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JPO64_AXIV_R84_NOV_DEZ_2018

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Revisão Criminal 51 Em que pesem os argumentos da maioria do STF, pensamos que a natureza re-cursal, e não de ações de impugnação dos chamados recursos especial e extraordinário,resulta que, com a interposição se impede a preclusão e a coisa julgada e, assim, qualquerexecução que se faça antes é uma execução provisória da pena, o que deve ser repudiado,principalmente no processo penal. Em que pese nosso posicionamento, é fato que agora temos um precedente arespeito no sentido da possibilidade da execução provisória do acórdão penal condena-tório proferido em grau recursal, mesmo que estejam pendentes recursos aos tribunaissuperiores, de forma que a tese firmada pelo Tribunal deve ser aplicada nos processosem curso nas demais instâncias.8 O ministro Teori Zavascki se manifestou pela existên-cia de repercussão geral na matéria e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, comreafirmação da jurisprudência do Supremo, fixando a tese de que a execução provisóriade acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recursoespecial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção deinocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Neste sentido, setornaria plenamente cabível o recolhimento à prisão de condenado em segunda instância,ainda que pendente o julgamento de recurso excepcional. Acontece que o precedente do STF de 2016 apresenta uma questão a ser resolvidae para a qual poucos têm se atentado, justamente no que diz respeito à revisão criminal:seria possível propor ação revisional da condenação em segunda instância, uma vez quejá se deu o processo (pelo menos quanto à questão fática ou probatória) como findo, ten-do, inclusive, sido autorizado o recolhimento do condenado à prisão?9 É que, se após a8 No sentido que a decisão é um precedente, a doutrina de Hermes Zaneti: “O Supremo Tribunal Federal modi- ficou seu entendimento quanto ao princípio da presunção de inocência. Para a atual composição do tribunal, é possível a execução provisória da pena após o juízo confirmatório da segunda instância. Com esta decisão o STF retornou ao entendimento que a Corte aplicava até 2009. O Ministro Teori Zavascki afirmou que o princípio da não culpabilidade se exaure no segundo grau, quando acaba o juízo sobre fatos e provas [...] (STF, HC 126 292, Rel, Min. Teori Zavascki, julgado em 17.02.2016). Esta decisão, sendo considerada uma decisão mera- mente processual, permite sua aplicação como precedente, por força do art. 927, V, CPC (‘art. 927. Os juízes e Tribunais observarão [...] V - a orientação do plenário ou do órgão especial ao qual estiverem vinculados’) inclusive com caráter retroativo. Ocorre [...] a partir da publicação do texto do precedente, a sua aplicação imediata. Isso porque no processo penal tempus regit actum” [ZANETI JR., Hermes. Aplicação supletiva, subsidiária e residual do CPC ao CPP: precedentes normativos formalmente vinculantes no processo penal e sua dupla função. Pro futuro in malam partem (matéria penal) e tempus regit actum (matéria processual penal). In: CABRAL, Antonio do Passo; PACCELI, Eugênio; CRUZ, Rogério Schietti. Processo penal. Salvador: Jus- Podivm, v. 13, 2016. p. 461-464. (Coleção Repercussões do Novo CPC. Coordenador Geral Fredie Didier Jr.)].9 Lenio Streck, conforme noticia o site Conjur, pensa ser possível: se a condenação em segunda instância é o suficiente para formação de culpa e afastar a presunção de inocência, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal em 2016, o mesmo deve valer para se admitir a análise de revisão criminal. Está é a opinião do jurista Lenio Streck em parecer usado pela defesa de uma mulher condenada por lavagem de dinheiro, na linha das investigações do conhecido assalto ao Banco Central em Fortaleza, em 2005. Em 2012, a pena da mulher foi reduzida a 10 anos e 8 meses de prisão pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sediado no Recife, e os recursos extraordinário e especial foram rejeitados pela vice-presidência da corte. Contra essas decisões, a defesa interpôs agravos, que aguardam julgamento. A revisão criminal é possível em três situações: quando a sentença contrariar o texto da lei penal ou as provas apresentadas; quando condenação for baseada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; quando, após

