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Rotina Criança 2018/2

Published by ghc, 2019-03-12 11:38:31

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Medicamentos: um olhar sobre o uso e a segurança na infância 11.1.1 USO DE MEDICAMENTOS CONTRACEPTIVOS DURANTE A AMAMENTAÇÃO Entre os contraceptivos disponíveis na Relação Municipal de Medicamentos de Porto Alegre (REMUME)5, os contraceptivos Etinilestradiol+levonorgestrel e Estradiol+noretisterona pertencem à categoria “Uso contraindicado durante a amamentação”1. O componente estrogênico (etinilestradiol e estradiol) está associado à diminuição da produção de leite materno1. Os contraceptivos compatíveis com a amamentação são a Noretisterona e o Acetato de medroxiprogesterona1, 4. 11.1.2 MEDICAMENTOS QUE PODEM ALTERAR O GOSTO DO LEITE MATERNO Uma situação que raramente determina o desmame, mas que pode dificultar a amamentação, é o uso de medicamentos que podem alterar o gosto do leite materno. Medicamentos com sabor desagradável podem alterar o gosto do leite materno e provocar “greve de amamentação” pelo lactente. A seguir estão citados alguns desses medicamentos: Aciclovir, Anlodipino, Azitromicina, Captopril, Ciprofloxacino, Claritromicina, Clindamicina, Cloranfenicol, Doxiciclina, Enalapril, Eritromicina, Hidroclorotiazida, Imipramina, Metronidazol, Penicilinas, Prednisolona, Propranolol, Sulfametoxazol+Trimetoprima4. 11.2 MEDICAMENTOS E CRIANÇAS: È POSSÍVEL PREVENIR INGESTÃO ACIDENTAL? No Brasil, como na maioria dos países, os medicamentos se apresentam como o principal agente tóxico, respondendo por, aproximadamente, 28% dos casos de intoxicação humana registrados pelo SINITOX/CICT/FIOCRUZ/MS anualmente. Os benzodiazepínicos, antigripais, antidepressivos, anti- inflamatórios são as classes de medicamentos que mais causam intoxicação em nosso país6. As lesões não intencionais podem ser evitadas levando em consideração o desenvolvimento da criança e à medida que se proporcionam orientações adequadas aos pais e cuidadores, insistindo na importância da prevenção Os riscos atribuíveis para envenenamento pediátrico descritos no estudo de Ramos (2010) indicaram que a eliminação de outros fatores, como distração ou armazenamento abaixo de 150 cm de altura, acarretariam a prevenção de 13 e 19% de eventos tóxicos na infância, respectivamente7. Sendo assim, é possível pensar em reduzir significativamente os acidentes com medicamentos em crianças se algumas medidas preventivas forem adotadas. A. Medidas PreventivasA: • Mantenha todos os produtos tóxicos em local seguro e trancado, fora do alcance das mãos e dos olhos das crianças, de modo a não despertar sua curiosidade; • Os medicamentos são ingeridos por crianças que os encontram em local de fácil acesso, deixados pelo adulto; • Procure armazenar todos os produtos tóxicos em locais com altura superior a 150cm; • Nunca deixe de ler o rótulo ou a bula antes de usar qualquer medicamento; • Evite tomar medicamento na frente de crianças (tendência natural de imitar); • Não dê medicamento no escuro para que não haja trocas perigosas; • Não utilize medicamentos sem orientação médica; • Mantenha os medicamentos nas embalagens originais; A Adaptado de BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Osvaldo Cruz6. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 145

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos • Cuidado com medicamentos de uso infantil e de adulto com embalagens muito parecidas; erros de identificação podem causar intoxicações graves e, às vezes, fatais. • Nunca use medicamentos com prazo de validade vencida; • Descarte medicamentos vencidos no posto de coleta mais próximo da sua residência/trabalho; não guarde sobras de medicamentos; • É importante que a criança aprenda que medicamento não é bala, doce ou refresco; quando sozinha, ela poderá ingeri-lo e • Pílulas coloridas, embalagens e garrafas bonitas, brilhantes e atraentes, odor e sabor adocicados despertam a atenção e a curiosidade natural das crianças; não estimule essa curiosidade; mantenha medicamentos e produtos domésticos trancados e fora do alcance das crianças. Em caso de dúvida, ligue para o Centro de Informações Toxicológicas (CIT) de sua região. No Rio Grande do Sul, o telefone do CIT é 0800 721 3000. 11.3 CUIDADOS COM OS MEDICAMENTOS 11.3.1 VALIDADE DAS SUSPENSÕES E SOLUÇÕES ORAIS Estabilidade é definida como a capacidade de um produto manter as mesmas propriedades químicas, físicas, microbiológicas e biofarmacêuticas dentro dos limites especificados durante todo o seu prazo de validade8. O prazo de validade deverá ser indicado nas embalagens primáriasB e secundáriasC. Quando indicar mês e ano, entende-se como vencimento do prazo, o último dia do mês9. Ao abrir a embalagem do medicamento para uso (embalagem primária), este adquire a característica de um medicamento extemporâneoD. Isso é devido ao fato de que as condições de exposição, manuseio, utilização e de armazenamento, pelo usuário, podem envolver fatores de risco que não foram avaliados previamente nos estudos de estabilidade. Por isso, após a abertura, o medicamento passará a ter uma data limite para uso, ou prazo de uso, que poderá variar de horas, dias a meses, dependendo do fármaco, dos componentes da formulação, do tipo de forma farmacêutica (se sólida, líquida ou semissólida), do processo de manipulação, da embalagem, das condições ambientais e de armazenamento, entre outros. Por essas razões, não é possível generalizar uma data limite de uso para todos os produtos10. É importante seguir sempre as recomendações do fabricante quanto à natureza e estabilidade dos ingredientes de uma determinada formulação, bem como o prazo de uso após a violação da embalagem primária10. Muitas das matérias-primas dos antibióticos são instáveis quando mantidas em solução por tempo considerável; por isso, do ponto de vista da estabilidade, os fabricantes dão preferência às formas insolúveis das substâncias ativas em suspensão aquosa ou na forma de pó para reconstituição. Quando reconstituídas algumas suspensões requerem armazenamento sob refrigeração (2 a 8ºC)8 B Embalagem primária é a que está em contato direto com seu conteúdo durante todo o tempo. Considera-se material de embalagem primária: ampola, bisnaga, envelope, estojo, flaconete, frasco de vidro ou de plástico, frasco-ampola, cartucho, lata, pote, saco de papel e outros9. C Embalagem secundária é a que possibilita total proteção do material de acondicionamento nas condições usuais de transporte, armazenagem e distribuição. Considera-se embalagem secundária: caixas de papelão, cartuchos de cartolina, madeira ou material plástico ou estojo de cartolina, dentre outros9. D Medicamento extemporâneo - produto farmacêutico que contém substâncias que são instáveis quando mantidas por muito tempo em presença do veículo e são reconstituídas no momento da administração. Podem ser especialidades farmacêuticas ou preparações magistrais. 146 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Medicamentos: um olhar sobre o uso e a segurança na infância No Quadro 1 estão listados os prazos de uso após reconstituição ou abertura da embalagem primária, a temperatura adequada de armazenamento e o fabricante dos medicamentos líquidos disponíveis na REMUME de Porto Alegre5 . Quadro 1 - Prazo de uso* e condições de armazenamento dos medicamentos após reconstituição e abertura da embalagem primária. Medicamento Temperatura ambiente Sob Fabricante (15 a 30°c) refrigeração Amoxicilina 50 mg/mL susp oral 7 dias União Química Amoxicilina + Clavulanato (2 a 8°c) Teuto ( 50 mg + 12,5 mg ) / mL susp oral 14 dias 14 dias Biosintetica, EMS, Eurofarma, Azitromicina 40mg/mL susp oral - 14 dias Germed, Medley, Prati-Donaduzzi Carbamazepina 20 mg/mL susp oral Brasterápica, EMS, Eurofarma, 5 dias - Germed, Nova Química, Prati Cefalexina 50 mg/mL susp oral 7 dias Donaduzzi, Sandoz Máximo 25% do tempo Cellera Farmacêutica, EMS, remanescente constante - Eurofarma, Prati donaduzzi na embalagem original Medley, Novartis (Tegretol®), União Não informado pela bula - Química, Sanval o prazo de uso após - Eurofarma, Medley abertura do frasco 14 dias Neo química - 7 dias EMS, Legrand, Teuto, União Química - Cefuroxima 50 mg/mL susp oral - 10 dias Ranbaxy Dexclorfeniramina 0,4 mg/mL sol oral Máximo 25% do tempo - EMS, Germed,Geolab, Hipolabor, Eritromicina (Estolato) 50mg/mL susp remanescente constante Medley Prati Donaduzzi, Fenoterol 5mg/mL sol p/ nebulização na embalagem original Ipratrópio (brometo) 0,250mg/mL sol Máximo 25% do tempo - Prati-Donaduzzi p/ nebulização remanescente constante - Hipolabor, Prati Donaduzzi, Teuto na embalagem original Máximo 25% do tempo - Pharlab, União Química remanescente constante na embalagem original Máximo 25% do tempo remanescente constante na embalagem original Metronidazol 40 mg/mL susp oral Máximo 25% do tempo - Neo Química, Prati-donaduzzi Nistatina 100.000 UI/mL susp oral remanescente constante Prednisolona 3 mg/mL sol oral na embalagem original - EMS, Legrand, Prati Donaduzzi, Máximo 25% do tempo Sanval, Teuto remanescente constante na embalagem original - Biosintética,CIMED, EMS,Germed, Máximo 25% do tempo Globo, Prati Donaduzzi remanescente constante na embalagem original Sulfametoxazol + Trimetoprima Máximo 25% do tempo - FURP, Vitamedic ( 40 mg + 8 mg ) / mL susp oral remanescente constante na embalagem original * Prazo de uso (validade do medicamento após abertura da embalagem primária) Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária11 . 11.3.2 CUIDADOS NA ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS 11.3.2.1 Administração de medicamentos líquidos orais: número de gotas/mL O volume de uma gota varia com a densidade e viscosidade do líquido, com o orifício do gotejador e com o ângulo no qual se goteja. A produção da forma farmacêutica “gotas” é um processo de difícil uniformização12. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 147

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Portanto, apesar da posologia em gotas indicada nas bulas ser a mesma, a correspondência das dosagens (miligramas) pode diferir entre as marcas devido à inexistência de padronização dos gotejadores no mercado brasileiro13-15. Estudos realizados, com o objetivo de verificar se diferentes marcas de medicamentos conta- gotas apresentavam a mesma concentração do fármaco por gota, constataram que a maioria das amostras apresentava uma dosagem menor quando comparado com o medicamento de referência, resultando numa subdose. Todos apontaram para a necessidade de padronização dos gotejadores13-15. No Quadro 2, estão descritos o número de gotas/mL informado nas bulas dos medicamentos líquidos disponíveis na REMUME5. Para o mesmo medicamento, o número de gotas por mL pode variar de acordo com o fabricante. O sulfato ferroso é o medicamento que apresenta maior variação de número de gotas por mL entre os fabricantes pesquisados. Quadro 2 - Número de gotas/mL por medicamento Medicamento nº gotas/ mL mg/gota Fabricante Clorpromazina 40mg/mL 40 1 Cristália (Longactil®), Sanofi-Aventis Dipirona 500mg/mL (Amplictil®) Fenobarbital 40mg/mL 20 25 Boehringer Ingelheim (Anador), Farmace, Fenoterol 5mg/mL Geolab, Medley, Prati donaduzzi, Sanofi aventis (Novalgina®),Teuto. 40 1 Sanofi-Aventis(Gardenal®), Hipolabor, União Química. 20 0,25 Hipolabor, Prati Donaduzzi, Teuto. Haloperidol 2mg/mL 20 0,1 Janssen-Cilag (Haldol®), Prati donaduzzi, Ibuprofeno 50mg/mL União Química. Ipratrópio 0,250mg/mL 10 5 Medley, Sanofi aventis, Biosintetica-Ache, Multilab, Teuto. 20 0,0125 Hipolabor, Pharlab, União Química. Metoclopramida 4mg/mL 21 0,2 Mariol, Hipolabor, Teuto. Paracetamol 200mg/mL 15 13,3 Biosintética- Ache, Merck, Medley. Sulfato ferroso 25mg/mL 14-16 14,2-12,5 Farmace, Janssen-Cilag (Tylenol®), Neo 25 1 Química. Osório de Moraes (Lomfer®) 38 0,657 Hipolabor (Fersil®) 20 1,25 Natulab (Masferol®) Vitamina A 3.000UI + D 800UI/mL 20 150 UI + 40 UI Sanval (Vitadesan®) Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária11 . REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Amamentação e uso de medicamentos e outras substâncias. 2. ed. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2010. 2. OSTREA JUNIOR, E. M.; MANTARING, J. B.; SILVESTRE, M. A. Drugs that affect the fetus and newborn infant via the placenta or breast milk. Pediatric Clinics of North America, Philadelphia, v. 51, n. 3, p. 539-579, jun. 2004. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Formulário Terapêutico Nacional 2010: Rename 2010. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2010. 4. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Uso de medicamentos e outras substâncias pela mulher durante a amamentação. Documento científico, Rio de Janeiro, n. 4, p. 1-19, ago. 2017. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Aleitamento_- __Uso_Medicam_durante_Amament.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2018. 148 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Medicamentos: um olhar sobre o uso e a segurança na infância 5. PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Saúde. Relação Municipal de Medicamentos Essenciais: REMUME. Porto Alegre: SMS, 2012. Disponível em: <http://issuu.com/smspoa/docs/remume?e=4652169/2607816>. Acesso em: 24 set. 2018. 6. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Osvaldo Cruz. Série prevenindo intoxicações. Rio de Janeiro: Fiocruz, [s.d.]. 7. RAMOS, C. L. J. et al. Fatores de risco que contribuem para o envenenamento pediátrico. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 86, n. 5, out. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021- 75572010000500014&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 24 set. 2018. 8. ANSEL, H. C.; POPOVICH, N. G.; ALLEN J. R. L. V. Formas farmacêuticas & sistemas de liberação de fármacos. 6. ed. São Paulo: Premier, 2000. 9. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira. 2. ed. Brasília, DF: ANVISA, 2012. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/farmacopeiabrasileira/arquivos/2012/FNFB%202_Revisao_2_COF AR_setembro_2012_atual.pdf>. Acesso em: 1 out. 2018. 10. CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. Data limite de uso dos medicamentos após violação da embalagem primária. 2012. Disponível em: <http://www.cff.org.br/pagina.php?id=624>. Acesso em: 9 ago. 2018. 11. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. Brasília, DF: ANVISA, 2018. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/bulario-eletronico1>. Acesso em: 15 maio 2018. 12. JOAQUÍN, R. B.; GAMO, M. J. O. Manual para la correcta redaccíon de la prescripción médica. La Revista O.F.I.L., v. 9, 2ª época, n. 4, p. 23-29, 1999. 13. SAKAI, M. C.; HEIDEIER, C.; SOUSA, A. B. Avaliação dos gotejadores de diferentes marcas de paracetamol gotas comercializados no mercado brasileiro. Infarma, Brasília, DF, v.16, n. 3-4, 2004. Disponível em: <http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/80/infarma1.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2018. 14. ALCANTARA, G. K. S.; VIRTUOSO, S.; OLIVEIRA, S. M. M. de. Avaliação dos frascos conta-gotas de diferentes marcas de diclofenaco resinato comercializados no mercado brasileiro. Visão Acadêmica, Curitiba, v. 8, n. 2, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/academica/article/viewFile/11670/8226>. Acesso em: 23 ago. 2018. 15. SUKIENNIK, R. et al. Antitérmicos na emergência pediátrica: estamos usando a dosagem adequada? Pediatria, São Paulo, v. 28, n. 3, 2006, p.175-83. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/237767721_Antitermicos_na_emergencia_pediatrica_esta mos_usando_a_dosagem_adequada_Antipyretics_in_pediatric_emergency_are_we_using_adjusted _doses_Antitermicos_en_la_emergencia_pediatrica_estamos_usando_las_dosi>. Acesso em: 23 ago. 2018. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 149



