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Livro Final 12 Curso PGDI 2017

Published by paulo.silva, 2017-12-13 14:16:02

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12º Curso de Pós-Graduação em Doenças Infeciosas 2 de outubro de 2017 a 12 de dezembro de 2017 SINOPSESEsta atividade educacional é suportada por COORDENAÇÃOum donativo educacional independente da Serviço de Doenças Infeciosas do ViiV Healthcare. Hospital de Curry Cabral - CHLC Prof. Doutor Fernando Maltez Instituto de Saúde Ambiental Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Prof. Doutor Francisco Antunes

S1e2miºnCDuorsopoesdneePçsóas-sGrIandufaeçcãoiosas PÁGINAÍNDICE Paula Vasconcelos 6 Sara Lino 7Globalização das doenças infeciosas Luis Taborda Barata 8Epidemiologia e prevenção das doenças infeciosas Isabel Portugal 10Imunidade nas doenças infeciosas José Melo Cristino 11Avanços no diagnóstico microbiológico José Poças 13Antibióticos e resistências Aida Pereira 16Atualização em antivíricos Maria José Manata 18Terapêutica antifúngica Luís Trindade 19Infeções do aparelho respiratório superior Rui Proença 21Infeções da pele e dos tecidos moles Ramalho de Almeida 23Endocardites infeciosas Fernando Maltez 25Pneumonias na comunidade Carla Mimoso Santos 27Tuberculose Ana Mouzinho 28Infeções de próteses e dispositivos intravasculares João Sá 30Mononucleose infeciosa Helena Rebelo de Andrade 31Infeções do aparelho urinário Joaquim Oliveira 32Gripe José Gonçalo Marques 34Infeções osteoarticulares Kamal Mansinho 38Doenças infeciosas exantemáticas da criança Aida Botelho de Sousa 39Meningites e encefalites* João Borges da Costa 42Infeções víricas e doenças malignas associadas António Vieira 44Vírus do papiloma humano António Mota Miranda 46Doenças infeciosas de origem alimentar Célia Oliveira 47Febre tifóide e salmoneloses Joana Fernandes 49Brucelose Sofia Núncio 50Leptospirose Isabel Aldir 52Zoonoses em Portugal Maria José Manata 54Febres hemorrágicas Manuela Doroana 56Infeção por VIH (doenças oportunistas) Francisco Antunes 57Infeção por VIH (doenças não-associadas à sida) Rosário Serrão 59Infeção por VIH (terapêutica antirretrovírica) Rui Sarmento e Castro 60Hepatites víricas Ana Cláudia Miranda 62Hepatite C – tratamento Cristina Valente 64Hepatite B – tratamento e imunização Cândida Abreu 66Coinfeção VIH/hepatites Diana Póvoas 68Malária Febre e neutropenia 2

SinopsesInfeções em transplantados Asunción Moreno PPÁÁGGIINNAASépsis* José Artur Paiva 70 72Infeções nosocomiais* António Sarmento 73 74Bioterrorismo Silva Graça 76 77Imunizações Saraiva da Cunha 79 81Infeções em cuidados intensivos José Luís Boaventura 83 85Infeção cirúrgica e profilaxia antimicrobiana Álvaro Ayres Pereira 87 89Exposição ocupacional e não ocupacional Teresa Martins 91 92A imagiologia no estudo das doenças infeciosas Nuno Carrilho Ribeiro 94 95Infeções sexualmente transmitidas Cândida Fernandes Prevenção das doenças infeciosas do viajante Jorge Atouguia Febre e síndrome febril indeterminada Isabel Aldir Doenças infeciosas em utilizadores de drogas injetadas Francisco Antunes Microbioma humano Francisco Guarner Novas estratégias do diagnóstico laboratorial em parasitologia Olga Matos Doenças infeciosas emergentes e reemergentes Fernando Maltez * Texto nãp disponível 3



12º CDursooedne Pçóas-sGrIandufaeçcãAoiouslaass Teóricasem SINOPSES 5

SinopsesGlobalização das doenças infeciosasPaula VasconcelosNum mundo cada vez mais transfronteiriço, a propagação de doenças infeciosas tem-se tornado um problema maisglobal e complexo. A crescente globalização, o aumento da circulação de bens e pessoas, o aumento da urbanização,as mudanças no comportamento e nas estruturas sociais e as alterações ambientais e climáticas constituem o maiordesafio da saúde pública atual.A deteção precoce de surtos de doenças emergentes e reemergentes torna-se uma ferramenta fundamental ecomplementar da vigilância das doenças transmissíveis. Algumas ameaças são conhecidas e os mecanismos para a suaprevenção já estão estabelecidos. A pandemia da gripe veio trazer a obrigação de se organizarem planos de preparaçãoe de resposta a estas ameaças. Outros destes acontecimentos são desconhecidos e exigem mecanismos de deteçãoatempada e coordenação de resposta a nível local, regional, nacional e internacional.Exemplos recentes do Zika e do Ébola e, ainda, situações como as resistências aos antimicrobianos e as zoonoses, comoSARS, MERS-CoV e outras doenças infeciosas, com dimensão global, levaram à declaração, pela Organização Mundialda Saúde, através do Regulamento Sanitário Internacional, de Public Health Emergencies of Internacional Concern. Taldeclaração de emergências de Saúde Pública de Interesse Internacional tem motivado a reorganização dos serviços,dada a necessidade de se disponibilizarem estruturas e recursos capazes de potenciar a deteção precoce destesacontecimentos e de reforçar a coordenação das respostas, cada vez mais de caracter internacional e transfronteiriço.A utilização de ferramentas eletrónicas, para deteção de alertas e de monitorização em tempo real, visa contribuir paraa resposta rápida e atempada, na interrupção de cadeias de transmissão de doenças cada vez mais transfronteiriças egraves. A vigilância epidemiológica clássica, fundamentada em indicadores e em sistemas de notificação morosas, nãoé suficiente para os atuais desafios de surtos e epidemias. A complementaridade da monitorização destes surtos trazuma mais-valia na prevenção, deteção, avaliação de risco, resposta e comunicação de doenças infeciosas. A EpidemicIntelligence (EI), instrumento de trabalho da epidemiologia global, tem-se tornado uma ferramenta essencial nosserviços de saúde pública mais atualizados. A operacionalização da EI implica a capacidade de gestão de informação dediferentes fontes, oficiais e outras informais, obrigando a processos de compilação e análise dos dados recolhidos deforma integrada e sistemática.Portugal tem acompanhado o desenvolvimento mundial de novas tecnologias que apoiam a deteção e a resposta asurtos de doenças infeciosas e tem-se tornado um parceiro, cada vez mais ativo, nas discussões das grandes questõesde saúde global e do impacto das doenças infeciosas. O surto de Dengue na Madeira, em 2012-2013, e de doença doslegionários em Vila Franca de Xira, em 2014, veio confirmar as vantagens de implementação de mecanismos integradosde vigilância das doenças transmissíveis e o estabelecimento de parcerias multidisciplinares na resposta. A existênciade uma rede de autoridades de saúde a nível local, regional e nacional reforça a capacidade de partilha de informaçãoe de implementação de medidas de prevenção e de controlo. Os mecanismos de alerta internacionais permitemque a nível nacional, da Direção-Geral da Saúde e do Centro de Emergência em Saúde Pública, se acompanhem e seidentifiquem alertas de saúde pública por agentes biológicos (e de outros, como ambientais e químicos), que, ocorrendoem qualquer parte do mundo, podem ter impacto na saúde dos portugueses, assim como eventos nacionais que podemter impacto na saúde global.Desafios atuais requerem capacidade para avaliar os riscos da globalização, do crescimento de aglomeradospopulacionais sem estruturas de gestão da água, saneamento básico e resíduos, mudanças nas estruturas sociaise das condições ambientais e climáticas, assim como das evoluções biológicas de agentes patogénicos, todos estesfatores progressivamente favoráveis à disseminação de doenças transmissíveis. Para além disso requerem concertaçãointernacional na disponibilização de meios de diagnósticos, de medicamentos e de vacinas para que os ganhos, mesmoque limitados, possam ser globais.6

SinopsesEpidemiologia e prevenção das doenças infeciosasSara LinoA epidemiologia define-se como o estudo da ocorrência, da distribuição de acontecimentos e fatores determinantes deestados de saúde em populações especificadas, bem como a aplicação desse estudo à avaliação do risco e ao controlodos problemas de saúde identificados. A epidemiologia começou por ser aplicada, apenas, às doenças infeciosas, mas,atualmente, utiliza-se para todas as outras doenças.Nos últimos anos, as doenças infeciosas deixaram de ser a principal causa de morte nos países desenvolvidos, dandolugar às doenças não notificáveis (por exemplo, doença cardiovascular na forma de enfarte do miocárdio e doençacerebrovascular), que resultam da modificação dos estilos de vida – sedentarismo, comercialização de alimentos poucosaudáveis, aumento da esperança média de vida, pobreza, entre outros fatores.As doenças infeciosas podem apresentar-se segundo padrões epidemiológicos específicos: a) Esporádica – com poucoscasos e dispersos; b) epidémica – quando se regista aumento significativo do número de casos associados, no tempoe no local; c) endémica – quando persiste ao longo do tempo, com ou sem fases epidémicas; d) pandémica – comextensão generalizada da forma epidémica.Ao longo dos séculos, a interação entre hospedeiro, vector, microrganismo e ambiente tem determinado a evolução dasdoenças e das suas manifestações, dependendo, assim, da localização geográfica e da época.Relativamente ao hospedeiro, os fatores que têm maior influência, no padrão epidemiológico das doenças infeciosas,são a idade, o género e o grau de exposição aos agentes microbianos.A taxa de reprodução dos casos (R0) define-se como o número médio de indivíduos que são, diretamente, infetados porvia de um caso infecioso, durante todo o seu período de infeciosidade. Para se tratar de uma epidemia é necessário queR0 seja > 1, se for igual a 1 a doença torna-se endémica (número de casos estáveis ao longo do tempo) e se R0 for < 1 adoença terá tendência a desaparecer. R0 vai depender da transmissibilidade da doença, do contexto sociodemograficolocal e da proporção da população suscetível.Após a exposição a um agente pode haver manifestações clínicas de infeção ou, apenas, infeção subclínica. O quadroclínico é determinado pela virulência do agente e por outros fatores, como características intrínsecas do hospedeiro, quevão determinar a sua suscetibilidade à infeção e às manifestações clínicas.Os sistemas de vigilância epidemiológica permitem acompanhar as alterações nos padrões epidemiológicos dasdoenças, atraves da recolha das notificações, permitindo, assim, a identificação de surtos e a criação de alertas. Arecolha de informação possibilita o estudo da doença e o controlo da sua disseminação.As doenças infeciosas emergentes são, assim, designadas quando se assiste ao aumento do número de casos ou amodificação importante, como a alteração do perfil de suscetibilidade a antibióticos, que pode ter impacto imediatona população. Como exemplo, as modificações climáticas que levam ao aparecimento de vetores em zonas ondeanteriormente não existiam, podem modificar a distribuição das doenças. A salientar, ainda, o aumento de viagenspara regiões, no passado, pouco frequentadas, com condições higieno-sanitárias precárias, podendo estar na origem dadisseminação rápida de doenças anteriormente confinadas à população local.A prevenção das doenças infeciosas assenta em alguns princípios fundamentais:— Controlo de vetores.— Imunização da população através das vacinas disponíveis.— Melhoria das condições ambientais, com educação da população e melhoria das condições higieno-sanitárias.— Correcção de estilos de vida, como alimentação saudável, exercício físico, diminuição do contacto com agentes tóxicos (por exemplo, álcool, tabaco e pesticidas).Nunca esquecer que o homem é o homem e a sua circunstância (Ortega y Gasset) e só assim se consegue entender aepidemiologia. 7

SinopsesImunidade nas doenças infeciosasLuis Taborda BarataO sistema imunitário funciona como uma “consciência molecular” do organismo (self), o que implica a identificação(“reconhecimento”) de sequências moleculares que não pertencem ao organismo. Esse reconhecimento pode levar à ativaçãodo sistema imunitário e a uma reação contra o agente portador dessas sequências moleculares “estranhas” (non-self).De uma forma muito simplificada, é possível estruturarem-se respostas imunitárias dirigidas a duas situaçõesmodelo – bactérias extracelulares e vírus (respostas a bactérias intracelulares têm características que pertencemàs duas situações-modelo citadas, pelo que não serão referidas). Embora as respostas imunitárias contra bactériasextracelulares e contra vírus envolvam vários aspetos (células e mediadores das componentes inata e adaptativa dosistema imunitário) que podem ser comuns, estão, no entretanto, associadas a mecanismos, fundamentalmente,diferentes.No caso das bactérias extracelulares, estão desenvolvidos mecanismos de reconhecimento bacteriano (através derecetores como os de reconhecimento de padrões moleculares – PRR, do inglês Pathogen Recognition Receptor, quedistinguem sequências aminoacídicas expressas por agentes patogénicos – PAMP, do inglês Pathogen-AssociatedMolecular Patterns) e fagocitose dessas bactérias reconhecidas por macrófagos, células dendríticas (CD) e neutrófilos,nos tecidos periféricos. Uma vez fagocitadas, as bactérias são destruídas por mecanismos microbicidas, comprocessamento dos seus antigénios pela via endocítica e apresentação antigénica, no contexto de moléculas docomplexo major de histocompatibilidade (MHC) da classe II – efetuada por macrófagos e CD – a linfócitos TCD4+ nosgânglios linfáticos ou no baço. Por outro lado, linfócitos B, localizados nestes dois órgãos, podem, também, capturardiretamente antigénios bacterianos e apresentá-los aos linfócitos TCD4+. Assim, macrófagos, CD e linfócitos B sãoconhecidos como células apresentadoras de antigénios ou APC (do inglês, Antigen-Presenting Cell) e deve-se salientarque quer as APC, quer os linfócitos TCD4+ ficam ativados e podem-se diferenciar, como resultado desta interação. Nocaso dos linfócitos TCD4+, a apresentação antigénica, neste contexto, tem potencial para induzir a síntese de interferão-gama (INF-γ) e de interleucina-2 (IL-2), nestes linfócitos, o que caracteriza um perfil de citocinas do tipo T helper 1 (Th1).Isto é fundamental porque, por exemplo, o INF-γ aumenta a capacidade fagocítica, o grau de eficácia microbicida ede apresentação antigénica em macrófagos, para além de induzir a mudança de isotipo de anticorpos para IgG, noslinfócitos B. Este isotipo de imunoglobulina é fundamental para os mecanismos antibacterianos humorais diretos, bemcomo para induzir e/ou otimizar outros mecanismos celulares adicionais.De referir, ainda, que a entrada de bactérias num tecido pode ativar, diretamente, o importante sistema docomplemento, que tem propriedades anti-inflamatórias (contribuindo, por exemplo, para a quimiotaxia de neutrófilospara o local de infeção), citolíticas (através do complexo de ataque à membrana) e indutoras de fagocitose (através dorevestimento/”opsonização” de células-alvo com fatores do complemento, o que facilita a fagocitose dessas células porfagócitos, que possuem recetores para esses fatores nas suas membranas).No caso dos vírus, e após a sua internalização (que envolve, também, ligações entre PRR e PAMP) em células que ficaminfetadas, a produção de citocinas, como os interferões (INF) de tipo I (que são diferentes do INF-γ) vai permitir induzirmecanismos antivíricos diversos em células vizinhas, não infetadas. Mais ainda, os INFs de tipo I vão estar associadosà ativação de células muito importantes para a imunidade antivírica, como as células TCD8+ ou as células natural killer(NK). Por outro lado, a presença de proteínas víricas, no citoplasma de células infetadas, possibilita, mediante certascondições, o processamento e a apresentação antigénica pela via citosólica, que culmina na apresentação de antigéniosvíricos, no contexto de moléculas do MHC da classe I, a linfócitos TCD8+, promovendo a sua ativação e diferenciação.Mais ainda, células infetadas lesadas são fagocitadas por macrófagos e CD, que processam e apresentam antigéniosvíricos, no contexto de moléculas do MHC da classe II, o que permite ativar, também, linfócitos TCD4+ tipo Th1. Tal éimportante porque estas células TCD4+ vão potenciar o desenvolvimento da imunidade humoral antivírica em linfócitosB, que podem, assim, passar a produzir IgG e/ou IgA com elevada afinidade. Por outro lado, a IL-2, produzida peloslinfócitos TCD4+ ativados, é fundamental para auxiliar os linfócitos TCD8+ a adquirirem uma forte capacidade de citólisede células-alvo, tornando-se citolíticas (CTL). Assim, células TCD8+ CTL vão poder, eficazmente, lisar todas as célulasinfetadas que lhes apresentam corretamente antigénios víricos, no contexto de moléculas do MHC da classe I.8

