Precedentes Obrigatórios 151 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais esti- verem vinculados. § 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de au- diências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supre- mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando- -os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. Todavia, determinar que os precedentes passem a ser vinculantes por lei pode serinconstitucional, considerando-se que as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federalbrasileiro foram estipuladas por decisão constitucional. Pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o Congresso Nacional autorizou oSupremo Tribunal Federal a publicar súmulas de sua jurisprudência com força vinculante.Por isso, alguns juristas16 entendem que o Congresso não pode estipular precedentesjudiciais obrigatórios por lei ordinária. O Congresso Nacional precisa editar uma emendaconstitucional para estipular os precedentes obrigatórios.16 José Rogério Cruz e Tucci: a Constituição Federal “reserva efeito vinculante apenas e tão somente às súmulas fixadas pelo Supremo, mediante devido processo e, ainda, aos julgados originados de controle direto de constitucionalidade”. In: O regime do precedente judicial no novo CPC. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, n. 126, ano XXXV, 2015. p. 150. No mesmo sentido: BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 538.
152 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Palestra3. Um problema: quando os tribunais decidem contra a lei em precedentesobrigatórios Inicialmente, é importante registrar que a Constituição Federal brasileira estipula,no artigo 5º, inciso II, que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisasenão em virtude de lei”. Todavia, em 2010, em uma importante decisão, o Superior Tribunal de Justiça - STJ(Corte nacional de apelação) mudou sua jurisprudência e deixou de aplicar o Código Tri-butário Nacional como de costume e passou a aplicar o artigo 219 do Código de ProcessoCivil de 1973 para as execuções fiscais. Todavia, apenas parte desse artigo (parágrafos1º e 2º) fora usado, deixando de fora os parágrafos 3º e 4º.17 Se o Tribunal tivesse aplicado o Código Tributário Nacional (como fazia desde então)ou mesmo todo o artigo 219 do CPC, a decisão teria sido diferente. O STJ decidiu queesse julgamento teria o efeito dos recursos repetitivos. Contudo, essa decisão contrastacom o princípio constitucional da legalidade, significando que o Supremo Tribunal Federalpoderá superar esse precedente. O novo CPC me fez curioso a respeito do Common Law. Assim, fui para o King’sCollege de Londres, onde participei de algumas atividades de seu Brazil Institute. Du-rante minhas pesquisas, localizei o conceito de decisão per incuriam. Ela ocorre quandouma Corte não menciona um precedente prévio ou uma legislação usada como base deargumentação de uma das partes. Tendo tido a oportunidade de estudar em Londres euescrevi um artigo18 sobre a doutrina dos precedentes que inclui as decisões per incuriam.Finalmente, eu apliquei a doutrina dos precedentes e o conceito de decisão per incuriamem um julgado, que foi publicado na Revista do Tribunal.19Conclusão Como o julgamento é um processo cultural, o novo CPC tem um limitado alcancepara reduzir o número de processos judiciais. Se o Brasil pretende reduzir tais processos,os juízes brasileiros precisam se autoconter diante de um grande ativismo, prestandomais atenção às leis e construindo precedentes judiciais analisando todos os aspectosnele envolvidos. Os processos judiciais tributários, especialmente as execuções fiscais, são um temaexcelente para começar a busca por esse objetivo, considerando que eles representamquase a metade das ações judiciais. Muito obrigado.17 Recurso Especial nº 1.120.295/SP, Min. Luiz Fux. DJe 21.05.2010.18 O desprestígio da lei em decisões “descuidadas” no aniversário do CTN. In: Revista da AASP, dez. 2016.19 Sentença publicada na Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região n. 132, p. 419-428. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/trf3r/index.php?id=2561>.
ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL FEDERALAG. REG. NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 157.321/SPRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIDJe: 04.10.2018 AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESMEMBRAMENTO DA INVESTIGAÇÃO. POS- SIBILIDADE. COINVESTIGADO SEM PRERROGATIVA DE FORO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO MAGISTRADO DE PISO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A orientação jurisprudencial desta Suprema Corte é no sentido de que “[...] o desmem- bramento deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerroga- tiva de função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante à investigação” (Inq. 4.146-AgR-terceiro/DF, Rel. Min. Teori Zavaski, Plenário). II - Se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu pelo desmembramento das investigações, mostra-se hígido o recebimento da denúncia pelo Magistrado de piso, uma vez que o recorrente não era detentor de foro por prerrogativa de função. III - Agravo a que se nega provimento. ACÓRDÃO Acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual da SegundaTurma, na conformidade da ata de julgamentos, por votação unânime, negar provimento aoagravo regimental, nos termos do voto do Relator. Brasília, 28 de setembro de 2018. RICARDO LEWANDOWSKI - RELATOR RELATÓRIO O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Trata-se de agravo regimentalinterposto contra decisão que proferi nestes autos (documento eletrônico 11). O agravante insiste na nulidade da decisão por meio da qual o Magistrado de pisorecebeu a denúncia, sob a alegação de que houve usurpação da competência do Tribunal deJustiça do Estado de São Paulo. Sustenta que o fato de coinvestigado não mais ser detentor deforo por prerrogativa de função não convalida a mencionada nulidade (documento eletrônico 12). A vista à Procuradora-Geral da República foi dispensada, nos termos do parágrafoúnico do art. 52 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. É o relatório. VOTO O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem reexaminados os autos,tenho que a decisão ora atacada não merece reforma ou qualquer correção, pois os seus
154 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018fundamentos harmonizam-se estritamente com a jurisprudência desta Suprema Corte queorienta a matéria em questão. Na espécie, reafirmo, o caso é de denegação da ordem. Transcrevo agora, por oportuno, o teor do voto condutor proferido pelo MinistroReynaldo Soares da Fonseca, Relator do HC 372.446/SP na Quinta Turma do Superior Tribunalde Justiça - STJ, verbis: O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Assim, em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo do recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insur- gência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Conforme relatado, visa o impetrante, em um primeiro momento, anular a decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão cautelar. Considera ter sido usurpada a competência do Tribunal de Justiça, uma vez que um dos codenunciados era prefeito e possuía foro por prerrogativa de função naquela Corte, não sendo possível o desmembramento pelo Ministério Público. De início, registro que fica clara, na hipótese dos autos, a existência de continência, porquanto foram todos acusados pelas mesmas infrações (art. 77, I, CPP), o que importa, em regra, na unidade de processo e julgamento, conforme dispõe o art. 79, caput, do Código de Processo Penal. Outrossim, o art. 78, inciso III, do mesmo Diploma disciplina que, “no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação”. Dessa forma, havendo continência com fatos praticados por corréu com foro por prer- rogativa de função no Tribunal de Justiça, todos deveriam ter sido denunciados perante a Corte de origem, porquanto se cuida de regra trazida na lei, não se verificando, na hipótese, exceção que autorizasse atuação diversa do Ministério Público. De fato, ainda que os processos possam, e em regra devam tramitar separadamente, cabe ao Judiciário aferir a conveniência da separação. Com efeito, “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a adotar como regra o desmembramento dos inquéritos e ações penais originárias no tocante a coinves- tigados ou corréus não detentores de foro por prerrogativa de função, admitindo-se, apenas excepcionalmente, a atração da competência originária quando se verifique que a separação seja apta a causar prejuízo relevante, aferível em cada caso concreto”. (Pet. 6.727-AgR, Relator Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 30.06.2017, DJe-170 02.08.2017 P. 03.08.2017). Nesse sentido: [...]. Note-se que o próprio art. 82 do Código de Processo Penal afirma que “se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva”.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 155No entanto, é ressalvada a possibilidade de separação nos termos do art. 80 do Códigode Processo Penal, porém, a critério do juiz, quando “reputar conveniente a separação”.A doutrina sobre o tema elucida que:“Suponha-se que um deputado federal pratique um delito patrimonial em concurso deagentes com um particular, que não faz jus a foro por prerrogativa de função. Nessahipótese, em virtude da continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inciso I), edo consequente simultaneus processus, ambos poderão ser processados e julgadosperante o Supremo Tribunal Federal. Acerca do tema, dispõe a súmula n. 704 do STFque não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legala atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativade função de um dos denunciados. Como deixa entrever a própria leitura da súmula nº704 do STF, essa unidade de processos não é obrigatória, podendo o Relator determi-nar a separação dos processos caso visualize a presença de motivo relevante que arecomende (CPP, art. 80). Deveras, no exemplo acima citado envolvendo um deputadofederal e um coautor sem foro por prerrogativa de função, é recomendável a existên-cia de um simultaneus processus a fim de se obter uma melhor visão do panoramaprobatório. Todavia, a depender do caso concreto (v.g., imagine-se um exemplo comdezenas de acusados, ou com a iminência de prescrição em relação a determinado fatodelituoso), essa separação poderá se mostrar extremamente conveniente, a fim de segarantir a celeridade e a razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), além detornar exequível a própria instrução criminal, viabilizando a persecutio criminis in iudicio.Na verdade, o desmembramento de inquéritos ou de processos penais de competênciaoriginária dos Tribunais deve funcionar como a regra geral, admitida exceção apenas noscasos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamentoem separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.[...]Compete ao Tribunal de maior graduação - e não ao juiz de 1ª Instância - a competênciapara decidir quanto à conveniência de desmembramento de procedimento de investiga-ção ou persecução penal, quando houver pluralidade de investigados e um deles tiverprerrogativa de foro perante determinado Tribunal. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manualde Processo Penal. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 481-482).”Observa-se, portanto, que não há óbice à cisão do processo para que os denunciadosque não possuem foro por prerrogativa de função sejam processados em primeirainstância, uma vez que “o foro por prerrogativa de função é exceção em nosso orde-namento jurídico, sendo que, apenas aqueles que estão no cargo devem, em regra,ser processados e julgados, originariamente, pelos Tribunais superiores ou estaduais,excepcionando-se os casos de prejuízos gerados à instrução em razão do desmem-bramento” (RHC 84.103/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em14.11.2017, DJe 15.02.2018).Porém, reitero que o desmembramento do processo penal em relação aos acusadosque não possuem prerrogativa de foro deve ser pautado por critérios de conveniênciae oportunidade, estabelecidos pelo Juízo da causa, no caso, o de maior graduação, ouseja, o Tribunal de Justiça.De fato, diante do “envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, os autos devemser encaminhados imediatamente ao foro prevalente, definido segundo o art. 78, III,do CPP, o qual é o único competente para resolver sobre a existência de conexão ou
156 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 continência e acerca da conveniência do desmembramento do processo” (Rcl 31.629/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20.09.2017, DJe 28.09.2017). No mesmo sentido: [...]. Não é diferente o entendimento do Supremo Tribunal Federal: [...]. Dessarte, caberia ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e não ao Ministério Público nem ao Magistrado de origem, analisar a conveniência do desmembramento dos autos. Nada obstante, houve superveniente convalidação da separação realizada pelo órgão acusador, uma vez que, ao analisar a alegação de incompetência formulada no prévio mandamus, entendeu a Corte local, no caso concreto, por não avocar o processo em trâmite na origem, considerando conveniente, portanto, a tramitação em separado. Por oportuno, transcrevo trechos do acórdão (e-STJ fls. 655/656): “Nenhum vício decorre da cisão do procedimento investigatório para ajuizamento de ações penais diversas: em face do Prefeito de Indaiatuba, de um lado, e dos demais envolvidos, de outro. De fato, o Ministério Público em conduta harmônica, a um só tempo, com o princípio da divisibilidade da ação penal pública e com a mais recente orientação do E. Supremo Tribunal Federal ofereceu denúncia perante esta Corte, tão somente, em face do Prefeito Municipal, movendo ação penal em face dos demais envolvidos, que não detém foro por prerrogativa de função, em primeiro grau. A propósito, já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal que a separação de processos ‘deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante’. De fato, a competência por conexão ou continência é meramente relativa. Ora, a impe- tração sequer menciona algum prejuízo decorrente da tramitação do feito em primeiro grau, a qual, aliás, assegura ao paciente o duplo grau de jurisdição. Ademais, caso esta Corte venha a entender necessária a reunião de processos, poderá a qualquer tempo, antes de proferida sentença definitiva, avocar - de ofício ou a pedido - o feito que tramita perante o Juízo de primeiro grau, conforme prevê o artigo 82 do Código de Processo Penal.” Nesse encadeamento de ideias, tem-se que, de fato, não cabia ao Ministério Público nem ao Magistrado de 1º grau proceder ao desmembramento. No entanto, diante da não avocação dos autos pelo Tribunal de Justiça, tem-se convalida- do o desmembramento, motivo pelo qual não há se falar em nulidade, por incompetência, da decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão cautelar. Relevante registrar, também, que a matéria referente à separação ou reunião dos processos, em virtude do foro por prerrogativa de função do corréu Reinaldo Nogueira Lopes Cruz, perdeu relevância, uma vez que o mandato do então prefeito se encerrou no final de 2016, tendo seu processo sido remetido à origem em 11.01.2017. Dessarte, ainda que eventualmente se reconhecesse a incompetência, à época, do Magistrado de origem para receber a denúncia e decretar a prisão, ter-se-ia, a partir de 2017, a superveniência de sua competência plena para julgar inclusive o ex-prefeito, acarretando perplexidade eventual nulidade decretada, uma vez que caberia ao Ma- gistrado de 1º grau o juízo de convalidação do recebimento da inicial acusatória por ele já recebida anteriormente. Por fim, além de eventual incompetência na hipótese ser relativa, por violação a regras de conexão - demandando, portanto, a demonstração do efetivo prejuízo -, consigno
