As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 101ou seja, é a de que “determinar a cominação de astreintes aos gestores públicos sem lhesoferecer oportunidade para se manifestarem em juízo acabaria por violar os princípiosdo contraditório e da ampla defesa” (REsp 1657795/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin,Segunda Turma, julgado em 17.08.2017, DJe 13.09.2017).13. ASTREINTES E DEVERES DE FAZER E DE NÃO FAZER DE NATUREZA NÃOOBRIGACIONAL O parágrafo quinto do art. 537 do CPC estabelece que as disposições sobre asastreintes previstas no dispositivo são aplicáveis “no que couber, ao cumprimento desentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional”.Diante de tal previsão, afigura-se possível, por exemplo, ao Julgador fixar multa em razãodo descumprimento de dever relativo envolvendo guarda e visitação de menor. Malgrado as astreintes tenham expressão econômica, porque fixadas em dinheiro,nada impede que sejam utilizadas para compelir aquele que descumpriu dever de fazerou de não fazer sem caráter econômico. A ideia de efetividade da jurisdição, que norteia oprocesso civil moderno, alinha-se com tranquilidade à possibilidade de fixação de astreintes,viabilizando que o Magistrado aplique multa para obstar o descumprimento de deveres defazer ou de não fazer sem caráter patrimonial. Por sinal, sob a égide do CPC de 1973, o Superior Tribunal de Justiça já tinhaassentado que: A aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do re- gime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança, se mostra um instrumento eficiente, e, também, menos drástico para o bom desenvolvimento da personalidade da criança, que merece proteção integral e sem limitações (REsp 1481531/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 16.02.2017, DJe 07.03.2017).CONSIDERAÇÕES FINAIS As astreintes constituem importante mecanismo para efetivação da tutela juris-dicional. Na verdade, agindo sobre o ânimo do demandado, a multa processual tempor finalidade precípua constrangê-lo ao cumprimento da obrigação. Constitui autênticomecanismo de execução indireta. O novo Código de Processo Civil avançou sobre a matéria e a disciplinou em seusprincipais aspectos, valendo mencionar que o CPC/1973 não havia concedido o devidotratamento para as astreintes. De toda sorte, qualquer interpretação das disposições donovo CPC sobre a multa deverá ser realizada sempre alinhada às modernas diretrizes dodireito processual, que não se coaduna com um processo não efetivo e complacente coma postura recalcitrante da parte que descumpre o comando judicial.
102 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Nesse particular, a tarefa alocada aos operadores do direito é de suma importân-cia. O operador do direito jamais poderá afastar-se da premissa de que o processo é ummero mecanismo de realização do direito material e que, nesse particular, as astreintesconstituem importante instrumento para obtenção desse desiderato.REFERÊNCIASAMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2004.CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas,2016.FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988.HERTEL, Daniel Roberto. Cumprimento da sentença pecuniária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.______. Curso de execução civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.______. Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas. PortoAlegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.LIEBMAN, Enrico. Processo de execução. São Paulo: Bestbook, 2003.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado: artigo por artigo.Salvador: JusPodivm, 2016.
A JUSTIÇA QUE MERECEMOS* THE JUSTICE WE DESERVE JOSÉ RENATO NALINI Desembargador do TJSP aposentado. Doutor em Direito Constitucional pela USP. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - I. A proposta do constituinte - II. Panorama da justiça brasileira - III. Outra vertente - IV. Alguma perspectiva? IV.a. Mudança no ensino jurídico; Iv.b. Mudança no critério de seleção; IV.c. Conversão do STF em Corte Constitucional; IV.d. Conversão do STJ em Corte de Cassação; Iv.e. Fazer observar o dever ético do consequencialismo; IV.f. Reduzir a litigância - Referências. RESUMO: Este artigo faz uma análise dos trinta anos de vigência da ConstituiçãoFederal, seus acertos e desacertos. PALAVRAS-CHAVE: justiça brasileira; Constituição Federal; processo judicial. ABSTRACT: This paper is an analysis of 30 years of validity of the Federal Constitu-tion, the winnings and misunderstandings. KEYWORDS: Brazilian justice; Federal Constitution; judicial process.INTRODUÇÃO Os trinta anos da Constituição Cidadã, a Carta Constitucional de 05.10.1988,sugerem revisita ao seu texto e ao seu contexto. Um dos aspectos mais evidentes damutação profunda por ela propiciada à sociedade brasileira está no funcionamento dosistema Justiça. Propõe-se análise singela e superficial sobre o que representou o advento do textofundante que mais acreditou na Justiça e que acenou com novo patamar do convívio entre osbrasileiros, pois a ampliação do acesso ao Judiciário contribuiria para a edificação da Pátriajusta e solidária prometida pelo constituinte. Entretanto, não foi bem isso o que aconteceu.* Data de recebimento do artigo: 26.09.2018. Datas de pareceres de aprovação: 01.10.2018 e 08.10.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 16.10.2018.
104 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Como explicar o fenômeno da judicialização da vida a que o País foi submetido nasúltimas décadas? O fato de haver mais de cem milhões de processos judiciais em cursorepresenta a satisfação do povo em relação à sua Justiça? Qual o balanço que se podefazer destes trinta anos de vigência de uma Constituição que foi a grande esperança dosnacionais que saíam de período autocrático? O que se pode fazer para corrigir rumos eaperfeiçoar o sistema? São questões que devem motivar todos os brasileiros cuja rotina se vê afetadacontinuamente pela possibilidade de serem chamados às barras dos Tribunais, tantas etão complexas são as situações geradoras desse intolerável número de demandas. Procuremos refletir juntos, encarar eventuais deficiências e encontrar alternativaspara saná-las.I. A PROPOSTA DO CONSTITUINTE O constituinte de 1988, embora não originário, o que teria nutrido a crítica decontaminação inicial do processo de prover a República de um documento escoimado dequalquer ilegitimidade, foi pródigo em relação ao sistema Justiça. Acreditou no Judiciário,ampliou o acesso à Justiça, conferiu status muito peculiar ao Ministério Público - hoje ainstituição mais poderosa da República -, criou a Defensoria Pública e tornou a advocaciamúnus essencial à administração da justiça. Outrossim, manteve a organização judiciária com a pluralidade de Justiças - duascomuns: a federal e a estadual - e três especiais: laboral, eleitoral e militar.1 A EmendaConstitucional nº 45, de 08.12.2004, criou mais um órgão: o Conselho Nacional de Jus-tiça.2 Contemplou a Magistratura como especialíssima carreira de Estado, prevendo seuEstatuto, cuja elaboração confiou ao Supremo Tribunal Federal, elencando os princípios aserem observados.3 Destaca-se a ênfase conferida pelo constituinte à forma democráticade recrutamento dos juízes, que se submeterão a concurso público de provas e títulos,o que privilegia a meritocracia.4 Previu o desenrolar da carreira, sobre os alicerces domerecimento e da antiguidade, aquele a ser aferido conforme “o desempenho e peloscritérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequênciae aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento”.5 Estabeleceu as garantias de que fruem os juízes6 e também explicitou suasvedações,7 definiu as competências privativas dos tribunais,8 aos quais assegurou1 Artigo 92, caput, da Constituição da República.2 Artigo 92, inciso I-A, da Constituição da República.3 Artigo 93, caput, da Constituição da República.4 Artigo 93, inciso I, da Constituição da República.5 Artigo 93, inciso II, alínea “c”, com a redação conferida pela EC 45, de 08.12.2004.6 Artigo 95 da Constituição da República.7 Parágrafo único do artigo 95 da Constituição da República.8 Artigo 96 da Constituição da República.
A Justiça Que Merecemos 105autonomia administrativa e financeira.9 Estruturou o Poder Judiciário de forma tal que elese manteria permanentemente atualizado e em condições de satisfazer a expectativa bra-sileira por uma prestação jurisdicional célere, efetiva, eficiente e eficaz. Foi esse o objetivodo acréscimo de um inciso ao substancioso rol do artigo 5º, refúgio sagrado dos direitose garantias individuais. O inciso LXXVIII é muito enfático: “a todos, no âmbito judicial eadministrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantama celeridade de sua tramitação”.10 Conferiu ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, aguarda precípua da Constituição11 e ampliou significativamente suas competências. A com-patibilidade do ordenamento com o pacto fundante é missão do STF, seja ao julgar a açãodireta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, como a açãodeclaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.12 Criou, em 17.03.1993,pela EC 3, a hipótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrenteda Constituição, também a ser apreciada pelo STF. Ampliou, significativamente, o rol doslegitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratóriade constitucionalidade, de maneira a dilatar as possibilidades de tais lides virem a serapreciadas pelo órgão de cúpula da Justiça Brasileira.13 Para completar, o Conselho Nacional de Justiça foi criado para o controle da atuaçãoadministrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionaisdos juízes.14 Não faltam órgãos, nem normatividade, para que a Justiça brasileira seja amelhor do planeta. Trinta anos de vigência da Constituição. O que se tem no Brasil em 2018?II. PANORAMA DA JUSTIÇA BRASILEIRA O Brasil é uma sociedade impregnada pela prática judicial. Por que seria assim? Uma primeira constatação é a de que o País viu multiplicarem-se as suas Facul-dades de Direito. Após a Constituição de 1988, o aumento de seu número foi superior a800%. “Eram 165 em 1995. Em 2001, 505 faculdades já formavam bacharéis e, em 2014os cursos de direito estavam presentes em 1240 estabelecimentos de ensino”.15 Dados confiáveis, eis que provindos da OAB, insuspeitíssima em relação aos seusquadros, constataram que “O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os paí-ses no mundo, juntos. Existem 1.240 cursos para a formação de advogados em território9 Artigo 99 da Constituição da República.10 Artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República, acrescentado pela Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004.11 Artigo 102, caput, da Constituição da República.12 Artigo 102, inciso I, alínea “a” da Constituição da República.13 Artigo 103 da Constituição da República.14 Artigo 103-B, § 4º, da Constituição da República, redação da EC 45, de 08.12.2004.15 CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Leon Victor de Queiroz. A judicialização do Brasil sob abordagem institu- cional. In: Cadernos Adenauer XVIII, Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, n. 4, 2017. p. 141.
106 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinanacional, enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades. Os númerosforam informados pelo representante do Conselho Federal da OAB no Conselho Nacionalde Justiça, o advogado catarinense Jefferson Kravchychyn”.16 Não é apenas o número de advogados - e de bacharéis que não conseguem superaro chamado Exame de Ordem - que explica o excessivo contingente de processos judiciaisem curso no Brasil. A gênese da litigância exagerada é o anacronismo da formação jurídica. Retorne-se à origem dos cursos jurídicos no Brasil. Em 1827, o jovem Imperadorqueria uma burocracia tupiniquim, e não mais os bacharéis formados em Coimbra. Mas foibuscar o modelo de educação em ciências jurídicas naquela que já era a maior referêncialusa. Ora, Coimbra se inspirara em Bolonha, Universidade cuja Faculdade de Direito éoutra legenda. Transplantou-se o modelo coimbrão, que já possuía, à época, mil anos! E,desde então, a réplica proliferou. Praticamente nada mudou no ensino jurídico. Àquela altura, o processo judicial era o máximo alcançado em termos de resoluçãode contendas. Depois da fase da justiça pelas próprias mãos, surgiu a lei de Talião - pro-gresso, pois trouxe a proporcionalidade: olho por olho, dente por dente. Mas o ápice emtermos de resposta a uma vulneração a direito era o processo: um terceiro neutro decidiriacom imparcialidade e à luz da lei aquilo que mais próximo chegaria ao ideal do justo. Por isso é que as Faculdades de Direito privilegiam a disciplina Processo. TeoriaGeral do Processo, Processo Civil, Processo Penal, Processo Trabalhista, Processo Elei-toral, Processo Administrativo, Processo Constitucional e por aí vai. Aquilo que era umaquestão adjetiva, instrumental em relação à substância, o direito objetivo, passou a sermais importante do que este. É o que explicam algumas situações pátrias. Uma delas: de tanto apreço ao duplograu de jurisdição, o Brasil chegou ao paroxismo do quádruplo grau de jurisdição. As lidestêm início na primeira instância, passam aos Tribunais, vão ao STJ que se converteu emTerceira Instância e, muito provavelmente, vão ser decididas no STF - a Quarta Instânciada Justiça brasileira. Outra situação: o processo é tão sofisticado, ganhou tanta relevância, que umaproporção razoável das ações termina sem conhecimento do mérito. Há inúmeras fórmulasde se acabar com a discussão antes que se atinja a raiz do desentendimento. Preliminares,inépcias, ilegitimidades de parte, exceções, há inúmeros empecilhos postos no caminhode quem precisa da Justiça. Por isso é que razão assistia a um saudoso Mestre da São Francisco, JoaquimCanuto Mendes de Almeida, que, em suas aulas de Processo Penal, verberava: “vocês falamem direito de ação; deveriam falar em ônus de ação. Há tanta dificuldade posta para quemprecisa provar o seu direito em juízo que é um equívoco se falar em direito de ação [...]”.1716 Disponível em: <http://www.oab.org.br/notícia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-to- dos-os-países>. Acesso em: 22 set. 2018.17 Citação de memória, das magistrais aulas no início do Curso de Mestrado em Sentido Estrito, iniciado na primeira metade da década de 1970, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
A Justiça Que Merecemos 107 Para complicar: o processo tem um subproduto nefasto: o excessivo número derecursos. O sistema recursal brasileiro é caótico. Entre a decisão de primeiro grau e otrânsito em julgado pelo STF, mais de cinquenta possibilidades de reapreciação do mesmotema se interpõem. A sensação é a de que o Judiciário serve mais ao infrator, ao devedor,ao recalcitrante, do que ao injustiçado. O mercado não dá ao devedor o tempo que eleconsegue na Justiça convencional. Por isso é que em países de outra estatura ética, o vulnerado consegue sensibilizaro ofensor dizendo: - Eu vou ao Judiciário! No Brasil, infelizmente, é o infrator que diz àvítima: - Procure seus direitos na Justiça! É a melancólica realidade cotidiana. Isso fazcom que os professores do Bacharelado recomendem a seus alunos que, na elaboraçãode contratos de honorários, não se esqueçam de deixar muito clara a responsabilizaçãodos sucessores. Ou a parte, ou algum dos advogados, sem dúvida chegará ao final daexistência sem ter vislumbrado o final do processo...III. OUTRA VERTENTE Dir-se-á que o panorama acima é apenas um flash e que traduz algo extraído doempirismo. Não é uma explicação científica para a Justiça brasileira trinta anos depois devigente a Cidadã. O número de processos em curso não é exagerado. Em 2016, eram 102 milhõesde processos em trâmite em todas as esferas da Justiça, dos Quais quase 30 milhõeseram demandas novas.18 Há uma visão idílica, otimista, de quem consegue enxergar nessequadro o termômetro democrático a evidenciar que se vive numa Democracia Perfeita.Nunca foi tamanho o acesso aos tribunais. Essa é a prova irrefutável de que o Brasil atin-giu um estágio de Nação civilizada. Nunca se escancarou tanto a porta dos Tribunais.19 Também existe quem sustente que o Judiciário funciona como seguro ou garantiacontra as incertezas geradas pelos poderes eleitos. Uma República de quarenta partidospolíticos não pode ser um modelo de virtudes cívicas.20 A fragmentação da política par-tidária gera ferrenha competição, acentua o dissenso e isso gera incerteza “sobre quempoderá estar no poder na próxima eleição”.21 Por isso o Parlamento concede ao Judiciário18 Dados obtidos de Justiça em Números do CNJ. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/justicaemnumeros- 20161.pdf>.19 A Ministra Eliana Calmon costumava dizer, quando exercia a Corregedoria Nacional de Justiça, que de tanto promover o acesso à Justiça, o Brasil se esqueceu de pensar na saída [...].20 Debite-se ao STF haver derrubado a cláusula de barreira proposta em 1995 para valer apenas em 2006. Com isso, permitiu a multiplicação partidária, com seus nocivos efeitos para o aperfeiçoamento de uma frágil e incipiente Democracia. Não foi apenas isso. Ao acabar com a fidelidade partidária, ao proibir a doação de empresas para as campanhas, o STF parece preferir a fragmentação e o caos partidário, para continuar a exercer poderosa influência sobre a República, exorbitando em muito suas funções originais.21 BARBOSA, Leon Victor Queiroz. O silêncio dos incumbentes: fragmentação partidária e empoderamento judicial no Brasil. 2015. 166 f. Tese (Doutorado) - Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Pernambuco, Recife, 2015. (Tese premiada pela CAPES e citada por Ernani Carvalho e pelo próprio autor nos Cadernos Adenauer citados, p. 141).
