde espaço infinito. Passado, presente e futuro se pelo túnel) e aborda o mundo “superluminal”confundem e todos os nossos referenciais clássicos onde ela se vê tomada por impressões novas ese evaporam, tornando possível e explicável o inefáveis. Os sentimentos de onisciência e onipre-que atualmente é impossível e inexplicável. O sença seriam facilmente explicáveis se admitísse-mundo conhecido, tal como nossos sentidos nos mos que é a consciência-matéria “superluminal”apresentam, nada seria além de uma ínfima parte que constitui a realidade profunda e primordial doda realidade.Todos os universos situados além mundo. Nosso universo subluminal e nós mesmosda barreira da luz, e animados por velocidades em nossa corporalidade nada seríamos senãoinfinitamente superiores a ela, nos são totalmente um reflexo holográfico dessa realidade superior,desconhecidos em nossos estados “normais”, reflexo deformado e empobrecido. No universoportanto subluminais e tridimensionais. Se es- global “superluminal”, todos os eventos se produ-tabelecemos uma comparação com a astrofísica, ziriam simultaneamente, já que o tempo deixa de12 pentagrama 3/2008

existir e é eterno. A consciência, nesse universo, elas nascem e depois morrem. Para a humanidadetem acesso instantâneo às informações sobre todos como um todo, a sucessão quase eterna dos nasci-os eventos de uma vida humana e provavelmente mentos, vidas e mortes faz pensar numa roda quea muito mais. Sob esse ponto de vista, a imagem gira incansavelmente em torno de si mesma. Masou holograma, que é o ponto de referência do o homem é um indivíduo consciente, para quem anosso universo subluminal, já não tem nenhuma fundamental mudança de estado no momento daimportância no universo superluminal (uma vez morte é uma prova. A consciência é uma liga, umaque podemos nos considerar como hologramas, cola formidável que une todas as células do corpofranjas de interferência de ondas positivas e de em harmonia com nossos pensamentos e emo-ondas negativas, portanto de luz e sombra). Nesse ções. Graças a ela formamos um todo coerente,universo existe algo de totalmente “outro”. É capaz de se autodeterminar e mover na correntepreciso portanto nos despirmos de todo antropo- da vida. A morte vem romper esse belo conjunto,morfismo a fim de entrever essa realidade global que nos permite atuar, tomar posições e ter umque é de fato a “outra realidade”. Isso nos parece comportamento conseqüente. A parte densa, física,difícil, mas diversas iniciações e, em parte, certas é despojada, mas a consciência segue, com a parteexperiências próximas da morte apontam nessa sutil, seu caminho no éter do mundo, não até adireção. eternidade como alguns poderiam pensar, mas também nesse caso por um tempo determinado, eO PONTO DE VISTA DA ROSACRUZ ÁUREA Com- não significa só felicidade e bem-aventurança.preender a morte é trazer sentido à vida! Aproxi- A Rosacruz sempre se comprometeu a explicarmar-nos da morte... nos remete a essas questões o que se passa após a morte. A morte acontecefundamentais que não nos propomos senão nesse quando ocorre a ruptura entre o princípio ani-momento: Quem sou eu? De onde venho? Qual mador e o organismo. Deixado para trás pelo seuo sentido da vida? princípio animador, o organismo, o veículo mate-O restante do tempo nos deixamos “acinzentar” rial composto de células e átomos, decompõe-se.pela vida... ocupando-nos com vários e intermi- Esse veículo material é dotado de um corpo sutil,náveis desenvolvimentos. Mas, num dado momen- o duplo etérico ou corpo vital, que o ultrapassato e de forma irredutível, a morte chega, impondo em alguns centímetros. O princípio animador ésua lei, para a qual não estávamos preparados. de natureza astral e mental, ou seja, constituídoA morte pode ser vista como uma mudança de de éteres ainda mais sutis que os do corpo vital.estado. Na natureza, estamos habituados a essas Os éteres astrais dão forma às nossas tendências,mudanças de estado: as estações se sucedem, desejos, emoções e paixões. Eles formam umpassam e retornam, infinitamente. Em escala envelope ovóide, um corpo astral, que engloba osmaior, acontece o mesmo com as civilizações: corpos etérico e físico. Os éteres do corpo mental nada muda… 13

…e eu me levanto. E em total mudançainterior, encontro uma imagem degradadado originaldão forma aos nossos esquemas mentais, nosso encontra a mais lógica explicação para a reencar-poder de pensar. Este último não constitui ainda nação, porém note-se bem que não há possibili-um corpo englobando os outros três, mas sim- dade alguma de reencarnação da personalidade.plesmente uma nuvem pousada como um chapéu Durante o sono do corpo ocorre também asobre os outros três corpos concêntricos. separação dos corpos superiores e inferiores.Os éteres estão em total interação com as células Nesse estado, não se trata ainda de quase-morte.do corpo por meio do sangue, do fluido nervoso, O corpo vital etérico provê natural e automatica-das glândulas de secreção interna e da consciência. mente a manutenção do corpo material, enquantoA forma natural do homem é, portanto, composta os corpos astral e mental procuram se reabastecerde átomos mais ou menos sutis, de densidade no campo astral planetário. Guardamos traçosvariável – mental, astral, etérica ou física – mas erráticos disso mediante os sonhos. Existemcomo pertencem à ordem natural, estão todas também outras formas mais experimentais ondedestinadas à degradação. No momento da morte, a consciência pode ser projetada no mundo astral,uma ruptura do cordão prateado ocorre, dizem arrancando-se das realidades deste mundo, poros esotéricos. Os dois corpos sutis rompem a meio do álcool ou de narcóticos por exemplo.ligação com os dois corpos mais densos. O corpo Todos sabemos que existe uma grande diferençavital empreende a decomposição do corpo físico entre um corpo que dorme e um corpo que estáe os átomos desses dois corpos voltam para seu morto. Este último perdeu a vida. O corpo etéri-reservatório natural, a matéria terrestre.“Tu és pó, co abandonou o físico. O corpo físico comportae ao pó retornarás.”5 Então, os dois corpos sutis em si os limites de sua vida: um órgão perdepassam para o outro lado do véu, o mundo astral sua atividade, as células degeneram, ou aconteceda terra, e lá permanecem durante certo tempo, simplesmente um acidente. O corpo etéricocom a força de uma entidade individual rica em procura manter o contato com o corpo físicoexperiências e ainda dotada de consciência. Mas, o máximo que pode. Mas quando chega ao seufeliz ou infelizmente, esse tempo não é eterno. limite, quando flertamos com a morte, podemosSeparados do corpo físico, que tratava de alimen- transpor parcial ou totalmente o véu que separatar diariamente as células, não apenas no plano o Aquém do Além. Na morte, o corpo etérico sefísico como também nos planos etérico, astral e decompõe, mas como ele é a sede da memória,mental, os corpos sutis superiores são progressiva- todos os eventos da vida são então imediatamentemente submetidos, eles também, à dissolução. O projetados naquele exato momento: é a famosaque é conservado é um microcosmo contendo a retrospectiva da vida que o morto vê passar nacentelha divina original. O microcosmo possui os sua frente num clarão.Todas essas experiênciastraços magnéticos das vidas passadas, que forma- são impressas de forma magnética nos corposrão a base para suas futuras encarnações. Aqui se superiores (o corpo astral e o corpo mental em14 pentagrama 3/2008

Fotos: F. Olsthoorndesenvolvimento). É de extrema importância uma liberação se o corpo estava muito doente,que isso se dê de forma tranqüila para que a ou de uma frustração se a vida se esvai aciden-colheita da vida possa ser bem assimilada, pois talmente enquanto o corpo ainda está cheio deos dois éteres inferiores do corpo vital, o éter vitalidade. Portanto, não podemos esquecer quequímico e o éter vital, desaparecem junto com o não se trata de um encontro com o divino, mascorpo físico, enquanto os dois éteres superiores, de uma aproximação do Além, onde uma formao éter luminoso e o éter mental, passam para os de vida no plano etérico, astral e mental acontecedois veículos sutis superiores, e, sendo análogos em condições diferentes, mas fundamentalmentea eles, são completamente reabsorvidos. É essa similares à vida na terra. Durante esse período, no“personalidade” sutil e incompleta que percebe hospital, meios consideráveis são reunidos a fimo túnel, as entidades do Além ou algo das comu- de reanimar o corpo material. E o corpo etériconicações dessas entidades com ela. Essa ligação é hesita, vacila, mas, quando ainda é possível, éessencialmente astral, baseada portanto no que foi forçado a voltar, devolvendo ao homem a coe-sentido : o calor, a cor, o bem-estar, a sensação de rência de sua personalidade encarnada na matéria. nada muda… 15