52 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquecondenação sobrevier uma nulidade ou uma nova prova, e tendo o STF fixado o precedentede que a questão probatória já fica resolvida com a decisão de segundo grau, uma vez que,depois disso, já não mais se teria possibilidade de se reexaminar a prova,10 e já estandoautorizada a execução provisória da pena, passaríamos a ter uma situação esdrúxula: oréu não poderia adentrar com a revisão criminal, mesmo que em posse de uma provanova que demonstre sua inocência, caso tenha impugnado a decisão de segundo graumediante recurso excepcional, enquanto já estaria suportando os efeitos da condenação,pois já se começou a executar a pena, mesmo que de forma antecipada ou provisória. É que, segundo o precedente do STF, a situação probatória ou fática no processojá estaria julgada pela instância ordinária, e só estaria pendente de recurso excepcionala análise de questão objetiva acerca de matéria infraconstitucional (recurso especial) ouconstitucional (recurso extraordinário), pois, segundo ainda os fundamentos do precedenteda Suprema Corte, a matéria fática e probatória do processo já estaria preclusa. Entretanto,contraditoriamente, tecnicamente, não se teria ainda um trânsito em julgado para autorizar a sentença, forem descobertas novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que permite a redução da pena. “O Supremo Tribunal Federal relativizou o princípio da presunção de inocência. Isto é um fato. Portanto, discordando ou não, é preciso atentar para os efeitos colaterais dessa exegese. Ou seja, é impossível introduzir manobra de tal magnitude no sistema sem que se façam os reajustes necessários. É preciso ser coerente, inclusive no âmbito de eventuais incoerências. E parece-nos que a hipótese da revisão criminal é um desses reajustes”, argumenta Streck. O jurista explica que, já que a condenação em segundo grau permite a prisão do réu, é preciso que ele tenha direito a recursos compatíveis com sua nova condição. Isso porque, continua, o Estado não pode exigir que o cidadão desista dos recursos nas instâncias superiores para que possa ajuizar a revisão criminal”. Atendidos os pressupostos do artigo 621 do Código de Processo Penal, não se pode impedir o condenado de buscar o reexame de seu processo - por meio da revisão cri- minal -, porque, para o Estado juiz-acusação, o segundo grau já constitui elemento suficiente, de mérito, ao cumprimento da pena. Em outras palavras: o Estado-juiz acusação passou a entender que o Segundo Grau esgota o mérito. Sendo isso verdadeiro, e neste momento é assim que entende o STF, então o uso do único remédio para desconstituir o acórdão condenatório é a revisão criminal”, conclui. (cf. Os dois lados da moeda: prisão antecipada permitiria revisão criminal antes do trânsito em julgado. Disponível em: <http://www.conjur. com.br-ago-13/prisao-antecipada-permitira-revisao-criminal-antes-fim-açao>. Acesso em: 13 ago. 2017).10 Na decisão proferida pelo Tribunal Pleno no HC 126.292/SP, em que se reconheceu a possibilidade de execução provisória de provimento condenatório sujeito a recursos excepcionais, parte da premissa segundo a qual, nas palavras do eminente Ministro Teori Zavascki, é “no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsa- bilidade criminal do acusado”. E o Ministro Edson Fachin, no mesmo julgamento, e reiterando a posição no Habeas Corpus 133.387, afirma que: [...] “Da leitura que faço dos artigos 102 e 105 da Constituição da República, igualmente não depreendo, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, terem sido concebidos, na estrutura recursal ali prevista, para revisar injustiças do caso concreto. O caso concreto tem, para sua escorreita solução, um Juízo monocrático e um Colegiado, este formado por pelo menos três magistrados em estágio adiantado de suas carreiras, os quais, em grau de recurso, devem reexaminar juízos equivocados e sanar injustiças. O revolvimento da matéria fática, firmada nas instâncias ordinárias, não deve estar ao alcance das Cortes Superiores, que podem apenas dar aos fatos afirmados nos acórdãos recorridos nova definição jurídica, mas não nova versão. As instâncias ordinárias, portanto, são soberanas no que diz respeito à avaliação das provas e à definição das versões fáticas apresentadas pelas partes”. Em razão disso, fixou-se a tese no sentido de que: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal [...]”.