108 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinamais poder para agir como um árbitro, o que asseguraria os direitos da transitória maioria,condenada a ser futura minoria. A tese de que a fragmentação partidária tende a produzir aumento do poder ins-titucional do Judiciário é sedutora. Na verdade, o moderno Parlamento é uma espéciede feudalismo, integrado por setores conflitantes, cada qual em busca do seu próprio eexclusivo interesse. Daí a fluidez e ambiguidade das leis, que o juiz precisa interpretar ecompletar. O trabalho da interpretação da normatividade - a partir de uma Constituiçãoanalítica e dirigente - é mister criativo. O que acentua a perplexidade da sociedade eintensifica a acusação de ativismo judicial em escala crescente. A fragmentação partidária cria impacto positivo no empoderamento do Judiciário, cujo desenho institucional prescreve prerrogativas abrangentes, capazes de interferir nos demais poderes, permitindo que suas decisões revertam ou invalidem a legislação iniciada pelo Congresso Nacional ou pela Presidência da República. Um tribunal institucio- nalmente poderoso necessariamente tenderia a funcionar como um filtro, por conta de sua capacidade de veto, em relação a temas controversos da agenda legislativa do Executivo e do Legislativo, através do controle de constitucionalidade.22 Outra constatação é a de que a atuação do Poder Judiciário é retroalimentada emdesign de modo contínuo. Mais decisões, mais oferta, mais demanda, mais poder de decidir. E esse ciclo de retroalimentação só pode ser diminuído ou restrin- gido pela própria Corte (o STF), através de uma autocontenção ou autorrestrição que até agora não foi feita, nem há o menor indício de que será feito. Além do mais, é importante ressaltar, esse processo de empoderamento sem limites e sem precedentes se deu com o apoio tanto do Legislativo quanto do Executivo, sem oposição significativa, ou seja, sob o silêncio dos incumbentes.23 Algo explicável à luz do que se apurou como representando uma das três maioresangústias da humanidade nesta era. A primeira é o aquecimento global, sintoma de que aespécie racional teria escolhido o suicídio coletivo como final trágico de sua aventura peloplaneta. A segunda é a profunda mutação já experimentada e ainda a ser causada peloadvento da 4ª Revolução Industrial. A terceira é a falência da Democracia Representativa.Ninguém se sente mais representado. A maior parte da cidadania tem asco da política. Daía incapacidade dos poderes eleitos assumirem compromissos dramáticos no enfrentamentode questões sensíveis, como o aborto, a eutanásia, o sacrifício dos fetos anencefálicos, aunião homoafetiva, além de outros temas dos quais o STF não fugiu. Com isso, considera-se que a Procuradoria Geral da República, órgão que maisconsegue liminares nas ações diretas de inconstitucionalidade e o próprio Supremo Tribunal22 BARBOSA, op. cit., p. 16.23 BARBOSA, op. cit., p. 153.
A Justiça Que Merecemos 109Federal se tornaram verdadeira Terceira Casa Legislativa, pervertendo o bicameralismobrasileiro. Tudo o que tem importância - e, lamentavelmente, aquilo que não tem qualquerimportância - chega ao Supremo Tribunal Federal. Ainda que seja para este dizer que nãoconhecerá da pretensão. A tanto colabora o modelo de Constituição elaborado pelo formulador do pacto de1988. Não canso de afirmar que se está na República dos direitos e do dissenso. O únicoe absoluto consenso no Brasil é a absoluta falta de consenso. Mas o momento históricoem que a Constituição foi elaborada e promulgada fez com que ela fosse chamada dedirigente e principiológica. No afã de satisfazer a todas as infinitas pretensões de umasociedade complexa e heterogênea, o resultado do quadro político acima foi um texto constitucional ambíguo, fluido, flexível, ambivalente, aberto e inacabado. Leis ambíguas e vagas o suficiente para acomodar todas as demandas e adiar decisões para o futuro. A Constituição de 1988 abriu espaço para barganhas de todo o tipo, é um texto que regula quase tudo e abre espaço para um grande leque de possibilidades de judicia- lização, fortalecendo ainda mais a posição do Judiciário perante os demais poderes. Nenhuma decisão importante passa sem a possibilidade de uma revisão por parte do STF, este quadro ampliou significativamente o peso estratégico do Judiciário na balança do processo decisório.24IV. ALGUMA PERSPECTIVA? Inegável que a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em5 de outubro de 1988, garantiu a esta Nação um período de estabilidade institucional.Apesar de todos os seus defeitos, assegurou o funcionamento dos Poderes, suportou doisimpeachments e nunca fechou Tribunais ou Casas de Lei. Poderia ser melhor? Obviamente sim. Imagine-se a inviabilidade de uma novaConstituinte, que a teoria subordina ao advento de uma Revolução, algo que não se quer.A Carta atual tem como sobreviver e oferecer algo mais satisfatório do que tem sido atéhoje o funcionamento da Justiça? É possível, sem quebra constitucional, edificar o padrão de Judiciário de que oBrasil precisa para se desenvolver. Este cenário desestimula o investimento no Brasil?Sim. Há muitos recursos financeiros pretendendo investir em Países com a potencialidadebrasileira, mas a imprevisibilidade da Justiça, com a não rara probabilidade de reconheceros passivos trabalhista, tributário e ambiental é assustadora. São ciladas ocultas, que oestrangeiro não tem como aferir, nem tem condições de se garantir contra a sua ocor-rência. O Brasil não respeita os contratos, o passado é revolvido sem qualquer óbice, ajurisprudência é poliédrica e multifacetada. Pode-se escolher à la carte a decisão mais24 CARVALHO; BARBOSA, op. cit., p. 151.
110 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinaapropriada. Não existe aquilo que pode ser uma utopia, mas ainda é muito prestigiado nodiscurso: a segurança jurídica. O que se pode fazer para ao menos amenizar o ambiente de imprevisibilidade einsegurança? Há opções que venho desde há muito expondo à consideração dos mais doutos.Sem a pretensão de exaurir o tema, tão suscetível de tantas propostas quantas são asconcepções ideológicas, psicológicas, filosóficas e políticas dos juristas e dos especialistasem convívio societário, ouso alvitrar o que segue.IV.a. Mudança no ensino jurídico Não é em si prejudicial que todos os brasileiros conheçam o direito. Saber quaisos seus direitos e, principalmente, quais as suas obrigações não faria mal à maioria dapopulação. Mas o direito é uma ferramenta a ser utilizada para resolver problemas, paraaliviar sofrimentos, para reduzir a inevitável carga de atribulações que acompanha todoser vivente nessa efêmera e frágil caminhada pelo Planeta. Não pode converter-se em instrumento de aflição, angústia e desalento. É o queocorre com lides de infinita duração. O ensino do direito não pode transigir com as modernastécnicas de composição consensual de conflitos, formando operadores hábeis a agir naprevenção e não na propagação das lides. A cultura jurídica é conservadora. A função do direito é a de exercer controle sobrea sociedade: O perigo dessa concepção reside na tendência de se adotá-la com caráter de exclusividade se a sociedade, e nela incluímos primor- dialmente a comunidade jurídica, abandonar de antemão todo o vasto campo de potencialidades e benefícios de uma concepção integradora da experiência jurídica em prol da exacerbação da fun- ção conservadora do direito, o efeito poderá ser exatamente oposto ao pretendido: a conservação converter-se-á em estagnação.25 O mundo jurídico está estagnado e atolado numa imensidão invencível de processos.Por isso é que o ensino jurídico haverá de investir na adoção das alternativas ao Judiciário.Pois não se justifica atrelar: Os valores justiça/certeza/prestação jurisdicional e, com mais razão, não se pode mais vislumbrar qualquer laivo de exclusividade esta- tal na “distribuição da justiça”, até porque, presentes as diretrizes constitucionais da democracia participativa e do pluralismo nas iniciativas, hoje ocorrem muitos outros meios e modos pelos quais aquele desiderato pode ser alcançado, a saber, mediante o concurso dos meios ditos alternativos, não por acaso também chamados equivalentes jurisdicionais, dentre os quais se vem destacando a25 PAULINO, Gustavo Smizmaul, O ensino do direito em crise: reflexões sobre o seu desajuste epistemológico e a possibilidade de um saber emancipatório. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 91.
A Justiça Que Merecemos 111 arbitragem, mas também as instâncias de conciliação e de mediação, além das formas combinadas de uns e outros (v.g., a mediação com arbitragem).26 Hoje, a composição consensual de controvérsias possui dezenas de experiênciasjá exitosas, principalmente nos Estados Unidos. Nós, que somos tão hábeis em importarsoluções alienígenas, deveríamos treinar o nosso alunado a pacificar, a conseguir har-monização da sociedade, em lugar de incentivá-lo a procurar, indiscriminadamente e porqualquer motivo ou questiúncula, o aparato do Poder Judiciário.IV.b. Mudança no critério de seleção O juiz do século XXI precisa ser mais um pacificador do que um técnico insensívelque faz incidir a vontade concreta da lei à causa que lhe foi submetida para apreciação.Por isso é que os sistemas de recrutamento também devem ser redesenhados, para aseleção de seres humanos atentos ao mal-estar generalizado em que se viu mergulhadaa sociedade. Não faz sentido insistir em genialidade, recrutar enciclopédias ambulantes,donos de erudição que servem prioritariamente à busca incessante pelas gloríolas dacarreira e pelos holofotes do que pelo ideal de fazer justiça. O modelo hoje vigente replica as deficiências do ensino, que acredita na transmissãodo conhecimento e na apropriação de tal acervo mediante as tradicionais técnicas de me-morização. O desprezo da educação pelas competências socioemocionais está produzindouma geração desabilitada ao enfrentamento do inesperado e da incerteza. Não é diferentenas carreiras jurídicas, na sua falaciosa crença de que o conhecimento da doutrina, da leie da jurisprudência é suficiente ao exercício angustiante da missão de julgar. O sistema de Comissões de Concurso formadas ad-hoc para um certame é muitofrágil. Basta verificar como é que as grandes empresas, os conglomerados poderosos se-lecionam seus executivos e seus CEOs. Estariam bem servidos se entregassem a seleçãoa amadores, desprovidos de experiência psicológica, sociológica e incapazes de aferir acapacidade de trabalho, a resiliência, o equilíbrio, a sensatez e tantos outros atributos tãoou mais importantes do que saber buscar a informação para solucionar um caso? Tais propostas, bastante genéricas, promoveriam substancial mudança no uni-verso da Justiça brasileira, mas são de efeito remoto, para um horizonte longínquo. Nãosatisfariam os que têm pressa, e esta é uma das características de nossa era. O que sepoderia fazer de imediato?IV.c. Conversão do STF em Corte Constitucional A missão precípua do STF é a guarda da Constituição, mas o excesso de atribuiçõessacrifica esse mister prioritário e preferencial. Lides repetitivas, questões só formalmente26 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. p. 388-389. O mesmo autor escreveu A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: RT, 2010, cap. IV.
112 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinaconstitucionais, ocupam o tempo precioso dos onze magistrados que deveriam sinalizarà Nação o que vale e o que não vale no caos normativo pós 1988. O STF no Brasil ganhou protagonismo notável, nem sempre encomiástico. As críti-cas se avolumam porque ali não existe um colegiado, senão onze consciências jurídicas,muitas das quais em evidente antagonismo na concepção do que é o direito, do que é apolítica, do que é a História e do que deve ser a jurisdição. Dentre as observações válidas, destaquem-se: a) o protagonismo individual, emdetrimento do colegiado; b) o exibicionismo talvez acentuado pelo funcionamento contro-verso da TV Justiça; c) a elaboração de votos longos, prenhes de citação e de observaçõesa latere, nem sempre necessárias à solução do caso julgado; d) os pedidos de vista semprazo para devolução do processo; e) a repercussão geral, que deveria merecer prontasolução, paralisam centenas de milhares de processos em todo o Brasil. Em recente defesa de tese de Doutorado na USP, sob a orientação do ProfessorManoel Gonçalves Ferreira Filho, a doutora Christiane Mina Falsarella observou inúmerasdeficiências no funcionamento da Suprema Corte brasileira e fez uma série de recomenda-ções, tais como: 1. Adoção de postura aberta ao debate; 2. Enfoque na atuação colegiadavoltada à obtenção de consenso; 3. Adiantamento do voto do relator aos demais Ministros;4. Possibilidade de separação da sessão plenária em três etapas; 5. Promover sessõesde debates reservadas aos Ministros; 6. Alteração da dinâmica da sessão de julgamento;7. Fixação da tese jurídica acolhida pela Corte; 8. Formalização das decisões de modoinstitucional.27 São medidas hoje aparentemente consideradas utópicas, tal a avidez da inércia,o desejo de conservar sob sua tutela milhares de processos, ocupar-se de todos os as-suntos, para dilatar ainda mais a importância do STF, resignar-se ao papel de revisor dequestões que não mereceriam chegar ao Pretório Excelso, tal como servir de segundainstância dos Juizados Especiais. Enquanto a cultura jurídica se conservar afeiçoada ao anacronismo e ao cultoególatra ao personalismo, não haverá alteração de rumo. A não ser que a situação aflijatanto a população que ela venha a exigir, de forma traumática, o que poderia ter sido umasolução consensual e fruto da sensatez do próprio Supremo Tribunal Federal.IV.d. Conversão do STJ em Corte de Cassação A original finalidade do Superior Tribunal de Justiça era uniformizar a jurisprudênciaproduzida sobre a legislação federal, assim como o STF teria a incumbência de trazerhomogeneidade à leitura da Constituição. Funcionaria como a Corte de Cassação italiana, em que foi inspirado. Uma Fede-ração com vinte e sete Estados-membros, cada qual provido de um Tribunal de Justiça,27 FALSARELLA, Christiane Mina, A deliberação no Supremo Tribunal Federal. 2018. Tese (Doutorado) - Fa- culdade de Direito, Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (no prelo).