E esta última guarda na memória toda ou parte esotéricos descrevem o que elas fazem para evitardessa experiência de quase-morte. Aqui em baixo, isso. Não falaremos desse assunto nesse artigo.o mundo físico estrutura o espaço e o tempo. Todos os ideais, todos os fantasmas humanos,Nos planos sutis, tudo é mais fluído, mais fácil ; todas as egrégoras do mundo, são representadospassado, presente e futuro se misturam. As ilusões no Além: a cada um seu paraíso. Desejem e sesão numerosas. realizará...Muitas entidades gostariam de se manter nesse Concluindo, as EQM são definitivamente umaestágio, que consideram como um paraíso, onde experiência extrema, que permite verificar emguardam sua individualidade e consciência ao primeira mão que existe continuidade além damesmo tempo em que estão liberadas da parte morte do corpo, e que a consciência não tem li-material que as atrapalha no mundo tridimensio- mites ao transpor o espaço-tempo e suas conven-nal. Mas o instinto de conservação também reina ções. Mas o “universo” que elas nos permitemali, pois para viver ali elas devem lutar contra a descobrir não é nem o paraíso, nem o mundodesintegração de seus corpos sutis. Muitos relatos divino, nem o campo da ressurreição do homemSaída induzida depressão e epilepsia. Nada ajudou. das voltagem e freqüência. A tomo- Após longa deliberação entre especia- grafia computadorizada já comprovouUm eletrodo com um bip persistente listas o paciente concordou com uma que determinada região do cérebroligado ao cérebro de um homem opri- intervenção experimental. O estímulo está ligada a essas “experiências fora-mido por um zumbido no ouvido fez magnético por meio de um bip em do-corpo”: dois lobos cerebrais lateraisque o paciente saísse do corpo. Esse determinado ponto do cérebro deve- na cabeça comunicam-se, a passagemcaso particular foi descrito por um ria suprimir o zumbido. Para isso, um temporoparietal. Admite-se que a essaespecialista flamengo sob a condução eletrodo foi colocado na membrana região chegam informações de váriosdo neurocirurgião Dirk de Ridder, cerebral daquele ponto. A estimulação sentidos. Para ter consciência de seuna revista ilustrada The New England elétrica, contudo, não acabou com o próprio lugar no espaço, muita infor-Journal of Medicine. Um homem de zumbido. Entretanto, o homem teve mação de vários sentidos inconscientes63 anos entrou em contato com o a sensação de ter saído do corpo. Ele deve ocorrer num processo simultâ-Hospital da Universidade de Antuér- teve a impressão de estar de pé meio neo e inconsciente. Se isso não ocorrepia devido a um constante zumbido metro atrás de seu próprio corpo. Essa bem – essa é a teoria atual – a pessoano ouvido. Um exame minucioso sensação aparecia repetidamente com não pode se sentir em seu próprionão revelou a causa. Ele foi tratado as pequenas pulsações de determina- corpo. NRC Handelsblad, 1/11/2007.por um psicólogo e um psiquiatra, etomou medicamentos para psicoses,16 pentagrama 3/2008

O “Outro” eterno vem a meu encontro, e, restabelecida, a nova vida tem início. “Morte, onde está teu aguilhão?”verdadeiro, do homem divino. Trata-se simples- poderes sobre nossas faculdades, de efetuarmosmente de um local de passagem, de uma etapa uma reviravolta consciente e completa ementre o Aquém e o Além, que carrega em si as relação ao fato de que estamos todos presos àrepresentações astrais de nossas próprias ilusões. matéria e petrificados pelo egocentrismo. A vidaCom a experiência de quase-morte, furamos o neste mundo deve permitir libertar-nos dessemuro da nossa prisão material, mas simplesmente aprisionamento graças ao despertar da “rosa-do-para nos juntarmos a uma célula vizinha da mes- coração”, o princípio de fogo espiritual, latentema prisão, mesmo que ela pareça mais espaçosa, no coração de todos os seres humanos. A forçamais luminosa, pois se situa de forma diferente desse fogo tem o poder de mudar completamenteem relação ao tempo-espaço próprios do nosso a orientação de todos os nossos corpos sutis e nosuniverso. Para nos libertarmos da prisão que se fazer sentir e compreender a realidade da únicaestende desde o Aquém até o Além, é necessário, e verdadeira vida. Há milênios esse é o únicodisse o Buda, “seguir o caminho”. Trata-se caminho de libertação, e é nele que se podeportanto, enquanto estamos vivos e com plenos encontrar a Escola da Rosacruz Áurea µ1 – Segundo o dr. John Lilly, há quatro níveis positivos de consciência pode desaparecer e reaparecer imediatamente em lugares diferentes.a par da consciência comum e quatro níveis negativos ou inferiores, Não tem realidade própria, mas a que lhe atribui o pesquisador e asportanto nove no total. O primeiro é o estado positivo de concen- condições da pesquisa. A mecânica quântica define as leis que regemtração e motivação comum. O segundo, o profundo sentimento de os comportamentos dessas partículas. Muitas realidades coexistempertencer ao “mundo dos viventes”, sentimento inspirado por poesia, e, segundo o método utilizado, esclarecem uma realidade mais quemúsica, artes, amor etc. O terceiro é o dos “poderes paranormais” outra.(telepatia, clarividência, clariaudiência, percepção extra-sensorial. Nenhum método científico reconhece ou permite apreenderO quarto nível positivo, o “samadhi” de Ramakrishna, seria a “união simultaneamente de fato o conjunto dessas realidades. Porémcom Deus”, o sentimento de felicidade suprema resultante da união convém indicar o famoso trabalho de Leon Raoul Hatem, o “pai” dacom o Espírito universal. Os quatro níveis inferiores são reflexos “não-gravidade”, que propôs uma teoria eletromagnética que unificadecaídos, o obumbramento dos estados positivos. totalmente as leis da Física e propôs uma explicação coerente da cosmogênese (La fin de l’inconnaissable, Edições Ganymède).2 – Para uma descrição mais ampla de EQM, ver em R. Moody as onzefases características que precedem a morte. 4 – Citamos Karl Pibram e sua teoria holográfica, Feinberg e Sudarxhan, os “pais” dos táquions,Regis Dutheil e o homem“superesclarecido”,L.R.Hatem3 – Os quanta são quantidades indivisíveis de grandezas de partículas e sua matéria consciente e magnética, A. Dobbs e os “psítrons”, partículaselementares da matéria que não obedecem às leis da mecânica que se movem mais depressa que a luz e, recentemente, J. Maguiro, que con-descobertas por Newton. Por exemplo, uma partícula elementar testa as teorias atuais que se restringem a uma velocidade constante da luz. nada muda… 17

a criação, um espelho…Há no mundo muitos textos que relatam onde aconteceua historia da criação. Poucos, entretanto, contam o porquêe com que objetivo.CONTRIBUIÇÃO DA HOLANDA

E xistem vários relatos da criação do mundo, O HOMEM DETERMINA O MUNDO E O MUNDO no entanto poucos nos explicam o porquê DETERMINA O HOMEM Uma possibilidade desse lugar e qual é seu objetivo. de obter resposta para essa questão é olhar noCriar, em sentido amplo, significa conceber. Algo espelho da criação para ver o que ela representa.é criado, é feito. Os artistas estão constantemente Conhecemos a expressão alquímica: “assim como éocupados com o processo criativo. Eles criam em cima, assim é embaixo, o que está no exteriormúsicas, literatura, pinturas, esculturas. Em geral, seu é como o que está no interior, o microcosmo é aobjetivo é exprimir um sentimento, uma emoção. imagem do macrocosmo”. Um é reflexo do outro.Às vezes é simplesmente a necessidade de oferecer Quando falamos da criação, em geral fazemosbeleza ao mundo, de criar algo que tocará o coração referência ao mundo em que vivemos. Estamosde alguém. Um artista é impelido a exprimir na ligados a ele e não podemos nos dissociar dele.Tudomatéria algo que ainda não tenha existido. Mas e todos formamos juntos a criação, uma unidadecomo idéia, sentimento, conceito, esse algo já estava indissolúvel, e não podemos fugir disso, emborahá muito presente na esfera astral, uma vez que só se muitas vezes tenhamos forte inclinação para negarpode reproduzir o que se conhece, sendo irrelevante esse fato.que esse “conhecer” seja consciente ou inconsciente. Isso ocorre, por exemplo, cada vez que o homem acredita que pode determinar o curso dos riosNa antiga sabedoria suméria é dito:“A vida é sempre sem observar as possíveis conseqüências que issoa mesma do dia anterior”. Na Escola da Rosacruz trás; quando ele decide derrubar florestas inteiras,Áurea há o que chamamos de Conferências de reduzindo-as a cinzas por dinheiro; vacinar asRenovação. Participamos delas porque o objetivo crianças contra doenças inofensivas fazendo que seude nossa existência é seguir a via da renovação, o sistema imunológico se enfraqueça; quando decide“caminho” que leva à verdadeira vida. Isso quer dizer fazer crescer o mais rapidamente possível as plantasque deve haver alguma coisa nova sob o sol, que a e os animais destinados ao consumo, utilizando paravida de ontem poderia ser, amanhã, completamente isso produtos destinados a matar insetos, transfor-diferente! mando os hormônios e manipulando os vegetais.Mas será realmente possível fazer que, na nossa O resultado é que os insetos, bactérias e vírussociedade, no nosso mundo, haja uma mudança tão se adaptam à química dos produtos tornando-sefundamental que leve a uma renovação radical do resistentes a uma velocidade espantosa. Os vegetaisnosso ser? Esse é o nosso objetivo quando avançamos e a carne dos animais expostos à manipulaçãono “caminho”. química inescrupulosa alteram-se minando a saúde dos consumidores.Em 1926, o pintor russo Wassily Kandisky (1866-1944)reproduziu uma maravilhosa imagem cósmica em seu A intervenção do homem na natureza trouxe aoquadro intitulado Vários círculos. a criação, um espelho 19

seu ambiente não só uma poluição de proporçõesprofundas que se evidencia, atualmente, pela cres-cente falta de água potável, de ar puro, de espaçovital para os animais e as plantas, mas desencadeouuma perturbação preocupante no equilíbrionatural entre as espécies. É assim que a criação nosmostra, por meio dos desequilíbrio manifestadosnos animais e na natureza, que não devemos deixarde compreender quais são, nos dias de hoje, asconseqüências daquilo que chamamos sociedade deconsumo.O QUE ACONTECE NO PLANETA Mas neste entre a descoberta de uma doença grave como oplaneta também acontecem fenômenos que não câncer, e o momento da morte em decorrênciasão direta, indiretamente ou exclusivamente dela, que antes ocorria em meses, até em anos, ecausados por influência dos seres humanos. O hoje ocorre em semanas ou mesmo em dias.descongelamento das calotas polares e da neve dos Aqui se pode fazer uma comparação entre o meiotopos das montanhas é provocado em parte por interior e o meio exterior. Percebemos nossasnosso comportamento, mas grande parte é também próprias doenças graves (meio interior) com atraso,conseqüência da evolução da natureza. As zonas de e o mesmo acontece com relação à doença e àtemperatura mudam assim como o tempo muda, saúde do meio ambiente em que vivemos (meioqueiramos ou não, e estamos em um desses perío- exterior). Qual é o efeito da desmaterializaçãodos. O homem exerce influência na medida em que sobre a saúde espiritual? Não é de surpreenderacelera os processos de mudança por sua atitude que assistamos a um aumento enorme das psicoses,diante da natureza. E está claro que atravessamos um conseqüência do isolamento social e da orientaçãoperíodo de profundas revoluções. massiva para o mundo virtual, que leva a uma perdaAlém disso, acontece, atualmente, certa “desmate-rialização” na humanidade. Observamos que umaparte dela, principalmente no mundo ocidental,necessita de estímulos cada vez mais fortes para pre-servar a consciência do corpo físico e não se evadirdemasiadamente. Outro aspecto desse contato cadavez mais pobre com a natureza é, por exemplo, adiminuição cada vez maior do período de tempo20 pentagrama 3/2008