Atenção à saúde bucal na infância 12 ATENÇÃO À SAÚDE BUCAL NA INFÂNCIA Daniel Demetrio Faustino Silva Mariana Loch dos Reis Beatriz Carriconde Colvara Rafaela Soares Rech “Na gravidez me chamaram para consultar com o dentista, daí entendi a importância de cuidar dos dentes do meu filho desde bebê” Giovana, 24 anos, mãe de Rafaela, 4 anos e João Pedro, 9 meses. Moradora do território da US Sesc. “Quando a gente era criança não tinha isso de ir no dentista desde cedo e cuidar dos dentes de leite. Hoje em dia é bem diferente, a gente traz a criança antes de ter cárie e dor. Meus filhos adoram ir no dentista do posto, nem choram!” Bárbara, 33 anos, mãe de Pablo, 9 anos, Martina, 6 e Maria Eduarda, 2 anos. Moradora do território da US Floresta. A educação, motivação e envolvimento de todo o núcleo familiar são importantes para a saúde bucal da criança, especialmente nos primeiros anos de vida.1 Os pais têm papel fundamental na promoção da saúde bucal dos seus filhos e a incorporação de hábitos saudáveis na infância promove não só a prevenção das doenças bucais, mas também a melhor qualidade de vida para todos.2 A cárie dental é o agravo mais comum da infância,3 e por isso necessita de intervenções e abordagens precoces em nível individual e coletivo. As conseqüências da cárie podem ser observadas na saúde como um todo, sendo estas relacionadas à presença de dor e infecção, comprometendo o desenvolvimento físico da criança.4 No entanto, medidas factíveis como controle da ingestão de açúcar e higiene bucal com uso de dentifrício fluoretado, podem preveni-la. A informação para as mães acerca da importância dos hábitos e comportamentos relacionados aos cuidados básicos de saúde bucal dos seus filhos tende a resultar em uma redução da cárie dentária.5 O aparecimento da cárie em crianças de baixa idade está, em geral, diretamente relacionado à desinformação materna.6 Faustino-Silva et al7 avaliaram as percepções e conhecimentos de pais ou responsáveis por crianças usuárias de unidades básicas de saúde no município de Porto Alegre-RS sobre os cuidados Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 151

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos com a saúde bucal na primeira infância. Os resultados mostraram que com relação à idade ideal para a primeira consulta com o dentista, apenas 35% relataram que ela deveria acontecer entre um e três anos. E no que se refere aos hábitos alimentares, a sacarose deveria ser introduzida na dieta já no primeiro ano de vida para 69% dos entrevistados. Sobre higiene bucal, 57% deles consideravam que a criança teria capacidade e habilidade de realizar sua escovação dentária sozinha entre 1 e 3 anos de idade. Com isso os autores concluíram que ações educativas voltadas à primeira infância devem ser priorizadas na atenção primária à saúde, de forma a incluir os responsáveis pelas crianças, uma vez que a família tem grande impacto no desenvolvimento de hábitos de saúde bucal da criança.7 Recomenda-se que a primeira consulta odontológica do bebê seja por volta dos 6 meses de idade, e não mais tarde do que 6 meses após a erupção do primeiro dente, ou seja no primeiro ano de vida. Esse primeiro contato com o dentista deve contemplar orientações sobre o desenvolvimento orofacial da criança, cronologia de erupção dentária, sinais e sintomas recorrentes, hábitos de sucção não nutritivos, estímulo ao aleitamento materno e alimentação saudável, não podendo esquecer das instruções sobre higiene bucal, uso de dentifrício fluoretado e prevenção dos traumatismos dentais.8 A Política Nacional de Saúde Bucal preconiza que o acesso à saúde bucal das crianças de 0 a 5 anos deve-se dar por volta dos 6 meses, aproveitando as campanhas de vacinação, consultas clínicas e atividades em espaços sociais ou em grupo de pais. Além disso, recomenda que as ações em saúde bucal sejam parte de programas integrais da criança, compartilhados com a equipe multiprofissional e não desenvolvida isoladamente pelo dentista.1 Essas recomendações foram ratificadas no mais recente livro sobre a saúde bucal no Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde, onde o acesso a saúde bucal da criança deve ser priorizado e garantido pelas equipes de modo a aproveitar todas as oportunidades e espaços de cuidado possíveis: puericultura, vacinação, consultas com outros profissionais, demanda espontânea e ações nas escolas e creches.9 Após a primeira consulta, a equipe de saúde bucal (ESB) fará uma programação de visitas periódicas ao dentista, em função de seu perfil de risco e características familiares, com frequência mínima anual. As crianças que merecem um olhar mais vigilante da ESB são:10-22 • as de baixa renda familiar; • cujas mães têm baixa escolaridade, são jovens e com sintomas depressivos; • irmãos com histórico de cárie, • presença de defeitos de esmalte dentário; • acúmulo de placa bacteriana nos dentes anteriores e higiene bucal ausente ou deficiente e • aleitamento materno ou mamadeira por mais de 12 meses associados a uma alimentação contendo sacarose das diversas formas.. 12.1 VIGILÂNCIA EM SAÚDE BUCAL: AÇÃO PROGRAMÁTICA DA CRIANÇA A primeira infância é o período ideal para introduzir bons hábitos e iniciar um programa educativo/preventivo de saúde bucal,1 mas é importante contar com a participação ativa da família, sobretudo porque pais ou responsáveis por crianças costumam apresentar inadequados conhecimentos sobre os cuidados com a saúde bucal nessa fase da vida. Muitos estudos23-26 apontam os benefícios do acesso precoce da criança à saúde bucal e por isso que o Ministério da Saúde vai ao encontro das recomendações de organismos internacionais como a Academia Americana de Odontopediatria e 152 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância Academia Americana de Saúde Pública que preconizam a primeira consulta odontológica no primeiro ano de vida da criança.8,27,28 Devido a essa fundamental priorização de ações educativas voltadas ao público infantil na Atenção Primária à Saúde, o SSC implantou uma rotina de saúde bucal dentro da Ação Programática da Criança com o intuito de que todas as crianças nascidas nos territórios de abrangências das unidades de saúde recebam pelo menos uma consulta odontológica no primeiro, segundo e terceiro ano de vida. No ano de 2010 passou a fazer parte dos indicadores monitorados pelo SSC e estabelecida como uma de suas metas. Schwendler, Faustino-Silva e Rocha (2017)29 avaliaram o cumprimento das metas de saúde bucal da Ação Programática da Criança das 12 US do SSC-GHC, através de um estudo analítico transversal sobre a cobertura das consultas odontológicas anuais na primeira infância. Foram incluídas no estudo 660 crianças nascidas em 2010. Em relação à cobertura das consultas odontológicas a cada ano de vida da criança, as unidades de saúde não atingiram as metas estabelecidas de 100%. A maior parte das crianças (35%) realizou sua primeira consulta no primeiro ano de vida e 78% delas tiveram ao menos uma consulta até os 4 anos. Em relação ao número total de consultas, apenas 8% realizaram as quatro preconizadas. Houve correlação positiva entre a razão da população total e de crianças de 0-4 anos da área adscrita com o número de profissionais da odontologia e a cobertura no primeiro ano de vida de cada US. Apesar de poucas crianças terem o acompanhamento adequado em relação à meta estabelecida, os percentuais de cobertura foram superiores aos encontrados na literatura, demonstrando que Ações Programáticas integradas são importantes estratégias de ampliação do acesso à saúde na primeira infância. Além disso, parece ser necessário ter uma relação compatível entre o tamanho da população de usuários na área adscrita e o número de profissionais de saúde bucal, facilitando o trabalho de vigilância e a redução de desigualdades, sobretudo no acesso. No intuito de analisar as percepções e as estratégias que influenciam no cumprimento das metas de consulta odontológica na Ação Programática da Criança, na visão da equipe de saúde bucal do SSC- GHC, Schwendler et al. (2016)30 realizaram uma pesquisa qualitativa. Os resultados sugerem a utilização de estratégias para o alcance das metas da Ação Programática de Saúde Bucal, tais como a utilização de agenda livre, grupos de educação e saúde, dias em que as famílias frequentam a unidade de saúde por causa do Programa Bolsa Família, dias de campanhas de vacinação e visitas domiciliares. Os dados mostram também, para o alcance das metas, o trabalho realizado junto à equipe multiprofissional e a formação de vínculo, permitindo maior interação com os usuários da Unidade de Saúde, além do conhecimento das histórias de vida da população e da comunidade. Revelam-se, como desafios, maior compreensão da proposta pelas equipes de saúde, para que as ações se dêem de forma horizontal, bem como maior dificuldade de presença nas consultas das crianças em que as mães trabalham. A utilização dessas estratégias tende a auxiliar e influenciar na manutenção e implantação de políticas públicas voltadas para atendimento odontológico em idade precoce, bem como reorientar as práticas de saúde, de modo que contribuam para o fortalecimento das coletividades. Portanto, os resultados são positivos e devem encorajar as ESB a realizar as consultas odontológicas na infância integradas às suas equipes de saúde. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 153

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Nessas consultas, são avaliadas as condições de saúde bucal das crianças e fornecidas orientações às mães, pais ou cuidadores para que possam realizar o adequado cuidado bucal da criança de acordo com a fase/idade. As consultas odontológicas da Ação Programática podem ser realizadas da seguinte forma: • individual, onde o profissional da ESB (Cirurgião-Dentista ou Técnico em Saúde Bucal-TSB), juntamente com a criança e seu cuidador realiza o exame bucal e fornece as devidas orientações; • interconsulta ou consulta conjunta, onde na consulta de rotina da criança com profissional médico, enfermeiro ou outro, o dentista ou TSB participa para fazer as orientações e cuidados bucais no mesmo espaço físico e ao mesmo tempo; • coletiva, o dentista em conjunto com os profissionais de diferentes núcleos (medicina, enfermagem, nutrição, psicologia, dentre outros) nas consultas coletivas de puericultura ou em grupos de crianças fornecem orientações de saúde bucal infantil e • visitas domiciliares, em situações de busca ativa da criança ou quando os pais ou cuidadores não têm disponibilidade de ir até a unidade de saúde. As principais orientações em saúde bucal e alimentação na primeira infância podem ser encontradas em um guia para os profissionais e pais em forma de cartilha, disponíveis nas US do SSC. 12.2 AÇÕES COLETIVAS EM SAÚDE BUCAL INFANTIL A avaliação e promoção de saúde bucal é ação essencial que integra o Programa Saúde na Escola (política do Ministério da Saúde voltada à saúde dos escolares). Duas são as principais ações de saúde bucal realizadas: avaliação da saúde bucal dos escolares (realizada uma vez ao ano, onde são avaliadas condições dentárias, alimentação, violência e comorbidades) e escovação dental supervisionada (realizada em conjunto com a Escola e a equipe de saúde, tendo por objetivo aprimorar as habilidades dos educandos no uso da escova para desorganizar o biofilme dental, bem como educação e promoção da saúde).31 12.3 ENTREVISTA MOTIVACIONAL NAS ORIENTAÇÕES DE CUIDADO BUCAL NA INFÂNCIA A Entrevista Motivacional é um método de comunicação diretivo, centrado na pessoa, cujo objetivo é aumentar a motivação intrínseca para a mudança pela exploração e resolução da ambivalência do paciente. Ao lançar mão desta abordagem o profissional ajuda os pacientes a se sentirem envolvidos no controle de sua saúde e autocuidado. O uso da EM é especialmente interessante para os profissionais da área da saúde que atendem pessoas que necessitam aumentar a adesão ao plano de tratamento, mudar hábitos inadequados ou comportamentos não saudáveis, como é o caso das mães e seus filhos.32 A Entrevista Motivacional apresenta dois componentes, um relacional que foca no espírito interpessoal e na empatia entre profissional e paciente. O outro é técnico, pois envolve o reforço da mudança através da “conversa sobre mudança”. A ferramenta central na EM é a Escuta Reflexiva que oportuniza ao profissional da saúde facilitar que os pacientes encontrem as suas próprias soluções para modificar hábitos e se escutem falando sobre elas. As estratégias iniciais conhecidas pelo acrônimo em inglês “OARS” são: Perguntas Abertas, Afirmações, Escuta Reflexiva e Resumos, e podem ser aprendidas por qualquer profissional da saúde através de treinamento.33 154 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância A literatura atual apresenta ótimas evidências sobre o uso da Entrevista Motivacional para agravos em saúde geral, porém com relação à saúde bucal ainda há poucos estudos, mas com resultados bastante promissores. A Entrevista Motivacional é mais do que um conjunto de técnicas, é um modo de fazer saúde que na sua essência é simples, porém não é fácil, porque requer treino e uma mudança de perspectiva de atuação profissional diferente da tradicionalmente utilizada pela Odontologia. Portanto, a Entrevista Motivacional parece ser sim uma alternativa viável e efetiva nas mudanças de hábitos e comportamentos em saúde bucal, porém faz-se necessário capacitar e treinar periodicamente as ESB para o uso dessa abordagem.33 Em relação a prevenção de Cárie Precoce da Infância, Albino et al. (2016)34 avaliaram, em uma revisão sistemática da literatura, diversas abordagens comportamentais, e concluíram que a EM se apresentou a mais efetiva delas, tendo tido resultados positivos em três dos quatro estudos incluídos. A EM se apresenta como uma forma de fazer saúde diferente da vigente e mostra que um outro formato de atuação cotidiana pode ser benéfico.35 Um ensaio clínico comunitário randomizado vem sendo desenvolvido no SSC/GHC com o intuito de comparar a incidência de cárie de crianças cujas mães foram abordadas com educação em saúde convencional (EC) ou Entrevista Motivacional (EM). Os resultados após três anos de acompanhamento mostram um índice ceos (superfícies dentárias cariadas, obturadas ou com extração indicada) de 1,91 no grupo EC e 0,86 no EM, sendo essa diferença estatisticamente significativa. Sendo assim, uma intervenção baseada nos princípios do estilo de Entrevista Motivacional foi mais efetiva na redução do número de superfícies afetadas por cárie precoce em comparação com a educação convencional em saúde bucal no contexto da APS.26 12.4 CRONOLOGIA DE ERUPÇÃO DENTÁRIA E ASPECTOS RELACIONADOS A cronologia de erupção é variável, a antecipação ou o atraso de 6 meses em relação à média é considerado normal. Se após um ano de idade não tiver ocorrido a erupção de qualquer dente deve-se investigar, pois há a possibilidade rara de ser um caso de anadontia (ausência dos dentes)36. Em geral, a dentição decídua completa-se entre os dois e os três anos de idade, quando os 2os molares irrompem.37 Um resumo das idades de erupção e esfoliação dos dentes decíduos estão representados na Figura 1.38 Figura 1 - Esquema gráfico da cronologia de erupção e esfoliação dos dentes decíduos. Fonte: GUEDES-PINTO38 155 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos No período da erupção dos dentes é comum o aparecimento de sintomas sistêmicos, como salivação abundante, diarreia, febre e sono agitado. Não necessariamente esses sintomas estão relacionados com o nascimento dos dentes, muitas vezes a criança leva a mão suja à boca devido ao desconforto local do processo de erupção e essa contaminação é a responsável pelos efeitos sistêmicos. Nesses casos o tratamento deve ser sintomático e, quando necessário, realizar investigação de outras causas para os sintomas descritos. Para o desconforto local pode ser oferecido ao bebê mordedores em temperatura ambiente ou resfriados em geladeira. Quando os bebês nascem com dentes (dentes natais) ou o nascimento dos dentes ocorre de forma precoce no primeiro mês de vida (dentes neonatais), é preciso avaliar a necessidade de extração. Essa conduta vai depender de dois fatores: 1) se o dente está lesando a língua do bebê e/ou interferindo na amamentação natural; 2) se esse dente é da série normal da criança erupcionado precocemente (mais comum) ou dente supranumerário. A confirmação é radiográfica, um exame de difícil execução em bebês e não disponível no SUS nessa faixa etária.39 Portanto, deve-se avaliar caso a caso para definir o tratamento e conduta. Pode-se realizar desgaste e polimento ou colocação de resina composta para arredondar arestas dos dentes natais e neonatais nos casos em que uma intervenção se faz necessária e desconfia-se que o dente seja da série normal do bebê. Primeiro molar permanente Em torno dos seis anos de idade, irrompe o primeiro molar permanente em região posterior aos segundos molares decíduos. É comum que os pais confundam esse dente permanente com um dente decíduo, não tomando os devidos cuidados de higienização. Esse dente é um guia para a erupção correta dos demais dentes permanentes e merece atenção especial na fase de erupção, quando se encontra abaixo do plano oclusal dos dentes decíduos. Pode ser utilizada escovação com técnica horizontal ou vestíbulo-lingual, que consiste em acessar o dente pela lateral ao invés de pelo plano oclusal. A importância desse dente e a correta forma de higienizá-lo devem ser conversadas tanto com os pais quanto com a criança, que nessa idade já tem capacidade de entendimento e coordenação, mas ainda precisa de supervisão. 12.5 CÁRIE O conceito de cárie dentária vem sendo rediscutido nos últimos anos. Estudos apontam que a cárie não pode mais ser considerada uma doença infecciosa e transmissível, e sim uma consequência do desajuste do processo natural de desmineralização e remineralização dentária que ocorre após a ingestão de qualquer alimento ou bebida.40,41 A cárie deixa de ser infecciosa e transmissível, pois os microrganismos envolvidos em seu aparecimento são integrantes da microbiota bucal, e não externos, que se adquire. Os principais fatores envolvidos nesse desequilíbrio são a frequência de ingestão de alimentos e bebidas, bem como a frequência de remoção mecânica do biofilme dentário, também conhecido por placa bacteriana.40 A partir dessa discussão, pode-se definir cárie dentária como uma desmineralização irreversível do esmalte provocada pelo desequilíbrio frequente do fenômeno des-re, durante um período de tempo, 156 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância produzida pela ação dos ácidos provenientes do metabolismo de carboidratos na placa bacteriana dentária, e que traz algum prejuízo ao indivíduo, caracterizado por sinais clínicos.40 A prevenção da cárie deve enfatizar a educação e motivação dos pais e/ou responsáveis pela criança, no que tange a higienização bucal e a informações alimentares, como por exemplo não colocar o bebê na cama com mamadeiras contendo formulados açucarados, chupetas adocicadas e aleitamento noturno em livre demanda após os 12 meses1,8. Recomenda-se basear as orientações alimentares nos 10 Passos da Alimentação Saudável para crianças menores 2 anos preconizada pelo Ministério da Saúde, que estão aprofundadas no Capítulo 9 deste protocolo. Em crianças maiores, atentar também para a frequência de ingestão de carboidratos e bebidas açucaradas. Lembrar aos pais que a criança deve ser apresentada aos alimentos em suas formas naturais, evitando a adição de açúcar nas frutas e nos sucos. Maiores recomendações para prevenção da obesidade infantil estão descritas no capítulo 13. A higiene bucal deve ser realizada pelos pais/responsáveis a partir da erupção do primeiro dente decíduo até que a criança tenha motricidade para realizar sozinha sua higiene (geralmente por volta dos 7 anos). Recomenda-se uso de pasta dental fluoretada (1100 ppm de flúor) desde a erupção do primeiro dente de leite. Atentar aqui para a quantidade de pasta, que vai aumentando gradualmente, conforme nascem mais dentes. Em bebês, enquanto forem só os incisivos, apenas suja-se a escova com a pasta, ou usa-se o equivalente a um grão de arroz cru. Quando os molares erupcionam usa-se o equivalente a um grão de ervilha, e essa é a quantidade a ser usada até o fim da vida.42,43 O uso do fio dental, para a limpeza entre os dentes, deve iniciar assim que possível, tendo em vista que a escova não alcança entre os dentes. Crianças que apresentem os dentes muitos próximos devem usar fio dental a fim de evitar cáries entre os dentes. A escovação deve ser realizada duas vezes ao dia, principalmente à noite, antes de dormir. Já o uso do fio pode ser feito uma vez ao dia, no horário de preferência dos pais/responsáveis. Uma das maiores preocupações por parte dos pais e dentistas com o uso de dentifrício fluoretado, é o desenvolvimento da fluorose dentária. No entanto, o risco de fluorose devido à ingestão de pasta em crianças tem sido superestimado.44,45 Não há evidências de que o início do uso de pasta fluoretada deva ser adiado para a idade de 3-4 anos, nem que a baixa concentração de flúor em pastas evite a fluorose.46 Embora crianças menores de 3 anos ingiram involuntariamente certa quantidade de creme dental toda vez que escovam os dentes, a fluorose observada nos dentes de brasileiros expostos a água fluoretada e uso regular de dentifrício é, de acordo com o último levantamento de saúde bucal (SB Brasil 2010), de grau muito leve a leve, quase imperceptível, o que não interfere com a qualidade de vida dos indivíduos.47 Cabe a todos os profissionais da equipe a inspeção da cavidade bucal e caso detectem alguma possível alteração, devem encaminhar a criança ao dentista1. Devido ao emprego de medidas preventivas como fluoretação das águas, uso de dentifrícios fluoretados, melhorias nas condições e estilo de vida, a incidência de cárie vem diminuindo, mas ainda é um importante problema de saúde a ser enfrentado na APS. Os tratamentos para a lesão de cárie podem ser: Aplicação tópica de flúor preventiva Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 157