A Justiça Que Merecemos 113poderia proceder a leituras díspares do mesmo texto normativo. O STJ uniformizaria ainterpretação e seria uma bússola hermenêutica para todos os demais órgãos judiciários,além de sinalizar à comunidade jurídica o real sentido da lei. Lamentavelmente, o STJ se tornou uma terceira instância. Adentra ao mérito dojulgamento levado a efeito na segunda instância. Favorece a abertura e alargamento devias que façam o processo chegar ao STF. Se ele se resignasse à relevante atribuiçãode ser a Corte de Cassação, o Brasil não teria de assistir ao prolongado discurso sobre acondenação em segunda instância, nem exibiria uma espécie de babel jurisprudencial emque tudo é possível de se encontrar, ainda que sem grande experiência em garimpagem.IV.e. Fazer observar o dever ético do consequencialismo O Código de Ética do Juiz Brasileiro, editado pelo CNJ - Conselho Nacional deJustiça em 2007 não contém sanções. O então novel órgão do Judiciário, criado pelaEmenda Constitucional 45/2004, apenas exorta o magistrado a observá-lo. Dentre outros deveres, consta no artigo 25 aquele de se ater à realidade ao proferirsua decisão. Ou seja: o juiz do século XXI já não é o convidado de pedra que pronuncia aspalavras da lei sem atentar para as consequências que seu julgamento provocará. É urgenteresgatar valores como os legados pelos Romanos, que bem constataram: summum ius,summa injuria. O direito levado com rigorismo inflexível é potencial causador de injustiça.A equidade precisa estar presente na consciência do julgador, assim como a compaixão, acaridade cristã, que são meras expressões daquilo que o jurista conhece tão bem: o princípioda dignidade da pessoa humana. Se o juiz brasileiro não deixar de lado a sensibilidade, aemoção e o coração no momento de julgar, se não se aperceber de que o maniqueísmo éoutra ilusão, mas que uma contenda pode revestir inúmeros aspectos, a justiça contribuirápara o projeto de uma nova Nação, alicerçada em valores mais humanizados do que osde hoje. E o juiz é também destinatário da obrigação posta pelo constituinte de construiroutra Pátria, mais justa, mais solidária, mais fraterna.IV.f. Reduzir a litigância A patológica litigiosidade brasileira desserve ao objetivo nacional permanente de seedificar uma sociedade justa e solidária. Ao contrário: uma decisão acaba com o processo,mas não acaba com o conflito. Muito frequentemente o acirra ainda mais. A redução do número de processos depende de uma revolução cultural que nãoestá em curso. Hoje, o pretenso e futuro litigante só se vê dissuadido de entrar em juízopela argumentação ad terrorem, que não é incomum. A duração infinita do processo, seucusto financeiro, a angústia de suportar as quatro instâncias e mais de cinquenta recursose, por fim, a imprevisibilidade absoluta quanto ao destino da demanda. Se esta Pátria da ira, do ressentimento, da cólera, do ódio, da intolerância, retomasseo seu destino de nação do futuro, celeiro do mundo, morada da cordialidade, o resultado
114 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinasuperaria em muito a mera diminuição das ações em curso. Obter-se-ia a tranquilidade deque o Brasil necessita para voltar a ofertar às futuras gerações a perspectiva de esperançahoje tão combalida. Dentre as várias possibilidades, insista-se no alargamento das atribuições cometidasàs delegações extrajudiciais. A mais inteligente das estratégias do constituinte de 1988 foioutorgar atividade estatal a um particular, recrutado em concurso árduo a cargo do Judi-ciário e mantê-lo subjugado à Justiça, que é feitor insensível. Sem com isso dispor de umcentavo do povo. Ao contrário: o trabalho do delegatário carreia para o Erário substancialsoma de recursos financeiros. Os antigos “cartórios” nasceram com o Judiciário e desempenharam a contentofunções judiciais infelizmente estatizadas e, em muitos casos, vulneráveis como todo serviçopúblico. Mas ainda permanecem ao lado da Justiça e suprem necessidades que um Poderconservador nem sempre sabe enfrentar com a performance da iniciativa privada que vigenas atuais delegações extrajudiciais.28 Há um enorme campo de atividades e atribuiçõesdas quais os foros extrajudiciais poderiam se desincumbir, com alívio da intolerável cargaentregue ao Judiciário.REFERÊNCIASCARVALHO, Ernani; BARBOSA, Leon Victor de Queiroz. A judicialização do Brasil sob abordageminstitucional. In: Cadernos Adenauer XVIII, Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, n. 4, 2017.FALSARELLA, Christiane Mina. A deliberação no Supremo Tribunal Federal. 2018. Tese (Doutorado)- Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. SãoPaulo: RT, 2011.PAULINO, Gustavo Smizmaul. O ensino do direito em crise: reflexões sobre o seu desajuste epis-temológico e a possibilidade de um saber emancipatório. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.28 É comum que as Corregedorias Permanentes, as Corregedorias Gerais e mesmo as gestões transitórias dos Tribunais de Justiça recorram aos delegatários do foro extrajudicial diante de urgências e necessidades para as quais não dispõem de recursos. A informatização de Varas, a criação de Cartório do Futuro, a ope- racionalidade das audiências de custódia são experiências que vivenciei enquanto exerci a Corregedoria Geral da Justiça - 2012/2013 - e a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo - 2014/2015.
CONFLITO ENTRE PRECEDENTES, PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E RECLAMAÇÃO SUSTENTÁVEL*CONFLICT BETWEEN PRECEDENTS, TAX ADMINISTRATIVE PROCESS AND SUSTAINABLE INJUNCTION MAGNO FEDERICI GOMES Estágio Pós-Doutoral em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa/Portugal. Pós-Doutor em Direito Civil e Processual Civil. Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual pela Universidad de Deusto - Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas. Professor Titular Licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Moraes & Federici Advocacia Associada. E-mail: [email protected]. LORENA MACHADO ROGEDO BASTIANETTO Doutoranda em Direito Processual pela PUC Minas. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Professora da Escola Superior Dom Helder Câmara. Professora da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO. Advogada. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. O alastramento democrático pelos conselhos administrativos - 2. A reclamação e o sistema tributário nacional - 3. Teses administrativas e jurisdicionais enunciadas: o direito de reclamar - Considerações finais - Referências.* Trabalho financiado pelo Projeto FAPEMIG nº 5236-15, resultante dos Grupos de Pesquisas (CNPQ): Regulação Ambiental da Atividade Econômica Sustentável (REGA), NEGESP, Metamorfose Jurídica e CEDIS (FCT-PT). Data de recebimento do artigo: 30.08.2018. Datas de pareceres de aprovação: 26.09.2018 e 02.10.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 09.10.2018.
116 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina RESUMO: O sistema tributário nacional, associado à doutrina do stare decisis,impõe um estudo da colegialidade e consensualidade das políticas econômico-tributáriaspara a compreensão do sustentável modelo constitucional de processo. Este trabalhoteórico documental, com técnica dedutiva, objetiva correlacionar essas peculiaridades àreclamação constitucional e aos direitos por ela efetivamente protegidos. O problema quese deseja responder é se a reclamação pode ser vista como procedimento de resistênciaa uma distopia processual existente no sistema tributário. Concluiu-se que a reclamaçãotrata-se de mero procedimento defensivo, que não se presta a assegurar direitos e garantiasfundamentais dos contribuintes. PALAVRAS-CHAVE: colegialidade e precedentes judiciais; processo administrativotributário; jurisdição sustentável; reclamação constitucional. ABSTRACT: The Brazilian tax system, gathered with stare decisis, demands furtherstudies about collegiality and consent in economic and tax policies for the comprehensionof the sustainable constitutional process model. This theoretical documentary work, withdeductive reasoning, correlates those peculiarities with the Brazilian constitutional injunctionand with the rights protected by it. The problem is if the injunction can be seen as a procedureof resistance to a procedural dystopia existing in the tax system. It was concluded thatthe injunction is a mere defensive procedure, which does not lend itself to guaranteeingfundamental rights of the taxpayers. KEYWORDS: collegiality and judicial precedents; administrative tax procedure;sustainable jurisdiction; constitutional injunction.INTRODUÇÃO O movimento contínuo dos séculos XX e XXI de codificação processual civil noBrasil foi derivativo da necessidade de fortalecimento da soberania nacional por meio dodireito positivo.1 Essa soberania centralizada, no entanto, apresenta contornos temporaisdistintos, os quais impulsionaram transformações importantes às funções de Estado,especialmente à função legislativa e jurisdicional. A influência da cultura alemã no Brasil possibilitou a instituição de uma legislaçãoprocessual civil monista2 pela Constituição de 19343 e a promulgação do Código deProcesso Civil de 1939. O Zivilprozessordnung [Código de Processo Civil] do ImpérioAlemão de 1877 causou influxo indireto e difuso, tanto na doutrina quanto na codificaçãoprocessual, principalmente pela literatura especializada italiana e pela disseminação na1 John Austin, ao classificar os comandos como gênero, do qual o direito positivo é espécie, estabelece estrita correlação entre ordem (soberania) e o sistema jurídico. Para aprofundamentos, consultar: AUSTIN, 1932, p. 24 e ss.2 A Constituição de 1891 instituía a dualidade de competência legislativa sobre o Direito Processual. A respeito, consultar: arts. 34 e 22 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891.3 A respeito da “competência privativa” da União para legislar sobre processo, consultar: art. 5º, inciso XIX, alínea a, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
Conflito Entre Precedentes 117Europa de institutos processuais por ela consolidados, como a oralidade, a concentraçãoe a participação ativa do juiz no processo.4 A unificação da legislação processual civil na Federação brasileira concentrou aordenação dos comandos processuais nos órgãos legislativos de tomo nacional, dado queressignificou o sistema jurídico brasileiro a partir de padrões normativos cuja validade seexpande para todo o território do país. O Anteprojeto da Constituição de 1934, elaboradopela Comissão do Itamaraty, apresentou a proposta de unicameralismo e de unidade daMagistratura,5 dado que reforça a valorização de políticas de estado nacionais em detri-mento das regionalizações. Contudo, no texto promulgado da Constituição de 1934, o bicameralismo prevaleceue, curiosamente, determinou-se a competência do Senado para suspender a execuçãode normas declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário,6 disposição que vige atéos dias atuais na Constituição da República de 1988 (CR/88).7 O desempenho dessa fun-ção por apenas um dos órgãos de cúpula do Legislativo e não pelo Congresso Nacionalocorreu por uma substituição de nomes feita por uma emenda ao projeto8 da Constituiçãode 1934, que suprimiu o superórgão anteriormente competente para tanto - o ConselhoFederal9 - pelo Senado Federal. Pari passu, foi-se desenvolvendo pela função jurisdicional um movimento deconstrução normativa jurisprudencial - igualmente de padrões decisórios - a partir do re-conhecimento de um “remédio de Direito”10 apto a exigir o primado dos pronunciamentosdo Supremo Tribunal Federal (STF). Erigia-se, assim, a reclamação como uma elabo-ração processual da força normativa do guardião da Constituição e, ao mesmo tempo,consolidava-se no Brasil a ideia de que o forum constitucional seria a esfera adequadapara o exercício da função pedagógica de certas decisões qualificadas pelo tribunal, sejapelo atributo da vinculatividade, seja pela eficácia expansiva do dispositivo da sentençacolegiada, denominada de “eficácia erga omnes”. A partir da CR/88, o ingresso - ao menos textual - em um devir11 democrático, asso-ciado, mais recentemente, ao advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015),apresenta contornos organizacionais de ordem decisória peculiares, haja vista que a com-plexidade social demanda, a um só tempo, por um alastramento do processo democrático4 Para aprofundamentos, consultar: BARBOSA MOREIRA, 1990, p. 17-33. Importante observar que essa influência difusa foi justificada pelo autor com bases nas barreiras linguísticas entre o alemão e o português.5 Para aprofundamentos, consultar: POLETTI, 2012, p. 18-21.6 Sobre, ver: art. 91, inciso IV, da Constituição de 1934.7 Sobre, ver: art. 52, inciso X, da CR/88.8 A respeito, consultar Emenda nº 491 ao Projeto da Constituição de 1934. Ademais, consultar: ALENCAR, 1978, p. 263 e ss.9 O Conselho Federal foi concebido para promover a coordenação dos poderes federais e foi baseado no Poder Moderador Imperial. Para aprofundamentos, consultar: ALENCAR, 1978, p. 250-263.10 A respeito, consultar: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 141/SP, 1952.11 Para aprofundamentos, consultar: LEAL, 2010, p. 99-115.