A ilustração deste artigo mostra o Gobi como uma estepe árida e deserta.A doutrina universal dizque lá os éteres planetários são transparentes e tao concentrados que as esferas etérica e química domundo material fundem-se de modo imperceptível. E J. van Rijckenborgh afirma:“Todos os impulsosmetafísicos para a regeneração do mundo e da humanidade foram e continuam sendo enviadosdesse coração do mundo para espalhar-se em raios sobre toda a terra, deixando seus marcos portoda parte. É a Fraternidade dos Siddha, a Fraternidade Universal”.de contato com as realidades físicas. Sem esquecer em crianças seriamente traumatizadas que podemo rápido crescimento dos incalculáveis e incessantes desenvolver personalidade múltipla, distúrbio queestímulos externos que ultrapassam qualquer ex- elas carregarão por muito tempo. Aliás, o númeropectativa de limite aceitável para os nossos sentidos de crianças traumatizadas vem demonstrando ume ainda a overdose de impressões impostas ao nosso crescimento cada vez maior.cérebro, que por todas essas razões se torna incapazde enfrentá-las. Então acontece a crise nervosa, OLHAR PARA SI MESMO O que é esta sociedadelogo em seguida se instala a dissociação mental e a que nós mesmos criamos? Um campo de batalhaconsciência explode em pedaços. Observamos isso ou um parque de diversões? Ou um espelho a criação, um espelho 21

visando nos tornar conscientes de nós mesmos e de reinos constituídos na natureza e conseqüentementenosso lugar neste conjunto? Ainda podemos fazer em nós e em nossas criações, que são os reflexos daesta sociedade corresponder ao plano da criação nossa consciência.original? Examinando a criação, examinamos a nós No entanto, quem pensa que a criação representamesmos. Se pensarmos que ela nasceu do acaso, que uma unidade, um plano consciente visando umela nada mais é do que algo que um dia explodiu e objetivo, e que também se faz parte dessa criação,onde o ser humano, graças a seus átomos, moléculas será cedo ou tarde atingido pelas ilusões destae gases, acabou evoluindo como senhor e mestre de sociedade manipulada. No espelho da criação todosum mundo ainda em gestação, não teremos dúvida nós veremos um dia os sofrimentos e os danos dosde que a criação refletirá essa imagem em todos os quais padecem a natureza, os seres humanos e os22 pentagrama 3/2008

Fazemos parte da criação. A sociedade é nossacriação e nela mostramos quem somosanimais. E inexorável será a conclusão: “este não você vem? Aonde vai tão apressado?”é o caminho certo, tomamos a direção errada, é Cada um pode responder essas perguntas no planopreciso procurar o verdadeiro objetivo da criação”. pessoal. Porém, de que maneira o homem que buscaE seremos testemunhas do cumprimento da senten- respostas profundas, percebendo que a criação seça:“Estado de consciência é estado de vida”. baseia num objetivo preciso, responderá a essasSomos parte da criação, nos organizamos criando questões olhando no espelho da criação e se vendoa sociedade, e ela nos mostra exatamente quem na qualidade de criatura? Se a consciência anímicasomos, e não há dúvida de que o sabemos. Desde houver despertado em seu interior, ele será levadoque a humanidade existe estas perguntas são feitas a se conscientizar de que, prosseguir no caminhoincessantemente: “Homem, quem é você? De onde materialista, que requer uma aceleração maior e um “cada vez mais de tudo o que se possa imaginar”, causará inevitavelmente a morte da alma. Mas se mudar o curso de sua vida e decidir dar o primeiro passo no caminho da vida original, o “outro” se revelará nele, e só então terá início a transformação fundamental que possibilitará a renovação radical de seu ser. A RESPOSTA QUE VEM DAS PROFUNDEZAS DA ALMA À primeira pergunta: “Homem, quem é você?”, a resposta que vem das profundezas da alma ressoa: “Eu sou uma centelha de luz errante neste mundo, o filho perdido”. À segunda pergunta: “De onde você vem?”, a resposta lhe saltará imediatamente aos olhos: “Eu venho da unidade, da luz divina, mas caí e me tor- nei prisioneiro deste mundo obscuro e doloroso”. E à terceira pergunta: “Para onde você vai?”, a personalidade pode responder, mas ela pode pensar que não vai a lugar nenhum, que é prisioneira do círculo vicioso deste mundo do nascimento e da morte. Entretanto, no mais profundo de si mesmo, o filho perdido responde: “Eu percorro o caminho que conduz à luz divina da unidade original” µ a criação, um espelho 23

contribuição da Suíçaa esfera melodiosa da músicaNo sábado 28 e domingo 29 de julho de 2007, houve, no Centro de Conferências Catharose dePetri, em Caux, um simpósio extremamente interessante sobre música, relacionado a todas astentativas de ascender à espiritualidade.Victor Hugo definiu música da seguinte existem duas ordens de natureza, a divina e a maneira: “A música expressa o que não terrestre, é, em nossa opinião, a causa do anseio. conseguimos dizer e o que é impossível A consciência determinada por nosso estadocalar”. E Rudolf Steiner explicava: “O que a alma presente pertence a este mundo, a esta natureza.experimenta no caminho de sua iniciação não Ela está sujeita a mudanças profundas, geralmen-pode ser compreendido; mas pode ser cantado ou te decisivas. É possível que em dado momentotransformado em composição musical.” Essa é a a consciência se sinta prisioneira após eventosfunção da música ao longo da evolução humana. marcantes, experiências situadas na fronteira da realidade material, experiências insatisfatórias queNesse sentido, pode-se resumir a idéia principal conduzem à busca de uma saída. Então, a cons-deste artigo: “A música é a história mundial da ciência põe-se buscar sem descanso até atingir aalma”. Do ponto de vista vibratório, a música fronteira de outra realidade existencial: o lugarcompreende uma imensa variedade de ritmos: dos de passagem rumo ao reino divino. É assim quemais simples, cânticos folclóricos e religiosos, até o buscador se torna um habitante da fronteira.as mais complexas estruturas das composições e Nesse lugar também existe música. É surpreen-harmonias da música ocidental. Muitos motivos dente como Shakespeare fala disso em O mercadorsão fugidios, intangíveis, e mal podemos determi- de Veneza. Numa noite tranqüila, ao clarão da lua,nar onde cessa a música clássica e onde começa a Lorenzo declara à sua bem-amada:música pop. Além disso, como que impelido porum fogo interior, o ser humano é levado a ex- Senta-te aqui, Jéssica, e observa como se acha o soalho doprimir e manifestar suas impressões, sua alma, por céu todo incrustado de pedacinhos de ouro cintilante.meio da música. Paralelamente, o reino musical Não há estrela, por menor que seja de quantas aíadquiriu a imensa dimensão do mundo atual. contemplas, que em seu curso não cante como um anjo, em consonância com os querubins dotados de olhos moços.COMO NASCE O ANSEIO A música atua como Na alma imortal, essa harmonia existe.intermediária, esta é a sua função principal: Mas enquanto estas vestes transitórias de argila aela vivifica o anseio de maneira incessante. E a envolvem muito intimamente, não podemos ouvi-la.existência do anseio mostra que existem diferen-tes estados e diferentes níveis, que estimulam “o Como habitantes da fronteira, conhecemos muitoanseio de um pelo outro”. bem nossa antiga natureza. Nossa orientação nos conduz rumo a um reino cuja estrutura e todosO axioma principal da Rosacruz que afirma que os detalhes são totalmente diferentes e parecem24 pentagrama 3/2008

a esfera melodiosa da música 25

O ANSEIO NÃO É DESPROVIDO DE PROBLEMAS O anseio e a nostalgia que o acompanha representam imensa força. Se esta se manifesta, o buscador sofre de um tormento que o domina por completo. Jamais ela lhe dá repouso; ela corrói, fatiga e tortura. As dissonâncias, na música, exprimem esses estados extremos; elas podem soar de modo tão estridente que o buscador pode literalmente implorar por uma solução. Os anseios não são isentos de ilusões e representações de tipo alucinatório. Não se deve desprezar as advertências daA palavra, o som e a música emanam do Um. © H.G. van Suurmond “placa de sinalização”. Não se trata de proibir os sentimentos e pensamentos do anseiobem melhores, mais verdadeiros e mais belos. A que desperta, mas de se lembrar que deve serpsique do ser humano, que vive nos sombrios e feita a distinção entre o verdadeiro anseio e asangustiantes meandros de um labirinto inextricá- idéias ilusórias. Viver para manter-nos vivos,vel, presume que deve existir algo mais, algo que viver com o anseio e por meio dele permanecerela perdeu ou do qual se esqueceu. As condições vivos. No entanto, a nostalgia é um perigo sedo reino divino totalmente diversas – e sua frequ- ela nos torna realmente dependentes e provocaência vibratória elevada – fazem que todo gênero os mesmos fenômenos que a droga, o ciúme oude buscador se encontre em completa desar- a vingança.monia. De fato, instala-se uma espécie de vácuoentre o que se pressente e a situação atual, onde A MISSÃO DO ANSEIO NA MÚSICA A meta dojá não é possível sentir-se “em casa”. É assim que anseio é manter-nos vigilantes, é movimentar-o anseio nasce na psique. nos, é não nos deixar em paz, até que, queira-o26 pentagrama 3/2008