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos • Gel de flúor acidulado, uma aplicação semestral para pacientes com história pregressa de cárie. Profilaxia prévia com pasta profilática, e aplicação com escova, pincel, cotonete ou algodão. • Verniz de flúor, uma aplicação semestral. Profilaxia prévia com pasta profilática e aplicação com uso de microbrush, pincel, cotonete ou bolinha de algodão, na superfície seca, sob isolamento relativo. Após a aplicação, a criança pode fechar a boca, pois o verniz endurece em contato com a saliva.48 Recomendar evitar comer nas 2 horas seguintes à aplicação.48,49 Aplicação tópica de flúor para tratamento de lesão de mancha branca • Gel de flúor acidulado, uma aplicação semanal, durante 3 semanas, seguindo o protocolo citado acima. • Verniz de flúor, uma aplicação semanal, durante 3 semanas, seguindo o protocolo citado acima. Vale lembrar que a melhor maneira de usar preventivamente o flúor é em baixa concentração e alta frequência, com o uso diário de creme dental fluoretado com 1100 ppm através de 2 ou 3 escovações. Aplicação de selantes Estes podem ser resinosos ou ionoméricos. A literatura aponta maior retenção dos resinosos em longo prazo, entretanto, mesmo com o desgaste dos ionoméricos o sulco segue selado e a maioria dos dentes segue livre de cárie. • Selantes resinosos: requer bom controle da umidade, sendo o isolamento absoluto indicado. Profilaxia prévia com pasta profilática, pedra pomes ou jato de bicarbonato, secagem, condicionamento com ácido fosfórico, lavagem, secagem, aplicação do sistema adesivo, fotopolimerizar, aplicar o selante e fotopolimerizar.50 • Selantes ionoméricos: usar isolamento relativo, profilaxia com pasta profilática, pedra pomes ou jato de bicarbonato, condicionamento com ácido poliacrílico (próprio líquido do ionômero), lavar, secar, aplicar o selante, fazer pressão digital com dedo vaselinado. Orientar não se alimentar por pelo menos 1 hora após.50 ART - Tratamento Restaurador Atraumático O ART vem sendo o tratamento restaurador mais indicado na infância, por não necessitar anestesia e o uso de instrumentos rotatórios e brocas, ou seja, uma técnica mais amigável para a criança. A remoção de tecido cariado é realizada apenas com instrumentos manuais e a cavidade é restaurada com cimento de ionômero de vidro de alta viscosidade próprio para ART e com maior durabilidade, o que torna o tratamento definitivo.51,52 As restaurações em resina composta são pouco utilizadas, pois são muito sensíveis à técnica, já dificultada pelo manejo da criança. Em muitos casos pode-se lançar mão das restaurações de amálgama que são bastante resistentes e com técnica menos sensível a umidade/saliva. 12.6 DEFEITOS DE DESENVOLVIMENTO DO ESMALTE São alterações na estrutura dentária caracterizadas pela diminuição ou perda local da translucidez do esmalte. A hipoplasia do esmalte pode ser definida como sendo alterações na estrutura desse tecido dentário, cuja origem está relacionada a fatores que interferem na mineralização do dentes de ordem local ou sistêmica.53 158 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância Acomete os primeiros molares permanentes e incisivos permanentes e pode acometer um ou mais dentes. O acometimento dos molares decíduos é incomum, mas pode ocorrer. Os dentes afetados costumam desenvolver lesões de cárie e requerem tratamentos restauradores.54 O uso de verniz de flúor é indicado previamente ao tratamento restaurador resinoso, pois o flúor do verniz fortalece a adesão do esmalte aos materiais resinosos.55,56,57 Mesmo com essa falha, não é necessário realizar remoção do tecido afetado, sendo a aplicação do material restaurador realizada diretamente sobre esse tecido. Pode- se usar cimentos de ionômero de vidro ou resina composta para realizar a proteção do dente e em adultos, está indicado o uso de coroas metalocerâmicas. 33 12.7 ENDODONTIA EM DECÍDUOS O tratamento pulpar em Odontopediatria tem como principal objetivo a manutenção da integridade e a saúde dos tecidos dentais, que é obtido pelo uso de técnicas e/ou medicamentos que permitem a continuidade do seu desenvolvimento normal até a esfoliação. É importante lembrar que os dentes decíduos possuem algumas peculiaridades: ampla câmara pulpar, pequena espessura de esmalte e dentina, projeções dos cornos pulpares e reabsorção irregular. Uma questão importante que o profissional de saúde deve avaliar é sobre o tempo que o dente ainda ficará na cavidade bucal (avaliar se o dente possui mais de um terço de raiz). Nesse sentido, quando os dentes decíduos apresentam inflamação pulpar irreversível ou necrose, decorrentes da doença cárie ou traumatismo e for possível sua manutenção no arco, o tratamento endodôntico está indicado.58 O tratamento endodôntico em decíduos pode ser pulpotomia ou pulpectomia, dependendo das características clínicas da polpa e da sintomatologia do paciente. Pulpotomia Indicações para a pulpotomia: • Exposição pulpar por cáries, sem dor espontânea, sem fístula nem edema e • Pulpite reversível ou quando exposição pulpar durante remoção de tecido cariado. • Características clínicas da polpa: sangramento vermelho vivo e controlável, consistência firme ao corte.59 Técnica: • Radiografia de diagnóstico; • Anestesia; • Isolamento; • Abertura coronária; • Remoção da polpa coronária com colher de dentina; • Irrigação com soro fisiológico e aspiração; • Secagem com bolinha de algodão; • Colocação da pasta de hidróxido de cálcio com soro fisiológico • Restauração com cimento de ionômero de vidro • Controle clínico e radiográfico com 4 meses.59 Pulpectomia Indicações para a pulpectomia: • Pulpite irreversível; • Necrose pulpar. • Características da polpa: sangramento vermelho escuro não controlável e polpa sem consistência.59 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 159

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Técnica: • Radiografia para diagnóstico e determinação do comprimento do dente e comprimento de trabalho (comprimento do dente menos um milímetro); • Anestesia, se necessário; • Isolamento; • Abertura coronária; • Remoção da polpa coronária com colher de dentina; • Irrigação com solução de Milton (hipoclorito de sódio 1%); • Extirpação da polpa radicular com lima kerr; • Instrumentação dos canais com limas kerr – molares até 35 e incisivos limas de segunda série; • Irrigação entre limas com solução de Milton (hipoclorito de sódio 1%) e aspiração; • Obturação dos canais com pasta de hidróxido de cálcio + propilenoglicol espessada com pó de óxido de zinco (1:1), introduzida com limas e condensadas com calcadores; • Forramento com guta percha; • Restauração com cimento de ionômero de vidro; • Radiografia final; • Controle clínico e radiográfico com 3 e 6 meses. Caso seja realizada em duas sessões, usar pasta de hidróxido de cálcio com soro fisiológico como curativo de demora, por um período de 15 a 30 dias. Após esse prazo, remover o curativo com a última lima utilizada no preparo do canal, irrigar com solução de Milton, aspirar, secar com cone de papel absorvente e obturar como descrito acima.59 12.8 ENDODONTIA EM DENTES PERMANENTES COM RIZOGÊNESE INCOMPLETA Pulpite reversível Se o dente for diagnosticado com pulpite reversível, apresentando uma polpa radicular vital (mesmos critérios aplicados para pulpotomia em decíduo), faz-se o tratamento para a apicigênese (pulpotomia), com o objetivo de promover condições para o fechamento normal do ápice radicular.60 Sucesso terapêutico após proservação de 2 anos: desenvolvimento das paredes radiculares apicais, fechamento normal do ápice radicular, integridade da lâmina dura, ausência de sinais e sintomas, ausência de calcificação do canal e de reabsorção interna. O teste de sensibilidade pulpar não é indicado pois a profundidade do remanescente pulpar pode inviabilizar uma resposta positiva.60 Técnica: • Radiografia para diagnóstico; • Anestesia - se necessário a intrapulpar, deve ser aplicada na porção coronária, sem pressão excessiva e com anestésico sem vasoconstritor; • Isolamento; • Remoção do tecido cariado; • Remoção do teto da câmara pulpar; • Remoção do tecido pulpar coronário com colher de dentina; • Irrigação com soro fisiológico, solução aquosa de hidróxido de cálcio, solução de Ringer ou água destilada; • Hemostasia com irrigação e não por compressão com bolinha de algodão; • Secagem com papel absorvente esterilizado; • Colocação de bolinha de algodão estéril com Otosporin por 05 à 10 minutos; • Colocação de hidróxido de cálcio - pasta de hidróxido de cálcio PA veiculada em água destilada, soro fisiológico ou propilenoglicol 400 ou, ainda, a própria pasta Calen sem PMCC espessada com hidróxido de cálcio PA ou com o pó de óxido de zinco do cimento de óxido 160 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância de zinco e eugenol convencional,- camada de um “1” milímetro de espessura sobre o remanescente pulpar; • Colocação de cimento à base de hidróxido de cálcio; • Restauração com CIV e • Proservação de dois anos, no mínimo (avaliações clínicas e radiográficas). Caso seja realizada em duas sessões, colocar bolinha de algodão com otosporin por 24-48h e selar com IRM ou CIV.60 Pulpite irreversível Se o dente for diagnosticado com pulpite irreversível ou necrose pulpar (mesmo critério para pulpectomia em decíduo), faz-se o tratamento para a apicificação (pulpectomia) com o objetivo de selamento biológico do ápice radicular por meio de um tecido mineralizado semelhante ao cemento.60 Técnica para acesso e curativo antes de encaminhar para o CEO: • Radiografia para diagnóstico; • Abertura da câmara pulpar que permita acesso retilíneo direto ao(s) canal(is) radicular(es); • Instrumentação com limas endodônticas - comprimento de trabalho com recuo de 2 milímetros aquém do ápice radiográfico ou maior em caso de hemorragia ou sensibilidade dolorosa; • Irrigação com soro fisiológico, solução de Ringer, água de cal ou solução de Milton (hipoclorito de sódio a 1,0% estabilizado com cloreto de sódio); • Secagem do canal com cones de papel absorvente estéreis; • Aplicação de medicação intracanal contendo hidróxido de cálcio (curativo expectante) - veículo (água destilada, soro fisiológico, solução de Ringer, polietilenoglicol 400 ou propilenoglicol), com Lentulo ou seringas especiais (Seringa M. L. - SS White - Pasta Calen sem PMCC); • Selamento coronário provisório e • Renovação da Medicação Intracanal e duração da terapêutica - renovação a cada 30 (abertura apical ampla) ou 60 dias pelo período necessário para o fechamento apical (de 3 a 8 meses).60 12.9 LESÕES E ALTERAÇÕES EM TECIDO MOLE Língua geográfica Caracterizada pelo aparecimento e desaparecimento de áreas despapiladas no dorso da língua. Os limites desta alteração são bem definidos por um halo esbranquiçado, elevado e irregular que circunda a lesão. A sintomatologia, quando presente, é relatada por ardor local, sendo o tratamento apenas sintomático por se tratar de alteração fisiológica e muitas vezes transitória.37 Cisto ou hematoma de erupção Associado à erupção do dente decíduo ou permanente, se caracteriza pela presença de sangue e outros fluidos em seu interior, situado superficialmente à coroa do dente em erupção. Em geral, regride espontaneamente, mas se isso causar um grande atraso na erupção do dente (mais de duas semanas)61 ou algum tipo de desconforto, deve ser removido cirurgicamente.37 Mucocele É um pseudocisto de etiologia traumática do ducto de uma glândula salivar menor produzindo sua obliteração ou rompimento. Caracterizada por lesão bolhosa, com formato circular, com superfície lisa Embora possam aparecer em qualquer região da mucosa oral, ocorrem preferencialmente na face interna do lábio inferior. Há uma relação íntima com o hábito de mordiscamento dos lábios. Algumas Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 161