Revisão Criminal 53a revisão da condenação. Mas, na prática, ainda de forma contraditória, o processo quantoaos elementos probatórios já estaria findo. Esse é mais um paradoxo que foi criado com a decisão do STF, já que, emboraem caso de nulidade evidente se possa propor o habeas corpus, se considera que esseremédio heroico não é cabível para exame de prova nova. Assim, com a nova posiçãodo STF, que adota a execução provisória da pena, sem que haja o trânsito em julgado,mesmo de posse de uma “prova nova”, o réu, absurdamente, teria que aguardar por anoso deslinde do seu recurso excepcional para poder apresentar revisão criminal ou parapropor a ação revisional, vendo-se obrigado a desistir do recurso excepcional interpostoquando obtivesse uma prova nova que pudesse gerar sua absolvição ou diminuição dapena,11 mesmo considerando o STF estar o processo findo ou tendo ocorrido a preclusãoquanto à matéria probatória, o que é um despropósito, pois o réu já estaria com sua penasendo executada, mesmo que provisoriamente. No que diz respeito ao Tribunal do Júri, a questão é ainda mais tormentosa, játendo a 1ª Turma do STF admitido, inclusive, a execução provisória da pena, após o jul-gamento popular em primeiro grau, independentemente de interposição de recurso parao segundo grau.12 Não é de se estranhar, assim, que surja entendimento sustentando como solução apossibilidade da interposição da revisão criminal nos casos de confirmação da condenação11 O recurso excepcional não é sede para se examinar prova nova e examinar pedido revisional, já que, segundo os próprios fundamentos do precedente do STF, para reconhecer a possibilidade de se executar provisoriamente a condenação, o exame da matéria fática e probatória já está exaurido com a decisão de segundo grau, pois, conforme o Ministro Edson Fachin, em seu voto no julgamento dos pedidos liminares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44: “[...] É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF - recurso especial e extraordinário - têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990”.12 Em julgamento na 1ª Turma do STF, prevaleceu o voto divergente do ministro Luís Roberto Barroso, que julgou que “a prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade” (HC 118.770, rel. min. Marco Aurélio, redator do acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 07.03.2017). Para o ministro Barroso: “[...] a presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico da condenação pelo Tribunal do Júri, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri, e o Tribunal não pode substituir-se aos jurados na apreciação de fatos e provas (CF/1988, artigo 5º, XXXVIII, c), o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa resguardar (CF/1988, artigos 5º, caput e LXXVIII, e 144). Assim, interpretação que interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas”.