Deus, ele encontre a realização na “vita nova”, idéia e mostrar que a música atua de modotal como o afirma Dante. Apenas então o anseio mágico, do qual ninguém pode escapar. Eladeixa de existir. Nada pode desviar, abalar ou tem o poder de despertar recordações antigas,confundir esse anseio... Não se trata jamais de longínquas. O ouvido é o mais antigo órgãoum estado permanente, ele pode consumir-nos, sensorial humano, o primeiro a se formar nomas ao mesmo tempo é o sal de incontáveis embrião. Ele talvez até seja uma lembrança doexperiências que devemos realizar. percurso de nossa evolução, remontando a nossasTambém é dito que ele é a ponte entre o mundo origens. As primeiras palavras do Evangelho deimperfeito e o reino situado na fronteira da vida João fazem referência a essa época: “No princípiooriginal divina. Em sua pura essência, a música era o Verbo”. Podemos portanto imaginar que otambém se encontra ali. Ela é um dos meios de sentido da audição já existia desde o início.expressão mais importantes do grande anseio. O estado da alma humana atual é extraordinariamente diferente. Concluindo-Quanto mais direta e mais espontânea é a músi- se que a alma-espírito do novo homem, doca, mais ela toca o buscador. Nesse caso, ela é a homem renascido, deve ser sensível às sublimesO desejo pode lançar uma ponte entre o homemimperfeito e o domínio situado no limite da vida divinalinguagem universal do reino imutável, capaz de ressonâncias do Logos, ao Verbo divino, esta tãorevelar o que há de mais secreto, desejado, sutil. conhecida frase do Gênesis (1, 26) reveste-seSem exageros, podemos dizer que nenhuma de um significado novo e vital: “E Deus fez ooutra linguagem se expressa mediante tantos homem a sua imagem e semelhança.”registros e matizes. A MÚSICA DAS ESFERAS Essas consideraçõesSEMELHANTE ATRAI SEMELHANTE Quando, evocam um conhecido conceito: a harmoniapróximos a um piano, entoamos a nota “lá”, das esferas, ou a música das esferas. Essa expres-fazemos vibrar a corda correspondente. As são relembra igualmente o tema primordial dasonoridades da música, linguagem universal de existência humana, que também foi o princípiotodas as aspirações, ressoam nos seres humanos, do som. Na história da música, numerosos são osfazendo-os vibrar, seja qual for seu país, sua raça testemunhos, na maior parte das vezes incons-ou cor. Entre a própria essência da música e das cientes, relativos a esse mistério. Empregamos oalmas, existe um elo muito especial: a alma é termo “inconscientes” porque certamente nossacomparável a uma caixa de ressonância onde a consciência atual, bem como nossos ouvidos, sãomúsica executa suas melodias, que vibram na incapazes de ouvir ou compreender essa “mú-alma. sica das esferas”. Beethoven, inspirado por umaPoderíamos ainda continuar a desenvolver essa premonição mística, declarava a esse respeito: a esfera melodiosa da música 27

O Um, chamado Ilúvatar ção, entretecidas em harmonia, as grande harmonia e beleza. Exceto quais alcançaram as profundezas e a Melkor. Ele estava muito determi-Extraído de O Silmarillion, as alturas, e as moradas de Ilúvatar nado a continuar com seu tema e encheram-se até transbordar, e a abertamente fez que os outros ode J. R. R.Tolkien música e o eco da música saíram seguissem. Muito ficaram confusosHavia o Um, chamado Ilúvatar. Ele para o Vazio, que já não estava vazio. e hesitaram. Eles não sabiam comocriou primeiro os Ainur, os Sagrados, Nunca, uma música como aquela resistir à música de Melkor, que eragerados por seu pensamento, e eles havia sido feita em parte alguma. E completamente diferente da quecantaram em sua presença, e ele se Ilúvatar estava muito satisfeito com eles cantavam. Muitos, entretanto,alegrou. Entretanto, durante muito eles, pois essa música era a expres- permaneceram fiéis a Ilúvatar etempo, eles cantaram cada um são do Um: Ilúvatar. cantaram-lhe louvor e glória. Então,sozinho, ou apenas alguns juntos, en- Um deles, chamado Melkor, invejou aconteceu de não haver apenas umaquanto outros escutavam; pois cada a força criadora de Ilúvatar. Sozinho música, mas duas músicas soando aoum compreendia apenas aquela ele teceu uma grande peça musical. mesmo tempo, e elas eram muitoparte da mente de Ilúvatar da qual Ilúvatar viu isso, levantou a mão e o diferentes. Uma era profunda, vastahavia brotado e evoluía devagar na tema parou. Ele sorriu e deixou-os e bela, mas lenta e mesclada a umacompreensão de seus irmãos. Não recomeçar. Mais uma vez Melkor tristeza incomensurável, na qual suaobstante, de tanto escutar, chegaram entremeou na canção celestial beleza tivera principalmente origem.a uma compreensão mais profunda, seus próprios sons, dessa vez mais A outra havia agora alcançado umatornando-se mais conscientes e evidentes e desafiantes. Muitos unidade própria; mas era alta, fútilharmoniosos. dos outros ficaram confusos e em e infindavelmente repetitiva; tinhaE Ilúvatar os reuniu e lhes indicou dúvida sobre continuar seus sons ou pouca harmonia e procurava abafarum tema, pedindo-lhes que criassem, juntar-se aos de Melkor. a música celestial com a veemênciacom base nesse tema, juntos e em Mais uma vez houve uma guerra so- de seu som.harmonia, uma música magnífica. nora, dura e penetrante. Novamente No meio dessa contenda, nas quaisE disse-lhes que, como os havia Ilúvatar ergueu a mão e a música pa- as moradas de Ilúvatar sacudiram einspirado com a Chama Imperecível, rou. Sua expressão era severa. Pela um tremor se espalhou, atingindodeveriam demonstrar seus poderes terceira vez a música celestial come- os silêncios até então impassíveis,ornamentando esse tema, cada um çou; nela, toda a glória e majestade Ilúvatar ergueu-se mais uma vez, ecom seus próprios pensamentos e de Ilúvatar era cantada, e isso trouxe sua expressão era terrível de ver.recursos.E eles começaram a produzir umsom de melodias em eterna muta-“Quando à noite contemplo extasiado os céus e nadas à música lhes permitissem transformar aa enorme quantidade de astros que permanente- própria alma (Jâmblico, c. 300 d.C.).mente dançam em suas órbitas, os chamados sóis Para Maurice Ravel, existe um dilema entre ae terras, o meu espírito voa para miríades de qui- sublime força do Logos e o frágil poder huma-lômetros para além dessas estrelas distantes, até a no de distinguir sua ressonância para exprimi-laFonte Primeira que deu origem a todas as formas de modo sutil. Ravel afirma: “A maior força doe de onde surgem eternamente novas criações. O mundo é o pianíssimo”.que é um corpo sem espírito? Somente poeira edetritos.” Também o silêncio, em música, adquire um grande significado. Ele então é denominado pausa. Os di-Nas tradições dos mistérios gregos é dito que ferentes gêneros de pausa num movimento rítmi-a harmonia das esferas não é audível, mas que co, os silêncios entre a inspiração e a expiração daPitágoras, o sábio de Samos, era capaz de ouvi-la expressão musical, e até mesmo as grandes pausas,num plano espiritual. Pitágoras propôs-se como relacionam-se com o fluxo musical. São partesmissão transformar as sensações de seus alunos a criativas vivas, indispensáveis, como o silêncio an-fim de que suas experiências sensoriais relacio- terior e posterior a um espetáculo musical.28 pentagrama 3/2008

Ele então levantou as duas mãos correto e se tronará realidade noe, num acorde, mais profundo que momento em que for interpre-o abismo, mais alto que o firma- tado, pois todos o entenderão e amento, penetrante como a luz do verdadeira finalidade de sua parte,olho de Ilúvatar, fez a música parar. e cada um compreenderá a funçãoEntão Ilúvatar falou e disse-lhes que do outro.queria tornar visíveis também a elestodas as coisas para que vissem o Tolkien, J. R. R., O Silmarillion. Sãoque haviam feito, para que perce- Paulo: Martins Fontes, 1999.bessem que nenhum tema poderiaser tocado sem ter nele sua fontemais remota. Então ele olhou oVazio e disse: “Contemplem suamúsica!”E eles viram um mundo completa-mente novo tornar-se visível a seusolhos; e ele formava um globo nomeio do Vazio, e se mantinha ali,mas não fazia parte do Vazio.E eles viram como surgiu a vidanesse mundo e sua história sedesenrolou exatamente como eleshaviam cantado. Eles viram que elenascera tanto do bem como daira. Contemplaram também o quehaviam criado em sua imprudência.É dito que nos final dos dias osfilhos de Ilúvatar comporão umagrande peça musical para ele. Entãoo tema será tocado de modoA VISÃO DE FERRUCIO BUSONI Busoni, pia- gináveis, fixas e todavia em eterno movimento.nista italiano e compositor, escreveu em 3 de Cada som é o centro de círculos incomensuráveis.março de 1910: “Vinde, segui-me rumo ao reino Então o timbre se revela. Suas vozes são incon-da música. Rejeitastes as correntes terrestres que táveis, comparado a ele, o murmúrio da harpa évos impedem de vos aproximar da eternidade? uma zoeira, o clamor de mil trombetas é um chil-Vinde, pois! Aqui o encantamento não conhece reado.Todas, todas a melodias, as que já ouvistes elimites.Vós ainda nada ouvistes, pois que tudo as jamais dantes ouvidas, ressoam simultaneamen-ressoa. Começastes a distinguir. Ouvi, cada estrela te, elas vos portam, envolvem, acariciam – as me-possui seu próprio ritmo, e cada mundo possui lodias do amor e da paixão, da primavera e do in-sua própria pulsação. E em cada estrela e em cada verno, da melancolia e do riso – elas são as almasmundo o coração de cada ser vivo bate de modo de milhões de seres e em milhões de épocas. Sediverso. Entretanto, todas as batidas concordam focalizardes vossa atenção em uma delas, perce-e são uma unidade e um todo. Podeis ouvir os bereis como ela está interligada a todas as outras,graves e agudos? São incomensuráveis como o como ela está afinada com todos os ritmos, colo-espaço e infinitos como o número. Como esteiras rida de todos os timbres, acompanhada de todasestendem-se de um mundo a outro escalas inima- as harmonias, até as mais inacessíveis profundezas, a esfera melodiosa da música 29