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos opções para o tratamento do mucocele são a cirurgia para remoção total da lesão e do ducto salivar 37 e a marsupialização.62 Aftas/Úlcera aftosa É a afecção mais comum da mucosa oral. É uma lesão ulcerada, com fundo necrótico, delimitada por halo eritematoso inflamatório bem definido. Pode ser uma lesão única ou múltipla e se caracteriza por sintomatologia dolorosa intensa. O tratamento é apenas sintomático, ocorrendo a regressão espontânea entre 12 e 14 dias.37 O controle da doença depende de sua apresentação clínica e inclui drogas imunossupressoras, corticosteróides tópicos e sistêmicos e soluções anestésicas e antimicrobianas. Sua etiologia é multifatorial, estando associadas causas de origem local, como os traumatismos, ou sistêmicas, como as infecções e as doenças imuno-hematológicas. Se as aftas forem severas ou frequentes, a possibilidade das lesões estarem associadas com doenças sistêmicas assintomáticas ou outra condição deve ser considerada. Existem várias opções de tratamento: observação, tratamento da doença sistêmica, medicações sistêmicas e tópicas e tratamento paliativo.39 Gengivoestomatite herpética primária É a infecção primária pelo vírus herpes que ocorre especialmente na primeira infância devido ao fato da criança ainda não ter anticorpos neutralizantes. O primeiro contato com o vírus ocorre, em geral, entre 2 e 6 anos de idade. O quadro clínico é agressivo, com sintomatologia dolorosa, sendo que a criança pode manifestar mal-estar, febre, irritabilidade e adenopatia cervico-facial. Na mucosa oral, as lesões são caracterizadas por vesículas contendo em seu interior líquido amarelo ou branco. As vesículas múltiplas se rompem e formam-se úlceras dolorosas, semelhantes às da afta. Ao exame intrabucal, nota-se estomatite generalizada, abrangendo toda a mucosa, lábios, gengiva, língua e mucosa jugal. A evolução para a cura ocorre entre 10 e 14 dias. Nesse período, o tratamento é apenas sintomático, com antitérmico e analgésico. Atentar para a alimentação, evitando alimentos ácidos e condicionados e priorizando os frios e líquidos.63 Candidíase Quando há queda da resistência imunológica ou alterações locais que levam a um desequilíbrio do ecossistema oral, a Candida albicans, fungo oportunista da microbiota bucal normal, se manifesta. Conhecida popularmente como “sapinho”, caracteriza-se pelo aparecimento de placas esbranquiçadas, semelhantes a leite coalhado, localizadas em qualquer região da cavidade bucal, principalmente no palato e na língua. O que determina o diagnóstico diferencial com outras lesões semelhantes é a manobra clínica que consiste na remoção destas placas por raspagem, deixando uma superfície avermelhada.37 Deve-se orientar a limpeza bucal preventiva e o tratamento na maioria das vezes é com antifúngico tópico, nistatina suspensão oral, 100.000 UI/mL, bochechar 1 col sopa, 3 vezes ao dia, por 15 dias. Caso a criança ainda não consiga realizar bochechos, passar uma gaze umedecida com nistatina sobre as lesões, 3 vezes ao dia, durante 15 dias. Cistos gengivais São cistos de desenvolvimento localizados no rebordo gengival ou palato que ocorrem com freqüência em recém nascidos, também conhecidos como “nódulos de Bohn” ou “pérolas de Epstein” 162 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância dependendo da sua localização e origem epitelial. São estruturas puntiformes, únicas ou múltiplas, de aproximadamente 1mm de diâmetro da cor da mucosa ou esbranquiçadas, o que faz muitas vezes que os pais pensem ser um dente em nascimento. Não há necessidade de intervenção, pois regridem naturalmente, cabendo apenas os esclarecimento e tranquilização dos pais.64 Calo de amamentação É uma protuberância na linha média do lábio superior provocada pelo apoio na hora da amamentação, que com o tempo desaparece.65 Hiperplasia gengival Crescimento gengival de origem inflamatória, medicamentosa, infiltrativa ou hereditária.61 • Inflamatória: localizada ou generalizada, causada pelo acúmulo de placa por um longo período de tempo. A gengiva fica bem eritematosa e sangra facilmente. Resolve-se com adequado controle de placa. • Medicamentosa: ocorre fibrose gengival, indolor e firme, com pouca tendência ao sangramento, sendo um efeito adverso da fenitoína, ciclosporina A e nifedipina. È recomendado controle de placa adequado, porém, como é causada pelo medicamento, regride parcialmente com a sua remoção. Caso o paciente sinta-se incomodado esteticamente, tenha presença de bolsa periodontal ou interfira na função, a gengivectomia está indicada. • Infiltrativa: a gengiva apresenta-se edemaciada e com sangramento quase espontâneo. Está associada a leucemia. • Hereditária: gengiva fibrosa, sem sangramento, está associada a síndromes. O tratamento é a gengivectomia associada ao adequado controle de placa, para evitar recidivas. Herpangina Infecção causada pelo coxsackievirus, mais comum em crianças. Geralmente apresenta febre alta, dor de garganta e lesões no palato mole, na úvula, e nos pilares anteriores. As lesões progridem de pápulas amarelas acinzentadas para vesículas com contorno eritematoso e então para úlceras. As lesões curam em 7 a 10 dias e o tratamento é sintomático.61 Hemangioma Tumor vascular benigno, onde ocorre a proliferação de vasos sanguíneos, de coloração vermelho ou vermelho azulado, levemente elevado, firme a palpação e indolor. Localizado em lábio, dorso da língua, gengiva e mucosa jugal. É comum em recém-nascidos e na infância, regredindo devagar ao longo do crescimento. O tratamento está indicado caso interfira na respiração, alimentação, fala ou estética61, podendo ser crioterapia, embolização, radioterapia, excisão cirúrgica, cirurgia a laser e escleroterapia.66 Linfangioma Tumor benigno dos vasos linfáticos. São vesículas de coloração semelhante à mucosa, ou arroxeadas. Acometem a língua, lábios e mucosa jugal. Pode aparecer ao nascer ou até os 2 anos de idade. O tratamento mais comum é a remoção cirúrgica, porém podem ocorrer recidivas.61 12.10 TRAUMATISMO DENTAL As causas mais comuns de traumatismo dentário são o próprio processo de aprender a caminhar, quando a criança ainda não tem a coordenação suficiente para se proteger de uma queda, correr, brincar e o choque contra objetos rígidos. Os dentes anteriores superiores são os mais atingidos, Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 163

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos e a falta de selamento labial e um posicionamento dos dentes mais vestibularizado são fatores predisponentes. No entanto, deve-se atentar para possíveis sinais de maus tratos e traumas causados por violência física contra a criança.37 A prevenção é importante, principalmente naqueles acidentes que podem ser evitados. Os cuidados gerais são37: • Com locais com muitos moveis e quinas, quando a criança começar a engatinhar e a andar; • Para que a criança não escorregue no chão molhado, nem ande com meias, pois sem atrito a criança terá mais facilidade de escorregar; • Ao andar de carro, devem ser usadas cadeiras apropriadas às faixas etárias; • Com brinquedos, berço e carrinho de bebê, que devem estar adequados à idade e maturidade da criança; • Atenção especial para pacientes epiléticos, propensos às quedas durante as convulsões, e pacientes com deficiências motoras e mentais; Ao sofrer alguma queda ou trauma envolvendo a região bucal a criança precisa ser avaliada imediatamente pelo dentista para que as medidas adequadas sejam tomadas o mais breve possível. Até chegar ao dentista, os pais devem conter o sangramento, se houver, com um pano limpo e colocar gelo no local do trauma. 12.10.1 ATENDIMENTO DE URGÊNCIA Avaliar quando, como e onde o trauma ocorreu, pois essas informações ajudam na escolha do tratamento. • Quando: quanto tempo decorreu entre o trauma e o atendimento; • Onde: indica as condições do local, como o risco de infecção; • Como: avaliar se o relato está de acordo com o tipo de lesão e se há possibilidade de violência. Avaliar se a criança apresenta algum dano neurológico através de sintomas como visão dupla, náuseas, vômito e amnésia. Realizar exame extra oral, a fim de verificar lesões em mento, face, cabeça. Caso necessário, encaminhar para o profissional de referência. No exame intra-oral examinar os tecidos moles e duros e quando possível realizar exame radiográfico para identificação de fraturas ósseas, dentais e posterior acompanhamento. Testes de sensibilidade podem ser pouco confiáveis em um primeiro momento, aguardar consultas de acompanhamento para realizá-los. 12.10.2 TIPOS DE TRAUMA E TRATAMENTO EM DENTIÇÃO DECÍDUA E PERMANENTE: 164 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância Quadro 1 - Tipo de trauma e tratamento em dentição decídua e permanente continua Dentição decídua Dentição permanente Tratamento Proservação Tratamento Proservação Trinca de esmalte Aplicação tópica de Acompanhamento em Aplicação tópica de Acompanhamento em flúor. consultas de rotina. flúor. consultas de rotina. Alisar e polir os bordos Acompanhamento em o Desgaste e polimento Exames clínico e cortantes e afiados. consultas de rotina. (fraturas pequenas); radiográfico 6-8 o Restauração (fraturas semanas e 1 ano após Fratura de esmalte mais extensas); trauma.67 o Colagem de fragmento (quando presente). Fratura de esmalte e Selar completamente a Exame clínico 3-4 o Restauração; Exames clínico e dentina (sem dentina exposta com semanas após o o Proteção pulpar + radiográfico 6-8 exposição pulpar) ionômero de vidro e trauma. 68 restauração (fraturas semanas e 1 ano após restaurar com resina mais próximas da trauma. 67 composta, quando polpa); grande estrutura o Colagem de dentária for perdida. fragmento (quando presente). Preservar a vitalidade Exame clínico 1 o Pacientes jovens e/ou Exames clínico e pulpar com pulpotomia semana após trauma e com rizogênese radiográfico 6-8 parcial, aplicar uma exames clínico e incompleta: proteção semanas e 1 ano após camada de hidróxido de radiográfico 6-8 pulpar ou pulpotomia trauma. 67 cálcio sobre a polpa, semanas e 1 ano após parcial Fratura de esmalte e cobrir com ionômero de trauma. 68 o Pacientes mais dentina (com vidro e restaurar o velhos: tratamento exposição pulpar) dente com resina endodôntico, mas composta. proteção pulpar e * Extração pode ser pulpotomia também são uma alternativa possíveis. 67 dependendo da maturidade e capacidade de lidar com a criança. 68 Fratura o Remoção do Em casos de remoção o Pacientes jovens e/ou Exames clínico e coronorradicular fragmento, quando a do fragmento fraturado: com rizogênese radiográfico 6-8 (com ou sem fratura envolver exame clínico em 1 incompleta: proteção semanas e 1 ano após envolvimento pulpar) pequena parte da raiz e semana, exames pulpar ou pulpotomia trauma. 67 o remanescente clínico e radiográfico parcial; permitir restauração; em 6-8 semanas e o Pacientes mais o Extração em qualquer anualmente até velhos: tratamento outro caso diferente do erupção do sucessor endodôntico, mas descrito acima. 68 permanente. 68 proteção pulpar e pulpotomia também são possíveis. 67 Fratura radicular o Sem deslocamento o Sem deslocamento: o Quando houver ligeiro Exames clínico e do fragmento coronal: exame clínico em 1 deslocamento da coroa: radiográfico após 4 não é necessário semana; reposicionar o semanas, 6-8 semanas, tratamento; o Com deslocamento: segmento deslocado; 4 meses, 6 meses, 1 o Com deslocamento exame clínico em 6-8 o Contenção flexível ano e 5 anos. Remoção do fragmento coronal: semanas, exame por 4 semanas (em da contenção após 4 reposicionar e realizar clínico e radiográfico fraturas próximas a semanas, exceto em contenção, ou extrair o anualmente até área cervical aumentar fraturas do terço fragmento coronal e esfoliação; tempo de contenção cervical que podem ser deixar que o organismo o Extração: exames por até 4 meses); removidas até 4 meses reabsorva o fragmento clínico e radiográfico o Em casos de necrose após trauma. 67 apical. 68 anualmente. 68 pulpar o tratamento endodôntico é indicado para o fragmento coronal; 43 o Fraturas longitudinais ou obliquas: exodontia. 69 70 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 165

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Quadro 1 - Tipo de trauma e tratamento em dentição decídua e permanente continuação Decíduo Permanente Descrição Tratamento Proservação Tratamento Proservação Trauma de Dieta pastosa e Exame clínico 1 Dieta pastosa e líquida Exames clínico e pequena líquida nas primeiras semana e 6-8 nas primeiras 48 radiográfico 4 intensidade. 48 horas. Restrição semanas após horas. Restrição do semanas, 6-8 Sem do uso de chupeta e trauma. 68 uso de chupeta e semanas e 1 ano rompimento das mamadeira. mamadeira. após trauma. 67 Concussão fibras periodontais, sem deslocamento e sem mobilidade aumentada. Trauma de Dieta pastosa e Exame clínico 1 Dieta pastosa e líquida Exames clínico e média líquida nas primeiras semana e 6-8 nas primeiras 48 radiográfico 4 intensidade. 48 horas. Restrição semanas após horas. Restrição ao semanas, 6-8 Ruptura de ao uso de chupetas trauma. uso de chupetas e semanas e 1 ano fibras e mamadeiras. Atentar para o mamadeiras. após trauma. periodontais, aparecimento de Casos de mobilidade Remoção da Subluxação possível fístula ou coloração acentuada pode-se contenção em 2 mobilidade sem escura da coroa. 68 realizar contenção semanas. 67 deslocamento flexível por 10 a 14 dentário. Pode dias. haver sangramento no sulco gengival. Deslocamento o Sem interferência Exame clínico 1 Reposicionar o dente Exames clínico e dentário nos oclusal: semana e 2-3 e realizar contenção radiográfico 2 sentidos reposicionamento semanas após flexível por 4 semanas, 6-8 palatino, espontâneo; trauma. Exames semanas. Monitorar a semanas, 6 vestibular, o Pequena clínico e condição pulpar. meses, 1 ano e mesial ou distal. interferência oclusal: radiográfico em 6-8 anual por 5 anos Luxação lateral Pode ou não ter leve desgaste; semanas e 1 ano. após trauma. mobilidade, o Interferência Remoção da sangramento e oclusal severa: 68 contenção em 4 laceração reposicionamento semanas. 67 gengival. sob anestesia local; o Deslocamento severo: exodontia. 68 Luxação Dente o Deslocamento em o Exame clínico: 1, o Rizogênese Exames clínico e intrusiva deslocado em direção a parede 6-8 semanas; incompleta: permite radiográfico 2 direção ao seu óssea: aguardar o Exames clínico e reposicionamento semanas, 6-8 ápice, podendo reposicionamento radiográfico: 3-4 espontâneo dentro de semanas, 6 colidir com o espontâneo. semanas, 6 meses 3 semanas. Posterior meses, 1 ano e germe do dente o Deslocamento em e anualmente até a esse período anual por 5 anos sucessor. direção ao germe do erupção do recomendado após trauma. 67 dente sucessor: sucessor reposicionamento exodontia. 68 permanente. 67 ortodôntico; o Rizogênese completa: reposicionamento ortodôntico o mais breve possível e tratamento endodôntico. 67 166 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância Quadro 1 - Tipo de trauma e tratamento em dentição decídua e permanente continuação Decíduo Permanente Descrição Tratamento Proservação Tratamento Proservação Luxação Deslocamento o Extrusão menor Exame clínico em 1 Reposicionar o dente Exames clínico e extrusiva do dente para que 3 mm realizar semana, exames e realizar contenção radiográfico 2 fora do alvéolo, reposicionamento clínico e flexível por duas semanas, 4 dente parece cuidadoso ou radiográfico em 6-8 semanas. Monitorar semanas, 6-8 alongado e tem aguardar semanas, 6 meses condição pulpar e semanas, 6 mobilidade reposicionamento e 1 ano. possível reabsorção meses, 1 ano e aumentada. espontâneo; Acompanhar radicular. anual por 5 anos o Extrusão severa: mudanças de após trauma. exodontia. 68 coloração. 68 Remoção da contenção em 2 semanas. 67 Completa saída Não é recomendado Exame clínico em 1 o Segurar o dente pela Exames clínicos e do dente de seu realizar o reimplante semana, exames coroa, lavar radiográficos 4 alvéolo. do dente clínico e rapidamente em água semanas, 3 Avulsão avulsionado. 68 radiográfico em 6 corrente e reimplantar. meses, 6 meses meses e 1 ano. Morder um pano limpo e anualmente Fonte: Os autores. Após isso, para manter o dente após trauma. acompanhamento em posição até chegar Remoção da clínico e ao serviço de contenção em 2 radiográfico até emergência semanas. erupção do odontológica; A anquilose é sucessor o Quando o reimplante inevitável após permanente. 68 do dente não for reimplante tardio, imediato: armazenar o monitorar e dente em um copo orientar o com leite; paciente. 71 o Contenção flexível por 2 semanas, antibiótico sistêmico e tratamento endodôntico 7-10 dias após reimplantação e antes da remoção da contenção. 71 12.11 ALTERAÇÕES PERIODONTAIS Gengivite A gengivite é uma manifestação inflamatória na gengiva marginal decorrente do acúmulo de biofilme (placa bacteriana) supragengival. Pode apresentar sinais como sangramento, dor, inchaço e aumento da temperatura no local. Se não tratada, pode evoluir para a periodontite. A prevenção da gengivite é a desorganização do biofilme dentário, ou seja, realização de higienização com escovas de dente e fio dental. Não há evidências científicas que sustentem a periodicidade da realização da escovação dentária três vezes ao dia para prevenir gengivite72. Porém, recomenda-se escovar os dentes de 2 a 3 vezes ao dia em função do contato com o creme dental fluoretado e sua importância para prevenção da cárie. Periodontite Periodontite é a progressão da gengivite, onde ocorre a perda do tecido de sustentação do dente, decorrente do acúmulo de placa subgengival. Não é comum em crianças, porém quando ocorre perda de inserção, mobilidade dentária e/ou perda dentária prematura devemos estar atentos, pois pode tratar-se de casos de neoplasias, imunodeficiência ou defeitos metabólicos, como por exemplo: Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 167