SinopsesContudo, há células infetadas por vírus que deixam de expressar moléculas do MHC da classe I, o que lhes permitenão serem destruídas por linfócitos TCD8+ CTL (mecanismo de escape). Aqui assume um papel fundamental umacélula do sistema imunitário inato denominada nature killer (célula NK). De facto, este tipo de células consegue,fundamentalmente, destruir células infetadas que não possuam MHC da classe I, para além de, também, poderemdestruir células infetadas que tenham outras alterações no leque de recetores e outras moléculas que expressam nassuas membranas celulares.Uma noção que convém relembrar é a de que os linfócitos T e B têm a capacidade de recircular dentro do organismo,contribuindo para uma imunovigilância mais eficaz. De forma, ainda, mais relevante, como representantes daimunidade adaptativa, estas células são os agentes que controlam os dois pilares fundamentais das respostasimunitárias – especificidade de resposta elevada para cada antigénio e capacidade de constituir memória imunitária.Sem estes dois aspetos garantidos, toda e qualquer vacinação contra agentes infeciosos seria muito pouco eficaz. 9

SinopsesAvanços no diagnóstico microbiológicoIsabel PortugalDurante as últimas décadas, houve um enorme e constante progresso nos avanços técnicos no campo do diagnósticomicrobiológico nas várias áreas, incluindo a bacteriologia geral, a micologia, a micobacteriologia, a parasitologia e avirologia. As capacidades de diagnóstico dos laboratórios clínicos modernos de microbiologia melhoraram e expandiram-se, rapidamente, sobretudo devido à revolução tecnológica, em aspetos moleculares da microbiologia e da imunologia.As técnicas rápidas para a amplificação do ácido nucleico e a caracterização combinada com a automatização e o softwarede fácil utilização alargaram, significativamente, o arsenal de diagnóstico para o microbiologista clínico. Apresentamdiversas vantagens, em relação aos métodos tradicionais, como maior poder de tipificação e discriminação, maior rapidez,bom limite de deteção, maior seletividade, potencial para automação, possibilidade de trabalhar com bactérias que não sãocultiváveis. De facto, os métodos moleculares de deteção rápida e eficaz já são realidade no laboratório de microbiologiaclínica. Hoje, associam-se velhos conhecimentos com os novos, facilitando o diagnóstico e o tratamento.Os desafios são muitos, indo além daqueles, tradicionalmente, conhecidos há mais de um século, que envolvem adefinição de protocolos confiáveis para cada material clínico e, dentro destes, para o isolamento e caracterização dopatogénio associado, o que requer, sempre, uma alta especialização e atualização contínuas do profissional envolvido.O modelo de diagnóstico laboratorial convencional foi, durante muito tempo, de dias de trabalhos intensivos,frequentemente levados às semanas, antes que os resultados da análise estivessem disponíveis. A estrutura físicados laboratórios, o perfil do pessoal técnico, o fluxo de trabalho e o tempo de execução têm sido, profundamente,influenciados por estes avanços técnicos. Tais mudanças irão continuar e tornarão, inevitavelmente, o diagnósticomicrobiológico um contributo indispensável em qualquer doença infeciosa. Os microbiologistas encontram-se na linhada frente no combate às resistências bacterianas, uma das maiores preocupações das Instituições de Saúde, oferecendoresultados rápidos, com precisão e confiabilidade. No entanto, o desenvolvimento e o aumento da resistência aosantimicrobianos desafiam as terapias mais eficazes. Identificá-las, o mais precocemente possível, permite tomarmedidas proativas e ajustar tratamentos, prevenindo o insucesso terapêutico. Mesmo em casos especiais inviabilizao tratamento com as classes de antimicrobianos, atualmente, disponíveis. Este problema que se caracterizava,principalmente, em relação a patógenos hospitalares, dissemina-se, também, na comunidade, como é o exemplo dogonococo, que foi, recentemente, declarado como emergência mundial, juntamente com outros agentes clássicos.A microbiologia talvez seja a área do laboratório que mais mobiliza o conhecimento do profissional, incitando-o aaplicar os seus conhecimentos em decisões importantes. É uma área que tem apresentado grandes mudanças, nãosomente tecnológicas, mas, também, do próprio conhecimento, com a introdução de novos fármacos, descrição denovos mecanismos de resistência, além de importantes contribuições para as comissões de infeção hospitalar. Exige-se do profissional diagnósticos presuntivos, que requerem conhecimentos atualizados, para que ele possa encaminharo andamento da identificação bacteriana ou isolamentos secundários. São decisões importantes para conduzir edirecionar as etapas seguintes do diagnóstico microbiológico.Neste contexto, serão abordados os problemas inerentes à introdução de uma nova metodologia no laboratório clínicode microbiologia, sendo apresentado o principal contributo das novas tecnologias no diagnóstico microbiológico, dasdoenças infeciosas. Serão abordadas as principais técnicas e os exemplos práticos das suas aplicações no campo dodiagnóstico, como a identificação microbiana com base na sequenciação de nova geração, diagnóstico molecular deinfeções sexualmente transmitidas, avanços no diagnóstico micobacteriano ou deteção e genotipagem de novosmicrorganismos emergentes. Serão, ainda, abordados os principais problemas e expetativas futuras no campo dodiagnóstico microbiológico.Especialização, modernização e atualização profissional são fundamentais para o microbiologista, que deseja manter-seatualizado profissionalmente. A introdução de métodos moleculares não dependerá, apenas, do seu desempenho paracada microrganismo individual, mas, também, da relevância clínica da questão de diagnóstico solicitado, da prevalênciado problema clínico e se os novos métodos são adicionados aos procedimentos em uso ou os irão substituir. Por isso, nãopodem ser propostas regras gerais – têm de ser elaboradas estratégias para cada agente infecioso ou síndrome clínica.10

SinopsesAntibióticos e resistênciasJosé Melo CristinoA descoberta e a utilização terapêutica dos antibióticos assinalou um dos maiores avanços da Medicina do séculopassado. Poderá tornar-se, contudo, no mais efémero dos avanços. As doenças infeciosas eram a principal causa demorte em todo o mundo. A situação mudou radicalmente, pelo menos nos países ditos desenvolvidos, com a introduçãona terapêutica destes poderosos fármacos, auxiliares ímpares e indispensáveis do sistema imunobiológico humano nocombate às infeções graves, sobretudo as de etiologia bacteriana.Uma euforia inicial considerando que o tratamento das doenças infeciosas seria, brevemente, controlado, cedo começoua sofrer alguns revezes, porque, precocemente, se presenciaram insucessos terapêuticos. Verificou-se que, à medidaque novos antibióticos iam sendo introduzidos, a eclosão de resistências nas bactérias, inicialmente, suscetíveis surgiade forma mais ou menos rápida.O Homem menosprezou as capacidades de adaptação dos microrganismos a condições hostis. Eles são os seres vivosque mais, rapidamente, adquirem e transmitem novas propriedades entre si como, por exemplo, a resistência aosantibióticos.O aparecimento de bactérias resistentes aos antibióticos resulta ou de mutação que confere a resistência ou deaquisição, por transferência horizontal, de genes responsáveis pela resistência. Esta transferência pode dar-se porvários mecanismos, sendo os mais conhecidos a transformação, em que há incorporação pela bactéria recetora deADN, diretamente, do meio ambiente após este ter sido libertado por bactérias dadoras mortas, a transdução, em quemoléculas de ADN, como os plasmídios, são transportadas de uma bactéria dadora para uma recetora, através de umvírus específico – o bacteriófago, ou por conjugação, em que a troca de material genético se dá por contacto direto entreas bactéria dadora e a recetora.Os genes responsáveis por resistência expressam-se na alteração do alvo do antibiótico na bactéria, na produção deenzimas que modificam o antibiótico, na ativação de vias metabólicas microbianas alternativas, na incapacidade de oantibiótico penetrar na bactéria por alteração da permeabilidade ou no desenvolvimento de bombas de efluxo que oexpulsam para o exterior do microrganismo.A pressão seletiva causada pelo uso excessivo dos antibióticos, na medicina humana, mas, também, noutras áreascomo a medicina veterinária, a agropecuária e a cosmética entre outras, fez crescer de forma muito preocupante aresistência aos antibióticos nas bactérias que, com frequência, colonizam ou causam infeção humana. Esta situaçãoreduziu, de forma acentuada, a eficácia da terapêutica das infeções, sobretudo quando empírica, e aumentou o risco decomplicações e mesmo da mortalidade.De entre as resistências bacterianas aos antibióticos algumas merecem atenção particular ou porque necessitamde estratégias específicas para serem detetadas no laboratório ou porque são, particularmente, importantes nasimplicações da sua presença para a utilização terapêutica dos antibióticos. Nas bactérias Gram positivo as resistênciasmais preocupantes são à meticilina em Staphylococcus aureus (as chamadas estirpes MRSA). Nestes casos, háresistência a todos os antibióticos beta-lactâmicos de uso corrente, penicilinas e cefalosporinas. Estas estirpes sãotambém, habitualmente, multirresistentes. Nestes casos, um grupo limitado de antimicrobianos pode e deve serusado na terapêutica das infeções graves, incluindo a vancomicina, o linezolide e a daptomicina. Contudo, emborararamente, também se têm encontrado resistências. Nas estirpes de Enterococcus é a resistência à vancomicina a maispreocupante. Em Portugal, ela é relativamente rara em Enterococcus faecalis, mas muito frequente em Enterococcusfaecium.Nas Enterobacteriaceae, a produção de beta-lactamases de espetro expandido (ESBL) é um mecanismo de resistênciamuito frequente e preocupante. A sua expressão põe-se, facilmente, em evidência na presença de ácido clavulânico, queinibe a sua expressão. As estirpes produtoras de ESBL são, habitualmente, resistentes às penicilinas e cefalosporinas,mantendo suscetibilidade apenas em relação aos carbapenemos. Em Portugal, a expressão de ESBL aparece, muitasvezes, associada a resistência a quinolonas e a aminoglicosídeos, o que limita muito as opções terapêuticas. 11

SinopsesA produção de carbapenemases, enzimas que inativam os carbapenemos, está em crescendo em Portugal e, paraalém dos bacilos Gram negativo não fermentadores (Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter, por exemplo), tem-se detetado, na maioria dos casos, em estirpes de Klebsiella pneumoniae, mas outras enterobacteriácias também asproduzem. Há casos em que só a colistina exibe atividade in vitro, o que é motivo de grande preocupação atual, dada aescassez de alternativas antibióticas contra bactérias Gram negativo.12

SinopsesAtualização em antivíricosJosé PoçasExistem presentemente bastantes recomendações (guidelines) internacionais para o tratamento de muitas das infeçõesde causa vírica, algumas das quais irão ser referidas, seguramente, com mais pormenor noutras aulas, razão pelo quese irão destacar, essencialmente, as moléculas que estão em investigação para o tratamento destas infeções, bemcomo uma noção, necessariamente, também, resumida dos avanços na investigação relativa ao tratamento das outrasinfeções menos usuais e para a maioria das quais não existem quaisquer normas em vigor.Primeiro, há que dar ênfase ao facto das infeções víricas representarem a maior parte das infeções denominadas deemergentes, em que entre ⅔ a ¾ delas têm um caráter zoonótico. O ritmo da descoberta destes agentes tem vindo aacentuar-se, estimando-se que o seu número não pare de aumentar de futuro. Só nos últimos 30 anos identificaram-se100 novos elementos patogénicos para a espécie humana.Em relação a este tema são de destacar várias fontes de pesquisa bibliográfica, designadamente os inúmeros eexcelentes trabalhos de revisão publicados pelo microbiologista belga Erik de Clercq, bem como os resumos daConferência Anual da International Society for Antiviral Research (ISAR), a par de alguns sites bastante interessantes ecom informação em permanente atualização (http://www.hcvdrugs.com/; http://www.hepb.org/patients/hepatitis_b_treatment.htm/; http://www.hivandhepatitis.com/; http://www.pipelinereport.org/; http://www.hcvadvocate.org/hepatitis/hepC/HCVDrugs.html/; http://www.insightpharmareports.com/reports_report.aspx?r=7772&id=102632/;http://www.drugdevelopment-technology.com/; http://www.isnv.org/; http://www.gvn.org/, etc).De uma forma genérica pode-se dizer que os antivíricos atuam por interferência num dos seguintes mecanismos: a)Adesão à parede celular do hospedeiro; b) entrada na célula; c) transcrição; d) translação; e) emergência do virião daparede celular, fundamentalmente através da inibição de uma das múltiplas enzimas indispensáveis à conclusão efetivado seu ciclo replicativo (por exemplo, polimerases, quinases, helicases, primases, proteases, neuraminidases). Se estainibição não é bem-sucedida (por falta de potência intrínseca do antivírico ou da combinação utilizada ou por níveissérios ou intracelulares inadequados e resistência prévia ou adquirida), ocorre, invariavelmente, a falência vírica a quese seguirá, num prazo mais ou menos dilatado, o correspondente agravamento clínico-laboratorial e a sua possíveltransmissão e disseminação na comunidade.Os primeiros compostos surgiram a partir da década de 50 do século passado, abrangendo primeiro as infeçõesherpéticas (idoxuridina, trifluorotimidina e adenina arabinosido) e a varíola (marboran). Mais de metade dasescassas dezenas de compostos, em utilização clínica corrente, destinam-se ao tratamento da infeção por vírus daimunodeficiência humana (VIH), sendo de destacar que muitas das infeções não dispõem, ainda, de terapêutica eficaz,embora seja notória a existência de investigação aturada e profícua de crescente importância, nomeadamente no quese refere ao combate às infeções por vírus hepatotrópicos [em especial vírus da hepatite C (VHC)]. Também, para asinfeções por vírus do grupo Herpes dispõe-se de alguns compostos, bem como uma grande diversidade de outros eminvestigação. Daqueles que, por agora, estão disponíveis uma parte muito significativa são derivados nucleosídicos,cuja eficácia se comprovou para o tratamento de infeções de diversa etiologia, designadamente VIH, vírus da hepatite B(VHB), VHC, vírus citomegálico (VCM) e vírus herpes simplex (VHS).Alguns dos compostos são, em simultâneo, eficazes contra diversas infeções, como por exemplo a lamivudina (3TC),a emtricitabina (FTC) e o tenofovir (TDF), em relação à infeção por VIH e por VHB. Também, no caso dos inibidores daprotease (IPs), existe eficácia comprovada relativamente a VIH e a VHC e uma possível ação direta contra o correcetor devírus herpes humano tipo 8 (VHH-8) ou vírus herpes humano associado ao sarcoma de Kaposi (VHHSK) (sobretudo nocaso do nelfinavir), bem como está em investigação a eficácia dos inibidores do correcetor CXCR4 contra quer VIH, quercontra vírus West Nile, sendo certo que, se os inibidores do correcetor CCR5 são eficazes na infeção por VIH, mas no casode vírus West Nile a infeção agrava-se.Uma questão muito interessante, que tem provocado acesa polémica, é o da patogenicidade associada aosdenominados endoretrovírus (cuja integração no genoma humano ocorreu há bastantes milhões de anos e éresponsável por cerca de 8% do património genético no nosso genoma). Suspeita-se que possam contribuir para a 13

