REVISTA JURÍDICA ELETRÔNICAAno 07, Número 09, Julho/2019 ISSN 2477-1472
SUMÁRIO ARTIGOS A FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA 03 EFICÁCIA NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO Gustavo Alves Cabral Marques | Yashmin Crispim Baiocchi de Paula e Toledo SOCIEDADE DE RISCO: A UTILIZAÇÃO DOS AGROTÓXICOS E IMPLICAÇÕES NO 12 AGRONEGÓCIO Samara Gastaldi Silva | Linia Dayana Lopes Machado DESAFIOS A SEREM SUPERADOS PELAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA 20 NOVA REALIDADE INTERNACIONAL Carolina Merida | Arício Vieira Da Silva DA ATENÇÃO À MULHER GESTANTE NA PENITENCIÁRIA DE RIO VERDE- GOIÁS 26 Marcela Silva Ribeiro | Cláudio de Castro Braz AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E A SUA RELEVÂNCIA NO ORDENAMENTO 37 PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO Daiane Honorato Borges | Magali Assis da Silva Linia Dayana Lopes Machado O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A TRIBUTAÇÃO DO SETOR DA 44 RECICLAGEM Renata de Almeida Monteiro | Pamela Ruy Corrêa HOLDING NO BRASIL: análise no campo comercial - processual 54 Eumar Evangelista de Menezes Júnior | Carolina Oliveira Hajjar Thays França Rezende O DIREITO AUTORAL MUSICAL E OS PROBLEMAS ENFRENTADOS NOS MEIOS DE 62 COMUNICAÇÃO DE MASSA NA ATUALIDADE 72 Richard Carvalho Miranda | Oduvaldo Santana Júnior 86 O DIREITO HUMANO À ÁGUA - Gildo Manuel Espada PERSPECTIVAS PARA O DIREITO PENAL NO ESTADO DO SÉCULO XXI Fernanda Peres Soratto | Janaína Jacinto de Oliveira REFLEXÃO ACERCA DE INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS REALIZADAS POR MEMBROS 98 DO MINISTÉRIO PÚBLICO - Dannilo Ribeiro Proto REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE DIREITO, JUSTIÇA E SOCIEDADE 104 Salustiano Ferreira da Luz
A FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA EFICÁCIA NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO THE RESSOCIALIZING FUNCTION OF THE PRIVATIVE PENALTY OF FREEDOM AND ITS EFFECTIVENESS IN THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM Gustavo Alves Cabral Marques Yashmin Crispim Baiocchi de Paula e Toledo RESUMO tence. Finally, it relates the efficacy of the resocializing O presente artigo científico analisa a eficácia da pena function of the custodial sentence with the high rates privativa de liberdade, em especial, as questões rela- of recidivism in Brazil. cionadas à função ressocializadora da pena. Investiga a possibilidade de se “re” socializar um indivíduo, pri- KEYWORDS: Penalty. State. Efficiency. Ressocialização. vando-o da liberdade e dos aspectos sociais. Analisa a discrepância entre as previsões contidas no ordena- 1 INTRODUÇÃO mento jurídico pátrio, sobretudo na Lei de Execução Penal, e a realidade do sistema prisional brasileiro, o O estudo sobre a eficácia da pena privativa de liberda- que reflete negativamente na função de prevenção es- de perpassa necessariamente a análise acerca do as- pecial atribuída à pena privativa de liberdade. Por fim, pecto ressocializador a ela atribuído. Entretanto, é fato relaciona a eficácia da função ressocializadora da pena notório que, no sistema prisional brasileiro, os encarce- privativa de liberdade com os altos índices de reinci- rados são submetidos a condições subumanas durante dência no Brasil. o período em que estão no cárcere. Nesse contexto, questiona-se: a pena privativa de li- PALAVRAS-CHAVE: Pena. Estado. Eficácia. Ressociali- berdade no Brasil cumpre sua função ressocializadora? zação. Este artigo científico busca investigar respostas a esta questão. ABSTRACT Para tanto, inicialmente foi feito um estudo sobre as te- orias desenvolvidas ao longo da história para justificar This scientific article analyzes the effectiveness of the a adoção da pena privativa de liberdade como a princi- custodial sentence, in particular, the questions related pal forma de penalidade imposta aos criminosos. to the resuscitizing function of the sentence. It inves- Em seguida, expôs-se a discrepância entre as previ- tigates the possibility of “re” socializing an individual, sões contidas no ordenamento jurídico pátrio, sobre- depriving him of freedom and social aspects. It analy- tudo na Lei de Execução Penal, e a realidade do siste- zes the discrepancy between the provisions contained ma prisional brasileiro, apontando, inclusive, a falta de in the national legal order, especially in the Criminal compromisso do Poder Público e da própria sociedade Enforcement Law, and the reality of the Brazilian pri- com a solução do problema carcerário. son system, which reflects negatively on the special Por fim, foi realizada uma análise sobre a eficácia da prevention function attributed to the custodial sen- função ressocializadora da pena privativa de liberdade *Graduado em Direito pela UniRV – Universidade de Rio Verde – GO (2015). *Professora orientadora do artigo científico. Professora de Direito Penal da UniRV – Universidade de Rio Verde – GO. Graduada em Direito pela Univer- sidade Federal de Goiás (1998). Especialista em Direito Penal pela Universidade Federal de Goiás (2003). Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2010). Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás desde 2004. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 3ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA diante da situação precária do sistema prisional brasi- como retribuição. leiro, a partir do estudo de dados estatísticos sobre as taxas de reincidência no Brasil, a fim de buscar respos- 2.2 TEORIA RELATIVA tas à questão posta inicialmente. Podemos conceituar a teoria relativa como sendo aque- 2 TEORIAS JUSTIFICADORAS DA PENA PRIVATIVA DE la que atribuiu à pena privativa de liberdade a função LIBERDADE de evitar que, no futuro, novos delitos ocorram, ou seja, associou à pena a função preventiva. A teoria pode ser A imposição de pena privativa de liberdade àquele que subdivida em preventiva especial e preventiva geral. transgride as normas impostas pelo Estado para a pro- Neste diapasão, a doutrina de Tasse (2003, p. 68): teção dos bens jurídicos mais relevantes à sociedade é a forma mais cruel de que o Estado dispõe para exercer Pune-se para que não se cometa crime (punitur o controle e manter a paz social. ut ne peccetur). O crime não seria a causa da Com o propósito de apontar as finalidades da pena pena, mas a ocasião que possibilita a aplicação privativa de liberdade e justificar sua adoção como a desta. Estas teorias enxergam na pena um principal penalidade infligida aos criminosos, foram fenômeno prático e imediato de prevenção, que desenvolvidas, ao longo da história, diversas teorias, pode ser especial – aquela que se dirige à pessoa que serão estudadas no decorrer deste capítulo. que está sofrendo a pena, visando recuperá-la; Segundo Silva (2009, p. 25): ou geral – dirigida ao corpo social, pretendendo que sejam estabelecidos meios capazes de [...] para se desmitificar o propósito afastar a ideia de qualquer um que pense em ressocializador da sanção penal impõe-se praticar um ato delituoso. a retomada desse debate, rememorando as chamadas teorias da pena que, pela literatura Portanto, diferentemente da teoria absoluta, para a penal, se condensam em três grandes correntes: teoria relativa, a função precípua da pena privativa de teorias absolutas, teorias relativas e teorias liberdade não é a retribuição pelo delito cometido, mas mistas. sim prevenção de novos delitos. 2.1 TEORIA ABSOLUTA 2.2.1 A prevenção geral A teoria absoluta ou retributiva aponta como finalida- A função de prevenção geral atribuída à pena privativa de da pena privativa de liberdade a mera retribuição de liberdade direciona seus efeitos para os membros do mal pelo mal. O mal do crime deve ser retribuído da comunidade que ainda não praticaram delitos, de pelo mal do cárcere. modo que estes não queiram delinquir, configurando, Sobre a teoria absoluta assevera Bitencourt (2011, p. pois, uma espécie de coação psicológica. Essa teo- 102): ria foi defendida por Feurbach, citado por Bitencourt (2011, p. 114): Por meio da imposição da pena absoluta não é [...] sustenta que é por meio do direito penal possível imaginar nenhum outro fim que não seja que se pode dar solução ao problema da único e exclusivamente o de realizar a justiça. A criminalidade. Isso se consegue, de um lado, pena é um fim em si mesma. Com a aplicação da com a cominação penal, isto é, com a ameaça de pena consegue-se a realização da justiça, que pena, avisando aos membros da sociedade quais exige, diante do mal causado, um castigo que as ações injustas contra as quais se reagirá; por compense tal mal e retribua, ao mesmo tempo, outro lado, com a aplicação da pena cominada, o seu autor. Castiga-se quia peccatur est, isto é, deixa-se patente a disposição de cumprir a porque delinquiu, o que equivale a dizer que a pena é simplesmente a consequência jurídica ameaça realizada. penal do delito praticado. Nesse contexto, a função da pena privativa de liberda- de é intimidar a coletividade para que seus membros Assim, ao criminoso deve ser imposta a privação de li- não pratiquem delitos, pois, se assim o fizerem, sofre- berdade como castigo pela prática do delito. Para a te- rão as agruras do cárcere. Além de intimidar, a pena oria absoluta, não se mostra necessário perquirir sobre serviria para despertar na sociedade confiança e fé no qualquer outra finalidade da pena, esta serve apenas Direito. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 4ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA 2.2.2 A prevenção especial tico; falta estrutura física e sobram encarcerados sub- metidos a condições subumanas. Essa assertiva é con- De acordo com a descrição feita por Bitencourt (2011, firmada por dados e estatísticas disponibilizados pelo p. 119), “a teoria da prevenção especial procura evitar a Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral, Os dados colhidos mostram que, atualmente, há dirige-se exclusivamente ao delinquente em particu- 574.027 presos distribuídos em 317.733 vagas, portan- lar, objetivando que não volte a delinquir”. to, a quantidade de reclusos supera a capacidade de Seguindo essa linha de pensamento, a prevenção es- lotação. A maioria dos indivíduos que estão no cárcere pecial pode ser dividida em duas grandes vertentes, é negra ou parda (61,68%), analfabeta ou concluiu no quais sejam, prevenção negativa (inocuizadora) e pre- máximo o primeiro grau (68%) e cometeu crimes não venção positiva (ressocializadora). violentos, como furto, tráfico de drogas e estelionato, A prevenção especial negativa atribui à pena o efei- entre outros (51%) (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO to de inibir, intimidar o delinquente punido para que NACIONAL, 2013). ele não volte a cometer crimes. A prevenção especial Porém, tendo em vista que os dados do DEPEN são re- positiva reflete o foco deste trabalho que é a função lativos a junho de 2013, sendo este o último balanço ressocializadora: a pena deve servir para reformar o in- divulgado, também foi analisada uma pesquisa realiza- divíduo, ajustando seu comportamento, de modo que da pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em junho não incorra em nova prática delituosa. de 2014, que detalha a população carcerária brasileira. A partir de dados coletados com juízes de 26 estados e 2.3 TEORIA MISTA, UNIFICADORA OU ECLÉTICA do Distrito Federal, o CNJ chegou a um total de 715.655 presos no país (MONTENEGRO, 2014). A teoria mista tentou harmonizar os propósitos das Atualmente, o Brasil conta com a quarta maior popu- teorias absoluta e relativa. A doutrina de Silva (2009, lação carcerária do mundo, atrás somente de Estados p.27) ensina que: Unidos, China e Rússia. Parte desse problema pode ser relacionada a aspectos socioculturais, afinal, a visão de Da combinação entre as teorias absolutas e justiça da sociedade está sempre ligada ao encarcera- relativas surgem as teorias mistas ou ecléticas, mento. que sustentam o caráter retributivo da pena, Além disso, o mais preocupante é que esse encarcera- mas agregam a essa função a de reeducação mento excessivo só cresce. Os estudos do Ministério e inocuização do criminoso, embora, em geral, da Justiça apontam que entre janeiro de 1992 e junho coloquem em primeiro plano a retribuição. de 2013, enquanto a população brasileira aumentou 36%, a população carcerária, neste mesmo período, O ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria mis- cresceu, assustadoramente, 403,5% (OLIVEIRA, 2014). ta. A Constituição Federal vedou qualquer espécie de Segundo os dados disponibilizados pelo DEPEN, uma pena com o único objetivo de torturar ou punir (inciso das principais razões para o crescimento desordenado XLVI, do art. 5° da CF), ao passo que a Lei de Execução da massa carcerária nacional é o aumento dos presos Penal (Lei 7.210/84) indicou que o objetivo da pena, provisórios, representados por aqueles que ainda não além de punir, é recuperar o preso e prevenir novos foram julgados, mas permanecem vários dias, meses, delitos, como pode ser constatado nas disposições dos ou até anos detidos. De acordo com os dados colhidos, seus artigos 1º e 10. 44% dos presos no Brasil estão nesta situação. Nota-se, portanto, que a função ressocializadora da Nesse prisma, passa-se a tecer considerações sobre al- pena privativa de liberdade foi acolhida pelo direito na- guns aspectos da realidade do sistema prisional brasi- cional como uma das funções precípuas da pena priva- leiro que influenciam, de forma negativa e, diretamen- tiva de liberdade. Isto posto, passa-se à análise acerca te, na função ressocializadora da pena. da eficácia desta função de prevenção especial positi- Inicialmente, deve-se apontar as deficiências estrutu- va no sistema prisional brasileiro. rais dos estabelecimentos penais, que não proporcio- nam segurança adequada ao sentenciado que fica sob 3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DO a responsabilidade do Estado para o cumprimento da SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO pena a ele imposta. A falta de infraestrutura, aliada à já mencionada super- É fato notório que o sistema prisional brasileiro é caó- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 5ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA população carcerária, faz com que os reclusos estejam VI - Religiosa. submetidos a condições subumanas, suscetíveis ao Art. 12. A assistência material ao preso e contágio de toda sorte de doenças e sevícias físicas e ao internado consistirá no fornecimento de psicológicas. alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Assim, hoje, não é difícil se deparar com matérias nos jornais em que as manchetes noticiam os banhos de Observa-se que a Lei de Execução Penal confere ao sangue que acontecem nos estabelecimentos prisio- preso o mínimo existencial, garantindo sua dignidade. nais, onde os próprios condenados ditam o regimento Porém, na prática, os mandamentos legais são ignora- interno e estabelecem seu próprio sistema de penali- dos pelo Estado. dades, no qual figura, inclusive, a pena de morte. A Lei de Execução Penal adotou os preceitos difundidos O panorama apresentado evidencia que o sistema pri- pelas Regras Mínimas Para o Tratamento de Reclusos, sional brasileiro viola os princípios humanitários mais aprovadas no 1º Congresso das Nações Unidas sobre básicos. Nossas prisões são verdadeiros espaços de Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, re- punição, tortura, exclusão e consolidação das dispari- alizado em Genebra, em 1955, através da Resolução nº dades sociais, tornando o cárcere um verdadeiro cal- 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957 (REGRAS, 1955). vário. As Regras Mínimas são, inquestionavelmente, o mais Importante neste ponto ressaltar o gritante contras- importante documento produzido na área penitenciá- te existente entre a realidade constatada pelos dados ria. Segundo ensina Albergaria (1992, p. 17): acima compilados e o que prevê nosso ordenamento jurídico. Consoante os princípios previstos nas Regras A Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIX, Mínimas, são dois os objetivos da pena privativa em conjunto com a Lei de Execução Penal, garante que de liberdade: a proteção da sociedade e a sejam assegurados aos detentos o respeito à integri- preparação da reinserção social do condenado, dade física e moral, o que não acontece na realidade durante o período da prisão (art. 59 das Regras do cárcere. Mínimas). Mas a exclusão do preso da sociedade A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução tem precisamente o objetivo de ressocializá-lo, Penal), estabelece em seu artigo 88: sem suprimir-lhe, de forma absoluta, o contato com a comunidade, da qual continua fazendo Art. 88. O condenado será alojado em cela parte pela posse dos direitos inerentes da individual que conterá dormitório, aparelho pessoa humana, não afetados pela sentença sanitário e lavatório. condenatória. O art. 61 das Regras Mínimas Parágrafo único. São requisitos básicos da deixa expresso o status de cidadão do preso. unidade celular: Na execução penal, ensina C. CALÓN, elimina- a) salubridade do ambiente pela concorrência se tudo quanto seja ofensivo à dignidade da dos fatores de aeração, insolação e pessoa humana. A garantia e respeito à pessoa condicionamento térmico adequado à humana do preso fundam-se na dignidade moral existência humana; do homem, que tem íntima conexão com os b) área mínima de 6,00m2 (seis metros direitos do condenado. Ilustra essa afirmação a quadrados). (BRASIL, 1984). palavra de PIO XII: a culpa e o delito não chegam nunca a extinguir do fundo do ser humano o selo impresso pela mão do Criador. Há também de se ressaltar os artigos 10, 11 e 12 do Observa-se, portanto, que apesar dos mandamentos mesmo dispositivo legal (BRASIL, 1984): legais, os Estados brasileiros insistem em negligenciar o sistema prisional, a despeito da existência de recur- Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é sos financeiros destinados para tanto. dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Um levantamento do Departamento Parágrafo único. A assistência estende-se ao Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao egresso. Ministério da Justiça, aponta que nos últimos Art. 11. A assistência será: dez anos 15 estados e o Distrito Federal deixaram I - Material; de usar R$ 187 milhões liberados pelo governo II - À saúde; federal para construir e reformar presídios. Não III - Jurídica; foram adiante dezenas de projetos, incluindo IV - Educacional; estabelecimentos de saúde e educação para V - Social; detentos, aprovados entre 2004 e 2013, REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 6ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA para Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Nesse contexto, o efeito criminógeno da pena pros- Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, pera, enquanto a conclamada função ressocializadora Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio mostra-se ineficaz. Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Bitencourt (2011, p. 140) ensina que: Sergipe e Tocantins. (NÉRI, 2014). Ressalta-se aqui a falta de compromisso do Estado de Um dos argumentos que mais se mencionam Goiás com o sistema prisional: quando se fala na falência da prisão é o seu efeito criminógeno. Muitos autores sustentam essa GOIÁS tese, que, aliás, já havia sido defendida pelos Valor devolvido: R$ 13.413.795 (contratos positivistas e que se revitalizou no II Congresso firmados em 2006, 2008, 2009 e 2011). Internacional de Criminologia (Paris, 1950). Obras: Reforma da Colônia Industrial Considera-se que a prisão, em vez de frear a Semiaberto; construção de um Presídio de delinquência, parece estimulá-la, convertendo- Segurança Máxima em Aparecida de Goiânia; se em instrumento que oportuniza toda espécie reforma da Cadeia Pública de Santa Helena; de desumanidade. Não traz nenhum benefício presídio Regional em Senador Canedo. ao apenado; ao contrário, possibilita toda Motivo: A Secretaria de Administração sorte de vícios e degradações. Os exemplos Penitenciária e Justiça de Goiás informou que que demonstram os efeitos criminógenos da tanto a reforma na colônia industrial quanto a prisão são lembrados frequentemente. Hibber, construção do presídio em Aparecida de Goiás por exemplo, cita um muito ilustrativo: “... Fui foram canceladas por decisão unilateral do enviado a uma instituição para jovens com a Depen, após mudança na política prisional do idade de 15 anos e saí dali com 16, convertido governo federal em 2011. Já a reforma da cadeia em um bom ladrão de bolsos — confessou pública foi cancelada, segundo o governo do um criminoso comum. Aos 16, fui enviado a estado, devido a um decreto presidencial que um reformatório como batedor de carteiras anulou diversos contratos entre estados e e saí como ladrão... Como ladrão, fui enviado municípios. Já o presídio da cidade de Senador a uma instituição total onde adquiri todas as Canedo teve o contrato cancelado, segundo a características de um delinquente profissional, secretaria estadual, por descumprimento do praticando desde então todo tipo de delitos que prazo de dois anos para formalizar o convênio praticam os criminosos e fico esperando que a e elaborar os projetos de execução, além do fato minha vida acabe como a de um criminoso”. Von de a prefeitura do município ter desistido de Hentig cita outros casos nos quais se observa a ceder o terreno para a obra. (NÉRI, 2014). influência negativa da prisão. O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) foi criado Os estabelecimentos prisionais apresentam, portanto, com intuito de proporcionar recursos e meios para efeito contrário daquele almejado pelas teorias relati- financiar e apoiar as atividades e programas de mo- vas da pena, passando a ser taxados como verdadeiras dernização e aprimoramento do sistema penitenciário “escolas do crime”. brasileiro e os recursos disponibilizados para o fundo já superam as barreiras dos bilhões, mas, como demons- 4 A EFICÁCIA DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA NA trado acima, não são aproveitados. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Conforme exposto, os valores devolvidos são alarman- tes, e se as verbas estivessem sendo utilizadas corre- O ordenamento jurídico brasileiro, conforme já esposa- tamente, o sistema prisional poderia estar adequado do nos itens anteriores, adotou a teoria mista da pena, ao que dispõe o ordenamento jurídico, garantindo o atribuindo à privação de liberdade as funções retribu- mínimo de dignidade àqueles que estão encarcerados. tiva e preventiva, ressaltando, inclusive, a ressocializa- Diante de tudo isso, temos que a falta de compromis- ção do condenado como objetivo da sanção. so do Estado com os projetos para melhoria não só do De outra monta, foi apontada a disparidade entre as sistema penitenciário, mas em geral para a área da se- previsões legais que deveriam regulamentar o sistema gurança pública, é gritante. Não há um planejamento penitenciário e a realidade indigna que se apresenta. para que os valores disponibilizados sejam usados e Nesse contexto, pergunta-se: com todos os males investidos nesse aperfeiçoamento tão desejado, para apresentados, como esperar que um indivíduo, seja amenizar de forma eficaz os males estruturais dos es- “re” socializado neste sistema? tabelecimentos prisionais. Começa-se pelo fato de o “re” significar que antes da condenação pelo delito cometido, o indivíduo era so- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 7ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA cializado e tinha um bom comportamento no meio so- mais humana de punição, já que anteriormente a prin- cial, então, como haver tanta dificuldade em somente cipal sanção era a pena de morte, além dos castigos mostrar a alguém como seguir o “caminho certo” no- corporais. Entretanto, não se pode esperar que uma vamente? Pois bem, veremos que não é bem assim. solução imposta há séculos possa surtir efeitos positi- vos nos dias atuais, ainda mais nas condições em que Há muito insistimos na ideia de uma prisão a privação de liberdade tem sido cumprida no sistema ressocializadora, que propõe a recuperação prisional brasileiro. do criminoso. Mas também desde sempre a A função ressocializadora da pena privativa de liberda- realidade do cárcere tem proporcionado uma de no Brasil, hoje, não passa de uma ilusão difundida inexorável frustração por não se alcançar aquela pelo Estado no intuito de propagar uma falsa ideia de meta, que se mostra, de fato, inatingível. E não “segurança”, pois não existe possibilidade de ajustar o é somente nos péssimos estabelecimentos comportamento social de um indivíduo dentro de um penais brasileiros, muitos deles parecidos com ambiente tumultuado como é o do cárcere. Porém, o campos de concentração, que se comprovou Estado ainda insiste em fazer a sociedade crer que, a incapacidade da prisão para reajustar com a pena imposta, o condenado não voltará a delin- delinquentes, para transformar o indivíduo quir e se tornará um indivíduo melhor. criminoso em não-criminoso. Também nas Situação completamente adversa da realidade, pois é modernas e bem equipadas prisões dos países claro que, além de não causar o efeito ressocializador mais desenvolvidos o fenômeno se repete desejado, a privação de liberdade não inibe o cometi- (SILVA, 2009, p. 17). mento de novo delito. Atualmente o índice de reincidência da população car- De fato, é um contrassenso esperar que um indivíduo cerária no país vem se tornando cada vez maior. Te- seja ressocializado, enquanto é mantido trancafiado mos como exemplo a análise dos dados referentes ao em uma prisão, alijado do convívio social. Estado de São Paulo. Para Silva (2009, p. 40) “[...] a prisão nunca transfor- mou um criminoso em não-criminoso. Nem jamais o De cada 10 presos pelo delito de roubo, 7 fará! A proposta é por demais absurda: retirar da so- reincidiram no Estado de São Paulo (dados de ciedade (prender) para ressocializar (ensinar a vida em janeiro de 2001 a julho de 2013) e 41% são liberdade)”. menores. O levantamento mostra que, dentre Em verdade, a pena privativa de liberdade tem se mos- os reincidentes, 20,5% cometeram o primeiro trado ineficaz em sua função preventiva, quer seja ge- roubo antes dos 18 anos e 20,6% com menos de ral ou especial, pois não ressocializa nem intimida. 