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 157que o art. 64, § 4º, do Código de Processo Civil, o qual se aplica ao processo penal poranalogia (art. 3º do CPP), autoriza a preservação das decisões proferidas pelo Juízoincompetente. De fato, “salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão osefeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se foro caso, pelo juízo competente”. Portanto, não verifico nulidade por incompetência. Querpor ter havido a convalidação pelo Tribunal de origem dos atos praticados na origem,quer pela superveniente competência plena do Magistrado de 1º grau, que acarretaria aconvalidação dos atos praticados por ele mesmo, quer pela ausência de demonstraçãode prejuízo, em virtude da inobservância da competência por continência.Lado outro, no que concerne ao pedido de concessão de liberdade provisória, verificoque o Magistrado de origem, ao receber a inicial acusatória, decretou a prisão cautelardo paciente, em 16.06.2016, nos seguintes termos (e-STJ fls. 604/605):“O pedido de preventiva merece acolhimento. De fato, os pressupostos para a conces-são da medida - prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria - estãoperfeitamente delineados, como amplamente exposto pelos fatos acima narrados. Osdados evidenciam que a organização operou no período de 07/2013 até pelo menos10/2015, causando dano ao Tesouro Municipal no valor de R$ 9.997.000,00. Assim, pormais de dois anos os denunciados cometeram atos criminosos, demonstrando assim quesão organizados e reiteram as atividades ilícitas. De fato, a reiteração delitiva se revelana capacidade de mobilizar recursos e meios destinados a cometer novos crimes, namedida em que a organização controla diversas pessoas jurídicas, capazes de garantira movimentação e ocultação dos proventos dos crimes (documento de número 20).Além disso, a organização tem acesso a mecanismos financeiros hábeis a garantir amovimentação de valores ilícitos, pois JOSUÉ é conhecedor do sistema bancário, eis queé ex-funcionário da Caixa Econômica Federal. Quanto a LEONICIO, este tem acesso àestrutura administrativa da Prefeitura, por meio do Prefeito REINALDO. O documento denúmero 21 revela que JOSUÉ ocultou o patrimônio de uma das empresas referidas aoscrimes narrados (fls. 193/195-documento de número 21). ROGÉRIO, ADMA e CAMILAsão executores dos atos da organização, inclusive mediante o empréstimo do nomepara a ocultação dos bens, no caso de ADMA e CAMILA. Diante disso, verifica-se queas atividades desses denunciados são vitais para a movimentação da organização.Diante disso, dado o modus operandi da organização, considerando-se a existênciade inúmeras pessoas jurídicas vinculadas aos denunciados, há fortes indícios de quehaverá reiteração dos atos criminosos, ficando caracterizada a reiteração delitiva, deforma que a preventiva é necessária para garantir a ordem pública. Somente tal medidaé capaz de interromper as atividades da organização. O Supremo Tribunal Federal jáassentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguar-dar a ordem pública quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuira atuação de integrantes de organização criminosa (HC nº 124.911/SPAgR, PrimeiraTurma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 04.03.2015). Perfilhando esse entendimento:HC nº 95.889/GO, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe 20.03.2009; RHCnº 106.697/DF, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 14.05.2012; e HCnº 108.219/PB, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 08.08.2012. Diante detais fatos, decreto a prisão preventiva dos denunciados, com fundamento no art. 312do CPP. Expeçam-se mandados de prisão, com urgência.”
158 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 O Tribunal de origem, por seu turno, ao denegar a ordem no prévio mandamus, con- signou que (e-STJ fls. 656/658): “Lado outro, a decisão vergastada se mostra bem fundamentada, destacando, em cores vivas, a gravidade concreta dos fatos, indicativa da periculosidade de seus autores, que faz prever o periculum libertatis. Essa gravidade concreta é inegável, seja à vista do valor subtraído à municipalidade - em detrimento da prestação de serviços essenciais à população carente -, seja diante do número de operações de lavagem subsequentes, envolvendo numerosas pessoas físicas e jurídicas, através de associação com contornos de organização criminosa. Anota-se a propósito, a relevante posição do paciente na trama criminosa, pois teria ascendência sobre as duas mulheres que emprestaram seus nomes para a composição da empresa Bela Vista, e operacionalizou múltiplos atos de lavagem de dinheiro, que favoreceram, dentre outras, empresas de seu irmão Josué. Uma das empresas do irmão do paciente, de nome Jacytara, foi beneficiária em diversas ocasiões, segundo a denúncia, de transferências que somaram a vultosa quantia de R$ 7.072.223,07 (sete milhões, setenta e dois mil, duzentos e vinte e três reais e sete centavos), sem que houvesse, subjacentes, negócios jurídicos lícitos a justificá-las; foram operações realizadas, na verdade, com o propósito de ocultar e dissimular a origem dos valores desviados ilicitamente do Município de Indaiatuba, os quais haviam sido recebidos pela empresa Bela Vista, constituída com forte participação do ora paciente, com vistas à consecução do desvio de rendas públicas. No mais, as alegações da impetração dizem respeito ao próprio mérito da causa, não comportando apreciação nesta sede. Como já destaquei alhures, a bem montada máquina de lavar engendrada pelo paciente e pelos corréus pode continuar operando, caso aquele seja mantido solto. De ver-se, ainda, noticiarem os autos que em abril do corrente ano medida cautelar deferida com a finalidade de bloquear valores dos envolvidos viu-se frustrada pelo an- terior esvaziamento das contas bancárias, em conduta que traduz o escopo de furtar-se à aplicação da lei penal. Fundamentadamente afirmada a imperatividade da custódia, resta afastada, ipso facto, a possibilidade de imposição de cautelares diversas da prisão. Por fim, no tocante à concessão de liminar em favor de Reinaldo Nogueira Lopes Cruz, anoto que o E. Superior Tribunal de Justiça, na data de ontem (17.08.2016), em decisão do Excelentíssimo Ministro Felix Fischer, negou liminar em habeas corpus impetrado em favor do paciente Rogério. Isto posto, pelo meu voto, denega-se a ordem.” Analisando detidamente os fundamentos apresentados para decretar e manter a medida extrema, considero não haver elementos suficientes para justificar sua imprescindibi- lidade. Como é cediço, a prisão processual, por ser medida de índole excepcional, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta e atual, isto é, em elementos vinculados à realidade. Nem a gravidade abstrata do delito nem meras conjecturas servem de motivação, além de se revelar de suma importância a contemporaneidade dos fundamentos com a situação concreta. Com efeito, “a prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes da execução (provisória ou definitiva) da pena.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 159 É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispen- sabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal” (RHC 72.117/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 28.06.2016, DJe 01.08.2016). Na hipótese dos autos, são imputadas ao paciente condutas perpetradas no período de 7/2013 a 10/2015, tendo a prisão preventiva sido decretada apenas em 16.06.2016, sob o fundamento de que “a bem montada máquina de lavar engendrada pelo paciente e pelos corréus pode continuar operando, caso aquele seja mantido solto”. Observo, no entanto, que não há relatos de novas condutas após 10/2015, o que denota a ausência de indicativo concreto de continuidade da atuação criminosa. Com efeito, a fundamentação apresentada revela, em verdade, ilações e conjecturas sobre eventual possibilidade de reiteração, sem que se agregue fundamento concreto que justifique a prisão preventiva. Reitero que “a urgência intrínseca da prisão preventiva impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar” (HC 349.159/ MT, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 07.04.2016, DJe 19.04.2016), o que não ficou demonstrado no presente caso. Diante dessas considerações, é possível perceber não haver uma periculosidade evidente ou maiores riscos à ordem pública, que justifiquem o afastamento total do paciente do meio social. Ressalte-se que “a prisão preventiva somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal” (HC n. 130.254, Relator o Ministro Teori Zavascki, julgado em 16.10.2015, publicado em 20.10.2015). Não se pode descurar, ademais, que o paciente é primário, possui ocupação lícita, residência fixa e família constituída. Conquanto as condições subjetivas favoráveis não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas e indicam a possibilidade de acautelamento do caso por meio de outras medidas mais brandas. De fato, o decurso do tempo e a evolução dos fatos denotam que a prisão preventiva já não se faz indispensável, porquanto eficazmente substituída por medidas alternativas, nos termos dos arts. 282 e 319 do Código de Processo Penal. Com efeito, as medidas já se encontram aplicadas desde 19.09.2016, por força do deferi- mento da liminar, sem notícias de necessidade de restabelecimento da medida extrema. A propósito: [...]. Nesse contexto, considerando que, de fato, não se verificam razões que demonstrem a imprescindibilidade da medida extrema, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, mostra-se suficiente, ao menos por ora, a manutenção das medidas cautelares diversas do cárcere. Ante o exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem, de ofício, confirmando a liminar, apenas para manter a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos incisos I, III (não contato com investigados não familiares do procedimento criminal multicitado) e IV do art. 319 do Código de Processo Penal. É como voto (págs. 105-118 do documento eletrônico 9). Muito bem. O decisum combatido harmoniza-se com o entendimento do SupremoTribunal Federal quanto à matéria em questão.
160 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 A orientação jurisprudencial desta Suprema Corte é no sentido de que “[...] o des-membramento deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativade função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante àinvestigação” (Inq. 4.146-AgR-terceiro/DF, Rel. Min. Teori Zavaski, Plenário). Nesse âmbito,indico a ementa do seguinte julgado: AGRAVO REGIMENTAL. INQUÉRITO. DENÚNCIA. CORRUPÇÃO PASSIVA. NE- GATIVA DE AUTORIZAÇÃO PARA O PROCESSAMENTO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. SUSPENSÃO. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS AO AGRAVANTE. IMPOSSIBILIDADE. DESMEMBRAMENTO DOS AUTOS. POSSIBILIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. A imunidade formal prevista nos arts. 86, caput e 51, I, da Constituição Federal tem por finalidade tutelar o regular exercício dos cargos de Presidente da República e de Ministro de Estado, razão pela qual não é extensível a codenunciados que não se encontram investidos em tais funções. Incidência da Súmula 245 do Supremo Tribunal Federal. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a adotar como regra o desmembramento dos inqué- ritos e ações penais originárias no tocante a coinvestigados ou corréus não detentores de foro por prerrogativa de função, admitindo-se, apenas excepcionalmente, a atração da competência originária quando se verifique que a separação seja apta a causar prejuízo relevante, aferível em cada caso concreto. 3. Em observância ao princípio da responsabilidade subjetiva que vigora no ordenamento jurídico-penal pátrio, no que tange à acusação do delito de corrupção passiva, caberá ao Ministério Público Federal produzir os elementos de prova capazes de demonstrar, em relação a cada um dos acusados, a perfeita subsunção das condutas que lhes são atribuídas ao tipo penal que tutela o bem jurídico supostamente violado, em especial o seu elemento subjetivo, composto pelo dolo de aceitar promessa e efetivamente receber vantagem indevida em razão da função pública exercida. Por tal razão, o desmembramento não importa em responsabilização indireta do denunciado em relação ao qual a tramitação da denúncia permanece suspensa neste Supremo Tribunal Federal, não sendo possível falar, ainda, em indissolubilidade das condutas denunciadas. 4. Agravo regimental desprovido” (Inq. 4517- AgR/DF, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário). Assim, caberá “[...] apenas ao próprio tribunal ao qual toca o foro por prerrogativade função promover, sempre que possível, o desmembramento de inquérito e peças de in-vestigação correspondentes, para manter sob sua jurisdição, em regra, apenas o que envolvaautoridade com prerrogativa de foro, segundo as circunstâncias de cada caso (Inq. 3.515AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 14.03.2014), ressalvadas as situaçõesem que os fatos se revelem de tal forma imbricados que a cisão por si só implique prejuízo aseu esclarecimento (AP 853, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 22.05.2014)” (Inq. 4.104/SC, Rel.Min. Teori Zavascki, Segunda Turma). Todavia, no presente caso, conforme se verifica da decisão combatida, “[...] omandato do então prefeito se encerrou no final de 2016, tendo seu processo sido remetido àorigem em 11.01.2017” (pág. 112 do documento eletrônico 9).