Sinopsescausa de algumas patologias, até ao momento ditas idiopáticas (por exemplo, neoplasias, doenças autoimunes eneuropsiquiátricas), estando, também, a ser ensaiados alguns compostos antirretrovíricos com eficácia comprovada nainfeção por VIH, com resultados preliminares algo promissores.Contra vírus da hepatite A (VHA) não está disponível nenhum composto eficaz e contra a infeção por vírus Delta (VHD)apenas o interferão peguilado (INFpeg) tem alguma eficácia. Contra a hepatite E (VHE), tanto a ribavirina (RBV) quantoo interferão (INF) quer isoladamente, quer em associação, podem ter algum interesse prático, sobretudo no contextodos doentes imunodeprimidos.No que concerne ao grupo de vírus Herpes, deve acrescentar-se que os compostos que são eficazes contra VHS tipos 1 e 2são, em geral, ativos contra vírus varicela-zoster (VVZ) (por vezes em doses mais elevadas), mas não está disponível qualquerantivírico contra vírus Epstein-Barr (VEB). Contra vírus citomegálico (VCM) existe uma panóplia de antivíricos, relativamenteampla, que assegura a eficácia da terapêutica na maioria dos casos, ao passo que no caso de VHH-8 (VHHSK) a terapêutica éantes dirigida à causa da imunossupressão de base, eventualmente associada à terapêutica citostática (sistémica ou tópica).As infeções víricas respiratórias têm vindo a ter uma importância crescente, sobretudo os ortomixovírus (influenza)e os coronavírus. Enquanto no primeiro caso estão disponíveis vacinas e alguns compostos que asseguram a suaprofilaxia e tratamento, com uma certa eficácia, no que concerne ao outro grupo não existem antivíricos eficazes,apesar da sua diversidade ser cada vez maior [descobriram-se mais quatro agentes que são causa de pneumoniadepois da emergência da síndrome respiratória aguda grave (SARS), o último deles muito recente]. No caso dos outrosparamixovírus [vírus respiratório sincicial (VRS) e sarampo] pode-se acrescentar que são infeções graves, sobretudo napopulação pediátrica. Enquanto que no primeiro caso, nos recém-nascidos com baixo peso e/ou pré-termo, está bemprotocolada a utilização do pavalizumab (anticorpo monoclonal), contra o sarampo dispõe-se de uma vacina, mas nãoexiste qualquer composto com eficácia comprovada na prática clínica corrente.No caso dos adenovírus, não está disponível qualquer antivírico de eficácia comprovada.Relativamente aos picornavírus, são reconhecidas as infeções por rinovírus, de grande importância epidemiológica, masde escasso impacto clínico, sendo o pleconaril um composto eficaz (embora não licenciado em Portugal), em relaçãoaos enterovírus, pode-se dizer que têm em simultâneo grande impacto epidemiológico e clínico, mas não existe, demomento, qualquer antivírico com eficácia comprovada.No que concerne aos poliomavírus deve-se acrescentar que, ainda, se discute a eficácia do cidofovir na infeção porvírus John Cuningham (JC), o mesmo não acontecendo em relação a vírus BK, em que a sua utilização se preconiza nocontexto do doente imunodeprimido (designadamente, transplantados). O tratamento da leucoencefalopatia multifocalprogressiva (LEMP), causada por vírus JC, é, pois, essencialmente, o da doença imunossupressora causal.Em relação às infeções por poxvírus, há duas situações diversas. No caso do vírus da varíola (primeira doença infeciosaa ser considerada erradicada, existindo, apenas, alguns reservatórios deste vírus em laboratórios de alta segurançadispersos, ao que se sabe, apenas, em dois países do mundo, os Estados Unidos da América e a Rússia), só seráimaginável um problema de saúde pública em contexto de um fenómeno de bioterrorismo, sendo de admitir queo cidofovir possa ter um papel importante nesse cenário remoto. Já o tratamento da infeção por vírus do moluscocontagioso é, fundamentalmente, o da causa da imunodepressão, embora se possa utilizar o imiquimod (um agenteimunomodelador), com alguma eficácia em administração tópica.A infeção por vírus do papiloma humano (VPH) é de grande importância epidemiológica e clínica, estando disponíveluma vacina contra as estirpes mais oncogénicas, relacionadas com o carcinoma do colo uterino. O imiquimod (e oresiquimod, um seu análogo) é eficaz em administração tópica, no tratamento das lesões benignas ou pré-malignas.Contra as infeções por flavivírus (Dengue e West Nile) não se dispõe de vacina no País ou de terapêutica,comprovadamente, eficaz, o mesmo podendo ser afirmado relativamente às infeções por vírus das febres hemorrágicas(filovírus). Contudo, na mais recente epidemia de Ebola, foi utilizado um composto sintetizado por engenharia genética,a partir da estimulação da planta do tabaco, denominado ZMapp, constituído por anticorpos monoclonais humanizadose que parece ter tido alguma eficácia clínica num número escasso de casos em que já foi utilizado.14

SinopsesNo que concerne aos rotavírus e aos rabdovírus estão disponíveis vacinas mas não de terapêutica antivírica,comprovadamente, eficaz.Noutras doenças de causa vírica, algumas de gravidade clínica marcada, como no caso das hantaviroses, e das infeçõespor vírus Nipha e La Crosse é legítimo a utilização da RBV em desespero de causa, com alguma perspetiva de eficácia,mas sem que haja unanimidade entre os investigadores e clínicos.Finalmente, tentativas de resposta a algumas questões de candente atualidade, como sejam as seguintes:a) Podem os antivíricos contribuir para a erradicação de certas infeções?b) Podem curar-se as infeções víricas crónicas?c) Podem as infeções víricas ser tratadas por medicamentos não diretamente com ação antivírica?d) Podem os próprios vírus ser utilizados para fins terapêuticos?e) Podem as infeções víricas auxiliar os mecanismos imunitários inespecíficos de defesa contra outro tipo de agentes microbianos?f) Pode a terapêutica antivírica ser dirigida, etiologicamente, através de um diagnóstico preciso e rápido?g) Qual é o maior problema clínico com a antibioterapia múltipla?h) O acesso dos cidadãos à inovação terapêutica irá ser mais precoce ou tardio?i) Para onde caminha a Medicina? 15

SinopsesTerapêutica antifúngicaAida PereiraCerca de 1,2 bilhões de indivíduos, em todo o mundo, sofrem de infeções fúngicas e a sua ocorrência aumentou,significativamente, nos últimos anos, devido ao elevado número de doentes imunodeprimidos (com sida, neoplasias,transplantados e com doenças auto-imunes que requerem terapêutica imunossupressora), o que condicionamorbilidade e mortalidade elevadas, estadias hospitalares prolongadas e custos elevados nos cuidados de saúde.As estratégias para diminuição da prevalência de infeções fúngicas invasivas, como a profilaxia ou a terapêuticaantifúngica preventiva, de modo a propulsionar um tratamento precoce, tornaram-se comuns em populaçõesselecionadas. Os fungos, tal como os animais, são heterotróficos, isto é obtêm nutrientes do meio ambiente e não defontes endógenas (como as plantas através da fotossíntese). A maioria dos fungos são benéficos e estão envolvidosna biodegradação, no entanto, alguns podem causar infeções oportunistas se forem introduzidos na pele através desoluções de continuidade ou no pulmão, por inalação.Os indivíduos saudáveis são suscetíveis a uma série de infeções superficiais, cutâneas, subcutâneas e, em certoscasos, sistémicas que vão desde localizações no pé até doença disseminada grave, com risco de vida (por exemplo,histoplasmose). Muitas infeções fúngicas são causadas por agentes patogénicos oportunistas que podem serendógenos (Candida spp) ou adquiridos no meio ambiente (Cryptococcus spp e Aspergillus spp). Outro tipo de infeçõesfúngicas, como as invasivas e dermatomicoses, ocorre em indivíduos com maior vulnerabilidade – crianças no períodoneonatal, doentes sob quimioterapia, transplantados, queimados, além dos infetados por vírus da imunodeficiênciahumana (VIH). Outros fatores de risco a considerar, também, são a corticoterapia, a antibioterapia, a diabetes mellitus,as lesões cutâneas, a desnutrição, a neutropenia e as cirurgias.Contrariamente às infeções superficiais, que causam doença local, benigna ou autolimitada, as infeções fúngicasinvasivas são profundas, sistémicas com disseminação hematogénica e com atingimento de órgãos específicos. Estasinfeções são, muitas vezes, causadas por leveduras, como Candida spp e Cryptococcus spp, fungos filamentosos comoAspergillus spp, Fusarium spp ou Mucor ou, menos vezes, por fungos dimórficos, incluindo Coccidioides, Blastomyces ouHistoplasma.O ergosterol (análogo do colesterol nas células dos mamíferos) é o principal componente da membrana celular dosfungos, um biorregulador da fluidez, assimetria e integridade da membrana, e alvo preferencial da maioria dosantifúngicos. Atualmente, existem cinco classes de antifúngicos disponíveis em função das suas característicasestruturais e do seu mecanismo de ação – polienos, azóis, alilaminas, análogos nucleósideos e equinocandinas,dos quais apenas três estão aprovados para o tratamento das infeções fúngicas invasivas (polienos, triazóis eequinocandinas). Cada classe antifúngica apresenta vantagens e limitações, relativamente ao seu espetro de ação,farmacocinética, modo de administração, interações medicamentosas e perfil de toxicidade.O mecanismo de ação dos antifúngicos resulta em: a) Disrupção da membrana celular (por ligação ao esterol, formandoporos, alterando a permeabilidade da membrana – polienos ou por inibição da biossíntese de ergosterol – azóis); b)inibição da divisão celular (interferência no metabolismo da pirimidina e na síntese e função do ADN/ARN fúngico,inibindo a síntese de ácidos nucléicos – flucitosina); c) inibição da formação da parede celular [através do bloqueio dasíntese de ß (1,3)-D-glucano].Na seleção de um esquema terapêutico empírico deve ser tido em conta a resistência aos antifúngicos que podeser intrínseca (primária) ou extrínseca (secundária). Para a resolução da resistência extrínseca, os clínicos contamcom a ajuda dos testes de suscetibilidade aos antifúngicos. Como exemplo de resistências primárias refiram-se asrelacionadas com Candida lusitanae, Scedosporium prolificans, Fusarium spp e Aspergillus terreus à anfotericina B, as deCryptococcus neoformans às equinocandinas e as dos agentes de mucormicoses a praticamente todos os azóis (excetoposaconazol) e à caspofungina.A resistência secundária está, provavelmente, associada ao uso generalizado e prolongado de azóis, nomeadamentefluconazol em infetados por VIH, no tratamento da candidose orofaríngea recorrente, contribuindo para o aumentoda incidência de infeções por Candida spp com resistência em evolução e/ou infeções por Candida não-albicans com16

Sinopsesresistência intrínseca. As taxas de resistência de alto nível aos azóis, no caso C. glabrata, aumentaram gradualmente, oque é preocupante porque muitas destas estirpes são, também, resistentes às equinocandinas. Recentemente, foramdescritos casos de resistência de Aspergillus aos azóis.Para a resolução deste problema estão a ser desenvolvidas estratégias de prevenção e combate à resistênciaaos antifúngicos, impedindo que atinjam as dimensões da resistência bacteriana. Estas estratégias incluem oestabelecimento do diagnóstico precoce e rápido, o uso correto dos antifúngicos disponíveis, o desenvolvimento denovas de moléculas antifúngicas com melhor perfil farmacocinético e maior atividade antifúngica, a utilização deterapêutica combinada (apenas demonstrada na criptococose) e o incremento da dose terapêutica.Em suma, os antifúngicos disponíveis possuem limitações no seu perfil farmacocinético, farmacodinâmico, espetro deação, interações medicamentosas, variabilidade na absorção e toxicidade, pelo que são necessárias novas classes deantifúngicos, para o tratamento das infeções emergentes e resistentes, contribuindo para o aumento das opções deterapêutica e, em consequência, aumento na qualidade de vida dos doentes. 17

SinopsesInfeções do aparelho respiratório superiorMaria José ManataAs infeções do aparelho respiratório superior são das doenças que mais vezes afetam o homem ao longo da sua vida,estando entre as causas mais comuns que motivam o contacto com o sistema de saúde. Embora sejam, em geral, decarácter ligeiro, em termos de gravidade, a sua elevada incidência e o risco de transmissibilidade inter-pessoal resultamnum impacto significativo em termos de saúde pública, o que as coloca entre as causas principais de absentismo (aotrabalho e à escola).A maioria destas infeções são de etiologia vírica e autolimitadas, necessitando, apenas, de medicação sintomáticae repouso. Nestes casos, a intervenção médica consiste na educação e tranquilização do doente, assim como nainformação sobre as indicações para o tratamento sintomático. No entanto, como o seu diagnóstico e tratamento são,em geral, do domínio dos cuidados primários de saúde, em que o acesso a testes de diagnóstico rápido pode não estardisponível ou não é prático, torna-se difícil distinguir as infeções víricas primárias das infeções bacterianas primárias. Asinfeções do aparelho respiratório superior são o motivo mais frequente para a prescrição de antibióticos no ambulatório.O elevado consumo de antibióticos para o tratamento destas infeções tem contribuído para o aumento dasresistências aos antimicrobianos, por agentes patogénicos adquiridos na comunidade, como por exemplo Streptococcuspneumoniae. Estes aspetos tornam a prescrição de antibióticos, no contexto clínico destas infeções, um desafio paratodos os clínicos.As infeções do aparelho respiratório superior englobam as infeções não específicas, comumente designadas por rinitesou rinofaringites agudas, as infeções dos seios peri-nasais, da faringe e da cavidade oral, da laringe, do ouvido e damastóide e as traqueobronquites. De relevante os aspetos epidemiológicos, etiológicos, clínicos e terapêuticos, assimcomo as complicações principais e os critérios para prescrição criteriosa e racional da terapêutica antibiótica e suaescolha criteriosa e racional.18

SinopsesInfeções da pele e dos tecidos molesLuís TrindadeA pele íntegra é uma barreira eficaz à penetração de microrganismos. Para que ocorra infeção cutânea é necessário quehaja alteração dos mecanismos de defesa – estrutura anatómica, pH baixo, secreção pilossebácea e flora comensal – dairrigação sanguínea ou compromisso da imunidade.As infeções da pele e das partes moles têm lugar importante na prática diária da Infeciologia, em particular, nas últimasdécadas, no diagnóstico clínico da síndrome de imunodeficiência adquirida (sida).Os infetados por vírus da imunodeficiência humana (VIH) podem sofrer de doenças da pele comuns, com apresentações atípicas,dificultando o diagnóstico. Por exemplo, a infeção por vírus herpes simplex (VHS) labial, pode manifestar-se com grandesúlceras superficiais ou lesões ulceradas profundas, as erupções secundárias à sífilis podem ulcerar e formar lesõesacompanhadas por febre elevada. A terapêutica antirretrovírica (TARV) alterou o quadro dermatológico dos infetadospor VIH, reduzindo o número total destes doentes com problemas da pele em cerca de 40%, contudo a percentagemcom reações cutâneas aos antirretrovíricos (ARVs) subiu. A educação para prevenir as lesões provocadas pela exposiçãosolar, as práticas de sexo seguro e os cuidados com a pele, no sentido de evitar infeções, devem estar presente nasconsultas.As infeções da pele e das partes moles podem classificar-se em superficiais (por exemplo, impétigo, foliculite,intertrigo, hidrosadenite, oníquia e perioníquia), dermoepidérmicas (por exemplo, erisipela, linfangite e panarício) edermohipodérmicas (por exemplo, celulite e abcesso). Estas infeções podem, também, dividir-se em bacterianas, víricase fúngicas.As infeções da pele e das partes moles podem ser causadas por inúmeros agentes – aeróbios, anaeróbios,micobactérias, vírus, fungos e parasitas – pelo que, na impossibilidade de se fazer referência a todas, serão citadas,apenas, algumas.a) Infeções bacterianas ● Foliculites e impétigo ○ Causadas por estafilococos e/ou estreptococos (Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes). ○ Nos infetados por VIH, as foliculites têm tendência a formar pápulas e pústulas maiores e o impétigo localiza- se, em geral, nas grandes pregas e não na face, como nos imunocompetentes. ● Abcessos e celulite ○ Os agentes mais frequentes são estafilococos ou estreptococos. ○ Nos utilizadores de drogas injetáveis (UDIs) podem resultar de inoculação direta de microrganismos, introdução da flora da pele nos tecidos ou infeção secundária de áreas traumatizadas por drogas esclerosantes ou diluentes. ○ Nos infetados por VIH, são processos, por vezes, mais agressivos e destrutivos, ultrapassando, com alguma frequência, a fáscia e causando necrose muscular, principalmente quando as estirpes são produtoras de toxinas ou quando Pseudomonas aeruginosa é o organismo infetante.b) Infeções necrosantes (gangrena e fasceíte) ● De nomenclatura confusa, com várias classificações. ● Com destruição tecidular extensa, trombose dos vasos sanguíneos e abundância de bactérias com propagação através das fáscias.c) Síndromes tóxicas associadas às infeções cutâneas ● Síndrome da pele escaldada estafilocócica. ● Síndrome do choque tóxico. 19

Sinopsesd) Angiomatose bacilar ● Tem diminuído de frequência nos infetados por VIH, com a introdução da TARV. As lesões cutâneas expressam-se por pápulas vasculares, vermelhas ou purpúricas, levantando problemas de diagnóstico diferencial com o sarcoma de Kaposi. Além de responder à terapêutica com eritromicina é, também, sensível ao cotrimoxazol, o que ajuda a explicar a sua baixa incidência.e) Infeções víricas ● Herpes simplex (VHS) ○ Comum na população em geral. ○ No imunodeprimido pode tornar-se persistente, geralmente sob a forma de ulceração perianal ou verrucosa. ● Herpes zoster (VVZ) ○ VVZ causa duas doenças, clinicamente, distintas, isto é a varicela e a zona. ○ É um dos indicadores precoces da infeção por VIH, surgindo com valores de linfóticos TCD4+, ainda, elevados.f) Molusco contagioso ● Infeção por um poxvirus. ● Quando associado à infeção por VIH surge em adultos, em grande número, na face ou, mais raramente, na região genital.g) Condilomas ● Infeções por vírus do papiloma humano (VPH). ● Lesões sésseis localizadas nos órgãos sexuais e região perianal. ● São as lesões que, com mais frequência, fazem suspeitar de infeção por VIH, principalmente quando se tornam exuberantes, com aspeto de couve-flor, na região perianal.h) Tricoleucoplasia oral ● Infeção por vírus de Epstein-Barr (VEB). ● Tem diminuído de incidência nos infetados por VIH, com o uso da TARV.i) Infeções fúngicas ● Candidose ○ A incidência de doenças provocadas por Candida tem aumentado nas últimas quatro décadas. ○ A diversidade na expressão clínica tem sido documentada. ○ A candidose oral é a mais frequente infeção fúngica em infetados por VIH.j) Pitiríase versicolor ● Papel patogénico de Malassezia furfur, que é um comensal normal na superfície da pele. ● Menos frequente que as outras micoses superficiais, em infetados por VIH, no entanto pode ser extensa e persistente nalguns casos.20