54 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaqueem segundo grau e já interposto o recurso excepcional, sob o argumento de que, emrelação à matéria probatória, já teríamos a preclusão e, assim, um processo findo na áreacriminal e, como acentuam os próprios fundamentos do julgado precedente, só se tornariapossível a modificação da análise probatória via revisão criminal. Mas essa solução radical13 iria de encontro a toda construção histórica da revisãocriminal, bem como a doutrina sobre esta, pois sempre se considerou que para que sepossa interpor a ação de revisão, seria necessária a ocorrência do trânsito em julgado. Aorigem do fundamento desta corrente, que gera perplexidade, estaria no próprio precedentefixado pelo STF, pois, como reconheceu o Ministro Teori, relator do Recurso Extraordináriocom Agravo (ARE) 964246, que teve repercussão geral reconhecida, “ressalvada a viada revisão criminal, é nas instâncias ordinárias que se esgota a possibilidade de examede fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal doacusado”. Isso porque, ainda segundo o relator, os recursos de natureza extraordinária nãoconfiguram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, por não se prestarem ao debatede matéria fático-probatória. Assim, conforme o ministro, com o julgamento da segundainstância se exaure a análise da matéria envolvendo os fatos da causa. Sobre o tema, já em 1967, na área criminal, João Martins de Oliveira advertia pelaimpossibilidade da propositura da revisão criminal em caso de “sentença já passada emjulgado para os recursos comuns e ainda sujeita ao exame do juízo ad quem, através derecurso extraordinário” (OLIVEIRA, 1967, p. 118). O autor, citando Espínola Filho, susten-tava a impossibilidade pautada nos seguintes motivos: a) tendo o recurso extraordinário prazo para interposição (art. 633), embora não seja suspensivo o seu efeito, em forma a que não fica impedida a execução do julgado (art. 637), não se pode dizer que haja processo findo, quando ainda é possível a interposição do recurso extraordinário, e, muito salientemente foi ele interposto, sendo processado; b) decidindo o Supremo Tribunal o recurso extraordinário, a condenação, a condenação que tem a cumprir o réu, tanto por efeito de reforma por aquela Corte, da sentença absolutória, quanto pela alteração do Supremo, da pena imposta pela justiça local, e, ainda, em consequência da manutenção da pena antes infligida, é sempre aquele mais alto tribunal do país que passa a ser a autoridade de quem provem a condenação, cuja revisão se promove; e, então, é dele a competência para esta (art. 624, nº I), sendo de nenhum efeito, pois, o pronunciamento o tribunal de apelação sobre uma revisão para a qual não tem competência (OLIVEIRA, 1967, p. 118 e ss.). Dessa forma, para o autor, o processo pendente de recurso excepcional nãoestaria findo, no termos que exige o CPP, tampouco o órgão de segunda instância seria13 Mas aqueles que assim defendessem, a prevalecer o entendimento da 1ª Turma do STF, que depois do julgamento que resultou em condenação pelo Tribunal do Júri já poderia se dar a execução provisória da pena, não poderiam sustentar ser cabível a revisão, pois ainda seria possível o reexame no segundo grau, e só nesse caso se esgotariam as vias ordinárias e passaria a ser possível o recurso excepcional.

Revisão Criminal 55competente para o julgamento da revisão criminal, cuja decisão condenatória a ser atacadaserá proferida pelas Cortes Superiores. Assegura ainda que se poderia propor revisãocriminal apenas em relação aos dispositivos da sentença que não fossem atacados viarecurso excepcional, atentando-se ao fato de que “esta admissibilidade desaparece sehouver elo entre as partes da decisão, de sorte que o provimento do recurso parcial possater repercussão na outra” (OLIVEIRA, 1967, p. 118). Embora a citada referência doutrinária recaia sobre uma realidade jurídica muitoanterior ao recente precedente do STF, nos parece ainda atual e correta a concepção deque o processo ainda não estaria findo para fins revisionais, como defende o autor. Desse modo, embora o artigo 621 do CPP exija somente o “processo findo” paraautorizar a propositura da revisão criminal (diversamente da rescisória cível que exige otrânsito em julgado), e apesar de