17. O método usado foi conservador, e o número dos que voltaram a roubar no período citado Quando a prisão converteu-se na principal pode ser mais alto. Roubos cometidos na mesma resposta penológica, especialmente a partir área em curto intervalo não foram computados, do século XIX, acreditou-se que poderia ser por serem provavelmente arrastões, que um meio adequado para conseguir a reforma entram na categoria de crime continuado. do delinquente. Durante muitos anos imperou Pessoas diferentes com o mesmo nome – ou um ambiente otimista, predominando a firme homônimos – foram excluídas, verificando-se convicção de que a prisão poderia ser meio o número do documento ou o nome da mãe. idôneo para realizar todas as finalidades da Foram examinados 14.699 autores de roubos, pena e que, dentro de certas condições, seria dos quais 10.200, ou 69%, cometeram roubos possível reabilitar o delinquente. Esse otimismo mais de uma vez, o que os técnicos chamam inicial desapareceu e atualmente predomina de “reiteração”. A amostra é bastante pequena certa atitude pessimista, que já não tem muitas para o período: no ano de 2013, a média mensal esperanças sobre os resultados que se possam de Boletins de Ocorrência de roubos no Estado conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem de São Paulo foi de 29.320 e, no período 2011- sido tão persistente que se pode afirmar, sem 2013, de 27.440. (SANTANA, 2014). exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da Levando em consideração a realidade do Estado de São pena privativa de liberdade, visto que grande Paulo que, guardadas as devidas proporções, é refleti- parte das críticas e questionamentos que se faz da em todo o território nacional, fica evidente o que já à prisão refere-se à impossibilidade — absoluta foi afirmado anteriormente: a função ressocializadora ou relativa — de obter algum efeito positivo da pena privativa de liberdade não está logrando êxito, sobre o apenado. (BITENCOURT, 2011, p.138) A pena privativa de liberdade surgiu como uma espécie REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 8ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA tanto que os índices de reincidência são elevadíssimos. menta a assistência ao egresso; em seu artigo 25 es- Então, onde está o aspecto positivo que a prisão gera tabelece que: “A assistência ao egresso consiste: I - Na no condenado, conforme atestado pelo Estado, já que orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberda- a função de ressocializar é expressamente prevista em de” (BRASIL, 1984). lei? Por isso falou-se, acima, em ilusão. Nesse sentido, Desse modo, preceitua o autor Silva (2009, p. 46), em- ressalta Silva (2009, p.42): basado na doutrina de Baratta, que a ressocialização não acontece por meio da pena, mas “apesar” dela. Não é difícil concluir, portanto, que a proposta de ressocialização pela prisão, ao ignorar a [...] Todavia, propõe que a busca da reintegração concretude do ambiente carcerário e suas do preso à sociedade não pode ser abandonada, consequências extremamente danosas, mas reinterpretada e reconstruída sobre pretende transformar algo essencialmente uma base diferente, em que a ressocialização violento em algo essencialmente bom. Uma deve acontecer não através do cumprimento única palavra poderia traduzir essa pretensão: da pena, mas sim, apesar dela, mediante sofisma. melhorias nas condições de vida no cárcere e O ideal ressocializador pretende ainda uma no reconhecimento do preso como sujeito de certa reeducação (!?) do indivíduo e vê na prisão direitos e não como objeto passível de ações instrumento pedagógico capaz de alcançar esse externas. fim, de maneira que, reeducado pela prisão, o Quando sustenta uma ressocialização que homem aprenderia a viver em liberdade. Tal decorre não da prisão, mas que deve ser propósito equivale a ensinar a nadar levando-se buscada apesar da prisão, Baratta reforça, o aprendiz para ambiente seco. Outro sofisma. mesmo que de maneira implícita, a ideia de que a ressocialização é algo estranho à prisão, o que Entretanto, não se deve atribuir a ineficácia da função leva a uma clara contradição no raciocínio do ressocializadora, exclusivamente, ao Estado. saudoso mestre que, entretanto, apresenta as Nesse sentido, leciona Bittencourt (2012, p.521): bases para um sistema punitivo orientado pelo princípio da dignidade humana. Não se pode atribuir às disciplinas penais a Entretanto, como ressalta o autor, para que haja algu- responsabilidade exclusiva de conseguir a ma esperança de ressocialização do condenado apesar completa ressocialização do delinquente, da pena, é preciso que haja a preservação da dignida- ignorando a existência de outros programas de humana durante o cumprimento da sanção, o que e meios de controle social de que o Estado não se verifica na realidade atual do sistema prisional e a sociedade devem dispor com objetivo brasileiro. ressocializador, como é a família, a escola, Todavia, conforme visto acima, o Estado negligencia o a igreja etc. A readaptação social abrange aparelhamento do sistema prisional, ao mesmo tempo uma problemática que transcende o aspecto em que difunde a ilusão de que está ressocializando os puramente penal e penitenciário. condenados. O descompromisso do Estado, entretan- to, reflete o pensamento da própria sociedade que, de No Brasil, o comportamento preconceituoso da socie- fato, não se importa se o preso está sendo privado de dade em relação àquele que passou pelo cárcere difi- seus direitos fundamentais. O senso comum, inclusive, culta ainda mais a ressocialização. Grande parte dos defende que o preso deve ser “castigado” e, realmen- condenados saem dos estabelecimentos penais sem te, padecer no cárcere, em situação de miséria. emprego, sem dignidade e visão de futuro para poder O descaso do Estado com o sistema prisional, portan- seguir sua vida. Esses fatores tornam-se um calvário to, encontra eco na sociedade apesar de afrontar as na vida do indivíduo que além de ter sido removido do regras de direito internacional e os preceitos do direito meio social como uma forma de castigo, para voltar pátrio, que garantem a dignidade humana do encar- a ele, encontra várias barreiras impostas pela própria cerado. sociedade. Assim, o efeito criminógeno do cárcere se perpetua É a dignidade do indivíduo, como primeiro para além do período de reclusão e continua atingin- limite material a ser respeitado por um Estado do o condenado após o cumprimento da pena, quando democrático, que fixa limites máximos à rigidez retorna à sociedade. das penas e aguça a sensibilidade de todos com Nesse aspecto, também se observa o descumprimento relação aos danos por elas causadas. E essa dos preceitos legais. A Lei de Execução Penal regula- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 9ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA dignidade, leciona Adauto Suannes, “diz com mento é refletido na postura do Estado, que não inves- a necessidade de serem observados por todos te no sistema prisional. os membros da sociedade – e, por motivos Conforme evidenciado nos dados disponibilizados bastante óbvios, principalmente por seus juízes pelo DEPEN, a reincidência atinge números impactan- – determinados princípios, que se consideram tes, deixando clara a ineficiência da pena privativa de fundamentais para que aquela dignidade seja liberdade como medida coercitiva do Estado. concretamente respeitada e feita valer”. É que À luz das argumentações, é fato notório que a sim- o Estado que mata, que tortura, que humilha ples retribuição do mal causado pelo crime pelo mal o cidadão, não só perde qualquer legitimidade da pena não confere efetividade à pena privativa de como contradiz a sua própria razão de ser, liberdade. que é servir à tutela dos direitos fundamentais Deve-se, portanto, agregar à função retributiva a fun- do homem, colocando-se no mesmo nível dos ção preventiva da pena privativa de liberdade, o que delinquentes (SILVA, 2009, p.67). demanda a garantia dos direitos fundamentais dos presos conforme determina a Lei de Execução Penal. Nesse contexto, como esperar medidas ressocializado- No entanto, o presente artigo aponta os seguintes óbi- ras de um Estado que não garante a dignidade humana ces para a obtenção de sucesso na ressocialização do do preso? A sociedade deseja o “castigo” do condena- preso: superpopulação carcerária, infraestrutura pre- do, idealizando cada vez mais a pena com intuito de cária, falta de vontade política de investir no sistema somente castigar, conformando-se com a ilusão de prisional e descompromisso da sociedade com a ques- uma falsa efetividade da prisão. tão. Deste modo, nas atuais condições do sistema prisio- 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS nal brasileiro, é impossível atingir a ressocialização do preso. O objetivo do presente artigo científico foi investigar Assim, o grande desafio do sistema prisional é possi- a eficácia da função ressocializadora da pena privativa bilitar que a função preventiva da pena privativa de li- de liberdade no sistema prisional brasileiro. berdade tenha êxito, para que o condenado não volte No Brasil, atualmente, a Lei de Execução Penal adota a a delinquir. teoria mista que sustenta o caráter retributivo da pena, O comprometimento do Estado aliado a políticas de in- mas agrega a essa função a de ressocializar o crimino- vestimentos, o envolvimento da sociedade, a garantia so e inibir a prática de novos delitos. dos direitos fundamentais dos condenados poderiam Entretanto, a realidade do sistema prisional brasileiro conferir efetividade ao efeito ressocializador que a demonstra que vem sendo trilhado um caminho que pena privativa de liberdade deve atingir. se mostra contrário ao indicado pela legislação pátria, Nesse prisma, seria necessária uma reestruturação do que foi inspirada por normas de direito internacional e sistema penitenciário em obediência ao que dispõem a que prioriza a função ressocializadora da pena. Constituição Federal, a Lei de Execução Penal e as nor- Durante este artigo, foi observado que a legislação atu- mas de direito internacional, para que sejam garanti- al é dotada de regras que garantem os direitos funda- dos, pelo menos, os direitos fundamentais dos presos, mentais aos presos, contemplados expressamente no a fim de que possam ter a chance de voltar ao convívio texto legal vigente e também nas Regras Mínimas da com a sociedade em melhores condições. Organização das Nações Unidas para tratamento de Desta feita, extinguir-se-ia a ideia de que castigo e jus- reclusos. tiça são sinônimos, fazendo com que as instituições A garantia do mínimo existencial e a preservação da penais fossem capazes de produzir um efeito positivo dignidade humana são elementos essenciais da função no condenado. ressocializadora da pena privativa de liberdade. Neste contexto, pode-se acreditar que a ressocializa- Porém, grande parte da sociedade entende que o cri- ção é possível, apesar da pena. minoso deve ser privado inclusive de sua dignidade, sendo trancafiado e deixado à mingua. Esse pensa- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 10ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA REFERÊNCIAS ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1992. BITENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: Presidência da Re- pública, 13 de julho de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 28 maio. 2015. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (In- foPen). Relatórios Analíticos. Departamento Penitenciário Nacional, junho de 2013. Disponível em: http://de- pen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-analiticos/br/br. Acesso em: 2 de abr. 2015. MONTENEGRO, Manoel. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Disponível em: http:// www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61762-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira. Acesso em: 2 abr. 2015. NÉRI, Felipe. Estados deixam de construir prisões e devolvem R$ 187 milhões à União. G1 Globo. Brasília, DF: 31 jan. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/01/estados-deixam-de-construir-prisoes-e- -devolvem-r-187-milhoes-uniao.html/. Acesso em: 15 abr. 2015. OLIVEIRA, Cecília. População carcerária do Brasil aumentou mais de 400% em 20 anos. 2014. Disponível em: http://armabranca.blogspot.com.br/2014/03/populacao-carceraria-do-brasil-aumentou.html/. Acesso em: 3 abr. 2015. REGRAS. Regras Mínimas para os Tratamentos dos Reclusos. Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955. Tradução publicada na separata autónoma do Boletim Documentação e Direito Comparado, N.º duplo 61/62, 1995, pp. 137 a 153. Disponível em: http://direitoshumanos.gddc.pt/3_6/IIIPAG3_6_12.htm#_ftnref1. Acesso em: 28 maio 2015. SANTANA, Lourival. De cada 10 assaltantes, 7 voltam a roubar no estado e 41% são menores. O Estado de S. Paulo. 2014. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticiais/geral,de-cada-10-assaltantes-7-voltam- -a-roubar-no-estado-e-41-sao- menores,1123132. Acesso em: 23 abr. 2015. SILVA, Haroldo Caetano da. Ensaio sobre a pena de presão. Curitiba, PR: Juruá, 2009. TASSE, Adel El. Teoria da pena. Curitiba, PR: Juruá, 2003. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 11ISSN: 2177 - 1472
SOCIEDADE DE RISCO: A UTILIZAÇÃO DOS AGROTÓXICOS E IMPLICAÇÕES NO AGRONEGÓCIO RISK SOCIETY: THE USE OF PESTICIDES AND IMPLICATIONS IN AGRIBUSINESS Samara Gastaldi Silva Linia Dayana Lopes Machado RESUMO in which we live because of the unrestrained use of A pesquisa visa analisar fatores geradores da socie- pesticides in agriculture, which is related to agribusi- dade de risco. Apontam-se os problemas sociais e ness. There are several consequences arising from the ambientais presentes no meio em que vivemos em continuous use of chemical products that only aim at decorrência da utilização desenfreada do agrotóxico agricultural productivity, such as impairment of flora na agricultura, estando relacionada ao agronegócio. and fauna, soil contamination and degradation, ero- Várias são as consequências geradas pelo uso contí- sion, food with excess of toxicity, health problems to nuo de produtos químicos que visam apenas à produ- humans, loss of biodiversity, among many others. The- tividade agrícola, como comprometimento da fauna se negative factors may be generated as a result of the e flora, contaminação e degradação do solo, erosões, technological advancement achieved by agribusiness alimentos com excesso de toxicidade, problemas de in agriculture, which put the population at risk, with di- saúde ao ser humano, perda da biodiversidade, entre sasters and irreversible social and environmental de- muitos outros. Estes fatores negativos podem ser ge- terioration. The methodology used was the bibliogra- rados em decorrência do avanço tecnológico alcança- phical research and legislative analysis. The general do pelo agronegócio na agricultura, os quais colocam objective is to show the social reality from the point of a população em risco, com desastres e deteriorações view of the risk society related to the use of pesticides, irreversíveis no meio social e ambiental. A metodologia and how that influences agribusiness and the environ- utilizada foi a pesquisa bibliográfica e análise legisla- ment in which we live. tiva. O objetivo geral é mostrar a realidade social sob a visão da sociedade de risco relacionado ao uso de KEYWORDS: Agribusiness. Pesticides. Risk society. agrotóxicos, e como isso influencia o agronegócio e o meio em que vivemos. 1 INTRODUÇÃO PALAVRAS-CHAVE: Agronegócio. Agrotóxicos. Socie- A Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra na segun- dade de risco. da metade do século XVIII, e em decorrência dessa re- volução, vários avanços foram introduzidos na socie- ABSTRACT dade. A tecnologia foi a que mais se desenvolveu com The research aims at analyzing factors that generate o passar dos anos até os dias de hoje. Vários avanços the risk society. We point out the social and environ- tecnológicos melhoraram o modo de vida das pesso- mental problems that are present in the environment as, mas alguns trouxeram diversos riscos sociais e am- *Graduanda em Direito pela Universidade de Rio Verde, Campus Rio Verde, GO. *Orientadora; Mestra em Direito, Relações internacionais e Desenvolvimento pela PUC – GO. Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – GO e Professora de Direito Penal. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 12ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA bientais. mos de crescimento econômico, conflitos nucleares ou A Sociedade de Risco é entendida como o efeito ne- guerras em grande escala e, principalmente, as dete- gativo causado pelos avanços tecnológicos, que ocor- riorações ou desastres ecológicos” (NETO; SARAIVA, rem em detrimento e a favor da economia e da política 2013, p. 34). de um país. Um tema bastante discutido na atualidade que vincula o agronegócio e a sociedade de risco é o A sociedade de risco é aquela que, em função uso do agrotóxico. de seu contínuo crescimento econômico, pode Várias pesquisas demonstram que o índice do uso de sofrer a qualquer tempo as consequências de agrotóxicos tem aumentado muito no Brasil, sendo uma catástrofe ambiental. Nota-se, portanto, considerado um avanço que visa maior produtividade a evolução e o agravamento dos problemas, e é incentivado por fornecedores e produtores rurais. seguidos de uma evolução da sociedade Esse uso exagerado de agrotóxicos tem sido muito (sociedade industrial para a sociedade de risco), abordado devido ao impacto causado no meio am- sem, contudo, uma adequação dos mecanismos biente e na vida do ser humano. jurídicos de solução dos problemas dessa O agrotóxico tem um efeito desastroso e negativo no nova sociedade. Há consciência da existência contexto social e ambiental, e essa situação de peri- dos riscos, desacompanhada, contudo, de go ficou conhecida no ramo do direito e da sociologia políticas de gestão, fenômeno denominado como Sociedade de Risco. Percebe-se, como conse- irresponsabilidade organizada (LEITE apud quência do uso de agrotóxico, a contaminação do solo NETO; SARAIVA, 2013, p. 36). e alimentos, desastres ecológicos, comprometimento da fauna e flora, além do risco à saúde do ser humano. Observa-se que esses riscos são consequência de uma Através da sociedade de risco, torna-se possível ques- sociedade que visa apenas ao crescimento econômico. tionar e problematizar os efeitos gerados por meio dos Em detrimento dos avanços, ocorrem os efeitos nega- riscos, incertezas e, preferencialmente, por meio da tivos, tendo a população noção dos gravames causa- urgência de ideologias fundadas no neoconservado- dos, mas os ignoram, tornando o problema ainda mais rismo, levando em conta a insuficiência na efetivação grave no âmbito ambiental e social. Vários dos avanços do Constitucionalismo Socioambiental e de suas Polí- tecnológicos colocam em risco a população e também ticas Públicas opostas ao Estado de Bem-Estar Social a fauna e a flora, das quais inclusive várias espécies es- (NETO; SARAIVA, 2013). tão sendo extintas, devido à falta de responsabilidade Para os autores mencionados, faz-se necessário com- do próprio ser humano. preender o atual período catastrófico pela visão da Segundo Neto e Saraiva (2013), é necessário compre- globalização neoliberal, para que possa ser eviden- ender a crise ambiental em um contexto amplo, inclusi- ciada a institucionalização da sociedade de risco. Para ve inseri-lo na dimensão jurídico-constitucional, sendo que seja vislumbrado esse instituto jurídico, é necessá- insuficiente uma visão técnica, disciplinar ou apenas rio que o direito ambiental e o social estejam em con- dogmática, diante de tamanha necessidade de adotar fronto com avanços criados pelo próprio ser humano. medidas significativas para maior enfoque sociológico Para tanto, o objetivo do presente trabalho é abordar a do risco e possíveis soluções. sociedade de risco relacionado ao uso de agrotóxicos O agrotóxico é visto pelo Ministério do Meio Ambiente no agronegócio, que causam consequências drásticas como um avanço tecnológico no ramo do agronegócio ao meio ambiente e à sociedade. Em termos de agro- e da agricultura. É um produto utilizado preferencial- negócio, vários são os meios sustentáveis que podem mente em lavouras, que possui grande eficácia para o ser incentivados no ramo da agricultura, mas preferen- meio econômico do país. No entanto, é muito usado no cialmente apoiam o agrotóxico, levando-se em consi- Brasil, o qual é considerado o maior consumidor mun- deração a produtividade, a economia e a política. dial de agrotóxico (BRASIL, 2017). Para a sociedade de risco, o efeito drástico causado 2 A SOCIEDADE DE RISCO E A RELAÇÃO COM O AGRO- pelo uso dos agrotóxicos inclui a contaminação do solo TÓXICO E O AGRONEGÓCIO como a causa principal das demais consequências, como o comprometimento de alimentos, fauna e flo- Na atualidade, há uma série de riscos de grande con- ra, a exposição da saúde do ser humano. Além disso, sequência decorrentes da institucionalização da so- durante a utilização deles, podem ocorrer intoxicações ciedade de risco, entre eles, o “colapso dos mecanis- leves e ou até mesmo fatais, podendo causar cânce- res, problemas neurológicos, entre outros (OLIVEIRA, 2013). REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 13ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA 2.1 Agrotóxico: conceito e sua relação com o agrone- produtos agroindustriais, a produção de gócio insumos (sementes, adubos, etc.) até a chegada do produto final (queijo, biscoito, etc.) ao Segundo o Decreto nº. 4.074, de 4 de janeiro de 2002, consumidor, não estando ligado a nenhuma agrotóxicos e afins são produtos e agentes físicos, quí- matéria-prima ou produto final específico. micos ou biológicos que se destinam ao uso nas áre- as de produção, armazenamento e beneficiamento de Inclusive Batalha (2000, p. 5) afirma que esse conjunto produtos agrícolas, utilizados nas pastagens, na prote- de atividades é composto pela “agricultura, pecuária ção de florestas, nativas ou plantadas, outros ecossis- e pesca; indústrias agroalimentares (IAA); distribuição temas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais. agrícola e alimentar; comércio internacional; consumi- Esse decreto dispõe que a finalidade dos agrotóxicos dor e indústrias e serviços de apoio”. é a alteração da “composição da flora ou fauna, a fim A relação do agronegócio e da agricultura ocorre por- de preservá-las da ação danosa de seres vivos consi- que o agronegócio trata dos serviços e do fornecimen- derados nocivos, bem como as substâncias e produtos to de bens para a agricultura, envolvendo os produto- empregados como desfolhantes, dessecantes, estimu- res rurais, setores de processamento, distribuidores e ladores e inibidores de crescimento” (BRASIL, 2002). agentes envolvidos na geração e fluxo de produtos e Segundo o posicionamento do Ministério do Meio Am- matérias-primas agropecuárias, abrangendo desde a biente sobre o efeito do agrotóxico, admite-se que este origem até o consumidor final (BATALHA, 2000). possui grande potencial de atingir o solo e as águas, Portanto, através do agronegócio pode-se vislum- através de ventos e água das chuvas, que provocam brar a figura da agricultura e seus efeitos. Estando o deriva, lixiviação e erosão. Ainda se presume que, in- agronegócio relacionado diretamente com tudo o que dependentemente do caminho que o agrotóxico te- acontece em seu conjunto de fatores, inclui-se o que nha, irá afetar o ambiente, incluindo o homem, a fauna ocorre na agricultura. O que fica presumido é que o e a flora que serão os receptadores (BRASIL, 2017). agronegócio apoia o uso contínuo e prolongado de Pode-se observar, então, que os impactos ambientais, agrotóxicos, mesmo causando graves danos sociais e em geral, são provocados pelo ser humano, através da ambientais, pois o Brasil é o maior consumidor mun- produção e destinação final de resíduos sólidos, do- dial, e nenhuma medida foi