Cada estrela tem seu ritmo e cada mundo, sua medidaaté as mais longínquas abóbadas celestes. Aqui, talvez nos lembremos que Cristiano Rosa-Assim podeis perceber como os planetas e os cruz – protótipo de um ser que segue o caminhocorações são um todo único e que em lugar al- espiritual – após ter percorrido os sete andaresgum pode haver fim ou obstáculo; que o infinito de uma torre iniciática, chega a um andar secre-vive inteiro e indivisível no espírito dos seres; to, o oitavo. Para ele, trata-se da porta da vitória,que cada coisa é, ao mesmo tempo, infinitamente a porta da oitava espiritual superior. Na música,grande e infinitamente pequena; que o que existe nos encontramos a cada vez na nova escala dade mais extenso equivale a um ponto; e que luz, oitava superior seguinte.Tudo isso se relacionasom, movimento e força são idênticos. E cada um com o que chamamos sistema tonal. Durante opor si e todos unidos constituem a vida.” século XX, esforços prodigiosos foram realizados para abandonar esse sistema, para desmontá-lo,O SISTEMA TONAL Após essas pequenas eta- pois muitos acreditavam que ele aprisionava apas nas mais elevadas esferas das considerações audição. O resultado disso é a música atonal. Àshumanas, retornemos a esta terra, onde Pitágoras vezes se diz que ela não é musical, porque serianos legou um tesouro inestimável. Referimo- construída fora das leis da Física. Mesmo que onos ao sistema sonoro utilizado pela música para impulso de romper com o que nos é transmiti-transmitir tudo o que nosso coração e nossa alma do desde tanto tempo seja compreensível, nãodesejam exprimir. podemos deixar de verificar que essa libertação forçada resulta em cacofonia. O espaço de açãoConhecemos a noção de escala. Para Pitágoras conferido ao ser humano é limitado, diz Steiner:e seus alunos, a escala não representava simples- “No que se refere ao cosmo, nós somos aindamente uma seqüência de notas ordenadas se- hoje quase 100% analfabetos. Devemos aindagundo leis exatas. Ela constituía realmente uma aprender a ler, mal sabemos soletrar.” O meca-escada celeste, um instrumento que concedia aos nismo desse instrumento que chamamos homemalunos da escola pitagórica a possibilidade de está emperrado, e nossa harmonia, nossa sinfonia,evoluir no plano espiritual. ecoa dissonâncias caóticas.A oitava constituinte do sistema tonal compreen- TOM MAIOR E TOM MENOR É evidente que ade doze semitons, o décimo-terceiro é a reso- nova consciência em formação bem como o novolução e constitui, por sua vez, a base da oitava modo de vida criarão simultaneamente novas so-seguinte. Podemos considerar que esta divisão em noridades e novas formas musicais.Todavia, mes-12 é uma referência ao zodíaco. Quanto à escala mo no antigo sistema pitagórico, podemos aindacomposta de 7 notas, ela poderia sugerir os 7 an- perceber uma multiplicidade de expressões quetigos planetas. Essa escala termina na oitava nota, poderiam ser aprofundadas. Houve, por exemplo,base da escala seguinte. a diminuição de um semitom da terceira nota30 pentagrama 3/2008

da escala, que levou à criação dos tons menores. ela suscita um sentimento de abandono a algoIsso abriu vias inimaginadas (sem mencionar os de intangível, impressionando os corpos astral emodos antigos). Ao que parece, os tons maio- mental, é o tom menor que predomina. Desseres possuem uma tendência masculina, elevada, modo, podemos considerar que a paleta de coresimpulsiva (“yang”, diriam os orientais), enquanto musicais é de uma imensa riqueza.que os tons menores seriam, pelo contrário, detendência feminina, terna, protetora (“yin”). Seria PITÁGORAS E A ESPIRITUALIDADE NAabsolutamente injusto qualificar os tons menores NATUREZA DA MORTE Pitágoras está bastantede tristes. ligado à música ocidental. O princípio das leis de nossa natureza pertence ao grande campo de vidaPodemos também interpretar os tons maiores e cósmica. Nesse sentido, Pitágoras é um instru-menores esotericamente. A quádrupla persona- mento, um obreiro nas vinhas de Deus. Ao longolidade humana (química, vital, astral e mental) de suas pesquisas matemáticas, além de deduzirimplica em que os dois corpos materiais e os dois a relação entre a hipotenusa a (lado maior) e oscorpos sutis funcionem e dominem de maneira catetos b e c (lados menores) de um triânguloalternada. Se a música transmite uma impressão retângulo, (a2 = b2 + c2), ele também possibilitouconvincente num movimento em linha reta (im- a base do sistema tonal. Na Grécia antiga, ele pro-pressionando primeiro os corpos físico e vital), punha a seus alunos que abrissem um caminhoé o tom maior que passa ao primeiro plano. Se libertador abandonando os grilhões da natureza a esfera melodiosa da música 31

“Ora, devo dizer que vocês acabaram deassassinar Beethoven!”decaída. Com esse objetivo em mente, ele colo- linguagem musical deve igualmente servir-se decava a alma original e a harmonia das esferas em um sistema imperfeito para exprimir-se em todosrelação direta: antes de embrenhar-se no corpo os seus matizes neste mundo imperfeito.terrestre, a alma encontrava-se na harmonia per-feita e assim todas as suas atividades procediam da A IMPERFEIÇÃO DA NATUREZA HUMANA Nomesma harmonia. que se refere à execução da música existe ainda mais imperfeição. Para começar, pensamos ime-Mas Pitágoras também aceitava a real decadência diatamente nas pessoas que, no estado de degra-de nossa natureza. Nosso desvio (nossa queda no dação geral da humanidade, tentam fazer música.domínio terrestre) não se manifesta apenas nos Quando uma criança nasce, freqüentemente asdetalhes. Algumas estruturas e leis extremamente condições são distantes do ideal. Muitas vezesdiferentes exercem aí o seu domínio, e o resulta- temos a impressão de que as dificuldades espe-do é uma ordem completamente perturbada. cíficas dominadas com esforço colocam alguémOs matemáticos e geômetras conhecem o que em posição de se desenvolver muito acima dochamamos a quadratura do círculo (o insolúvel nível elementar. Citamos aqui exemplo de umproblema de se construir um quadrado de mesma professor universitário que pede a opinião de seusárea que um círculo, o resultado da operação é alunos sobre a seguinte situação: “Suponhamosirracional). que vocês se encontrem diante de uma família na qual o pai é alcoólatra e a mãe tuberculosa.Também na música encontramo-nos diante de Eles tiveram quatro filhos: o primeiro é cego, oum problema insolúvel: passar de uma oitava segundo faleceu, o terceiro é surdo e o quarto éà outra supõe que dupliquemos o número de tuberculoso, como sua mãe. Ela espera um quintovibrações, a freqüência (medida em Herz), da filho. Que conselho vocês dariam a essa mãe?”escala anterior. Por outro lado, uma quinta (a 5.ª A maioria dos estudantes, utilizando o racioci-nota de uma escala) divide a oitava na proporção no moderno, respondem que ela deveria abor-2:3.Teoricamente, a superposição de sete oitavas tar. O professor reage com certa irritação: “Ora,deveria resultar numa freqüência de 12 quintas. devo dizer que vocês acabaram de assassinarMas quando realizamos a soma das quintas, o Beethoven! As condições descritas anteriormenteresultado é uma oitava nota, cerca de um oitavo são exatamente as mesmas nas quais vivia a famí-de tom acima da soma das oitavas.Trata-se do lia desse compositor...”“coma pitagórico”. Na prática, essa imprecisão éeliminada mediante uma correção mínima de fre- A MÚSICA, INSTRUMENTO DA ALMA A mú-qüência em determinadas notas. No piano, fala-se sica poderá ainda ressoar nos corpos imperfei-do “piano bem temperado”. Esses problemas tos dos homens egocêntricos? Como as coisasinsolúveis mostram-nos que uma eventual “cria- se passam numa orquestra? À questão: “Numação perfeita” já perdeu sua perfeição por causa orquestra, qual é o instrumento mais difícil dedas leis determinadas pela natureza. Portanto, a se tocar?” o célebre maestro norte-americano32 pentagrama 3/2008

Leonard Bernstein respon- pontes deves atravessar e passar sete anos som-dia de modo premeditado brios. Por sete vezes cinzas deverás ser, mas, ume desafiador: “O segun- dia, luz clara serás.” O compositor, o vocalista edo violino!” A ação que os ouvintes sabiam precisamente o que simboliza-a música deveria exercer vam essas quatro regras?num humano pode inspi-rá-lo a mudar de direção? CRIAÇÃO E MÚSICA Inúmeras são as músicasFelizmente existem nu- inspiradas que transmitem o anseio de eleva-merosas provas de que a ção. É interessante notar que no Japão a obramúsica geralmente segue de Beethoven é considerada como a expressãoseu caminho. O folclore tão abrangente, variado, musical de um mestre zen ocidental. Beethovené um meio musical universal que, nas suas for- diz: “O grão de trigo oculto precisa de um solomas mais antigas, obtém sempre e em toda parte, morno, elétrico e úmido para poder germinar. Aresultados surpreendentes. O mais freqüente é música é essa terra úmida, elétrica, onde a semen-a música simples que é compreendida instanta- te espiritual pode viver.Toda expressão autênticaneamente e toca todos os sentidos humanos. Ao é mais forte que o artista e, através dela o artistamesmo tempo em que inspira dança e movimen- testemunha da ressonância divina em si próprio.to, ela exprime sentimentos religiosos e amorosos. Tudo o que é elétrico estimula o espírito a criarEvidentemente, é necessário que se disponha música com facilidade”.dessas formas de expressão para que as emoçõesdo coração se elevem. Cada vez que um aspecto Quando a música aparece, falamos espontane-da verdade se revela, ele deve manifestar-se em amente de inspiração musical. Essa é a defini-música. Nas tradições religiosas, o grande signi- ção perfeita do autêntico processo criativo. Noficado da música cantada é um fato evidente. O caminho da inspiração “o motivo musical literal-décimo terceiro cântico de arrependimento da mente desce à consciência do compositor ou doPistis Sofia trata disso. Os maniqueus possuíam improvisador”. Esse motivo deve então ressoar eo Hino da Pérola. No salmo 33 é dito:“Cantai ser elaborado no artista e, se possível, num grupoao Senhor um cântico novo”. E o jovem JacobBöhme escreveu no seu excelente primeiro livro,A aurora nascente: “Tu também pertences ao corodos anjos. Lê então o cântico com júbilo, e oEspírito Santo despertará.”Geralmente encontramos elementos de busca easpiração na música clássica. Mas eles tambémpodem ser encontrados no rock e na música pop.Citaremos um sucesso alemão dos anos 80: “Sete a esfera melodiosa da música 33