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos neutropenia, diabetes, leucemia, hipofosfatasia, histiocitose de células de Langerhans, deficiência de adesão leucocitária, doença granulomatosa crônica, síndrome de down, síndrome de Papillon-Lefèvr, síndrome Ehlers-Danlos e síndrome Kindler.73 Periodontite pré-puberal: periodontite agressiva que ocorre na dentição decídua de crianças sem doenças sistêmicas. É bilateral, simétrica, geralmente em molares. O tratamento é feito com RASUB e antibiótico, preferencialmente, azitromicina.73 12.12 MALOCLUSÃO E HÁBITOS DE SUCÇÃO A presença de problemas oclusais não é fácil de ser identificada, principalmente saber o limite entre a normalidade e o problema, em função de ser relacionada com a estética e esta ser subjetiva. São várias as condições a serem avaliadas para se ter um diagnóstico final de oclusopatia, porém podemos decompor essas condições a fim de focalizarmos a atenção individual. As condições mais prevalentes são: mordida cruzada posterior, sobressaliência (overjet) e mordida aberta. Logo, é importante um diagnóstico precoce e na presença de alguma alteração intervir nos fatores de risco que podem ser uso de chupeta e sucção digital por tempo prolongado, bem como alterações ósseas e de respiração que precisam ser avaliadas por um profissional especializado.53,74 A amamentação é considerada fundamental para o desenvolvimento harmonioso das estruturas estomatognáticas e da estética da face, sendo de fundamental importância para o correto desenvolvimento da maxila e mandíbula. Durante a amamentação, a criança recebe vários estímulos que proporcionam o desenvolvimento de outras funções orais como a mastigação, deglutição e respiração, sendo a primeira medida preventiva das maloclusões.75,76 As formas de sucção não-nutritiva mais frequentes em crianças com pouca idade são a chupeta, dedo e lábios. Quanto aos problemas nas arcadas dentárias que o uso prolongado e inadvertido da chupeta e sucção de dedo, além dos 2-3 anos de idade, pode ocasionar são: mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior e aumento da sobressaliência. Se o hábito de sugar chupeta ou dedo for interrompido até os 2-3 anos de idade, as alterações poderão regredir naturalmente e os danos futuros à oclusão serão minimizados, uma vez que é nesse período a oclusão está em pleno desenvolvimento.37 Para evitar a instalação de hábitos de sucção não-nutritiva, uma série de medidas pode ser adotada: sempre que possível estimular a aleitamento materno exclusivo até os primeiros 6 meses de vida. Se for necessário proceder ao aleitamento misto ou artificial, utilizar bicos de mamadeiras menores possíveis e com orifícios pequenos. Utilizar a chupeta de maneira disciplinada e racional, ou seja, quando os bebês estiverem irritados ou sonolentos após a mamada e quando a criança sentir necessidade de sucção, não deixando sempre a disposição ou durante todo período de sono. Ao iniciar o desmame, oferecer os líquidos em copos e os alimentos em colher; não utilizar a mamadeira como meio de induzir o sono da criança ou de acalmá-la; não deixar a chupeta pendurada no pescoço da criança; restringir a uma chupeta usada por vez.37 É importante não utilizar estratégias punitivas e julgamentais com as crianças e mães e sim tentar buscar soluções conjuntas e apropriadas ao contexto familiar, respeitando os tempos da criança. 168 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância 12.13 BRUXISMO INFANTIL Bruxismo é definido como uma atividade parafuncional do sistema mastigatório, caracterizada pelo apertar ou ranger dos dentes. Pode acontecer durante o sono ou quando a criança está acordada ou brincando.77 Sua etiologia é multifatorial, incluindo fatores morfológicos, oclusais, funcionais e psicossociais (estresse, ansiedade e características de personalidade). Nesse sentido, conhecer o contexto e as relações familiares é de suma importância no manejo do bruxismo na infância. O bruxismo infantil é uma preocupação, pois além do impacto negativo na qualidade de vida pode ser importante fator de risco para disfunções temporo-mandibulares.78 Os sinais e sintomas, apesar de raros em crianças, são desgastes oclusais/incisais, hipersensibilidade pulpar, dores de cabeça ao acordar, dores musculares na face e relato dos pais de que a criança range os dentes ao dormir.77 O tratamento é multiprofissional, realizado pelo dentista, médico e psicólogo, porém há uma tendência de regressão natural por volta dos 9-10 anos de idade. Pode-se orientar a “higiene do sono” que nada mais é do que a redução de estímulos (celular, videogame, TV, músicas, brincadeiras e etc.) a noite próximo ao horário de dormir, no intuito de diminuir a agitação da criança. É de suma importância o correto diagnóstico e a busca pelo fator causal para correto tratamento da causa.77 12.14 ASPECTOS FONOAUDIOLÓGICOS DA SAÚDE BUCAL A interação entre Fonoaudiologia e Odontologia vem se aperfeiçoando, fundamentada, entre outros aspectos, no interesse partilhado pela anatomia e fisiologia do sistema estomatognático.79 Cabe salientar que, o trabalho interdisciplinar não exige apenas a coincidência de um mesmo objeto de estudo entre duas disciplinas, e sim a integração de conteúdos e procedimentos, com vistas à formulação de um saber complementar desse objeto de estudo, cujo foco é o cuidado integral dos usuários.80 A interdisciplinaridade entre Fonoaudiologia e Odontologia entre crianças de 0 a 12 anos é legitimada em diversas situações, que englobam a saúde bucal e a integralidade na infância.81 Este tópico visa a abordar as questões de frênulo lingual, respiração bucal e fala. Espera-se que, minimamente, o cirurgião-dentista saiba como agir nestes casos. 12.14.1 FRÊNULO LINGUAL Sugere-se que a anquiloglossia, popularmente conhecida como língua presa, pode ocasionar uma variedade de problemas, tais como dificuldades na amamentação, impedimentos da fala, má higiene oral e constrangimentos por colegas durante a infância e adolescência.82 O efeito da anquiloglossia tem sido motivo de controvérsia na literatura por mais de 50 anos; entretanto, nos estudos atuais têm se discutido muito sobre um importante efeito ocasionado no aleitamento materno.83-85 O Projeto de Lei nº 4.832/12 implementou o Teste da Linguinha no âmbito do SUS, que “obriga a realização do protocolo de avaliação do frênulo da língua em bebês, em todos os hospitais e maternidades do Brasil”. Tal Projeto foi sancionado pela Presidência da República e convertido na Lei nº 13.002, de 20 de junho de 2014.86 A proposta visa a auxiliar os profissionais da saúde na avaliação e diagnóstico das variações anatômicas do frênulo, bem como sua possível interferência na amamentação, guiando as condutas clínicas a serem tomadas, visando principalmente a continuidade do aleitamento materno exclusivo. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 169

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Em 2015, um parecer técnico-científico foi lançado pelo Instituto de Saúde Brasileiro.87 Sob intensa investigação da literatura, por intermédio de revisão sistemática, observou-se que o Teste da Linguinha contém critérios para triagem e confirmação diagnóstico, porém apresenta algumas fragilidades. Ao mesmo tempo, identificaram o Bristol Tongue Assessment Tool (BTAT) que propõe critérios para a triagem e diagnóstico rápido de anquiloglossia grave. Trata-se de um protocolo validado e comparado ao de Hazelbaker, que apresenta como vantagens a praticidade e objetividade na sua aplicação.88 As atuais recomendações com base nas evidências disponíveis são: 87 • Buscar identificar precocemente a anquiloglossia em recém-nascidos, tendo em vista sua potencial interferência sobre a amamentação. • Nos casos moderados e leves a reavaliação deve ser realizada precocemente após a alta hospitalar, na primeira semana de vida. Para tal, faz-se necessário estabelecer contatos com os Bancos de Leite Humano, Hospitais Amigos da Criança e Ambulatórios de especialidades com equipes multidisciplinares com experiência em amamentação. • A frenotomia pode ser indicada nos casos de anquiloglossia grave diagnosticados na maternidade e nos demais casos quando se identificar problemas de amamentação. Em muitos casos a frenotomia já é realizada no próprio hospital pela equipe de Pediatria e caso isso não aconteça o dentista da unidade de saúde pode fazer o procedimento na unidade de saúde. Outra possibilidade é encaminhar para o bebê para o “Ambulatório da Linguinha” da Universidade Federal do Rio Grande do Sul através do sistema de regulação de consultas do município. • Após o procedimento cirúrgico, a ESB deve acompanhar a díade mãe-bebê para apoio à amamentação na unidade de saúde ou em visita domiciliar. 12.14.2 RESPIRAÇÃO BUCAL A patogênese da respiração bucal é multifatorial, sendo que as causas podem ser locais e sistêmicas, relacionadas, principalmente, com malformação, maus hábitos e doenças das vias respiratórias.89 As suas consequências formam um círculo vicioso de prejuízos que interferem nas funções vitais das crianças e em todo o seu processo de desenvolvimento.90 As consequências da respiração bucal dependem da intensidade de suas causas e da duração de sua instalação, sendo encontrados entre os distúrbios decorrentes o desenvolvimento assimétrico dos músculos, dos ossos do nariz, da maxila e da mandíbula, e a desorganização das funções exercidas pelos lábios, bochechas e língua, acarretando alterações nas funções da mastigação, deglutição e na fala.91-93 A posição baixa da língua nos pacientes respiradores bucais impede que esta pressione o palato, levando ao seu aprofundamento, e a arcada dentária superior tende a deslocar-se para frente e bilateralmente para palatino, provocando mordida cruzada posterior e aumento do terço inferior da face.94 Essa postura de língua também pode ocasionar mudanças nos músculos e alterar as funções de mastigação, deglutição e fala.95 Em casos mais graves, a respiração oral poderá levar à Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono.96 A atuação interdisciplinar é de suma importância, sendo que o encaminhamento precoce para um fonoaudiólogo é fundamental. Entre as principais metas terapêuticas a serem atingidas por um fonoaudiólogo, a saber, são restabelecer a respiração nasal, melhorar o tônus muscular, adequar a postura dos lábios e da língua e adequar a mastigação, deglutição e fala.97 Todas as unidades de saúde do SSC têm um fonoaudiólogo de referência por gerência distrital, no modelo de matriciamento. Para realizar o encaminhamento, o dentista ou médico deve avaliar o caso 170 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à saúde bucal na infância e preencher um formulário clínico disponível na unidade de saúde. Cada caso deverá ser discutido em reuniões periódicas na gerência distrital com a finalidade de definir os casos que necessitam intervenção e possam ser acompanhados pela fonoaudiologia. 12.14.3 DIFICULDADE NA FALA Os cirurgiões-dentistas se deparam, muitas vezes com crianças cuja fala é de difícil ou até mesmo impossível compreensão. As alterações da fala podem ser por motivos diferentes, fonéticos e fonológicos. A fonética estuda os sons como entidades físico-articulatórias isoladas (aparelho fonador), ou seja, suas alterações estão relacionadas com as alterações do sistema estomatognático, como por exemplo: anquiloglossia, respiração bucal, alterações dentárias, flacidez da musculatura, entre outros.98 A fonologia é o sistema de sons da linguagem, ou seja diz respeito às regras que organizam os sons da fala, sua distribuição e sequência, bem como a estrutura e a forma da sílaba. Nestes casos as crianças apresentam um atraso ou desvio na aquisição dos sons da fala, possivelmente sem que tenham nenhum déficit auditivo, neurológico, emocional, orgânico e/ou cognitivo grave.99 Em ambas situações, tanto nas alterações fonéticas, como nas fonológicas é de suma importância o acompanhamento fonoaudiológico. A aquisição completa da fonologia, com relação ao desenvolvimento típico, está estabelecida pela criança por volta dos 5 anos de idade. O percurso pelo qual cada criança passa é caracterizado por aspectos individuais, no entanto, é possível observar generalizações com relação à fala, conforme quadro 2. Quadro 2 - Domínio dos fonemas de acordo com a idade da criança Idade Domínio dos fonemas no Português 1 ano e 2 meses “a” 1 ano e 3 meses “i”, “u” 1 ano e 4 meses “e”, “o” 1 ano e 6 meses “l” no final da palavra 1 ano e 7 meses “p”, “b”, “t”, “d”, “m”, “n” no início da palavra 1 ano e 8 meses “p”, “b”, “t”, “d”, “m”, “n”, “nh” no meio da palavra 1 ano e 9 meses “c” no início da palavra 2 anos “c” no meio da palavra 2 anos e 6 meses “n” no final da palavra 2 anos e 8 meses “g”, “v” no início da palavra “g”, “v” no meio da palavra “f” no início da palavra “f” no meio da palavra “z” no início da palavra “z”, “s” no meio da palavra “n” no meio da palavra “s”, “j” no início da palavra “s” no final da palavra “l” no início da palavra 2 anos e 10 meses “x” no meio da palavra 3 anos “l” no meio da palavra 3 anos e 4 meses “r” no início da palavra 3 anos e 6 meses “rr” no meio da palavra 4 anos “x” no início da palavra “j” no meio da palavra “lh” 4 anos e 2 meses “r” no meio da palavra 5 anos “r”, “l” em encontros consonantais Fonte: OLIVEIRA et al.100 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 171

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Se após os 5 anos for observado trocas na fala, ou uma aquisição muito diferente do que demonstrada na tabela acima, o caso deve ser discutido com o fonoaudiólogo de referência da unidade de saúde. REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde bucal. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2008. Caderno de Atenção Básica n. 17. 2. THEODORO, D. S. et al. Fator socioeconômico e o grau de conhecimento das mães em relação à saúde bucal dos bebês. Odontologia Clínico-Científica, Recife, v. 6, n, 2, p. 133-137, abr./jun. 2007. 3. MISRA, S.; TAHMASSEBI, J. F.; BROSNAN, M. Early childhood caries: a review. Dental Update, Guildford, v. 34, n. 9, p. 556-558, 561-562, 564, 2007. 4. BARROS, S. G. et al. Contribuição ao estudo da cárie dentária em crianças de 0-30 meses. Pesquisa Odontológica Brasileira, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 215-222, jul./set. 2001. 5. HOROWITZ, H. S. Research issues in early childhood caries. Community Dentistry and Oral Epidemiology, Copenhagen, v. 26, n. 1, p. 67-81, 1998. Suplemento. 6. WAMBIER, D. S. et al. Prevalência e distribuição de lesões de cárie em bebês. Publicatio UEPG: Ciências Biológicas da Saúde, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 15-22, mar. 2004. 7. FAUSTINO-SILVA, D. D. et al. Cuidados em saúde bucal na primeira infância: percepções e conhecimentos de pais ou responsáveis de crianças de um centro de saúde de Porto Alegre, RS. Revista Odonto Ciência, Porto Alegre, v. 23, n. 4, p.357-379, out./dez. 2008. 8. AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENTISTRY. Guideline on infant oral health care: nique challenges and treatment options. Pediatric Dentistry, Chicago, v. 35, n. 6, p. 137-141, 2014. 9. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.A saúde bucal no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2018. 10.FERREIRA, S. H. et al. Dental caries in 0- to 5-year-old brazilian children: prevalence, severity, and associated factors. Int. J. Paediatr. Dent., Oxford, v. 17, n. 4, p. 289-296, 2007. 11.OLIVEIRA, L. B.; SHEIHAM, A.; BÖNECKER, M. Exploring the association of dental caries with social factors and nutritional status in Brazilian preschool children. European Journal of Oral Sciences, Copenhagen, v. 116, n. 1, p. 37-43, 2008. 12.HOEFT, K. S.; MASTERSON, E. E.; BARKER, J. C. Mexican american mothers' initiation and understanding of home oral hygiene for young children. Pediatr Dent., Chicago, v. 31, n. 5, p. 395- 404, 2009. 13.FELDENS, C. A.; VITOLO, M.R.; DRACHLER, M. de L. A randomized trial of the effectiveness of home visits in preventing early childhood caries. Community Dent. Oral Epidemiol., Copenhagen, v. 35, n. 3, p. 215-223, Jun. 2007. 14.MOHEBBI, S. Z. et al. Feeding habits as determinants of early childhood caries in a population where prolonged breastfeeding is the norm. Community Dent. Oral Epidemiol., Copenhagen, v. 36, n. 4, p. 363-369, Aug. 2008. 15.FELDENS, E. G. et al. Distribution of plaque and gingivitis and associated factors in 3- to 5-year-old brazilian children. J. Dent. Child., Chicago , v. 73, n. 1, p. 4-10, Jan./Apr. 2006. 16.MOHEBBI, S. Z. et al. Early childhood caries and dental plaque among 1-3-year-olds in tehran, iran. J. Indian. Soc. Pedod. Prev. Dent., Chandigarh, v. 24, n. 4, p. 177-181, 2006. 17.ALALUUSUA, S.; MALMIVIRTA, R. 1994. Alaluusua, S., & Malmivirta, R. Early plaque accumulation - a sign for caries risk in young children. Community Dent. Oral Epidemiol., Copenhagen, v. 22, n. 5, pt. 1, p. 273-276, 1994. 172 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