tomada para mudar esta mésticos e industriais, o que é atualmente o grande situação (OLIVEIRA, 2015). problema ambiental, tendo por consequência a con- Países em desenvolvimento visam tão somente o di- taminação do solo e da água (AGO; ELIS; GIACHETI, nheiro e acabam ignorando os riscos ambientais, so- 2006). ciais ou até mesmo econômicos, que podem ser cau- Para Bertoncini (2008), o meio rural também é respon- sados devido à falta de observância de algumas regras sável pela contaminação da água, com argila suspensa, e leis já previstas, como é o caso do Brasil, que possui matérias orgânicas, patógenos originados de fossas a Lei nº. 7.802, de 11 de julho de 1989 e o Decreto nº. sépticas, além de pesticidas e fertilizantes utilizados 4.074, que regulamentam sobre os agrotóxicos no Bra- nas culturas agrícolas e, por meio do excesso de água sil. colocado no solo, contribui para que haja o transporte de agrotóxicos, poluindo as águas superficiais e sub- 2.2 Efeitos negativos do agrotóxico no meio ambien- terrâneas. te e social Os agrotóxicos utilizados no meio rural são considera- dos extremamente relevantes para a agricultura, pois Considerando que o uso desenfreado de agrotóxicos têm o objetivo de aumentar a produção e eliminar as causa vários problemas, a contaminação, degradação pragas. Mesmo com tantas consequências posteriores e alteração do solo estão entre as graves consequên- à utilização, contaminando o solo, fauna, flora e o ser cias (CAMPANHOLA; LUIZ; JÚNIOR, 1999). Entende-se humano, estão relacionados como fatores essenciais que a poluição ou contaminação do solo seja qualquer para o agronegócio. alteração que descaracterize o solo da estrutura na- O conceito de agronegócio e o de Sistema Agroindus- tural. Ocorrendo a introdução de substâncias ou pro- trial (SAI) são parecidos, e menciona Batalha (2000, p. dutos poluentes em estado sólido, líquido e gasoso no 5) que o: solo, pode-se comprometer a saúde humana, vegetal e animal (SUÇUARANA, [s.d.]). Sistema Agroindustrial é o conjunto de Para os autores Campanhola, Luiz e Júnior (1999, p. atividades que vão desde a elaboração de 271), as atividades agrícolas se desenvolvem em agro- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 14ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA ecossistemas, “que são uma fração do ecossistema 2.3 Métodos alternativos para diminuir o uso do agro- que tem seus ciclos biogeoquímicos intencionalmente tóxico e o posicionamento jurídico alterados pelo homem, com o objetivo de aumentar a produtividade”, ou seja, que originariamente era um Fez-se necessário um projeto de lei que vise instituir ecossistema natural, mas que foi modificado pela ação medidas para a redução do uso de agrotóxicos. O pro- humana. jeto de nº. 6.670, apresentado em 13 de dezembro de Ainda segundo os mesmos autores (1999, p. 271), “o 2016, está em tramitação na Câmara dos Deputados, agroecossistema e o ambiente circundante estão con- tendo como objetivo a inserção de uma Política Na- tinuamente trocando matéria, energia, informação e cional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). O projeto vida, nas suas diversas formas, e é o balanço destas possui 17 artigos que dispõem sobre a redução pro- trocas que determina o tipo e o grau dos impactos am- gressiva do uso de agrotóxicos, promovendo a saúde bientais decorrentes”. e a sustentabilidade ambiental, com a produção de ali- A ação humana sobre o solo, como a agricultura e o mentos saudáveis (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016). processo produtivo escolhido, é que determina a re- Percebe-se que a utilização do agrotóxico na agricul- lação de troca com o meio ambiente, e caso funcione tura possui tantos efeitos negativos para a sociedade em desequilíbrio, perde capacidade produtiva, além de e para o meio ambiente que se torna preocupante. Sé- promover outros impactos ambientais e sociais. Por rios problemas ambientais e sociais podem ser obser- exemplo, “o uso de agrotóxicos que se acumulem na vados com o seu uso, que além de contaminar o solo, cadeia alimentar pode vir a causar danos em regiões altera cadeias alimentares, desequilibra o ecossistema, muito distantes daquelas onde foi aplicado o produto” promove a perda da biodiversidade, contamina os len- (CAMPANHOLA; LUIZ; JÚNIOR, 1999, p. 272). çóis freáticos, deixa o solo infértil, promove a perda Um exemplo claro de desequilíbrio é o uso intensivo da capacidade de drenagem natural e ainda apresenta de fertilizantes e corretivos, que são considerados ne- risco à saúde dos seres humanos e demais seres. cessários para manutenção da produtividade, mas que Além disso, muitas empresas desrespeitam as legis- causam alterações nas características químicas e bio- lações ambientais, na busca pelo desenvolvimento e lógicas naturais do solo. Outro exemplo é o uso inten- lucro imediato, e exploram o meio ambiente sem se sivo de agrotóxicos, que prejudica a saúde dos envolvi- importar com as consequências, causando diversos dos na sua manipulação e altera o equilíbrio biológico, problemas ambientais com o uso de tecnologias, e as- além de provocar diminuição do potencial produtivo. sim pode-se vislumbrar a figura da sociedade de risco. As consequências desses desequilíbrios vão muito Para resolver os problemas já mencionados, práticas além de diminuir o potencial produtivo do solo, mas agrárias conscientes e sustentáveis são a solução. até a contaminação do próprio solo, danos à saúde do Segundo Oliveira (2015), agricultores são os mais ex- consumidor do produto contaminado e da população postos a risco de morte e graves doenças, muitas ve- em geral, através da poluição ou contaminação am- zes por falta de informação, por não entender o que biental (CAMPANHOLA; LUIZ; JÚNIOR, 1999). está descrito na bula, e acabam lidando com os agro- Afirmam os autores Campanhola, Luiz e Júnior (1999, tóxicos sem entender sobre sua formulação química. p. 267) que “os impactos ambientais causados pela Estes trabalhadores adoecem pela exposição aos ve- agricultura de um país ou de uma região estão relacio- nenos todos os anos, pois não usam equipamentos de nados com o modelo agrícola adotado”. Ou seja, para proteção, ou devido a acidentes durante a manipula- mudar a situação basta optar por um novo modelo ção, ou pela ingestão do alimento que tenha recebido agrícola, e atualmente várias são as ideias sustentá- o veneno. veis existentes. Para Oliveira (2013), o índice de resíduos tóxicos pre- Percebe-se, então, que os agrotóxicos estão presentes sentes nos alimentos é bem elevado, o que provoca na vida dos seres humanos e no meio ambiente devi- efeitos crônicos, como problemas de saúde que po- do à agricultura, estando inserida e abrangida no ramo dem aparecer após meses ou anos depois da expo- do agronegócio, o qual apoia a utilização de produtos sição, causando várias doenças, como malformação agrotóxicos para uma maior produtividade agrícola. congênita, distúrbios neurológicos, mentais, endócri- Esses agrotóxicos são absorvidos pelo solo, contami- nos e também cânceres. nando as plantações, estando inseridos nas diversas Menciona ainda que a agroecologia é uma das manei- cadeias alimentares. ras alternativas eficazes para quem busca uma alimen- tação saudável, pois alimentos de alta qualidade são REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 15ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA produzidos por meio desta prática sem o uso de tantos emprego de técnicas, métodos e substâncias produtos tóxicos. Esse processo já foi reconhecido pela que comportem risco para a vida, a qualidade ONU como o caminho da agricultura, que é a adoção de vida e o meio ambiente (BRASIL, 1988). da agricultura familiar, a qual constitui-se de planta- ções sem uso de agrotóxicos e com mais atividade la- Ou seja, se faz necessária a preocupação com a vida, a boral (OLIVEIRA, 2013). qualidade de vida e o meio ambiente, porém agrotóxi- Neste sentido, pode-se perceber que o ordenamen- cos colocam em risco cada um desses direitos garan- to brasileiro vem absorvendo grandes influências em tidos constitucionalmente, encontrando-se presentes nível internacional, por convenções e tratados sobre na mesa e na vida de todos. meio ambiente e sustentabilidade. A ONU apoia a agri- Inclusive Netto (2013) aborda que inúmeros alimen- cultura familiar e a agroecologia, visando criar e re- tos contaminados por agrotóxicos estão hoje à venda, novar o aspecto ambiental equilibrado no Estado De- considerados insalubres por estarem em contato com mocrático e Social de Direito, denominado também de tóxicos extremamente nocivos ao homem, os quais, ao Estado Socioambiental (NETTO, 2013). invés de colaborar com a saúde das pessoas, podem Segundo Netto (2013), é de suma importância a estar destruindo-a. Estima-se que um brasileiro ingira, conscientização ecológica, por vir ganhando espa- em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano, prejudi- ço mundial, tornando-se alvo de ações positivas da cando a saúde e a qualidade de vida do ser humano, Organização das Nações Unidas (ONU) e de diversas podendo manifestar consequências a longo, médio e organizações não governamentais como a SOS Mata curto prazo. Atlântica e a Organização Não Governamental Meio Os efeitos que um agrotóxico pode causar no meio Ambiente Equilibrado (ONG MAE), o que só prova que social, afetando a saúde do ser humano, estão deter- o meio ambiente é um bem público, cujo papel de de- minados pelo contato direto e indireto, variando en- senvolvimento global é essencial, e a preservação é um tre sintomas brandos como náuseas, vômitos, perda dever do Estado. de peso, fraqueza muscular, depressão, irritabilidade, O reconhecimento internacional da ONU de métodos insônia, anemia, dermatites, alterações hormonais, a alternativos afirma a previsão legal da Constituição Fe- sintomas mais graves como problemas imunológicos, deral da República de 1988, a qual prevê sobre o di- paralisias, doenças renais, hepáticas, neurológicas, reito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A respiratórias, nascimento de crianças com malforma- Constituição Federal de 1988 é considerada um marco ções genéticas, diversos tipos de câncer e morte. para o direito ambiental brasileiro, prevendo pontos Enfim, para que haja a fiscalização do meio ambien- essenciais para o desenvolvimento ambiental no país, te, foi criada pela Lei nº. 7.735 de 1989 uma autarquia conduzindo à consciência ambiental (NETTO, 2013). federal dotada de personalidade jurídica de direito pú- Estabelece-se, no art. 225 da CFR/88, que: blico vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente Naturais Renováveis, conhecido popularmente por seu equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à acrônimo IBAMA. Seu objetivo é exercer o poder de sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público polícia ambiental, com missão institucional de reduzir e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo os efeitos prejudiciais e prevenir acidentes decorren- para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). tes da utilização de agentes e produtos agrotóxicos (NETTO, 2013). Percebe-se neste artigo um direito constitucional que Para que haja a avaliação toxicológica, promulgou-se não é respeitado com o uso desenfreado de agrotóxi- a Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, criando a cos, que prejudica todo o meio ambiente, inclusive a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), au- qualidade de vida da sociedade. tarquia vinculada ao Ministério da Saúde. É a ANVISA O parágrafo 1º, inciso V do art. 225 da CFR/88, dispõe a responsável pela regulamentação, análise, controle e que: fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde por agrotóxicos, seus componentes e afins, e § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, demais substâncias químicas de interesse toxicológi- incumbe ao Poder Público: co. [...] Portanto, além das várias previsões expressas, con- V - controlar a produção, a comercialização e o tendo autarquias que fiscalizam desde a utilização à REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 16ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA toxicidade dos agrotóxicos, a Constituição Federal de cionados é a contaminação do solo, pois este cria um 1988 prevê direitos e garantias, sendo enriquecida ambiente patogênico, suscetível à proliferação de do- com leis específicas, como a Lei nº. 9.605/98, sobre enças, infertilidade e improdutividade do solo, afetan- crimes ambientais, a Lei nº. 7.802/89, a Lei Federal de do diretamente a fauna e flora (CAMPANHOLA; LUIZ; Agrotóxicos, entre outras. Todas juntas representam JÚNIOR, 1999). um conjunto de normas que visam à ideia constitucio- A utilização contínua e desenfreada de agrotóxicos nal de um meio ambiente equilibrado (NETTO, 2013). cria tantos efeitos negativos que pode ocasionar de- Mesmo havendo tantas leis que abordam o tema, nem teriorações e desastres ecológicos e ambientais muito sempre é seguido o que consta da previsão legal, como mais graves. Situações como essa levaram ao surgi- é o caso da Lei dos Agrotóxicos nº 7.802, de 1989. Ela mento do conceito de Sociedade de Risco, que torna prevê que para a aquisição dos agrotóxicos é neces- possível problematizar um avanço tecnológico criado sário apresentar o chamado Receituário Agronômico, e alcançar uma possível solução para problemas cria- mas nem sempre são vendidos com os receituários dos pela ambição do ser humano por um meio econô- que deveriam ser emitidos somente por profissionais mico e político. legalmente habilitados, como engenheiros agrôno- Além disso, no agronegócio a utilização do agrotóxico mos, florestais ou agrícolas, sendo vendidos sem au- traz muitos benefícios, sem preocupação com as con- torização (FILHO, 2015). sequências decorrentes. O agronegócio tão pouco se Enfim, percebe-se que o tema possui grande delica- importa que não incentiva medidas sustentáveis como deza, pois abrange irresponsabilidade organizada, es- a agricultura familiar, a qual é bastante inacessível para tando relacionado à sociedade, aos consumidores dos muitos, devido à falta de incentivo financeiro. agrotóxicos, ao Estado, ao agronegócio, nos contextos O agronegócio é o responsável por mudanças no há- sociais e ambientais, comprometendo toda a biodiver- bito da agricultura, podendo promover e incentivar a sidade existente, envolvendo riscos irreversíveis à po- adoção de novas medidas, que visem preservar o meio pulação e ao meio ambiente. ambiente e não expor tanto a população, fauna e flora É impossível não mencionar os problemas e efeitos a sofrer tantos danos. Várias são as medidas que pos- dos agrotóxicos sem vislumbrar a figura da socieda- suem reconhecimento da ONU que objetivam formas de de risco, tendo em vista que seu conceito gira em de produção mais conscientes e sustentáveis, cabe torno da preocupação do uso de avanços tecnológicos colocar em prática. E, para maior fundamentação jurí- nas várias áreas de estudo sobre os contextos sociais dica, é necessária a criação de leis para mudar tal rea- e ambientais. lidade (OLIVEIRA, 2015). Portanto, a sociedade de risco esteve interligada em Para solucionar o problema dessa utilização desenfre- cada efeito negativo mencionado devido à utilização ada de agrotóxicos, a regulamentação e a fiscalização dos agrotóxicos, que são considerados um avanço tec- governamental são indispensáveis, mas se faz neces- nológico no agronegócio para maior produtividade e sário adoção de novas medidas sustentáveis na agri- economia, que gera consequências drásticas para o cultura para que haja a diminuição dos agrotóxicos no meio ambiente, fauna, flora e ao ser humano, confor- meio ambiente e em meio à sociedade, o que é de ca- me já mencionado pelo Ministério do Meio Ambiente ráter do agronegócio, pois este influencia diretamente (BRASIL, 2017). nos fatores adotados na agricultura. Vários problemas de saúde foram elencados no pre- sente trabalho a fim de mostrar o efeito negativo que 3 CONCLUSÃO o agrotóxico produz em meio à sociedade, expondo a saúde, a qualidade de vida do ser humano, seja por O tema envolve efeitos negativos que o próprio ser contato direto, como é o caso dos agricultores, ou in- humano causa sobre o meio ambiente e a sociedade direto, como é o caso dos consumidores. em que vive, com os avanços tecnológicos criados, po- Para demonstrar a consequência ambiental causada dendo vislumbrar-se a figura da Sociedade de Risco. pelo uso de agrotóxicos, vários problemas foram tra- Para uma realidade diferente, há previsões expressas zidos: a contaminação do solo e a respectiva degra- no ramo jurídico, como a Constituição Federal, lei infra- dação e alteração do solo, perda da biodiversidade, constitucional e decreto que regulamentam sobre os comprometimento da fauna e flora, poluição de len- agrotóxicos e os direitos que são garantidos. çóis freáticos, morte de animais e plantas são bastante O uso do agrotóxico desenfreado provoca o acúmulo observados. O mais preocupante dos problemas men- contínuo de produtos tóxicos, sais, materiais radioati- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 17ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA vos ou químicos, podendo prejudicar gravemente o ser tóxicos, mostrando aos produtores os efeitos negativos humano e o meio ambiente, havendo a contaminação, que essas substâncias podem provocar em sua saúde e a qual altera a composição do solo e cria um ambiente das pessoas que consomem o que produzem, o quanto patogênico, levando à disseminação de doenças. tal uso pode prejudicar o solo, a fauna e a flora. Como o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico, per- O Brasil é um país extremamente político e capitalista cebe-se que o agronegócio aprova o uso como meio que visa ser o maior produtor mundial, mesmo expon- cultural e é utilizado há anos, portanto, é essencial a do toda a nação aos riscos decorrentes do uso de agro- adoção de novas medidas sustentáveis e aprovação do tóxicos. Dessa forma, se torna necessária a interven- projeto de lei que regulamenta sobre a redução do uso ção, quer seja com a aprovação de leis que deliberem de agrotóxicos usados, principalmente, no meio rural e sobre esse assunto, com campanhas de conscientiza- consumidos mais tarde pela população. ção ou criação de projetos que visem mostrar o quanto Vários projetos de conscientização podem ser elabora- os produtos químicos utilizados prejudicam a saúde de dos com a finalidade de mudar a cultura do uso de agro- todos. REFERÊNCIAS AGO, Alexandre Lisboa; ELIS, Vágner Roberto; GIACHETI, Heraldo Luiz. Aplicação integrada de métodos geofísi- cos em uma área de disposição de resíduos sólidos urbanos em Bauru-SP: Revista Brasileira de Geofísica, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 357-374, jul./set. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbg/v24n3/a05v24n3.pdf. Acesso em: 30 mar. 2017. BATALHA, Mário Otávio (coord.). Recursos humanos para o agronegócio brasileiro. Brasília: CNPq, 2000. 308 p. BERTONCINI, Edna Ivani. Tratamento de efluentes e reúso da água no meio agrícola. Revista Tecnologia & Inovação Agropecuária, volume 1, jun. 2008. Disponível em: http://www.dge.apta.sp.gov.br/publicacoes/ T%26IA/T%26IAv1n1/Revista_Apt a_Artigo_118.pdf. Acesso em: 31 mar. 2017. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF: Presidência da Repú- blica, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 mar. 2017. BRASIL. Decreto-lei nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002. Regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o arma- zenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4074.htm. Acesso em: 15 de mar. 2017. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. 2017. Agrotóxicos. Ministério do Meio Ambiente Disponível em: http:// www.mma.gov.br/seguranca-quimica/agrotoxicos. Acesso em: 15 mar. 2017. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei nº 6670/2016. Institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA, e dá outras providencias. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www. camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2120775. Acesso em: 20 mar. 2017. CAMPANHOLA, Clayton; LUIZ, Alfredo José Barreto; JÚNIOR, Ariovaldo Lucchiari. O problema ambiental no Brasil: agricultura. Economia do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. 2. ed. Alde- mar Ribeiro Romeiro; Bastiaan Philip Reydon; Maria Lúcia Azevedo Leonardi (Org.). UNICAMP.IE: CAMPINAS- -SP, 1999. 377 p. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 18ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA MARTINS FILHO, Edson. Agrotóxicos e o direito a vida saudável. JusBrasil, 2015. Disponível em: https://edma- fi1.jusbrasil.com.br/artigos/167998485/agrotoxicos-e-o-direito-a-vida-saudavel. Acesso em: 30 mar. 2017. NETTO, Mariana Corrêa. A legislação ambiental brasileira e o uso de agrotóxicos proibidos no exterior: permis- sibilidade da lei ou falta de efetividade? In: XXII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI/ UNINOVE, 2013, Brasí- lia. Anais eletrônicos [...]. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=946af3555203afdb. Acesso em: 12 abr. 2017. OLIVEIRA, Cida. Agricultores expostos a agrotóxicos ignoram risco de morte e doenças graves. In: REDE BRA- SIL ATUAL. 03 out. 2015. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br /saude/2015/10/agricultores-fa- miliares-agrotoxico-risco-de-morte-doencas-graves. Acesso em: 30 mar. 2017. OLIVEIRA, Cláudio. Consumo de agrotóxicos cresce e afeta saúde e meio ambiente. In: PORTAL FIOCRUZ, 26 dez. 2013. Disponível em: http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/consumo-de-agrotoxicos-cresce-e-afeta- -saude-e-meio-ambiente. Acesso em: 29 mar. 2017. SUÇUARANA, Monik da Silveira. Poluição do solo. In: INFOESCOLA. [s.d.]. 2017. Disponível em: http://www. infoescola.com/meio-ambiente/poluicao-do-solo/. Acesso em: 10 abr. 2017. VERÁS NETO, Francisco Quintanilha; SARAIVA, Bruno Cozza (org.). Temas atuais de Direito Ambiental, Ecolo- gia Política e Direitos Humanos. 2. ed. FURG: Rio Grande, RS, 2013. 155 p. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 19ISSN: 2177 - 1472