118 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinae pela consolidação de padrões ou referências normativas aptas a exarar estabilidade esegurança ao povo brasileiro. Portanto, este artigo teórico documental, com técnica dedutiva, tem por objetivo oestudo da reclamação constitucional, correlacionando-a com o sistema tributário nacional,a doutrina do stare decisis e as políticas econômico-tributárias sustentáveis (colegialidadee consensualidade), para melhor entendimento do modelo constitucional de processo. O problema que se pretende responder é se a reclamação pode ser vista comoprocedimento constitucional de resistência a uma distopia processual,12 isto é, a umapseudotransformação da comparticipação democrática13 que apenas ratifica as convicçõesdiscricionárias daqueles que exercem, típica e atipicamente, as funções de tomada dedecisão normativa. O texto inicia-se com uma digressão histórica da colegialidade no Brasil e o projetode difusão democrática que vêm se alastrando por meio dos conselhos constituídos. Emseguida, versa sobre as peculiaridades da política econômico-tributária e sobre a recla-mação como procedimento de judicialização desse consenso. Por fim, trata-se das tesesadministrativas e jurisdicionais sob a perspectiva da reclamação.1. O ALASTRAMENTO DEMOCRÁTICO PELOS CONSELHOS ADMINISTRATIVOS Na Introdução deste trabalho, mencionou-se que o Anteprojeto da Constituição de1934 instituía um Conselho Supremo, denominado de Conselho Federal, cujas atribuiçõesamplas e diversificadas discutidas durante o devido processo legislativo estariam aptas aabarcar a suspensão de execução de normas declaradas inconstitucionais pelo Judiciário,bem como a autorização interventiva pela União nos Estados e a elaboração de planoseconômicos e tributários, incluindo-se até mesmo a possibilidade de desuniformizaçãodos impostos federais.14 A disseminação desses conselhos no Brasil é arcaica e está atrelada à influênciado sistema jurídico anglo-saxão no país. Na antiga Britannia,15 o denominado “direito tribal”retratava a coexistência de regulações autônomas e privatísticas a cada tribo que lá vivia,formando um emaranhado de fontes e decisões dadas a casos concretos litigiosos, atributodenominado de “policentricidade” por Arnaud (1995, p. 149-169). O surgimento da Commune Ley ou da Common Law como ideologia de respeito aopassado e de declaração do Direito - por intermédio do finding16 ou do “direito encontrado”- representou a necessidade de convergência e unificação dos procedimentos jurídicosparalelos coexistentes, e essa unificação era empreendida por um corpo colegiado com-posto de homens livres.12 A respeito de ideologia e utopia, consultar: SILVA, 2004, p. 23.13 Sobre precedentes e comparticipação, consultar: NUNES; PEDRON; BAHIA, 2015, internet.14 A respeito, consultar a Emenda nº 40 ao projeto de Constituição em: ALENCAR, 1978, p. 252-255.15 De 43 a 410 d.C., parte da ilha da Grã-Bretanha foi governada pelo Império Romano (27 a.C. -. 476 d.C.).16 Para aprofundamentos, consultar: DAVID, 2006, p. 1-15.
Conflito Entre Precedentes 119 A atividade discricionária ou heurística desses councils ingleses erigiu à cena adenominada Court of Equity,17 órgão da função executiva real com atribuição jurisdicionalampla e atípica para julgamento “corretivo” das “decisões achadas” em colegialidadepelos Tribunais de Westminster. A colegialidade dos homens livres era revisada pelaconsciência do rei, auxiliado também por um conselho heterogêneo de agentes públicose representantes eclesiásticos. Em acordo com o escólio de Spence (1846, p. 127-128), o rigor das normas e má-ximas do sistema da Common Law, assim como a profusão de decisões imprevisíveis pelaassembleia de jurados, favoreceu a consolidação da Court of Equity ou Court of Chancery,a qual tinha padrões decisórios desjungidos do “direito encontrado” dos tribunais ordináriose baseava sua tomada de decisão em tratamentos isonômicos lastreados no Corpus IurisCanonici,18 o qual era integralmente independente do direito comum inglês à época. Vê-se, assim, que as incorreções de uma colegialidade possibilitavam o prolonga-mento do procedimento a outra, pertencente a um sistema jurídico diverso, cujos comandoseram fundados no primado petrino,19 e não na soberania política. Essa atávica concepção de colegialidade exprime, desde a independência do Brasil,um anseio de democratização do processo de tomada de decisão normativa por váriosórgãos jurisdicionais típicos e atípicos. Essa orientação, desde a primeira Constituição doBrasil,20 perdura intensamente até os dias atuais, especialmente pela profusão dos direitose garantias constitucionais de segunda e terceira dimensões.21 Quer-se demonstrar aqui que, apesar de o movimento nacional de codificação22 doscomandos jurídicos - padrões decisórios - concentrar a competência legislativa nas mãos daUnião para os principais ramos do Direito e, desde a Constituição Provisória da República,23a competência de guarda constitucional do STF representar o projeto de uniformizaçãojurisprudencial no país, o fortalecimento das funções de cúpula e da soberania nacionalsão severamente mitigados pela dispersão da tomada de decisão normativa empreendida,majoritariamente, pelos conselhos.17 A respeito, consultar: SPENCE, 1846, p. 85 e ss.18 A compilação dos cânones realizada pelo monge Dionísio (470 d.C.- 544 d.C.), sistematizando as regras descobertas nos concílios ecumênicos e as decretais papais, teve grande influência por toda a Europa a partir do século VI d.C., tendo alcançado validade universal no Ocidente. O Corpus Iuri Canonici representou o parâmetro de decisão da Court of Chancery até o rompimento de Henrique VIII com a Igreja Católica Apostólica Romana. Para aprofundamentos, ver: MAGILL, 1998, p. 300.19 A respeito, consultar: BRANDÃO, 2017, p. 67.20 A Constituição do Império do Brazil de 1824 estabeleceu os Conselhos Geraes de Província (art. 71 e ss.) e o Conselho de Estado (art. 137 e seguintes), sendo que os Conselhos Geraes, por expressa previsão constitucional, constituía-se como uma garantia ao cidadão de intervenção nos negócios de sua província.21 A título ilustrativo, cita-se: Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), Conselho Nacional de Controle de Experimen- tação Animal (CONCEA), Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).22 Caracterizações das codificações expressas em: RODRIGUES JÚNIOR; RODAS, 2015, p. 400.23 A respeito, consultar: art. 58, inciso III, alíneas a, b, do Decreto nº 510/1890.
120 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Em matéria tributária, a presença dos conselhos24 como protagonistas do con-tencioso administrativo é maciça, estabelecendo-se a idêntica concepção de garantia departicipação do cidadão nos negócios públicos pela possibilidade de sua penetrabilidadeformal na função executiva para o exercício das atividades atípicas de julgamento e nor-matização subordinada.25 A instrumentalização do poder usurpador pela ordem jurídica constituinte é práticapolítica de viés culturalista, e a abertura desses órgãos paritários26 com o intuito de de-mocratização processual pela comparticipação dos diretamente interessados sinaliza, aomenos formalmente, uma função contrafática27 dos conselhos. Segundo Martins: [...] os valores das civilizações não correspondem aos valores dos governantes e estes instrumentalizam os tributos, de forma perma- nentemente injusta, para justificar o único objetivo que lhes interessa, ou seja, a conquista ou a manutenção do poder (MARTINS, 2005, p. 101). Os princípios gerais do Sistema Tributário Nacional prescritos na CR/88, segundoMartins (2005, p. 330-331), representam uma “carta de direitos do contribuinte contra osexcessos da carga tributária da Federação tripartida, que é o Brasil, único país do mundoa outorgar, constitucionalmente, competência impositiva aos municípios”. Portanto, o estabelecimento de ambientes cooperativos administrativos de debatesobre tributação, mormente pelos conselhos ou juntas de contribuintes dos municípios eestados, bem como pelo CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), refleteque a paritariedade para a tomada de decisão normativa poderia ensejar, até mesmo, acompreensão de que a jurisdição seria um forum non conveniens28 para a substitutividadeda tutela homogênea. Frise-se que a colegialidade administrativa normativa e jurisdicional no Brasil sofre,frequentemente, a “correção”29 da colegialidade ou pseudocolegiliadade30 jurisdicionalpropriamente dita,31 haja vista que a dispersão ou desconcentração de instrumentos de24 O Decreto nº 16.580/1924, nos artigos 16 e seguintes, instituiu um Conselho de Contribuintes em cada estado e no Distrito Federal (DF).25 O art. 100, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN) reconhece, expressamente, a qualidade normativa geral das decisões singulares ou colegiadas da jurisdição administrativa.26 A paritariedade implica a formação heterogênea dos membros do conselho, sendo compostos por cidadãos e por agentes públicos.27 De acordo com Nunes (2015a, p. 51-55), há uma série de “registros de avanço” normativo que implementam a efetividade e garantia do modelo processual constitucional.28 A doutrina do forum non conveniens originou-se na Escola da Common Law e permite à jurisdição pro- priamente dita declinar da competência de julgar um caso a ela submetido caso este fórum, apesar de competente para a causa, seja impróprio ou inconveniente para garantir, efetiva e democraticamente, os direitos dos réus. A respeito, consultar: REED, 2000, p. 36.29 O vocábulo está entre aspas, pois se fará uma crítica neste trabalho acerca dessa função.30 Sobre a pseudocolegialidade, consultar: NUNES, 2015b, p. 61-81.31 Entenda-se pelos tribunais superiores e dos Estados e do Distrito Federal (DF).
Conflito Entre Precedentes 121viés democratizador, como a implementação normativa da comparticipação nos conselhos,enseja, igualmente, a dispersão ou difusão da instrumentalização burocrática do poder, es-pecialmente por meio da prática das técnicas de captura32 e de anfibismo33 dos conselheiros. Isto posto, vê-se que a deliberação difusa oportuniza, tanto pelas suas origensquanto pelo seu desenvolvimento, uma batalha de colegialidades que se materializa entreenunciados sumulares e acórdãos administrativos, de um lado, e precedentes propriamenteditos - os jurisdicionais típicos -, de outro. Daí desponta a reclamação, recentemente codificada, como um procedimento cons-titucional com potencial para a fiscalidade das distopias impingidas aos direitos e garantiasfundamentais estabilizados dos contribuintes. O seu manejo, associado à publicidade dassessões de julgamentos jurisdicionais,34 atributo do devido processo legal nacional, e àcomparticipação social ampla35 em questões relevantes postas à jurisdição, promove umainfiltração do cidadão para a formação da res judicata e do overruling de teses, ampliaçãonormativa que exalta a função contrafática - de fiscalidade - e consensualista de todos ostribunais brasileiros.2. A RECLAMAÇÃO E O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL A reclamação tem se expandido gradual e progressivamente no sistema jurídiconacional. Seu surgimento é fruto de uma construção jurisprudencial36 da primeira metadedo século XX e, nos dias atuais, encontra-se devidamente constitucionalizada pela CR/88,37legislada por normas especiais38 e codificada pelo CPC/2015.3932 A captura atrela-se à Teoria da Falha Regulatória (Regulatory Failure or Perverted Interest Theory) em: LOSS, 2011. p. 109-130.33 O anfibismo refere-se à qualidade daquele conselheiro que atua pervertido pelos seus interesses individuais ou profissionais, em conflito de interesses. O Conselho Pleno da OAB entendeu, em 18 de maio de 2015, que a advocacia é incompatível a todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta, lastreado no art. 28 do Estatuto da OAB.34 A título exemplificativo, a publicidade das deliberações colegiadas não é uma característica do devido processo legal alemão, no qual vige a deliberação secreta - Beratungsgeheimnis -, já que lá entende-se que a colegialidade manifesta-se pela unicidade decisional, isto é, pela deliberação per curiam. Para apro- fundamentos, consultar: BENEDUZI, 2015, p. 49 e ss.35 Por comparticipação social entenda-se, principalmente, a modalidade de intervenção de terceiro dos amici curiae e a ampliação das audiências públicas para o estabelecimento de precedentes judiciais. A respeito, consultar: GOMES; MACIEL, 2013, p. 207-225 e arts. 138, 927 § 2º e 1.038, inciso II, do CPC/2015.36 A Reclamação nº 141/1952 do STF evoca a teoria dos poderes implícitos como seu fundamento constitu- cional.37 A respeito, ver: art. 102, inciso I, item l; art. 103-A, § 3º; art. 105, inciso I, alínea f, art. 111-A, § 3º, da CR/88.38 A respeito, ver: Lei nº 11.417/2006. Os artigos 13 a 18 da Lei nº 8.038/1990 foram expressamente revogados pelo art. 1.072, inciso IV, do CPC/2015.39 A respeito, consultar principalmente: arts. 988 a 993 do CPC/2015.
122 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina É um procedimento de características próprias que não encontra congruência comoutros procedimentos de sistemas estrangeiros;40 e, segundo a literatura de Leonel (2011),a análise de sua abrangência no contexto democrático atual desborda “uma espécie demal necessário que retrata uma anomalia do sistema jurídico nacional, uma tibieza do sis-tema judiciário processual constitucional” (LEONEL, 2011, p. 282). Em relação às políticastributárias ou às tomadas de decisão normativas derivativas, essa afirmação não expõeos contornos já versados das múltiplas colegialidades difusas e teoricamente democrá-ticas existentes no Brasil, as quais não contribuem para a dita função nomofilácica41 dajurisprudência expressa no CPC/2015. Leonel (2011, p. 282), ao discorrer prospectivamente acerca da reclamação, tambémexpõe seu convencimento de que “no futuro, com a evolução do nosso sistema, talvez elanão seja mais necessária”. Este trabalho, no entanto, não comunga desse entendimentoprospectivo, justamente pelo hiperbólico aumento de colegialidades paritárias constituí-das42 e de colegialidades paralelas - esses últimos movimentos com grande potencialinfluenciador nas primeiras.43 A batalha de colegialidades entre conselhos de natureza tributária e tribunaisimplica, ainda, a compreensão acerca das funções normativas do Senado Federal emmatéria tributária, bem como do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), daCâmara de Comércio Exterior (CAMEX) e de todos os demais órgãos e pessoas jurídicasda função executiva que exercem a atividade de regulação econômica com reflexos diretosna política tributária do país. A ordenação do sistema tributário brasileiro em âmbito constitucional direciona-seno mesmo sentido das constituições nacionais pretéritas, outorgando ao Senado Federalcompetências próprias de superórgão, adquiridas, como já referenciadas neste trabalho,pela herança de funções que, segundo o Anteprojeto da Constituição de 1934, seriam típi-cas do Conselho Supremo ou Federal. Esse Conselho fora inspirado no Poder ModeradorImperial, consolidado pela Constituição de 1824. Além do mais, faz-se necessário lembrarque ao Senado44 também cabe a competência privativa de suspender a execução de leideclarada inconstitucional pelo STF, outra reminiscência de uma atividade coordenadoraentre funções de Estado. Portanto, vê-se que ao órgão, apenas parcela da cúpula do Legislativo, coubefunções extremamente relevantes em matéria administrativa e jurisdicional. A regulação40 No Direito alemão, o Tribunal Constitucional Alemão (BVERFG) é competente para o julgamento de uma ação constitucional residual chamada Verfassungsbeschwerde cabível para a tutela de direitos fundamentais ou equiparados violados por uma autoridade pública. Essa ação, apesar de ter natureza mandamental, distancia-se procedimental e teleologicamente da reclamação. A respeito, ver: art. 93 (1), § 4º, da Lei Fundamental de Bonn/1949: ALEMANHA, 2011.41 A respeito, ver: art. 926 do CPC/2015.42 Por “colegialidades constituídas” entendam-se aquelas legalizadas pelo sistema jurídico brasileiro.43 Os enunciados das jornadas jurídicas são exemplos das colegialidades paralelas.44 A respeito, ver: art. 52, inciso X, da CR/88.