o STF entender que o processo está findo quanto à matériafática e de prova no segundo grau de jurisdição, o certo é que a expressão “processo findo”,desde a origem do instituto da revisão criminal, sempre foi equiparada à coisa julgada, ouseja, sempre se exigiu que já não mais fosse possível qualquer recurso. Como visto, oscritérios de avaliação dos primórdios existenciais de institutos análogos à atual revisãocriminal brasileira pautam-se nos critérios de julgamento com trânsito em julgado e errojudiciário (MÉDICI, 2000, p. 37), sendo que análise feita acima da evolução do institutodemonstra que esse sempre teve espaço nos casos em que a decisão tornava-se definitiva,sem a possibilidade de ser confrontada via recurso. Era, portanto, um remédio excepcionaladministrado em casos de sentença ou acórdão transitados em julgado. No Brasil colônia, o trânsito em julgado era necessário à revisão criminal por de-terminação das Ordenações Filipinas que aqui eram aplicadas pela Coroa Portuguesa e,posteriormente, no texto da Lei de 18.09.1828, havia a disposição, em seu art. 9º, de ser a“revista” possível “não só enquanto durar a pena, mas ainda mesmo depois de executadasas sentenças, quando os punidos quiserem mostrar sua inocência, alegando que não lhesfoi possível fazê-lo antes”,14 torna claro que o instituto esteve sempre atrelado ao trânsito emjulgado. Assim, seria temerário se entender o contrário, até porque antes da coisa julgadahaveria, inclusive, um sério problema de competência, pois, se o recurso excepcional jáestá para ser examinado no Tribunal Superior, esse só poderia conhecer de matéria dedireito objetivo ou questão federal, e seria um despropósito que, concomitantemente, seinstaurasse uma revisão criminal no Tribunal em segundo grau, como já alertava JoãoMartins de Oliveira, ao citar Espínola Filho, já em 1967 (OLIVEIRA, 1967, p. 118). Melhor solução, entendemos, seria aceitar-se o cabimento habeas corpus para ofim de exame de prova nova, excepcionalmente nos casos de execução provisória da penaquando interposto o recurso excepcional, pois, apesar desta possibilidade ser rechaçadapela doutrina e jurisprudência, o certo é que desde a Constituição Republicana de 1891,1514 Cf. o histórico de Sérgio de Oliveira Médici, na sua obra Revisão criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, às páginas 111-140, em que se demonstra que, para a revisão criminal, durante toda a nossa história, sempre se fez necessário o trânsito em julgado da decisão, e que este era o sentido da expressão processo findo.15 “Dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder”.

56 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaqueda forma que foi previsto, o habeas corpus nunca teve um cabimento restrito para a coaçãoda liberdade de locomoção do indivíduo.16 Justamente por ter este espectro muito amplo, owrit encontrou um campo fértil para a sua utilização para fazer às vezes de recursos ou deoutras ações de impugnação. Por esta razão é que surgiu a chamada “doutrina brasileirado habeas corpus”, que fazia com que esse fosse um remédio para todas as coações,ilegalidades e abuso de poder. O certo é que o infeliz precedente do STF traz mais esta incoerência, ou seja, aesdrúxula situação de o acusado já estar cumprindo pena (execução provisória) e não poderse utilizar da ação revisional, no caso de ter interposto recurso excepcional, e a soluçãopara essa hipótese irá gerar dificuldades por se esbarrar em empecilhos jurídicos em qual-quer meio de impugnação que se pense. Mas, a persistir o precedente do STF, deverá serencontrada uma solução para as hipóteses em que o réu esteja de posse de uma provanova que possa gerar sua absolvição ou diminuição de pena, mas já esteja, efetivamente,cumprindo uma pena mediante uma execução provisória e, assim, ficaria impossibilitadode buscar a pronta reapreciação da decisão, o que causará uma evidente injustiça.CONCLUSÃO De todo o exposto, se verifica que se dá a aplicação subsidiária e residual do modelode precedentes, adotado no direito processual civil brasileiro, aos procedimentos penais,haja vista que o art. 3º do CPP assim determina. Além disso, o modelo de precedentesadotado no Brasil possui valor vinculante, de forma que deve ser observado pelos julgadoresquando do pronunciamento da