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Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade 13 PREVENÇÃO E MANEJO DO SOBREPESO E OBESIDADE Lena Azeredo de Lima Maria Lúcia Medeiros Lenz Renata Escobar Coutinho “Comer é bom, é delicioso, é saboroso!” Elisa, 5 anos. Unidade de Saúde Jardim Leopoldina SSC/GHC. “Cuidar da alimentação é legal porque não botam apelidos, a gente corre mais, ninguém pega e joga melhor futebol.” Matheus, 9 anos. Unidade de Saúde Jardim Leopoldina SSC/GHC. A obesidade é uma doença crônica de caráter multifatorial, considerada uma manifestação de Insegurança Alimentar e Nutricional que acomete a população de forma crescente em todas as fases do curso da vida, representando um fator de risco para outras doenças crônicas tais como doenças cardiovasculares, dislipidemias, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer.1 Ainda na infância, a obesidade implica em maior morbidade. Transtornos mentais, asma, apneia obstrutiva do sono, problemas ortopédicos e desfechos cardiovasculares e metabólicos adversos (hipertensão, níveis anormais de lipídios e resistência à insulina) são algumas patologias que se relacionam com obesidade nessa faixa etária. A obesidade, quando presente na infância e adolescência, poderá permanecer até a idade adulta e levar a desfechos cardiovasculares adversos ou outras morbidades já mencionadas.2 Este cenário justifica a prevenção da obesidade com intervenções precoces.3 No entanto, os resultados de estudos que testam essas intervenções são variáveis. É difícil tirar conclusões sólidas da literatura, pois as intervenções testadas variam em forma e intensidade, as populações estudadas são heterogêneas e sujeitas a viés de seleção, e há muitos potenciais fatores de confusão não medidos que podem afetar os resultados de peso. No entanto, meta-análises indicam que intervenções para prevenir a obesidade infantil são geralmente eficazes.4 Algumas das dificuldades apontadas para o manejo adequado do sobrepeso e obesidade incluem falta de tempo, conhecimento e habilidades para o tratamento por parte do clínico e falta de serviços de apoio ou de financiamento para obter esses serviços específicos para o manejo da obesidade.5 Outras questões apontadas referem-se a comportamentos de intimidação das crianças e adolescentes em função de seu peso e o preconceito presente, inclusive entre os profissionais de saúde que, muitas vezes, induzem a uma abordagem de culpabilização com os pais e responsáveis levando os indivíduos à autocrítica, baixa autoestima e desesperança e fortalecendo as barreiras de Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 177

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos comportamento. Tal abordagem raramente é eficaz e frequentemente coloca em risco a aliança terapêutica.5 13.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E DETERMINANTES DE SOBREPESO E OBESIDADE A prevalência de excesso de peso na população infantil vem aumentando em todo o mundo com reflexos a curto e longo prazo na saúde pública.6 De 1975 a 2016, a prevalência de excesso de peso aumentou de 1% para quase 6% em meninas e 8% em meninos, sendo que o número de obesos entre cinco a 19 anos aumentou mais do que dez vezes no mundo. Nos EUA, aproximadamente 17% das crianças e adolescentes de 2 a 19 anos apresentam obesidade e quase 32% das crianças e adolescentes, excesso de peso ou obesidade.2 No Brasil, a prevalência de excesso de peso em crianças menores de cinco anos encontra-se entre 5% e 9,9%7, já em crianças maiores e adolescentes, estudos nacionais demonstram prevalências de excesso de peso mais altas. O Mapa da obesidade da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica identifica excesso de peso em 36% das crianças entre cinco e nove anos e em 25% dos adolescentes da Região Sul do Brasil.8 Em 2014, 30% dos alunos matriculados em escolas municipais de Porto Alegre foram avaliados pelo Programa Saúde na Escola (PSE) e encontrou-se prevalência de 18% para sobrepeso e 12% para obesidade, ou seja, 30% dos alunos ou estavam com sobrepeso ou eram obesos.9 Quase toda a obesidade em crianças é fortemente influenciada por fatores ambientais, causados por um estilo de vida sedentário ou por uma ingestão calórica maior do que a necessidade. As contribuições de influências ambientais específicas são objeto de discussão e pesquisa. Fatores ambientais explicam apenas parte do risco de obesidade, mas são alvos importantes para o tratamento por serem potencialmente modificáveis.4 No que diz respeito à história familiar, ter um dos pais obeso aumenta o risco de obesidade em duas a três vezes, e em até 15 vezes se ambos os pais forem obesos. As crianças pertencentes a famílias com baixa renda, também têm o risco aumentado para sobrepeso e obesidade.4 O ganho de peso rápido no início da vida também está associado com sobrepeso na idade escolar e risco para sobrepeso e hipertensão arterial na vida adulta.10,11 Estima-se que uma criança com obesidade grave aos dois anos tem 80% de chance de ser obesa aos 35 anos, enquanto uma criança de cinco anos obesa tem 90% de chance de permanecer obesa na vida adulta.4 Entre os fatores apontados como responsáveis por este aumento da prevalência da obesidade, encontram-se: tendências crescentes no índice glicêmico de alimentos, maior consumo de bebidas que contêm açúcar, tamanho das porções de alimentos industrializados, serviços de fast food, diminuição das refeições com a família, redução da atividade física, aumento do uso de atividades lúdicas computadorizadas, conteúdo nutricional das refeições escolares e elementos do ambiente construído para atividade física (calçadas e playgrounds). Vários estudos bem desenhados mostraram associação entre a ingestão de bebidas contendo açúcar, ou baixa atividade física, e obesidade ou anormalidades metabólicas.4 178 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE (2015) fornece informações para o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco de Doenças Crônicas não Transmissíveis, do Ministério da Saúde, com dados atualizados sobre a distribuição desses fatores no público-alvo. Ao pesquisar o consumo semanal igual ou superior a cinco dias de alimentos marcadores de alimentação saudável (MAS) entre estudantes brasileiros do 9º ano, em 2015, observou-se que 60,7% consumiam feijão, 37,7%, legumes e 32,7%, frutas frescas. No entanto, alimentos marcadores de alimentação não saudável (MANS) são frequentemente consumidos. Os percentuais de consumo chegaram a 13,7% para salgados fritos, 41,6% para guloseimas, 26,7% para refrigerantes e 31,3% para ultraprocessados salgados.12 Há evidências crescentes de que as influências ambientais e nutricionais durante os períodos críticos do desenvolvimento, particularmente durante a gestação, podem ter efeitos permanentes na predisposição de um indivíduo à obesidade e à doença metabólica. Os mediadores e mecanismos precisos para esses efeitos não foram estabelecidos, mas são objeto de investigações. Esse fenômeno tem sido chamado de \"programação metabólica\" e pode ser responsável por um componente da transmissão intergeracional da obesidade via mecanismos epigenéticos, além de fatores genéticos e ambientais. 4 A Figura 1 ilustra o ciclo de vida de um indivíduo e consequências relacionadas à alimentação inapropriada e a má nutrição. Os períodos de vida intrauterina, infância e pré-escola são considerados períodos críticos para determinar obesidade na vida adulta.13 Figura 1 - Ciclo de vida, má nutrição e obesidade Fonte: Adaptado da ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE13 179 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos 13.2 DIAGNÓSTICO E MANEJO DO SOBREPESO E OBESIDADE NA CRIANÇA O algoritmo a seguir foi elaborado para auxiliar os profissionais da APS na avaliação e manejo do sobrepeso e da obesidade na criança. A partir da avaliação do estado nutricional, realizada em todas as consultas de revisão da criança, se inicia um conjunto de recomendações previstas tanto para as crianças que não apresentam excesso de peso - ações preventivas- como para as que apresentam. E o manejo da criança com sobrepeso ou obesidade deverá ser de acordo com a complexidade da situação. As diferentes ações - de manejo - estão baseadas em “etapas de intervenção” sugeridas pela Academia Americana de Pediatria (AAP) que prevê graus crescentes de supervisão, aconselhamento e intervenção.5 Figura 2 - Algoritmo de prevenção, diagnóstico e manejo do sobrepeso e obesidade Fonte: As autoras. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 180

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade 13.2.1 CLASSIFICAR O ESTADO NUTRICIONAL A aferição de peso e altura deve ser realizada em todas as consultas de revisão da criança.14 Recomenda-se, para identificar sobrepeso e obesidade, observar a relação peso e comprimento/altura nas consultas até os 2 anos de idade e, a partir dessa idade, calcular e registrar o Índice de Massa Corporal (IMC).4,14 O termo \"obesidade\" refere-se ao excesso de gordura. No entanto, os métodos usados para medir diretamente a gordura corporal não estão disponíveis na prática diária. Por essa razão, a obesidade geralmente é avaliada pela relação entre peso e altura (antropometria), que fornece uma estimativa da gordura corporal que é suficientemente precisa para propósitos clínicos.4 Após avaliação antropométrica, é recomendado classificar a criança quanto ao estado nutricional de acordo com o percentil ou escore Z em baixo peso, peso saudável, sobrepeso, obesidade ou obesidade grave. O termo \"obesidade mórbida\" identifica indivíduos com comorbidades relacionadas à obesidade. No entanto, este termo é muitas vezes usado inadequadamente como sinônimo de obesidade severa, e também por ter conotações pejorativas para os pacientes, seu uso é desencorajado.4 Como as crianças crescem tanto em altura quanto em peso, os valores para o IMC em crianças variam de acordo com a idade e o sexo. O quadro a seguir apresenta o ponto de corte pelo IMC, apresentados no capítulo 4. As seguintes definições são usadas para categorizar o status de peso para crianças e adolescentes (2 a 20 anos de idade) (Quadro 1). Quadro 1 - Classificação do estado nutricional de acordo com o IMC nas curvas de crescimento da OMS Classificação Percentil Escore Z Baixo peso < 5 para idade e sexo < escore z-2 Peso saudável entre 5 e 84 entre escores z-2 e z+1 Sobrepeso entre 85 e 94 entre escores z+1 e z+2 Obesidade ≥95 Obesidade severa > 99 entre z+2 e z+3 > escore z+3 Fonte: KLISH, 20184 13.2.2 AVALIAR HÁBITOS ALIMENTARES, DE ATIVIDADE FÍSICA E RISCO DE OBESIDADE A alimentação inadequada na infância e na adolescência, mesmo que não comprometa o estado nutricional, pode elevar o risco para doenças e agravos não transmissíveis, como hipertensão, doença arterial coronariana, dislipidemias, diabete, osteoporose e obesidade futura.16 Estudos identificam atual padrão alimentar de crianças caracterizado pela ingestão excessiva de açúcares, sódio e gorduras saturadas, com carência de consumo de frutas, grãos, fibras e produtos lácteos.12 Sendo assim, é importante avaliar os hábitos alimentares da criança (e de sua família); saber se foi ou não amamentada; a disponibilidade e variedade de alimentos e, inclusive, se contam com algum benefício proveniente de programas de transferência de renda e outros tipos de auxílio (cesta básica, leite, etc). Também é importante identificar a alimentação realizada na escola/creche e as possíveis influências que ela exerce nas suas escolhas alimentares. Da mesma forma, deve-se perguntar se a criança alimenta-se com frequência fora de casa, de forma conjunta ou separada da família, fazendo ou Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 181

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos não atividade concomitante, por exemplo, vendo televisão. O consumo de alimentos de baixo valor nutricional tais como refrigerantes, sucos artificiais, balas, doces, salgadinhos, frituras, macarrão instantâneo, também deve ser investigado. Sugere-se utilizar o formulário Marcadores do consumo alimentar do SISVAN como guia para esta avaliação.16,17 O consumo muito frequente de alimentos de baixo valor nutricional, baixa ingestão de frutas, verduras e legumes é um hábito alimentar inadequado.18,19 O quadro a seguir relaciona fatores dietéticos que contribuem para o ganho de peso e exemplifica perguntas abertas que podem ser realizadas no sentido de identificá-los. Quadro 2 - Fatores dietéticos para ganho de peso e formas de questionamento Verificação de fatores dietéticos relacionados à obesidade infantil e na adolescência Fator dietético Contribuição ao ganho de peso Exemplo de questões para avaliação clínica Restaurantes e Refeições feitas fora de casa costumam fornecer “Quantas vezes por semana sua família costuma fast-food porções maiores e mais calóricas com menor comer ou comprar comida fora?” qualidade nutricional. “Quantas refeições por semana sua família faz em O aumento da frequência de refeições fora de restaurantes ou fast-foods?” casa está associado ao aumento do IMC. Bebidas adoçadas O alto consumo de bebidas açucaradas está “Quantas vezes ou quantos copos por dia seu com açúcar relacionado ao aumento da prevalência de filho consome das seguintes bebidas: suco obesidade em crianças, mas a causalidade ainda artificial, refrigerantes, leite achocolatado, bebidas não está bem estabelecida. Suco de fruta esportivas ou chás adoçados?” também pode ser considerado uma bebida adoçada Tamanho das Porções maiores levam ao aumento da ingestão “Seu filho costuma repetir ou pedir sempre porções energética. porções maiores?” “Quantas porções de macarrão, arroz ou cereal seu filho consome por refeição?” “Quantos pedaços de carne seu filho come por refeição?” Densidade A associação entre densidade energética dos “Com que frequência seu filho come alimentos energética dos alimentos e obesidade está bem estabelecida em fritos?” alimentos adultos, mas ainda não em crianças . “O que seu filho costuma comer nos lanches?” “Qual o tipo de leite, queijo, pão e carne vocês costumam consumir em casa?” Frutas e vegetais Comer frutas e vegetais ajuda a substituir “Quais as frutas e vegetais que você normalmente alimentos altamente energéticos e aumentar a tem em casa?” saciedade. Há evidências de que o baixo “Com que frequência seu filho consome vegetais consumo desses alimentos está associado com no almoço ou jantar?” obesidade . “Em quais refeições ou lanches seu filho come fruta?” Café da manhã Omitir o café da manhã está relacionado com o “Quanto tempo depois de acordar seu filho aumento da obesidade em crianças, mesmo costuma comer ou beber algo?” quando há diminuição da ingestão calórica e tem “Seu filho toma café em casa ou na escola?” efeitos adversos na performance escolar. “Com que frequência seu filho “pula” o café da manhã?” Frequência das “Beliscar” leva a aumento da ingestão energética “Quantas refeições e lanches seu filho faz em refeições e e piora da qualidade da dieta. A associação direta casa?” “beliscos” entre “beliscar” e obesidade infantil ainda não “Onde seu filho faz seus lanches?” está bem estabelecida. “Quanto tempo depois de uma refeição seu filho come um lanche?” “Quantos lanches seu filho faz nos finais de semana?” Fonte: Adaptado de SKELTON, 201220 182 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade A prática de atividade física também é importante de ser avaliada. Da mesma forma o número de horas que a criança passa em frente à televisão, computador, celular, videogame (tela, em geral) durante o dia. Mais que 2h de tela é considerado um mau hábito e pode indicar sedentarismo.18,19 O estado nutricional dos pais deve ser avaliado pois, se ambos foram obesos, o risco da criança ser obesa quando adulto aumenta de 6 a 15 vezes.5 Sendo assim, mesmo que a criança não apresente sobrepeso e obesidade, um cuidado especial deve ser dado aos seus hábitos alimentares e atividade física. 13.2.3 REALIZAR AVALIAÇÃO CLÍNICA, AVALIAÇÃO DO CONTEXTO E ESTRATIFICAR 13.2.3.1. Realizar avaliação clínica Alguns itens de anamnese, exame físico e avaliação laboratorial são especialmente importantes de serem abordados na presença de sobrepeso e obesidade na criança. Durante a anamnese, por exemplo, destaca-se a importância de identificar o padrão de sono da criança. Cada vez mais, o sono é visto como intrinsecamente ligado a sua saúde e, especialmente, ao status de peso da criança. Embora seu papel no controle de peso não seja totalmente claro, identificar padrão de sono inadequado ou interrompido é importante para lidar com o peso da criança. Inicialmente, a apneia do sono, comorbidade potencial, era o foco principal da pesquisa, mas cada vez fica mais claro que a duração reduzida do sono está associada à obesidade. A criança pré-escolar deve dormir entre 10 a 13 horas por noite e os adolescentes entre 8 a 10 horas.5 Deve-se também questionar sobre o uso de medicamentos. Alguns medicamentos podem causar ganho de peso, incluindo certas drogas psicoativas (particularmente olanzapina e risperidona), drogas antiepilépticas e corticoides. O ganho de peso e a hiperlipidemia induzida pela olanzapina podem ser particularmente graves em adolescentes, em comparação com adultos. É improvável que breves ciclos de corticoides orais ou inalatórios tenham efeitos a longo prazo no peso corporal, a menos que sejam prescritos com frequência.4 Outra questão é estar atento para a presença de sinais e sintomas de transtornos alimentares, mais comuns na adolescência, mas que podem se apresentar como comorbidade em crianças maiores. Existe uma forte associação entre obesidade e transtorno mental (ex: Obesidade e compulsão alimentar, transtorno depressivo, transtorno bipolar). Os transtornos alimentares, especificamente anorexia, compulsão alimentar e bulimia, possuem uma série de aspectos psicológicos e comportamentais comuns, mas que diferem substancialmente em termos de curso clínico, desfecho e necessidade de tratamento. O que vale ser considerado aqui é que, em comum, as pessoas com esses transtornos apresentam um julgamento sobre si mesmo muito focado na sua aparência/ na sua forma física, no seu peso e na sua capacidade de controlá-lo..21 É importante que os profissionais de saúde tenham conhecimento disso e que não reforcem essa questão da aparência e valorização do peso em si, pelo contrário, que estimulem a criança/adolescente a adquirir hábitos saudáveis e a se valorizar por outros aspectos.22 Estudo realizado no RS demonstrou que 29% dos estudantes na faixa etária de 10 a 14 anos apresentavam sintomas de transtornos alimentares e 5,3% já haviam sofrido bullying. Os escolares que encontravam-se acima do peso apresentaram mais do que o dobro de chances de estarem com os sintomas e de serem vítimas de bullying.23 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 183