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 161 Portanto, também na linha de precedentes reiterados deste Supremo Tribunal,destaco que “[...] a perda do mandato eletivo faz cessar a competência penal originária doTribunal para julgar autoridades dotadas de prerrogativa de foro ou de função (ADI 2.797,Plenário, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe de 19.12.2006)” (HC 151122-AgR/SC, Rel. Min.Luiz Fux, Primeira Turma). Por fim, anoto que os Ministros integrantes da Quinta Turma do STJ substituírama prisão preventiva do ora paciente por medidas cautelares inscritas no art. 319 do Código deProcesso Penal, o que torna, a meu sentir, desnecessária a análise da alegada “[...] restriçãode sua liberdade de ir e vir” (pág. 144 do documento eletrônico 9). Isso posto, nego provimento a este agravo regimental. É como voto. EXTRATO DE ATA AG. REG. NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 157.321 PROCED.: SÃO PAULO RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI AGTE.(S): ROGERIO SOARES DA SILVA ADV.(A/S): RALPH TORTIMA STETTINGER FILHO (126739/SP) E OUTRO(A/S) AGDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nostermos do voto do Relator. Segunda Turma, Sessão Virtual de 21.09.2018 a 27.09.2018. Composição: Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Celso de Mello, GilmarMendes, Cármen Lúcia e Edson Fachin. O Ministro Alexandre de Moraes disponibilizou processo de sua relatoria para estasessão, não tendo participado do respectivo julgado o Ministro Edson Fachin, por suceder, naSegunda Turma, o Ministro Teori Zavascki. Marcelo Pimentel Secretário
162 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇARECURSO ESPECIAL Nº 1.752.883/GO (2014/0323870-2)RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVADJe: 01.10.2018 RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SOCIEDADE DE FATO. SÚMULA Nº 380/STF. INCIDÊNCIA. AQUISIÇÃO PATRIMONIAL. ESFORÇO COMUM. PROVA. IMPRESCINDIBILIDADE. UNIÃO ESTÁVEL. LEI Nº 9.278/1996. IRRETROATIVIDA- DE. SÚMULA Nº 568/STJ. ARTS. 2º E 6º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ÔNUS DA PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a avaliar se os bens amealhados em período anterior à vigên- cia da Lei nº 9.278/1996 devem ser divididos proporcionalmente, sem a demonstração da efetiva participação, direta ou indireta, de cada companheiro para a construção do patrimônio. 3. A presunção legal de esforço comum na aquisição patrimonial na união estável foi introduzida pela Lei nº 9.278/1996. 4. Na hipótese, incide o regime concernente às sociedades de fato em virtude do orde- namento jurídico em vigor no momento da respectiva aquisição (Súmula nº 380/STF). 5. O ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc. 6. Rever as circunstâncias fáticas revolvidas na origem quanto à prova do esforço co- mum de ex-companheira do autor da herança na aquisição de bens antes da vigência do referido diploma encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 7. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide aTerceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do votodo(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro(Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 25 de setembro de 2018 (data do julgamento). Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se derecurso especial interposto por J.M.F. E OUTROS, com fundamento no artigo 105, III, alíneas“a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido em embargos de declaração peloTribunal de Justiça do Estado de Goiás assim ementado:
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 163 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. OMIS- SÃO. OCORRÊNCIA. LEI 9.278/1996. INAPLICABILIDADE. AQUISIÇÃO ANTERIOR À SUA VIGÊNCIA. IRRETROATIVIDADE. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. ESFORÇO COMUM. COMPROVAÇÃO. ART. 333, I, CPC. NÃO DEMONSTRAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. JULGADO MODIFICADO. 1. Irretroatividade da Lei 9.278/1996 para alcançar fatos pretéritos, em especial a aqui- sição de bens anterior à sua vigência, devendo ser afastada a presunção de esforço comum por prevalecer a comprovação da colaboração de cada um. 2. Encargo do art. 333, I, CPC não desincumbido pela parte embargada, o que torna imperioso o acolhimento dos aclaratórios, conferindo-lhe efeitos infringentes para reformar a sentença de primeiro grau, com vistas a reconhecer a incomunicabilidade dos bens adquiridos na década de 60. Embargos de declaração acolhidos” (e-STJ fls. 493-499 - grifou-se). Extrai-se dos autos que H.D.S., falecido em 07.07.2005 (e-STJ fl. 25), conviveu emunião estável por mais de 60 (sessenta) anos com C.J.S., com quem teve uma filha nascida em1949. Ao longo da relação, adquiriram bens imóveis que foram escriturados em nome exclusivode cada companheiro, sem confusão patrimonial ou compartilhamento da administração dosbens individuais. Por sua vez, J.M.F. (filha do autor da herança) e S.A.S. (neta do falecido - filha deA.D.S. - pré-morto) e seus respectivos cônjuges ajuizaram a presente Ação de Declaraçãode Sociedade de Fato combinada com Partilha de Bens contra a companheira supérstite deseu pai e avô, C.J.S., sob a alegação de que o patrimônio em sua posse e domínio teria sidoadquirido na constância da união estável, e parte dele seria fruto de doações do falecido. Na inicial, informam também que o falecido teria preterido as autoras do direito deherança porque doou a outros filhos a única gleba de terras que possuía, registrada no Cartóriode Registro de Imóveis de Damolândia/GO sob o nº 827, Livro 3-B, fls. 102-103, motivo peloqual propuseram ação para declarar a nulidade da doação e permitir a partilha igualitária dosbens entre os herdeiros necessários. Em contestação, a requerida sustentou, além da ilegitimidade ativa ad causamdas partes, que seria indispensável a demonstração de que o patrimônio foi construído comesforço comum dos conviventes, especialmente ante a inexistência de animus de formação depatrimônio comum, existindo provas de que laboraram isoladamente para a sua construção. O pedido foi julgado procedente pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca deInhumas/GO, para reconhecer que a relação entre a requerida e o falecido H. tem “carac-terísticas de união estável, sendo inclusive desnecessário comprovar que o patrimônio foraadquirido em comunhão, pois esta comunhão é presumida na união estável” (e-STJ fl. 208),determinando a partilha dos bens com a participação do espólio em 50% (cinquenta por cento)dos bens relacionados na exordial. A apelação interposta pela ex-companheira (e-STJ fls. 211-219), fundamentada nacircunstância de que os bens dos companheiros eram distintos e autônomos, sem confusãoou intenção de formação de um patrimônio comum, não foi provida por decisão monocrática
164 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018da Desembargadora Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos (e-STJ fls. 283-309), tendo sidomantida em agravo interno (e-STJ fls. 321-333). O fundamento exarado é de que prevaleceria a comunicabilidade dos bens adquiri-dos na constância da união estável, sem que se verificasse a contribuição de cada convivente,bastando a comprovação da aquisição dos bens, ante a presunção legal de esforço comum(e-STJ fl. 302), já que ausente contrato escrito em sentido diverso (e-STJ fl. 303), conforme oteor dos artigos 1.725, 1.568 e 1.666 do Código Civil de 2002. Todavia, em seus aclaratórios a ora recorrida (e-STJ fls. 336-339) alegou que osbens foram adquiridos apenas em seu nome nos anos de 1961, 1967 e 1988, quando vigia oregime jurídico da sociedade de fato, cujo pressuposto é a demonstração da prova do esforçocomum para fins de partilha, argumentos que foram acolhidos, com efeitos infringentes (e-STJfls. 486-499). A Corte local reconheceu a impossibilidade de aplicação da presunção de esforçocomum a bens adquiridos em data anterior à vigência da Lei nº 9.278/1996, nos termos dajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “cabendo aos companheiros, após o fim dorelacionamento, dividir os bens adquiridos conforme a comprovação da colaboração de cadaum” (e-STJ fl. 493 - grifou-se). Na ocasião, a Corte local assentou que, [...] No caso em testilha, as autoras/embargadas ingressaram com a presente ação no intento de ver reconhecida a união estável entre o de cujus, seu ascendente conforme reconhecimento de paternidade declarada judicialmente em meados do ano de 1975, falecido em 07.06.2005, e a respectiva companheira, convivência que durou aproxi- madamente 60 (sessenta) anos. Desta forma, conforme sentença confirmada em sede de apelação, foi reconhecida a união estável, determinando a partilha dos bens com a participação do espólio em 50% (cinquenta por cento) do patrimônio descrito nos autos. No entanto, convém acolher os aclaratórios e conceder-lhes efeitos infringentes, a fim de reformar o recurso apelatório e, por consectário, a sentença lançada em primeiro grau, porquanto inaplicável, na espécie, a presunção de esforço comum na aquisição de bens pelo casal em época anterior à edição da Lei 9.278 de 10.05.1996. Não há falar, portanto, em retroação da lei para alcançar o período da prelada união, sob pena de implicar expropriação do patrimônio adquirido segundo disciplina de lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de causar insegurança jurídica ao alcançar, porventura, bens de terceiros. Desta feita, consoante afirmado pela requerida/embargante que ‘todos os imóveis adquiridos pela apelante através de escritura pública e venda foram escriturados em seu próprio nome. Da mesma forma, todos os adquiridos pelo seu companheiro, H.D., foram escriturados apenas em seu nome’ (fl. 163), isto revela nítido intuito de incomu- nicabilidade entre o patrimônio adquirido pelos companheiros [...] Portanto, conforme dicção do art. 333, I, CPC, cabe à parte autora a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, no caso, do esforço comum entre o casal para a aquisição dos bens descritos na inicial, encargo do qual não se desincumbiu (e-STJ fls. 493-495 - grifou-se).