decisão, uma vez que o precedente é uma norma jurídica. Em se tratando de precedente em matéria de direito penal, deverá ser aplicada aoscasos futuros (nullum crimen, nulla poena, sine lege), não havendo efeito vinculante paracasos pretéritos se em malam partem; mas se aplicando retroativamente se em bonampartem, abrangendo, inclusive, os processos findos.16 Teori Zavascki parece entender que qualquer problema gerado pela execução provisória da pena poderia ser resolvido mediante habeas corpus, em seu voto no julgamento pelo Plenário do STF que apreciou as liminares pedidas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, quando frisou que: “o que se afirmou, quando do julgamento do HC 126.292, foi que a presunção de inocência, encampada pelo art. 5º, LVII, é uma garantia de sentido processualmente dinâmico, cuja intensidade deve ser avaliada segundo o âmbito de impugnação próprio a cada etapa recursal, em especial quando tomadas em consideração as características próprias da participação dos Tribunais Superiores na formação da culpa, que são sobretudo duas: (a) a impossibilidade da revisão de fatos e provas; e (b) a possibilidade da tutela de constrangimentos ilegais por outros meios processuais mais eficazes, nomeadamente mediante habeas corpus. Embora a ação de habeas corpus não deva ser utilizada para estimular técnicas defensivas per saltum, é inevitável reconhecer que a jurisdição dos Tribunais Superiores em relação a imputações, condenações e prisões ilegítimas é, na grande maioria dos casos, ‘antecipada’ pelo conhecimento deste instrumento constitucional de proteção das liberdades, que desfruta de ampla preferencialidade normativa em seu favor, seja constitu- cional, legal ou regimentalmente. Isso vai a ponto de percebermos que, em qualquer Tribunal, há Câmaras, Seções ou Turmas cuja competência é integralmente (ou quase) dedicada ao julgamento dessa persona processual, formando verdadeiros ‘colegiados de garantias’, cujo âmbito de cognição é muito maior do que aquele inerente aos recursos de natureza extraordinária”. Porém, certamente que o saudoso Ministro não cogitou, naquele momento, de apreciação de “prova nova” via habeas corpus, pois, evidentemente, a cognição sumária desse writ colide com a possibilidade de um profundo exame probatório.

Revisão Criminal 57 Neste liame, sendo o precedente uma norma jurídica, diferentemente da simplesjurisprudência, de uma decisão condenatória fundamentada em entendimento contrárioao precedente já firmado, em princípio, caberia a revisão criminal, em conformidade como art. 621, I, do CPP, uma vez que o modelo visa à uniformização da jurisprudência deforma vinculante. Ocorre que tal qual se dá quanto à lei nova, o novo precedente penal mais benéficopode ter sua apreciação, em relação aos processos transitados em julgado, feita de formamais célere pelo Juízo da Execução penal, como prevê art. 66, inciso I, da Lei de ExecuçãoPenal - LEP, que estabelece ser competência do juízo da execução a aplicação, aos casosjá julgados, de lei posterior que de qualquer modo beneficie o condenado, o que não deixade ser uma forma de revisão em sentido lato. Porém, uma coisa é o juízo da execução rever uma condenação em vista de umnovo dispositivo legal, e outra ter que apreciar uma nova interpretação de razões de decidirou fundamentos de uma decisão que pode até não ser unânime, o que se reveste decomplexidade e, assim, pode resultar em não obtenção da pretensão do réu pela via dopedido ao juiz da execução penal e, neste caso, poderá ter incidência a ação revisional,em casos mais complexos, com fundamento do artigo 621, I, do CPP. Na área processual penal, é inegável que o entendimento firmado pelo Pleno do Su-premo Tribunal Federal, por meio do Habeas Corpus nº 126.292/SP e ratificado em sede derepercussão geral no recurso extraordinário com Agravo nº 964246, que determina a prisãode condenado em segunda instância, ainda que pendente um recurso excepcional, se tratade um precedente e que se aplica conforme o brocardo tempus regit actum e, assim, deveser observado inclusive naqueles processos já instaurados quando sobreveio o precedente. Neste ponto, a questão que surge é a indagação se seria possível a apresentaçãoda ação de revisão criminal para os casos nos quais, em virtude deste