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Em relação ao exame físico, a medição do percentil do índice de massa corporal (IMC) para idade e sexo é a ferramenta mais prática para identificar sobrepeso e obesidade. Um rápido aumento no peso por altura ou IMC é um importante preditor de obesidade futura, mesmo em crianças que estão atualmente dentro de uma categoria de peso saudável.5 O estado nutricional pode ser classificado conforme quadro 1 da anotação 1. O segundo passo da avaliação clínica é identificar comorbidades. Sendo assim, um exame físico completo é importante. Recomenda-se especialmente medir a pressão arterial (PA) para descartar hipertensão, que caracteriza-se por pressão arterial sistólica ou diastólica acima do percentil 95 para idade, sexo e altura, em ≥3 ocasiões. A PA elevada pode estar presente em patologias como hipertensão essencial, doença renal e síndrome de Cushing.5 Medir estatura e observar a curva de crescimento. Crianças com altura abaixo do percentil 50 e com peso > percentil 95, e não explicado pela baixa estatura familiar; velocidade de crescimento <5 cm/ano em uma criança pré-púbere, ou declínio através de duas ou mais curvas de percentil de altura em um gráfico padrão (por exemplo, diminuindo do percentil 90 para o percentil 50 percentil), deve-se suspeitar de causas endócrinas.5 Muito embora, as causas endócrinas de ganho de peso são identificadas em menos de 1% das crianças e adolescentes com obesidade. Além disso, esses distúrbios geralmente estão associados ao excesso de peso ou à obesidade leve, e não à obesidade grave e, a maioria das crianças com esses problemas têm baixa estatura e/ou hipogonadismo. As principais causas endócrinas são: excesso de cortisol (por exemplo, o uso de medicação corticosteroide, síndrome de Cushing) , Hipotireoidismo, Deficiência de hormônio de crescimento e Pseudo-hipoparatireoidismo. Lesões hipotalâmicas podem causar obesidade severa rapidamente progressiva, que é particularmente difícil de tratar. Na faixa etária pediátrica, a obesidade hipotalâmica na maioria das vezes surge após o tratamento cirúrgico do craniofaringioma e geralmente está associada ao panhipopituitarismo. Padrões semelhantes podem ser causados por trauma, tumor ou doença inflamatória que afeta o hipotálamo.4 Síndromes genéticas que cursam com obesidade são situações mais raras. Além do excesso de peso, as crianças com síndromes genéticas associadas à obesidade geralmente apresentam obesidade de início precoce e achados característicos no exame físico. Estes incluem alterações dismórficas, baixa estatura, atraso no desenvolvimento ou deficiência intelectual (retardo mental), alterações da retina ou surdez.4 Em relação à avaliação laboratorial de crianças com excesso de peso, recomenda-se: perfil lipídico, glicemia de jejum e testes de função hepática. Se perfil lipídico normal, repetir exame a cada 3-5 anos. Se os resultados forem anormais, o monitoramento anual geralmente é apropriado. A triagem de anormalidades na glicemia (ou hemoglobina glicada), TGO e TGP é recomendada se o paciente tiver 10 anos ou mais e apresentar um ou mais dos seguintes fatores de risco: história pessoal de pressão arterial elevada, níveis lipídicos, uso de tabaco ou história familiar de doenças relacionadas à obesidade (diabetes tipo 2, anormalidades lipídicas, doenças cardíacas).5 As diretrizes sugerem que a triagem com hemoglobina de jejum ou hemoglobina glicada seja realizada a cada três anos em pacientes com mais de 10 anos de idade com sobrepeso ou obesidade e um ou mais fatores de risco adicionais para diabetes. 24 184 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade O profissional deverá levar em consideração o contexto em que vive a criança e sua família (a seguir) e, a partir da anamnese, exame físico e laboratorial realizados, da gravidade do caso e também de acordo com as metas estabelecidas com a criança/família cumpridas, avaliar a necessidade de encaminhar a criança a outros profissionais tais como pediatra, geneticista, endocrinologista, psiquiatra.5 13.2.3.2. Avaliação do contexto As dificuldades em lidar com a obesidade infantil constituíram o substrato da construção da abordagem desse problema buscando uma perspectiva contextual para melhor entendimento da complexidade de fatores que se inter relacionam, como os biogenéticos, os familiares e os psicossociais, que fazem parte da constituição do fenômeno da obesidade.25,26 É importante que os profissionais tenham um olhar que contemple os determinantes que levam a obesidade. Infelizmente interpretada, muitas vezes, como falta de cuidado. Para avaliação do contexto, facilitado no cenário de APS, estão relacionados alguns fatores: • Condição socioeconômica: Investigar Insegurança Alimentar (episódios de falta de dinheiro para aquisição de alimentos), condições familiares (quais são as fontes de renda familiar e se há a disponibilidade de certos eletrodomésticos como refrigerador, por exemplo); • Fatores genéticos: Os mecanismos genéticos e epigenéticos ajudam a explicar por que famílias de educação e capacidades semelhantes podem ter predisposições muito diferentes à obesidade e a diferentes sucessos no controle de peso; • Fatores ambientais: Mudanças sociais e ambientais, ao longo das últimas décadas, promoveram ganho de peso insalubre, tais como alimentos densamente energéticos prontamente disponíveis, transporte motorizado e aumento de atividades sedentárias de lazer; • Contexto familiar: A alimentação é uma das mais tradicionais atividades familiares, sendo que, em geral, os elementos que compõem o padrão alimentar (tipos de alimentos ingeridos, preparo, horários) são compartilhados pelos membros da família. O profissional de saúde precisa identificar e considerar questões do sistema familiar no processo de mudança de hábitos alimentares da criança e de sua família para que o tratamento se torne mais efetivo e, ao mesmo tempo, não se constitua em ameaça à identidade do grupo familiar.27 Os comportamentos alimentares e comida podem ter um significado importante para as famílias, haja visto que, muitas vezes, os pais ou outros familiares utilizam a comida como recompensa ou punição para as crianças. Dessa forma, o estímulo excessivo dos pais para que a criança coma pode se correlacionar à obesidade na infância, assim como a ansiedade dos pais sobre o estado nutricional da criança também pode atrapalhar o processo. Pergunte aos pais o que eles acham sobre o estado nutricional da criança, pois uma percepção equivocada, assim como preferência cultural por crianças “mais gordinhas”, podem afetar a habilidade da família em lidar efetivamente com o problema. É importante explorar as razões para a ansiedade, nos pais e na criança, que podem variar desde um risco superestimado de obesidade futura da criança até uma história de distúrbios alimentares nos próprios pais. Os seguintes aspectos devem ser observados:28 o relação emaranhada entre mãe (ou responsável) e filho(a) – dependência e proteção prolongadas em atividades cotidianas e sociais; excesso de proteção e de cuidados na alimentação; o pais (ou responsáveis) ansiosos, que identificam qualquer choro dos filhos como “choro de fome” e super alimentam as crianças, forçando-as a maior ingestão mesmo quando já estão saciadas; o pais (ou responsáveis) com dificuldades para estabelecer limites aos filhos, inclusive na esfera da alimentação; o ocorrência de trocas afetivas quase que exclusivamente por meio da alimentação; o retratação dos familiares obesos e magros, valores e crenças alimentares. Bom observar que as comemorações possibilitam identificar os mitos da família, isto é, a reedição do sentido simbólico de ser gordo naquele grupo; o histórico do estado nutricional, bem como a presença de transtornos alimentares dos familiares próximos; Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 185

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos o perceber e respeitar o momento de vida de cada criança, levando em conta sua ansiedade, sensibilidade emocional e, principalmente, capacidade de compreensão e de execução das propostas alimentares; É importante entender o padrão alimentar da criança/adolescente no contexto do padrão financeiro e alimentar da família: • hábito e frequência das compras de alimentos, planejamento das refeições, uso de lista de compras, leitura de rótulos, tipo de alimentos consumidos (pão branco ou integral, leite integral ou desnatado, etc.); • frequência das refeições e quem está presente; • se a criança é quem serve o próprio prato ou é servida pelos responsáveis; • como a criança/adolescente gasta seu tempo após (ou antes) da escola e quem supervisiona; • local onde são feitas as refeições e • se a televisão ou outra mídia permanece ligada ou é utilizada durante as refeições. Em alguns casos, fatores econômicos e culturais podem ser um fator limitante na habilidade ou vontade familiar em realizar mudanças na dieta ou atividade física. Esses obstáculos podem ser trabalhados utilizando o aconselhamento centrado na família, na qual as famílias decidem quando iniciar o processo e a intensidade com a qual estão dispostos a prosseguir com as mudanças necessárias para o controle de peso.20 13.2.3.3. Estratificar de acordo com o grau de complexidade O profissional deve definir em qual estrato a criança se encontra de acordo com a complexidade da situação a partir da classificação do estado nutricional e da avaliação clínica, combinadas com a oferta de cuidados possível, considerando o seu contexto familiar, condições socioeconômicas e fatores ambientais. A partir da estratificação, etapas de intervenção são preconizadas com graus crescentes de supervisão.5 Figura 2 - Níveis de estratificação da criança com sobrepeso e obesidade e intervenção proposta. Fonte: As autoras. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 186

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade 13.2.4. REFORÇO NA PREVENÇÃO Orientações para uma alimentação saudável e atividade física fazem parte das consultas de revisões de saúde e devem sempre estar envolvidas no contexto particular de cada criança. Estão diretamente relacionadas aos hábitos de sono, ao funcionamento da família, a situação de moradia, às condições sócio econômicas e às crenças familiares, sendo que todos estes fatores devem ser levados em consideração no momento de realizar estas combinações. 13.2.4.1. Orientações para Alimentação saudável Orientar uma alimentação saudável é recomendado em todos as consultas pela importância na prevenção da obesidade. De acordo com os estágios de intervenção, representa o primeiro nível (ou primeiro degrau) que consiste em orientar para:20 • consumir de 5 porções diárias de vegetais ou frutas; • diminuir o consumo de bebidas adoçadas; • realizar as refeições junto à família quando for possível e • fazer o desjejum (não pular o café da manhã). O novo guia alimentar da população brasileira publicado em 2014 trouxe uma nova concepção de alimentação saudável baseada na classificação dos alimentos de acordo com o graus de processamento, além de introduzir recomendações comportamentais. Desta forma o novo guia alimentar para crianças menores de 2 anos (que está em fase de consulta pública) renovou os 10 passos para alimentação saudável e incluiu mais dois passos. O quadro a seguir, resume as orientações. Quadro 3 - Doze passos para uma alimentação saudável Doze passos para uma alimentação saudável 1. Amamentar até 2 anos ou mais, oferecendo somente o leite materno 5 até 6 meses 2. Oferecer outros alimentos, além do leite materno, a partir dos 6 meses 3. Oferecer água -apropriada para o consumo da criança- em vez de sucos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas 4. Alimentar a criança com alimentos in natura e minimamente processados 5. Oferecer a comida na consistência espessa quando a criança começar a comer outros alimentos além do leite materno 6. Não oferecer açúcar à criança até 2 anos de idade 7. Não oferecer alimentos ultraprocessados para a criança 8. Cozinhar para a família e para a criança a mesma comida usando alimentos in natura e minimamente processados 9. Zelar para que a hora da alimentação da criança seja um momento de experiências positivas, aprendizado e afeto 10. Cuidar da higiene em todas as etapas da alimentação da criança 11. Oferecer à criança alimentação adequada e saudável também fora de casa 12 Proteger a criança da publicidade de alimentos Fonte:Guia alimentar para menores de 2 anos de idade (versão preliminar) 29 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 187

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos No capítulo 9, “Alimentação Saudável” foram descritas as orientações para cada fase da vida da criança. É de fundamental importância a verificação da alimentação e tentar corrigir de imediato as inadequações para a prevenção na formação do hábito alimentar. 13.2.4.2.Orientações para Prática de atividade física O aconselhamento para prática de atividade física diária deve incluir redução de atividades sedentárias e aumento da atividade física. Engajar-se em atividade física regular é uma das coisas mais importantes que pessoas de todas as idades podem fazer para melhorar sua saúde.30 Para pré-escolares as atividades externas como brincadeiras na rua ou parques e praças devem ser estimuladas dentro das possibilidades. Crianças maiores (6 – 9 anos) se beneficiam mais de atividades estruturadas como escolinhas esportivas, jogos ou sessões de exercício supervisionadas, como andar de bicicleta. A criança se sentirá mais motivada se estiver envolvida na escolha das atividades para ocupar o tempo que vinha sendo ocupado com atividades sedentárias. A negociação entre profissionais, criança e familiares é fundamental na manutenção do respeito e confiança.28 Algumas “regras de mídia” podem ser adotadas para auxiliar na redução do tempo das crianças em frente às telas:19 • Retirada de televisão do quarto das crianças; • Desligar a televisão durante as refeições; • Limitar o tempo de televisão, celular, tablets, computador a, no máximo, 2 horas por dia e • Não acostumar crianças menores de 2 anos a assistir televisão Figura 3 - Resumo das orientações para hábitos alimentares saudáveis e prática de exercício 188 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade Fonte: As autoras. 13.2.5 INTERVENÇÃO SISTEMATIZADA Uma intervenção sistematizada com a construção de um plano de cuidado está indicada a crianças que apresentam sobrepeso com baixa oferta de cuidados ou que apresentam obesidade.5 A inclusão de dois ou mais profissionais na atenção à saúde dessas crianças dependerá dos resultados alcançados, da avaliação clínica e do contexto familiar, ou seja, da estratificação do caso, que é um processo dinâmico, baseado no grau de complexidade e que, a qualquer momento, pode ser alterado. Algumas recomendações servem para todas as situações, tais como a formação de uma aliança terapêutica, o engajamento com a família, prioridades e metas definidas sempre de forma conjunta e a não recomendação de dietas restritivas. Na realidade as intervenções sistematizadas não são excludentes, elas se somam conforme o grau de complexidade o qual dará suporte à estratificação. Em relação a aliança terapêutica deve-se procurar adotar uma abordagem de suporte, em vez de culpabilização. Sugere-se que, na conversa com a criança e a família, o foco consista em adquirir comportamentos alimentares saudáveis. Ao invés de prescrever “dieta”, ou seja, orientar restrição calórica com objetivo de perda de peso, o profissional deve procurar focar a aquisição de hábitos saudáveis, e não a perda de peso ou a mudança na aparência. Esta recomendação se deve ao fato de que excesso de preocupação com o peso e aparência têm sido associado não somente a ganho de peso subsequente, mas também ao desenvolvimento de transtornos alimentares.5 O manejo mais adequado é sempre aquele idealizado em conjunto com profissionais, criança e família, levando-se em consideração que pais, mães, e filhos precisam ser acolhidos e compreendidos em suas histórias, sofrimentos, conflitos, valores, expectativas, crenças e saberes.28 Conversas que enfatizam riscos específicos de longo prazo - por exemplo, de desenvolver diabetes, de tornar-se hipertenso - não são recomendadas. Táticas de intimidação, como são conhecidas, podem atrair atenção de curto prazo, mas raramente são eficazes para alcançar mudanças de longo prazo, talvez porque a maioria das pessoas não pense de forma probabilística. Em vez disso, é mais eficaz focar a discussão em melhores consequências para a saúde, como o menor risco de obesidade na vida adulta, mobilidade aumentada ou melhora da capacidade atlética.5 O uso de medicamentos para manejo da obesidade em crianças também não está indicado.2 13.2.5.1.Construção de um plano de cuidado com a criança e a família A construção de um plano de cuidado conjunto é muito bem descrito para condições crônicas em adultos, onde o usuário participa ativamente em todas etapas. No caso de crianças é preciso ter a sensibilidade de abordar a pessoa que tem mais potencial para participar das decisões e colaborar. Esta avaliação deverá ser realizada pelo profissional, levando em consideração, obviamente, a idade da criança e o funcionamento da família. Para facilitar, usaremos a “família” como termo genérico, sendo que pode ser um dos pais, os dois ou algum familiar de referência. Vários estudos mostraram que envolver um pai como um importante agente de mudança de comportamento, com ou sem a criança, é mais eficaz para o controle de peso a longo prazo do que centrar-se somente na criança sem a Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 189