SinopsesEndocardites infeciosasRui ProençaApesar dos grandes progressos da Medicina, tanto a incidência como a mortalidade das endocardites infeciosas (EIs)não diminuiu. Porém, registou-se uma dramática mudança dos fatores predisponentes de risco para a EI – granderedução das formas clássicas da doença, como por exemplo as cardiopatias reumáticas, a par do enorme aumento deoutros fatores predisponentes para a doença, tais como os submetidos a processos invasivos, portadores de prótesesvalvulares, dispositivos cardíacos e intravasculares e, também, maior incidência das valvulopatias degenerativas.Com os progressos avassaladores dos meios de diagnóstico e tratamento deu-se uma verdadeira explosão de técnicasmédico-cirúrgicas agressivas, mas de resultados brilhantes e espantosos, embora com riscos de introduzir no organismoinfeções causadas por microrganismos selecionados e multirresistentes.Houve nos últimos decénios um aumento exponencial de “infeções nosocomiais”, incluindo em sentido lato as “infeçõesligadas a cuidados de saúde”. Estas, hoje, surgem com enorme frequência, mesmo com as melhores práticas deprofilaxia, nas melhores unidades de saúde.As resistências dos microrganismos causadas pelo uso excessivo e muitas vezes inapropriado de antibióticos nas unidadesde saúde, nas instituições de cuidados continuados, lares de idosos, infantários e, mesmo, na comunidade tornaram-se frequentes e epidémicas. Hoje, os hospitais e as unidades de saúde transformaram-se em lugares perigosos, pelaemergência de estirpes de microrganismos multirresistentes a todas as armas terapêuticas, tão eficazes em passado,ainda, recente. De referir, que as resistências bacterianas já existem há 4.000.000 de anos e que foi o uso excessivo e,muitas vezes, inapropriado dos antibióticos, que selecionou as resistências bacterianas que hoje temos que enfrentar.A assinalar, ainda, o enorme aumento de casos em utilizadores de drogas injetáveis (UDIs) e de imunossuprimidos,entre os quais se incluem os infetados por vírus de imunodeficiência humana (VIH), hemodialisados, diabéticos graves eoutros.As EIs sempre foram consideradas doenças mortais até á introdução dos antibacterianos, que permitiram a cura, emregra, das formas menos graves (denominadas subagudas), muitas vezes com sequelas definitivas, mas isso era naépoca das valvulopatias reumáticas e, em particular, causadas por Streptococcus viridans, muito sensível à penicilina.Nos últimos decénios o panorama mudou totalmente. Assim, surgiram formas diferentes de apresentação das EIs,novas causas precipitantes, novas formas, novos agentes infeciosos e o protagonismo crescente de uma bactériaubiquitária, Staphyloccocus aureus. Esta ocorre na orofaringe ou na pele em cerca de 15% dos indivíduos, mesmo nosprofissionais de saúde. S.aureus tem a maior lista de resistências aos antibióticos, desde o início da era antibiótica. Ascaracterísticas de ubiquidade, virulência, agressividade, resistência aos antibióticos e a facilidade com que entra nohospedeiro, pela utilização de técnicas invasivas, cada vez mais usadas fazem que S.aureus seja hoje, de longe, o agentemais frequente das EIs em todo o mundo. A EI causada por este agente é, consequência dos progressos médicos, cadavez mais ambiciosos e sofisticados e cada vez mais frequentes e mais invasivos.As EIs agudas causam, muito rapidamente, lesões cardíacas e em muitos outros órgãos. Por tal, a simples suspeitaduma doença como a EI exige um diagnóstico o mais rápido possível, para início de um tratamento eficaz. Na maioriados casos, a seleção inicial dos antibióticos é empírica e ditada pela necessidade de rápida intervenção, para deter aevolução aguda, as lesões irreversíveis cardíacas e a morte.O diagnóstico seguro de EI é muito difícil nalguns subgrupos, como doentes com válvulas protésicas infetadas ou noscasos em que as hemoculturas são, persistentemente, negativas. Os critérios de Duke foram modificados, em 2015,pela European Society of Cardiology (ESC), sendo incluídas técnicas sofisticadas de imagem como 18F-FDG-PET/CT ou oSPECT/CT com leucócitos marcados.Estas técnicas foram já integradas nos critérios de EI da ESC e têm valor para avaliar as possíveis EIs de válvulasprotésicas, difíceis de diagnosticar, mesmo com recurso a ecocardiogramas transesofágicos (TTE) tridimensionais. ATAC e a RM são, também, valiosos no contexto do diagnóstico. 21

SinopsesQuanto ao tratamento antibacteriano, o consenso mudou em relação ao uso dos aminoglicosídeos, antes muitorecomendados em associação na terapêutica da EI de válvulas nativas por estafilococos. Este grupo de antibióticos,pela toxicidade renal e benefícios muito discutíveis, deixou de ser recomendado nesta eventualidade, sendo indicadosnoutras etiologias, em dose única diária para reduzir a nefrotoxicidade.De referir as técnicas de tratamento OPAT – (Out Patient Antibiotic Therapy), após estabilização do doente, e, ainda, astentativas de tratamento por via oral em doentes muito selecionados, com EI causada por Streptococcus viridans e combom prognóstico.Dada a gravidade da EI e das suas sequelas e complicações exige-se a participação de uma equipa multidisciplinar, queinclui generalistas, internistas, cardiologistas, cirurgiões cardíacos, microbiologistas, infeciologistas, imagiologistas,neurologistas, neurocirurgiões e outras especialidades, que formam hoje o indispensável Endocarditiis Team. Estaequipa é crucial para reduzir a mortalidade global da EI, que estabilizou nas duas últimas décadas, na fase aguda dacirurgia (± 25%), a do primeiro ano (±30%) da doença e a frequência das suas sequelas graves. Também se recomendaque, de preferência, as Eis sejam tratadas em centros de referência com acesso a todas especialidades e recursos.As novas regras de prevenção da EI incluem medidas gerais de assépsia, eliminação de focos sépticos, antes deprocessos cirúrgicos eletivos e profilaxia com antibioterapia em doentes em alto risco.O rastreio pré-operatório de portadores nasais de S.aureus, de focos infeciosos orais, urinários e outros é recomendadoantes de processos cirúrgicos complexos, como por exemplo a cirurgia cardíaca ou outra de alto risco infecioso. Preveniré sempre melhor que curar.22

SinopsesPneumonias na comunidadeRamalho de AlmeidaA pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é a forma mais comum de pneumonia e, por isso, mesmo uma dasdoenças com mortalidade mais elevada entre nós, com cerca de 5.000 óbitos/ano, em Portugal.Apresenta gravidade variável e o facto de Streptococcus pneumoniae, o seu principal agente causal, ser uma bactériacom variabilidade extrema, no que respeita à sua agressividade, é necessário melhor conhecimento e intervenção clínicaprudente e conscienciosa.Os dados epidemiológicos relativos à realidade portuguesa são fundamentados num importante estudo realizado noPaís, bem como no relatório do Observatório Nacional de Doenças Respiratórias (ONDR), onde são referidos os númerose os custos elevadíssimos resultantes do internamento destes doentes. Os fatores de risco, com atenção dobrada aosdois grupos mais vulneráveis, isto é as crianças e os idosos, tentam compreender o porquê desta apetência deS. pneumoniae para estes dois escalões etários.Importante é, também, lembrar a fisiopatologia desta afeção, cuja compreensão ajuda a melhorar a intervençãoclínica, facilitando o diagnóstico, que quanto mais precoce melhor, pois a intervenção rápida e oportuna é a melhorforma de tratamento, evitando-se complicações e despesas acrescidas. Nunca esquecer que o diagnóstico tem deser clínico, confirmado pela radiografia do tórax em duas incidências (frente e perfil). O doente conta uma históriacurta de início súbito, com um período de mal-estar geral, a que se segue um estado febril associado a fragilidademuscular, que pode ir até à dor torácica, tudo desenvolvido em poucas horas. De seguida aparecem todos osrestantes sintomas, como a tosse, acompanhada de dor torácica, a sudorese e alguma prostração só passível detratamento no leito. A radiografia irá confirmar a clínica e o padrão alveolar e não deixará dúvidas para se iniciar otratamento.O tratamento deve começar o mais rápido possível, pois, como referido, o tempo é importante neste contexto, isto équanto mais rápido menos tempo de doença.No que respeita à escolha do antibiótico, é de bom senso seguir as normas da Sociedade Portuguesa de Pneumologia(SPP), que apontam como primeira opção a amoxicilina ou, se necessário, a associação da amoxicilina com o ácidoclavulânico e um macrólido que pode ser a azitromicina ou a claritromicina, durante, pelo menos, oito dias. A escolhadas quinolonas respiratórias, isto é amoxi ou levofloxacina tem de ser ponderada, não devendo ser a primeira escolha.O agente responsável pela PAC é, universalmente, aceite ser S. pneumoniae, daí a escolha dos agentes antibióticos maisconvenientes pela sua eficácia.Porém, o tratamento não se esgota no antibiótico. Antes da era antibiótica, os doentes com pneumonia, também,se curavam, com mais ou menos dificuldade, embora a mortalidade fosse bem maior. As medidas de suporte sãoimportantes, isto é baixar a febre, minimizar as dores, estimular a ingestão de líquidos, tentando libertar, da melhorforma, a expetoração, que vai perdendo a coloração à medida que a medicação vai produzindo efeito.A recuperação deve ser cuidada, chamando-se a atenção para o facto de a cura clínica ser mais rápida do que os critériosradiográficos revelam. A presença de imagens nebulosas é frequente, embora com o doente apirético e já recuperado.Esse facto leva a que o médico, menos atento, volte a prescrever a terapêutica antibiótica, não resultando daí qualquerbenefício. Por isso a radiografia de controlo deve ser feita uns dias mais tarde após a recuperação clínica.Os critérios de gravidade e a Norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) constituem uma boa ajuda para oencaminhamento e referenciação destes doentes.A prevenção é um tema que se reveste do maior interesse. Não, apenas, o uso de vacinas que se propõe. Sabendo-seque a idade desempenha um fator de risco muito importante, sobretudo os idosos (consideram-se os 65 anos comolimite), é imperioso estimular o doente a evitar o tabaco, preocupar-se com uma alimentação sadia e, sobretudo, fazerexercício físico diário, com senso e moderação. As vacinas são muito importantes e a sazonal da gripe deve ser rotina 23

Sinopsestodos os anos, não esquecendo a antipneumocócica, disponível no mercado. Aconselha-se, vivamente, a administraçãodas duas vacinas, respeitando o tempo de intervalo aconselhado pelos fabricantes.Em resumo, não se deve esquecer de iniciar a antibioterapia o mais cedo possível, de vigiar o doente com cuidado nosprimeiros dias, esperando a resposta clínica ao tratamento proposto, conseguir a adesão do doente aos conselhos epromover a sua recuperação sem pressa, fazendo a avaliação clínica e, mais tarde, a radiológica. Por último, é essencial aprevenção a todos os níveis.24

SinopsesTuberculoseFernando MaltezA tuberculose (TB) é a responsável pela segunda maior pandemia com que nos debatemos e é a segunda causade morte por doença infeciosa em todo o Mundo. Atualmente, um terço da população mundial está infetada porMycobacterium tuberculosis. Em 2015, admitia-se uma incidência anual de 142 casos por 100.000 habitantes, tendo-seregistado 10,4 milhões de novos casos, dos quais 1,2 milhões em infetados por vírus da imunodeficiência humana (VIH).Os casos de coinfeção representaram 11% dos casos de TB, registados em todo o Mundo. Ainda, nesse ano, morreram1,4 milhões de vítimas da TB e mais de 400.000 estavam coinfetadas por VIH. Oitenta a 90% das infeções e mortesocorrem nos países em vias de desenvolvimento e a infeção por VIH é o fator de risco maior, a nível mundial, para aaquisição da infeção. A TB é, também, a principal infeção oportunista e a principal causa de morte nos infetados porVIH. Globalmente, em 2014, calculavam-se cerca de 10 milhões de órfãos por causa da TB.Portugal é dos países com maior incidência das duas infeções. Em 2015, foram notificados, no nosso País, 1.925casos novos de TB (incidência de 18.6/100.000) e a interseção das duas epidemias fez com que, pelo menos, 15%deles, estivesse coinfetado por VIH. Classicamente, ligada nos anos 60 e 70 (do século passado) à pobreza crónica, aosubdesenvolvimento económico, à má nutrição, à falta de acesso a cuidados de saúde, à migração de população ruraispara áreas urbanas e, depois de 1975, ao regresso de 700.000 a 1.000.000 desalojados do antigo Ultramar Português,a TB manteve-se endémica no nosso País e as suas taxas continuaram altas e recrudesceram no final do século XX,devidas à epidemia por VIH, à toxicodependência, à má adesão à terapêutica e à afluência de emigrantes oriundos depaíses onde a TB é prevalente, pelo que a incidência em Portugal continuou das mais elevadas, na União Europeia.Pode-se afirmar que há uma época antes e uma época depois do aparecimento da infeção por VIH, marcadas porhistórias, apresentações clínicas, diagnósticos e terapêuticas diferentes para a TB. Há uma TB clássica, em queapenas 30% dos indivíduos expostos corre o risco de adquirir a infeção, em que, apenas, 3-5 % dos infetados progridepara a doença ativa e em que o risco de reativar uma infeção latente é de 5% para toda a vida e há uma nova época,em que a infeção por VIH aumenta o risco de infeção por M. tuberculosis pós-exposição, em que a progressão para adoença ativa é mais frequente e rápida e em que o risco de reativação é maior (8-10% ao ano). Há uma TB dos anos60 (do século passado), caracterizada por clínica típica, com tosse, hemoptises e desnutrição extrema, que esteve nabase da denominação de tísica, por padrão radiográfico clássico, por envolvimento predominantemente pulmonar epor provas tuberculínicas positivas e há a TB dos nossos dias, que quando ligada a VIH, embora podendo manter osmesmos aspetos de consumpção, se apresenta com maior inespecificidade de sintomas, com padrão radiográficoinabitual, com maior protagonismo de envolvimento extrapulmonar e em que as provas de tuberculina positivas sãouma raridade. A infeção por VIH fez aumentar o número de casos de TB, nos jovens, como nos países em vias dedesenvolvimento e, nos velhos, como nos países desenvolvidos e veio, ainda, modificar a sua apresentação clínica edificultar o seu diagnóstico.Na TB consideram-se duas grandes síndromes: a) A TB primária, na sequência da primo-infeção, caracterizada porser autolimitada, com doença pulmonar ligeira, que, em geral, ocorre sem diagnóstico e durante a qual se desenvolvea bacteriemia e a focalização noutros órgãos, marcando um estádio para subsequente reativação em locaisextrapulmonares (em mais de 90% dos casos a única evidência de infeção pode ser uma prova tuberculínica positiva);b) a TB secundária ou pós-primária, por reativação de um foco latente. O complexo primário pode evoluir sem qualquermanifestação clínica ou manifestar-se por complicações pleuropulmonares, por adenopatias hilares ou mediastínicas,uni ou bilaterais, por disseminação (miliar) ou por reação de hipersensibilidade (eritema nodoso). Na reativação, ossinais radiográficos clássicos incluem infiltrados dos lobos superiores, com frequência com cavitação. A reativação tempredileção pelos segmentos apical e posterior do lobo superior e a cavitação constitui a sua forma mais contagiosa. Jáno contexto da coinfeção com VIH, os infiltrados dos lobos superiores, a cavitação ou o derrame pleural ocorrem emmenos de 15% dos casos. A gravidade do defeito imune origina, mais vezes, infiltrados pulmonares não cavitados dosandares médio ou inferior, que se podem confundir com pneumonia bacteriana (pneumonia caseosa) ou infiltradosdifusos miliares ou, ainda, linfadenopatias intratorácicas (hilares ou mediastínicas), que ocorrem em um terço dos casose cuja evidência radiográfica é considerada de mau prognóstico. A TB pulmonar continua a ser a forma mais frequentede doença, presente em 70-80 % dos casos. 25