Conflito Entre Precedentes 123senatorial por meio de resoluções45 possui aspectos que extrapolam a função regulatóriasubordinada ou complementar própria do Executivo,46 considerando-se que a composiçãoda Casa pelos representantes estaduais e distritais promove uma atividade normativaconciliadora entre os interesses econômicos dos Entes, na tentativa de se equilibrar aatividade tributária no Brasil. Assim também o é no Conselho Nacional de Política Fa-zendária (CONFAZ),47 formado pelos respectivos secretários de Fazenda, Finanças ouTributação dos Entes federados e na Câmara de Comércio Exterior (CAMEX),48 compostapor agentes políticos de cúpula e por representantes da sociedade civil. Mais uma vez,o componente da colegialidade democrática demonstra-se expressivo para a tomada dedecisão normativa e consensual. Além disso, a competência privativa do órgão para suspender a execução de leisdeclaradas inconstitucionais reporta-se à concepção da imperatividade de se estabelecerum ato normativo complexo49 entre as funções jurisdicional e legislativa para o aperfeiçoa-mento da teoria da nulidade quanto ao controle de constitucionalidade.50 Dessa forma, a reclamação como procedimento constitucional ou como ação decunho constitutivo negativo e mandamental51 seria também um instrumento de crescenteintervenção da função pedagógica jurisdicional de última palavra dos tribunais superiores,haja vista que as políticas econômico-tributárias têm se judicializado progressivamentecom fulcro na supremacia constitucional52 do novo constitucionalismo. A consolidação da força obrigatória dos precedentes pelo CPC/2015, ao mesmotempo, implica o estudo sobre a preclusão e a coisa julgada nos processos administrativostributários e jurisdicionais e sobre a ratio decidendi alcançada por ambas as funções deEstado.3. TESES ADMINISTRATIVAS E JURISDICIONAIS ENUNCIADAS: O DIREITO DERECLAMAR A expansão eficacial da ratio decidendi da tomada de decisão no sistema tributárionacional não é uma novidade. O Código Tributário Nacional (CTN) de 1966 expressamente45 Sobre a competência regulatória do Senado em matéria tributária, consultar: art. 155, inciso I, e § 1º, inciso IV; art. 155, § 6º, I; e art. 155, § 2º, incisos IV e V, da CR/88.46 No que toca à regulação subordinada, conferir principalmente os arts. 84, inciso IV, e 174 da CR/88.47 A respeito, ver: Lei nº 11.457/2007.48 A respeito, ver: Lei nº 13.334/2016.49 Os atos complexos são aqueles que, para se aperfeiçoar, dependem de manifestações de vontade de órgãos diferentes, sejam eles singulares ou colegiados. Para aprofundamentos, consultar: MARINELA, 2016, p. 353.50 Importante a menção de que Mendes entende que a ampliação do controle abstrato de normas pelo STF implica na perda de sentido da disposição do art. 52, inciso X, da CR/88, creditando ao instituto da suspensão da lei pelo Senado razão puramente histórica. Para aprofundamentos, consultar: MENDES, 2012, p. 753.51 Esse posicionamento quanto à natureza jurídica da reclamação foi defendido por Pontes de Miranda e, em trabalho recente, por XAVIER, 2016, p. 89-94.52 Para aprofundamentos, consultar: HIRSCHL, 2009, p. 139-178.
124 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinacodificou que a atividade regulatória subordinada53 era devidamente vinculante e que aspráticas administrativas reiteradas, bem como as decisões singulares e colegiadas dajurisdição administrativa inserir-se-iam no gênero norma.54 Essas disposições são extre-mamente avançadas até mesmo para o sistema jurídico atual. Segundo o modelo constitucional de processo,55 a vinculação de práticas reiteradase de decisões colegiadas derivadas do devido processo administrativo, pelo qual a parita-riedade dos conselhos implique, efetivamente, na comparticipação e no contraditório subs-tancial para a formação da decisão, acarretariam, de lege lata, na sua expansão eficacial.Assim, a consequência seria sua eficácia erga omnes ou aptidão para sua oponibilidade atodas as pessoas, independentemente de terem participado do processo. A esses atributos,soma-se a disposição do art. 196 do CTN/1966,56 que já demonstra preocupação com arazoável duração do procedimento administrativo, muito antes da constitucionalizaçãodesse direito fundamental pela Emenda Constitucional (EC) 45/2004.57 Com o fortalecimento do valor da hermenêutica judicial construída a partir da vin-culação de teses jurídicas em casos passados - stare decisis -, especialmente a partir davigência do CPC/2015, instaura-se, em relação à ordenação tributária no Brasil, um conflitonormativo formal, entre precedentes e decisões administrativas, com severas perdas dasúltimas, uma vez que a guarda da Constituição e do sistema infraconstitucional nunca foida dita “jurisdição administrativa”, mas, sim, dos tribunais superiores e de vértice no Brasil. A compreensão de que a administrativização dos conflitos também seria uma ga-rantia do contribuinte, visto que o contencioso administrativo não deixa de ser um direitofundamental do sujeito passivo da obrigação tributária,58 leva à compreensão de que omanejo da reclamação constitucional é consequência da inobservância desse direitofundamental, segundo o modelo constitucional de processo - o que ainda ocorre comfrequência na esfera administrativa pela burocratização instrumental do poder -; ou de queno embate entre direitos fundamentais subjetivos e direitos fundamentais institucionais59de uniformizar sua jurisprudência, a gendarmerie60 tribunalícia mostraria sua supremaciamilitarista. É esta última decorrência que afrontaria a sistematização tributária nacional.53 A respeito, ver: art. 96 do CTN/1966.54 A respeito, ver: art. 100 do CTN/1966.55 Teoria processual de Andolina e Vignera, citada por BARROS, 2006, p. 227-238.56 Art. 196 do CTN/1966: “A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas” (BRASIL, 1966, grifo próprio).57 Para aprofundamento na dimensão jurídico-política do desenvolvimento sustentável e no direito à razoável duração do procedimento, como forma de se assegurar os direitos fundamentais intergeracionais, consultar: GOMES; FERREIRA, 2017, p. 102-103 e 106-108.58 Conferir: GRANDO, 2009, p. 33-43.59 A respeito da titularização de direitos constitucionais pelas pessoas jurídicas de direito público, consultar: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 2895/PE, 2014.60 A guarda da constituição encontra-se expressa no art. 102 da CR/88.
Conflito Entre Precedentes 125 Sob essa perspectiva, a reclamação constitucional constitutiva negativa seriao procedimento disponível para a ruptura da hegemonia dos tribunais61 - colegialidadejurisdicional propriamente dita - sob a alegação do contribuinte de que a tese dos tribunaisnão se aplicaria à peculiar consensualidade e paritariedade da decisão administrativo--tributária. Nesse sentido, a jurisdição sustentável aponta que: Na construção da decisão ideal para o caso concreto, o desafio hermenêutico da jurisdição não é mais um singelo exercício de subsunção do fato à norma, mas sim uma intensa atividade de construção e ponderação, participativa e dialética, que considera os imprescindíveis aportes transdisciplinares e que projeta caute- losamente os efeitos e as consequências da decisão para o futuro (BODNAR, 2009, p. 106). Por conseguinte, outro óbice surgiria para essa constitutividade negativa da recla-mação, qual seja: o conflito entre preclusão máxima e coisa julgada entre as atividadesjurisdicionais administrativa e típica. Para a admissão da reclamação constitucional, faz-seimperativo a ocorrência da preclusão máxima62 no processo administrativo, o que garante,ainda, ao contribuinte, a residualidade da jurisdição propriamente dita. Entretanto, em relação à coisa julgada material, da qual resulta a inadmissibilidadeda reclamação63 em decisões de estabilidade reconhecidas pelo art. 926 do CPC/2015, aocontribuinte interessado não seria garantida a opção pela decisão estável do contenciosoadministrativo, mesmo que ele não tenha participado do processo judicial e a norma aindaformalmente exista no sistema jurídico, sem ter-lhe suspendido a execução o Senado -órgão de coordenação e consensualidade tributária dos Entes. Assim, o instituto da reclamação constitucional brasileira, de conformação peculiarno sistema jurídico nacional, ainda não se estruturou para o amplo exercício dos direitosfundamentais dos contribuintes e dos múltiplos órgãos de colegialidade democráticaestabilizadores de políticas econômico-tributárias consensuais. É um procedimentoainda defensivo e presta-se à expansão eficacial das decisões dos órgãos jurisdicionaispropriamente ditos - tribunais ordinários e superiores - e não, essencialmente, dos direitose garantias fundamentais.CONSIDERAÇÕES FINAIS Em relação ao sistema tributário nacional, ele se estruturou historicamente promo-vendo prejuízos ao sujeito passivo da obrigação tributária, haja vista que deveria ensejaruma decisão processualmente democrática que é considerada vinculante e de eficáciaerga omnes pela ordem jurídica, ante o avanço prospectivo da efetiva implementação do61 A respeito, ver: art. 988, incisos III, IV, e § 4º, do CPC/2015.62 A respeito, ver: art. 7º, § 1º, da Lei nº 11.417/2006.63 A respeito, ver: art. 988, § 5º, do CPC/2015.
126 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinamodelo constitucional de processo à esfera administrativa, a colegialidade paritária, tantodos agentes políticos quanto dos contribuintes em coordenação com os servidores públicosespecializados na matéria. A reclamação, como procedimento constitucional de tutela disponível ao cidadão,encontra uma construção própria no Direito brasileiro, muito mais adaptada à afirmaçãoda jurisdição propriamente dita do que à sua denegação. Por sua vez, a consolidação do direito fundamental à decisão administrativa encontraóbices na coisa julgada material da decisão judicial pela estabilização das teses jurispru-denciais dos órgãos jurisdicionais propriamente ditos, especialmente após a legificação doprocedimento da reclamação pelo CPC/2015. Afirmar direitos fundamentais declarados oureconhecidos pela jurisdição implica, sob outro viés, também a capacidade de afirmá-lospela decisão colegiada difusa, denegando a decisão judicial estável. Se a migração da complexidade social até a expansão das colegialidades para aterritorialização processual decorre de uma reação democrática, a reclamação constitutivanegativa deveria abarcar a possibilidade de efetivo exercício de direitos fundamentais,incluindo-se aí a garantia de uma decisão colegiada administrativa. Seu caminho futuro,assim, implica o reconhecimento não só da supremacia dos órgãos de guarda do sistemajurídico nacional, mas de tutela do direito de escolha do contribuinte pelo contenciosotributário, segundo parâmetros da jurisdição sustentável. O alcance a esse patamar depetição impõe, entretanto, a sobreposição do processo administrativo tributário ao modeloconstitucional de processo, isto é, efetiva entrada no “devir democrático”. Portanto, em resposta ao problema sugerido, hoje em dia a reclamação constitu-cional ainda não se presta como instrumento de resiliência à aqui denominada distopiaprocessual. Ela não está estruturada para o amplo exercício dos direitos fundamentaisdos contribuintes e dos múltiplos órgãos de colegialidade democrática estabilizadores depolíticas econômico-tributárias consensuais e sustentáveis. Trata-se de mero procedimentodefensivo, que assegura a expansão eficacial das decisões dos tribunais ordinários esuperiores e não, especialmente, dos direitos e garantias fundamentais.REFERÊNCIASALEMANHA. Parlamento Federal Alemão. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de23 maio 1949. Tradução Aachen Assis Mendonça. Revisão jurídica de Bonn Urbano Carvelli. Berlin:Deutscher Bundestag, 2011. Disponível em: <https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf>Acesso em: 27 ago. 2018.ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para suspender a exe-cução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 15, n. 57,p. 223-328, jan./mar. 1978. Disponível em: <http://www.senado.leg.br>. Acesso em: 27 ago. 2018.ARNAUD, André-Jean. Legal pluralism and the building of Europe. In: PETERSEN, Hanne; ZAHLE,Henrik (Ed.). Legal polycentricity: consequences of pluralism in law. Aldershot, Reino Unido:Dartmouth Publ., 1995. p. 149-169.
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A LEI SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA* THE LAW ON THE JOINT CUSTODY RENATA LOURO COSTAL Especialista em Direito de Família. Mestranda Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade de Santo Amaro/ SP - UNISA. Professora da Faculdade Anhanguera de Itapecerica da Serra/SP. E-mail: [email protected]. ELIANE DE ALCÂNTARA TEIXEIRA Doutora em Literatura Portuguesa pela USP. Professora do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas da UNISA em Santo Amaro/SP. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - Guarda e poder familiar - Diferença entre guarda unilateral e alternada - Guarda unilateral - Guarda alternada - Guarda compartilhada - Vantagens e desvantagens da guarda compartilhada - A interdisciplinaridade entre psicologia e direito - Conclusão - Referências. RESUMO: O artigo tem como enfoque a Lei 13.058/2014, que tornou a guardacompartilhada como regra geral nos casos de separação conjugal, tornando assim obri-gatória a participação dos pais ativamente na criação e no interesse dos filhos, tendo emvista que, independentemente da separação, do término da relação conjugal, a criaçãoe o ensinamento pelos quais os filhos passam no decorrer do crescimento, devem sercompartilhados por ambos os genitores. Será analisada também no presente artigo, a di-ferença entre os tipos de guarda mais aplicados pelo ordenamento jurídico, como a guardaunilateral e alternada, quais as vantagens e desvantagens da aplicabilidade de cada um,e quais os casos mais pertinentes para ser feita essa aplicação. PALAVRAS-CHAVE: guarda compartilhada; separação conjugal; interesses dosfilhos.* Data de recebimento do artigo: 04.09.2018. Datas de pareceres de aprovação: 26.09.2018 e 02.10.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 11.10.2018.