O homem é uma orquestrade ouvintes. As incontáveis obras musicais em nível geral da humanidade, o qual naturalmenteforma de variações são ideais no que se refere ao reflete-se no mundo musical. Um compositordesenvolvimento desse processo. No período mais moderno, Hans Eisler, acredita que “quem apenasdesenvolvido da criação musical, muitos compo- compreende a música não compreende nada”.sitores utilizaram esse método. Richard Wagner recapitula o problema, mesclan-Algumas citações de músicos ilustrarão tudo o do humor e seriedade:“Apenas consigo pensarque propomos aqui. Após a primeira apresentação em executar minha música após uma revolução.do “Messias”, em Londres, alguém se aproximou Somente esta poderia fornecer-me artistas ede Händel e cumprimentou-o com entusiasmo ouvintes valorosos e receptivos. Sobre os escom-exagerado. Händel respondeu: “Para mim, teria bros da revolução eu conclamaria todos aquelessido uma decepção se o público tivesse “se di- de quem necessitaria. Não sou nem republicano,vertido”. Meu objetivo é elevá-lo”. Para Leonard nem democrata, nem socialista, nem comunista.Bernstein: “A raça humana estaria salva se sou- Somente o aniquilamento do antigo cria o novo.besse ouvir Beethoven da maneira correta. E se a Uma música que não tende à renovação não pos-“Criação”, oratório de Haydn, fosse ouvida como sui muito valor”.se deve, isso contribuiria para a preservação dacriação, que está ameaçada”. Aqui, devemos in- Nós vemos, portanto, a que ponto o músico quesistir na condição de ouvi-la da maneira correta. exerce passionalmente seu ofício, sua arte, suaEntretanto, ouvir da maneira certa ou com a justa missão, é um indivíduo muito especial. Ele osciladisposição exige uma grande preparação. Assim, incessantemente entre ideal e realidade. Na lin-palavras impressionantes permanecem uma ilusão. guagem moderna científica esotérica poderíamos dizer: com convicção ele se concentra simul-Aqui não se trata apenas da música.Trata-se do taneamente na substância sutil e na substância34 pentagrama 3/2008

grosseira material, focalizando incessantemente A MÚSICA A SERVIÇO DA ELEVAÇÃOsua atenção numa e na outra. Na substância sutil, ESPIRITUAL Consideramos que a orquestra é oele tenta criar o que considera ideal, mas ele é mais belo modo de transmitir música. A orques-constantemente chamado de volta pelas realidades tra forma uma comunidade organizada em seusmateriais grosseiras. Ele é assim forçado a fazer detalhes mais ínfimos a fim de realizar a unidadeconcessões, até em sua maneira de viver. na multiplicidade. Diz-se orquestra “filarmônica”,Numerosos são os que, na qualidade de artistas, o que significa que seus membros são amigos dafazem a experiência de tais concessões por causa harmonia. A orquestra é como um ser humano.dos obstáculos que se apresentam no labirinto da O que melhor reflete aquilo que a constitui? Novida. Um dia, Eric Satie, compositor do início do coração dos músicos vibram harmonias, na cabeçaséculo XX que sempre se manteve independen- cantam melodias, as notas mais agudas e maiste, deixou escapar a seguinte reflexão: “Quando graves, os “piano e forte, adagio e allegro”, sãoeu era jovem, sempre me diziam: espere até os insinuados, tocados, soprados. O maestro se en-cinqüenta anos, você então compreenderá. Agora contra diante deles, bem no centro, como garan-que tenho cinqüenta, nada ainda compreendi”. tia de ordem e de harmonia, evitando qualquerTalvez, então, seria aos sessenta, setenta ou oitenta caos e conflito. Ele mesmo é um instrumentoanos? Não se trata de uma afirmação superficial, que recebe a torrente da música para devolvê-lao mesmo Satie também diz: “Até agora nunca ao seu instrumentário em temas principais ativos.escrevi uma nota sem uma intenção precisa”. Assim, podemos comparar uma orquestra a umaTrata-se sobretudo do testemunho de um homem comunidade paradisíaca; a uma sociedade plenaque, no início da tragédia do século XX, lutava de energia vital, na qual os fiéis colocam sua pró-para se livrar das correntes de um mundo total- pria personalidade a serviço do todo, deixando-semente corrompido. conduzir por uma lei espiritual que consideram verdadeira. Assim, vemos que a imensa paisagem musical é uma expressão da alma humana em todos os planos. Enquanto meio de comunicação, a música supera todas as particularidades familiares, cultu- rais e raciais. Quando a música orienta o desejo rumo ao reino da luz, abre-se uma via sobre a qual se encontram engajadas poucas pessoas; mas basta um passo para que ecoem puras melodias que consolam o coração, enquanto terminam por transmutar-se em uma esfera onde vibram os cânticos que acompanham o homem-alma por toda a sua vida µ a esfera melodiosa da música 35

a verdadeira virtude surge porLao Tsé seguia Tao, o caminho, e exercia Te, a virtude. Seu ensinamento nãoé muito difundido. Seu caminho é o da busca da solidão e do desconhecido.Muitos prodígios e milagres foram relatados a seu respeito, como acontececom os grandes homens.J.A. Blok

si mesma Sua única biografia conhecida provém de um his- toriador chinês, que no ano 91 antes da nossa era, disse:“Lao Tsé era da aldeia de Schiozen, da região Li, província de Khou, estado de Chou. Chamava- se Li, o seu nome de jovem rapaz era ‘R, o seu título Peh-Jang, o seu nome comemorativo Tan (que corresponde à província do Honan na China atual). Nasceu em 604 e morreu em 531 antes da nossa era, cerca de cinqüenta e quatro anos antes de Confúcio. Era arquivista do Estado, e o nome pelo qual é conhecido e lhe foi dado mais tarde significa ‘Velho Sábio’”. Lao Tsé era um homem “reservado e silencioso”, que se mantinha intencionalmente em segundo plano, apesar de suas grandes capacidades. Esse filó- sofo que mergulhava na essência das coisas mostrava pouco interesse pelas antigas convenções. Ele via as contínuas transformações dos fenômenos subja- centes à única realidade espiritual, a qual ultrapassa qualquer mudança e qualquer fronteira. Dotado dessa genial e ampla visão que penetra a relatividade das crenças, ele estava, no entanto, claramente cons- ciente do valor dos conceitos e idéias humanos. Ele percebia que tudo tinha seu tempo e estava bem e que, quando o tempo tivesse passado, tudo se transformaria em seu contrário. Reencontramos o fluxo eterno dos pensamentos, o “crescer, brilhar e decrescer” de todas as coisas, em suas sentenças paradoxais, nas quais brilha uma ironia sutil. Para o leitor ou o ouvinte desprevenido, elas são freqüen- temente inusitadas, vagas, incompreensíveis, mas é intencionalmente que “o velho sábio” não esclarece a escuridão, antes torna-a mais impenetrável me- diante novos paradoxos. a verdadeira virtude 37

Tao te king transformado em Daodejing O título tradicional do livro de Lao Tsé é Tao Te King, que os especialistas transformaram em Daodejing, que melhor corres- ponde à pronúncia desse termo em chinês.Lao Tsé era um místico que vivia na glória do Es- devemos aplicá-la se queremos que ela seja umapírito. Ele abandonava quem não pudesse segui-lo força vivente. Chuang Tsé, que podemos conside-na sua contemplação interior, deixando-o perple- rar como um dos discípulos mais importantes dexo. Evidentemente ele não queria lançar pérolas Lao Tsé, fala assim em um dos seus livros:aos porcos. Como outros sábios de sua época, ele “O mundo pensa encontrar nos livros a melhorera fundamentalmente contra a degenerescência definição de Tao, mas os livros são apenas umado Império chinês, e, tal como Confúcio, voltava- coleção de palavras. Se as palavras são precio-se para os áureos séculos passados. Contudo, sas porque levam o pensamento, o pensamentoconsiderava inúteis todas as discussões sobre o que resulta de algo que é impossível exprimir porera bom ou não. Para ele, falar muito de virtude palavras. Quando o mundo aprecia o valor dossem conhecer-lhe a essência apenas leva à hipo- livros pelas palavras que contêm, aprecia o quecrisia. Para ele, as virtudes só podem emanar de não tem verdadeiro valor. O que ele vê são as for-uma base mais profunda, da força intacta de Tao, mas e as cores externas, o que entende são apenasque é a própria unidade. Se faltar isso, mesmo o sons e nomes. É grande pena que o mundo tomemais insistente conselho nada significa. Os antigos formas, cores, nomes e sons pela essência mesmaeram “virtuosos”; eles emanavam virtudes, sem do Tao.A forma, a cor e a sonoridade das palavrasostentá-las. E elas ainda não tinham nome. Re- são muito insuficientes para revelar o verdadeiroceberam-no unicamente quando se começou a ser do Tao. Por conseguinte, os que sabem nãoconhecer os vícios. Lao Tsé queria que se voltasse falam, e os que falam não sabem. E como poderiaà simplicidade da origem que chama “a madeira o mundo conhecer a sua própria essência verda-bruta”. Ele supunha que elas tivessem reinado na deira!”idade de ouro, pois os antigos eram “naturalmente Chuang Tsé continua a nos esclarecer dandobons e o bem emanava deles”. outro exemplo:A palavra dos antigos não poderia nos fazer “O príncipe Huan, sentado em sua sala de re-adquirir a sabedoria, ela deveria brotar em nós, e cepção, lê um livro. No andar inferior, Pzien, um38 pentagrama 3/2008