precedente, houverecolhimento à prisão anteriormente ao trânsito em julgado de sentença condenatória efoi interposto recurso excepcional, já que a Suprema Corte entende que em relação àsprovas aquele processo não mais poderia ter modificação e, é indubitável, que pode surgir,entre o início da execução provisória e o julgamento do recurso excepcional, uma provanova que enseje revisão criminal. Apesar de ser sedutora a tese de que o processo findou-se no segundo grau dejurisdição - como assinala o Supremo Tribunal Federal - e, por consequência, seria possívela propositura da ação revisional antes mesmo do julgamento do recurso excepcional pelaCorte Superior competente, o estudo da evolução do instituto demonstra que remédiosanálogos, desde o Brasil colonial, eram manejados sempre após sentença irrecorrível, ouseja, em momento posterior ao trânsito em julgado. Desta forma, aceitar essa premissavai de encontro à tradição do momento processual de aplicação da revisio. Outrossim,considerando-se a competência para análise e julgamento desta, tem-se que esta seráexercida pelo Tribunal Superior, quando diante de eventual recurso excepcional, logo,manejando-se a revisão anteriormente a decisão recursal excepcional fará com que oTribunal de Justiça possa emanar decisão concomitante ou anterior à decisão daqueleTribunal. Por este motivo, a conclusão é a de que a melhor solução será a propositura de

58 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquehabeas corpus, em seu sentido amplo, entendido como remédio heroico para todas ascoações, ilegalidades e abuso de poder.REFERÊNCIASARAUJO, João Vieira de. A revisão dos processos penaes segundo a doutrina, a jurisprudência ea legislação comparada. BDJur, Brasília, DF, 20 mar. 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//jspui/handle/2011/20289>. Acesso em: 01 jun. 2018.AZEVEDO, Vicente de. Revisão criminal, 1957. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66268/68878>. Acesso em: 01 jun. 2018.BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.CERONI, Carlos Roberto Barros. Revisão criminal: características, consequências e abrangências.São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.LOBÃO, Manoel de Almeida e Souza de. Segundas linhas sobre o processo civil. Lisboa: ImpressãoRégia, 1827.MADUREIRA, Cláudio. Fundamentos do novo processo civil brasileiro: o processo civil do formalismo--valorativo. Belo Horizonte: Fórum, 2017.MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão criminal. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dosTribunais. 2000.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro:Forense, v. 5, 2009.MOSSIN, Antônio Heráclito. Revisão criminal no direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 1994.OLIVEIRA, Eugenio Pacelli. Curso de processo penal. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2011.OLIVEIRA, João Martins de. Revisão criminal. São Paulo: Sugestões Literárias S/A. 1967.PIMENTEL, Fabiano Cavalcanti. O retrospective overruling in mellius como fundamento para arevisão criminal. 2015. 222 f. Tese (Doutorado em Direito Público) - Programa de Pós-GraduaçãoStricto sensu em Direito Público, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.STRECK, Lenio Luiz. Os dois lados da moeda: prisão antecipada permitiria revisão criminal antes dotrânsito em julgado. Disponível em: <http://www.conjur.com.br-ago-13/prisao-antecipada-permitira--revisao-criminal-antes-fim-açao>. Acesso em: 13 ago. 2017.TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1995.ZANETI JR., Hermes. Aplicação supletiva, subsidiária e residual do CPC ao CPP: precedentesNormativos formalmente vinculantes no processo penal e sua dupla função. Pro futuro in malampartem (matéria penal) e tempus regit actum (matéria processual penal). In: CABRAL, Antonio doPasso, PACCELI, Eugênio e CRUZ, Rogério Schietti (Org.). Processo penal. Salvador: JusPodivm,v. 13, 2016. (Coleção Repercussões do Novo CPC. Coordenador Geral Fredie Didier Jr.).ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativosformalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.ZANETI JR., Hermes; GOMES, Camilla de Magalhães. O processo coletivo e o formalismo-valorativocomo nova fase metodológica do processo civil. In: Revista de Direitos Difusos, v. 53, 2011.