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 165 Nas razões do recurso especial, os recorrentes, além de divergência jurispruden-cial, apontaram violação do artigo 1.725 do Código Civil, c/c art. 5º da Lei nº 9.278/96, sob osseguintes fundamentos: a) “no caso deve ser considerado que embora o patrimônio que se pretende parti-lhado tenha sido adquirido entre os anos de 1961 a 1967, deve ser considerado que o falecidoera quem detinha posses econômica e financeira, enquanto que a Recorrida no sentido materialera pobre, conforme atesta a prova testemunhal [...]” (e-STJ fl. 513), b) conforme julgado desta Corte (REsp nº 1.028.166/PE), “às uniões estáveis dis-solvidas após a data de publicação da Lei nº 9.278/96, ocorridas em 13.05.1996, aplicam-seas suas disposições, (consoante assentado por esta Corte Superior” (e-STJ fl. 514), e c) “[...] é relevante reforçar o vazio legal para a matéria antes do advento da Lei9.278/96, que era suprimido pela aplicação da Súmula 380/STF, de forma rígida ou mitigada -quando se fazia incidir presunção do esforço comum -, e o firme propósito da Lei 9.278/96 empor termo às discussões sobre comprovações desse esforço comum, na formação patrimonialdos companheiros” (e-STJ fl. 517). Após as contrarrazões (e-STJ fls. 563-569), o recurso foi inadmitido em juízo deadmissibilidade, ascendendo os autos por força de decisão proferida em agravo que foi co-nhecido para negar provimento ao recurso especial (e-STJ fls. 630-633). Contra a supracitada decisão monocrática, os recorrentes interpuseram agravointerno, o qual foi provido pela Terceira Turma, determinando-se a conversão do agravo emrecurso especial, independentemente de publicação de acórdão (e-STJ fl. 690). O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, opinou, por meio do seu re-presentante legal, o Subprocurador-Geral da República Sady d’Assumpção Torres Filho, peloprovimento do recurso especial por presumir o esforço comum na aquisição patrimonial naconstância de união estável em data anterior à Lei nº 9.278/1996, cuja retroatividade deveriaser reconhecida, a seu ver, nos termos da ementa a seguir transcrita: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESP INADMITIDO COM BASE NA SÚMULA 7/ STJ. NÃO INCIDÊNCIA. QUESTÃO EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. PROVIMENTO DO AGRAVO. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTI- LHA DE BENS. INÍCIO DA CONVIVÊNCIAANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.278/96. BEM ADQUIRIDO ONEROSAMENTE ANTES DA VIGÊNCIA DA NORMA LEGAL. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM. POSSIBILIDADE. IN- TERPRETAÇÃO QUE CONFERE MÁXIMA EFETIVIDADE AO ART. 226, § 3º, DA CF. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. Longe de representar revolvimento de fatos e provas, a questão jurídica levantada na via especial se refere à aplicabilidade da presunção de esforço comum prevista no art. 5º da Lei nº 9.278/96 a fatos anteriores à sua vigência. A solução da controvérsia prescinde, portanto, do reexame dos fatos e provas carreados aos autos, não incidindo o enunciado nº 7 da Súmula do STJ, seja no tocante à alínea ‘a’, seja no tocante à alínea ‘c’. [...] 3. Cuida-se de demanda proposta pelos herdeiros do companheiro falecido, os quais muito dificilmente lograrão demonstrar quais os bens adquiridos pelo esforço
166 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 direto de cada um dos companheiros. Exigência que perfaz potencial “prova diabólica” e indesejado desequilíbrio processual frente à companheira sobrevivente. 4. A interpretação que confere máxima efetividade ao art. 226, § 3º, da Constituição da República é no sentido de que, como entidade familiar que é, a união estável pressupõe a intenção dos seus membros de comungar esforços para o alcance de objetivos que lhes são comuns. A gênese da norma relativa à presunção de esforço comum não é, portanto, restringível à mera edição da Lei nº 9.278/1996. Precedentes no STJ. 5. “Os bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável, individualmente ou em nome do casal, a partir da vigência da Lei nº 9.278/96, pertencem a ambos, dispensada a prova de que a sua aquisição decorreu do esforço comum dos compa- nheiros, excepcionado o direito de disporem de modo diverso em contrato escrito, ou se a aquisição ocorrer com o produto de bens adquiridos em período anterior ao início da união (§ 1º).” (REsp 1021166/PE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 02.10.2012, DJe 08.10.2012). 6. Parecer pelo provimento do agravo, opinando, desde já, pelo conhecimento e provi- mento do recurso especial interposto (e-STJ fls. 621-622). É o relatório. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O recursonão merece prosperar. O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Códigode Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). Cinge-se a controvérsia a avaliar se os bens amealhados em período anterior àvigência da Lei nº 9.278/1996 devem ser divididos proporcionalmente, sem a demonstração daefetiva participação, direta ou indireta, de cada companheiro para a construção do patrimônio. (i) da incidência da Súmula nº 568/STJ O acórdão atacado merece ser mantido incólume, pois em consonância com apacífica jurisprudência desta Corte no sentido de que a presunção legal de esforço comum naaquisição do patrimônio dos conviventes somente foi introduzida pela Lei nº 9.278/1996. Assim,os bens amealhados em período anterior à sua vigência devem ser divididos proporcionalmenteao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado peloordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição patrimonial (Súmula nº 380/STF). O Tribunal local, ao acolher os aclaratórios, com efeitos infringentes, afastou amanifesta confusão anterior quanto aos conceitos de união estável e sociedade de fato, insti-tutos autônomos e distintos, especialmente no que se refere à presunção de esforço comum,peculiar à união estável e inaplicável à sociedade de fato. A propósito: RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POS- TERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. [...] 2. A ofensa aos princípios do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada encontra vedação em dispositivo constitucional (art. 5º, XXXVI), mas seus conceitos
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 167são estabelecidos em lei ordinária (LINDB, art. 6º). Dessa forma, não havendo na Lei9.278/96 comando que determine a sua retroatividade, mas decisão judicial acerca daaplicação da lei nova a determinada relação jurídica existente quando de sua entradaem vigor - hipótese dos autos - a questão será infraconstitucional, passível de examemediante recurso especial. Precedentes do STF e deste Tribunal.3. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foiintroduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à suavigência, portanto, ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ouindireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigentequando da respectiva aquisição (Súmula 380/STF).4. Os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96 têm a propriedade - e, consequen-temente, a partilha ao cabo da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigentequando da respectiva aquisição, que ocorre no momento em que se aperfeiçoam osrequisitos legais para tanto e, por conseguinte, sua titularidade não pode ser alteradapor lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5º,XXXVI, e Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 6º).5. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem:a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, aocontrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrênciado óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamentojurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.6. A aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de uniãoimplicaria expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, emmanifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.7. Recurso especial parcialmente provido (REsp 1.124.859/MG, Rel. Ministro Luis FelipeSalomão, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em26.11.2014, DJe 27.02.2015 - grifou-se).DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTODE SOCIEDADE DE FATO. PECULIARIDADES. PEDIDO FORMULADO PELOSFILHOS EM FACE DA COMPANHEIRA DO PAI, JÁ FALECIDO. SEPARAÇÃO DEFATO. AFASTAMENTO DE HIPÓTESE DE CONCUBINATO. EFEITOS PATRIMONIAISPREVISTOS PARA A UNIÃO ESTÁVEL NA LEI 9.278/96 QUE NÃO SE APLICAM ÀESPÉCIE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DOPATRIMÔNIO A SER EVENTUALMENTE PARTILHADO.- A configuração da separação de fato afasta a hipótese de concubinato.- A Lei 9.278/96, particularmente no que toca à presunção do esforço comum na aquisiçãodo patrimônio, por um ou por ambos os conviventes, (art. 5º), não pode ser invocadapara determinar a partilha de bens se houve a cessação do vínculo de fato transformadoem vínculo decorrente de matrimônio, em data anterior à sua entrada em vigência.- Considerados os elementos fáticos traçados no acórdão impugnado, o reconhecimentoda sociedade de fato é de rigor, tendo ainda em conta que foi apenas este o pedidoformulado na inicial, devendo, para tanto, haver a comprovação do esforço comumna aquisição do patrimônio para eventual partilha de bens, o que não se efetivouna espécie, de modo que os bens adquiridos pela recorrente permanecem sob suapropriedade exclusiva.
168 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp 1.097.581/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 01.12.2009, DJe 09.12.2009 - grifou-se). AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. ALTERAÇÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 168/STJ. INCIDÊNCIA. JULGADO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. 1. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei nº 9.278/1996. Assim, os bens amealhados no período anterior à sua vigência devem ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição (Súmula nº 380/STF e consoante o que decidido no REsp nº 1.124.859/MG, da Segunda Seção desta Corte). 2. A teor do que dispõe a Súmula nº 168/STJ, não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. 3. A parte agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos. 4. Agravo interno não provido (AgInt nos EREsp 959.213/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 08.06.2016, DJe 17.06.2016). O entendimento pacificado pela Segunda Seção já havia sido, de longa data, exte-riorizado no REsp nº 147.098/DF (DJ de 07.08.2000), de relatoria do saudoso Ministro Sálviode Figueiredo Teixeira, que, ao tratar da sociedade de fato, afirmou não se aplicar [...] às uniões livres dissolvidas antes de 13.05.96 (data da publicação) as disposições contidas na Lei 9.278/96, principalmente no concernente à presunção de se formar o patrimônio com o esforço comum, pois aquelas situações jurídicas já se achavam consolidadas antes da vigência desse diploma normativo. [...] somente com a prova do esforço comum na formação do patrimônio disputado, mesmo que em contribuição indireta, tem lugar a partilha dos bens (grifou-se). O acórdão recorrido está, portanto, em harmonia com a orientação desta Corte, oque atrai a incidência da Súmula nº 568/STJ, aplicável a ambas as alíneas autorizadoras dopermissivo constitucional. Portanto, no caso concreto, não há falar em partilha em virtude da ausência devontade na construção patrimonial comum e por não se admitir que a requerida seja obrigadaa partilhar bens, a princípio próprios, que adquiriu ao longo da vida por esforço pessoal, comquem não guarda parentesco algum. Consigne-se, aliás, que o patrimônio foi formado antesmesmo de a legislação reconhecer a união estável, iniciada na década de 1940, não tendosido demonstrada nenhuma aquisição de bens após 1996 e até a morte do autor da herançaem 2005. Ora, a partilha referente aos bens adquiridos anteriormente à Lei nº 9.278/1996 édisciplinada pelo ordenamento jurídico vigente no momento da respectiva aquisição, quandose aperfeiçoa a titularidade, não podendo ser alterada por lei posterior em prejuízo do direitoadquirido e do ato jurídico perfeito.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 169 Aliás, o ordenamento jurídico, salvo raras exceções, não admite a retroatividadedas normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas, como se observada redação dos seguintes artigos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modi- fique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (grifou-se). Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (grifou-se) Aliás, esta Corte já se manifestou quanto à impossibilidade de se conferir eficáciaretroativa às eventuais alterações no regime de bens, cujos efeitos deveriam ser apenas pros-pectivos, ou seja, meramente ex nunc (REsp nº 1.597.675/SP, Rel. Ministro Paulo de TarsoSanseverino, Terceira Turma, julgado em 25.10.2016, DJe 16.11.2016). No caso dos autos, todos os imóveis que se encontram matriculados em nome darequerida foram adquiridos antes da edição da Lei nº 9.278/1996, quando foi introduzida noordenamento jurídico a presunção do esforço comum para fins de partilha na união estável. Nesse sentido, cita-se abalizada doutrina: [...] Com a instituição das supramencionadas regras, inúmeras ações chegaram ao Poder Judiciário, veiculando pretensões que demonstravam a existência de três situações distintas, quais sejam: (i) uniões estáveis constituídas antes da Constituição Federal de 1988; (ii) uniões formadas após o texto constitucional, mas antes da promulgação da Lei 9.278/96; e, por derradeiro, (iii) aquelas uniões concebidas após o advento da referida norma legal. Antes da Constituição Federal, como previamente mencionado, não se reconhecia o instituto da união estável, mas apenas a chamada relação de “concubinato”, que, a seu turno, não recebia proteção legal. No caso de dissolução, cada concubino ficaria com os bens com que efetivamente contribuiu para a aquisição. Vigorava, nesse sentido, a inteligência da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, datada de 1964, ao dispor que, “comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”, leia-se, patrimônio comprovadamente adquirido pelo esforço comum. Após a promulgação do texto constitucional - mas antes da vigência da Lei 9.278/96 -, reconhecia-se a existência de união estável e, quanto aos bens, continuava a vigorar o entendimento de que cada companheiro somente teria direito aos bens com que (efetivamente) contribuiu para a formação do patrimônio comum.
170 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 Logo, ao término de uma dada relação de união estável, os bens acumulados no período eram divididos proporcionalmente, diante do esforço comprovado, seja direto ou indireto, de cada companheiro, não havendo, portanto, presunção legal de esforço comum para a partilha de bens. Com o advento da Lei 9.278/96, criou-se uma presunção legal de comunhão dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável. Destarte, ao passo de ocorrer a dissolução da união estável, o companheiro ou companheira não precisaria provar que contribuiu para a aquisição dos bens amealhados durante o período de relacionamento, a fim de que tenha direito a eles. Tal presunção só cessaria acaso a aquisição patrimonial ocorresse com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. O que o legislador ordinário trouxe, portanto, foi a previsão de que os bens adquiridos por pessoas em união estável comunicar-se-iam em meação, desde que não houvesse previsão em sentido contrário - é dizer, não se tenha optado, voluntariamente, por outro regime de bens - ou se a aquisição de bens seja decorrência do patrimônio prévio à união [...] Essa problemática nos remonta a uma regra basilar, de direito intertemporal, tal qual disciplinada na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 6º), da irretroati- vidade das leis, e também, em certa medida, à garantia de que lei posterior não pode atingir (ou prejudicar) direito adquirido ou ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI), razão pela qual prevaleceu no STJ - consoante o entendimento firmado em janeiro de 2016 - a irretroatividade de tal presunção. Nesse sentido, se os bens foram adquiridos anteriormente ao regramento da Lei 9.278/96, a partilha deverá reger-se pela disciplina legal vigente ao tempo da sua respectiva aquisição, devendo ser aplicada a prova do esforço comum [...]. (COUTO, Mônica Bonetti. A presunção legal de esforço comum, quanto aos bens adquiridos onerosamente prevista no art. 5º da Lei 9.278/1996, não se aplica à partilha do patrimônio formado pelos conviventes antes da vigência da referida legislação. Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores, Direito Civil III, coordenação Arruda Alvim, Thereza Arruda Alvim, Everaldo Augusto Cambler e Angélica Arruda Alvim, Revista dos Tribunais, p. 828-830 - grifou-se) (ii) da incidência da Súmula nº 7/STJ No caso concreto, afastada a presunção disciplinada na Lei nº 9.278/1996, incumbiriaaos autores comprovar o esforço comum na aquisição de bens antes da vigência do referidodiploma, o que não lograram êxito. Como cediço, o ônus da prova incumbe aos autores, sendovedada a sua inversão no caso concreto, sob pena de violação do art. 333, I, do CPC/1973. Não se vislumbra, ademais, a vontade de construir um patrimônio comum, comobem explica Arnaldo Rizzardo, que, ao tecer considerações acerca da sociedade de fato,conclui que “para a formação de um fundo comum, em qualquer sociedade, com o fim derepartirem-se os ganhos e as perdas que resultarem se requer, como elemento essencial, aaffectio societatis, isto é, o ânimo ou a intenção de formar uma sociedade” (Direito de família.9. ed. Forense, p. 837 - grifou-se). Saliente-se que rever as circunstâncias fáticas revolvidas na origem encontra óbicena Súmula nº 7/STJ.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 171 Por fim, a discussão acerca das circunstâncias em que adquiridos os imóveis peloscompanheiros é objeto da ação de nulidade de doação, cujo intuito é averiguar eventual an-tecipação de partilha e violação dos direitos hereditários dos recorrentes. Não se desconheceque tais imóveis foram adquiridos entre a década de 1960 e 1980 (e-STJ fls. 27, 28, 29 e 31) equalquer discussão acerca das aquisições dos imóveis naqueles autos pode ter sido fulminadapela prescrição, já que a propositura da ação data de 2004. O pedido formulado no presente feito visa “declarar a existência da sociedade defato mantida pela requerida e o falecido H.D.S. e, por consequência, determinar a partilhados bens com a participação do espólio em 50% (cinquenta por cento) sobre todos os bensrelacionados” (e-STJ fl. 11). Eventual nulidade de atos de liberalidade deverá ser discutida emação própria, em tramitação, ambiente propício para a demonstração dos alegados vícios dadoação realizada pelo falecido e que precisam ser demonstrados, já que os atos, devidamenteescriturados, presumem-se de boa-fé. Assim, deve ser mantido incólume o acórdão recorrido proferido pela Corte deorigem (e-STJ fls. 486-499), tendo em vista a existência de sociedade de fato que desafia aprova do esforço comum na aquisição patrimonial para eventual partilha, o que não se efetivouna espécie, motivo pelo qual os bens adquiridos pela recorrida remanescem sob sua exclusivapropriedade até prova em contrário de que adquiridos por meio inidôneo. (iii) do dispositivo Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto.