o livro da pureza1. Lao Tsé, o sublime, disse: mental não é puro e seus desejos do Tao. Quem está em condi- “O grande Tao não tem forma, persistem. Quem consegue ção de compreender isso tem o mas gera o céu e a terra e os rejeitar suas cobiças verá que poder de transmitir a outros o alimenta. O grande Tao não sua razão já não lhe pertence; Tao sagrado”. tem desejos, mas ele faz girar o se considerar seu corpo, verá sol e a lua. O grande Tao não que ele já não lhe pertence; se 5. Lao Tsé disse: “Os superiores, tem nome, mas ele assegura o considerar as coisas exteriores, os que sabem, não fazem crescimento e a manutenção de verá que já não se interessa por esforço; as pessoas de condição todas as coisas. Não conheço elas. Se compreender esses três inferior se esforçam com prazer. seu nome, mas chamo-o de Tao. pontos, ele estará simplesmente Quem possui uma grande vazio. Esse vazio despertará seu qualidade não a mostra; quem2. Tao se manifesta no puro e no pensamento à contemplação do só tem uma pequena se contenta impuro, no movimento e na “nada”. Sem esse “nada”, não com ela. Quem se contenta com imobilidade. O céu é puro, e existe vazio. Quando o pen- ela e a mostra não é contado a terra, impura. O masculino samento do vazio desaparece, como participante “do Tao e de é puro, o feminino, impuro; o o “nada” desaparece também, suas qualidades”. masculino é móvel, o feminino, e quando o pensamento do imóvel. O que é genuinamente “nada” desaparece, segue-se 6. A razão pela qual todos os ho- puro desce, ao passo que o im- nitidamente um estado de mens não recebem o verdadeiro puro é fluido e se espalha; assim repouso e de silêncio contínuos. Tao é porque seu mental está tudo foi gerado. O puro é a fon- Como, nesse repouso, inde- corrompido. Se seu mental está te do impuro, e o movimento, pendentemente do lugar que corrompido, seu espírito está o fundamento do repouso. Se ocupamos, poderia nascer um perturbado. Se seu espírito está o homem permanecesse sempre desejo sequer? Então, quando perturbado, eles se deixam atrair puro, calmo e silencioso, o céu já nenhum desejo aparece, pelas coisas exteriores. E, neste e a terra retornariam ambos ao reinam o verdadeiro silêncio e o caso, eles as buscam com avidez. não-ser. verdadeiro repouso. O verda- Ora, essa avidez causa embaraço deiro silêncio é uma qualidade e tormentos, provocando a con-3. O espírito humano ama a pure- constante e, nessa disposição, fusão do pensamento e lançando za, mas o intelecto a corrompe. percebemos todas as coisas no o corpo e o espírito na angústia A razão ama a calma e o silên- interior do ser; sim, essa ver- e na aflição. A pessoa experi- cio, as cobiças os fazem cessar. dadeira e constante qualidade menta tristeza e humilhação, Se o espírito é capaz de sempre torna-nos mestre da natureza ela atravessa de forma selvagem rejeitar as cobiças, o intelecto humana. E essa entrega e esse e precipitada as conseqüências fará de si mesmo silêncio. Se calmo silêncio proporcionam dos estados de vida que levam à a inteligência for depurada, o pureza e repouso contínuos. morte, continuamente arriscada próprio espírito se tornará puro; Quem possui a pureza perfeita a soçobrar no oceano da amar- os seis desejos (os dos cinco chega progressivamente ao gura e a perder o verdadeiro Tao sentidos e o da imaginação) não verdadeiro Tao. E, quando pela eternidade. aparecerão, e os três defeitos chegar a isso, ele será chamado (cobiça, cólera e estupidez) se mestre do Tao. Embora chama- 7. O verdadeiro e eterno Tao! Os aniquilarão, desaparecendo por do mestre do Tao, ele não pensa que o compreendem recebem- si mesmos. ter na verdade melhorado o que no por si mesmos. E os que quer que seja. Por proceder à chegam a compreender o Tao4. S e os seres humanos não podem transmutação de todas as coisas permanecem na pureza e no ter acesso à razão, é porque seu vivas ele é chamado de mestre repouso”. aavveerrddaaddeeiriraavvirirttuuddee 39

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fabricante de carruagem, ocupa-se de uma roda. aquilo que nunca puderam explicar. O que vossaDe repente, ele depõe o martelo e o cinzel, sobe a Excelência lê não é, de fato, senão o depósito e oescada e diz ao príncipe: resíduo dos antigos”.“Posso me arriscar a perguntar a Vossa Excelência A visita que Chuang Tsé fez a Lao Tsé para falarque espécie de palavras está lendo?” O príncipe de rituais e cerimônias ilustra a simplicidade e aresponde-lhe:“A palavra dos sábios”. – “Esses clareza de Lao Tsé, que lhe diz:sábios ainda vivem?”, pergunta-lhe Pzien.“Mor- “Os ossos das pessoas das quais tu falas desapare-reram”, responde-lhe o príncipe.“Então,Vossa ceram há muito tempo, e somente restaram suasExcelência lê palavras que são apenas depositá- palavras.rias e resíduo dos antigos.” O príncipe responde: Quando o sábio aproveita seu tempo, ele cresce“Como pode, você, um simples artesão, ter algo em seu trabalho; se não aproveita seu tempo, éDeixa cair teu ar altivo, teus numerosos desejos,tuas maneiras teatrais e tuas grandes ambiçõesa dizer de um livro que leio?! Pode explicar arrastado como palha ao vento. Eu ouvi dizer quemelhor? Porque, do contrário, tua vida está em um bom mercador esconde o seu tesouro e pa-risco.” O artesão diz:“Vosso servidor julga isso de rece pobre, enquanto exteriormente um homemacordo com seu próprio ofício. Quando fabrico virtuoso tem ar de tolo. Deixa cair teu ar altivo,uma roda de maneira demasiado delicada, a roda teus numerosos desejos, tuas maneiras teatrais eé bonita, mas o resultado não é realmente sólido; tuas grandes ambições. Isso não serve para nada.se golpeio muito forte, é cansativo e as juntas en- Era isso que eu tinha a te dizer”.caixam mal. Mas se os movimentos da minha mão Chuang Tsé saiu e explicou aos seus alunos:não são nem demasiado suaves nem demasiado “Sei que os pássaros voam, que os peixes nadam eimpetuosos, consigo realizar a idéia que tenho no que os animais dos campos caminham sobre patas.espírito. E não há palavra para explicá-lo: há ainda Para estes, pode-se fazer armadilhas; para os queum último golpe a dar que não posso ensinar ao nadam, redes; para os que voam, flechas. Não seimeu filho e que nenhum filho pode aprender se o Dragão (O Ser divino) voga ao vento e nasde mim. É por isso que, tenho setenta anos e, na nuvens e ascende ao céu, mas, hoje, vi Lao Tsé: eleminha idade, ainda faço rodas. Por conseguinte, é semelhante ao Dragão”.se os antigos morreram e desapareceram com “Lao Tsé praticava o Tao e a virtude. Ele morou a verdadeira virtude 41

muito tempo em Tsiau. Prevendoa queda de Tsiau, partiu e chegouà fronteira. O responsável pelafronteira disse-lhe:‘Senhor, vejoque tendes a intenção de retirar-vos; solicito-vos que escreva umlivro para mim’. Então, Lao Tséescreveu um livro em duas partessobre o Tao e a Virtude, empregan-do cinco mil sinais, representandocada um uma palavra. Ele se foi, eninguém sabe onde morreu” µFonte:Blok, J.A.,Tao Te King, Deventer, 1956.O texto da página 39, intitulado O livro da pureza,que possui a mesma clareza de Lao Tsé e se referea ele, foi escrito por Ko Chuang (222-272 a.C.).42 pentagrama 3/2008

o mistério do coraçãoFalamos do músculo mais potente do corpo humano e que não envelhece. As célulasdo corpo são extraordinárias: elas se comunicam entre si independente de qualquerconsideração de tempo e de espaço. Essa e outras propriedades permitem que ocoração humano possa ser o instrumento da luz divina.Considerando certas propriedades do pulmões com uma força menor, capaz apenas coração físico, podemos compreender de fazer jorrar água no ar a trinta centímetros por que esse órgão é o instrumento de altura.da luz divina. O coração é o músculo maispotente do corpo humano; e não envelhece ENERGIA É A PALAVRA CHAVE Num sistemacomo os outros músculos, mesmo se está incessante de contrações e distensões, odoente, danificado ou enfraquecido. Desde coração fornece energia ao corpo durante todao princípio, foi criado para preencher uma a sua vida. Até nas profundezas do átomo,função importante, do primeiro ao último as unidades energéticas sabem precisamentesuspiro do ser humano. Ele é composto por como comportar-se, como colaborar comduas partes vizinhas uma da outra, separadas outras energias, em quais níveis residir e opor uma parede intermediária. momento no qual já não devem manifestar-se.Cada uma possui sua própria energia, e uma Diz-se atualmente que energia é informação.ação e função específica. Cada metade é Dessa forma é possível que a existência dasdotada de uma cavidade superior para onde coisas e dos seres varie do átomo a uma únicao sangue aflui e de uma cavidade inferior célula, de um organismo unicelular a milharespor onde é expulso. A parte esquerda é mais de galáxias, e ainda não temos plena noçãopotente que a direita. Ela dirige o sangue daquilo que chamamos de mundo físico.através de uma enorme rede de canais sanguí- A consciência de Aquário significa: ter aneos, impulsionando-o com tal força que faria consciência de que tudo o que é matéria esaltar água no ar a dois metros de altura. movimento é energia, e que qualquer energiaA parte direita regula essencialmente a é informação, ou seja: conhecimento, saber,circulação de entrada e saída do sangue nos inteligência, e por conseguinte, na sua origem o mistério do coração 43

mais profunda, sabedoria e espírito. A Escola qualquer importância. Em virtude das carac-da Rosacruz Áurea fala a respeito da força da terísticas de suas células, o coração é o geradorideação fundamental. As células do coração de uma energia de freqüência vibratória muitotêm uma maravilhosa propriedade: podem elevada: a energia da alma.comunicar-se entre si, sem os obstáculosprovenientes do tempo e do espaço. Todas CADA CÉLULA DO CORAÇÃO BATE DE MODOas outras células corporais comunicam-seentre si por meio do tecido nervoso. As DIFERENTE Um gerador é um aparelho trans-células do coração não têm necessidade de um formador de energia: transforma, por exemplo,intermediário material, sabem diretamente energia física ou mecânica em energia elétrica.umas das outras o que devem fazer, fora do O coração é o principal e mais potentetempo e do espaço. Comportam-se num plano gerador do corpo. Ora, dado que a energiasuperior, ou mais profundo: no plano da alma é informação, pode-se empregar esses doisverdadeira onde o tempo e o espaço perderam termos no mesmo sentido em dois planos, quer no plano físico (energia-informação) quer no44 pentagrama 3/2008