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos participação dos pais. A abordagem familiar pode ajudar os profissionais da APS a identificar práticas e comportamentos-chave relacionados à obesidade, ajudar a reforçar as recomendações de tratamento, melhorar a adesão ao programa e criar um ambiente familiar mais saudável com maior apoio social e menos barreiras ao sucesso.31 A avaliação de hábitos alimentares e prática de atividade física (anotação 2) juntamente com a avaliação mais profunda dos aspectos familiares, contexto socioeconômico, fatores culturais (anotação 3) são o ponto de partida para elaboração de uma lista de problemas. A lista de problemas pode ser extensa e gerar no profissional uma ansiedade para resolver a situação, mas é preciso eleger prioridades relacionadas ao comportamento e focar o aconselhamento em dois ou três problemas decididos em conjunto com a família.20 Após a escolha das prioridades, definir quais são os objetivos e a meta para cada prioridade escolhida. Vale relembrar que o foco deve ser mudança de hábitos, mas se uma das prioridades for especificamente a diminuição do IMC, torna-se bem importante considerar a idade da criança e o estágio de Tanner (maturação sexual) porque muitas vezes a meta mais adequada é manter o peso e acompanhar o crescimento ponderal com a diminuição lenta do IMC. Mostrar esta projeção para a família normalmente traz alívio da ansiedade e ajuda a não desejar dietas restritivas. As técnicas de aconselhamento mais bem estabelecidas utilizadas no tratamento da obesidade pediátrica usam um modelo de mudança de comportamento, considerada a intervenção mais eficaz para perda de peso em crianças.2 O processo de mudança de comportamento deve ser sempre colaborativo e não prescritivo. Intervenções comportamentais intensivas e abrangentes, com um total de 26 horas de contato ou mais, durante um período de 2 a 12 meses, mostraram resultados na perda de peso e, num total de 52 horas de contato ou mais, demonstraram ainda maior perda de peso e algumas melhorias nos fatores de risco cardiovascular e metabólico.2 As técnicas de aconselhamento mais recomendadas para o tratamento da obesidade infantil baseadas no modelo da mudança de comportamento, incluem os seguintes elementos:20 • Auto-monitoramento das metas comportamentais (registros alimentares e de atividade física feitos pela família) ajudam no reconhecimento dos fatores que contribuem para o ganho de peso; • Controle de estímulos ambientais que contribuem para comportamentos pouco saudáveis (evitar a compra de determinados alimentos e retirar televisão, computador e/ou videogame do quarto da criança, por exemplo); • Definição de metas de comportamentos saudáveis ao invés de metas de perda de peso. As metas devem ser realistas e sustentáveis. Metas apropriadas são: específicas, mensuráveis, atingíveis, realistas e oportunas; • Contrato, ou seja, acordo explícito entre o profissional, os pais e a criança para que metas comportamentais atingidas sejam recompensadas. Isso ajuda as crianças a se concentrarem em comportamentos específicos e fornece incentivo para o seu processo de definição de novas metas e • Reforço positivo, que pode ser na forma de elogios ou pequenas recompensas quando as metas comportamentais forem atingidas. As recompensas devem ser em forma de atividades, passeios ou pequenos “privilégios”, devendo-se evitar as trocas monetárias, por guloseimas ou brinquedos. Algumas combinações são feitas diretamente com a criança e ela mesma poderá escolher refeições ou receitas pois é uma boa oportunidade para ensinar padrões saudáveis de alimentação 190 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade incluindo o reforço do papel dos pais e permitindo autonomia da criança, principalmente às crianças maiores e adolescentes. O papel dos pais é fundamental no sentido de proporcionar ambientes e práticas culturais que incentivem as crianças a comerem alimentos mais saudáveis e a serem fisicamente ativas.32 Alguns hábitos alimentares, já citados na anotação do reforço a prevenção (anotação 4) possuem evidência de alta qualidade de acordo com o Institute for Clinical Systems Improvement:30 imitar o consumo de bebidas adoçadas; consumir diariamente 5 ou mais porções de frutas ou vegetais; fazer o desjejum (café da manhã) diariamente; realizar as refeições junto à família quando for possível; reduzir refeições fora de casa principalmente em fast foods e, ajustar os tamanhos das porções para a idade. Intervenções inadequadas como o uso de dietas prontas, imposição de dietas, especialmente rígidas e restritivas, dificultam a adesão e podem levar ao desenvolvimento de comportamentos inapropriados.5 Os alimentos diet não são indicados para as crianças, pois, além de não contribuírem na modificação do hábito alimentar, podem não apresentar nenhum impacto na redução da ingestão total de calorias. Ademais, contêm adoçantes que não foram suficientemente estudados para que se possam ser utilizados à longo prazo com segurança na faixa etária pediátrica.20 A sessão de aconselhamento pode ser breve e utilizar material impresso previamente. Utilizar-se de um tempo maior de aconselhamento é válido, principalmente se há outro profissional de saúde aliado (enfermeiro, nutricionista, psicólogo, etc.) disponível para esse aconselhamento. As sessões de aconselhamento devem ser repetidas nas consultas subsequentes. É importante a retomada das combinações e metas estipuladas no encontro anterior. Se a família da criança ou adolescente apresentar qualquer progresso, o profissional deve reforçar o resultado desse trabalho adicional. Resumindo, os passos da elaboração de um plano de cuidado conjunto consistem em: • elaboração de uma lista de problemas; • eleger prioridades; • focar o aconselhamento em dois ou três problemas escolhidos (estimular auto- monitoramento e o controle de estímulos ambientais); • definir quais são os objetivos e metas para cada prioridade escolhida (contrato, incluir recompensa) e • fornecer reforço positivo. Outra técnica que o profissional de saúde pode dispor é a entrevista motivacional. Trata-se de um modelo de abordagem, de aconselhamento, centrado no paciente que é cada vez mais utilizada para o tratamento da obesidade por apresentar bons resultados. Aborda a ambivalência do paciente para mudar e se concentra em seus valores como um meio para resolver essa ambivalência. O profissional emprega uma escuta reflexiva para encorajar os pacientes a identificar suas próprias razões para fazer uma mudança de comportamento, bem como suas próprias soluções. Durante o manejo, podem ser utilizadas práticas preconizadas na entrevista motivacional como não-julgamento, empatia e encorajamento que também são altamente recomendadas. 20,33-35 13.2.5.2. Envolvendo equipe multiprofissional no plano de cuidado Por tratar-se de uma condição multifatorial, o envolvimento da equipe multiprofissional potencializa a intervenção e é especialmente recomendada para crianças com obesidade e baixa oferta de cuidados, ou então com obesidade mais grave (estrato 3). A discussão de caso na equipe de Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 191

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos referência da família, ou da área da vigilância, com a presença dos profissionais que realizam matriciamento no SSC (nutricionistas, farmacêuticos, médicos psiquiatras e pediatra) se constitui em um recurso para o planejamento das intervenções, diante dos recursos e dispositivos que a equipe dispõe. No SSC é possível planejar cuidado multiprofissional considerando os seguintes recursos: • Consultas conjuntas com outro profissional. O profissional que tem maior vínculo com a família, ao invés de encaminhar, atende em seu espaço juntamente com a ajuda de profissional de outra categoria. Esta prática diminui a resistência, promove o aprendizado e é facilitada pela confiança que a família tem com quem já a acompanha; • Consulta sequencial: se constitui em um potente recurso para a assistência às condições crônicas, tanto com o foco na puericultura, como em algum problema de saúde. A criança e o familiar são atendidos por dois ou mais profissionais, em consultas separadas, que planejaram-se previamente para realizarem atendimentos em sequência, combinando conteúdo das consultas, objetivos e metas de cada atendimento; • Grupos de pais ou consulta coletiva: o trabalho em grupo é um recurso excelente para o empoderamento, troca de experiências e educação em saúde e • Visitas domiciliares: uma visita domiciliar poderá auxiliar o profissional de referência a compreender melhor o contexto familiar, seu funcionamento e rotina, pois possibilita a identificação de fatores contribuintes ao excesso de peso da criança ou adolescente. 13.2.5.3. Envolvendo ações intersetoriais Devido à complexidade e às múltiplas causas da obesidade e da importância de atuar precocemente para reverter ou prevenir o agravamento da situação, um cuidado mais amplo, envolvendo, além da família, a equipe multidisciplinar, a escola ou creche será sempre importante, especialmente na obesidade com baixa oferta de recursos ou na obesidade mais grave. A visita à escola ou creche, muitas vezes, revela situações que os próprios pais das crianças desconhecem. Lanches ricos em gorduras, açúcares e sódio estão presentes em muitas cantinas de escolas brasileiras. Hambúrgueres, pastéis, cachorros-quentes, salgadinhos de pacote, chocolates, balas, refrigerantes, sucos artificiais e doces em geral são apenas alguns exemplos dos alimentos ali disponibilizados. O Programa Saúde na Escola (PSE) é uma estratégia proposta pelos Ministérios da Saúde e da Educação que objetiva contribuir para o fortalecimento de ações na perspectiva do desenvolvimento integral dos educandos ao mesmo tempo que proporciona à comunidade escolar a participação em programas e projetos que articulem saúde e educação, para o enfrentamento das vulnerabilidades.36 Entre as estratégias do PSE, encontra-se a de orientar educadores, crianças e adolescentes para uma alimentação saudável. Começando por explicar o que é uma alimentação saudável, que alimentar-se vai muito além de receber nutrientes que irão manter nosso corpo, que existem diferentes tipos de alimentos (in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados), que cozinhar/preparar a sua própria refeição pode ser muito bom, que comer descansadamente e em boa companhia pode ser muito agradável. Um guia que aborda muito bem o tema, elaborado pela UNICEF, traz ainda as questões culturais, sugestões de filmes, links para sites e blogs que podem atrair e sensibilizar crianças mais velhas e adolescentes para uma alimentação saudável, para serem ativos em relação a escolha dos alimentos disponíveis na escola e para refletirem sobre a pressão em busca do corpo perfeito.37 192 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição

Prevenção e manejo do sobrepeso e obesidade 13.2.6 REAVALIAR E, SE NECESSÁRIO, ENCAMINHAR PARA PROFISSIONAL/SERVIÇO ESPECIALIZADO A continuidade do acompanhamento permitirá que a criança, família e profissional (is) reavalie metas, que conforme já mencionado, devem ter sido focadas em adquirir hábitos, alimentares e de atividade física, mais saudáveis. Metas de peso, assim como a utilização de dietas, pode desencorajar e, inclusive, afastar a criança do controle de peso e prejudicar a sua relação com a comida. O profissional de referência, no entanto, deve ter em mente o peso seguro e realista para cada criança..20 Os objetivos específicos de perda de peso devem ser definidos em função da idade, de maturação sexual e do grau de sobrepeso e obesidade: • Crianças que estão com sobrepeso, a meta de manutenção do peso é apropriada, pois isso levará a diminuição o IMC assim que houver crescimento linear; • Crianças que estão em fase de crescimento rápido ou adolescente em pré-estirão, reduzir a velocidade de ganho de peso é uma meta mais realista e frequentemente melhora a condição ponderal; • Na obesidade severa (IMC-para-idade > percentil 99 ou > Escore-z +3), uma perda de peso lenta é segura e apropriada, dependendo da idade da criança ou do adolescente, do grau de obesidade e do nível de maturação sexual e • Para adolescentes com comorbidades, em que é necessário o emagrecimento, é preciso assegurar que seja, da mesma forma, um processo lento, onde as mudanças de hábitos são o foco e o emagrecimento é a consequência. Estudos mostraram que uma redução do escore-z do IMC de 0,15 a 0,25 está associada a melhorias nos fatores de risco cardiovascular e metabólico. Um painel de especialistas alemães determinou que uma redução do escore-z do IMC de 0,20 é clinicamente significativa e comparável à perda de peso de aproximadamente 5%. A redução do escore-z do IMC na faixa de 0,20 a 0,25 parece ser um limiar adequado para resultados clinicamente importantes.2 Em relação a encaminhamentos, na APS a criança e sua família encontram um vínculo que iniciou-se provavelmente desde o pré-natal, o que com certeza é de grande valia no manejo das crianças com sobrepeso e obesidade. No entanto, algumas situações (clínicas, relativas ao contexto ou mesmo na falha de alcançar as metas) requerem discussão de caso, atuação multiprofissional, consultorias, avaliações e até intervenções em outros pontos de atenção. A necessidade de encaminhamento a um serviço mais especializado, não exclui nenhuma das ações relacionadas anteriormente, mas se soma a elas constituindo um conjunto mais consistente de atenção. O profissional da atenção primária deve manter-se como coordenador do cuidado e poderá melhor manejar a situação conhecendo os recursos disponíveis na sua própria equipe, no território e município. REFERÊNCIAS 1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation (WHO Technical Report Series 894). 2000. Disponível em: <http://www.who.int/nutrition/publications/obesity/WHO_TRS_894/en/>. Acesso em: 20 ago. 2018. 2. US PREVENTIVE SERVICES TASK FORCE. Screening for obesity in children and adolescents US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. JAMA, Chicago, v. 317, n. 23, p. 2417- 2426, Jun. 2017. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2632511>. Acesso em: 5 set. 2018. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 193

Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos 3. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Noncommunicable diseases progress monitor, 2017 ISBN 978- 92-4-151302-9 NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC)*. Worldwide trends in body-mass index, underweight, overweight, and obesity from 1975 to 2016: a pooled analysis of 2416 population-based measurement studies in 128·9 million children, adolescents, and adults. Lancet, London, v. 390, p. 2627–2642 2017. 4. KLISH, J. W. Definition; epidemiology; and etiology of obesity in children and adolescents. UpToDate, 2018. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/definition-epidemiology-and-etiology-of- obesity-in-children-and- adolescents?search=obesity%20in%20children&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_ type=default&display_rank=1>. Acesso em: 26 set. 2018. 5. SKELTON, J. A. Management of childhood obesity in the primary care setting. UpToDate, 2018. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/management-of-childhood-obesity-in-the- primary-care- setting?search=obesity%20children%20manejo&source=search_result&selectedTitle=4~150&usage_ type=default&display_rank=4>. Acesso em: 26 set. 2018. 6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2014. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategias_cuidado_doenca_cronica_obesidade_ca b38.pdf>. Acesso em: 26 set. 2018. 7. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Commission on Ending Childhood Obesity. 2018. Disponível em: <http://www.who.int/end-childhood-obesity/en/>. Acesso em: 10 ago. 2018. 8. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA ESTUDOS DA OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA. Mapa da obesidade. Disponivel em: <http://www.abeso.org.br/atitude-saudavel/mapa-obesidade>. Acesso em: 14 set. 2018. 9. PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal de Saúde. O Programa Saúde na Escola. Disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sms/default.php?reg=1&p_secao=982>. Acesso em : 12 set. 2018. 10.ADAIR, L. S. et al. Associations of linear growth and relative weight gain during early life with adult health and human capital in countries of low and middle income: findings from five birth cohort studies Lancet , London, v. 382, p. 525-534, 2013. 11.DEMERATH, E. W. et al. Rapid postnatal weight gain and visceral adiposity in adulthood: the fels longitudinal study. Obesity (Silver Spring), Silver Spring, v. 17, n. 11, p. 2060-2066, Nov. 2009. 12.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97870.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018. 13.WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Nutrition Targets 2025 Childhood Overweight Policy Brief. [2014]. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/149021/WHO_NMH_NHD_14.6_eng.pdf?sequence= 2>. Acesso em: 20 ago. 2018. 14.BRIGHT FUTURES. Recommendations for Preventive Pediatric Health Care. 2017. Disponível em: <https://www.aap.org/en-us/Documents/periodicity_schedule.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2018. 15.SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. 3. ed. Rio de Janeiro: SBP, 2012. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/pdfs/14617a-PDManualNutrologia- Alimentacao.pdf>. Acesso em: 15 set. 2018. 16.BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional: SISVAN na assistência à saúde. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2008. 17.BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Marcadores de consumo alimentar. Disponível em: <http://dabsistemas.saude.gov.br/sistemas/sisvanV2/public/file/ficha_marcadores_alimentar.pdf>. Acesso em: 15 set. 2018. 194 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição


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