DESAFIOS A SEREM SUPERADOS PELAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA NOVA REALIDADE INTERNACIONAL CHALLENGES TO BE OVERCOME BY INTERNATIONAL ORGANIZATIONS IN A NEW INTERNATIONAL REALITY Carolina Merida Arício Vieira Da Silva RESUMO ABSTRACT O presente artigo visa discutir a importância do papel This paper discusses the importance of the role desempenhado pelas organizações internacionais go- played by governmental international organizations vernamentais ante os desafios impostos pela nova re- to the challenges imposed by the new international alidade internacional, caracterizada por relações cada reality, characterized by relationships increasingly vez mais complexas, interdependentes e globalizadas. complex, interdependent and globalized. This fact be- Com a constância e o incremento das relações transna- cause, with the constancy and the increase of trans- cionais, torna-se mais evidente que a dinâmica atual da national relations, it becomes apparent that the cur- sociedade internacional é somente capaz de assegurar rent dynamics of international society is only able to a satisfação de parcela dos indivíduos e/ou de grupos de secure the amount of satisfaction of individuals and/ atores internacionais determinados, perpetuando desi- or groups of certain international actors, perpetua- gualdades quanto ao grau de desenvolvimento econô- ting inequalities in the economic and social develop- mico e social, enquanto o seu desiderato deveria ser o ment degrees, while its desideratum should be achie- alcance de interesses mundiais comuns. Assim, basean- ving common global interests. Thus, based not only in do-se não apenas no método da pesquisa bibliográfica, the method of literature, but especially in the percep- mas sobretudo na percepção da primeira autora durante tion of the first author during technical visits recently visitas técnicas realizadas recentemente a organizações made to international organizations based in Europe, internacionais sediadas na Europa, o presente estudo this study questions the effectiveness of the overall questiona a efetividade do modelo atual de governança governance of the current model based on the role global pautado na atuação das organizações interna- of international organizations, proposing its resizing cionais, propondo o seu redimensionamento com foco focused on the human being, and not in the mere sta- no indivíduo, e não na mera vontade estatal, apoiada no te will, based on the “overcome” concept of absolute conceito “superado” de soberania absoluta. sovereignty. PALAVRAS-CHAVE: Organizações internacionais. Glo- KEYWORDS: International organizations. Globaliza- balização. Crise. Redimensionamento. Governança tion. Crisis. Resizing. Global governance. global. *Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO), Especialista em Direito Em- presarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Público pela Faculdade Professor Damásio de Jesus, Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde/GO e Procuradora do Município de Rio Verde/GO. *Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO), Especialista em Direito Público pela Universidade de Rio Verde (UniRV), Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde/GO e Advogado. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 20ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA 1 INTRODUÇÃO lemas e os desafios a serem enfrentados pelas OIGs diante da nova realidade internacional, haja vista que À medida que os Estados se multiplicaram e que se as organizações internacionais governamentais têm incrementou o intercâmbio entre eles nos mais diver- sua atuação limitada pelo voluntarismo que as carac- sos campos da vida – econômico, social, político, co- teriza, não podendo, como regra, impor sua autorida- mercial, cultural e ambiental, entre outros – surgiu a de a um Estado que não tenha aderido ao respectivo necessidade de o Direito regular situações extrater- tratado constitutivo. ritoriais e transnacionais, bem como de reconhecer a Desse modo, em que pese tenha havido uma nova personalidade jurídica das organizações internacionais onda de otimismo acerca do papel das organizações intergovernamentais, que foram alçadas à condição de no pós-Guerra Fria, fatores recentes como as diver- sujeitos de Direito Internacional Público. sas crises políticas e econômicas pelas quais passam Com a globalização, as relações entre os fenômenos os Estados-nação nos últimos anos, os grandes fluxos que ocorrem no interior dos Estados e os extraestatais imigratórios e de refugiados, o aquecimento global, o são cada vez mais constantes, profundas, complexas e terrorismo e o desrespeito sistemático a normas de interdependentes. Nesse contexto, tornou-se inegável Direitos Humanos têm fomentado o questionamento a relevância do papel desenvolvido pelas organizações quanto ao desempenho das OIGs como vetores da go- internacionais na coordenação dos interesses da so- vernança global na atualidade. ciedade internacional nos mais variados assuntos. Ocorre que, em decorrência dos interesses difusos 2 A GLOBALIZAÇÃO E A CRISE DO ESTADO NACIONAL e das diversas ordens estatais existentes, bem como em virtude do movimento de estagnação da economia Durante séculos, o Estado, denominado sujeito clássico mundial, as relações internacionais têm se tornado do direito internacional, foi “o único titular de direitos ainda mais desafiadoras. Nota-se frequentemente a e obrigações no âmbito externo” (AMARAL JÚNIOR, indisposição de cada Estado de abrir mão de interes- 2011, p. 169). ses próprios com o intuito de alcançar o bem-estar da O Estado moderno, cujas origens remontam à substi- sociedade internacional como um todo. tuição do sistema hierarquizado que marcou a Idade Sob esse prisma, é forçoso admitir que a globalização Média pelo reconhecimento do princípio da igualdade intensificou as hostilidades, os ataques e as estratégias formal dos Estados, por ocasião da celebração dos tra- por parte dos diversos atores internacionais, aumen- tados de Westfália (em 1648), tem como um de seus tando a tensão nas relações internacionais e minimi- elementos constitutivos a soberania, caracterizada zando as noções de ética e solidariedade globais. pela existência de um governo autônomo e indepen- Na nova realidade internacional, os Estados não são dente, capaz de “eleger a forma de governo que pre- os únicos atores na dinâmica das relações e do direi- tende adotar, sem a ingerência ou a intromissão de to internacional, sendo crescente a participação das terceiros Estados (ou quaisquer outras entidades ex- Organizações Internacionais Governamentais (OIGs), teriores) nos seus respectivos assuntos internos” (MA- das Organizações Internacionais Não Governamen- ZZUOLI, 2015, p. 489), bem como de um governo livre tais (OINGs), bem como das empresas transnacionais para conduzir as suas políticas externas, sem qualquer e dos movimentos sociais transnacionais na dinâmica espécie de subordinação jurídica. das relações internacionais, com o intuito de promover Ocorre que a acentuação do fenômeno da globalização, maior cooperação multilateral e integração regional. marcado por uma crescente interação e interdepen- As organizações internacionais, que se intensificaram dência econômica dos Estados, impôs uma “profunda em quantidade e qualidade a partir do fim da Segunda mudança no conceito de Estado-nação ou Estado na- Guerra Mundial, afiguram-se em importante foro de cional, que está mergulhado numa indescritível crise solução de controvérsias e de relacionamento entre de identidade e, em consequência, de estabilidade” Estados, buscando proporcionar maior estabilidade ao (RAMONET apud GOMES; VIGO, 2008, p. 146). sistema internacional. Tal fato se dá porque a globalização tem como caracte- Nesse cenário, o presente artigo busca debater os di- rísticas o enfraquecimento da noção de soberania e a 1 De acordo com Naím (2013, p. 20), “Estados soberanos têm quadruplicado de número desde a década de 1940; além disso, eles agora competem, brigam ou negociam não apenas entre si, mas também com numerosas organizações transnacionais e não estatais.” REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 21ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA consequente redução do papel do Estado nas relações dem da vontade destes para aprovar suas decisões”. internacionais, que passa a dividir espaço com os or- Cumpre destacar, no entanto, que a atuação das or- ganismos internacionais e com “forças transnacionais ganizações internacionais não se limita a promover a privadas – essencialmente comerciais, tecnológicas e cooperação internacional. As OIGs se dedicam, ainda, financeiras” na condução dos interesses da sociedade a fomentar a integração regional, a harmonizar condu- global (SEITENFUS, 2012, p. 54). tas e a administrar a gestão de uma série de temas que Nessa linha de raciocínio, conforme leciona Floh (2008, têm relevância global, ou seja, cuidam da governança p. 233): global. No que tange à integração regional, de acordo com Contemporaneamente, não se pode reclamar Herz e Hoffman (2004, p. 168), trata-se de “um pro- algum poder pleno, absoluto, inquestionável e cesso dinâmico de intensificação em profundidade e incontrastável de mando sobre determinado abrangência das relações entre atores levando à cria- conjunto de pessoas e território, o que aponta ção de novas formas de governança político-institu- para a necessidade de revisão da realidade cionais de escopo regional.” atual, assim como das bases doutrinárias de A respeito da institucionalização do direito internacio- interpretação do cenário observado. nal, Mazzuoli (2015, p. 657) assevera que: Nesse contexto, ademais, verifica-se o aumento da À medida que o Direito se institucionaliza, ele exclusão social e da concentração de riquezas, o que deixa de ser um direito das relações bilaterais finda por agravar tensões na sociedade internacional e multilaterais entre os Estados para tornar- e gera questionamentos quanto à legitimação dos Es- se um direito cada vez mais presente nas tados para solucionarem as controvérsias e gerirem os chamadas organizações internacionais (ditas interesses resultantes da globalização. intergovernamentais, porque constituídas Portanto, ante a incapacidade do Estado para lidar por tratados entre Estados e detentoras de com os problemas decorrentes da globalização, assim personalidade jurídica internacional). como para harmonizar e acomodar os interesses da sociedade internacional como um todo, uma vez que Sob o espectro das relações internacionais, Seitenfus questões regionais e globais não podem ser tratadas (2012, p. 33) pondera que: nacionalmente, a constituição de organismos interna- cionais interestatais pode significar o necessário di- A questão da institucionalização das mensionamento coletivo de competências que costu- organizações internacionais é bastante mavam ser de domínio absoluto dos Estados nacionais complexa, em razão da natureza da realidade (SEITENFUS, 2012). internacional, cuja essência consiste no sistema relacional entre os Estados, isto é, uma 3 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E O PROCES- intrincada rede de relações bilaterais. O objetivo SO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNA- desta prática secular é fornecer aos Estados CIONAL as condições para a sua segurança. Com o surgimento das organizações internacionais, A premente necessidade de cooperação internacional o sistema relacional não desapareceu, na para fazer frente aos problemas e objetivos da socie- medida em que, até o momento, as relações dade global nos mais variados campos – político, eco- no âmbito das organizações não atingiram nômico, social, cultural, ecológico e humanitário, entre um grau que pudesse vir a substituí-lo. Os outros – culminou na criação e disseminação das or- Estados, ao manterem suas prerrogativas ganizações internacionais governamentais, cujo incre- tradicionais de exercício do poder, concordaram mento se deu a partir do fim da Segunda Guerra Mun- em criar mecanismos multilaterais dotados dial. de instrumentos capazes de atuar nos mais Com relação às organizações internacionais voltadas diversos campos [...]. à promoção da cooperação internacional, Rodrigues (2014, p. 10) explica que “estão baseadas numa pre- Conforme se constata do até aqui exposto, o processo missa de vida internacional: a de que todos os Estados de institucionalização das organizações internacionais devem cooperar entre si. Elas visam facilitar o alcance governamentais pressupõe a manifestação de vontade de objetivos comuns dos Estados-membros e depen- do Estado no sentido de aderir aos tratados constitu- tivos de tais organizações como condição para a sua posterior aceitação dos respectivos processos decisó- rios (SEITENFUS, 2012). REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 22ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA Logo, consoante elucida Rodrigues (2014, p. 11): 4 SOCIEDADE GLOBAL: OS DILEMAS E OS DESAFIOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA ATUALI- A criação de novas políticas ou a modificação DADE das existentes depende, sim, da vontade dos Estados-membros, que agem dentro dos órgãos Um dos maiores dilemas impostos pela globalização no das OIs, com poder de voto (e às vezes, de estágio atual é o equacionamento dos aspectos positi- veto). O que acontece é que, ao criar as OIs, vos oriundos da liberdade de comércio, que proporcio- os Estados definem o poder delas, exercido nou o acesso dos Estados a grandes mercados interna- pelos órgãos colegiados e pela secretaria-geral cionais de consumo e a investimentos transnacionais da organização; isso está contido na carta de para ampliação das redes de infraestrutura locais, de criação da OI. um lado, e a dificuldade dos Estados em assegurar pa- drões aceitáveis de trabalho e de direitos fundamen- Em outras palavras, a institucionalização das OIGs de- tais (moradia, saúde, educação, saneamento básico, pende da vontade do Estado em limitar a sua própria lazer, etc.) aos indivíduos que passaram a circular mais soberania, sendo certo que a autonomia de tais orga- facilmente entre os territórios estatais, gerando fluxos nizações está sujeita a restrições impostas pelos Esta- imigratórios desproporcionais ao poder de absorção de dos-membros. alguns Estados, de outro. Nessa senda, segundo enfatiza Seitenfus (2012, p. No recente episódio internacional de saída do Reino 51/52), as organizações internacionais: Unido da União Europeia, por meio de emblemática decisão aprovada por referendo popular, que ficou co- [...] desfrutam de limitada ou de escassa nhecido como “Brexit”, o supramencionado dilema foi autonomia. Se para os países débeis, as um dos argumentos mais fortes utilizados a favor da organizações internacionais tendem a retirada do Reino Unido do bloco. representar uma garantia de interdependência É indubitável que as questões políticas, econômicas e política e uma forma de buscar o sociais globais, tais como os grandes fluxos imigrató- desenvolvimento econômico, para os países rios e de refugiados, o aquecimento global, o terroris- poderosos elas significam, na maioria das vezes, mo e o desrespeito sistemático a normas de Direitos tão somente um terreno suplementar – o da Humanos - mas a estes não se limitando – não conse- diplomacia parlamentar – onde atuará o seu guem ser resolvidas pelos Estados-nação, tampouco poder nacional; as organizações internacionais pelas organizações internacionais governamentais, serão para estes simples apêndice de sua cuja autonomia limitada pela vontade estatal acabou política externa. por tornar os respectivos processos decisórios lentos e ineficazes, além de passíveis de interferências políticas Outrossim, analisando-se os impactos da globalização indesejadas. com relação ao papel desempenhado pelas organiza- De acordo com Sartorius, citado por GOMES e VIGO ções internacionais, a exemplo do que ocorre com os (2008, p. 153), “a sociedade da globalização está sem Estados-nação, “a globalização igualmente enfraquece governo e, em consequência, todo desarranjo, disfun- as organizações internacionais. Estas devem curvar-se ção, especulação, trapaça ou violência pode encontrar perante estas forças e trabalhar na direção de uma assento sem maior obstáculo”. Na abalizada opinião do maior liberalização das relações, sobretudo econômi- referido autor, “são imprescindíveis instrumentos de cas, internacionais” (SEITENFUS, 2012, p. 54). coesão social como os fundos de convergência, para Assim, em razão de a personalidade jurídica das OIGs facilitar infraestruturas físicas e educativas que per- derivar da soberania estatal, bem como por verificar- mitam o crescimento sustentado do planeta” (GOMES; -se a incapacidade dessas instituições para responder VIGO, 2008, p. 153). tempestiva e adequadamente às demandas decorren- Nesse diapasão, uma governança global eficaz exige o tes da globalização, as organizações internacionais, a “reconhecimento de uma pluralidade de níveis de atu- exemplo do que se constatou com relação aos Estados ação e de atores e toma como premissa a busca por nacionais, vêm sofrendo severas críticas quanto ao cooperação, haja vista um contexto de globalização e fato de sua atuação perpetuar as diferenças sociais e interdependência.” (LIMA, 2012, p. 159). a disparidade dos níveis de desenvolvimento observa- Um dos maiores desafios a serem enfrentados pelas dos em escala global. OIGs a curto prazo é, pois, a necessidade de sua re- A seguir, examinar-se-ão os dilemas e os desafios a serem superados pelas organizações internacionais na nova realidade internacional. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 23ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA estruturação formal, bem como de seu redimensio- sociedade globalizada, interdependente e capitalista namento jurídico e político, a fim de que possam res- deve evoluir para o que o autor denomina de “civiliza- ponder de forma mais rápida e eficaz aos anseios da ção humanista”, orientada pela “consciência da digni- sociedade internacional, exercendo papel central na dade suprema da pessoa humana, como princípio de governança global. todos os valores” (COMPARATO, 2013, p. 291). A nova realidade internacional implica, ademais, a de- Em suma, “o ‘governo’ do planeta exige coesão social e mocratização do direito internacional, e por que não inclusão de todos, porque a humanidade não alcança- das relações internacionais. Para tanto, faz-se mister rá nunca um padrão de civilização aceitável enquanto uma rediscussão dos papéis dos atores não estatais houver pessoas” sem ter o que comer (GOMES; VIGO, na dinâmica global, posto que “o fato de muitos deles 2006, p. 153). participarem indiretamente do processo normativo internacional e de serem mencionados em tratados 5 CONCLUSÃO internacionais não faz com que se tornem ou sejam reconhecidos sujeitos de Direito Internacional” (FLOH, Como vimos, o fenômeno da globalização e fatores ho- 2008, p. 230/231). diernos, como as diversas crises políticas e econômi- Com considerável incremento a partir da década de 90, cas pelas quais passam os Estados-nação nos últimos a denominada sociedade civil global, caracterizada por anos, os grandes fluxos imigratórios e de refugiados, o iniciativas de cidadãos (individualmente ou de forma co- aquecimento global, o terrorismo e o desrespeito sis- letiva), que ultrapassam as fronteiras dos Estados, mar- temático a normas de Direitos Humanos, têm coloca- cadas pela voluntariedade e ausência de fins lucrativos do sob questionamento o papel desempenhado pelas (como, por exemplo, organizações não governamentais, organizações internacionais governamentais no atual movimentos sociais transnacionais, as redes de políticas padrão de governança global. globais), “está diretamente ligada ao debate acerca das Se, de um lado, não restam dúvidas quanto à exaustão transformações do sistema internacional, da sobera- do modelo atual de Estado-nação e, por conseguinte, nia estatal e da governança global” (HERZ; HOFFMAN, de OIGs, indaga-se acerca do que virá para assegurar 2004, p. 224/225), desempenhando papel fundamental a paz e a segurança internacionais e para promover o no processo de formulação de normas, na implementa- desenvolvimento econômico e social global de manei- ção de decisões ou políticas globais e no monitoramento ra mais equitativa. da anuência dos Estados e Estados-membros a acordos Ante o aqui exposto e analisado, conclui-se que qual- internacionais. quer que seja o novo modelo de governança global a Sem prejuízo do acima exposto, para fazer frente aos de- ser implementado, devem ser observados a democra- safios determinados pela nova realidade internacional, se tização do direito internacional, a restruturação e o faz necessário que os sujeitos e atores internacionais te- redimensionamento das OIGs e o respeito à multipli- nham o ser humano como foco na discussão das ações e cidade cultural, à ética e à solidariedade global, tendo políticas globais – seja do indivíduo considerado isolada- como foco o ser humano - o que Comparato (2013) de- mente, seja da humanidade como um todo, asseguran- nomina “civilização humanista” - e não a mera vonta- do respeito aos direitos humanos de modo uniforme em de estatal, pautada no conceito de soberania que não todo o globo, sem distinção de qualquer natureza. corresponde mais a um poder capaz de solucionar as Nesse sentido, conforme dissemina Comparato, a atual demandas atuais da sociedade internacional. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 24ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. COMPARATO, Fábio Konder. A civilização capitalista: para compreender o mundo em que vivemos. São Paulo: Saraiva, 2013. FLOH, Fábio. Direito internacional contemporâneo: elementos para a configuração de um direito internacio- nal na ordem internacional neo-vestfaliana. In: SOARES, Guido Fernando Silva; CASELLA, Paulo Borba [et al.]. (org.). Direito internacional, humanismo e globalidade. São Paulo: Atlas, 2008. p. 219-235. GOMES, Luiz Flávio; VIGO, Rodolfo Luís. Do Estado de direito constitucional e transnacional: riscos e precau- ções (navegando pelas ondas evolutivas do Estado, do direito e da justiça). São Paulo: Premier Máxima, 2008. HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro. Organizações internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. LIMA, Gabriela Garcia Batista. O conceito de governança global do desenvolvimento sustentável no estudo da efetividade da norma jurídica: reflexões epistemológicas. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, v.32.2, jul./dez.2012, p. 157-178. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 9.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Re- vista dos Tribunais, 2015. NAÍM, Moisés. O fim do poder. Tradução Luís Reyes Gil. São Paulo: LeYa, 2013. RODRIGUES, Gilberto M. A. Organizações internacionais. São Paulo: Moderna, 2014. E-book. SEITENFUS, Ricardo Antônio da Silva. Manual das organizações internacionais. 5. ed. rev., atual. e amp. 2. tir., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 25ISSN: 2177 - 1472
DA ATENÇÃO À MULHER GESTANTE NA PENITENCIÁRIA DE RIO VERDE- GOIÁS OF ATTENTION TO PREGNANT WOMEN IN THE PENITENTIARY OF RIO VERDE-GOIÁS Marcela Silva Ribeiro Cláudio de Castro Braz RESUMO ABSTRACT Quando as presidiárias passam à condição de ges- When incarcerated women become pregnant, the need tante, a necessidade de cuidado aumenta drastica- for care increases drastically, and greater attention is mente, sendo necessário dar atenção maior, pois needed, as they begin to bring a new life. Was the pri- elas passam a trazer consigo uma nova vida. Esta- son system in Rio Verde prepared to meet these needs ria o sistema prisional de Rio Verde preparado para and respect the rights of pregnant women and puer- atender a estas necessidades e respeitar os direitos peral women while serving their sentences? Currently das mulheres gestantes e das puérperas, enquanto the Rio Verde penitentiary does not seem to comply estão cumprindo penas? Atualmente a penitenciá- with the provisions of the Criminal Enforcement Law, ria de Rio Verde parece não cumprir o disposto na since it does not have an adequate place for pregnant Lei de Execução Penal, visto que não possui local women and puerperal women who are deprived of adequado para as gestantes e puérperas que estão their liberty, without at least basic hygiene materials. em privação de liberdade, não dispondo ao menos Thus, it is believed that the penitentiary of Rio Verde de materiais básicos de higiene. Deste modo, acre- would not be prepared structurally and administrati- dita-se que a penitenciária de Rio Verde não estaria vely to comply with the legal provisions regarding the preparada estruturalmente e administrativamente rights of pregnant women and puerperal women. The para cumprir os dispostos legais no que se refere aos methodology of the present work comprises explora- direitos das mulheres gestantes e das puérperas que tory qualitative research that involves a bibliographi- lá parem. A metodologia do presente trabalho com- cal survey as well as interviews with people about the preende pesquisa de caráter exploratório qualitativo problem, since this technique is in harmony with the que envolve levantamento bibliográfico bem como case study that will be presented as a result of the di- entrevistas com pessoas acerca do problema, visto rect observation and the deepening of the reality that que essa técnica está em consonância com o estu- is being studied. do de caso que será apresentado como resultado da observação direta e do aprofundamento da realida- KEYWORDS: Parturient. Prisoner Prison System. de que está sendo estudada. 1 INTRODUÇÃO PALAVRAS-CHAVE: Parturiente. Presidiária. Sistema Prisional. A história da mulher brasileira é marcada por desigual- *Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde. *Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Professor da Universidade de Rio Verde. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 26ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA dades e indiferenças quando o assunto são direitos, 2 EVOLUÇÃO DA PUNIÇÃO DA MULHER NOS PRESÍ- deveres e liberdade. Com o passar dos anos, as mulhe- DIOS FEMININOS res buscaram cada vez mais uma maior paridade de di- reitos e deveres em relação aos homens e, atualmente, Segundo a Pastoral Carcerária (2012), “As penitenci- são detentoras de importantes conquistas, traçando árias são feitas por homens e para homens”. No en- novas possibilidades legais e sociais. O mesmo aconte- tanto, a criminalidade feminina, que ganha destaque a ce quando se trata dos direitos das presidiárias. partir de 1920, quando o número de crimes cometidos As mulheres, quando estão presas, devem ter um es- por mulheres sofria um aumento significativo, advindo paço que atenda a suas necessidades, visto que pre- da Primeira Guerra Mundial e da Depressão Econômi- cisam de cuidados especiais, não só com higiene, mas ca no ano de 1929, passa a exigir adequações legais e também com suas vestes, alimentação, saúde, entre físicas, fazendo com que o Estado legisle respeitando outros. as novas adequações, visando abranger as práticas e punições delituosas cometidas pelas mulheres (AN- Quando as mulheres presidiárias passam à condição DRADE, 2011). de gestantes, a necessidade de cuidado aumenta dras- O primeiro presídio feminino de que se tem notícia é ticamente, sendo necessário dar atenção maior, pois o presídio construído em Amsterdã, na Holanda, em elas passam a trazer consigo uma nova vida. Vida esta 1645, que abrigava mulheres pobres, criminosas, pros- que exige que elas estejam em condições adequadas titutas e bêbadas. Em 1835, foi a vez de Nova York para o pleno e seguro desenvolvimento do fruto da construir sua primeira penitenciária feminina. concepção. No Brasil, as primeiras iniciativas em relação aos pre- A penitenciária de Rio Verde parece não cumprir o dis- sídios femininos se deram em 1920. Após inúmeras posto na Lei de Execução Penal, visto que não possui reformas penitenciárias que ocorreram entre 1930 e local adequado para as gestantes e puérperas que es- 1940 no Brasil, o Conselho Penitenciário do Distrito tão em privação de liberdade, não dispondo ao menos Federal, juntamente com alguns estados brasileiros, de materiais básicos de higiene. iniciou o que seria uma das maiores adequações do Desse modo, acredita-se que a penitenciária de Rio sistema prisional daquela época. Verde não estaria preparada estruturalmente e admi- A partir disso, em 1937, foi inaugurado o Instituto Fe- nistrativamente para cumprir os dispostos legais no minino de Readaptação Social, em Porto Alegre, no Rio que se refere aos direitos das mulheres gestantes e das Grande do Sul, e em 1942, foram inauguradas outras puérperas. duas penitenciárias femininas, uma em São Paulo (Pre- A metodologia do presente trabalho compreende pes- sídio de Mulheres de São Paulo) e outra no Rio de Ja- quisa de caráter exploratório qualitativo que envolve neiro (Penitenciária de Mulheres de Bangu) (ANDRA- levantamento bibliográfico bem como entrevistas com DE, 2011). pessoas acerca da questão, visto que essa técnica está Acreditava-se que as mulheres tinham menor envolvi- em consonância com o estudo de caso que será apre- mento com o crime devido à submissão aos pais e aos sentado como resultado da observação direta e do maridos e por sempre serem tratadas de forma inferior aprofundamento da realidade em estudo. a eles. Diferentemente dos homens, as mulheres eram É de suma importância frisar que, para uma melhor criadas para realizar tarefas domésticas, não se envol- compreensão, as entrevistas foram gravadas e poste- viam em nenhuma outra atividade a não ser cuidar da riormente transcritas, respeitando a forma como fo- casa e da educação dos filhos (MAÍLLO, 2007). ram ditas as palavras pelas entrevistadas. Sobre isso, conclui Maíllo (2007, p. 299): Como critério de inclusão, as voluntárias tiveram que preencher os seguintes requisitos para serem entrevis- A teoria do poder/controle sustenta que o tadas: motivo da diferença relativa na criminalidade de 1- ser mulher mãe com filho recém-nascido e/ou ges- um e de outro gênero reside não em diferenças tante em privação de liberdade; biológicas ou em outras propostas tradicionais, 2- estar detida na penitenciária de Rio Verde-GO; mas nos mecanismos de socialização: os jovens 3- autorizar, por meio do Termo de Consentimento, o e as jovens são socializados de modo diferente, uso dos dados colhidos através da entrevista no traba- e é por isso que sua tendência a incorrer em lho proposto. comportamentos arriscados, desviados, é menor. As diferenças serão especialmente patentes no caso das famílias de estrutura REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 27ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA patriarcal, posto que nelas as diferenças na minal e proporcionar condições para a harmônica in- socialização que se dá a filhos e filhas estão mais tegração social do condenado e do internado”, e que marcadas ainda. em relação às mulheres mães condenadas, dispôs no art. 83 § 2º da LEP sobre o direito a berçário, amamen- Entendendo se tratarem de seres humanos, foi ne- tação de no mínimo até 06 meses de idade (BRASIL, cessário repensar qual seria um modelo punitivo para 1984). aplicação das penas e reorganizar os estabelecimen- Mesmo com todas estas garantias que inclusive adian- tos prisionais. Sendo assim, o papel desempenhado tavam normas que somente em 2010 seriam especi- pelos penitenciaristas ou penalogistas teve grande im- ficadas nas Regras de Bangkok, as presidiárias e seus portância no que diz respeito às práticas humanizadas filhos mais uma vez tiveram seus direitos menorizados no cárcere brasileiro no início do século XX para que na legislação brasileira. viabilizasse a reintegração do delinquente à socieda- Importante salientar que as Regras de Bangkok foram de. Os penitenciaristas eram, em sua maioria, homens elaboradas e aprovadas no ano de 2010, na Assembleia juristas ou médicos que buscavam discutir melhorias Geral das Nações Unidas, tendo o Brasil desempenha- no sistema penitenciário unindo ciência e prática car- do um papel ativo no que diz respeito à sua elaboração cerária. (ONU, 2016). Andrade (2011, p. 69) alega que: 2.1 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE Os penitenciaristas eram homens empenhados DA MULHER PRESIDIÁRIA NO BRASIL em pensar o cárcere, seu papel e funções na sociedade para o seu melhor funcionamento. O Sistema Único de Saúde (SUS) iniciou-se em 1990, A modernização da instituição prisional após a promulgação da Lei Orgânica da Saúde Lei nº. deveria, necessariamente, passar pelas 8.080, de 19 de setembro de 1990. reflexões, sugestões e projetos desses homens O SUS configura um modelo público de ações e presta- especializados na “ciência penitenciária” [...] ções de serviços na área da saúde em todo o território em um período no qual muito se discutia nacional, além de ter um conjunto de princípios e dire- a importância da humanização do sistema trizes no que diz respeito à saúde e ao papel do Estado penitenciário e da pena, de modo a permitir a que visam à democratização e à gestão no sistema de reintegração do delinquente no seio social, a saúde (BRASIL, 1990). voz dos penitenciaristas era tida como o eco de Dos diversos programas que compõem o SUS, um de- uma ciência humanizada e evoluída, que deveria les é o Programa de Saúde Materno-Infantil (PSMI), ser escutada para a garantia da modernização criado em 21 de julho de 1983, a primeira política que das instituições prisionais. tinha como foco principal a mulher. Entre os anos de1960 e 1980, o PSMI proporcionava cuidados ape- Nota-se que a humanização no sistema prisional e na nas sobre questões voltadas à gestação, tendo como aplicação das penas era uma das preocupações dos foco principal o pré-natal e controle de nascimento penitenciaristas daquela época, pois já se pensava em dos puerpérios pobres. reintegrar o delinquente à sociedade. As presidiárias Após vários movimentos sociais voltados para os direi- não eram excluídas de tais tratamentos humanizados, tos das mulheres bem como para uma política que dis- pelo contrário, em 1926, devido ao aumento da popu- pusesse sobre planejamento familiar, surge o Progra- lação carcerária feminina, recomendava-se a criação ma de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), de estabelecimentos agrários destinados ao cumpri- em 1983, criado pelo Ministério da Saúde. mento das penas aplicadas às mulheres. Vale ressaltar que assim como o PSMI, o PAISM foi Vale ressaltar que, mesmo após a entrada em vigor do constituído por diretrizes e princípios que se voltaram Código Penal e do Código de Processo Penal em 1940 não só para a gestação e o pré-natal, mas para a saúde e 1941, o Brasil não havia regulamentado os direitos e das mulheres desde a infância até a velhice, promo- os deveres das presidiárias, haja vista que as Regras vendo a recuperação da saúde tanto no aspecto re- Mínimas eram destinadas unicamente aos encarcera- produtivo quanto contraceptivo, visando estabelecer dos do sexo masculino, e em momento algum, é possí- ligação ao planejamento familiar (GIOVANELLA, 2012). vel encontrar menção aos direitos das presidiárias. Um marco na conquista de direitos na saúde da mu- Em 11 de julho de 1984, passa a vigorar no Brasil a Lei lher brasileira se deve graças à luta das feministas que de Execução Penal que tem como objetivo em seu art. 1º: “efetivar as disposições de sentença ou decisão cri- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 28ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA reivindicavam a Reforma Sanitária, visando aspectos ções, e tampouco onde se encontra a genitora, visto voltados diretamente para as mulheres. que o direito à vida é indispensável, pois é a partir da Acerca da luta das feministas para garantir direitos à vida que os demais direitos poderão ser atingidos (PA- saúde, Giovanella (2012, p. 997) explana que: RISE, 2003). Assim como no pré-natal, o período puerperal requer A complexidade da saúde da população uma atenção especial, visto que assim que se inicia o feminina é consequência dos modos e normas período, o organismo da mulher fica vulnerável e pode de inserção social e cultural das mulheres na vir a desenvolver algumas complicações nos sistemas sociedade. Homens e mulheres são construções cardiovascular, sanguíneo, urinário, digestório, peso e sociais e culturais modeladas pelos valores neurológico. atribuídos a um ou outro sexo. Essa é a base Razão pela qual à gestante presidiária se deve garantir, da construção de gênero que passa a ser usada inclusive, acesso à Rede Cegonha que o Ministério da como categoria de análise, inicialmente, pelos Saúde criou através da Portaria nº. 1.459/2011, e que estudos feministas pioneiros na apresentação deve assegurar cuidados acerca da saúde da mulher e de evidências e identificação de repercussões o planejamento reprodutivo, bem como uma gravidez das assimetrias nas relações de poder entre humanizada, priorizando a gestante, o puerpério e o homens e mulheres. parto, resguardando, assim, o direito a um nascimen- to seguro e a um desenvolvimento saudável (BRASIL, Em paralelo, crescia também a luta pela saúde da mu- 2011). lher presidiária e uma das grandes conquistas no que A rede prioriza o acesso e o acompanhamento da ges- diz respeito a essa luta foi a criação do Plano Nacio- tante ao pré-natal de qualidade garantindo à criança nal de Saúde no Sistema Penitenciário em sua Portaria uma atenção de 0 a 24 meses após seu nascimento. Interministerial nº 1.777, de 09 de novembro de 2003 (Anexo I), que garante à mulher presidiária a realização 2.1.2 Do Direito dos filhos das presidiárias ao aleita- do controle do câncer cervicouterino e de mama, além mento da realização do pré-natal durante o período em que estiver sob a tutela do Estado (BRASIL, 2003). Dada a importância da amamentação, o art. 5º, L da Por fim, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde Constituição Federal de 1988 assegura expressamente da Mulher (PNAISM) foi criada em 2004 e teve como que serão garantidas condições para que as presidiá- características os princípios e algumas bases defendi- rias possam permanecer com seus filhos durante o pe- das pelo PAISM. ríodo de amamentação. Nesse sentido e dada a importância da amamentação, 2.1.1 Da saúde da presidiária gestante o Ministério da Saúde listou os maiores argumentos fa- voráveis ao aleitamento materno. Entre eles estão: As presidiárias, assim como qualquer outro condena- a) evita mortes infantis: crianças que são amamenta- do cumprindo pena privativa de liberdade, conservam das por mais tempo por suas mães correm menos risco todos os direitos não atingidos com a perda da liber- de serem contaminadas por infecções, o que diminui dade, conforme disposto no art. 38, do Código Penal, os casos de mortes infantis. O aleitamento materno impondo às autoridades o respeito à sua integridade é responsável por evitar 13% das mortes em crianças física e moral. menores de 05 anos em todo o mundo; Está estabelecido no art. 8º, caput, do Estatuto da b) evita diarreia: a diarreia é mais evidente em crianças Criança e do Adolescente, que todas as mulheres te- pobres, pois há uma substituição do leite por água e/ rão acesso aos programas e planejamento reprodutivo, ou chá, o que não é recomendado; para que possam receber informações sobre a gesta- c) diminui riscos de alergias: o uso do leite de vaca nos ção, cuidados com a criança e alimentares, bem como primeiros meses de vida de uma criança aumenta o ris- se informar sobre o pré-natal. co de alergia. (BRASIL, 2015). Nesse sentido, segundo Ohara e Saiyo (2014), a aten- ção à presidiária gestante deve começar no momento Já para as mulheres os benefícios são: do diagnóstico de gravidez que, por sua vez, é reali- zado por dois meios: exame físico e teste laboratorial. a) proteção contra câncer de mama: as mães que ama- É de suma importância frisar que o Estado deve ga- rantir o desenvolvimento pleno da vida humana, não tendo em conta se é imperfeita e submetida a condi- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 29ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA mentam têm suas chances diminuídas em 4,3% a cada ca da pesquisa, apenas 02 preencheram os requisitos 12 meses de amamentação; para serem entrevistadas. Os critérios foram os se- b) menos chances de desenvolver câncer de útero e guintes: ovário e de se tornarem hipertensas ou de desenvol- verem depressão pós-parto; a) ser mulher mãe com filho recém-nascido e/ou ges- c) evita nova gravidez: a ovulação da mulher está rela- tante em privação de liberdade; cionada à quantidade de mamadas, visto que a ama- b) estar detida na penitenciária de Rio Verde-GO; mentação é um método contraceptivo nos primeiros c) autorizar, por meio do Termo de Consentimento, o 06 meses após o parto, já que as mães que fazem uso uso dos dados colhidos através da entrevista no traba- exclusivo da amamentação e ainda não tenham mens- lho proposto. truado terão 98% de chances de não engravidar nova- mente. (BRASIL, 2015). Caso a presidiária afirmasse ter vontade de colaborar, a pesquisadora começaria o primeiro procedimento No entanto, as presidiárias devem estar preparadas composto por uma apresentação pessoal na qual in- para o desmame, visto que isso muitas vezes significa formaria nome, curso de formação e os dados da pes- o afastamento da criança, o que pode desencadear vá- quisa seriam anexados, bem como qual a relevância da rias mudanças físicas e emocionais. participação da presidiária para o referido trabalho. Segundo Brasil (2015, p. 93): Antes de ser apresentada ao Termo de Consentimento, a presidiária era informada das seguintes condições: As mulheres devem estar preparadas para as a) a presidiária estava desobrigada de começar, con- mudanças físicas e emocionais que o desmame tinuar e/ou finalizar a entrevista caso perdesse o inte- pode desencadear, tais como: mudança resse em colaborar; de tamanho das mamas, mudança de peso b) caso não se sentisse confortável em responder de- e sentimentos diversos como alívio, paz, terminada pergunta, poderia deixar de respondê-la ou tristeza, depressão, culpa e luto pela perda da até mesmo desistir da entrevista; amamentação ou por mudanças hormonais. c) poderia interromper a pesquisadora a qualquer mo- mento para sanar dúvidas acerca da pesquisa, das per- É importante frisar que homens e mulheres muitas ve- guntas ou até mesmo para desistir; zes não recebem a assistência de médicos, enfermei- d) caso a presidiária quisesse colaborar com informa- ros, psicólogos ou dentistas enquanto estão dentro do ções que não estivessem inclusas no rol do questioná- sistema prisional. Visto isso, a situação se agrava quan- rio, ela teria total liberdade para se expressar. do se aborda o contexto da maternidade e de uma pre- sidiária no período puerperal. Para o bom andamento da entrevista, a pesquisadora foi aconselhada pela direção a repassar as seguintes 3 A REAL SITUAÇÃO DAS PRESIDIÁRIAS GESTANTES informações à presidiária: EM RIO VERDE: RELATÓRIO DO TRABALHO DE CAMPO a) a presidiária não poderia deixar a sala de entrevista 3.1 METODOLOGIA sem estar devidamente escoltada; b) caso ela não quisesse continuar a entrevista, deve- A pesquisa de campo do presente trabalho se deu na ria informar à pesquisadora para que a escolta fosse Penitenciária de Rio Verde-GO, haja vista que, entre os solicitada; três estabelecimentos prisionais da referida comarca, c) a presidiária deveria manter o respeito com a entre- apenas a penitenciária de Rio Verde detém mulheres. vistadora; O instrumento utilizado pela pesquisadora foi o ques- d) caso necessitasse fazer uso do banheiro, a presidi- tionário aberto que deveria ser respondido oralmente ária deveria solicitar que a pesquisadora chamasse a pelas entrevistadas. A fim de preservar a identidade escolta que estaria do lado de fora da sala; das entrevistadas, todas tiveram nomes fictícios, in- e) por motivo de segurança, a pesquisadora não po- clusive seus filhos citados. deria retirar ou auxiliar a retirada das algemas da pre- Vale ressaltar que do total de 45 presidiárias, à épo- sidiária. A saber: Penitenciária de Segurança Média, Casa de Prisão Provisória- CPP e Casa de Albergado. 30ISSN: 2177 - 1472 REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde
REVISTA JURÍDICA As respostas das entrevistadas foram registradas e ci- de uma penitenciária a uma ala destinada a mulheres tadas usando-se sua própria linguagem, preservando e crianças recém-nascidas. Assim se formou o que as as gírias e o modo de expressão de cada uma. presidiárias chamam de “barraco das meninas” na pe- nitenciária de Rio Verde. 3.2 LOCAL DA PESQUISA A ala feminina fica num espaço abaixo de uma escada de concreto que dá acesso a algumas alas masculinas As usuárias do sistema prisional brasileiro vêm há anos localizadas no andar superior da penitenciária. Na par- sobrevivendo à má administração de seus agentes e ao te de dentro da ala feminina, é possível encontrar celas abandono do Estado, situações já abordadas por inú- com 4 e com 6 blocos de concreto fixados na parede meros doutrinadores (como os citados neste trabalho). utilizados como cama. As demais presidiárias fazem No entanto, pouco se tem ouvido as presidiárias que do chão suas camas durante a noite. sobrevivem às lutas diárias para se manterem vivas e A ala feminina é de um calor extremo. Além de duas oportunizar a seus filhos um espaço digno enquanto pequenas janelas e de estar localizada debaixo de uma esses permanecerem com elas no sistema prisional. escada de concreto, na parte de trás da ala corre o es- A penitenciária de Rio Verde está localizada a cerca de goto, a céu aberto, de toda a penitenciária, ou seja, é 2 km da zona urbana da comarca, em uma estrada que impossível não encontrar roedores, fezes humana e de não possui pavimentação asfáltica, transformando o animais. Também encontram-se restos de comida em que era para ser de fácil acesso em algo intransitável estado de decomposição que muitos reeducandos jo- a depender da época do ano, sobretudo nos períodos gam dentro dos vasos sanitários, o que desencadeia chuvosos, visto que o trajeto até a unidade se dá por outros problemas, visto que os restos de alimentos uma estrada de chão. comprometem os canos da rede de esgoto e, conse- A penitenciária de Rio Verde foi inaugurada há mais de quentemente, atraem mais roedores já que a comida 15 anos, e desde então nunca passou por uma refor- fica jogada em meio à água suja, o que intensifica ain- ma geral. O que vem sendo feito pelos próprios reedu- da mais o mau cheiro. candos, ao longo desses anos, são reformas pontuais e emergenciais. “Aqui tem muito rato, os bichos andam em cima A unidade prisional detém, no total, mais de 311 ho- da gente à noite. E nos dias de calor é muito mens e mulheres, sendo que os reeducandos só podem quente e se chover a gente molha porque tá ficar na referida unidade prisional após condenados. faltando alguns vidros da janela”. (Joana) No entanto, a ala feminina é composta por presidiárias “O esgoto que fica aqui do lado do barraco, condenadas e pelas que aguardam julgamento (provi- aquilo lá mata a gente. Os ratos de noite anda em sórias). cima das meninas que dormem no chão e todo dia cedo a gente levanta e lava o barraco com 3.3 A REALIDADE A PARTIR DA FALA DAS PRESIDIÁ- água quente e Qboa. De noite o trem é doido, RIAS porque os ratos andam e comem as coisas que as meninas ganham do Cobal. Isso num podia As informações a seguir são baseadas nos relatos das ser assim, mas fazer o que né? A gente num duas presidiárias entrevistadas. Até à data da entrevis- pode dar um jeito nos bichos”. (Karla) ta, apenas duas presidiárias se enquadravam nos re- quisitos supramencionados. Questionada a respeito dos inúmeros ratos e perceve- De início, foi possível constatar que a penitenciária jos que saem do esgoto e entram na ala feminina, a di- de Rio Verde não atende as necessidades básicas das reção informou que a unidade prisional, por inúmeras presidiárias, bem como as das crianças que permane- vezes, solicitou auxílio aos departamentos competen- cem na unidade nos primeiros meses de vida. O desca- tes, até mesmo da prefeitura de Rio Verde, para que so com que presidiárias e crianças vivem na unidade pudessem dar um combate com o intuito de que di- abrange desde um lugar improvisado até acesso a ma- minuísse o número de roedores, no entanto, nenhum teriais mínimos de higiene. ofício foi respondido ou atendido. O local destinado à ala feminina era para ser um es- No caso das gestantes, a situação fica mais complica- paço provisório, mas que perdura até os dias atuais, da, dada a importância do pré-natal e a necessidade da ou seja, de um canto temporariamente vago dentro garantia de sua saúde, haja vista que o art. 14, §3º da Lei de Execução Penal garante que as mulheres terão acompanhamento médico, especialmente no período REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 31ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA do pré-natal e no pós-parto, sendo que tais acompa- outro, mas minha sogra levou ele na pediatra nhamentos são extensivos ao recém-nascido. assim que ele saiu daqui e ele tá bem hoje.” O pré-natal e os cuidados com a saúde da mulher e do (Joana) recém-nascido são extremamente importantes para evitar a morte da presidiária e da criança, além de ser Outra questão já discutida anteriormente diz respeito à um fator determinante na recuperação da mãe e no ala feminina que adveio de um espaço que seria usado desenvolvimento saudável da criança. provisoriamente, mas que perdura até hoje. Contudo, o Porém, apesar dessa e de inúmeras outras garantias, improviso de espaço aplica-se também para as crian- as presidiárias encontram dificuldades quando da ne- ças recém-nascidas, como demonstrado na fala das cessidade de se fazer um acompanhamento médico. presidiárias. A elas foi perguntado: “Pra mim não tava nada preparado. Eu vim pra - Você recebe assistência médica? cá com 02 meses de gravidez e até ganhar o “Não era sempre que dava pra ir pro hospital. A João, eu fiquei aqui na cela com as meninas. Era gente depende da família pra marcar consultas difícil pra dormir, pra banhar, na verdade tudo e depois a gente depende da escolta e daí era difícil (risos). quase nunca dá certo, porque quando dá certo Quando eu ganhei o João, eu fiquei numa no médico às vezes não é no mesmo dia que cela sozinha. Me tirou de onde eu tava e me a escolta pode levar a gente. Aqui tem uma colocou numa cela apertada. Era eu, o João e as enfermeira, daí a gente consulta”. (Joana) roupinhas dele e uns ratos”. (Joana) -Fez pré-natal? “Fiz sim. Não foi como deveria ser (risos), mas fiz “Não (risos), porque tem 26 lá comigo. Tem que o pré-natal. Meus parentes iam no postinho de arrumar um lugar pra caber a bebê ainda. Mas saúde e marcava uma consulta pra ver se tava acho que quando eu ganhar a bebê eles vão me tudo bem. Teve uma vez que eu fui no hospital. deixar na cela separada do barraco. Tem que ver Mas normalmente eu ia no postinho mais perto se a Maria deixa também, mas acho que vai dar mesmo. Marcava lá e pedia pra escolta me levar, certo”. (Karla) tinha dia que num dava certo porque a escolta não podia me levar. Acho que eu fui umas duas Além das dificuldades cotidianas vividas dentro do lo- ou três vezes”. (Joana) cal, as presidiárias ainda sofrem com a ideia de que a mulher-mãe, santificada e pura, deveria doar-se ao lar -Você recebe assistência médica? e à prole com um amor incomensurável (ANDRADE, “Não, os remédios que eu tomo quem compra 2011, p.106). Ideia essa que se arrasta durante séculos é o povo daqui que me dá quando faz uma e ainda forte, quando o assunto é a maternidade. vaquinha”. (Karla) O enaltecimento da maternidade é encontrado facil- -Fez pré-natal? mente nos discursos políticos, religiosos e principal- “Ainda não, porque quando tem escolta a gente mente sociais, mas caso tal idealização fuja aos pa- chega no postinho e não tem médico. Daí drões impostos, a mulher-mãe passa a receber duras quando falam que tem médico a escolta não dá críticas pelo seu desvio de conduta. pra me levar.” (Karla) Tais considerações se agravam ainda mais quando a romantização da maternidade não acontece no meio Como supramencionado, a assistência médica garan- social, mas dentro de uma unidade prisional. Não é di- tida às mulheres também é extensiva ao recém-nasci- fícil encontrar uma presidiária abandonada por seus do, no entanto, o filho de Joana não recebia assistência companheiros e/ou familiares após descobrirem uma por parte da equipe de enfermagem da unidade prisio- gravidez (muitas vezes indesejada) enquanto ainda es- nal e, conforme descrito por ela, a criança só saiu da tão cumprindo pena. unidade prisional após determinação do juiz, ou seja, a criança só teve uma consulta com um médico pediatra Você engravidou no sistema prisional? após 6 meses de vida. “Não. Eu cheguei aqui com 02 meses.” (Joana) Foi uma gravidez planejada? “Nos 06 meses do João aqui dentro, ele não saiu “Foi sim. Eu já tinha 02 filhos e queria mais um, daqui nenhuma vez. Fez o que tinha que fazer daí decidi engravidar. E na época o pai do João quando tava no hospital e depois só saiu quando apoiava, mas hoje só a mãe dele que me ajuda.” o juiz mandou. A enfermeira daqui não podia (Joana) mexer nele porque ela falava que só mexia nos Você recebe apoio por parte da sua família? presos e daí não tinha como, tinha que levar pra REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 32ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA “Na medida do possível, tenho sim. Não posso dos dentro da unidade prisional, visto que tais garan- reclamar muito não, sabe? Só de mandar Cobal tias têm por finalidade proporcionar melhores condi- pra mim e na época mandavam pro João, isso ções de saúde das presidiárias e de seus filhos, mas ajudou muito.” (Joana) como demonstrado, o fato de haver leis assegurando tais direitos não é o suficiente quando a mulher se en- Você engravidou no sistema prisional? contra no sistema prisional. “Sim.” (Karla) Foi uma gravidez planejada? 