Se as células corporais vibram todas- de fato, são todas energia - o bati-mento de cada célula do coração éindividual e únicoplano superior (energia-espírito). Nosso co- coração representa mais que alguns simplesração envia incessantes fluxos de informações impulsos, é uma energia misteriosa no planoa todos os órgãos e todas as células do corpo. material, uma energia misteriosa no planoCada uma das células do corpo – setenta e da alma, uma energia misteriosa que põe emcinco bilhões – banha-se, por assim dizer, na prática as maravilhas do espírito, sem ter deenergia do coração. Cada célula do coração – contar com o espaço e o tempo. Nosso cora-vários milhões – tem um batimento próprio, o ção é, portanto, muito potente, muito sutilque não é o caso das outras células corporais; e silencioso, é o mensageiro do divino que,e batem comunicando-se entre si de maneira como faísca do Espírito, repousa em nossosutil e incessante. Cada coração bate assim de coração sendo ao mesmo tempo onipresente.maneira específica. Uma orquestra de milhões Essa força de vida divina, chamada também dede músicos toca, numa indizível união rítmica, prana ou prana original, vibra profundamenteuma sinfonia que nos faz sentir e entender em nosso coração embora esteja presente emo segredo da nossa vida. O batimento do toda parte. Assim, pode-se afirmar que é o coração enquanto órgão físico – que se mostra mais em conformidade com a energia vital original, e que é, por conseguinte, instru- mento mais apto a revelar o Espírito divino aos seres humanos. O campo eletromagnético do coração é muito mais potente que o do cérebro. Este último, pode-se dizer que tem um efeito óptico comparável à luz que se vê quando se olha o Sol por muito tempo. O campo eletromagnético do coração é cinco mil vezes mais potente! E isso, de acordo com as medições dos pesquisadores em ciência médica. 40 000 000 DE VEZES AO ANO Nosso coração oculta mistérios com os quais nossos pensa- mentos não podem nem sonhar e são incapazes o mistério do coração 45

de representar. Nosso coração é literalmente preenchidos de amor, que uma faísca divinauma energia impulsionadora ao mesmo tempo habita o nosso coração. A luz divina é indivi-que é um mistério da luz. Órgão de luz, ele sível, opera de maneira onipresente. Singularestá apto a reagir à luz divina que transcende o e única, além do espaço e do tempo, é noespaço e o tempo. Os grão-mestres repetiam- entanto o centro, o coração microcósmico dono freqüentemente: “A cada batimento do nosso ser verdadeiro, ao mesmo tempo centralcoração, Cristo nasce em vós”. “A maravilhosa e onipresente. Nosso coração é o gerador, osinfonia que se pode ouvir através dos bati- transformador das vibrações da luz original.mentos do coração é a silenciosa mensagem Por volta do vigésimo quinto dia da gravidezdo grandioso mistério da vida.” Esse mistério a mulher pode ou não saber que está grávida,torna-se ainda mais profundo se pensarmos, porém o coração do embrião já formado46 pentagrama 3/2008

Mesmo que tenhamos medo de tudo,não há senão um único medo: o da mortecomeça a bater, mais ou menos uma centena cérebro, a voz do eu ressoa em todas as partesde milhares de vezes por dia, o que perfaria do corpo. O velho deus do cérebro governaum total de quarenta milhões de vezes por e rege, e não quer abandonar seu domínioano. Durante um período de setenta anos, sobre o corpo. O cérebro está incessantementeocorrem quase três bilhões de batimentos. alerta e reage continuamente aos impulsos,Poderíamos nos perguntar: como é possível por instinto de conservação. É natural lutarque um ser humano, mesmo que apenas uma para sobreviver, servir-se de mecanismos devez na vida, não perceba o chamado de seu salvaguarda como as impressões, a experiência,coração, não ouça o misterioso bater à porta a reflexão, a vontade. No cérebro, seu deusde sua existência? Com exceção dos outros ór- desconfia constantemente e lança olharesgãos, podemos ouvir nosso coração sem cessar. penetrantes, ou furtivos, ao redor de si a fimEle tem sua tonalidade específica, e é possível de reagir à mais ínfima agressão, verdadeirasentir o nosso pulso, o ritmo dessa melodia, ou imaginária, defender-se e contra-atacarno nosso corpo inteiro. Quanto aos outros utilizando as mais variadas estratégias paraórgãos, sentimos a sua presença apenas quando assegurar sua segurança e conservar sua vida. Éum deles não vai bem, quando está obstruído, interessante notar que o cérebro não adormeceindisposto ou doente. Ao contrário, sentindo nunca. Não estamos falando das funções quee ouvindo o nosso coração, percebemos a asseguram discretamente a sobrevivência dosua presença indestrutível, e isso representa corpo, mas sim da atividade mental do deustambém uma mensagem importante: o coração do cérebro, que prossegue durante a noite eé uma imagem material da presença eterna da influencia muitos sonhos. Além disso, todas asluz divina. angústias provêm do cérebro. Pode-se dizer que há apenas uma única angústia: o medo daUM TAGARELA IMPENITENTE Nosso cérebro morte. Ainda que estejamos presos a diversasfala-nos da presença do nosso ego, nosso eu preocupações, quaisquer que sejam, é corretoterrestre. É evidente que numerosos fatores falar apenas dessa única angústia. O deus doformam nosso eu temporal, mas é no cérebro cérebro teme a morte, teme desaparecer e pro-que ele tem a sua residência principal. A voz cura, portanto, sem cessar, novos estímulos,do eu nunca se cala. Ela manifesta-se na ca- novos interesses. Ele não se apóia em coisasbeça, para em seguida derramar-se como uma antigas, porque nelas não há nada de novo,cascata, noite e dia, sem cessar, no resto do ele procura o sensacional, literalmente o quecorpo. E, do cérebro, as palavras descem como estimula os sentidos, sem o que, enfraquece.a água e penetram o corpo inteiro. Através dos A calma e o silêncio são para ele um suplício.inúmeros filamentos nervosos que partem do Mesmo se imaginar ocasionalmente que tem o mistério do coração 47

Em todo o Universo, não há nada que aproxime mais de Deus do que o silêncionecessidade de silêncio, para retomar o fôlego de qualquer movimento, o repouso absoluto.a fim de poder continuar no que há de mais Pode-se considerar que essa força é um estadobelo, não se trata de verdadeira calma. Não absolutamente puro, onipresente, um estadohaveria absolutamente nenhuma dificuldade divino. Onde essa energia espiritual divinaem falarmos durante horas dos traços de se manifesta, o silêncio reina profundamente.caráter do deus do cérebro. Ele é perito na Tudo provém desse silêncio, ele “é”.arte de se mostrar, e falar muito é exatamente Mestre Eckhart disse que nada no universouma das suas características. Mas voltemos ao inteiro se assemelha a Deus como a calmacoração e, pelo coração, ao silêncio do estado e o silêncio. A cada batimento do coraçãodivino. O silêncio interno destrona o deus do nasce em nós a misteriosa força do silêncio.cérebro; então esse mestre ilegítimo torna-se Porque o coração é o instrumento pelonovamente um empregado enquanto for qual as energias que transcendem o espaçonecessário. A finalidade do cérebro é servir, e e o tempo podem trabalhar. Para entrarnão governar. Ele deve, por fim, tornar-se a em contato ao nível do coração com asede, o trono, do espírito. paz e o silêncio, e receber o estimulo, é absolutamente necessário que o deus doINFORMAÇÃO É ESPÍRITO A energia continua cérebro, o ego, entregue-se totalmente aossendo informação. E a informação em seu impulsos que af luem através do coração. Éestado mais puro, no estado divino, é espírito. impossível ao deus do cérebro fazer silêncioO significado original da palavra espírito é: por ele mesmo, cada uma de suas tentativasrespiração, mobilidade, atividade. Hermes nos nesse sentido é ainda uma afirmação da suaensina que qualquer movimento se dá num própria existência. É a comprovação da suaambiente imóvel. A intuição não murmura no completa impotência que dá ao ego a suamais profundo de nosso coração? Suponhamos única possibilidade: voltar-se ao forte impulsoo seguinte: ao dissolver-nos no mais silencio- do coração. Essa rendição não deve nuncaso saber do coração, haveria uma energia de ser um ato do eu, porque cada ato do eu ofreqüência vibratória tão elevada que a palavra fortalece; trata-se de ser atraído pelo mistério“elevada” seria fraca demais para qualif icá-la. divino do coração, pela centelha do EspíritoE qualquer adjetivo limitaria ainda mais que vibra no mais profundo desse coração. Aessa palavra. Essa energia é extremamente entrega, a rendição do eu, não é o resultadogrande, rápida, e onipresente. Seria necessário de uma ação, de um exercício ou de umaqualificá-la de divina porque, de fato, ela representação. Ele resulta da força de atraçãoescapa ao conhecimento humano. Ela é a do núcleo de luz divina que vibra em nossofonte de todas as energias, a causa imutável coração, que se abre para a vida original µ48 pentagrama 3/2008


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