132 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina ABSTRACT: The article is to focus the new bill 13.058/2014, which has joint custodyas a general rule in cases of marital separation, thus making it mandatory parent participationactively in the creation and in the interests of children, considering that regardless ofseparation, termination of the marital relationship, creating and teaching by which childrenpass during growth should be shared by both parents. Will also be examined in this article,the difference between the types of guard more applied by law, such as unilateral andalternating custody, which the applicability advantages and disadvantages of each, andwhat the most relevant case to be made that application. KEYWORDS: joint custody; marital separation; interests of children.INTRODUÇÃO A Lei 13.058, que passou a vigorar em 22 de dezembro de 2014, trouxe grandes erelevantes modificações no Código Civil 2002 no que tange à guarda e proteção da pessoados filhos. Uma das mais impactantes mudanças trazidas na lei supramencionada refere-seà questão da guarda dos filhos. A guarda compartilhada tomou o status de regra geral, enão mais a exceção quando há o rompimento do relacionamento entre os pais do menor. Mesmo a citada Lei trazendo em seu bojo o significado da expressão “guardacompartilhada”, o que se observa nos dias atuais, após 3 anos e meio da entrada emvigor, é que ainda existem grandes dúvidas, divergências doutrinárias e jurisprudenciaise, principalmente, a aplicação prática conturbada e afastada das reais intenções que olegislador vislumbrou quando modificou o viés da guarda compartilhada. Assim, o presente artigo visa apontar de forma clara e concisa os regimes de guardaexistentes, as modificações legais ligadas ao tema e, por fim, tecer algumas observaçõesque, se colocadas em prática, levarão o instituto da guarda compartilhada a alcançarum patamar mais elevado que certamente trará às famílias brasileiras mais dignidadee equilíbrio, capaz de proporcionar aos menores um ambiente para o crescimento maissadio e afastado de longas disputas judiciais que traumatizam e afetam esses inocentes.GUARDA E PODER FAMILIAR É de suma importância esclarecer que a guarda e o poder familiar não são sinônimos,contudo, ambos reservam direitos e deveres em relação aos menores. Definir guarda não é algo tão simples como aparenta ser em um primeiro olhar. Aguarda está inserida tanto no Código Civil de 2002 quanto no Estatuto da Criança e doAdolescente, conforme abaixo colacionados: Lei 8.069/90 - ECA Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 133Lei 10.406/02 - CCArt. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redaçãodada pela Lei nº 11.698, de 2008).§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um sódos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, porguarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercíciode direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmoteto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluídopela Lei nº 11.698, de 2008).§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhosdeve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai,sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dosfilhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de mo-radia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dosfilhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).[...]§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha asupervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervi-são, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitarinformações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, emassuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúdefísica e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Leinº 13.058, de 2014).Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Re-dação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).I - requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquerdeles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolu-ção de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº11.698, de 2008).II - decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas dofilho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convíviodeste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).§ 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe osignificado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitudede deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelodescumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698,de 2008).§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guar-da do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer opoder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se umdos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda domenor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodosde convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a re-querimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
134 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014). § 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014). § 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compati- bilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014). [...] À primeira vista, parecem existir dois tipos de guarda, o que não é verdade. O queocorre é que o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA trata dos casos de guardaquando há riscos para os menores, sejam estes físicos, psicológicos ou sociais, tratando-sede processo de competência das Varas da Infância e Juventude, enquanto que o CódigoCivil 2002 trata dos casos de guarda quando há o rompimento da sociedade conjugal oudesfazimento de relacionamentos (namoro, noivado ou união estável em que a residênciado menor era em conjunto com pai e mãe) e o processo é de competência das Varas deFamília. A guarda é um complexo de obrigações que o guardião tem para o com o menor emtodas as esferas de sua vida, tais como a saúde, cuidado, educação, vigilância, assistênciamoral e social e de retomá-lo à sua posse de quem injustamente a detenha, e está nemsempre recai sobre a pessoa dos genitores. O poder familiar atribui aos pais inúmeros deveres e direitos irrenunciáveis, intrans-feríveis, imprescritíveis e inalienáveis, entre eles o dever de ter os filhos menores em suaguarda e companhia, obrigações estas que, somadas aos fatores ambientais e emocionais,proporcionam aos filhos um crescimento saudável e completo desenvolvimento para oprosseguimento de suas vidas após a maioridade civil. Essa base de formação dos filhosé obrigação existente mesmo nos casos em que não há coabitação dos genitores. Comobem preleciona Silvio Venosa (apud DIAS, 2015, p. 461) “de objeto de poder, o filho passoua ser sujeito de direito. Essa inversão ensejou modificação no conteúdo do poder familiar,em face do interesse social que envolve. Não se trata do exercício de uma autoridade,mas de um encargo imposto por lei aos pais”. Encontra-se previsto no Estatuto da Criança de Adolescente e no Código Civil 2002: Lei 8.069/90 - ECA Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordân- cia, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 135Lei 10.406/02 - Código Civil 2002Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquantomenores.Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poderfamiliar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro oexercerá com exclusividade.Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poderfamiliar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para soluçãodo desacordo.Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da uniãoestável não alteram as relações entre pais e filhos senão quantoao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhiaos segundos.Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiarexclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê--lo, dar-se-á tutor ao menor.DIFERENÇA ENTRE GUARDA UNILATERAL E ALTERNADA Sabemos que os filhos devem ser criados pelos seus genitores da melhor maneira,para que possam crescer como pessoas de índole invejável para a sociedade. Isso é o quesempre se espera, mas, muitas vezes, não é o que acontece. Isso se dá quando aquelesque devem dar o exemplo de convivência e respeito entram em litígio, em desacordo deideias e de atitudes, por vezes afetando diretamente a personalidade do menor, pois aalteração que ocorre na vida deste é deveras grande, como mudança de casa, afastamentodos genitores e mudança no padrão econômico. É nesse momento que nosso ordenamento jurídico entra em ação; quando há orompimento no convívio dos pais, ou quando esse nunca existiu, os genitores deixam departicipar em conjunto nas funções parentais, devendo, assim, ser imposta uma modalidadede guarda que busque o melhor interesse do menor. Atualmente existem várias modalidades de guarda que vêm sendo aplicadas emdecisões judiciais, aceitas pela doutrina. Dentre as formas de guarda existentes, destacam--se a guarda alternada, a guarda unilateral e, por fim, a compartilhada, objeto principaldo presente estudo. Antes de entrar no mérito de cada guarda, devemos entender primeiramente oque é a guarda. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 33, caput, dispõe sobre otema: “Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacionalà criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros,inclusive os pais”. O entendimento doutrinário, bem como da legislação, é de que a guarda tem acapacidade de dirimir o poder familiar daquele genitor que não a detiver, porém nunca
136 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinasobrestar, visto que não se resume no convívio com o menor, devendo assim ser acumu-lados todos os direitos e deveres dos genitores, podendo sempre este recorrer ao PoderJudiciário quando estiver ao seu entendimento que o exercício do poder familiar não estásendo o melhor para o interesse da criança. Concluindo esse breve conceito sobre o que é a guarda, passamos a explorar asformas de guarda existentes no Código Civil em vigência.GUARDA UNILATERAL A guarda compartilhada vem sendo adotada como regra na maior parte dos julgados,porém, o Código Civil de 2002 prevê no seu artigo 1.583 a guarda unilateral como alternativa: Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008). § 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. [...] § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervi- são, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014). A guarda unilateral, diferentemente da compartilhada, é atribuída apenas a um dosgenitores, ficando o outro com o direito de visitas semanais ou quinzenais. O menor ficarácom aquele genitor que demonstre melhores condições de exercer o poder de guarda e queobjetivamente garanta os direitos do infante, tais como, afeto, saúde, educação e segurança(art. 1.583, § 3º, Código Civil - Revogado pela Lei nº 13.508/14), impondo ao genitor quenão possui a guarda, o poder de supervisionar e proteger o melhor interesse da prole. Nesse sentido, os tribunais se posicionam da seguinte forma: DIREITO DE FAMÍLIA PEDIDO DE FIXAÇÃO DE GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DO REGIME DE VISITAS. Guarda de fato da menor exercida pelo autor após a separação dos genitores. A guarda unilateral, consoante dispõe o art. 1.583, § 2º, do Código Civil, será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos afeto, saúde, educação, segurança e educação. O estudo social demonstrou estar a criança bem cuidada na companhia paterna e terem ambos os genitores condições de assisti-la materialmente. O
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 137 estudo psicológico, de outra parte, relevou a importância da presença da mãe na vida da criança e a falta que sente do convívio. Ausência nos autos, todavia, de motivo grave que justifique a alteração da situação fática já consolidada. Alegação de que a menor estaria residindo na casa da avó paterna e deque teria o genitor fixado residência em outro endereço que não se confirma. Não pode deixar de ser considerado o fato de que a genitora está desempregada e grávida de segundo filho fruto de outro relacionamento, depen- dendo o seu sustento exclusivamente da renda auferida pelo novo companheiro, situação que não pode ser descartada como fonte de eventual instabilidade ao provento da menor. Ressalva-se, por sua vez, o direito da genitora de ingressar com novo pedido de fixação de guarda se assim julgar necessário e caso sobrevenham fatos que alterem as circunstâncias do caso concreto. Sentença reformada para que a guarda seja fixada em favor do autor. Mantém-se o regime de visitas fixado na r. sentença, que deverá ser atendido, em face da reforma em relação à guarda, pela requerida e não pelo autor. Recurso provido para este fim. A adoção do sistema unilateral de guarda coopera para o afastamento do genitorna convivência e responsabilidade sobre os filhos. O sistema mais utilizado e mais comumé o da visitação em finais de semanas alternados, o que gera a escassez na convivênciadaquele que não obtém a guarda com o filho menor (SOUZA, 2011). Para Grisard Filho (2002, p. 108), “as visitas periódicas têm efeito destrutivo sobreo relacionamento entre pais e filho, uma vez que propicia o afastamento entre eles, lentoe gradual, até desaparecer, devido às angústias perante os encontros e as separaçõesrepetidas”. Na maior parte dos casos concretos, o que se vê é o afastamento gradativo dogenitor que não detêm a guarda dos filhos, visto que, por não participar da convivênciadiária, da educação e da criação, acaba que deixando de lado as visitas estabelecidas emacordo, deixando assim os filhos desamparados da convivência, do carinho e da criaçãodeste genitor, gerando assim o esgotamento dos laços parentais. Ademais, a concessão da guarda unilateral, quando houver consenso dentre osgenitores, poderá ser requerida a qualquer momento, em uma ação independente, ouseja, autônoma, como por exemplo, separação, dissolução de união estável e divórcio, ousendo aplicada pelo próprio magistrado, quando esse verificar atenção às necessidadesdo menor, como a distribuição dos horários da criança com os seus genitores, conformedispõe o artigo 1.584 do Código Civil, redação dada pela Lei 11.698/2008.GUARDA ALTERNADA A guarda alternada não é muito bem aceita pelo nosso ordenamento jurídico,visto que o menor tem residências alternadas: durante determinado período de temporeside com o pai e, durante outro período, com a mãe. Nota-se que o próprio Código
138 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - DoutrinaCivil no artigo 1.583 não menciona aguarda alternada, mas apenas a guarda unilateral ecompartilhada. Assim explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2009, p. 181): “nãohá outra espécie de guarda de criança ou adolescente que não a guarda unilateral e aguarda compartilhada. Assim, [...] a lei civil não admite outra espécie de guarda além dasexpressamente previstas”. Neste tipo de guarda, o pai que estiver em presença dos filhos no tempo em quelhe foi estabelecido deve aplicar de forma contundente e exclusiva os direitos e deveresa ele concedidos, ou seja, o poder familiar. Devemos citar o doutrinador Waldyr Grisard Filho, que tem o seguinte entendimentosobre a guarda alternada: A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais de ter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, con- sequentemente, durante esse período de tempo de deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder paternal. No termo do período os papéis invertem-se (GRISARD FILHO, 2002, p. 154). A única vantagem para a criança quando é imposta a guarda alternada é que os paistêm maior tempo para conviver com os filhos, que, por sua vez, possuem maior convivênciatanto com o pai quanto com a mãe, independentemente da alternância de horário. Aindade acordo com Grisard Filho: Neste modelo de guarda, tanto a jurídica como a material, é atribuída a um e a outro dos genitores, o que implica a alternância no período em que o menor mora com cada um dos pais. Esta modalidade de guarda opõe-se fortemente ao princípio da Continuidade, que deve ser respeitado quando desejamos o bem-estar físico e mental da criança (GRISARD FILHO, 2002, p. 154). Por essas razões, parte dos tribunais não tem aceitado a guarda alternada, pois oque ocorre é que o menor, por vezes, fica sem referência de moradia, fato esse que podelhe trazer transtornos e mal-estar, vindo a causar danos consideráveis a sua formaçãofutura. A doutrina, no entanto, faz um comparativo de grande valia quando afirma: A alternância de residências, que não se confunde com a guarda alternada, pode atender ao acordo entre os pais sem ferir o princípio que norteia o conceito de guarda compartilhada e pode, de acordo com as condições e idade da criança, ser uma solução viável. Mas, muitas vezes, num arranjo de divisão salomônica de tempo, espaço e funções, há a desconsideração da necessidade da criança de referência espaço-temporal e de suas necessidades específicas de maior constância de convívio com uma figura de referência,