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Não (risos), foi um acidente. Minha filha, Deus que perdoe falar que alguém planeja engravidar No primeiro trimestre desse ano, a população carcerá- aqui dentro. Aqui é muito difícil pra gente, ria do sistema prisional brasileiro mostrou para o mun- imagina pra cuidar de criança.” (Karla) do como anda sua realidade ao realizarem inúmeros O pai da criança está acompanhando a gravidez? massacres e rebeliões dentro dos complexos prisio- “Não, porque ele tá preso aqui também, mas ele nais, o que há anos vem sendo escondido pelos gover- num quer a criança né. Nunca quis e ele não me nantes e pela mídia. quer mais também.” (Karla) Não muito depois, a realidade foi mais uma vez aco- - Você recebe apoio por parte da sua família? bertada, demonstrando a incapacidade de controle “Da minha família mesmo eu não tenho né. e administração por parte do Estado e diretores dos Quando eu tinha 13 anos meu pai matou a minha complexos prisionais. mãe e depois de uns mês que ela tinha morrido, No entanto, mesmo nesses momentos em que as ma- ele veio passa a mão em mim e um dia ele veio zelas do sistema prisional vieram à tona, o que nunca pra cima e eu fugi né. Claro que eu voltei pra se evidencia é a realidade das presidiárias brasileiras e, casa dele, mas eu avisei que se ele tentasse de menos ainda, a realidade das presidiárias grávidas que novo, eu ia matar ele.” (Karla) dão à luz nas cadeias. Sendo assim foi possível demonstrar que, de fato, a pe- De fato, o sofrimento da presidiária-mãe tem um au- nitenciária de Rio Verde não está preparada para aten- mento significativo após o abandono, o que se torna der às necessidades básicas de uma presidiária, a co- mais traumatizante, pois a ideia fixa de ter sido aban- meçar pelo fato de que elas estão alojadas em um local donada por quem ela considerava que a apoiaria é inadequado e sendo obrigadas a conviverem inclusive ainda pior. Quando os meses passam e logo começam com ratos e mau cheiro do esgoto, situação agravada os preparatórios para entregar seu filho a um familiar, com a falta de materiais básicos de higiene e alimenta- quando a criança completar 6 meses de vida, é ainda ção inadequada. mais traumatizante. Ficou demonstrado ainda que a penitenciária em ques- Assim como vários juízes Brasil afora, os juízes crimi- tão descumpre os dispositivos da Lei de Execução Pe- nais da comarca de Rio Verde aplicam, como tempo nal no que tange a assistência médica, educacional e máximo, o tempo mínimo contido no art. 82, § 2o: “os jurídica, bem como não cumpre o que diz respeito ao estabelecimentos penais destinados a mulheres serão local adequado para as presidiárias gestantes e seus dotados de berçário, onde as condenadas possam cui- filhos. dar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, De fato, essa realidade é mantida pelo abandono do até 06 meses de idade”. Estado e pelas más administrações prisionais Brasil As presidiárias devem estar preparadas para as mu- afora contando com o apoio da sociedade quando se danças decorrentes do desmame, visto que o des- trata de discriminar e excluir os que delinquem, ou mame deve ser tratado como um processo e não um seja, a realidade nos presídios brasileiros ultrapassa os evento. Devem-se respeitar suas etapas para que mãe discursos de ódio e se concretiza em uma cultura vol- e filho, além de estabelecerem um laço afetivo, possam tada a excluir e punir cada vez mais os que delinquem, passar por todas as etapas com saúde. inclusive os que nascem dentro das cadeias. De fato, leis e recomendações médicas não são respei- É notório que o sistema prisional não possibilita meios tadas na penitenciária, o que acaba gerando inúmeros necessários para que as condenadas saiam com uma problemas (físicos e psíquicos), prevalecendo como re- nova visão de mundo, pelo contrário, o encarceramen- gra um velho ditado popular citado por Joana ao final to por si só desvirtua drasticamente as presidiárias. de inúmeras perguntas feitas pela pesquisadora sobre Observe que quando uma mulher engravida, o meio a assistência médica que ela e seu filho deveriam ter recebido que, por inúmeras vezes, foi negligenciada: “cada cadeia segue suas próprias regras”. Por fim, é notório que todos os direitos conquistados pelas mulheres ao longo de décadas são negligencia- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 33ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA social, político e econômico do qual ela faz parte co- os afaste. meça a demonstrar os valores culturais referentes a tal Em contrapartida, a essa violência soma-se a violência evento. Em pleno século XXI, ainda é possível encon- física, que começa antes mesmo dos seis meses após trar alguns grupos que têm a maternidade como uma o parto, pois as presidiárias são orientadas a come- obrigação e uma divindade, não admitindo que as ges- çarem o desmame no quinto mês após o parto, para tantes fujam aos padrões impostos. que as dores (principalmente nas mamas) possam ser Sendo assim, recai sobre a presidiária grávida uma amenizadas durante o último mês em que a criança irá “culpa” maior imposta pela sociedade, visto que ela se amamentar. Porém, nem sempre esse tipo de des- passa a trazer consigo uma nova vida, vida essa tida mame ameniza as dores causadas por um desmame como inocente e que nascerá em meio aos delinquen- precoce e imediato. tes que estão atrás das grades. Apesar de tais considerações, um dos momentos mais Mas mesmo nascendo vidas inocentes no sistema pri- dolorosos para uma mãe é, sem dúvida, separar-se de sional, a sociedade e o Estado passam a ignorar o ób- seu filho. Quando uma presidiária tem que entregar vio de que uma criança sempre será criança indepen- seu filho a familiares e/ou conhecidos, a dor não é dife- dentemente de se sua mãe cometeu algum delito ou rente. Acredita-se que, após nove meses de gestação não. Não importa onde uma mulher grávida esteja ou e mais seis meses amamentando, convivendo de forma uma criança nasça, ambos terão necessidades que não intensa com o seu filho, o vínculo entre ambos já terá podem ser negligenciadas a esse ponto. se estabelecido. Por conseguinte, fica demonstrado que a socieda- Uma presidiária que não tem a presença diária de sua de desempenha um papel ativo no que diz respeito à família, amigos, conhecidos e contato social que tinha maternidade, cobrando e impondo determinados pa- antes de ser detida, e passa a ter consigo uma compa- drões, todavia, descumpre deliberadamente seu papel nhia que depende integralmente dela, é visto como se quando se trata de acolher e reinserir a presidiária e antes não tivesse nada e agora passa a ter tudo. seu filho no meio social. Mas quando esse tudo tem que ir embora, ela volta Ademais, como demonstrado na fala das entrevista- ao status inicial, passando a não ter nada. Essa forma das, a violência contra elas inicia-se no momento em metafórica foi a forma que as entrevistadas passaram que são aprisionadas, sendo que tal situação piora com para a pesquisadora ao falarem desse assunto. Assim, o passar do tempo e com a chegada de mais presas, a entrega da criança é rodeada de dor e incerteza ao dada a falta de espaço destinado a elas e aos conflitos ponto das presidiárias associarem tal fato à perda de gerados dentro das celas. tudo. Além disso, entre muitas violências sofridas diaria- Importante ressaltar que, alguns meses após a entre- mente pelas presidiárias, a menos falada, porém uma vistada Karla engrandecer o presente trabalho con- das piores, é a violência psíquica. Haja vista que, além tando sua rotina na penitenciária de Rio Verde, a tão da falta do atendimento com um profissional adequa- desejada hora do parto chegou. Karla pariu sua filha do, as presidiárias muitas vezes são “aconselhadas” a na maternidade pública de Rio Verde no dia 12 de maio sofrerem em silêncio e caso insistam em falar ou de- desse ano, e pôde desfrutar de um atendimento huma- monstrar (na forma de desabafo ou lágrimas), sofrem nizado já adotado pela referida maternidade há alguns duras represálias, pois são acusadas de terem procura- anos. do tal situação quando cometeram o delito. Sua filha nasceu dentro do quadro clínico esperado, Vale ressaltar que as presidiárias, assim como qual- contudo, a pequena foi diagnosticada como portadora quer mãe, sentem-se inseguras, frágeis, carentes e da sífilis congênita, ou seja, a sífilis foi transmitida de têm medo de não serem reconhecidas como mães mãe para filha durante a gravidez. pelos seus filhos, visto que por mais que elas tentem Uma informação que não pode ser ignorada no presen- estar por perto, a relação entre mãe e filho será estre- te trabalho é que todos os presos que possuem algum mecida devido à ausência no dia a dia da criança. Não tipo de doença transmissível perdem a convivência ignorando o fato de que muitos que detêm a guarda dentro da penitenciária. Quanto mais fácil a forma de dessas crianças optam por afastar mãe e filho. Visto transmissão da doença, maior será a rejeição dos de- isso, o sofrimento psíquico da presidiária não é exclu- mais presos. sivo apenas no período gestacional ou até a entrega A falência do sistema prisional obriga que os presos da criança, e sim enquanto houver uma barreira que preservem ao máximo a sua saúde, pois todos estão REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 34ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA cientes de que dificilmente terão acesso a médicos e nimas de uma cela. Nesse sentido, deixa de atender medicamentos, sendo assim, evitam contato com os aos dispositivos legais no que diz respeito aos locais portadores (inclusive com a criança). próprios para mulheres gestantes e paridas, bem Tal situação só evidencia ainda mais a decadência do como local para crianças. Além disso, não disponi- sistema prisional. A filha de Karla é a prova de que o biliza assistência médica, jurídica ou educacional, atual sistema prisional não distingue quem receberá bem como não atende às necessidades alimentares uma pena, pelo contrário, a punição atingirá a todos das presidiárias. que ali estão. Portanto, a penitenciária em questão está apta a de- Conclui-se que a penitenciária de Rio Verde não sumanizar os seres humanos abandonados que ela possui local adequado para aprisionar mulheres, vis- detém, não possibilitando que eles sejam reinseri- to que as presidiárias usufruem de um local inade- dos na sociedade e tampouco viabilizando uma ex- quado, hostil, que não atende às necessidades mí- pectativa de uma vida fora do crime. REFERÊNCIAS ANDRADE, Bruna Soares Angotti Batista de. Entre as leis da Ciência, do Estado e de Deus: o surgimento dos presídios femininos no Brasil (1930-1950). Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculda- de de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompila- do.htm. Acesso em: 23 dez. 2016. ______. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasil, Brasília, DF: Presidên- cia da República [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm. Acesso em: 13 dez. 2016. ______. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras pro- vidências. Brasília, DF: Presidência da República [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/leis/L8080.htm. Acesso em: 23 dez. 2016. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. Departamento de Atenção Básica. 2. ed. Bra- sília: Ministério da Saúde, 2015. 184 p. (Cadernos de Atenção Básica; n. 23). Disponível em: http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_aleitamento_materno_cab23.pdf. Acesso em: 1 jan. 2017. ______. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui no âmbito do Sistema Úni- co de Saúde- SUS- A Rede Cegonha. Brasília, DF, Ministério da Saúde, 24 jun. 2011. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html. Acesso em: 13 set. 2016. ______. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 1.777, de 09 de setembro de 2003. Brasília, DF, Ministério da Saúde, 09 set. 2003. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/Por- taria_1777.pdf. Acesso em: 4 de dez. 2016. GIOVANELLA, Lígia, Escorel S, Lobato. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. Noronha JC, Carvalho (org.). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. MAÍLLO, Afonso Serrano. Introdução à criminologia. Tradução de: Luiz Régis Prado. São Paulo: Editora RT, 2007. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 35ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA OHARA, Elizabete Calabuig Chapina.; SAIYO, Raquel Xavier Sousa. Saúde da família: considerações teóri- cas e aplicabilidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. ONU. Regras de Bangkok: regras para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liber- dade para mulheres infratoras. Brasília, 2016. In: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducati- vas. Série Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Conselho Nacional de Justiça. 1. ed., Brasília: DF, 2016. 80 p. PARISE, Patrícia Spagnolo. O biodireito e a manipulação genética de embriões humanos. Goiânia: Kelps, 2003. PASTORAL CARCERARIA. Relatório da pastoral carcerária. Penitenciárias são feitas por homens e para homens. São Paulo, SP. 2012. Disponível em: http://carceraria.org.br/wpcontent/uploads/2012/09/relato- rio-mulherese-presas_versaofinal1.pdf. Acesso em: 23 ago. 2016. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 36ISSN: 2177 - 1472
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E A SUA RELEVÂNCIA NO ORDENAMENTO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO AUDIENCE OF CUSTODY AND ITS RELEVANCE IN THE BRAZILIAN CRIMI- NAL PROCEDURE Daiane Honorato Borges Magali Assis da Silva Linia Dayana Lopes Machado RESUMO de custódia, sobre a sua previsão legal, questionamen- O presente artigo tem por objetivo a análise da rele- tos sobre o procedimento, apontando pontos positivos vância da audiência de custódia recentemente implan- bem como os negativos. Aborda-se principalmente a tada no nosso ordenamento processual penal brasilei- sua eficácia, demonstrando que é uma forma eficiente ro. Trata-se de um tema atual que vem sendo muito de combater injustiças e de reduzir o índice de presos comentado por sua aplicabilidade e também por sua aguardando julgamento. relevância. É um instrumento processual que tem o in- tuito de permitir ao preso autuado em flagrante delito PALAVRAS-CHAVE: Audiência de custódia. Previsão a apresentação sem demora à autoridade competen- legal. Tratados internacionais. te (juiz) para que este possa fazer uma análise sobre a prisão, averiguando a necessidade e a legalidade da ABSTRACT prisão, fazendo uma verdadeira filtragem das prisões The purpose of this article is to analyze the relevan- desnecessárias. No ato da audiência é realizada uma ce of the custody hearing recently implemented in our entrevista e o autuado é entrevistado na presença do Brazilian criminal procedure system. This is a current promotor de justiça e do advogado dativo. Ressalta-se topic that has been widely commented on by its appli- que a denominada audiência deve ser feita no período cability, and also by its relevance, is a procedural ins- máximo de 24 horas, justamente para evitar irregulari- trument that is intended to allow the prisoner found dades na prisão em flagrante. O problema da pesquisa guilty in flagrante delicto to submit without delay to gira em torno da questão: Qual é a relevância da deno- the competent authority (judge) so that the prisoner minada audiência no ordenamento processual penal? can analyze the prison, ascertaining the necessity and Para a realização do estudo e da pesquisa, utilizamos legality of the prison, effectively filtering unnecessary de métodos dedutivos e o procedimento foi analítico, prisons. In the act of the hearing, an interview is car- servindo de pesquisa bibliográfica e documental, vi- ried out and the assessed person is interviewed in the sando fazer um amplo estudo sobre o tema audiência presence of the prosecutor and the dative lawyer, it is de custódia com fundamentos em doutrinas, artigos emphasized that the denominated hearing should be científicos, publicados em revistas jurídicas. Objeti- done in the maximum period of 24 hours, precisely to vou-se apresentar um conceito legal sobre audiência avoid irregularities in the red flag. The research pro- *Acadêmica do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – UniRV-GO. *Acadêmica do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – UniRV-GO. *Orientadora, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC – GO. Professora Titular da disciplina de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – UniRV-GO. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 37ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA blem focuses on the question: What is the relevance of avaliação sobre a prisão em flagrante. Em outras pala- the so-called hearing in the criminal procedural order? vras, é possível uma análise melhor sobre o caso con- In order to carry out the study and research, we will use creto, tanto para o juiz, quanto para o autuado, para deductive methods and the procedure will be analyti- que este possa se defender e expor a realidade dos fa- cal, serving as a bibliographical and documentary re- tos. search, aiming to make a broad study on the subject A previsão legal da audiência de custódia encontra- of custody hearing: based on doctrines, scientific arti- -se em tratados internacionais que foram ratificados cles, published in legal journals. In order to present a no Brasil, são eles: Convenção Americana de Direitos legal concept about custody hearing, about its legal Humanos (CADH; também conhecida como Pacto de prediction, questioning about the procedure, pointing San José da Costa Rica) e também Pacto de Direitos out the positive as well as the negative points. Addres- Civis e Políticos. Embora já presentes há muitos anos, sing primarily its effectiveness, demonstrating that it não havia a aplicabilidade, e somente em fevereiro de is an efficient way to combat injustice and reduce the 2015, foi lançado o projeto da audiência de custódia rate of prisoners awaiting trial. por iniciativa do, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal KEY WORDS: Custody Hearing. Legal Forecast. Inter- de Justiça do Estado de São Paulo, mas só passou a national treaties. vigorar no ano seguinte, em 01/02/2016, vindo a fazer parte do poder judiciário. 1 INTRODUÇÃO Embora ainda haja questionamentos sobre a cons- titucionalidade da resolução, não há que se falar em A audiência de custódia é um procedimento pelo qual inconstitucionalidade, pois há previsões em tratados o preso em flagrante delito é apresentado à autoridade internacionais que foram ratificados no Brasil e que competente sem demora, para que este possa analisar possuem força de lei. Quanto ao aspecto temporal, a legalidade e a necessidade de manutenção da prisão. o Código de Processo Penal estabelece um prazo de A referida audiência será realizada pelo juiz que é a apresentação de 24 (vinte e quatro) horas em seu art. autoridade competente para controlar a legalidade da 305, § 1o, e a resolução 213/2015 defende o mesmo prisão, e também na presença do promotor de justiça prazo estipulado pelo Código de Processo Penal. e do advogado dativo ou defensor publico. Recentemente o STF tem entendido que a audiência O preso é entrevistado pessoalmente pelo juiz, que de custódia deverá ser realizada também nos feriados, poderá relaxar a prisão em flagrante se tiver ocorrido em fins de semanas e nos recessos forenses, justamen- alguma irregularidade caso o autuado tenha sido sub- te para que haja uma rápida apresentação do preso ao metido a maus- -tratos durante o flagrante ou tortu- juiz. Por fim, a importância da audiência de custódia ras. Infelizmente, tal prática por policiais acaba sendo no ordenamento processual penal brasileiro é a possi- comum, e a audiência de custódia dá a oportunidade bilidade não de proteger o agente que pratica um ato para cessar esse tipo de irregularidade. Essa é uma das criminoso, e sim, de resguardar o direito do preso. Mais justificativas e importância da apresentação à autori- que isso, o direito de um ser humano e também de evi- dade competente sem demora. tar prisões desnecessárias. O juiz também poderá conceder liberdade provisória com ou sem fiança, converter a prisão em flagrante em 2 CONCEITO E ORIGEM DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA prisão preventiva, ou substituir a prisão em flagrante por outras medidas cautelares diversas da prisão. Vale Antes de falar sobre audiência de custódia ou audiên- ressaltar que prisão sempre será exceção. cia de apresentação, como também é conhecida dou- Desta forma, a audiência de custódia não é uma audi- trinariamente, é importante saber sobre sua origem. ência para produção de provas, muito pelo contrário, a Para uma melhor análise sobre o tema estudado, é pre- audiência de custódia, veio com o intuito de resguar- ciso ser feita uma breve definição sobre este instituto. dar, como o próprio nome ‘’custódia’’ denomina, os di- O termo ‘’custódia’’ expressa o ato de guardar, prote- reitos do preso. ger, e partindo deste conceito, é que podemos enten- A audiência de custódia tem amparo nos princípios der melhor a sua forma de aplicação e seu fundamento constitucionais do contraditório e da ampla defesa, legal (BADARÓ, 2016). haja vista que a possibilidade de o juiz estar frente a Segundo Carvalho (2014, p. 44), a audiência de custó- frente com o autuado dá margem para uma melhor dia trata-se da: REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 38ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA Condução do preso, sem demora, à presença que assegurem o seu comparecimento em juízo de uma autoridade judicial, e deverá, a partir (CADH, 1969). de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Ame- imediato da legalidade e da necessidade da ricana de Direitos Humanos) foi assinado em 22 de prisão, assim como apreciar questões relativas novembro de 1969. É um tratado celebrado entre os à pessoa do cidadão conduzido, notadamente países integrantes da Organização de Estados Ameri- a presença de maus-tratos ou tortura. Assim, canos (OEA), tendo entrado em vigência em 18 de ju- a audiência de custódia pode ser considerada lho de 1978. O intuito do pacto é estabelecer os direitos como uma relevantíssima hipótese de acesso à fundamentais da pessoa humana como direito à vida, à jurisdição penal. igualdade, à segurança, à liberdade, etc. Trata-se tam- bém das garantias judiciais, ou seja, países que o ratifi- Nesta mesma linha, Badaró denomina audiência de cam devem respeitar o devido processo legal e os seus custódia: proteção, guarda; ou ser ‘’conservado sob princípios. No Brasil, o Pacto de São José da Costa Rica segurança e vigilância, como medida de preservação, foi ratificado em 6 de novembro de 1992, pelo decreto prevenção ou proteção.’’ Na referida audiência, o juiz n° 678 (MELÃO, 2015, p. 4). zela, cuida, protege a liberdade do indivíduo (BADARÓ, Embora prevista como fundamento nos tratados ra- 2016, p. 1049). tificados no Brasil, em meados de 1992, somente foi Em outras palavras, a audiência de custódia é um ins- aderida a resolução após o CNJ (Conselho Nacional da trumento jurídico que visa assegurar ao autuado que Justiça) ter entrado com o projeto para garantir a tal todos os seus direitos constitucionais sejam respeita- resolução 213/2015, que só foi regulamentada após a dos. O autor supracitado afirma que: solicitação do projeto e passou a vigorar a partir do dia 01 de fevereiro de 2016 no poder judiciário (ZAMPIER, Embora a Constituição assegure uma série de 2015). garantias em relação à prisão cautelar, visando a garantir os direitos ao preso, não assegurou 3 CONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS SOBRE A o direito da pessoa presa de ser levada, sem AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA demora, perante a autoridade judiciária, para que esta verifique a legalidade ou ilegalidade de sua prisão (BADARÓ, 2016, p. 1049). Como vimos, a audiência de custódia é um direito A audiência de custódia está registrada em dois do- constitucional, por serem previstas algumas garan- cumentos internacionais importantes sobre direitos tias sobre os direitos do preso na Constituição Federal, humanos: a Convenção Americana de Direitos Huma- como dispõe Canineu (2013, Apud ARAÚJO, 2016, p. nos (CADH) e o Pacto Internacional de Direitos Civis 03): e Políticos (PIDCP). Ambas possuem eficácia jurídica supralegal no ordenamento jurídico brasileiro (MENE- quando é presa, uma pessoa tem o direito de CHINI, 2017). comparecer imediatamente perante um juiz. Nessa perspectiva, nota-se que foi em setembro Trata-se de um princípio fundamental e de longa de 2015 que o STF votou e aprovou a solicitação da data do direito internacional. Ele é crucial para ADPF/347, determinando aos juízes e tribunais a rea- garantir que a prisão, tratamento e permanência lização de audiência de custódia no prazo de 90 dias da pessoa em detenção ocorram dentro da lei. (MENECHINI, 2017, p. 5). De acordo com a Constituição Federal, art. 5°. § 3°, O seu fundamento encontra-se previsto em tratados aprovados no Congresso Nacional em cada casa, em internacionais ratificados no Brasil, que são o Pacto de dois turnos, por três quintos dos votos, as convenções Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de internacionais e tratados terão força de emenda cons- Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). titucional (BRASIL, 1988). Com efeito, o art. 7°, item 5, reza o seguinte: Por isso os tratados e convenções sobre direitos hu- manos gozam de status constitucional. Se tiverem Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser sido aprovados pelo mesmo rito estabelecido para as conduzida, sem demora, à presença de um juiz emendas constitucionais, estarão, portanto, no plano ou contra autoridade autorizada por lei a exercer hierárquico das demais normas constitucionais. No en- funções judiciais e tem o direito de ser julgada tanto, devem obedecer a toda a legislação infracons- em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que consiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 39ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA titucional superveniente, para não ocorrer a incons- § 1° Em até 24 (vinte e quatro) horas após a titucionalidade, podendo ser modificada se houver o realização da prisão, será encaminhado ao juiz procedimento legislativo rígido, conforme estabelece competente o auto de prisão em flagrante [...] o art. 60 § 4° da Constituição Federal. Em amparo está (BRASIL, 1941). o Pacto de Direito Civis e Políticos de Nova York, que frisa as mesmas condições: Nessa mesma esteira no que diz respeito ao aspecto temporal, Lima (2016, p. 1051) “entende que o termo Qualquer pessoa presa ou encarcerada em inicial de tal período é o momento em que a pessoa é virtude de infração penal deverá ser conduzida, presa e privada de sua liberdade”. De acordo com a ex- sem demora, à presença do juiz ou de outra pressão sem ‘’demora’’ que prevê a CADH. Em sentido autoridade habilitada por lei a exercer funções contrário, explica Melo que o prazo para a realização judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo da audiência de custódia é de 48 horas, contadas a razoável ou de ser posta em liberdade [...] partir da captura. (PIDCP, 1966). Como exposto anteriormente, esses tratados versam Tal prazo é fruto da soma dos dois lapsos sobre os direitos do preso. Vale ressaltar que, mesmo temporais citados, ou seja, o concedido à com previsões supralegais, o sistema jurídico ainda autoridade policial para comunicar a prisão e não tinha, até então, criado condições para que este encaminhar o APF (24 horas, a partir da captura) direito pudesse ser exercido. Apesar de esses tratados e o prazo fixado para a realização da audiência possuírem força de lei, superior às leis ordinárias, po- (24 horas, a partir do recebimento do APF pelo rém abaixo da Constituição Federal. juiz) (MELO, 2016, p. 151). Já se passaram décadas desde que o Brasil subscreveu referidos documentos jurídicos internacionais e pouco Outro ponto de vista subjetivo importante é quanto à se avançou na adoção de medidas efetivas de proteção autoridade que deverá exercer o controle da prisão. O dos direitos dos presos. O que se viu nesse período foi art. 7.5 estabelece que o preso deve ser apresentado a violação dos direitos humanos por parte do próprio ao juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer Estado Brasileiro. Exemplo disso é a superlotação car- funções judiciais. A expressão juiz não demanda dúvi- cerária, maus-tratos e torturas de presos, demora nos das sobre sua função, pois trata-se de autoridade judi- julgamentos e desrespeito aos direitos e garantias fun- ciária. Já quanto à expressão outra autoridade por lei a damentos da pessoa que está presa (COSTA; TURIEL exercer funções judiciais há divergências sobre quem 2015). seria essa outra autoridade (BADARÓ, 2016). Neste mesmo sentindo, a inobservância dessas garan- Nessa visão, não se tem admitido, segundo a CADH, tias, que é algo obrigatório por se tratar de garantias que seja a audiência realizada pelos membros do Mi- fundamentais, caracterizará um ilícito internacional nistério Público. Há posicionamentos que afirmam que praticado pelo Brasil (BADARÓ, 2015). Desta forma, será a autoridade policial, que é uma autoridade por lei não há dúvidas de que os tratados têm força de lei, e a exercer as funções judiciais (BADARÓ, 2016). que há constitucionalidade para a sua aplicação. A Constituição Federal em seu art. 5°, caput, LXII pre- vê que a comunicação seja feita ao juiz de direito, para 2.1 Aspecto temporal: audiência de custódia que este possa em situação de irregularidade relaxar a prisão, como estabelece o art. 5° LXV. Dessa forma, Uma das características da audiência de custódia é a Badaró entende que: prisão em flagrante. O Código de Processo Penal em seu art. 306 prevê que, ‘’após’’ a prisão, seja feito o Trata-se, pois, de exigência de controle por juiz encaminhamento do auto de prisão em flagrante para de direito e não por autoridade policial, como que o juiz competente analise a legalidade e a necessi- se fosse uma longa manus do poder judiciário. dade dessa prisão cautelar. Nesse sentindo, o art. 310 Além disso, os delegados de polícia não gozam do Código Penal estabelece que: das garantias de independência, imparcialidade e competência ou, no caso, atribuição, A prisão de qualquer pessoa e o local onde se estabelecida previamente por lei (BADARÓ, encontram serão comunicados imediatamente 2016, p. 1053). ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. Neste ponto de vista, o raciocínio é claro, tendo em vis- ta que somente o juiz poderá relaxar a prisão em fla- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 40ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA grante se for ilegal, cabendo somente ao magistrado a assegurar a legalidade (BADARÓ, 2016). Nesta mesma substituição da prisão em flagrante por medida caute- linha de pensamento Arantes (2015) explica que com a lar alternativa. presença do advogado, a situação do autuado poderá Embora esteja previsto em lei que o delegado de po- ser mais bem avaliada na audiência, e em uma possível lícia tem a possibilidade de conceder a fiança no caso ação penal, evitando assim que o sujeito seja coagido de liberdade provisória, ainda assim existe a restrição a falar algo que ele não queira no depoimento em sede no Código Penal sobre os tipos de crimes, sendo taxa- policial. Posteriormente, durante a apresentação do tivo em lei, nos crimes de no máximo 04 anos (BADA- indiciado, RÓ, 2016, p. 1053). Dessa forma, na visão de Barroso, pode-se concluir O juiz irá demonstrar os fatos sobre a prisão em que somente o juiz de direito pode ser considerado flagrante, onde, de que forma, por qual motivo para fins do art. 7.5 da CADH a autoridade titular para ela ocorreu, elencando também se o indiciado a realização da audiência de custódia. possui outros processos ou inquéritos em seu desfavor, depois ele concede a palavra ao 2.2 Aplicação e procedimento da denominada audi- indiciado para que ele possa dizer algo em sua ência de custódia defesa (ARANTES, 2015, p. 03). Sobre sua aplicação, Lima explica que a audiência de Durante a entrevista, deve ser ouvida também a acu- custódia já é uma prática de inúmeros países como sação e posteriormente o defensor. O juiz irá analisar o Peru, Argentina, Chile e Equador (LIMA, 2015, p. 927), caso concreto e os fatos que levaram o autuado a ser contudo, o objetivo da audiência de custódia não é preso em flagrante delito e, assim, decidir sobre o que apenas verificar a legalidade da prisão em flagrante, aplicar (BADARÓ, 2016). As providências que o magis- mas também conceder-se um relaxamento desta para trado deve tomar ao receber o auto de prisão em fla- evitar, assim, possíveis excessos decorrentes. grante delito se encontram previstas no artigo 310 do Algumas das principais finalidades da audiência de Código de Processo Penal. São elas: custódia são reveladas nas palavras Lima (2015, p. 927): [...] I- Relaxar a prisão ilegal ou; [..] Não apenas à averiguação da legalidade II- Converter a prisão em flagrante em da prisão em flagrante para fins de possível preventiva, quando presentes os requisitos relaxamento, coibindo, assim, eventuais constantes do art. 312 deste código, e se excessos tão comuns no Brasil como torturas e revelarem inadequadas ou insuficientes as ou maus-tratos, mas também o de conferir ao medidas cautelares diversas da prisão ou; juiz uma ferramenta mais eficaz para aferir a III- Conceder liberdade provisória, com ou sem necessidade da decretação da prisão preventiva fiança. (BRASIL, 1941). (ou temporária) ou a imposição isolada ou cumulativa das medidas cautelares diversas da Explica Capez (2012) sobre a conversão da prisão em prisão (CPP Art. 310 I,II e III), sem prejuízo de flagrante prevista no artigo 310 que: possível substituição da prisão preventiva pela domiciliar, se acaso presentes os pressupostos A previsão legal visa propiciar ao preso a garantia do art. 318 do CPP. de que o magistrado terá rápido acesso ao auto de prisão em flagrante, possibilitando, com isso, Quanto à forma procedimental da audiência de custó- o imediato relaxamento da prisão, se ilegal, tal dia, primeiro o juiz recebe o auto de prisão em flagran- como determina o artigo 5° LXV, da Constituição te, e o autuado é levado até a autoridade judiciária, Federal, impedindo, com isso, que o individuo sem demora, ou seja, para que com a apresentação o seja mantido no cárcere indevidamente (CAPEZ, juiz analise a legalidade da prisão. A presença do advo- 2012, p. 324, 325). gado e do representante do Ministério Público é indis- pensável (BADARÓ, 2016). Para o autor, “a finalidade do dispositivo é a de, nitida- Sobre a necessidade da presença do defensor na au- mente, proteger a pessoa presa de eventuais abusos diência de custódia, o autor ainda afirma que sua pre- na atuação dos agentes públicos encarregados da fun- sença é fundamental para respeitar os direitos do pre- ção persecutória” (CAPEZ, 2012). so, por exemplo, o de permanecer calado, bem como Neste mesmo sentido, ressalta que o magistrado, rece- bendo o auto de prisão em flagrante, terá duas opções: ou ele converte a prisão em flagrante em preventiva, REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 41ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA ou a pessoa autuada em flagrante deverá ser imedia- prisão, que também pode tornar a prisão ilegal como tamente colocada em liberdade. A prisão em flagrante o excesso de prazo, falta de comunicação à família do “mais se assemelha a uma detenção cautelar provisó- preso etc. Na falta desses requisitos, deve o juiz relaxar ria pelo prazo máximo de vinte e quatro horas, até que a prisão em flagrante, e em sua decisão determinar a a autoridade judicial no momento da audiência de cus- expedição de alvará de soltura, pois trata-se de uma tódia decida pela sua transformação em prisão preven- prisão ilegal. tiva ou não” (CAPEZ, 2012, p. 327). Neste sentido, a apresentação do preso ao juiz em 24 Recentemente foi acrescentada uma novidade quan- horas após a realização do flagrante terá o objetivo de to à realização das audiências de custódia. De acordo colher seus esclarecimentos e checar eventual viola- com o site Rota Jurídica, o Ministro do Supremo Tribu- ção em seus direitos fundamentais. Na ocasião, tam- nal de Justiça, Marco Aurélio de Melo, acatou o pedido bém deverá ser ouvido o Ministério Público que, caso da defensoria pública do Estado de Goiás concedendo entenda necessário, poderá requerer a prisão preventi- a liminar para que possam ser realizadas as audiências va ou outra medida cautelar alternativa à prisão. de custódia também nos feriados e em fins de sema- Partindo desta análise, pudemos observar durante o nas, e nos recessos forenses, o que antes não ocorria. estudo que a referida audiência de custódia já deve- Essa decisão levou em conta as grandes autuações de ria estar causando efeitos há muitos anos, pois já havia prisão em flagrante, sendo muitas dessas prisões re- previsão legal, porém ainda assim era questionada a vertidas em preventivas, porém, apenas nas segundas sua constitucionalidade, o que é algo inquestionável, ou terças-feiras, quando o preso é apresentado ao juiz pois os tratados internacionais ratificados no Brasil nas audiências de custódia. O que não pode acontecer, possuem força de lei. Mesmo assim, foi necessária a tendo em vista que o fundamento legal da audiência resolução para então fazer parte do cotidiano dos tri- de custódia com previsão nos tratados já determina o bunais. prazo máximo para o autuado ser apresentado ao juiz Por outro lado, tendo em vista a superlotação carcerá- em 24 horas. ria no Brasil, gerando um trabalho extenso aos juízes, a devida audiência de custódia traz a possibilidade de 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS o juiz, estando frente a frente com o autuado, poder analisar melhor o caso concreto, para que possa ser O artigo apresentado demonstrou a importância da aplicada uma medida cabível. Esse contato direto en- implantação da audiência de custódia no ordena- tre juiz e preso certamente permitirá um controle judi- mento jurídico brasileiro, partindo de sua legalidade e cial imediato, tornando-se um importante meio idôneo previsão normativa e analisando os tratados interna- para coibir prisões arbitrárias e ilegais. cionais ratificados no Brasil. É evidente a vantagem da Assim, a importância da audiência de custódia no or- realização da audiência de custódia, tendo em vista denamento processual penal brasileiro foi de fortalecer que as prisões ilegais feitas de maneira arbitrária ou o que já era previsto antes, cuidando de direitos funda- desnecessária podem ser cessadas no momento da mentais que deverão versar, exclusivamente, sobre a audiência de custódia. Além de respeitar as garantias legalidade e a necessidade de prisão e a prevenção da constitucionais, a realização de audiências de custó- ocorrência de tortura ou de maus-tratos sobre a prisão dia evita atos de tortura e tratamentos cruéis duran- do autuado em flagrante delito. E tem causado gran- te os interrogatórios policiais ou até mesmo a falta de des mudanças positivas no cenário judiciário, sendo observância no procedimento da lavratura do auto da atualmente realizada em todos os estados brasileiros. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 42ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Tulio. Audiência de custódia: O que é? Pra que serve?. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://tulioags.jus- brasil.com.br/artigos/405744296/audiencia-de-custodia-o-que-e-pra-que-serve. Acesso em: 4 abr. 2017. ARAÚJO, Bruna Conceição Ximenes de. A “audiência de custódia” na República Federativa do Brasil. Revista Jus Navi- gandi, ISSN 1518-4862, Teresina, n. 4979, 17 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55520. Acesso em: 3 jun. 2017. BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 4.ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidên- cia da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 2 abr. 2017. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em http://www.planalto. gov.br/ccivil03/constituiao/constituicaocom- pilado.htm. Acesso em 30 maio 2017. CADH. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José de Costa Rica, 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 2 maio 2016. CANINEU, Maria Laura. O direito à audiência de custódia de acordo com o direito internacional. In: Informativo Rede Justiça Criminal. 5 ed., nº 03, 2013. Disponível em: https://redejusticacriminal.files.wordpress.com/2013/07/rjc-bole- tim05-aud-custodia-2013.pdf. Acesso em: 17 abr. 2017. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed. rev. atual. ampl. Salvador: Jus Podium, 2015. CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição: princípios constitucionais do pro- cesso penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. COSTA, César Ramos da; TURIEL, Plínio de Freitas. A audiência de custódia como medida de proteção de direitos huma- nos, 2015. In: INSTITUTO PARAENSE DO DIREITO DE DEFESA (IPDD). Disponível em: http://www.ipdd.org.br/conteu- do_284_a-audiencia-de-custodia-como-medida-de-protecao-de-direitos-humanos.html. Acesso em: 30 maio 2017. DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 4. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, 1824 p. MELÃO, George. Audiência de custódia - o grande dilema. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://Georgemelao.jusbra- sil.com.br/artigos/187974889/audiencia-de-custodia-ogrande-dilema/amp. Acesso em: 3 abr. 2017. MELO, Raphael. Audiência no processo penal. Belo Horizonte: D´ Plácido, 2016, p 151. MENECHINI, Adriano. Audiência de custódia: previsão normativa e aplicabilidade no regime jurídico brasileiro. Jusbra- sil, 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57780/audiencia-de-custodia-previsao-normativa-e-aplicabilida- de-no-regime-juridico-brasileirolicabilidade-no-regime-juridico-brasileiro?ref=topic_feed. Acesso em: 4 abr. 2017. ZAMPIER, Deborah; MONTENEGRO, Manuel Carlos. Aprovada resolução que regulamenta as audiências de custódia. In: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Audiência de Custódia. 2015. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/ cnj/81192-aprovada-resolucao-que-regulamenta-as-audiencias-de-custodia. Acesso em: 4 abr. 2017. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 43ISSN: 2177 - 1472
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A TRIBUTAÇÃO DO SETOR DA RECICLAGEM SUSTAINABLE DEVELOPMENT AND TAXATION OF THE RECYCLING SECTOR Renata de Almeida Monteiro Pamela Ruy Corrêa RESUMO the area of recycling of solid waste. The following lines bring the constitutional foundations that support this O presente artigo trata da necessidade de promoção possibility and point out bills in that direction. do crescimento econômico amparado pela proteção ao meio ambiente e pela promoção social. É aborda- KEYWORDS: Sustainable development. Taxation. da a necessidade capitalista de crescimento e a visão atual para o crescimento econômico sustentável. São 1 INTRODUÇÃO trazidos fundamentos que demonstram a possibili- dade de utilização do direito tributário na busca pelo Os recursos naturais do planeta Terra são subsídios desenvolvimento sustentável, especialmente na área da matéria-prima utilizada na produção. Por meio da da reciclagem de resíduos sólidos. As linhas que se produção e do consumo, apoia-se a economia. Assim, seguem trazem os fundamentos constitucionais que quanto mais produção e consumo, maiores serão os ín- amparam esta possibilidade e apontam projetos de lei dices de desenvolvimento econômico. neste caminho. Não obstante a isso, há o meio ambiente, fonte que ali- menta este ciclo, disponibilizando a matéria-prima. Po- PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento sustentável. Tri- rém tem seus recursos escassos, desse modo, não é ca- butação. paz de se regenerar com a rapidez que seria necessária dada à demanda crescente de exploração. Ademais, há ABSTRACT os recursos não renováveis, que quando se esgotarem não poderão mais ser reconstituídos. Diante deste im- This article approaches the need to promote econo- passe, nasceu a concepção de desenvolvimento sus- mic growth supported by environmental protection tentável, entre cujos objetivos está buscar suprimento and social promotion. It addressed the need for ca- das necessidades da geração atual, sem comprometer pitalist growth and the current vision for sustainable as gerações futuras. Basicamente, busca garantir um economic growth. Fundamental issues are discussed planeta saudável às futuras gerações, pois se nada for to demonstrate the possibility of using the tax law in feito, provavelmente, não haverá recursos para suprir a the pursuit of sustainable development, especially in vida daqui a alguns anos. *Advogada e professora de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde – UniRV; mestre pela PUC Goiás em Direito e Relações Internacionais; especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; graduada pela Universidade de Rio Verde. *Advogada, graduada em Direito pela Universidade de Rio Verde - UniRV. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 44ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA Buscando meios de resguardar o planeta e seus re- ambiental o planeta chegou quase ao ponto de cursos, foram criadas muitas estratégias, entre elas, não retorno. Se fosse uma empresa estaria à ascender à ideia de governança global sob a ótica beira da falência, pois dilapida seu capital, que ambiental. Desse modo, tratam-se de orientações de são os recursos naturais, como se eles fossem como os países devem gerir seus recursos para que eternos. O poder de autopurificação do meio possam propagar o desenvolvimento sustentável. Nes- ambiente está chegando ao limite. se prisma, o Brasil assegurou, em sua própria Consti- tuição, que o meio ambiente saudável é um direito e Nesta análise, o homem, na busca de satisfazer suas uma garantia constitucional de todos os cidadãos. necessidades, que são ilimitadas, abusa da natureza Todavia, para que realmente se efetive este direito, é que, por sua vez, tem recursos limitados. Nessa equa- preciso criar instrumentos legais (infraconstitucionais) ção, o resultado é a disputa pela busca do crescimento hábeis a garantir a preservação do meio ambiente. econômico e, de outro lado, a preservação dos recur- O presente estudo abordará o uso da tributação ex- sos que visam garantir as futuras gerações. Nasce, as- trafiscal aplicada à preservação ambiental como me- sim, o conceito e a busca pelo desenvolvimento sus- canismo para a implementação do desenvolvimento tentável (MILARÉ, 2014). sustentável em diversas áreas econômicas, mas, so- O desenvolvimento sustentável busca condições de bretudo, na atividade da reciclagem. crescer econômica e socialmente com responsabili- dade, sem esgotar os recursos naturais e sem causar 2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A ORDEM impactos irreversíveis ao meio ambiente para que haja CONSTITUCIONAL BRASILEIRA desenvolvimento e garantia de um meio equilibrado para as futuras gerações (ANTUNES, 2010). A preocupação com o meio ambiente é tema que vem Para que no Brasil sejam criados mecanismos que sendo arduamente debatido hodiernamente, muito deem efetividade à preservação ambiental através de embora não tenha sido sempre assim. Acreditava-se políticas públicas que estimulem o desenvolvimento no meio ambiente como um sistema aberto, no qual a sustentável, faz-se necessária a análise da Constitui- exploração dos recursos naturais e a extração de ma- ção Federal de 1988 (CF/88). Sobre o assunto, Milaré térias- -primas seriam infinitas; não havia a preocupa- (2014, p. 169) destaca: ção com a escassez dos recursos advindos da nature- za, tampouco cuidado com a destinação dos dejetos O texto supremo captou com indisputável decorrentes da produção e do consumo (BRANDÃO, oportunidade o que está na alma nacional 2013). – a consciência de que é preciso aprender a O progresso econômico foi, segundo Araújo e Nunes conviver harmoniosamente com a natureza, - (2004, p. 427), “o principal incentivador da utilização traduzindo em vários dispositivos aquilo que irregular dos meios naturais”, o que confronta com a pode ser considerado um dos sistemas mais tutela ao meio ambiente. abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela Sobre o desenvolvimento econômico à custa da degra- do meio ambiente. A dimensão conferida ao dação do meio ambiente, Milaré (2014, p. 54) afirma: tema não se resume, a bem ver, aos dispositivos concentrados especialmente no capítulo IV do O processo de desenvolvimento dos países Título VIII, dirigido à Ordem Social – alcança da se realiza, basicamente, à custa dos recursos mesma forma inúmeros outros regramentos naturais vitais, provocando a deterioração das insertos ao longo do texto nos mais diversos condições ambientais em ritmo e escala ainda títulos e capítulos, decorrentes do conteúdo desconhecidos. A paisagem natural da Terra está multidisciplinar da matéria. cada vez mais ameaçada pelos riscos nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos e Quando a CF/88 garante a dignidade da pessoa huma- pela “chuva ácida”, pelas indústrias e pelo lixo na, evidencia-se que os cidadãos precisam viver em químico. Por conta disso, em todo o mundo – e o um ambiente saudável e adequado para o desenvolvi- Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático mento humano. se abaixa e se contamina, a água escasseia, a Junto a esse dispositivo, o art. 5º da CF/88 traz as ga- área florestal diminui, o clima sofre profundas rantias fundamentais, dentre as quais se destaca o di- e quiçá irreversíveis alterações, o ar se torna reito à vida. Para a garantia deste direito, é necessário irrespirável, o patrimônio genético se desgasta, preocupar-se, antes de tudo, com a preservação do abreviando os anos que o homem tem para meio ambiente, tornando viável o desenvolvimento viver sobre o planeta. Isto é, do ponto de vista das presentes e futuras gerações. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 45ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA Sobre a preservação ambiental em âmbito constitucio- Resta claro, portanto, que no país, as atividades nal, Antunes (2010, p. 63) leciona que: econômicas (executadas pelos particulares ou pelo Estado) não podem ser desenvolvidas A fruição de um meio ambiente saudável e livremente, mas estão adstritas aos princípios ecologicamente equilibrado foi erigida em constitucionais da ordem econômica, aos seus direito fundamental pela ordem constitucional objetivos e alicerces fundantes. vigente. Este fato, sem dúvida, pode se elevar Ademais, o ente estatal, mediante normas um notável campo para a construção de um de direito econômico, irá instituir variáveis sistema de garantias de qualidade de vida dos compulsórias ou facultativas que irão influenciar cidadãos e de desenvolvimento econômico que a tomada de decisão do agente econômico no se faça com respeito ao meio ambiente. exercício de sua liberdade de empreender. As normas são estipuladas para alinhar a dinâmica A base do Direito Ambiental na CF/88 está no art. 225 econômica aos objetivos constitucionais. e seus parágrafos. Neste artigo, estão consubstancia- das as diretrizes ambientais asseguradas pelo Estado: Evidente a força do Estado de intervir no domínio econômico, a fim de regular comportamentos sociais. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente Para melhor compreensão do conceito de domínio ecologicamente equilibrado, bem de uso comum econômico, são esclarecedoras as palavras de Schou- do povo e essencial à sadia qualidade de vida, eri (2005, p. 43): impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as Parcela da atividade econômica em que atuam presentes e futuras gerações. agentes do setor privado, sujeita a normas e regulação do setor público, com funções Neste entendimento, Brandão (2013, p. 43) defende de fiscalização, incentivo e planejamento, que: admitindo-se, excepcionalmente a atuação direta do setor público, desde que garantida a Ganha relevo a determinação contida no bojo ausência de privilégios. do artigo em referência de que cabe ao Estado e à sociedade promover a prevenção, controle, Conforme se nota, a preservação do meio ambiente é preservação, estímulo e reparo de danos um princípio da ordem econômica. Portanto, é obri- causados ao meio ambiente, a fim de que este gação do Estado garantir a aplicação desse princípio se mantenha para as gerações futuras. Tal por meio de leis que tenham o escopo de direcioná-la à imposição denota que ambos deverão abrir mão proteção ambiental, levando em consideração dois as- de parcela de seus direitos em prol da questão pectos: crescimento econômico e manutenção do am- ambiental. biente ecologicamente equilibrado (BRANDÃO, 2013). Neste contexto, Nusdeo (2001, p. 375) aponta que “o Na análise da ordem econômica no âmbito constitucio- importante é ter presente que o problema ecológico é nal, por sua vez, a CF/88 se preocupou com o Direito de natureza econômica e, portanto, o seu tratamen- Ambiental e trouxe em seu texto importante disposi- to somente se fará com êxito mediante a utilização de tivo em prol da sustentabilidade, aliando desenvolvi- instrumentos conaturais ao próprio sistema econômi- mento econômico com preservação ambiental, con- co”. forme previsão do art. 170, VI, da CF/88: Assim, se é possível a intervenção do Estado no cam- po econômico para garantir a preservação ambiental, Art. 170. A ordem econômica, fundada na o Direito Tributário encontra campo fértil para atuar no valorização do trabalho humano e na livre ordenamento econômico na defesa do meio ambiente iniciativa, tem por fim assegurar a todos (MODÉ, 2013). existência digna, conforme os ditames da justiça A intervenção do Estado no domínio econômico é per- social, observados os seguintes princípios: mitida com o escopo de “ajustar os comportamentos [...] econômicos, visando assegurar operacionalidade, de VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante forma harmoniosa e engrenada” (SCHOUERI, 2005, p. tratamento diferenciado conforme o impacto 69). ambiental dos produtos e serviços e de seus Diante disso, a intervenção é campo fértil para garantir processos de elaboração e prestação; a preservação ambiental através dos tributos. Como esclarece Modé (2013, p. 70): Em análise ao dispositivo constitucional, Brandão (2013, p. 45) afirma que: REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 46ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA A atuação do Estado no caso particular do meio aplicação de tributos ambientais é defensável, desde ambiente se dá de duas formas genericamente que se mostre eficaz na defesa do meio ambiente. Ela representadas pelos mecanismos de direção estimula os produtores a buscar meios limpos de pro- e de indução. Os mecanismos de direção dução, na tentativa de reduzir os custos do processo qualificam-se pela imposição de normas (BRANDÃO, 2013). permissivas ou proibitivas, basicamente No Brasil, ainda não foi constituído um sistema tribu- definidoras de instrumentos de comando e tário ambiental; os tributos extrafiscais, com caráter controle de emissões ou da limitação ao uso de de preservação do meio ambiente, são formulados por recursos, da fiscalização e aplicação de sanção leis esparsas, sem que haja uma parte no Direito Tribu- sobre os infratores e da imposição do dever de tário que se ocupe especificamente do tema. Isto se dá reparação do dano. A seu turno, através dos porque o CTN foi elaborado em 1966 em um contex- mecanismos de indução, o Estado manipula os to histórico diferente, quando a preocupação era com instrumentos de intervenção em consonância desenvolvimento econômico. Assim, o tributo com com as leis que regem o funcionamento dos cunho de preservação do meio ambiente deve ser im- mercados, induzindo os agentes econômicos a plementado através do mecanismo da extrafiscalidade determinados comportamentos que, na visão (BRANDÃO, 2013). do Estado, sejam desejáveis. Esses mecanismos, Desse modo, a concessão de benefícios fiscais volta- aqui referidos, encontram-se expressos no dos à preservação pode garantir maior eficácia à pro- art. 174 da Constituição Federal, ao lado do teção ambiental, como orienta Tôrres (2005, p. 110): planejamento que deve permear a atuação estatal em todos os níveis, não apenas em relação à atividade econômica. Portanto, a intervenção estatal e a preservação am- Para os fins preventivos ou mesmo corretivos, biental devem caminhar juntas. Sob este aspecto, vincular direitos a subvenções ou isenções, Modé (2013, p. 70) ainda acrescenta que “a interven- prescrevendo como condição a observância ção do Estado como ente ordenador da atividade eco- e o cumprimento da legislação ambiental, nômica em face da defesa do meio ambiente é, em afastando-se daqueles que causem danos suma, inafastável”. Nesta ótica, diante da intervenção ambientais, já poderia ser um modo de operar estatal na economia, o Direito Tributário mostra-se efi- a interação de competências pretendida em ciente para garantir a preservação do meio ambiente, favor do reclamo constitucional de preservação usando-se dos tributos como instrumento de indução. ambiental. Desse modo, o dever de proteção e vigilância sobre o meio ambiente poderia servir 3 A TRIBUTAÇÃO E O MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL como determinante negativo do exercício da competência, na função de motivo para justificar Os tributos são a principal fonte de arrecadação do política fiscal de desoneração tributária de Estado. A receita arrecadada financia as despesas pú- certas categorias. blicas, mas essa função arrecadatória não é a única desempenhada pelos tributos, pois estes podem ser Assim, dada a importância da intervenção estatal na manuseados pelo legislador para estimular ou desesti- ordem econômica sob a ótica ambiental, o uso do tri- mular comportamentos dos contribuintes. buto pode ser eficaz na indução do comportamento Dessa maneira, pode ser atribuído ao tributo um cará- ambientalmente desejado nas diversas áreas econô- ter extrafiscal, como afirma Oliveira (1999, p. 37): micas, tratando-se, assim, de fonte inesgotável. Por assim ser, a seguir, tratar-se-á da reciclagem e dos A tributação extrafiscal é aquela orientada para avanços fiscais rumo à extrafiscalidade e ao desenvol- fins outros que não a captação de dinheiro para vimento sustentável. o Erário, tais como a redistribuição da renda e da terra, a defesa da indústria nacional, a 4 RECICLAGEM, EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA E orientação dos investimentos para setores DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento Os tópicos antecedentes retrataram a preocupação regional ou setorial etc. com a preservação do meio ambiente e a função do tributo como instrumento capaz de interferir na con- Contudo, o Estado, ao utilizar os tributos com esco- duta do contribuinte para ações limpas e menos gra- po de preservação ambiental, deve ser cauteloso para vosas ao meio ambiente. respeitar preceitos constitucionais e tributários. A Cabe agora conhecer a atividade da reciclagem e as REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 47ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA ações do Estado e dos particulares que coloquem em Os resíduos e rejeitos são produzidos diariamente e prática o desenvolvimento sustentável através dos precisam ser destinados a locais adequados, mas ainda tributos. Assim, será avaliado o papel da reciclagem hoje, no Brasil, há muitos locais inapropriados de des- como mecanismo capaz de diminuir a poluição e tam- carte de lixo: os famigerados lixões. bém a extração de matéria-prima e analisar o uso dos Ante o impasse da grande produção de lixo e sua des- tributos como mecanismo de promoção do desenvol- tinação adequada no Brasil, a reciclagem mostra-se vimento sustentável nesse setor. como grande aliada ao desenvolvimento sustentável. Para que se compreenda a importância da reciclagem Nos termos do art. 3º, XVI, da Lei n. 12.305/2010, re- no Brasil e no mundo, é importante entender a dimen- ciclagem é: são da quantidade de lixo que é produzida atualmente. Neste intento, Milaré (2014, p. 1.176) cita trecho de no- Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: tícia veiculada no jornal O Estado de São Paulo, em 28 [...] de setembro de 2011, a qual alerta: XVI - Reciclagem: processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração De acordo com a versão do relatório O Estado de suas propriedades físicas, físico-químicas do Mundo, de 2010, publicado no World Water ou biológicas, com vistas à transformação em Institute, com versão brasileira divulgada pelo insumos ou novos produtos, observadas as Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, nos condições e os padrões estabelecidos pelos últimos 50 anos o consumo cresceu seis vezes, órgãos competentes do Sisnama e, se couber, ao mesmo tempo em que a população cresceu do SNVS e do Suasa. (BRASIL, 2010). apenas 2,2 vezes. Isto significa que nesse período o consumo por pessoa cresceu três Entre as medidas que possibilitam a criação de incen- vezes. tivos fiscais ao setor da reciclagem, destaca-se o art. 44 da Lei n. 12.305/2010 (Lei de Política Nacional de Reconhecendo a gravidade do problema e a necessi- Resíduos Sólidos): dade de destinação adequada do lixo, foi criada a Po- lítica Nacional de Resíduos Sólidos, através da Lei nº Art. 44. A União, os Estados, o Distrito Federal e 12.305/2010, que foi instituída com o intuito de com- os Municípios, no âmbito de suas competências, bater o manejo inadequado dos resíduos sólidos. poderão instituir normas com o objetivo de Entre as suas propostas, estão a prática de hábitos sus- conceder incentivos fiscais, financeiros ou tentáveis e aumento da viabilidade da reciclagem dos creditícios, respeitadas as limitações da Lei resíduos sólidos, ou seja, os materiais que podem ser Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 reutilizados como matérias-primas, bem como a desti- (Lei de Responsabilidade Fiscal), a: nação apropriada dos rejeitos. I - indústrias e entidades dedicadas à reutilização, Desse modo, deve-se distinguir o que são resíduos só- ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos lidos e rejeitos, a fim de se buscar uma correta desti- produzidos no território nacional; nação a eles. II - projetos relacionados à responsabilidade Machado (2014, p. 650) conceitua: pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas O resíduo sólido é o material, a substância, de associação de catadores de materiais o objeto ou o bem descartado resultante de reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas atividades humanas em sociedade, a cuja físicas de baixa renda; destinação final se procede, se propõe ou se III - empresas dedicadas à limpeza urbana e a está obrigado a proceder (parte do inciso XV do atividades a ela relacionadas. art. 3º). [...] No que tange ao dispositivo legal, Milaré (2014, p. O termo rejeito é entendido como o resíduo 1.211) ressalta que: sólido que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação A concessão de incentivos fiscais, financeiros por processos tecnológicos disponíveis e e creditícios, condicionados ao atendimento economicamente viáveis, não apresente dos objetivos previstos na PNRS, certamente outra possibilidade que não a disposição final contribuirá para a implementação dos demais ambientalmente adequada (art. 3º, XV). instrumentos previstos e, bem assim, para a gestão mais eficaz dos resíduos sólidos. Sobre a concessão de incentivos fiscais, o Decreto n. REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 48ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA 7.619, de 21 de novembro de 2011, deu um passo sig- punha emenda ao texto constitucional, acrescentando nificativo ao setor da reciclagem, concedendo incen- ao art. 153, § 3º da CF/88, o inciso V com a seguinte tivos às indústrias que adquirissem resíduos sólidos redação: “Art. 153. Compete à União instituir impostos para utilização como matéria-prima, conforme segue: sobre: [...] § 3º O imposto previsto no inciso IV: V - so- frerá uma redução na base de cálculo em índice igual à Art. 1. Os estabelecimentos industriais farão jus, porcentagem de material reciclado utilizado”. até 31 de dezembro de 2014, a crédito presumido O imposto a que o art. 153, § 3º, IV, CF/88 faz referên- do Imposto sobre Produtos Industrializados cia é o IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados). – IPI na aquisição de resíduos sólidos a serem Entre as justificativas apresentadas pelo projeto, me- utilizados como matérias-primas ou produtos rece destaque o seguinte trecho: intermediários na fabricação de seus produtos. Parágrafo único. Para efeitos deste Decreto, Com o intuito de trazer justiça ambiental ao resíduos sólidos são os materiais, substâncias, mandamento constitucional, estamos propondo objetos ou bens descartados resultantes de uma alteração no artigo 153, adotando-lhe de atividades humanas em sociedade. (BRASIL, dispositivo que irá proporcionar um incentivo 2011). ao setor produtivo nacional, no sentido de que o setor passe a dar preferência a matérias- A norma buscou encorajar as empresas no uso de ma- primas provenientes da reciclagem em téria-prima reciclada. Em notícia divulgada no sítio detrimento de matérias-primas virgens. Tal do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate medida está em consonância com os ditames à Fome, foram feitos apontamentos sobre o referido da Agenda 21, documento da ONU que intenta decreto (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL consolidar as atividades humanas com o meio E COMBATE À FOME, 2011): ambiente proporcionando um desenvolvimento sustentado, sendo este entendido como “aquele As empresas que adquirirem resíduos sólidos a que atende às necessidades do presente, serem usados como matéria-prima ou material sem comprometer as possibilidades de as intermediário na fabricação de seus produtos gerações futuras atenderem às suas próprias terão crédito presumido do Imposto sobre necessidades”. Para trilharmos o que nos Produtos Industrializados (IPI). O incentivo fiscal motivou a apresentar esta PEC, temos que foi anunciado pela ministra Tereza Campello na trazer à baila alguns conceitos de gestão noite de segunda-feira (21), na abertura do 10º ambiental e de gestão tributária ecológica, Festival e do Fórum Lixo e Cidadania, no Centro como os ensinamentos de Édson Pires, Mineiro de Referência em Resíduos, em Belo Procurador do Estado de Santa Catarina, em Horizonte (Minas Gerais). relação ao ICMS ecológico. Diz o promotor: A medida é válida até 31 de dezembro de 2014 “Economia e Ecologia historicamente sempre e foi regulamentada pelo Decreto n. 7.619, de foram representadas por linhas paralelas, não 21 de novembro de 2011, publicado no Diário apresentando ponto de intersecção. O Direito Oficial da União (DOU) desta terça-feira. O Ambiental, por sua vez, veio aproximar as crédito presumido permite o ressarcimento relações entre as ciências, passando a ser um das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins. ponto de convergência e disciplina, na busca do Os resíduos sólidos deverão ser adquiridos desenvolvimento sustentável” (CÂMARA DOS diretamente de cooperativas de catadores DEPUTADOS, 2005). de materiais recicláveis, constituídas por no mínimo 20 cooperados pessoas físicas, sendo Embora a proposta represente um grande marco rumo vedada, neste caso, a participação de pessoas ao desenvolvimento sustentável, em 31/01/2007, por jurídicas. força do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o projeto foi arquivado devido ao fim da Apesar de haver previsão na Lei n. 12.305/2010 sobre legislatura do Deputado Autor do projeto e somente a possibilidade de implantação de políticas que incen- poderia ser desarquivado por requerimento do pró- tivem a reciclagem, concedendo benefícios fiscais às prio autor dentro dos primeiros 180 dias da primeira indústrias do setor, somente tímidos avanços deram- sessão legislativa da legislatura subsequente, ou seja, -se neste sentido, como se denota pela PEC 386/2005 caso o deputado houvesse sido reeleito, o que não se e o Projeto de Lei n. 510/2009. deu neste caso. Após isto, houve a tentativa de outro Em 2005, foi enviada ao Congresso Nacional a Propos- deputado em desarquivar o projeto, contudo, sem êxi- ta de Emenda Constitucional n. 386/2005, de autoria to. do Deputado Federal Eustáquio Luciano Zica, que pro- Já o Projeto de Lei nº 510/2009, de autoria da Senado- REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 49ISSN: 2177 - 1472
REVISTA JURÍDICA ra Serys Slhessarenko, buscava conceder redução do setor metal mecânico; o PL nº 7127/14 estabelece cré- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) inciden- dito presumido do Imposto sobre Produtos Industriali- te sobre atividades de reciclagem, conforme se denota zados - IPI sobre a aquisição de desperdícios, resíduos das justificativas do projeto de lei a seguir transcritas: e aparas de plásticos PET – para tanto altera a Lei nº 12.375/2010; o PL 5646/13 visa instituir incentivo tri- Um efeito adicional da reciclagem é de butário relativo ao Imposto sobre Produtos Industria- caráter social: a geração de oportunidades lizados (IPI), com vistas à desoneração de máquinas e de ocupação e de emprego para grande equipamentos destinados ao processamento de resí- número de cidadãos que se encontram duos sólidos e altera a Lei 12.305/2010; o PL 635/15 alijados do mercado formal de trabalho. O cria benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Pro- contingente de catadores, principalmente dutos Industrializados (IPI), com o objetivo de desone- de papel, papelão e latas de alumínio, é tão rar a aquisição de máquinas e equipamentos destina- grande que levou a esforços, principalmente dos ao processamento de resíduos sólidos e incentivar por entidades não-governamentais, no a aquisição de resíduos sólidos utilizados como maté- sentido de assegurar a organização desses rias-primas ou produtos intermediários na fabricação trabalhadores em cooperativas. Em nosso país, de outros produtos e altera as Leis nº 12.305/2010 e todavia, o desenvolvimento da reciclagem, que 12.375/2010; o PL 6887/13 visa reduzir a zero as alí- normalmente envolve um segmento empresarial quotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins frágil, tem sido severamente limitado pela carga para produtos fabricados com a utilização de material tributária incidente sobre o setor. Daí o inegável reciclado; por fim, o PL 5885/16 visa alterar a legisla- mérito econômico e social da renúncia fiscal ção tributária para prever o cômputo em dobro das envolvida no presente projeto de lei (SENADO despesas com materiais reciclados e com produtos FEDERAL, 2009). economizadores de água e de energia elétrica, para efeito de apuração da base de cálculo do imposto de Apesar de também conter valioso incentivo fiscal à re- renda e altera as Leis nº 7.713/88 e 9.249/95 (CÂMARA ciclagem, o projeto também foi arquivado ao final da DOS DEPUTADOS, 2011). legislatura da senadora. No Senado, tramita também o Projeto nº 385/2012 Outro projeto de nível federal e igualmente relevante, que está em análise pela CMA (Comissão de Meio Am- atualmente em trâmite, é o Projeto de Lei nº 2101/2011. biente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Con- Ele está sob análise da Comissão de Finanças e Tribu- trole). Pelo projeto, os materiais recicláveis que terão tação da Câmara dos Deputados e prevê a concessão benefício são os resíduos de plástico, papel e papelão, de incentivo fiscal para o setor produtivo e para a ade- sendo que os dois últimos destinam-se à reutilização quação ambiental no processo de produção e descar- pelo setor de celulose. Nele ainda está previsto o cré- te. Apensado a ele, estão PL 2215/2011, PL 2355/2011 dito presumido do IPI (Imposto sobre Produtos Indus- (5), PL 2380/2011, PL 2909/2011 (1), PL 7127/2014, trializados), que poderá ser tomado pelas indústrias PL 5646/2013, PL 635/2015, PL 6887/2013; e PL ao trabalharem com materiais recicláveis em seu pro- 5885/2016 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011). cesso de produção e redução das alíquotas das contri- O PL 2215/11 autoriza o Poder Executivo a instituir buições para o PIS-Pasep e da Cofins, incidentes sobre incentivos fiscais destinados a estimular as pesso- a venda dos materiais recicláveis (SENADO FEDERAL, as jurídicas que exerçam atividade de controle am- 2012). biental de resíduos; o PL 2355/11 visa alterar a Lei nº Em nível municipal, o Município de Fortaleza, Estado 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e a do Ceará, concedeu desconto no IPTU para os proprie- Lei nº 9.605/1998, para estimular práticas ambientais tários que realizassem a separação do lixo domiciliar de reciclagem e outras destinações ambientalmente para viabilização da coleta seletiva (CAVALCANTE, adequadas para os resíduos sólidos; o PL 2380/11 dis- 2014). põe sobre incentivo fiscal para o setor produtivo, para O referido incentivo está presente na Lei Complemen- adequação ambiental em seu processo de produção tar n. 73, de Fortaleza, de 28 de dezembro de 2009, e descarte e garante às pessoas jurídicas que operem cujo art. 2º estabelece: “Será concedido desconto de os aterros sanitários a dedutibilidade com os gastos a 5% (cinco por cento) no valor do IPTU, nos casos de serem realizados com o fechamento e a manutenção imóveis que instituam separação de resíduos sólidos e dos aterros após seu esgotamento total ou parcial; o PL 2909/11 dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais para as indústrias do setor de reciclagem e do REVISTA JURÍDICA /Ano 07, Número 09, Julho/2019 Universidade de Rio Verde 50ISSN: 2177 - 1472
Search
Read the Text Version
- 1
- 2
- 3
- 4
- 5
- 6
- 7
- 8
- 9
- 10
- 11
- 12
- 13
- 14
- 15
- 16
- 17
- 18
- 19
- 20
- 21
- 22
- 23
- 24
- 25
- 26
- 27
- 28
- 29
- 30
- 31
- 32
- 33
- 34
- 35
- 36
- 37
- 38
- 39
- 40
- 41
- 42
- 43
- 44
- 45
- 46
- 47
- 48
- 49
- 50
- 51
- 52
- 53
- 54
- 55
- 56
- 57
- 58
- 59
- 60
- 61
- 62
- 63
- 64
- 65
- 66
- 67
- 68
- 69
- 70
- 71
- 72
- 73
- 74
- 75
- 76
- 77
- 78
- 79
- 80
- 81
- 82
- 83
- 84
- 85
- 86
- 87
- 88
- 89
- 90
- 91
- 92
- 93
- 94
- 95
- 96
- 97
- 98
- 99
- 100
- 101
- 102
- 103
- 104
- 105
- 106
- 107
- 108
- 109
- 110
- 111