172 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃOAPELAÇÃO CRIMINAL Nº 0029763-35.2011.4.01.3900/PARELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDESe-DJF1: 05.10.2018 PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. ART. 334, § 1º, “C”, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTO- RIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. ART. 386, VII, DO CPP. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu o réu da acusação de prática do crime previsto no art. 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal, por não existir prova suficiente para a condenação (art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal). 2. No caso, em 13.12.2006, em cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos durante a Operação Game Over II, agentes da Polícia Federal apreenderam 34 (trinta e quatro) máquinas do tipo caça-níquel, cujos componentes são de origem estrangeira e de importação proibida, em estabelecimento pertencente ao réu. 3. O fundamento utilizado pelo Juízo de origem foi o de que o réu era mero locatário das máquinas eletrônicas programáveis, não havendo certeza de que tenha participado “ou sabia, de alguma forma, da importação fraudulenta ou da introdução clandestina, em território nacional, de caça-níqueis, ou de componentes de origem estrangeira utilizados para a montagem das máquinas por empresas brasileiras”. 4. Nos autos, não há prova que demonstre que o recorrido, embora único responsável pela administração do local, tinha ciência da introdução clandestina das máquinas caça- -níqueis no país, e, mesmo assim, utilizava tais equipamentos em seu estabelecimento comercial. 5. No depoimento em juízo, o apelado ratificou as declarações prestadas perante o Departamento de Polícia Federal, no sentido de que, à época dos fatos, as casas de jogos funcionavam com medidas liminares e que as máquinas vinham acompanhadas de nota fiscal carimbada pelos postos de fiscalização, o que fazia acreditar que se tratava de mercadoria legal. Sustentou também que a Multiplay, empresa com a qual firmou contrato de locação, mandava cópias de liminares autorizando o comércio das máquinas, afirmando, ainda, que, no contrato de locação, constava que a Multiplay era a responsável pela importação. 6. Não se mostra razoável admitir a presunção, sem nenhuma prova nos autos, de que o acusado detinha o conhecimento de que tais equipamentos seriam de origem estrangeira e de importação proibida. 7. No processo penal vige a regra do juízo de certeza, ou seja, as provas devem ser pro- duzidas de maneira clara e convincente, não deixando margem para meras suposições ou indícios. Para que se chegue ao decreto condenatório, é necessário que se tenha a certeza da responsabilidade penal do agente, pois o bem que está em discussão é a liberdade do indivíduo. Sendo assim, meros indícios e conjecturas não bastam para um decreto condenatório, uma vez que, na sistemática do Código de Processo Penal Brasileiro, a busca é pela verdade real.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 173 8. Absolvição do réu mantida com fulcro no art. 386, VII, do CPP. 9. Apelação do MPF desprovida. ACÓRDÃO Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, porunanimidade, negar provimento à apelação do MPF. Brasília, 10 de setembro de 2018. RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentençade fls. 277/285, que absolveu o réu R.S.S. da acusação de ofensa ao art. 334, § 1º, alínea “c”,do Código Penal (redação vigente à época), nos termos do art. 386, inciso VII, do Código deProcesso Penal, por insuficiência de provas. Os fatos relevantes para a apreciação da causa estão assim sumariados nasentença: O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou R.S.S., brasileiro, divorciado, empre- sário, com ensino médio, completo, natural de Belém/PA, nascido aos 11.01.1965, filho de D.P.S. e de M.R.S., CPF 000.000.000-00, RG 0000000000000-SSP/CE, residente na Cidade Nova 0, WE 00, nº 000, Ananindeua/PA, pela prática do crime previsto no art. 334, § 1º, “c”, do CP. Segundo os autos, no dia 13.12.2006, em cumprimento de mandados de busca e apre- ensão expedidos durante a Operação Game Over II, foram apreendidos por agentes de Polícia Federal, 34 (trinta e quatro) máquinas do tipo caça-níquel, no estabelecimento localizado na Av. Presidente Vargas, entre os números 000 e 000, próximo ao Hotel Grão-Pará, nesta capital. A denúncia relata que, em depoimento prestado perante a autoridade policial, o em- pregado do estabelecimento A.C.M. disse que o responsável pelo estabelecimento seria uma pessoa chamada ROBERTO, posteriormente identificada pela polícia federal como R.S.S., ora Réu, que já tivera outros estabelecimentos que exploravam máquinas caça-níqueis, fechados pela polícia federal. Acrescenta que, na Polícia Federal, o réu R.S.S. confessou ser o responsável pelo estabelecimento sobre o qual versam os presentes autos. O MPF aduz que a materialidade está comprovada pelo laudo de exame em equipa- mento computacional nº 796/2007, que atestou tratar-se o equipamento apreendido de máquinas caça-níqueis montadas com componentes de origem estrangeira. A denúncia foi recebida em 19.08.2011 (fl. 97), acompanhada do IPL nº 193/2007-SR/ DPF/PA. O Réu apresentou resposta à acusação (arts. 396 e 396-A do CPP), às fls. 116/124. O juízo não vislumbrou razões para a absolvição sumária do Réu (fl. 256, vol. 2). Não houve produção de prova testemunhal (fl. 256). O Réu foi qualificado e interrogado à fl. 261, oportunidade em que alegou inocência. Na fase de diligências finais, as partes nada requereram (fl. 260). Em memorial (fls. 264/265), o MPF, entendendo provados os fatos e a autoria delitiva, requereu a condenação do Réu nos termos da denúncia. A defesa dos Réus (fls. 267/275) alegou a não configuração do crime de contrabando, por ausência de dolo específico, e ainda a não ocorrência do crime de contrabando por
174 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 equiparação (art. 334, § 1º, alínea “c”, do CP), com amparo no princípio da taxatividade, ao argumento de que o conceito de “atividade comercial” previsto na norma penal não englobaria a prestação de serviços, praticada pelo Réu. Ao final, pleiteou a absolvição com amparo no art. 386, III, do CPP. Consta auto de destruição das máquinas à fl. 27. (fls. 277/278) O MPF pugna pelo reconhecimento da autoria delitiva de R.S.S., quanto ao crimedo art. 334, § 1º, “c”, do Código Penal. Alega que “o réu atuava diretamente no mercado de jogos caça-níqueis - ativida-de que nunca foi permitida pela legislação nacional, conforme bem enfatizado na sentençarecorrida - não sendo razoável pretender que ele desconhecesse a forma de ingresso destasmáquinas no país, tampouco a legislação pertinente ao tema” (fl. 291/verso). Afirma ainda que “é prescindível que o agente tenha pessoalmente procedido àimportação das máquinas, tendo em vista que para a configuração do delito em tela, bastaque se utilize, de qualquer forma, em proveito próprio ou alheio, no exercício da atividadecomercial, mercadoria que se sabe ser produto de introdução clandestina ou fraudulenta noterritório nacional” (fl. 292/verso). Contrarrazões às fls. 303/308. O parecer da Procuradoria Regional da República (PRR/1ª Região) é pelo provimentoda apelação (fls. 311/318). É o relatório. VOTO Narra a denúncia que: No dia 09.12.2006, em cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos durantes a Operação Game Over II, foram apreendidos por agentes da polícia federal, 34 (trinta e quatro) máquinas do tipo caça-níquel utilizadas no exercício de atividade comercial, em estabelecimento localizado na Av. Presidente Vargas entre os números 000 e 000, próximo ao Hotel Grão Pará, Praça da República, nesta cidade (fls. 04/09). [...] Em depoimento prestado à Polícia Federal o denunciado R.S.S. confessou que explorava o empreendimento onde funcionavam as máquinas caça-níqueis (fls. 94) [...] A materialidade do crime está comprovada a partir do Laudo de Exame de Equipamento Computacional nº 796/2007 (fls. 25/26) que atestou que “todas as máquinas são do tipo caça-níqueis, ou seja, funcionam por meio da introdução de valores monetários, e pagam prêmios àqueles que acertam combinações previstas [...] todas as máquinas examinadas apresentavam, quando dos exames, componentes de origem estrangeira (placas-mães e processadores). Algumas apresentavam ainda coletores de cédulas e/ ou moedas de origem estrangeira”. 2. Da imputação Pela análise dos autos verifica-se plenamente configurado o delito de contrabando por assimilação (figura tipificada no parágrafo 1º, alínea “c”, do artigo 334), na medida em
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 175 que o denunciado explorava o uso de máquinas caça-níquel, cujos equipamentos foram de maioria introduzidos clandestinamente no país. Desta feita, por ter mantido em depósito, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira, que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem, incorreu R.S.S. nas penas previstas para o delito descrito no parágrafo 1º, alínea “c”, do artigo 334 do CP. A materialidade delitiva está plenamente comprovada, notadamente: a) pelo auto de apreensão de fls. 05/09, b) pelo Laudo de Exame nº 796/2007 que atestou que as máquinas do tipo caça-níquel têm peças de procedência estrangeira e caracterizavam jogos de azar. A autoria, por sua vez, está da mesma forma comprovada, notadamente pelo depoimento de A.C.M. e do próprio denunciado (fls. 64, 89 e 94) (fls. 02-A/02-B). Cumpridos os trâmites legais, prolatou o magistrado a sentença, absolvendo o réuR.S.S. da prática do delito do art. 334, § 1º, alínea “c”, do CP (redação vigente à época), nostermos do disposto no artigo 386, VII, do CPP. Vejamos: 2. Da materialidade do delito [...] concluo que, na espécie, a materialidade do delito de contrabando está comprovada pelo auto de apreensão de 34 (trinta e quatro) máquinas caça-níqueis (fls. 05/07) e pelo laudo de exame de equipamento computacional (máquina eletrônica programável), às fls. 25/26, que esclarece tratar-se o equipamento apreendido de máquinas eletrônicas programáveis do tipo caça-níqueis, que apresentam componentes de origem estrangeira (placas-mãe, processadores, coletores de moedas/cédulas), cuja importação para emprego em MEPs é vedada pela Instrução Normativa SRF nº 309, de 18.03.2003. 3. Da autoria delitiva No que se refere à autoria delitiva, assim como verificado em outras ações penais, a prova nos autos sugere que o Réu era mero locatário das MEPs. O contrato de locação de máquinas de diversões eletrônicas de fls. 96/101, firmado entre a Multiplay Comércio e Empreendimentos Ltda. e o estabelecimento do Réu, a Millenium Diversões Eletrônicas Ltda., embasa a argumentação defensiva. Permissa vênia, não vejo como condenar o ora Réu pela prática do crime de contrabando, pois não há prova de que tenha participado da importação das máquinas caça-níqueis ou de parte de seus componentes de origem estrangeira - registre-se que o laudo pericial (fls. 25/26) nem sequer concluiu se as MPEs são de origem estrangeira ou nacional, mas apenas que apresentam componentes de origem estrangeira. [...] Quando muito, a prova nos autos apenas possibilita duas conclusões, ambas insuficien- tes para amparar decreto condenatório: 1) que o Réu adquiriu as MEPs em território nacional, sem haver certeza, porém de que sabia que eram montadas com componentes de importação proibida; 2) que o Réu era, como sustenta, mero locatário de todas as MEPs apreendidas, sem igualmente saber que as máquinas possuíam componentes estrangeiros de importação proibida entre seus componentes. Assim, ante a fragilidade dos indícios de autoria ou participação delitiva, não vejo como responsabilizar o réu R.S.S. criminalmente pela prática do crime de contrabando por