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 139 dependendo da idade e das características particulares. Este tipo de divisão - salomônica, e mesmo esquizofrênica, pode funcionar como duas guardas unidas, fugindo à ideia de responsabilidade conjunta, que é o que define a nova lei. Em qualquer das espécies de guarda aqui descritas devem ser levados em conta avontade e o melhor interesse do menor, que devem ser mantidos a todo tempo por ambosos pais, pois o poder familiar não acaba quando a guarda do menor pertence a um dosgenitores. Semelhante é o entendimento jurisprudencial majoritário, que repulsa, em boaparte das vezes, na possibilidade de aplicação dessa modalidade de guarda, conformese pode retirar um trecho do voto a seguir, em que foi relatora a Ministra Nancy Andrighi: Na guarda alternada, a criança fica em um período de tempo sema- na, mês, semestre ou ano sob a guarda de um dos pais que detém e exerce, durante o respectivo período, o Poder Familiar de forma exclusiva. A fórmula é repudiada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, pois representa verdadeiro retrocesso, mesmo em relação à guarda unilateral, tanto por gerar alto grau de instabilidade nos filhos - ao fixar as referências de autoridade e regras de conduta em lapsos temporais estanques - como também por privar o genitor que não detém a guarda de qualquer controle sobre o processo de criação de seu filho. A guarda compartilhada, com o exercício con- junto da custódia física, ao revés, é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a interação deles no processo de criação. O estabelecimento de um lapso temporal qualquer, onde a custódia física ficará com um deles, não fragiliza esse Norte, antes pelo contrário, por permitir que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e, em outro momento, do contato paterno, habilita a criança a ter uma visão tridimensional da realidade, apu- rada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. É de se frisar que isso só será conseguido se o Poder Familiar, na sua faceta de coordenação e controle da vida dos filhos, for exercido de forma harmônica, sendo esse o desafio inicialmente colocado. In casu, a fixação da custódia física em períodos de dias alternados primeiro observou as peculiaridades fáticas que envolviam pais e filho, como a localização de residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor. Posteriormente, decidiu-se pela viabilidade dessa custódia física conjunta e a sua for- ma de implementação. Quanto à fórmula adotada, apenas diz-se que não há fórmulas, pois tantos arranjos se farão necessários quantos forem os casos de fixação de guarda compartilhada, observando-se os elementos citados e outros mais, que na prudente percepção do julgador devam ser avaliados. Contudo, reputam-se como princípios inafastáveis a adoção da guarda compartilhada como regra, e a
140 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina custódia física conjunta como sua efetiva expressão. Dessa maneira, não prospera igualmente o pleito do recorrente quanto à inviabilidade de fixação de lapsos temporais de convívio alternados. (Recurso Especial 1251000/MG, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. em 23.08.2011).GUARDA COMPARTILHADA A guarda compartilhada confere a ambos os pais a responsabilidade sobre a criaçãodos filhos, mesmo após a ruptura da vida conjugal. Esse tipo de guarda exclui a sensaçãode abandono causado pela separação dos genitores, possibilitando assim o contato diárioe mantendo-se o vínculo sentimental. Grisard Filho (2002, p. 155), escreve um breveconceito sobre a guarda compartilhada: A guarda compartilhada atribui aos pais, de forma igualitária, a guarda jurídica, ou seja, a que define ambos os genitores como titulares do mesmo dever de guardar seus filhos, permitindo a cada um deles conservar os seus direitos e obrigações em relação a eles. Neste contexto, os pais podem planejar como convém a guarda física (arranjos de acesso ou esquemas de visitas). Outro conceito de guarda compartilhada é trazido pela autora do artigo “Filhos damãe: uma reflexão da guarda compartilhada”, Rosângela Paiva Epagnol (2003), a qualdescreve a guarda compartilhada de filhos menores como um instituto que visa à participa-ção em nível de igualdade de genitores nas decisões em relação aos filhos até que estesatinjam a capacidade plena, em caso de ruptura da sociedade familiar, sem detrimento ouprivilégio de nenhuma das partes. No mesmo sentido, entende Venosa que “A ideia é fazer com que pais separadoscompartilhem da educação, convivência e evolução dos filhos em conjunto. Em essência,essa atribuição reflete o compromisso dos pais de manter dois lares para seus filhos ecooperar de forma conjunta em todas decisões” (VENOSA, 2012, p 185.). Portanto, com a guarda compartilhada, ambos os pais adquirem a responsabilidadede forma igualitária na participação diária das atividades desenvolvidas pelos menores,inclusive na escolha de quais atividades extracurriculares serão feitas, bem como a insti-tuição de ensino na qual será matriculado. Ademais, a guarda compartilhada para Waldyr Grisard Filho (2002, p. 79): “[...]é a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre o menor, os paisresidentes em locais separados”.VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA Em se tratando das vantagens do modelo de guarda compartilhada, podemosapresentar as inúmeras variáveis que, além de beneficiar os filhos, que convivem com
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 141ambos os genitores, beneficiam também os pais, tanto na relação paternal e maternal,como também no relacionamento amistoso entre estes. Todavia, tratando-se de desvantagens, tecemos algumas considerações importantessobre o instituto após um lapso temporal considerável da aplicação do instituto no DireitoBrasileiro. Necessário se faz esclarecer que algumas dessas desvantagens não prejudicama formação psicológica da criança como argumentam alguns doutrinadores. Revela-se,inclusive, contraditória a explanação de que a guarda compartilhada seja o modelo deguarda mais completo à formação da criança, mas que não deva ser deferida a genitoresque não possuem relacionamento amistoso após a dissolução conjugal. Sobre as vantagens, vale a transcrição dos ensinamentos do professor Eduardode Oliveira Leite, que afirma: A guarda conjunta conduz os pais a tomarem decisões conjuntas, levando-os a dividir inquietudes e alegrias, dificuldades e soluções relativas ao destino dos filhos. Esta participação de ambos na condução da vida do filho é extremamente salutar à criança e aos pais, já que ela tende a minorar as diferenças e possíveis rancores oriundos da ruptura. A guarda comum, por outro lado, facilita a responsabilidade cotidiana dos genitores, que passa a ser dividida entre pai e mãe, dando condições iguais de expansão sentimental e social a ambos os genitores (LEITE, 1997, p. 282). Do exposto, temos que a guarda compartilhada possibilita retomar os esforçoscomuns dos genitores em favor do progressivo desenvolvimento educacional da criança.Percebe-se que o modelo supera entendimentos contrários, no sentido de que em situaçõesde conflito entre genitores a guarda unilateral é medida que se deva impor. Nesses tiposde relacionamento, deverá haver acompanhamento psicológico e social por educadoressociais, psicólogos, assistentes sociais que, por um determinado período auxiliarão essesgenitores a praticarem a guarda de forma educativa e desenvolvida, em prol da prole.Sobre a temática, já afirmava Waldir Grisard Filho que: Maior cooperação entre pais leva a decréscimo significativo dos conflitos, tendo por consequência o benefício dos filhos. É indu- vidoso, revela o cotidiano social, que os filhos de pais separados têm mais problemas que os de família intacta. Como é induvidoso que os filhos mais desajustados são os de pais que os envolvem em seus conflitos permanentes (GRISARD FILHO, 2014, p. 211). A guarda compartilhada propicia diminuição significativa dos conflitos gerados tantopela ruptura de relação conjugal, como pela própria disputa pelo convívio com os filhos.Dessa forma, os filhos não terão que se decidir com qual dos genitores ficará e não haveráressentimento por parte do genitor não guardião. Akel discorre com maestria sobre essa vantagem:
142 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina A guarda conjunta ou compartilhada não impõe aos filhos a escolha por um dos genitores como guardião, o que é causa normalmente de muita angústia e desgaste emocional em virtude do medo de magoar o genitor preterido, possibilitando o exercício isonômico dos direitos e deveres inerentes ao casamento ou união estável, a saber, a guarda, o sustento e a educação da prole. Não há dúvidas de que, através deste sistema, o sentimento de culpa e frustação do genitor não guardião, pela ausência de cuidados em relação aos filhos, são diminuídos de forma significante. A guarda compartilhada privilegia e envolve, de forma igualitária, ambos os pais nas funções formativa e educativa dos filhos menores, buscando reorganizar as relações entre genitores e os filhos no interior da família desunida, conferindo àqueles maiores responsabilidades e garantindo a ambos um relacionamento melhor do que o oferecido pela guarda unilateral. Ademais, a adoção do exercício conjunto da guarda facilita a solução de diversos problemas decorrentes da responsabilidade civil por danos causados pelos filhos menores (AKEL, 2009, p. 107). É relevante também lembrar que é extremamente vantajosa a divisão de responsa-bilidade dos genitores, de forma a não sobrecarregar o genitor guardião, que assim poderáse ocupar também de seus afazeres sociais, como trabalho, estudo e desenvolvimentopessoal. Estando ambos os genitores responsáveis solidários pelas possíveis infrações dosfilhos, também ocorre uma divisão igualitária e democrática dos poderes inerentes aos pais. Conforme Dias (2011, p. 1), “o compartilhamento da guarda dos filhos é o reflexomais fiel do que se entende por poder familiar. A participação no processo de desenvol-vimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendoverdadeira democratização de sentimentos”. Do exposto, nota-se que é majoritária a doutrina que traz a guarda compartilhadacomo o modelo ideal ao melhor interesse da criança após o advento da dissolução conjugalde seus pais. Todavia, conforme salientam alguns autores, distinguimos as desvantagensocasionadas às crianças sobre o modelo de guarda no qual não há consenso sobre asresponsabilidades de seus genitores. Akel afirma: O modelo de guarda compartilhada tem um lado legal e outro fí- sico. Quanto ao plano legal, associam-se as decisões relativas ao bem-estar do menor e as desvantagens surgem quando não existe acordo entre os genitores. No plano físico, que é a efetiva presença do menor ao lado do genitor, as desvantagens estariam associadas ao fato de que o menor passa a sofrer mudanças cotidianas, pois ora está em uma residência, ora está em outra, pois quanto mais mu- danças, menos identidade o menor passa a ter (AKEL, 2009, p. 112). Não podemos concordar com a ilustre doutrinadora, já que nos primeiros anosde vida é que a criança se descobre e diferencia os ambientes, formas e cores, tendo o
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 143referencial paterno e materno. Numa sociedade moderna e evolutiva é de se ressaltar osbenefícios dessa mutabilidade aos filhos como qualificação educacional quase que ins-tantânea após o nascimento, por intermédio de berçários, creches, escolas, independentedo genitor que possui a guarda. Se a criança consegue se adaptar com mais facilidade aesses ambientes, é possível também que consiga s adaptar em duas casas. O fator de conflitos após a dissolução conjugal pode causar também desvantagensà criança, quando os pais não conseguem distinguir a conjugalidade da parentalidade,gerando, assim, conflitos psicológicos à prole, por presenciarem brigas e trocas de ofensas. Sobre o tema, Waldyr Grisard Filho ensina que pais em conflito constante, nãocooperativos, que não dialogam, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um aooutro contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos e, nesses casos, osarranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivos às crianças. Para essas famíliasdestroçadas, deve-se optar pela guarda única e deferi-la ao genitor menos contestador emais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas (GRISARD FILHO, 2014). Assim têm se posicionado também nossos tribunais, conforme se nota do julgadoabaixo transcrito do tribunal do Rio Grande do Sul. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO. Inviável, por ora, a instituição da guarda compartilhada do menor, ante a beligerância entre os ge- nitores. Agravo de Instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento nº 70065346595, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, julgado em 28.08.2015). Diante de todos os benefícios trazidos pelo instituto da guarda compartilhada, navisão de nossa moderna e majoritária doutrina e tido como de regra de aplicação diantedos contornos sociais vivenciados, não concordamos também com o referido doutrinadorque nas relações conturbadas entre os genitores seja aplicada a guarda unilateral semque haja um prévio estudo psicológico e social e uma reeducação familiar no interior daparentalidade da criança, tudo em conformidade com o princípio do melhor interesse domenor. Ressaltamos também que a inércia do Poder Judiciário pode fomentar a instituiçãoda alienação parental daquele que possui a guarda de forma unilateral, inclusive afastan-do o genitor não guardião das responsabilidades inerentes ao poder familiar, como é deconhecimento popular e costume brasileiro.A INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE PSICOLOGIA E DIREITO Um ponto delicado na disputa pela guarda é ouvir as crianças, sendo fundamentalo papel desenvolvido pelo psicólogo ou assistente social para que as perguntas sejamelaboradas de maneira correta, a fim de que não ocorra sugestibilidade, pois é necessárioacessar a memória, e não aquilo que foi instruído ou ouvido várias vezes (LAGO, 2009). É importante que as entrevistas sejam realizadas em conjunto, com todas as par-tes envolvidas e em todas as combinações possíveis. Dessa forma, o examinador tem apossibilidade de confrontar as informações e investigar a verdade, porém, o diagnóstico
144 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinapode levar meses ou anos para ser concluído. Destarte, é importante que os psicólogosintervenham para amenizar os possíveis efeitos desse fenômeno. O mais complexo notratamento é restabelecer o vínculo entre a criança e o genitor alienado, sendo tambémnecessário tratar a psicopatologia do genitor alienador. A necessidade da interdisciplinaridade entre a psicologia e o direito conduz a umaquestão: onde e como buscar esses conhecimentos? Pois, no Brasil, não são todos oscursos acadêmicos que oferecem a disciplina de psicologia jurídica e, quando o fazem,é uma matéria opcional. A formação acadêmica voltada apenas para a área clínica geraprofissionais pouco preparados para atuar no âmbito forense, sendo necessário buscarcursos de especialização ou de capacitação (LAGO, 2009). O ingresso de psicólogos no cenário jurídico no país é recente, tendo início em1980, no TJSP, e apenas em 1985 foi consolidado o posto de psicólogo no sistemaJudiciário. As instituições de serviços públicos não têm um sistema de diagnósticos eregistros apropriados, basta observar a dificuldade que os juristas brasileiros encontramna questão da materialidade para comprovar os maus-tratos que não apresentam lesãofísica (CESCA, 2004). No Canadá, a solução encontrada para delitos ocorridos no seio familiar foi umainteração vítima-autor por intermédio de instâncias de compensação, que buscam solu-ções por meio da atuação de equipe multidisciplinar em serviços comunitários visando oaconselhamento e tratamento da família. Isso faz com que muitos casos sejam resolvidossem que cheguem ao sistema Judiciário e é uma das opções que poderiam ser adaptadasà realidade brasileira (CESCA, 2004). Em sua pesquisa, Verônica A. Motta Cesar-Ferreira (2013) constatou que os juízesnão estão preparados para lidar com esses conflitos familiares. Pela subjetividade daquestão, eles não conseguem resolvê-los por sentença. “Necessitam do auxílio de pro-fissionais de outras áreas, particularmente os psicólogos por seu maior conhecimento dasubjetividade humana”. A autora sugere que as possibilidades de ajuda psicoterapêuticaencontradas em algumas leis, como no ECA (1990) e na Lei de Alienação Parental (2010),sejam estendidas ao direito de família, mesmo que requeiram alterações legislativas, bemcomo que seja utilizada a faculdade prevista no § 3º do art. 1.584 do CC/2002. Considerando a atuação do psicólogo na Lei 12.318, no seu art. 5º, § 1º, listadistintos instrumentos a serem levados em consideração na elaboração do laudo pericial,orientando o psicólogo a analisar crítica e historicamente a realidade política, econômica,social e cultural. Essas orientações contrariam ao Código de Ética Profissional do Psicó-logo (2005), e a “Resolução 7/2003 do CFP determina que os profissionais, ao produziremdocumentos escritos provenientes de suas avaliações, se baseiem exclusivamente eminstrumentos próprios de sua área de conhecimento” (BRITO, 2013). Em seu estudo psicojurídico, Cesar-Ferreira (2013) descreve “direito de famíliae psicologia da família como unidade científica necessária à interpretação dos dramasrelacionais que encerra o processo de divórcio e necessária à melhor aplicação legal”.