SinopsesVivem-se tempos em que o doente com TB, se coinfetado por VIH, pode ser altamente contagioso, sem cavitação emesmo com radiografias normais e em que o diagnóstico e o tratamento são atrasados pela frequente negatividadedos exames complementares. Esses atrasos têm por consequência a infeciosidade prolongada e, por esta razão, o maiorrisco de transmissão na comunidade. Por outro lado, os erros terapêuticos ou a má adesão ao tratamento induzemresistência aos medicamentos e uma estirpe de M. tuberculosis pode tornar-se, rapidamente, resistente a váriosfármacos, sendo, de seguida, transmitida aos contactos. Em coinfetados por VIH, várias epidemias de tuberculosemultirresistente (TB MR) e de tuberculose extensivamente resistente (TB ER) foram descritas em todo o Mundo.O regime habitual de tratamento de 6-9 meses cura 98-99 % dos casos de TB previamente não tratada, se for causadapor M. tuberculosis sensível. Os doentes com infeção por VIH, que aderem ao tratamento, não têm risco aumentadode falência terapêutica ou de recaída, pelo que, em geral, a duração recomendada é idêntica. Para a TB extrapulmonar,dada a excelente penetração dos agentes antituberculosos e a relativa pobreza de microrganismos em regiõesextrapulmonares, comparativamente ao pulmão, os regimes de seis meses são suficientes. Apesar disso e porque hápoucos estudos controlados do tratamento da doença extrapulmonar, os regimes de 12 meses são, ainda, recomendadospara a meningite nas crianças, para a TB miliar e para o envolvimento ósseo e articular. Por seu lado, a multirresistênciairá prolongar a terapêutica para 20-30 meses, consoante o doente não tiver ou tiver sido tratado previamente ou, nomínimo, por um período de 18-24 meses após a negativação das culturas, sendo, sempre, encorajada a observaçãodireta do tratamento.A luta contra a TB implica a otimização do diagnóstico e do sucesso terapêutico, a boa articulação dos organismos e dasestruturas de saúde envolvidas, a avaliação coordenada dos resultados e medidas de combate à pobreza e à exclusãosocial.26

SinopsesInfeções de próteses e dispositivos intravascularesCarla Mimoso SantosAs infeções relacionadas com catéteres intravasculares representam cerca de um quinto das infeções associadasaos cuidados de saúde. Ocorrem em mais de 10% dos doentes admitidos em unidades de cuidados intensivos (UCIs),refletindo-se no aumento de 7,54 dias de tempo de internamento hospitalar. São responsáveis por uma mortalidade de16 - 25%, não sendo, ainda, de negligenciar as possíveis implicações destas infeções no aumento das resistências daflora microbiana hospitalar.Subjacente às infeções relacionadas com catéter, ou seja, infeções associadas a corpo estranho está o conceito debiofilme. O biofilme comporta-se como “um ambiente protetor das bactérias”, que as defende dos anticorpos e dafagocitose, pelo sistema imunitário, dificulta o acesso dos antibióticos e facilita a aquisição de resistência antibiótica.Os microrganismos mais vezes implicados nas infeções relacionadas com catéteres intravasculares são os Gram-positivo, colonizantes da pele, Staphylococci coagulase-negativo (como S. epidermidis), Staphylococcus aureus (em maisde 50% dos casos meticilina resistentes – MRSA) e Enterococcus spp.São aceites como metodologias que permitem confirmar a infeção, no caso de se retirar o cateter, a quantificação de≥ 100cfu no líquido de sonicação do catéter (técnica quantitativa), ou crescimento ≥ 15cfu após rolamento da pontado catéter em placa de Petri (técnica semiquantitativa), desde que se isole o mesmo microrganismo em hemoculturaperiférica concomitante. No caso de se pretender manter o catéter, as metodologias aceites são a colheita de sanguepara hemoculturas simultâneas, com relação ≥ 3:1 na quantificação das cfu entre o resultado da hemoculturas colhidaatravés do catéter e a de um vaso periférico, e a diferença de tempo para a positivação (DTP), em que a hemoculturacolhida pelo catéter é positiva, pelo menos, duas horas mais cedo do que a colhida no sangue periférico. Em Portugal, astécnicas quantitativas não estão disponíveis, sendo a técnica de DTP efetuada, apenas, nalguns laboratórios.A terapêutica empírica preconizada para estas infeções assenta na utilização de vancomicina, se a prevalência deMRSA for elevada, como é o caso de Portugal. Não está indicada a utilização de linezolida empiricamente, dado ser umantibiótico bacteriostático. A daptomicina, antibiótico comercializado em Portugal, desde 2006, apresenta atividadesobre S. aureus sensível à meticilina (MSSA) e MRSA e sobre o biofilme, mas pelo seu custo elevado, comparativamentecom a vancomicina, vê a sua utilização, neste tipo de infeções, reservada aos casos com contraindicação para avancomicina e de infeções por MRSA com CIMs≥1,5 μg/mL, estirpes com suscetibilidade diminuída à vancomicina, comoacontece nas recomendações para o tratamento da infeção por Staphylococcus spp, no Centro Hospitalar Lisboa Norte(CHLN).A melhor estratégia no controlo das infeções nosocomiais, nomeadamente nas relacionadas com catéteres, continuaa ser a correta lavagem das mãos, assim como o cumprimento estrito das normas para a sua colocação e manutenção,implementação de programas de formação e treino dos profissionais e vigilância epidemiológica da infeção relacionadacom catéteres intravasculares. 27

SinopsesMononucleose infeciosaAna MouzinhoA mononucleose infeciosa é definida pela tríade de febre, amigdalite e linfadenopatias, mas com grande polimorfismoclínico. Por outro lado, carateriza-se pelas alterações laboratoriais de linfomonocitose e células mononucleadas atípicas.Esta entidade é causada, principalmente, por vírus Epstein Barr (VEB), da família dos vírus herpes. No entretanto,outros agentes etiológicos são vírus citomegálico (VCM) e outros vírus herpes, Toxoplasma gondii, parvovírus,vírus da imunodeficiência humana (VIH), adenovírus, vírus das hepatites, mas, em regra, sem relevância clínica. Asíndrome mononucleósica com linfócitos atipícos pode ser induzida por fármacos, essencialmente antiepilépticoscomo a fenitoína e carbamazepina e antibióticos como a isoniazida. O quadro clínico é muito semelhante à faringiteestreptocócica e cerca de 20% dos doentes com infeção por VEB, tratados com amoxicilina, desenvolvem exantemamaculopapular. VEB tem distribuição mundial e está amplamente disseminado. O contágio é por contacto direto, sendoos doentes os reservatórios do vírus e a excreção vírica pode manter-se por vários meses. O pico de infeção é aos 15-24anos, nos países ocidentais. A seroprevalência para VEB aumenta com a idade, sendo que nas crianças pequenas ainfeção é, muitas vezes, subclínica. No adolescente e adulto jovem, a mononucleose infeciosa pode ter maior gravidade,por vezes com necessidade de internamento.A relevância desta infeção resulta de três aspectos: a) Morbilidade na infeção aguda, com quadro febril prolongado eamplo espetro de complicações possíveis, desde obstrutivas pela compressão extrínseca e intrínseca das adenopatias,autoimunes e sobreinfeção bacteriana, entre outras; b) a necessidade de diagnóstico diferencial com outras entidades,como doenças linfoproliferativas; c) sendo um vírus herpes, evolui para a latência e a reativação em doentestransplantados pode causar doença linfoproliferativa grave e, potencialmente, fatal e está associado à ocorrência dediversos tumores.Na infeção por VEB, o quadro clínico surge após um período de incubação longo de 4-6 semanas, com febre alta,faringite com exsudado acinzentado nas amígdalas, odinofagia importante, adenopatias generalizadas, de localizaçãocervical, simétricas e volumosas, nas diversas cadeias, que condicionam a respiração bocal, dificuldade na deglutição e,em situações mais graves, dificuldade respiratória e apneia. VEB infeta os linfócitos B, com consequente disseminaçãono sistema reticuloendotelial. Dado ter um envolvimento multisistémico são frequentes a hepatite com ou semicterícia, hepatoesplenomegalia e exantema. Cerca de 25% dos doentes tem complicações hematológicas, comotrombocitopenia, anemia hemolítica e, mais raramente, neutropenia. Praticamente todos os órgãos e sistemas podemestar envolvidos e a maioria dos doentes com infeção primária evolue com quadro clínico “clássico”, mas outras formasclínicas sistémicas podem ocorrer, em que a adinamia e a fadiga extremas são causa de morbilidade significativa.Embora rara, a ruptura esplénica é complicação grave e temível.VEB é uma das causas desencadeantes mais frequentes da síndrome de linfohistiocitose hemofagocítica (HLH) umadoença genética, potencialmente, fatal e está associado ao linfoma de Burkitt, carcinoma nasofaríngeo e linfomas deHodgkin e de não-Hodgkin, em populações suscetíveis e áreas geográficas específicas.O diagnóstico fundamenta-se num quadro clínico característico de febre, amigdalofaringite e adenopatias e nasalterações laboratoriais, como linfomonocitose, > 10% linfócitos atípicos e neutropenia, trombocitopenia e elevaçãodas aminotransferases. A infeção por VEB induz a formação de anticorpos que aglutinam eritrócitos de espéciesfilogeneticamente não relaccionadas. A deteção de anticorpos heterófilos é a base de testes serológicos não específicosda infeção aguda por VEB – teste de Paul Bunnell Davidsohn que deteta a aglutinação de eritrócitos de carneiro e o testeMonospot que deteta a aglutinação de eritrócitos de cavalo. A presença de anticorpos heterófilos tem especificidadede cerca 100% e sensibilidade 85%. Porém, nas crianças, até aos 3-4 anos, estes testes são, em regra, negativos. Emsituações em que estes testes são negativos e/ou diagnóstico incerto estão disponíveis testes específicos para deteçãode anticorpos anti-VEB, por imunofluorescência ou ELISA. O anticorpo da cápside vírica (VCA), da classe IgM é um bommarcador da infeção aguda, enquanto o VCA, da classe IgG persiste para a vida. O anticorpo nuclear VEB (EBNA) sóaparece quando o vírus estabelece latência, 6-12 meses depois. O anticorpo precoce (EA) da classe IgG está presente nafase aguda e tem dois subtipos, IgG anti-D (desaparece após recuperação) e IgG anti-R. Outros métodos moleculares,como a carga vírica só são utilizados em situações específicas.28

SinopsesA terapêutica da mononucleose infeciosa é sintomática, com antipiréticos e anti-inflamatórios, hidratação e dietaadequada às queixas de odinofagia e redução da atividade física. Em situações particulares de complicações, comoobstrução da via aérea ou hematológicas pode ser útil a corticoterapia sistémica. 29

SinopsesInfeções do aparelho urinárioJoão SáDe entre as muitas questões relevantes do quotidiano clínico, as infeções urinárias são uma das principais, pelafrequência e pela gravidade. Estima-se que a sua incidência, em mulheres jovens, seja de 0,5-0,7/indivíduo/ano e nasidosas 0,07/indivíduo/anos. No sexo masculino os valores são mais baixos, isto é 5-8 infeções/ano/10.000 indivíduos. Oseu impacto social, laboral e económico merece uma avaliação rigorosa que não se extrai da literatura técnica publicada.Descrevem-se infeções urinárias de acordo com o local anatómico afetado (altas e baixas), conforme a gravidade (nãocomplicadas e complicadas) e em contexto epidemiológico (da comunidade e as associadas aos cuidados de saúde).As infeções urinárias complicadas são definidas, operacionalmente, pela presença de urinocultura positiva associadaa, pelo menos, um dos critérios seguintes – sexo masculino, idoso, infeção adquirida em meio hospitalar, gravidez,intervenção urológica recente, utilização recente de antimicrobianos, sintomas > 7 dias desde a apresentação, diabetesmellitus e imunossupressão, presença de catéter, stent ou estoma (uretral, ureteral ou renal) ou cateterização vesicalintermitente, resíduo vesical > 100mL, uropatia obstrutiva, refluxo vesicoureteral ou outras anomalias funcionais(bexiga neurogénica), conduto ileal, lesão química ou de radiação do urotélio, transplante e insuficiência renal crónica.A expressão clínica das infeções urinárias altas é essencialmente sistémica. Nas baixas predominam os sintomas dedisfunção vesicouretral.O estudo bacteriológico de urina, com teste de sensibilidade aos antibióticos, é o exame complementar maisimportante, permitindo um apuramento da etiologia microbiológica e a adoção de uma estratégia antibiótica orientada.Porém, e ao contrário do que é prática habitual, é dispensável no contexto de cistite aguda não complicada cuja históriatem um valor preditivo positivo de 90%.A pielonefrite aguda, sobretudo se complicada, requer internamento para vigilância da função renal, rastreio deextensão local ou sistémica (por exemplo, abcesso e urosépsis) e antibioterapia endovenosa.A ultrassonografia do aparelho urinário e a Uro-TAC são os estudos de imagem empregues com maior frequência naavaliação dos distúrbios anatómicos condicionadores potenciais das infeções, nas complicações que destas decorrem eno estudo dos episódios infeciosos recorrentes.As enterobactérias, particularmente Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, são os agentes infeciosos mais comuns,mas o isolamento de organismos Gram-positivo – Enterococcus spp, Staphylococcus aureus e saprophyticus – constitui,também, uma ocorrência frequente. A deteção de bactérias Gram-negativo possuidoras de beta-lactamases de espetroalargado (ESBL) reduz, drasticamente, as opções na escolha de antibacterianos ativos, constituindo um problemaepidemiológico e clínico grave.Na gestante, a infeção urinária é uma ocorrência séria, pela maior frequência de evolução de cistite para pielonefrite, pelagravidade e pelo risco de fim precoce da gravidez. O perfil microbiológico é sobreponível ao da infeção na mulher não grávida,mas para que se oriente a prescrição de antibióticos, a urinocultura é obrigatória. Regimes de terapêutica antibiótica de curtaduração devem ser adotados na cistite e de 1-2 semanas na pielonefrite, evitando os antibióticos da classe das quinolonas.As infeções urinárias associadas à presença de catéter vesical são frequentes (1,4-1,7/1.000 dias catéter), tendo comofatores de risco, entre outros, o sexo feminino, a idade, a diabetes mellitus, a colonização do saco de drenagem e oserros de manutenção do dispositivo. Os agentes responsáveis são idênticos aos da cistite aguda, sublinhando-se aocorrência mais frequente de Pseudomonas aeruginosa e de fungos, como agentes patogénicos principais.Relembram-se, por fim, os critérios de escolha dos antimicrobianos, para o tratamento das infeções urinárias –local anatómico, marcadores de infeção complicada, microrganismos mais frequentes, epidemiologia local, padrãode resistências conhecido, efeitos adversos e fenómenos atópicos potenciais, facilidade de adesão à terapêutica,cumprindo com rigor os protocolos aconselhados pelos documentos-guia emanados pelas sociedades científicas eentidades reguladoras técnicas oficiais.30

SinopsesGripeHelena Rebelo de AndradePara perceber a gripe tem que se conhecer melhor a complexidade do seu agente etiológico – os vírus influenza –,há que identificar os aspetos víricos que são determinantes para a ocorrência das epidemias anuais de gripe, para atransmissão zoonótica e para o desencadear de uma pandemia e, ainda, os principais desafios da terapêutica antivírica,assim como as bases da resistência aos antivíricos específicos para a gripe.Estima-se que a gripe sazonal afete, anualmente, 1-15% da população mundial com mortalidade associada de 0,25 a 0,5milhões de pessoas. Estas diferenças, no impacto das epidemias anuais de gripe, são consequência do tipo/subtipo devírus influenza predominante em circulação, do nível de imunidade adquirida contra a estirpe prevalente em cada épocade inverno, do nível de cobertura vacinal da população, da virulência da estirpe vírica e da conjugação de alguns fatoresambientais, como sejam a temperatura e a humidade do ar.Os registos históricos mostram que ocorreram 11 pandemias de gripe, nos últimos 500 anos, numa média de 2-3epidemias mundiais por século, e das quais se destacam as que surgiram no século XX, a gripe pneumónica em 1918, agripe asiática em 1957 e a gripe de Hong-Kong em 1968. Estas pandemias estiveram associadas a uma taxa de ataquede 25-30% da população, originando 2-7,4 milhões de mortes e custos económicos diretos, a nível mundial, superioresa 32 biliões de dólares. À luz destes dados históricos é importante analisar a pandemia de 2009, nos seus aspetosepidemiológicos, impacto nos sistemas de saúde, dinâmica de transmissão e características víricas.A vacinação continua a ser a pedra angular da prevenção da gripe, apesar da importância crescente que tem vindo aser dada ao uso de antivíricos. Duas classes de medicamentos antivíricos específicos para a gripe estão licenciados emPortugal: a) Inibidores da proteína M2, incluindo a amantadina e a rimantadina; b) inibidores da neuraminidase (NAIs),oseltamivir e zanamivir. Com a introdução, na prática clínica, destes antivíricos, surgiu uma preocupação crescenterelativa à emergência de resistências e da sua consequência para a saúde pública. Na verdade, o uso de inibidores daproteína M2, disponíveis há mais de 40 anos, está, atualmente, limitado como resultado da elevada frequência deresistências observadas, não só na clínica, mas, também, de forma espontânea na comunidade. A resistência aos NAIs,disponíveis desde 1999, tem sido observada numa baixa frequência, essencialmente para o oseltamivir e, muitas vezes,após o uso do antivírico. No entanto, em outubro de 2007, ocorreu uma situação excecional, com a emergência, a nívelmundial, de vírus A (H1N1) sazonal resistente ao oseltamivir, na ausência de pressão seletiva do medicamento.Estes vírus resistentes persistiram e aumentaram a sua frequência durante 2008/2009, representando 96% de vírusA (H1N1) sazonais que circularam em todo o mundo durante esse inverno. A partir dessa altura passou a ser dada umamaior importância à avaliação do perfil de suscetibilidade aos antivíricos específicos para gripe e aos estudos da basemolecular, que tentam explicar a emergência dessas resistências. 31