176 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 assimilação na modalidade prevista na alínea “c” do § 1º do art. 334 do CP, pois não há certeza de que participou ou sabia, de alguma forma, da importação fraudulenta ou da introdução clandestina, em território nacional, de caça-níqueis, ou de componentes de origem estrangeira utilizados para a montagem das máquinas por empresas brasileiras. Data vênia do entendimento do MPF, o fato de a cláusula décima do contrato de locação consignar que “o locatário declarava desconhecer toda legislação inerente ao uso e exploração de máquinas de diversões eletrônicas operadas por ficha ou moeda, assu- mindo total responsabilidade quanto ao uso ou exploração das máquinas locadas por força do presente contrato, devendo atender a todos os requisitos e exigências legais impostas pelas autoridades federais, estaduais e municipais” não faz do Réu contra- bandista por equiparação, pois não há evidências nos autos de que o Réu soubesse que os componentes dos caça-níqueis tenham sido produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem. (fls. 281/284) E adiante: “Desse modo, absolvo R.S.S., quanto à acusação de ofensa do art. 334, § 1º, alínea“c”, do CP, nos termos do art. 386, VII/CPP, por insuficiência de provas para a condenação.”(fl. 285) Examino o recurso. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “para a caracteri-zação do delito de contrabando de máquinas programadas para exploração de jogos de azar,é necessária a demonstração da sua origem estrangeira ou dos seus componentes eletrônicos”(AgRg no AREsp 543312/ES, DJe 20.05.2016), o que resultou configurado nos presentes autospelos laudos de exame de equipamento computacional (fls. 25/26) e pelo auto de apreensãodas 34 (trinta e quatro) máquinas caça-níqueis (fls. 05/07). O Ministério Público Federal requer a reforma da sentença absolutória com oreconhecimento da autoria delitiva de R.S.S. Alega que a responsabilidade penal do réu também ficou demonstrada em razãodo dolo eventual acerca da procedência estrangeira do maquinário inserido na mercadoria,bem como pelo fato de ser ele o locatário das máquinas caça-níqueis e estar auferindo lucrosdecorrentes da exploração desse tipo de equipamento. O cerne da questão posta a julgamento reside em saber se o réu tinha ou nãoconhecimento no tocante à origem estrangeira dos componentes presentes nas máquinascaça-níqueis. De acordo com a sentença “a perícia realizada pela Polícia Federal nos caça-níqueisnem sequer foi conclusiva sobre a origem nacional ou estrangeira de tais equipamentos (v. fls.25/26), tendo afirmado apenas acerca da origem estrangeira de alguns dos componentes doscaça-níqueis (processadores, placas-mãe, coletores de moedas/cédulas)” (fl. 282). O Juízo de origem entendeu serem frágeis os indícios de autoria ou participaçãodelitiva, não havendo como responsabilizar o réu “pela prática do crime de contrabando porassimilação na modalidade prevista na alínea ‘c’, do § 1º do art. 334 do CP, pois não há certe-za de que participou ou sabia, de alguma forma, da importação fraudulenta ou da introdução
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 177clandestina, em território nacional, de caça-níqueis, ou de componentes de origem estrangeirautilizados para a montagem das máquinas por empresas brasileiras” (fl. 283). Consta do dispositivo legal em questão: Art. 334. [...] § 1º Incorre na mesma pena quem: c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em pro- veito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudu- lentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (original sem destaque) O tipo penal do art. 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal tem como objeto aproteção da ordem pública, da indústria nacional e da saúde pública. O tipo não tem comonúcleo apenas a propriedade do bem, pois incorre no crime também quem “recebe ou oculta,em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria deprocedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal”. Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ART. 2º, IX, DA LEI Nº 1.521/51. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE OS EQUIPAMENTOS FORAM PROGRAMADOS PARA MANIPULAR RESUL- TADOS. SENTENÇA MANTIDA. ART. 334, § 1º, ALÍNEA “C”, DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS. IMPORTAÇÃO. MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO. UTILIZAÇÃO PROIBIDA POR LEI. AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO CONFI- GURADA. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Inexistem provas de que as máquinas apreendidas estivessem programadas, de modo a restringir as oportunidades de ganhos dos apostadores, ou seja, não há nenhum elemento que comprove que os equipamentos periciados foram manipulados de forma a controlar as perdas ou eventuais ganhos dos apostadores. 2. Os Laudos Periciais existentes nos autos são conclusivos no sentido de que “Os resultados obtidos através dos jogos eletrônicos encontrados nas MEPs examinadas independem da habilidade do jogador para se obter lucro. Portanto os resultados lucrativos dependem da sorte do mesmo”. (fls. 46/50). 3. Nos termos do art. 21 do Código Penal, o desconhecimento da lei é inescusável e, diante da proibição de exploração de jogos de azar no Brasil, é de fácil compreensão que a produção de máquinas do tipo caça-níqueis seja igualmente proibida em território nacional, cujos componentes são de origem estrangeira, sendo a importação igualmente proibida, nos termos da Instrução Normativa nº 309/2003 da Secretaria da Receita Federal do Brasil. 4. Ainda que o réu não fosse o proprietário dos equipamentos apreendidos, ficou de- monstrado que tais máquinas eram utilizadas nos estabelecimentos comerciais de sua propriedade, e que ele tinha conhecimento da existência desse material, ou seja, não há dúvidas de que houve a anuência do acusado na exploração ilegal das máquinas caça-níqueis contendo componentes estrangeiros e sem documentação de origem.
178 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 5. A manutenção em depósito, a utilização, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, como no caso, importa a caracterização do crime de contrabando, sendo correta a classificação do delito praticado como o tipo penal previsto no art. 334, § 1º, “c”, do Código Penal. 6. Defiro o pedido de justiça gratuita formulado pelo réu. Saliento, contudo, que a concessão do benefício não impede a condenação do réu ao pagamento das custas processuais (art. 804 do CPP). Nesta hipótese, o seu pagamento ficará sobrestado enquanto perdurar o estado de pobreza do condenado, até o prazo máximo de 05 (cinco) anos, após o qual a obrigação estará prescrita, cabendo ao juízo da execução verificar a real situação financeira do acusado, conforme dispõe o art. 12 da Lei 1.060/50. 7. Apelação do MPF desprovida. Apelação do réu provida, em parte. (TRF1, Quarta Turma, ACR 0037346-71.2011.4.01.3900/PA, Relator Juiz Federal Convocado Henrique Gouveia da Cunha, 12.12.2016 e-DJF1) (original sem destaque) No depoimento em juízo (fl. 261), o apelado ratificou as declarações de fl. 94,prestadas perante o Departamento de Polícia Federal, no sentido de que, à época dos fatos,as casas de jogos funcionavam com medidas liminares e que as máquinas vinham acompa-nhadas de nota fiscal carimbada pelos postos de fiscalização, o que fazia acreditar que setratava de mercadoria legal. Sustentou também que a Multiplay, empresa com a qual firmou contrato de locação(fls. 215/220), mandava cópias de liminares autorizando o comércio das máquinas, afirmando,ainda, que, no contrato de locação, constava que a Multiplay era a responsável pela importação(fl. 261). Sendo assim, a prova dos fatos carece de robustez. O Ministério Público Federalnão logrou comprovar a ciência, por parte do réu, de que as máquinas detinham componentesimportados. Não se mostra razoável admitir a presunção, sem nenhuma prova nos autos, de queo acusado detinha o conhecimento de que tais equipamentos seriam de origem estrangeirae de importação proibida. Para que fique configurada a prática do crime de contrabando, torna-se necessárioque a denúncia contenha elementos concretos no sentido de que o réu tinha plena ciênciada introdução clandestina das máquinas eletrônicas no país, e, mesmo assim, utilizava taisequipamentos em seu estabelecimento comercial, o que não ficou evidenciado nos autos. É importante ressaltar, que no processo penal vige a regra do juízo de certeza, ouseja, as provas devem ser produzidas de maneira clara e convincente, não deixando margempara meras suposições ou indícios. Para que se chegue ao decreto condenatório, é necessárioque se tenha a certeza da responsabilidade penal do agente, pois o bem que está em discussãoé a liberdade do indivíduo. Sendo assim, meros indícios e conjecturas não bastam para umdecreto condenatório, uma vez que, na sistemática do Código de Processo Penal Brasileiro,a busca é pela verdade real. Neste sentido, confira-se o teor das ementas a seguir transcritas, in verbis:
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 179 PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. ARTIGO 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL. AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO”. MANU- TENÇÃO. ABSOLVIÇÃO. 1. Não há nos autos a comprovação inequívoca de que o réu tenha sido o autor do crime narrado na denúncia (artigo 171, § 3º, do Código Penal), impondo-se a manutenção da r. sentença apelada que o absolveu com fulcro no princípio in dubio pro reo. 2. No Processo Penal vige a regra do juízo de certeza, ou seja, as provas devem ser produzidas de maneira clara e convincente, não deixando margem para meras supo- sições ou indícios. Para que se chegue ao decreto condenatório, é necessário que se tenha a certeza da responsabilidade penal do agente, pois o bem que está em discussão é a liberdade do indivíduo. 3. Recurso de apelação improvido. (ACR 0001339-25.2003.4.01.4300/TO, Rel. Desembargador Federal Mário César Ribeiro, Quarta Turma, e-DJF1 p. 53 de 20.05.2011) PENAL E PROCESSUAL PENAL. (LEI Nº 9.472/97, ART. 183) RÁDIO CLANDESTINA. AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS (ART. 386, VI, DO CPP). SENTENÇA ABSO- LUTÓRIA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Meros indícios e conjecturas não bastam para um decreto condenatório, visto que, no processo penal, a busca é pela verdade real. 2. Na hipótese de insuficiência de provas de ter o acusado concorrido para a infração penal (art. 386, VI, do CPP), a absolvição é a medida que se impõe. 3. Apelação improvida. (ACR 0002274-24.2005.4.01.4000/PI, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, e-DJF1 p. 101 de 27.11.2009) Desse modo, a absolvição deve ser mantida pelo fato de não existirem provassuficientes da prática do crime de contrabando pelo recorrido. Ante o exposto, nego provimento à apelação do MPF, e mantenho a sentençaabsolutória, com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. É como voto. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES RELATOR VOTO-REVISOR O Exmo. Sr. Desembargador Federal OLINDO MENEZES (Revisor): - Os autos doprocesso foram recebidos e, sem acréscimo ao relatório, pedi dia para julgamento. O Ministério Público Federal apela (fls. 289-293 verso) de sentença da 3ª VaraFederal/PA (fls. 277-285), que absolveu R.S.S. da imputação do crime de contrabando previs-to no art. 334, § 1º, alínea “c”, do Código Penal (na redação anterior à Lei 13.008/2014), porinsuficiência de provas (art. 386, VII, CPP). De acordo com a denúncia, no dia 13.12.2006, em cumprimento de mandadosde busca e apreensão expedidos durante a Operação Game Over II, foram apreendidos,
180 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018por agentes da Polícia Federal, 34 (trinta e quatro) máquinas do tipo caça-níquel, emestabelecimento explorado pelo acusado. A sentença absolveu o acusado, por entender que não há certeza de que ele te-nha participado ou soubesse, de alguma forma, da importação fraudulenta ou da introduçãoclandestina, em território nacional, de caça-níqueis ou de componentes de origem estrangeirautilizados para a montagem das máquinas por empresas brasileiras. Sustenta o MPF que o acusado atuava diretamente no mercado de jogos caça--níqueis - atividade que nunca foi permitida pela legislação nacional, assinala - não sendorazoável entender que ele desconhecesse a forma de ingresso destas máquinas no país,tampouco a legislação sobre o tema; e que o dolo eventual, caracterizado pelo fato de o réu terassumido o risco ao adquirir produtos que normalmente possuem componentes cuja importaçãoé proibida, já satisfaz o tipo penal. Assinala que não se faz necessário que o agente tenha, pessoalmente, procedido àimportação das máquinas, bastando, para a configuração do delito, que se utilize, de qualquerforma, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria que sesabe ser produto de introdução clandestina ou fraudulenta no território nacional. Não há dúvidas quanto à materialidade do delito de contrabando, conforme salientoua própria sentença absolutória, ao concluir que estava comprovada pelo auto de apreensão de34 máquinas caça-níqueis (fls. 5 - 7) e pelo laudo de exame de equipamento computacional(fls. 25 - 26), que esclarece tratar-se de equipamento apreendido de máquinas eletrônicasprogramáveis do tipo caça-níqueis, que apresentam componentes de origem estrangeira(placas-mãe, processadores, coletores de moedas/cédulas), cuja importação para empregoem MEPs é vedada pela Instrução Normativa SRF 309, de 18.03.2003 (fl. 281). Embora reconheça a materialidade do delito, a sentença entendeu pela não de-monstração da autoria. Contrariamente, o MPF afirma que tanto a autoria quanto a capacidadeintelectiva do acusado ficaram devidamente comprovadas. Não procede a apelação. As razões recursais, compreensíveis e naturais na dia-lética processual penal, na tentativa de reverter a absolvição, não têm, com a devida vênia,aptidão para desautorizar os fundamentos da sentença, que, de forma persuasiva, deu pelaimprocedência da ação penal, rejeitando a imputação. Os mesmos fatos, como é natural no mundo processual, nem sempre se submetemàs mesmas leituras jurídicas, mas, na realidade, o decreto absolutório, com arrimo no conjuntoda prova, produzida sob as luzes do contraditório e da ampla defesa, não deve ser alterado. Os elementos informativos do inquérito e os produzidos na instrução não dãomargem a um juízo condenatório, que deve ter arrimo em prova inequívoca ou, pelo menosrazoável, da materialidade e da autoria do delito, sem falar que, na dialética processual penal,o ônus de prova incumbe a quem alega (art. 156 - CPP). Nesse contexto, nego provimento à apelação, confirmando o decreto absolutório,pelos seus próprios fundamentos. É o voto.