A Lei Sobre A Guarda Compartilhada 145Discorre, ainda, sobre o que é melhor em casos de separação ou divórcio, em que pro-põe a implantação de um serviço especializado de apoio e orientação aos pais, para quesaibam o que significa deter guarda compartilhada, e ajudá-los, psicologicamente ou pormeio de mediação familiar, a avaliar sua condição de exercê-la. Desse modo, é precisoque este casal seja ajudado a estabelecer um equilíbrio no novo relacionamento, que émuito diferente da relação conjugal. No entanto, acredita-se que há a necessidade de que todos os profissionais queestejam envolvidos com situações críticas em que crianças e adolescentes estejam ex-postas articulem em conjunto, para somente então poder se dizer que está sendo colhidoum depoimento quase sem danos.CONCLUSÃO Após a breve análise de todos os métodos aplicados pelo Poder Judiciário aosgenitores, quando esses requerem a guarda, temos que pelo melhor interesse da criança,após o advento da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada é a melhor a ser utilizada,visto que terá uma maior aproximação e convívio diário com ambos os genitores, algoimportantíssimo para a formação do menor, independentemente de os genitores estaremseparados. Para se obter um ótimo resultado na guarda compartilhada, é necessário que existaum trabalho conjunto do juiz, bem como dos conselheiros, para que os pais (genitores)superem a desavença muitas vezes existente, pensando principalmente no benefício emque a boa convivência trará para os filhos. A mediação de profissionais qualificados e em conjunto com o Conselho Tutelar,Ministério Público e Vara da Infância e da Juventude é a melhor maneira de solucionaros casos de crianças vitimadas pela SAP (Síndrome de Alienação Parental). Porém, nãose deve limitar apenas ao diagnóstico; esses casos precisam ter um acompanhamentoprofissional adequado. Recomenda-se, então, que, ao ser verificado pelo Judiciário talfenômeno, este deve ser encaminhado para tratamento psicoterapêutico. As outras formas de guarda só serão benéficas ao infante nos casos em que ospais não possuam discernimento psicológico para exercer o poder familiar e não tenhamum bom convívio entre si, ou seja, não mantenham uma relação de amizade. Além disso,tanto a guarda unilateral como a alternada trazem malefícios ao menor, pois esse não teráuma base familiar concreta, posto que sempre estará em um ambiente diferente daquelecom o qual está acostumado, tendo afetados seu crescimento humano e intelectual. Assim, a guarda compartilhada é o modelo mais adequado ao bem-estar dos filhosapós o rompimento do relacionamento entre os pais, pois impede que os laços entre elesse enfraqueçam, além do que distribui entre os genitores os direitos e deveres do poderfamiliar. A modificação legal trazida pela Lei 13.058/2014 aborda muito mais que a aplicaçãode um regime de guarda, pois quer garantir que os genitores se afastem da falsa ideia daobrigatoriedade de acordo, amizade e bom senso entre eles e os faça entender que seuspapéis de pais devem se sobrepor ao relacionamento amoroso um dia existente. Se já
146 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinanão existe amizade, diálogo, harmonia, estes são problemas que devem ser resolvidosentre eles, e nunca, jamais, utilizados para a não aplicação desse regime de guarda tãobenéfico para os filhos se aplicado de maneira correta e respeitosa pelos pais.REFERÊNCIASAKEL, Ana Carolina Silveira. A guarda compartilhada: um avanço para a família moderna. SãoPaulo: Revista dos Tribunais. 2010.BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 12. ed. Rio de Janeiro.Atual, v. 2, 1960.BRITO, Leila Maria Torraca de; GONSALVES, Emmanuela Neves. Guarda compartilhada: algunsargumentos e conteúdos da jurisprudência. Revista direito GV, v. 9, n. 1, 2013. p. 280. Disponívelem: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322013000100011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 27.08.2018;CESCA, Taís Burin. O papel do psicólogo jurídico na violência intrafamiliar: possíveis articula-ções. Psicologia e Sociedade, v. 16, n. 3, p. 41-43, 2004. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822004000300006&lng=en&nrm=isso>. Acesso em: 27 ago.2018.CESAR-FERREIRA, Verônica A. Motta. A guarda compartilhada e o relacionamento parental nainterface psicojurídica. Diálogos Possíveis, v. 12, n. 1, 2013. p. 269. Disponível em: <http://revistas.faculdadesocial.edu.br/index.php/dialogospossiveis/article/view/90>. Acesso em: 27 ago. 2018.DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Guarda Compartilhada: novo regime da guarda de criançae adolescente. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Guardacompartilhada. São Paulo: Método, 2009.GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental.2. ed. São Paulo: RT, 2002.LAGO, Vivian de Medeiros; BANDEIRA, Denise Ruschel. A psicologia e as demandas atuais dodireito de família. Psicologia Ciência e Profissão, v. 29, n. 2, 2009. p. 296. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932009000200007&lng=pt&nrm=isso>. Acessoem: 27 ago. 2018.LEITE, Eduardo Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiras,de pais e mães separadas e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2003;RIBEIRO, Luciana Gonçalves; CABRAL, Maria Laura Vargas. O poder familiar e o conceito modernode família a luz do ECA. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58043/o-poder-familiar-e-o--conceito-moderno-de-familia-a-luz-do-eca>. Acesso em: 27 ago. 2018;SOUZA, Camila Barbosa de. Guarda compartilhada, nova concepção no cuidado de filhos e paisseparados. Faculdades Promove. 100 fls. 2011.VENOSA, Silvo de Salvo. Direito civil: direito de família. 12. ed. São Paulo: Atlas, v. 6, 2012.
ASSUNTOS DIVERSOS - PALESTRAPRECEDENTES OBRIGATÓRIOS COMO UM CAMINHO PARA A REDUÇÃO DE PROCESSOS TRIBUTÁRIOS NO BRASIL1 RENATO LOPES BECHO Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Cooperativismo pela UNISINOS/RS. Mestre, Doutor e Professor de Direito Tributário na PUC/ SP. Livre-docente em Direito Tributário pela USP. Pesquisa pós-doutoral no King’s College de Londres. Coordenador do Núcleo de Estudos Pós-Graduados de Direito Constitucional e Processual Tributário da PUC/SP. Juiz Federal/SP. E-mail: [email protected]. O novo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 estipula que os precedentesjudiciais serão obrigatórios, o que é atípico em um país de Civil Law. Por isso, a novalegislação aumenta o interesse pelo Common Law, que possui, na doutrina dos preceden-tes, uma de suas características mais marcantes, como nossa pesquisa no King’s Collegede Londres, e contatos no respectivo Brazil Institute demonstraram. Nós observamosque a realidade do Judiciário Brasileiro é profundamente diferente daquela na Inglaterra,facilmente perceptível comparando-se as respectivas Supremas Cortes. Aplicar a doutrinados precedentes no Brasil pode reduzir a vasta litigiosidade atual, apesar de questõesconstitucionais a respeito do novo CPC. Apesar disso, é evidente que os juízes brasileirosvivem um momento histórico de grande ativismo, interpretando o princípio da livre deci-são motivada livremente, o que causa profunda insegurança jurídica, enquanto os juízesingleses tendem a manter as decisões prévias, inclusive para conferir segurança jurídica.Nós destacamos esse aspecto. Pontos principais 1. Ativismo judicial com o princípio da livre decisão motivada; 2. O novo Código de Processo Civil; 3. Um problema: quando os tribunais decidem contra a lei em precedentes obri-gatórios.Alguns dados a respeito do Sistema Judiciário Brasileiro O sistema judiciário brasileiro tem alguns números impressionantes: com jurisdiçãosobre mais de 200 milhões de pessoas (um milhão de advogados, três milhões de bacharéisem Direito e o inacreditável número da metade das faculdades de Direito do mundo2) em1 ABRE - Associação de Brazilianistas na Europa. Evento de lançamento - Leiden, Holanda, 30 de maio a 1º de junho de 2017.2 KRAVCHYCHYN, Jefferson. Brasil, sozinho, tem mais faculdades de direito que todos os países. 14.10.2010. Disponível em: <www.oab.org.br>.
148 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Palestrauma república federativa com 26 estados, 1 distrito federal e 5.570 municípios; tem 1.570fóruns e juizados, 86 tribunais estaduais e regionais (de Justiça, Federais, do Trabalho,Militar e Eleitoral), 4 Tribunais Superiores (de Justiça, do Trabalho, Militar e Eleitoral) euma Suprema Corte; possui 17.349 juízes.3 Em 2015, 28.5 milhões de processos foram finalizados e havia 27.3 milhões denovos processos judiciais (2.6 milhões deles eram execuções fiscais).4 Todavia, 2016começou com 74 milhões de processos em andamento,5 sendo que, desses, 39% eramde execuções fiscais (28.8 milhões de processos “antigos”).6 De maneira impressionante, em 2015 o Poder Judiciário consumiu 1,3% do ProdutoInterno Bruto.7Suprema Corte do Reino Unido e Supremo Tribunal Federal: alguns números A Suprema Corte do Reino Unido é composta por 12 ministros e tem jurisdição sobrea Inglaterra, o País de Gales, a Escócia e a Irlanda do Norte. Desses, os dois primeirospaíses aplicam o common law e os outros dois o civil law. A Corte analisou, entre 1º deabril de 2014 e 31 de março de 2015 (ano judiciário), 231 casos.8 O Supremo Tribunal Federal brasileiro é composto por 11 ministros, apenas aplicao civil law em um país, e analisou, entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2014, 110.603processos.91. Ativismo judicial com o “princípio da liberdade motivada das decisões” Historicamente, os juízes no Brasil não prestam muita atenção aos precedentesjudiciais. Todavia, mais do que isso, há, em minha opinião, um grande problema cultural: osjuízes, de todos os níveis de jurisdição, não prestam atenção às inconsistências na tomadade decisão deles próprios e de outros juízes. Eu gostaria de expor uma experiência pessoalpara elucidar essa afirmação, que é de difícil prova. Os novos juízes brasileiros precisamcursar, normalmente, quatro meses de Escola da Magistratura quando eles começam nacarreira. Eles assistem aulas e trabalham outro período nos fóruns. Um desses novosjuízes me disse, muito orgulhoso, que havia revisto uma decisão de outro juiz mais antigonaquele dia. Eu lhe indaguei se a decisão anterior tinha sido “errada”; mas a resposta foi:“não, mas eu penso diferentemente!”. É evidente que, em um país como o Brasil, commais de 17.000 juízes,10 esse é um grande problema.3 Justiça em Números 2016 (ano-base 2015). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/ pj-justica-em-numeros>. p. 31.4 Justiça em Números..., p. 62.5 Justiça em Números..., p. 43.6 Justiça em Números..., p. 61.7 Justiça em Números..., p. 33.8 REINO UNIDO. Relatório anual e estatístico da Suprema Corte 2014/2015. Disponível em: <https://www. supremecourt.uk/docs/annual-report-2014-15.pdf>. p. 26.9 BRASIL. Notícias do STF. 19.12.2014. Disponível em: <www.stf.jus.br>.10 Justiça em Números..., p. 31.
Precedentes Obrigatórios 149 Como é difícil inquirir tantos juízes, nós focamos no Superior Tribunal de Justiça -STJ, uma terceira instância, logo abaixo do Supremo Tribunal Federal, apenas um tribunalacima de 32 Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, com 33 ministros. O STJtem a obrigação constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal (ConstituiçãoFederal, artigo 105, III, c). Tentando exemplificar o fato de os juízes brasileiros não veremas sentenças e decisões anteriores com um precedente no mesmo sentido como ocorreno common law, ao menos dois ministros manifestaram suas inquietações em julgadosou em conferências a esse respeito. José Delgado, ministro aposentado do STJ, em uma conferência de Direito Tributá-rio, disse que havia, em uma breve pesquisa, identificado ao menos 33 assuntos em quea Corte estava aplicando diferentemente e em sentidos opostos a mesma matéria.11 Eleexpressamente tratou da “imprevisibilidade das decisões judiciais”.12 Humberto Gomes de Barros, outro ministro aposentado do STJ, afirmou como estavatriste com o fato de que a Corte não se sentia vinculada aos seus próprios precedentes.13 OTribunal estava revisando uma súmula (não obrigatória, mas com força persuasiva) apenastrês meses após sua aprovação! Ele afirmou, no julgamento conhecido como banana boat: Nós somos os condutores, e eu - Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam - sinto-me triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele voo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica [...]. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa súmula não devia ter sido feita assim. Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da boia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina quando todos os passageiros da boia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.1411 “Dentro desse campo, chamo-lhes a atenção para o que está acontecendo no Superior Tribunal de Justiça. Quero que bem me compreendam: não estou aqui fazendo uma crítica, porque eu mesmo tenho participado das decisões que agora vamos comentar - quero tão somente tratar de realidades concretas. [...] Fecho essa parte e abro-lhes a seguinte, para lhes demonstrar que o levantamento que efetuei, da semana passada para cá, preparando-me para esta palestra, mostra que o STJ, hoje, se depara com pelo menos 33 - vejam bem, não terminei o levantamento - decisões conflitantes entre turmas, que por isso são, evidentemente, imprevisíveis, todos a demonstrarem incerteza”. A imprevisibilidade das decisões judiciais. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/20885>. Acesso em: 29 fev. 2016.12 A imprevisibilidade das decisões judiciais. cit.13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 382.736-SC, publ. 03.03.2011.14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 382.736-SC, publ. 03.03.2011.
150 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Palestra Não temos dúvida de que todos os julgados a que o Ministro se referia estavamfundamentados. O problema é como os juízes estão considerando o princípio da livremotivação das decisões. Eles não respeitam as decisões anteriores, incluindo de suaspróprias Cortes, algo que cria imensa insegurança jurídica. Isso demonstra, em outras palavras, que os juízes não pensam que eles estãovinculados aos precedentes. Os juízes simplesmente (ou apenas) interpretam as leis nosentido em que eles preferem. Com o novo Código de Processo Civil, o Congresso Nacionalestá mostrando aos juízes brasileiros que quer ver algo diferente.2. O novo Código de Processo Civil O ano 2015 marca uma importante mudança legislativa no Brasil: o novo Códigode Processo Civil (CPC).15 Ao contrário de seu predecessor (o Código de Processo Civilde 1973), a nova lei transmite um sistema de regras sobre o uso de precedentes judiciais(artigos 489, 926 e 927). O artigo 489 determina o que é essencial em uma decisão judicial e, pela primeiravez no Brasil, a doutrina dos precedentes é introduzida. Seu parágrafo 1º estipula que: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou prece- dente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Nós podemos interpretar “fundamentos determinantes” no inciso V como a ratiodecidendi e o obter dictum, assim como podemos fazer com “demonstrar que o caso sobjulgamento se ajusta àqueles fundamentos” como a aplicação do precedente. No inciso VI,podemos ler “deixar de seguir [...] precedente” como a superação do precedente, assimcomo “sem demonstrar a existência de distinção” como a distinção, que são categoriasda doutrina dos precedentes. Em outras palavras, precedente agora é obrigatório; juízes precisam aplicar a ratiodecidendi, identificar e demonstrar qual parte do precedente é obter dictum, que possuiforça persuasiva. Eles têm que distinguir os casos, evidentemente. O artigo 926 do novo CPC determina que os tribunais têm que uniformizar suajurisprudência e mantê-las “estável, íntegra e coerente”.2.1. O caso especial do artigo 927 Pelo artigo 927, o Congresso Nacional estipulou como os tribunais devem trabalharcom os precedentes:15 Lei nº 13.105, de 16 de março.
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