SinopsesInfeções osteo-articularesJoaquim OliveiraAs infeções osteoarticulares constituem um tema muito vasto e complexo, impossível de ser referido em toda a suaextensão no curto período disponível.ARTRITES SÉPTICASAs artrites sépticas são causadas pela invasão direta do espaço articular por microrganismos, tipicamente bactériaspiogénicas. No entanto, também vírus, micobactérias e fungos podem estar implicados. As artrites reativasrepresentam um processo inflamatório asséptico, em resposta a um processo inflamatório extra-articular. Apenasuma breve referência às artrites crónicas, particularmente a tuberculose e a brucelose, por serem, ainda, uma patologiasempre a ponderar no diagnóstico diferencial das artrites em Portugal.As artrites apresentam incidência de 2-10/100.000/ano. Os fatores predisponentes mais importantes são a doençaarticular prévia, a idade avançada, as doenças crónicas sistémicas, a imunodepressão, os traumatismos, as prótesesarticulares, a utilização de drogas injetáveis e a endocardite.Tradicionalmente, distinguem-se as artrites sépticas entre gonocócicas e não gonocócicas. A incidência das primeirastêm vindo a decrescer, sendo, apesar disso, uma causa importante, sempre a considerar, no adulto jovem, sexualmenteativo. As artrites não gonocócicas são causadas por uma variedade de microrganismos, sendo de destacar osestafilococos e estreptococos e, também, alguns bacilos Gram-negativo. O contexto clínico e epidemiológico deve ser,cuidadosamente, detalhado uma vez que podem emergir algumas bactérias peculiares.No diagnóstico assume particular relevância a artrocentese, com estudo citológico e microbiológico do líquido articular.A terapêutica antibiótica deverá ser precoce e adequada ao gérmen em causa, de modo a evitar ou limitar o danoarticular, que pode ocasionar sequelas permanentes.As infeções articulares crónicas são caracterizadas por um início insidioso e um curso mais indolente, apresentam umleque de etiologias diversificadas, podendo estar implicadas bactérias, fungos, micobactérias e parasitas.Embora as infeções articulares, em articulações com material protésico, ocorram com cada vez maior frequência, nãosão aqui referidas.OSTEOMIELITEContinua, ainda hoje, a ser uma doença infeciosa de grande dificuldade de diagnóstico e de terapêutica, podendo terorigem hematogénica ou ser o resultado da inoculação direta por traumatismo ou cirurgia. A classificação de Cierny eMader, aqui apresentada, tem implicações no diagnóstico, tratamento e prognóstico. Tipo anatómico Estádio 1 – osteomielite medular Estádio 2 – osteomielite superficial Estádio 3 – osteomielite focalizada Estádio 4 – osteomielite difusa32

Sinopses Classe fisiológica A Hospedeiro – normal B Hospedeiro – comprometido   Compromisso sistémico (Bs)   Compromisso local (Bi)   Compromisso local e sistémico (Bis) C Hospedeiro – tratamento pior do que a doençaFatores locais ou sistémicos que comprometem a vigilância imunitária, o metabolismo ou a vascularização localSistémica (Bs) Local (Bi)Malnutrição Linfedema crónicoInsuficiência hepática e renal Compromisso de grandes vasosDiabetes mellitus Compromisso da microcirculaçãoHipóxia crónica VasculiteDoença imunitária Estase venosaNeoplasia Cicatrizes extensasIdades extremas da vida Fibrose da radioterapiaImunosupressão Neuropatia  TabagismoA osteomielite é uma condição que necessita, quase sempre, de intervenção cirúrgica e cujos princípios e objetivosfundamentais são o desbridamento extenso e a drenagem adequada de todo o tecido infetado, remoção de todoo material estranho ou sequestros ósseos, correção de espaços mortos, estabilização de fraturas infetadas eencerramento completo das feridas.ESPONDILODISCITEPela sua importância crescente merece uma referência particular, dado que é a infeção óssea com maior dificuldadede diagnóstico e de terapêutica. Com frequência, tem um caráter indolente, particularmente quando a causa éMycobacterium tuberculosis. No entanto, outros microrganismos podem estar implicados, nomeadamente Brucella eoutros agentes piogénicos, como sejam Staphylococcus aureus, estreptococos e bacilos Gram-negativo. O diagnósticoé difícil, devendo, sempre que possível, ser orientado pelos resultados da punção-aspiração do abcesso ou colhidosvários fragmentos por biopsia guiada por imagem. Estas colheitas deverão ser objeto de estudo anatomopatológico,mas, também, microbiológico, incluindo o recurso às técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR). Desta maneira,alguns autores apresentam resultados positivos em 50-90% dos casos, dependendo do agente etiológico.Por outro lado, trata-se de patologia que requer intervenção multidisciplinar. A cirurgia está indicada quando hácompromisso neurológico, instabilidade óssea, necessidade de drenagem de coleções abcedadas, extirpação desequestros ósseos ou de material estranho.O repouso absoluto no leito é crucial nas primeiras 3-4 semanas de tratamento, com posterior levante, se evoluçãofavorável, com apoio de dorsolombostato.Como nota final, a grande complexidade desta patologia com necessidade de intervenção multidisciplinar, a sua maiorocorrência, em virtude do número sempre crescente de indivíduos com terrenos predisponentes e a necessidade desuspeição de diagnóstico elevada, para que, atempadamente, sejam tomadas as medidas terapêuticas adequadas. Nãoesquecer que muitas das patologias subjacentes já condicionam dor óssea acompanhada por períodos de febre, o quepode levar a desvalorizar a possibilidade de infeção intercorrente. 33

SinopsesDoenças infeciosas exantemáticas da criançaJosé Gonçalo MarquesO diagnóstico de doença exantemática aguda é de elevada responsabilidade para o médico. Um erro no diagnósticopode ter consequências desastrosas quer para o paciente, quer para os contactos, quer, ainda, para a comunidade (PitaGroz Dias).O conhecimento das características do exantema e da semiologia que lhe está associada permite, nalguns casos, odiagnóstico, exclusivamente, clínico (quadros I e II).Contudo, quer pela presença de manifestações atípicas (como no imunodeprimido), quer nas situações que obrigam aconfirmação no âmbito de vigilância epidemiológica (atualmente o sarampo) pode ser necessário recorrer a métodoslaboratoriais – serologia, reação em cadeia da polimerase (PCR), cultura e antigénios.Nalgumas situações de lesões cutâneas/ mucosas mediadas pela imunidade, o mesmo padrão de exantema podeestar associado a diferentes agentes e também a vacinas e fármacos. São exemplo o eritema multiforme/ Stevens-Johnson, eritema nodoso, Gianotti-Crosti, eritema hemorrágico da infância, o “exantema vírico inespecífico” e, muitoprovavelmente, a doença de Kawasaki.34

Quadro I – Exantemas maculopapularesSarampo Pródromos Exantema Sinais característicos Febre em crescendo, coriza, conjuntivitee Manchas de KoplickRubéola tosse (3-4 dias) Maculopapular coalescente, com distri- buição cefalocaudal em 3 dias, evanesci- Linfadenopatias suboccipitais, retroauri-Escarlatina Raros na criança. mento pela mesma ordem pelo 5º-6º dia culares e cervicais posteriores(Streptococcus pyogenes) Febrícula, mal-estar e artralgias (1-5 dias) e descamação furfurácea que poupa as mãos e pés Língua de framboesa, amigdalite muitoExantema súbito Febre alta, cefaleias, vómitos, odinofagia eritematosa, sinal de Pastia(herpes vírus humano 6) e adenomegalias submaxilares (12-48h) Maculopapular, geralmente não coales-Eritema infecioso cente, com distribuição cefalocaudal Exantema surge antes ou após a reso-(parvovirus B19) Febre alta de instalação súbita, por vezes rápida (1-2 dias), desaparecendo pelo 3º lução da febre e com pouca repercussão convulsão febril (3-4 dias) dia, habitualmente sem descamação geralSíndrome de pele escal- Muito raros na criança, com febrícula, Bochechas esbofeteadas e palidez pe-dada estafilocócica coriza, mialgias e artralgias (1-4 dias) Eritematoso, puntiforme, áspero, de rioral – pode recorrer durante semanas início nas zonas de flexão, onde é mais a meses por estímulos como calor, sol e Foco infecioso (conjuntivite ou nasofa- intenso em conjunto com o tronco, com exercício físico ringite) eritema da face com palidez perioral, desaparecendo pelo 4º-6º dia e com Sinal de Nikolsky e hiperestesia cutânea descamação em placas, que inclui mãos e pés Maculopapular com distribuição cen- trípeta, desaparecendo às 24-48h, sem descamação Maculopapular simétrico, com início na região malar, depois nas superfícies extensoras dos membros e por fim nas flexoras, sendo pouco intenso no tronco e adquirindo aspeto rendilhado, desapa- recendo pelo 7º dia Escarlatiniforme, com envolvimento peri-orificial e poupando as mucosas, evoluindo em 1-2 dias para grandes bolhas flácidas, com descolamento da epiderme em toalha. Seca entre o 5º e 7º dia, com cicatrização acompanhada de descamação superficial e crostas perioculares e/ou periorais Sinopses35

Sinopses36Quadro I – Exantemas maculopapulares (continuação)Meningococcemia Pródromos Exantema Sinais característicos Febre e faringite de duração variável Rápida deterioração clínica (choque)Febre escaro-nodular Exantema petequial/purpúreo, rapi-(Rickettsia conorii) Febre, calafrio, mal estar, cefaleias, dor damente progressivo, podendo ser Escara de inoculação (tache noire) e ade- ocular e mialgias (2 dias) precedido de exantema maculopapular nopatia satélite (podem estar ausentesDoença de Kawasaki inespecífico em grande parte dos casos em crianças) Febre e irritabilidade (1-5 dias)Síndrome de choque Maculopapular e nodular, não coales- Adenomegalia cervical ≥ 1,5 cm, lábiostóxico estafilocócico Febre alta, mialgias intensas, vómitos, cente, com predomínio nos membros, vermelhos, secos, fissurados e enante- diarreia profusa, alteração da consciência atingindo a palma das mãos e a planta ma, com língua de framboesa, com ede-Síndrome de choque (horas) dos pés, podendo evoluir com petéquias ma duro das mãos e dos pés e conjuntivi-tóxico estreptocócico e desaparecendo na 2ª semana, sem te bulbar, não purulentaZika Infeção invasiva dos tecidos moles ou descamação Rápida deterioração clínica (choque) síndrome gripal (horas a dias) Febre (baixa) (1-2 dias) Exantema polimorfo, por vezes escarlati- Dor intensa e rápida deterioração clínica niforme, com predomínio no hipogastro (choque) e períneo, podendo ser evidente eritema da cicatriz de BCG. Descamação em lâmi- Conjuntivite não purulenta. Prurido, nas extensas nas mãos e nos pés artralgias, mialgias e cefaleias Eritrodermia generalizada ou exantema escarlatiniforme, com predomínio no tronco e extremidades, enantema, inje- ção conjuntival, podendo surgir edema da face e dos membros. Descamação generalizada, incluindo mãos e pés Exantema maculopapular, por vezes es- carlatiniforme, com descamação genera- lizada, incluindo mãos e pés Maculopapular generalizado, com início na face, podendo-se associar a prurido intenso

Quadro II – Exantemas papulovesicularesVaricela Pródromos Exantema Sinais característicos Lesões em todas as fases de evolução, Raros na criança. Febre, cefaleias, mal- Evolução rápida das lesões – mácula, numa mesma área anatómica estar e anorexia (1-2 dias) pápula, vesícula e crosta. Distribuição centrípeta com envolvimento do couro Lesões na mesma fase de evoluçãoVaríola Febre, calafrio, cefaleias, mal-estar e cabeludo e com mucosas numa dada área anatómica dorsalgia (3 dias) Evolução lenta das lesões – mácula, Predomínio nas áreas previamenteEczema herpeticum Não pápula, vesícula, pústula e crosta. lesadas, com vesículas não confluentes(herpes simplex) Lesões mais profundas, com distribuição e febre elevada, acompanahda por centrífuga, mais intensas nas zonas linfadenopatiasRiquetsialpox Febre de instalação súbita, calafrio, expostas(Rickettsia akari) cefaleias, mal-estar e dorsalgia (2-3 dias) Lesão de inoculação que evolui para Grupos de vesículas e pústulas que escara, uma semana antes do início se localizam, sobretudo, nas áreas de da febre e linfadenopatia regional. As eczema ou dermatite crónica, podendo vesículas surgem todas no mesmo dia evoluir para úlceras com exsudado hemorrágico nas zonas com maior lesão cutânea prévia Exantema maculopapular, centrípeto, podendo poupar palmas das mãos e plantas dos pés. A pequena vesícula central, pode ou não evoluir para uma crosta finaQuadros I e II adaptados de Dias JPG, Marques JG. Diagnóstico diferencial de las enfermedades exantemáticas agudas. In: Enfermedades Infeciosas en Pediatria.Rubio AD, ed. McGraw-Hill / Interamericana de España, S. A. U. 2009:673-8 Sinopses37

SinopsesMeningites e encefalitesKamal MansinhoTexto não disponível38

SinopsesInfeções víricas e doenças malignas associadasAida Botelho de SousaA infeção contribui, de modo determinante, para o desenvolvimento do cancro. Estão classificados como carcinogéneosdo grupo I, 11 agentes biológicos, dos quais sete são vírus – Epstein-Barr (VEB), hepatite B (VHB), hepatite C (VHC),sarcoma de Kaposi (VHHSK), papiloma humano (VPH), linfotrópico T humano tipo 1 (VLTH-1) e poliomavírus das célulasde Merkel (VPyCM ou VCM). A prevalência destas infeções é, particularmente, alta em zonas menos desenvolvidas domundo, o que explica que a fração de cancros atribuíveis a microrganismos seja superior a 20% nessas regiões, masinferior a 10% nas regiões desenvolvidas.Na carcinogénese vírica, a prova de causalidade tem-se demonstrado particularmente difícil, por razões que diferem detumor para tumor:● Longos períodos de latência entre infeção e ocorrência do tumor (décadas por vezes, por exemplo VLTH-1).● Impossibilidade de estabelecer o momento da infeção, quando assintomática.● Ocorrência do tumor numa minoria de infetados.● Raridade do tumor.● Dependência de cofatores de carcinogénese (mutagéneos ambientais, inflamação crónica e imunossupressão).● Variabilidade dos mecanismos moleculares de mutagénese.● Ausência de modelo animal ou até de sistema de cultura celular.● Aspeto histológico idêntico de tumores associados ao vírus e não associados.Embora sejam consensuais, os critérios de admissão de oncogenicidade de um vírus para determinado tumor (porexemplo, epidemiológicos, de especificidade, de temporalidade, biológicos, de transformação em cultura ou modeloanimal), nalguns casos a complexidade dos fatores em jogo desencadeia controvérsia. A complicar, ainda mais, estepanorama está vírus da imunodeficiência humana (VIH) que, não sendo um oncovírus, aumenta o risco de tumores“não-víricos” e, também, de tumores associados a outros vírus. Neste último caso a coinfeção assume um papeldecisivo na carcinogénese – os três tumores não-definidores de sida mais comuns são os carcinomas anal (VPH) ehepatocelular (VHB e VHCV) e o linfoma de Hodgkin (VEB).Como noutros tumores, o desenvolvimento de um tumor associado a vírus é um processo de etapas múltiplas, longo ecomplexo, no qual o vírus pode exercer a sua ação em fases precoces da oncogénese (por exemplo, VHP) ou em fasestardias, modulando vias de sinalização envolvidas na regulação da proliferação celular, da apoptose e outras. Uma vezestabelecido o tumor, as estratégias de evasão à resposta imunitária do hospedeiro, destinadas a evitar a eliminaçãodas células infetadas, vão facilitar o escape imune do próprio tumor.VEB (ou VHH-4)Herpesvírus ubíquo (infeta 95% da população mundial), estando implicado em múltiplas neoplasias linfóides B, Te NK e em tumores epiteliais (carcinoma da nasofaringe e gástrico). Replica o seu genoma no linfócito B e sabendomimetizar a sinalização B pode manter-se, indefinidamente, latente e invisível à resposta imunitária. Ao infetaro linfócito B naïve, desencadeia um programa de latência III [no qual expressa antigénio nuclear de Epstein-Barr(EBNA), assim como a de uma oncoproteína da membrana do vírus, denominada proteína latente da membrana(LMP1) e das proteínas transmembranárias (LMP2A e LMP2B)], que obriga a célula a proliferar, permitindo areplicação dos episomas de VEB.Porque este programa é imunogénico (ativa a eliminação das células que o exibem pelos linfócitos T citotóxicos),segue-se uma seleção positiva das células infetadas, capazes de mudarem para um programa de default [latência II,com expressão de antigéneos reduzida aos mesmos imunogénicos (EBNA1, LMP1 e 2A)], que lhes permite ficarem emrepouso como linfócitos B memória. Daí podem evoluir para um de dois programas de latência imunitária, latência 0 (sóexpressa EBER1 e 2, presentes em todos os programas) ou latência I (também EBNA1). Os vários programas de latência 39