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 181 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃOAPELAÇÃO CÍVEL Nº 5076495-32.2016.4.04.7100/RSRELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE EMBARGOS À EXECUÇÃO. ADITAMENTO DA INICIAL. POSSIBILIDADE. Os embargos à execução comportam o aditamento, vez que apresentam indiscutível natureza de ação de conhecimento autônoma. Uma vez verificada que a decisão que rejeita a peça de aditamento dos embargos é potencialmente apta a gerar dano irreparável à parte executada, pois implica em des- tacável limitação da amplitude cognitiva das matérias a serem discutidas nessa peça defensiva, impõe-se considerar necessária sua reforma. A jurisprudência já se manifestou em sentido favorável. Com efeito, “considerando o juiz incompletos ou insuficientes os documentos ou cálculos apresentados pelo cre- dor, tem lugar a emenda da inicial da ação executiva e não a extinção do processo, ainda que já opostos embargos do devedor, caso em que, regularizado o vício, deve ser oportunizado ao embargante o aditamento dos embargos” (STJ, 4ª Turma, REsp 440.719-SC, rel. Min. Cesar Rocha, j. 07.11.2002, v.u., DJU 09.12.2002, p. 352). No mesmo sentido, autorizando a emenda da petição inicial de execução mesmo quando o processo já está na fase recursal: STJ, T3, REsp 648.108, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 26.09.2005, p. 364). Inteligência do art. 616 do CPC. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ªTurma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimentoà apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado. Porto Alegre, 03 de outubro de 2018. LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE Relator RELATÓRIO Trata-se de embargos à execução fiscal interposto pela embargante em face daFazenda Nacional, visando a extinção da execução fiscal nº 50547636320144047100. A embargante, intimada a se manifestar acerca da ilegitimidade passiva, peticionourequerendo a retificação do polo passivo, uma vez que a embargada constante na autuaçãoe na inicial não corresponde à exequente nos autos executivos nº 50547636320144047100. Sobreveio sentença julgando extinto o processo, sem resolução de mérito, forteno art. 485, VI, do NCPC. Sem honorários, em virtude da ausência de angularização do feito. Em suas razões recursais a parte autora aduziu o seu alegado direito de manifestar--se e regularizar a questão, até porque o que ocorreu foi um lapso por parte do antigo procurador,
182 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018que ao invés de peticionar com o nome da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS,colocou a União-Fazenda Nacional no polo passivo da relação processual. Portanto, no evento38, a parte embargante, mostrando interesse em sanar o engano, cumpriu a determinaçãojudicial, manifestando que a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é a parte legítimapara compor o polo passivo da relação processual e que a demanda deve ser dirigida contraesta. Mencionou que se trata de mera irregularidade sanável, com amparo do art. 321 do CPC.No mais, asseverou pela análise do mérito da demanda. Com contrarrazões, vieram os autos. É o relatório. VOTO A r. sentença foi exarada nos seguintes termos: Ocorre que, embora os embargos à execução sejam uma ação autônoma, é através destes que o executado se defende, devendo alegar, neste momento, toda a matéria útil a sua defesa (art. 16, § 2º, da LEF). Portanto, é a petição inicial que delimita o âmbito de cognição dos embargos, não podendo o embargante inovar durante a tramitação do processo mediante aditamento da inicial. Assim, a defesa oposta à execução fiscal não pode ser fragmentada em várias peças, à vista da preclusão consumativa, que se operou, in casu, com a propositura dos presentes embargos, não havendo como autorizar a substituição da parte, mesmo que fosse através de aditamento. Assim, não havendo como determinar a substituição da parte, impõe-se a extinção do feito, em razão da ilegitimidade da Fazenda Nacional. Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, forte no art. 485, VI, do NCPC. Com efeito, dispõem os artigos 320 e 321 do Código de Processo Civil/15: Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze dias), a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. No caso, tenho que merece prosperar a insurgência recursal, pois os embargosà execução comportam o aditamento, vez que apresentam indiscutível natureza de ação deconhecimento autônoma. Uma vez verificada que a decisão que rejeita a peça de aditamento dos embargosé potencialmente apta a gerar dano irreparável à parte executada, pois implica em destacávellimitação da amplitude cognitiva das matérias a serem discutidas nessa peça defensiva, impõe--se considerar necessária sua reforma.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 183 A jurisprudência já se manifestou em sentido favorável. Com efeito, “considerandoo juiz incompletos ou insuficientes os documentos ou cálculos apresentados pelo credor, temlugar a emenda da inicial da ação executiva e não a extinção do processo, ainda que já opostosembargos do devedor, caso em que, regularizado o vício, deve ser oportunizado ao embar-gante o aditamento dos embargos” (STJ, 4ª Turma, REsp 440.719-SC, rel. Min. Cesar Rocha,j. 07.11.2002, v.u., DJU 09.12.2002, p. 352). No mesmo sentido, autorizando a emenda dapetição inicial de execução mesmo quando o processo já está na fase recursal: STJ, T3, REsp648.108, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 26.09.2005, p. 364). Inteligência do art. 616 do CPC. Nesse norte a orientação: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE ARRESTO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR SUPOSTA AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 813 DO CPC. NECESSIDADE DE PRÉVIA OPOR- TUNIDADE DE EMENDA À INICIAL. ART. 284 CPC/1973. ATUAL ART. 321 CPC/2015. 1. No presente caso, a Corte de origem, entendendo ausentes os requisitos dos arts. 813 e 814 do CPC de 1973, indeferiu de plano a petição inicial da cautelar de arresto. 2. Como pretendeu, de logo, indeferir a inicial, reconhecendo a aplicabilidade do art. 283 do CPC/1973 somente em grau de apelação, caberia ao Tribunal devolver os autos à instância de início para oportunizar a parte sanar o vício. Ao não fazê-lo, violou o revogado art. 284 do CPC/1973, atual art. 321 do CPC/2015. 3. Segundo a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, o indeferimento da pe- tição inicial, quer por força do não preenchimento dos requisitos exigidos nos arts. 282 e 283 do CPC, quer pela verificação de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, reclama a concessão de prévia oportunidade de emenda pelo autor (art. 284, CPC). Precedentes. 4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. (AgInt nos EDcl no AREsp 1186170/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22.03.2018, DJe 02.04.2018) PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO. MEMÓRIADE CÁLCULO. SANEAMENTO DAINICIAL DE EXECUÇÃO. VIABILIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Caso em que a inicial de execução veio desacompanhada de memória de cálculo de como chegou ao valor da RMI adotada. Destarte, “considerando o juiz incompletos ou insuficientes os documentos ou cálculos apresentados pelo credor, tem lugar a emenda da inicial da ação executiva e não a extinção do processo, ainda que já opostos embargos do devedor, caso em que, regularizado o vício, deve ser oportunizado ao embargante o aditamento dos embargos” (STJ, 4ª Turma, REsp 440.719-SC, rel. Min. Cesar Rocha, j. 07.11.2002, v.u., DJU 09.12.2002, p. 352). No mesmo sentido, autorizando a emenda da petição inicial de execução mesmo quando o processo já está na fase recursal: STJ, T3, REsp 648.108, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 26.09.2005, p. 364). Inteligência do art. 616 do CPC. 2. As prestações em atraso serão corrigidas pelos índices oficiais, desde o vencimento de cada parcela, ressalvada a prescrição quinquenal, e, segundo sinalizam as mais recentes decisões do STF, a partir de 30.06.2009, deve-se aplicar o critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009.
184 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 3. Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquida- ção e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral (RE 870.947), bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos. 4. Os juros de mora são devidos a contar da citação, à razão de 1% ao mês (Súmula nº 204 do STJ e Súmula 75 desta Corte) e, desde 01.07.2009 (Lei nº 11.960/2009), passam a ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança (REsp 1.270.439), sem capitalização. (TRF 4ª, APEL 0013144-43.2015.4.04.9999/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, julgado em 14.12.2016) Ademais, tendo havido intimação da Fazenda Nacional houve manifestação reque-rendo a exclusão da União (Fazenda Nacional) do polo passivo da demanda e requer, ainda,seja intimada a Procuradoria Geral Federal, portanto não houve resistência da parte pararetificação do polo passivo que posteriormente foi corrigido. (evento 38) Portanto, cabe ser anulada a sentença e determinar o retorno dos autos à origempara a devida angularização da demanda e reabertura da fase instrutória. Em face do disposto nas súmulas nºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim deviabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem negavigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes. Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 185 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃOAPELAÇÃO CRIMINAL Nº 0809169-44.2017.4.05.8200RELATOR: RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 C/C 297, CP). CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO FALSA. APRESENTAÇÃO A POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS. FALSIFICAÇÃO APTA A ENGANAR O HOMEM MÉDIO. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. HIGIDEZ. 1. Apelante condenado por uso de documento falso (art. 304 c/c 297 do CP), em face da apresentação de Carteira Nacional de Habilitação falsificada a policiais rodoviários federais, em fiscalização de rotina. 2. Penas fixadas em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto (sem a substituição do art. 44 do CP), além do pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo então vigente. 3. Falsidade atestada por laudo de exame documentoscópico e pelo testemunho dos policiais que efetuaram a prisão, além da confissão do próprio sentenciado. 4. Inviabilidade da tese de crime impossível (art. 17, CP), ante a constatação de que a falsidade não foi de pronto detectada pelos policiais, mas apenas após consulta ao sistema de informações. 5. Documento cuja aptidão para enganar foi atestada pelo exame pericial, o qual chamou a atenção para o “aspecto pictórico bastante semelhante, podendo confundir pessoas desatentas e/ou desconhecedoras de suas características de segurança”. 6. Potencialidade lesiva que se mostra inconteste, principalmente em razão de ter o recorrente transferido para o seu nome o veículo que conduzia no momento da abor- dagem, utilizando, no ato da transferência, o documento contrafeito. 7. Inexistência de qualquer ilegalidade na apreciação negativa dos antecedentes do réu. Afinal os fatos que renderam ensejo às sentenças condenatórias emanadas da justiça estadual são anteriores ao que motivou a ação penal em tela. O trânsito em julgado é que ocorreu posteriormente; caso tivesse ocorrido antes, a hipótese seria de reincidência (art. 63, CP), não de maus antecedentes. 8. Impossibilidade de redução da pena a patamar inferior ao mínimo previsto na lei, em decorrência do reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, CP). Inteligência da Súmula nº 231 do col. STJ. 9. Descabimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direi- tos, porquanto a sentença deixou claro que tal benefício não seria recomendável no caso em apreço, diante das circunstâncias judiciais negativas apontadas na dosimetria (art. 44, III, CP). 10. Não cabe, ainda, a aplicação da suspensão condicional da pena, reivindicada na apelação, uma vez que o art. 77 do Código Penal estabelece que a pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos poderá ser suspensa. Na situação dos autos, foi aplicada a pena definitiva de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, patamar superior ao exigido pela lei, a inviabilizar o atendimento do pleito da defesa.