Sinopsesde VEB têm capacidade oncogénica desigual (e dependente também da imunocompetência do hospedeiro) e cada umassocia-se a tumores diferentes:● Latência I – linfomas de Burkitt, plasmoblástico e primário das serosas.● Latência II – linfoma de Hodgkin, linfomas T e NK, carcinomas nasofaríngeo e gástrico.● Latência III – linfomas associados a VIH, linfoma difuso de grandes células B associado a VEB, doença linfoproliferativa pós-transplante (de salientar que os tumores da latência III só surgem em contexto de imunossupressão, dado este programa desencadear eliminação pelo sistema imunitário).Todos os tumores relacionados com VEB requerem cofatores (por exemplo, o linfoma de Burkitt requer translocaçãoenvolvendo o gene MYC, a qual é, por sua vez, facilitada pela infeção por Plasmodium falciparum).VPHDe cerca de 150 genótipos VPH, os de alto risco oncogénico (VPH-16 e 18) causam 5% dos tumores humanos, emespecial do colo do útero, mas, também, vulvovaginal, peniano, anal e orofaríngeo. Estes VPH infetam as célulasepiteliais basais e possuem estratégias de replicação que levam células, terminalmente diferenciadas, a retercapacidade de síntese de ADN (é frequente a integração genómica de sequências do ADN vírico).VHB e VHCSão a causa principal do 2º cancro mais mortal a nível mundial, o carcinoma hepatocelular. Embora por diferentesmecanismos, na infeção crónica ambos atuam através de um processo inflamatório em surtos sucessivos, seguido dedestruição celular, com potencial de evolução para a cirrose e para o carcinoma. Na infeção por VHB, o gene HBx atuaem vias de regulação da transcrição, bloqueia a apoptose, promove a imortalidade replicativa da célula infetada e aangiogénese, entre outros mecanismos. Na infeção por VHC (vírus de ARN) atuam as oncoproteínas core e NS3, pormecanismos múltiplos, não, totalmente, desvendados.VLTH-1 (ou HTLV-1)Também vírus de ARN, e primeiro retrovírus descoberto, causa a leucemia/linfoma T do adulto (LTA), neoplasia delinfócitos maduros CD4+, endémica no Japão. Num primeiro passo a oncoproteina Tax ativa a proliferação policlonal Te num segundo, em células selecionadas por terem perdido ou silenciado Tax (que constitui alvo forte para o sistemaimunitário), a proteína HBZ permite a imortalidade replicativa até que ocorram mutações somáticas, que resultam(anos depois) na transformação maligna.VHSK (ou VHH-8)Infeta diversas linhagens – células endoteliais, monócitos e linfócitos B. Como noutros herpesvírus, passa por estádiosreplicativos latente e lítico, ambos necessários para a carcinogénese. Na latência, a expressão de LANA assegura amanutenção do episoma VHHSK durante a divisão e no ciclo lítico a expressão do programa vírico completo permite alise citopática (nesta fase, em indivíduos imunocompetentes, a célula é suprimida pelo sistema imunitário). VHHSKcausa o sarcoma de Kaposi (SK), caracterizado por proliferação vascular e intensa angiogénese. Excetuando uma formaendémica africana, o SK só surge em contexto de imunossupressão – infeção por VIH (SK epidémico) – transplante eidade avançada em certas populações (SK clássico). No SK associado a VIH, o tumor é controlável com a reconstituiçãoimunitária, induzida pela terapêutica antirretrovírica (TARV).VCM ou (VMCPy)É o oncovírus mais recentemente descoberto. Como acontece com outros poliomavírus, é muito comum, mas o tumorque provoca (carcinoma das células de Merkel) é muito raro, presumivelmente por a integração genómica (envolvida nainiciação neoplásica) não incluir o ciclo biológico do vírus e constituir um evento improvável.40

SinopsesEm relação a alguns destes vírus, existem, ainda, potenciais associações com outros tumores (por exemplo, VHC elinfomas da zona marginal), ainda controversas. Note-se que outros vírus são suspeitos de causar tumores humanos(nomeadamente cerebrais), não havendo, ainda, prova de nexo causal suficiente.Para a prevenção e tratamento dos tumores víricos, constituem oportunidades únicas o longo período de incubação, porum lado, e a expressão de antigénios víricos específicos pelo tumor, por outro. Existem já vacinas eficazes para VHP epara VHB. Em termos terapêuticos, a imunoterapia, incluindo os anticorpos monoclonais, pequenas moléculas inibidorase imunoterapia adotiva, virá dar um contributo decisivo para a cura destes tumores.AbreviaturasEBNA – EBV nuclear antigen, LMP – latent membrane protein, EBER – EBV-encoded RNA, LANA – latency-associatednuclear antigen 41

SinopsesVírus do papiloma humanoJoão Borges da CostaVírus do papiloma humano (VPH) tem cadeia dupla de ADN e infeta várias espécies de vertebrados, mas tem, também,especificidade de espécie. VPH entra no genoma da célula do hospedeiro durante a mitose celular, dando origem aformas clínicas ou subclínicas da infeção, esta última sem evidências clínica, citológica ou histológica.VPH pode ser classificado de acordo com tropismo celular, como aqueles genótipos que atingem a pele ou as mucosas,ou pelo seu potencial oncogénico, como os de baixo risco oncogénico ou os de alto risco.A transmissão processa-se através do contato de pele com pele, sexual, auto-inoculação e perinatal.VPH causa, com maior frequência, tumores benignos, como as verrugas víricas, mais frequentes nas áreas acrais e emcrianças e são, maioritariamente, autolimitadas, com resolução em 1-2 anos. No entanto, são muitas vezes causa de dorou diminuição da autoestima, o que obriga a tratamento médico com verrucidas, ácido salicílico, ureia e 5-fluoracilo. Otratamento cirúrgico com laser de dióxido de carbono, crioterapia, eletrocirurgia ou curetagem é uma opção, mas obriga,com frequência, a uso de sala cirúrgica com extratores de fumo.Nos adultos, é responsável pela infeção sexualmente transmissível (IST) com maior prevalência (condilomas genitais),que atinge 1% dos adultos sexualmente ativos e que pode ser causa de morbilidade significativa. Estima-se, ainda, que80% da população terá contato com estes vírus ao longo da vida.Os genótipos de VPH mais associados aos condilomas são o 6 e o 11, mas podem, também, ocorrer infeções por váriosgenótipos, inclusive com alguns de alto risco oncogénico, como VPH 16.A maioria destas infeções é diagnosticada em adolescentes e adultos jovens e o preservativo, por não cobrir toda aárea anatómica onde pode ocorrer a transmissão, não tem 100% de eficácia na prevenção. O diagnóstico diferencial é,preferencialmente, com lesões benignas, como os angiofibromas, outras infeções víricas, como o molusco contagioso e,ainda, tumores malignos, como o carcinoma espinocelular. A biopsia cutânea tem indicação em apresentações atípicasou refratárias ao tratamento convencional.O tratamento dos parceiros e o rastreio das outras ISTs não deve ser, também, esquecido, como vírus daimunodeficiência humana (VIH), sífilis, hepatites víricas e outras infeções que ocorrem com maior frequência na mesmafaixa etária, como a infeção genital por Chlamydia trachomatis.Os tumores malignos mais relevantes associados a VPH são os que atingem a área anogenital, salientando-se o carcinoma do colo do útero. Nesta localização, 10% das mulheres pode desenvolver infeção persistente,especialmente quando infetadas por VPH 16. Este carcinoma, apesar da redução da sua incidência na EuropaOcidental, continua a ser uma das principais causas de morte por cancro nos países em vias de desenvolvimento,sobretudo na África subsariana.VPH com maior potencial oncogénico tem sido, também, identificado como responsável pelo aumento do carcinomaanal, sobretudo em homens que tem sexo com homens (HSH), infetados por VIH ou da orofaringe. Nesta últimalocalização, sobretudo em doentes mais jovens, VPH é mais relevante do que os fatores de risco tradicionais, como otabaco e o consumo de bebidas alcoólicas.A sobrevivência de VPH no hospedeiro é possível através de evasão e supressão do sistema imune, o que explica anecessidade de vários tratamentos médicos e/ou cirúrgicos e o número elevado de recidivas. A imunossupressão, aextensão e o número de lesões são os fatores preditivos mais importantes para a resposta ao tratamento.No entanto, estão disponíveis vacinas que permitem prevenir 90% dos carcinomas cervicais, 80-85% dos cancros davagina, 90-95% dos cancros do ânus e 90% das verrugas genitais. Esta vacina está aprovada para homens e mulheresdos 9-26 anos de idade, mas no plano nacional de vacinação de Portugal é, apenas, disponibilizada de forma gratuita42

Sinopsesao sexo feminino aos 10 anos, em duas tomas. Esta vacina deve ser, assim, idealmente, administrada antes do início daatividade sexual, mas não tem efeito sobre infeções já estabelecidas e não altera, também, as recomendações para orastreio do cancro do colo do útero. 43

SinopsesDoenças infeciosas de origem alimentarAntónio VieiraBactérias, vírus, parasitas ou, eventualmente, priões, representam a grande variedade de agentes microbianos,potencialmente envolvidos e responsáveis por doenças infeciosas de origem alimentar. O denominador comum é adiarreia, embora outras manifestações clínicas, como hepatite ou alterações neurológicas possam ocorrer.As infeções do trato gastrintestinal, especialmente a diarreia infeciosa, são das situações mais frequentes na medicinacontemporânea. Se bem que a assimetria seja marcada em desfavor dos países pobres do sul, onde a diarreia e amalnutrição se potenciam em ciclo vicioso e, embora mais frequentes nas crianças, atingem todas as pessoas em todasas idades. À escala planetária, a diarreia é a principal causa de mortalidade infantil.A diarreia, definida como o aumento de número de dejeções fecais diárias, com alteração do seu volume e consistência,pode ser caracterizada como:a) Aguda, se de instalação/evolução por um período temporal inferior a duas semanas.b) Persistente, se apresenta evolução superior a duas semanas.c) Crónica se a sua duração é superior a um mês.Considera-se a diarreia como inflamatória, quando há invasão da mucosa cólica por bactérias e suas toxinas ou porparasitas, com evidência de perdas hemáticas. Infeções por Salmonella ou Shigella são a etiologia mais comum.Diarreia não inflamatória é, em regra, aquosa, de etiologia vírica ou mediada por toxinas. Tem envolvimentopredominante do intestino delgado, com a consequente perda de grande volume de líquidos. As infeções por norovírusou rotavírus são o exemplo etiológico, nesta situação.O conceito de toxinfeção alimentar resulta do facto de ser mediado por toxinas (ingeridas já pré-formadas ou produzidasno local) no eclodir da doença.De qualquer modo, as infeções gastrintestinais e toxinfeções alimentares adquiridas, por regra, em consequência daingestão de água ou alimentos contaminados, resultam da interação entre o agente infetante e o hospedeiro infetado.Após o contacto com o agente infetante, vários fatores do hospedeiro determinam a ocorrência de doença. Em primeirolugar, a infeção é adquirida por via oral e depende, por regra, do volume do inóculo, sendo necessária a ingestão deum elevado número de microrganismos para produzir doença. Exceção, neste contexto, é a infeção por Shigella ou poralguns parasitas.Por outro lado, a barreira ácida, configurada pelo pH gástrico, impede que a larga maioria dos microrganismos atinjao lúmen intestinal. A produção de muco e a integridade da mucosa são fatores de resistência à infeção. A motilidadeintestinal tem, também, uma ação relevante, não só por assegurar a normal distribuição da flora endógena e os seusfluxos, como por manter, em equilíbrio, o processo de absorção de líquidos. Convém lembrar que a perda da flora normaldo intestino ou a sua alteração, causada pelo uso intempestivo de antibióticos, leva, por vezes, à seleção e proliferaçãode gérmens de difícil controlo. O exemplo da colite pseudomembranosa é bem conhecido.Por outro lado, a virulência do agente infetante desempenha um papel fundamental, diretamente ou mediado portoxinas. Diretamente, quando invade e destrói as células do epitélio pode ser responsável por episódios de diarreia, mas,também, pela capacidade que alguns gérmens entéricos possuem de aderir e colonizar a mucosa. Este facto, por si só,pode ser suficiente. Assim, Shigella e algumas estirpes de Escherichia coli enquadram este mecanismo.As toxinas, componentes microbianos tóxicos, são, muitas vezes, o agente causal das diarreias. Trata-se,verdadeiramente, de toxinfeções. Três grandes grupos de toxinas são distintas:44

Sinopsesa) As neurotoxinas, em regra ingeridas já pré-formadas, raramente causam diarreia ou outros sintomas a nível do tubo digestivo, revelando-se pela neurotoxicidade sistémica, sendo a toxina botulínica disso exemplo.b) As enterotoxinas, de que o exemplo clássico é a toxina de Vibrio chlorae, têm um efeito direto sobre a mucosa intestinal, estimulando a secreção de fluídos.c) As citotoxinas, responsáveis pela destruição da mucosa, com a consequente colite inflamatória, sendo a infeção por Shigella dysenteriae um exemplo, neste contexto.Assim, a doença entérica é resultante da interação gérmen/hospedeiro, que altera a fisiologia normal do intestino, coma consequente rotura do equilíbrio hidroelectrolítico.O diagnóstico deve comportar uma história clínica pormenorizada, tendo atenção particular a noções, como eventualsurto familiar ou na coletividade de idênticas características, viagens recentes a países em vias de desenvolvimento,doenças prévias, administração de antibióticos, entre outros fatores.Convém lembrar algumas particularidades das infeções associadas aos cuidados de saúde, tais como as causadas porClostridium difficile, com aumento da incidência, sendo as recidivas frequentes. A idade do doente tem, também, umpapel de relevo, sendo, por exemplo, as infeções por rotavírus, praticamente, exclusivas das crianças.O estudo laboratorial, com pesquisa do agente etiológico, está indicado, apenas, nos casos de doença prolongada oude diarreia severa, com febre e evidência de eventuais perdas hemáticas. As infeções gastrintestinais nosocomiaisenquadram-se neste último ponto.No contexto da infeção por VIH, a diarreia é a manifestação mais comum do envolvimento do intestino, podendo atingiraté cerca de 90% dos indivíduos, particularmente nas regiões mais desfavorecidas económica, cultural e socialmente,do planeta. Nos países desenvolvidos, com acesso universal à terapêutica antirretrovírica (TARV), a iatrogenia é acausa mais frequente, neste âmbito. Diarreia arrastada, com consequente quadro de mal-absorção, condicionandoperda ponderal relevante (>10%), é condição definidora de síndrome de imunodeficiência adquirida (sida) e pode serconsequência direta da infeção retrovírica. Contudo, as causas são múltiplas, tais como vírus, bactérias e protozoários.Salmonella é o principal agente, mas as infeções por Cryptosporidium são, também, causa possível de diarreia.Como regra geral, o aporte adequado de líquidos e eletrólitos, de preferência e sempre que possível por via oral, é a baseda terapêutica, nas situações comuns. Um alerta para o uso de medicamentos que têm por finalidade a diminuição damotilidade intestinal – o seu uso está contraindicado, na generalidade das situações. De igual modo, a antibioterapiaempírica, deve ser muito ponderada.Uma nota final para a prevenção – a melhoria das condições socioeconómicas, associadas ao cumprimento de regras dehigiene sanitária, pessoal e coletiva, são determinantes. 45