186 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 11. O benefício da detração penal não foi negado ao recorrente. Apenas reservou-se o exame da matéria ao juízo das execuções penais, a quem cabe tal cotejo, nos termos de torrencial jurisprudência. 12. Definição do regime inicial semiaberto que teve lugar em vista da culpabilidade e dos antecedentes sopesados negativamente, na primeira etapa da dosimetria. 13. Apelo não provido. ACÓRDÃO Vistos, etc. Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade,negar provimento à apelação, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantesdos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Data de julgamento: 04.10.2018. Des. Fed. RUBENS CANUTO Relator RELATÓRIO O Sr. Des. Federal RUBENS CANUTO (RELATOR): Insurge-se J.C.B. contra a sentença com que o il. Juízo da 16ª Vara Federal daParaíba o condenou pela prática delitiva prevista no art. 304 c/c 297, ambos do Código Penal,às penas de 2 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 30 dias-multa, àrazão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, com a devida atualização. Nas razões recursais, o apelante requer a sua absolvição, por se tratar de crimeimpossível. Subsidiariamente, requer: a) seja a pena-base fixada no patamar mínimo previsto na lei; b) redução da pena abaixo do mínimo legal já na segunda fase da dosimetria, comoconsequência do reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; c) substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou, ao menos,a suspensão condicional da pena; d) seja realizada a detração penal, descontando-se da pena o período no qualpermaneceu preso cautelarmente; e e) expedição de guia de recolhimento provisório no regime aberto. Contrarrazões apresentadas pelo MPF, pugnando pelo não provimento do recurso. Parecer da douta Procuradoria Regional da República, opinando pela manutençãoda sentença em todos os seus termos. É o relatório. Submeto o feito à apreciação da douta Revisão. VOTO O Sr. Des. Federal RUBENS CANUTO (RELATOR): Como sumariado, o Juízo da 16ª Vara Federal da Paraíba condenou o apelanteJ.C.B. pela prática do crime de uso de documento falso (art. 304 c/c 297, CP), às penas de 2
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 187anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 30 dias-multa, à razão de 1/30do salário mínimo vigente à época do fato, com a devida atualização. A exordial (recebida em 24.11.2017) relata que, no dia 26.09.2017, fez uso dedocumento público falso, ao apresentar carteira nacional de habilitação falsificada, no nomede terceiro, a policiais rodoviários federais que o abordaram. Os agentes da lei, após consulta ao sistema informatizado, perceberam incoerênciasnas informações estampadas na CNH, a exemplo dos dados da filiação e a data de nascimento.Essa constatação levou à realização de exame pericial, que comprovou a falsidade documental,constatando-se ter sido o documento feito em papel diverso do original. Por isso, o apelante foi preso em flagrante, tendo, ainda, sua prisão preventiva, porocasião da audiência de custódia, ocorrida em 27 de setembro de 2017. Encerrada a instrução, foi proferida a sentença condenatória, que considerou com-provadas a autoria e a materialidade delitivas, baseando-se na prova pericial, nos depoimentostestemunhais dos policiais rodoviários responsáveis pela prisão em flagrante e, finalmente, naconfissão do próprio réu. Não satisfeito, o sentenciado apela, buscando a sua absolvição, pelo reconhecimentode que o fato traduziria crime impossível, mercê do caráter grosseiro da falsificação. O recorrente ainda questiona aspectos envolvendo a dosimetria da pena, requerendo: a) seja a pena-base fixada no patamar mínimo previsto na lei; b) redução da pena abaixo do mínimo legal já na segunda fase da dosimetria, comoconsequência do reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; c) substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou, ao menos,a suspensão condicional da pena; d) seja realizada a detração penal, descontando-se da pena o período no qualpermaneceu preso cautelarmente; e e) expedição de guia de recolhimento provisório no regime aberto. O apelo, como visto, não questiona a materialidade ou a autoria delitiva, limitando-sea sustentar a ocorrência de crime impossível, baseando-se na alegação de que a falsificaçãoda CNH apresentada aos policiais caracterizar-se-ia como grosseira e, como tal, incapaz delevar as pessoas a erro. Em acréscimo, afirma que a Polícia Rodoviária Federal sempre adota o procedi-mento de aferir a veracidade da documentação que lhe é apresentada, mediante o confrontodos dados com aqueles armazenados em seu sistema de informações, o que inviabilizaria,de toda sorte, a prática delituosa. A despeito do esforço da defesa, não há como ser acolhida a tese em comento. Inicialmente, a sentença enfatizou que os elementos coligidos dão conta de que,“apenas após consulta ao sistema informatizado foi que verificaram inconsistências nasinformações constantes na CNH, tais como os dados de filiação, a data de nascimento e onúmero do formulário”. Além disso, o laudo pericial atesta que a CNH seria, sim, hábil a enganar pessoamediana, dada a sua boa qualidade:
188 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 O exemplar examinado foi confeccionado por processo computadorizado, utilizando papel não oficial, buscando simular características de documento autêntico, resultando em exemplar com aspecto pictórico bastante semelhante, podendo confundir pessoas desatentas e/ou desconhecedoras de suas características de segurança. Conclui-se, portanto, que, somente após consulta ao sistema informatizado, foidetectada, pelos policiais, a contrafação do documento, o qual, nos termos do exame pericial,possui, sim, potencialidade lesiva, eis que hábil a enganar pessoa de entendimento mediano. A propósito, ressaltou o parecer da douta Procuradoria Regional da República: Ademais, a efetiva potencialidade lesiva do documento é inconteste, principalmente em razão de o réu, ora recorrente, ter transferido para o seu nome o veículo que conduzia no momento da abordagem, utilizando no ato da transferência o documento contrafeito. Ou seja, caso a falsificação fosse grosseira, como alega o réu, teria sido percebida pelos funcionários do Departamento Estadual de Trânsito em Pernambuco (DETRAN/PE) no momento da transferência de propriedade, o que não aconteceu. Mostra-se irrelevante, nesse contexto, o procedimento usualmente adotado pelapolícia, no sentido de buscar conferir a autenticidade do documento, confrontando as informa-ções nele estampadas com aquelas armazenadas em seu sistema de informática. Conquanto seja esse um comportamento padronizado das autoridades policiais,nem sempre se mostra viável, sobretudo nas situações nas quais os motoristas são abordadosem locais não servidos (ou mal servidos) de acesso à internet ou a rádio, como esclarecidopela testemunha P.A.O., policial rodoviário ouvido em juízo. Enfim, à vista desses elementos, não há que se falar em crime impossível (art. 17,CP), devendo ser mantida a condenação do recorrente. Passo, pois, ao enfrentamento dos questionamentos alusivos à dosimetria da pena. De saída, cumpre verificar como procedeu o douto magistrado: Tendo em conta o princípio da individualização da pena, e em observância ao sistema trifásico do art. 68 do Código Penal, passo, então, à dosimetria da pena: 1ª Fase: a) a culpabilidade demanda uma reprovação maior que aquela já prevista no tipo, haja vista que o acusado, conforme dito por ele próprio em audiência, se utilizou de docu- mento falso, em nome de outra pessoa, haja vista ter conhecimento da expedição, em outro feito, de mandado de prisão em seu desfavor; b) o réu possui maus antecedentes, consoante informações constantes nos Ids. nºs 2212231 e 2211878, em que se verifica que houve o trânsito em julgado, em janeiro/2018, de duas ações penais por crimes praticados anteriormente aos fatos destes autos. c) não há elementos nos autos que permitam a valoração de sua conduta social; d) não há informações que permitam valoração de sua personalidade; e) os motivos dos crimes são correspondentes ao tipo; f) as circunstâncias do crime não fogem daquelas que integram o tipo; g) as consequências do crime não apresentaram maiores desdobramentos; h) o comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do agente, pelo que não há o que valorar.
REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA 189 Considerando a valoração das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, desfavorável ao réu em duas circunstâncias, fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa. 2ª Fase: Agravantes e atenuantes: inexistem circunstâncias agravantes; quanto à circunstância atenuante, deve ser reconhecida a atenuante da confissão, razão pela qual atenuo a pena para 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 30 (trinta) dias-multa. 3ª Fase: Majorantes e minorantes: inexistem causas de aumento ou de diminuição de pena. Pena definitiva: 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, cujo valor estipulo em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato (09/2017). Acerca do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, em consonância com o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal, a pena de reclusão imposta ao acusado deverá ser cumprida, desde o início, em regime semiaberto, levando em consideração as circunstâncias judiciais do art. 59. As circunstâncias do crime (art. 59) indicam que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é insuficiente para a reprovação e prevenção do crime. Tendo em vista que a pena aplicada é superior a dois anos, fica prejudicada a con- cessão da suspensão condicionada da pena em sua modalidade comum (artigo 77, inciso III, do CP). Pois bem. O recorrente considera fazer jus à fixação da pena-base no patamarmínimo previsto na lei. Contesta, para tanto, a majoração da reprimenda com fulcro nas informaçõesfornecidas pelos juízos da 1ª e 4ª varas criminais da Comarca de João Pessoa/PB, as quaisse reportariam a condenações cujo trânsito em julgado teve lugar após o fato noticiado nospresentes autos. Conclui, assim, que, na data do fato objeto da denúncia, não possuía condenaçãoque pudesse ser como mau antecedente, o que implicaria a necessidade de reforma dasentença. Sem razão, porém, o sentenciado. A pena-base, como se lê acima, foi estabelecidaem patamar acima do mínimo porque 2 (duas) das circunstâncias judiciais do art. 59 foramsopesadas negativamente: a) culpabilidade, ante a constatação de que o réu utilizou documento falso, emnome de outra pessoa, por ter conhecimento da expedição, em outro feito, de mandado deprisão em seu desfavor; e b) os antecedentes, dada a informação de que houve o trânsito em julgado de 2(duas) sentenças condenatórias por crimes praticados pelo réu anteriormente aos fatos destesautos. Quanto à valoração negativa da culpabilidade, o recurso não apresenta qualquerimpugnação, razão pela qual deixo de tecer maiores considerações, até porque a fundamen-tação apresentada pelo juízo não merece qualquer reparo.
190 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 De resto, não há qualquer ilegalidade na apreciação negativa dos antecedentes,nos termos em que procedeu a sentença. Afinal, como destacou o juízo, os fatos que renderamensejo às sentenças condenatórias emanadas da justiça estadual são anteriores ao que motivoua ação penal em tela. O trânsito em julgado é que ocorreu posteriormente; caso tivesse ocorridoantes, a hipótese seria de reincidência (art. 63, CP), não de maus antecedentes. Assim, a sentença não incorreu em qualquer excesso na dosagem da pena-base,quando a definiu em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa,levando em conta as 2 (duas) circunstâncias judiciais negativas. No que concerne à segunda fase da dosimetria, observa-se que foi reconhecida aatenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, CP), com a redução da pena para 2 (dois)anos e 3 (três) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, patamar esse tornado definitivo,ante a ausência de causas gerais ou especiais de aumento e diminuição. O apelo entende que a pena deveria se fixada em quantum abaixo do mínimo legal,como consequência do reconhecimento da confissão espontânea, pleito esse que, sabidamente,esbarra no teor da Súmula nº 231 do col. STJ, que assim dispõe: “A incidência da circunstânciaatenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Digo mais: ainda que assim não fosse, o magistrado estipulou a quantidade deredução que estava sendo concedida (3 meses) em decorrência da atenuante em questão,não se identificando o que o obrigaria a uma diminuição ainda maior. No mais, também não prospera o pedido de substituição da pena privativa de liber-dade por restritivas de direitos, uma vez que a sentença deixou claro que tal benefício não seriarecomendável no caso em apreço, diante das circunstâncias judiciais negativas apontadas nadosimetria (art. 44, III, CP), no que procedeu com irrecusável acerto. Da mesma forma, não cabe a aplicação da suspensão condicional da pena, reivin-dicada na apelação, uma vez que o art. 77 do Código Penal estabelece que a pena privativade liberdade não superior a 2 (dois) anos poderá ser suspensa. Na situação dos autos, foiaplicada a pena definitiva de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, patamar superior aoexigido pela lei, a inviabilizar o atendimento do pleito da defesa. O sentenciado ainda requer seja realizada a detração penal, a teor do art. 387, §2º, do CPP, à consideração de que fora mantido preventivamente preso ao longo do processo. Ocorre, porém, que esse benefício, ao qual o réu efetivamente faz jus, não lhe foranegado. Apenas reservou-se a tarefa ao juízo das execuções penais, a quem cabe tal cotejo,nos termos de torrencial jurisprudência, de desnecessária reprodução. Finalmente, o apelante pugna pela modificação do regime inicial de cumprimento dapena privativa de liberdade, com a consequente expedição de guia de recolhimento provisório. Ainda uma vez, não lhe assiste razão, de vez que a sentença definiu o regime inicialsemiaberto tendo em vista a culpabilidade e os antecedentes sopesados negativamente, naprimeira etapa da dosimetria. Por isso, impôs um regime inicial mais gravoso, sem descurar,porém, da necessária fundamentação para tanto. Forte em tais argumentos, NEGO PROVIMENTO ao apelo. É como voto.
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