SinopsesFebre tifóide e salmonelosesAntónio Mota Mirandafebres entéricasAs febres entéricas, febre tifóide e paratifóide, são doenças infeciosas sistémicas agudas, cujas manifestações clínicasdominantes são a febre, cefaleias, dor abdominal e esplenomegalia. No seu curso evolutivo podem surgir complicações,sendo a hemorragia e a perfuração intestinais as mais comuns, ocorrendo, por regra, após a 3ª semana do curso dadoença. A leucopenia/neutropenia é o achado analítico mais evocador.Doenças do passado nos países desenvolvidos, constituem, nas regiões em vias de desenvolvimento, um graveproblema de saúde pública, em consequência das deficientes condições sanitárias e higiénicas e, ainda, como reflexoda pobreza. Samonella typhi é o agente etiológico da febre tifóide e S. paratyphi da febre paratifóide. O reservatóriodestas bactérias é, exclusivamente, humano e o único responsável pela disseminação da infeção por via fecal-oral.Estas doenças ainda são diagnosticadas em Portugal, pelos casos autótones esporádicos, mas, sobretudo, poraqueles ocorridos em viajantes regressados das regiões endémicas ou em imigrantes. O conhecimento dos seusaspetos epidemiológicos, clínicos e terapêuticos são fundamentais para uma intervenção eficaz que minimize as suasconsequências. Várias doenças infeciosas de causa bacteriana, vírica, fúngica ou parasitária podem ter apresentaçãoclínica semelhante, dificultando o diagnóstico e retardando o tratamento de uma doença que põe em risco a vida dodoente, em particular, em países com menos recursos e onde a resistência aos antimicrobianos é endémica e crescente.A prevenção fundamenta-se na melhoria das condições sanitárias – saneamento básico, fornecimento de água potávele higiene alimentar. A vacinação, apenas disponível para a febre tifóide, não deve ser descurada e considerada emcomplementaridade com as medidas anteriores. Uma nova vacina conjugada, já disponível em algumas regiões eincluída em programas de vacinação (EPI-WHO), poderá influenciar, no futuro, o seu panorama epidemiológico.salmonelosesAs salmoneloses, são infeções entéricas, provocadas por vários serótipos de Salmonella enterica, com exceção deS. typhi e paratyphi, sendo uma das principais causas de toxinfeções alimentares e constituem um importanteproblema de saúde pública. Vários milhões de casos humanos de salmoneloses são estimados, por ano, em todo omundo. A maior incidência é no verão/outono nos climas temperados e coincidente com a época das chuvas nos climastropicais. Os mais afetados são as crianças, sobretudo, recém-nascidos e lactentes até aos três meses e aqueles comidade ≥70 anos. Os reservatórios de Salmonella spp são várias espécies de animais domésticos e selvagens, sendo atransmissão fecal-oral, conquanto seja, também, possível o contágio por contato direto com animais, pessoas infetadasou objetos contaminados. O período de incubação é de 6-72 horas e a gastrenterite aguda é a forma de apresentaçãoclínica mais habitual, ocorrendo esporádicamente ou em surtos. A doença é autolimitada e benigna, na maioria doscasos, sendo a febre, a diarreia, as cólicas abdominais, as náuseas e os vómitos as manifestações mais comuns.As formas extraintestinais – sépsis e infeções localizadas a vários órgãos, são menos habituais, mas mais graves esão diagnosticadas, sobretudo, em doentes imunodeprimidos ou com comorbilidades. O diagnóstico diferencial dagastrenterite aguda deve fazer-se com outras causas de doença diarreica, sejam infeciosas ou não. O estudo laboratorialapenas se justifica nas formas graves ou na investigação de surtos. O tratamento visa a correção e a manutençãodo equilíbrio hidroeletrolítico e das funções vitais. Uma dieta pobre em resíduos e o tratamento sintomático devemser complementares. A utilização de antibióticos não está indicada, na maioria dos casos, devendo reservar-se parasituações em que há risco de bacteriemia e de focalização. A prevenção apoia-se em medidas de controlo alimentare higiene individual. Ainda, neste âmbito, deve referir-se a importância dos sistemas de vigilância epidemiológica nadeteção e resposta adequada na contenção de qualquer surto.46

SinopsesBruceloseCélia OliveiraA brucelose, também conhecida por febre de Malta ou febre ondulante, é uma das zoonoses mais frequentes a nívelmundial, sendo reportados mais de 500.000 casos/ano, em humanos, anualmente. Por outro lado, a doença emanimais representa, ainda, uma enorme ameaça económica global e, em particular, em países em desenvolvimento, cujaeconomia assenta na criação e no consumo de gado de pastoreio e dos seus derivados.A doença foi descrita, pela primeira vez, em 1859, na ilha de Malta e alguns anos mais tarde foi isolada a primeira estirpedo agente, por David Bruce, em 1886 – Brucella mellitensis. As outras estirpes, que mais vezes afetam os humanos, sãoB. abortus, B. suis, B. ovis e B. canis, ainda que algumas outras tenham sido identificadas. Os microrganismos da espécieBrucella são cocobacilos intracelulares facultativos, Gram-negativo e aeróbios estritos, não encapsulados.Sendo uma zoonose, a epidemiologia assenta, essencialmente, no contacto, direto ou indireto, com animais portadoresdo agente, particularmente gado ovino, caprino e bovino, sendo o porco, aparentemente, um reservatório menosimportante da doença.A incidência mundial da brucelose é variável, consoante as zonas do globo, sendo áreas de moderada a elevadaprevalência as localizadas na bacia do mediterrâneo, médio oriente, península arábica e continente africano, bemcomo países da América Central e do Sul. Em Portugal, graças a um programa alargado de vigilância epidemiológica econtrolo da Brucella em animais, tem-se assistido, na última década, a um decréscimo acentuado do número de casosnotificados em humanos.O período de incubação da doença, em humanos, é de 2-8 semanas e as manifestações clínicas são muito floridas edependem, também, da forma da doença – aguda, que ocorre em cerca de 50% dos casos, ou focalizada, nos restantes.A manifestação mais frequente na forma aguda é a febre, acompanhada, em regra, por sudorese profusa e descritamuitas vezes com um odor típico “a palha”. A restante sintomatologia varia entre as mioartralgias, com ou sem sinaisinflamatórios associados, as cefaleias, arrepios de frio e outros sintomas constitucionais.As formas focalizadas ocorrem, na maioria das vezes, no sistema osteoarticular, com particular relevo para as grandesarticulações – sacroilíacas (nos mais jovens) e coluna vertebral – espondilodiscite. No entanto, o atingimento dotestículo, quase sempre unilateral, é, também, relativamente frequente e as formas meníngeas ou endocárdicas, aindaque mais raras, revestem-se de um prognóstico muito mais sombrio.Os pilares do diagnóstico assentam num inquérito epidemiológico adequado e exaustivo e, como em qualquer patologia,numa história clínica pormenorizada e bem dirigida. Os exames auxiliares de diagnóstico devem ser equacionados eutilizados, em função e como complemento do que, anteriormente, foi referido – exames ditos “de rotina” (hemogramacompleto, provas de função renal e hepática, proteína C reativa e velocidade de sedimentação eritrocitária).O crescimento de Brucella em cultura (sangue, medula óssea, líquido cefalorraquidiano, sinovial ou tecido de biopsia)nem sempre fácil e, por vezes, requerendo tempo e métodos adicionais de enriquecimento aos meios de cultura, noentanto são o gold standard do diagnóstico da brucelose.Os testes serológicos, diversos e também com diferentes graus de utilidade, consoante os casos, o tempo de evoluçãoe a fase da doença, serão, sempre, interpretados em função do contexto geral do doente, mas constituem umaferramenta preciosa, tanto no diagnóstico como na monitorização da eficácia terapêutica.Os exames imagiológicos, com destaque para a tomografia axial computadorizada (TAC) e a ressonância magnéticanuclear (RMN), têm um papel crucial no diagnóstico das formas focalizadas ao esqueleto, bem como na avaliaçãode coleções abcedadas, relativamente frequentes em casos de espondilodiscite. Da mesma forma, revelam-se,extremamente, úteis na avaliação da eficácia do tratamento e da necessidade de intervenção cirúrgica atempada. 47

SinopsesO tratamento consiste na utilização de antibióticos com capacidade de penetração intracelular, nunca em monoterapiae sempre por tempo prolongado, dependente este da forma da doença – mínimo de seis semanas nas formas agudase três ou mais meses nas formas crónicas e/ou focalizadas. Os mais utilizados são as tetraciclinas, aminoglicosídeos,cotrimoxazol, rifampicina e quinolonas. Em alguns casos, particularmente nas formas meníngeas ou endocárdicas,o tempo de tratamento é avaliado e ajustado em função da evolução e o recurso à cirurgia pode ser necessário. Ascrianças e as mulheres grávidas constituem grupos particulares, nos quais a terapêutica tem de ser individualizada, porforma a não causar danos colaterais, evitáveis com a escolha acertada dos fármacos a utilizar.Para finalizar, lembra-se, ainda, que, como qualquer outra doença, a prevenção constitui a forma mais eficaz, segurae menos onerosa de tratamento. Em Portugal e no tocante à infeção por Brucella, os programas de prevençãocentralizam-se no rastreio da doença no hospedeiro animal, na educação sanitária dos trabalhadores em risco e doabate dos animais infetados. Este programa, levado a cabo pelas entidades competentes no controlo e na erradicaçãoda doença, tem mostrado a sua eficácia através da acentuada diminuição do número de casos reportados.48

SinopsesLeptospiroseJoana FernandesA leptospirose é uma zoonose provocada por bactérias do género Leptospira, constituída por duas espécies – Leptospirabiflexa e interrogans, sendo, apenas, a última patogénica para o Homem. A Leptospira interrogans divide-se em mais de200 serovares e agrupados em 20 serogrupos (icterohaemorrhagiae, canicola, hebdomadis...).Esta zoonose apresenta distribuição mundial, sendo relativamente frequente em Portugal, com cerca de 60 casosnotificados anualmente. Os principais reservatórios são os ratos e, raramente, bovinos, suínos, equinos e canídeos.As bactérias replicam-se nos rins dos reservatórios, sendo continuamente excretadas na urina e sobrevivem no meioambiente durante semanas, sobretudo com temperaturas 28-32ºC e pH neutro ou alcalino. A transmissão ao homemocorre pela via cutâneo-mucosa, através da qual as bactérias atravessam a pele por pequenas soluções de continuidadeou pelas mucosas íntegras. De seguida, as bactérias disseminam-se por todo o organismo, desencadeando um processode vasculite sistémica, sendo mais afetados os rins, os pulmões e os músculos.A infeção por Leptospira pode ser assintomática e a leptospirose pode ter apresentação clínica variável, da qual 90%dos casos são anictéricos, autolimitada e 10% a ictérica, também conhecida como doença de Weil. A leptospiroseanictérica apresenta um curso bifásico – a primeira fase, leptospirémica, ocorre cerca de 10 dias após o contacto, sendocaracterizada por um quadro semelhante ao gripal, associado a sufusão hemorrágica conjuntival, com duração de 4-7dias, seguindo-se, depois, um período assintomático, com a duração de 1-3 dias, após o qual ocorre a fase imunitáriaou leptospirúrica, caracterizada por febre, mialgias e cefaleias e, mais raramente, meningite, exantema morbiliforme euveíte. Este período tem a duração de 4-30 dias, com a presença no sangue de anticorpos IgM específicos e é possívelisolar a bactéria na urina. No caso da doença de Weil, após o período inicial desenvolve-se icterícia açafroada, diátesehemorrágica e insuficiência renal aguda (nefrite intersticial), assemelhando-se a um quadro de choque com falênciamultiorgânica.Em termos analíticos, a leptospirose apresenta elevação dos parâmetros inflamatórios. Nas formas anictéricas comleucocitose e neutrofilia, elevação discreta das provas de função hepática e aumento da creatina fosfoquinase e nadoença de Weil com insuficiência renal, hiperbilirrubinemia conjugada, trombocitopenia e prolongamento do tempo deprotrombina.Esta bactéria necessita de um meio cultural enriquecido para se desenvolver, classicamente o meio de Fletcher, epode ser observada em exame direto no microscópio de fundo escuro. A pesquisa de anticorpos da classe IgM e IgGé o método de eleição para o diagnóstico de leptospirose e caracteriza-se (para o IgG) pela subida do título em duasamostras colhidas com três semanas de intervalo.O tratamento antibiótico tem interesse, apenas, quando iniciado nos primeiros dias da doença, utilizando a penicilina(6-8 milhões UI/dia) ou a doxicilina (100 mg 2x/dia), durante 5-7 dias. O tratamento de suporte é fundamental,sobretudo na doença de Weil, com frequente necessidade de técnicas de substituição renal.O prognóstico da forma anictérica é favorável, no entanto, a doença de Weil tem mortalidade de cerca de 50%,sobretudo em indivíduos com mais de 50 anos. Nos restantes 50% há recuperação total e aquisição de imunidadeduradoura, para o serogrupo infetante.A prevenção da leptospirose assenta em campanhas de desratização e no uso de equipamento de proteção, duranteas atividades em que seja provável o contacto com urina de rato, nomeadamente limpeza de esgotos e fossas, erecreativas em água doce. 49

SinopsesZoonoses em PortugalSofia NúncioQualquer doença ou infeção que é, naturalmente, transmissível de animais vertebrados para o homem e vice-versa éclassificada como zoonose. A interação entre a saúde humana e animal não é um fenómeno novo. As zoonoses sãoreconhecidas desde há séculos e, atualmente, já se conhecem mais de 200 agentes patogénicos de vários tipos, incluindoas bactérias, parasitas, fungos e vírus. Apesar disso, muitos deles são negligenciados, ou seja não são priorizados pelossistemas de saúde a nível nacional e internacional, não obstante afetarem, anualmente, centenas de milhares de pessoas,especialmente nos países em desenvolvimento. No entanto, hoje, o impacto mundial das zoonoses não tem precedenteshistóricos. O nascimento de uma nova era de doenças emergentes e reemergentes, bem como o impacto potencialsignificativo dessas doenças na saúde pública tem causado profundas mudanças ao nível de estratégias de vigilância,prevenção e controlo. O impacto da globalização, industrialização, reestruturação dos sistemas agrícolas, alteraçõesclimáticas e consumismo, que resultam na proliferação de reservatórios e vetores e, por consequência, na casuística destasdoenças, irá, de certo, mudar o fundamento básico e a operacionalidade das políticas de Saúde, inclusive em Portugal. Aszoonoses, associadas a vetores, que representam maior risco para Portugal, são as arboviroses (incluindo vírus Zika e afebre hemorrágica Crimeia Congo), hantavirose, anaplasmose, riquetsiose, febre Q, tularemia e borreliose de Lyme.ARBOVIROSESTêm por reservatórios diversos vertebrados, sendo que as aves assumem uma relevância especial. Foram identificados,em Portugal, os seguintes arbovírus – Ntaya, Banzi, Dhori, Thogoto, West-Nile, febre hemorrágica Congo-Crimeia e vírusToscana. As suas manifestações clínicas são, também, muito diversas, mas são de referir quadros do tipo gripal, febreshemorrágicas e meningoencefalites. A recente identificação da presença de Aedes albopictus em Portugal aumenta aprobabilidade de, num futuro próximo, existirem casos autóctones de Dengue, Chicungunya e outros arbovírus.EHRLICHIOSE E ANAPLASMOSEInicialmente, entendia-se que as duas principais bactérias causadoras de ehrlichiose pertenciam ambas ao géneroEhrlichia, mas estudos filogenéticos subsequentes mostraram tratar-se de dois géneros distintos. Têm comoreservatórios diversos animais domésticos e assumem maior importância a Ehrlichia chaffeensis e o Anaplasmaphagocytophilum. A clínica pode consistir, apenas, em quadros febris, mas estão, também, descritas falência pulmonare renal agudas e até mesmo encefalopatia.RICKETTSIOSESForam identificadas, no nosso País, as seguintes rickettsias: a) Rickettsia typhy (produzindo o clássico tifo endémico); b)R. conorii (responsável pela chamada febre escaronodular, febre botonosa ou febre exantemática mediterrânica); c) R.slovaca (a qual determina, caracteristicamente, eritema e linfadenopatias); d) R. helvetica (supostamente responsávelpor certas cardiomiopatias e por quadros febris sem exantema); e) R. sibirica mongolotimonae (causa o tifo siberianopor carraça e/ou a “linfangite associada a rickettsioses”). A primeira das rickettsias referidas tem como vetores a pulgado rato e as restantes são transmitidas por diversas espécies de carraças.TULAREMIAO principal reservatório da Francisella tularensis é, na Península Ibérica, a lebre e os seus quadros clínicos são muitodiversificados, tais como úlceras da pele adenomegalias, pneumonite, situações semelhantes a febre tifóide esepticemias. Em Espanha, foram descritos surtos epidémicos relacionados com a caça e manipulação da lebre e,também, com a pesca ao lagostim de água doce.BORRELIOSE DE LYMEOs seus vetores são carraças (Ixodes ricinus). Trata-se de uma doença proteiforme, podendo revelar-se pormanifestações cutâneas (eritema migrans, linfocitoma e acrodermatite crónica atrófica), articulares (artrite de Lyme),50


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