ASSUNTOS DIVERSOS - DOUTRINA O COMPANHEIRO E A UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL* THE COMPANION AND THE STABLE RELATIONSHIP IN THE NEW CIVIL PROCEDURE CODE CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA Advogado. Consultor Jurídico da Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura - FUNPEC. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Especialista em Direito de Família e Mediação de Conflitos pela Universidade Candido Mendes - UCAM. E-mail: [email protected]. HEBERT TORQUATO SILVA Advogado. Professor da Graduação e da Pós-Graduação da Faculdade Católica Santa Teresinha - FCST. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes - UCAM. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. A figura do companheiro no Código de Processo Civil de 2015 - 2. O instituto jurídico da união estável no Código de Processo Civil de 2015 - Conclusão - Referências. RESUMO: O presente estudo objetiva perquirir a respeito da inserção do compa-nheiro e da união estável no Código de Processo Civil de 2015, buscando averiguar se,com o advento da nova normativa processual, também houve a equiparação processualcom o cônjuge e/ou o casamento. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica, estudou-sea Lei nº 13.105/2015 para detectar, realçar e descrever os dispositivos que perfizeramesta inovação para o Direito Processual Civil. Concluiu-se que, embora a união estável já* Data de recebimento do artigo: 02.08.2018. Datas de pareceres de aprovação: 31.08.2018 e 10.09.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 19.09.2018.

60 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinaestivesse reconhecida como entidade familiar no plano constitucional (art. 226, § 3º, daCF/88), como também apropriadamente prevista no direito material (art. 1.723 e seguintesdo CC/02), faltava tal incremento no direito processual civil, visto que os notáveis avançosno Direito de Família são bem posteriores ao Código de Processo Civil de 1973, tendo oNCPC atribuído à figura do companheiro o mesmo nível jurídico em relação ao cônjuge,assim como igualando a união estável ao casamento, recebendo, pois, os mesmos ônuse bônus processuais. PALAVRAS-CHAVE: companheiro; união estável; Código de Processo Civil. ABSTRACT: The present study aims to inquire about the insertion of the companionand the stable union in the 2015 Civil Procedure Code, seeking to ascertain whether, withthe advent of the new procedural normative, there was also procedural equalization withthe spouse and/or marriage. Therefore, in addition to the bibliographical research, Lawn. 13.105/2015 was studied to detect, highlight and describe the devices that made thisinnovation for Civil Procedural Law. It was concluded that, although the stable union wasalready recognized as family entity at the constitutional level (article 226, 3rd paragraph, ofFederal Constitution), as also appropriately provided for in right material (article 1723 andfollowing of 2002 Civil Code), there was missing of such an increment in civil procedurallaw, since the notable advances in Family Law are well after the 1973 Civil Procedure Code,having the new code attributed to the figure of the companion the same juridical level inrelation to the spouse, as well as equaling the stable union to marriage, receiving, thus,the same burden and procedural bonuses. KEYWORDS: companion; stable relationship; Civil Procedure Code.INTRODUÇÃO A família é a base da sociedade e possui especial proteção do Estado. É o quepreconiza o caput do art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Esta norma constitucional é bastante representativa na fase histórica da constitucionali-zação do direito civil. A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 nada disciplinava sobre a família.A Carta Política seguinte, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de1891, estabelecia que somente o casamento civil era reconhecido pela República, a teordo disposto no outrora art. 72, § 4º. A Carta Republicana de 1934 apregoava em seu art. 144 que “a família, consti-tuída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. No mesmosentido, as Constituições dos Estados Unidos do Brasil de 1937 e de 1946, bem como aConstituição da República Federativa do Brasil de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1de 1969 reproduziram a mesma disciplina normativa sobre a família, conforme se cons-tata da análise de seus arts. 124, 163, 167, § 1º, e 175, § 1º, respectivamente. Em outraspalavras, durante muito tempo no Brasil permaneceu a compreensão dogmática de que

O Companheiro E A União Estável 61não haveria família fora do casamento, não podendo este ser dissolvido, e de que, parareceber a tal “proteção especial” do Estado no âmbito familiar, obrigatoriamente seria porintermédio do matrimônio. Apenas com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 avançou--se nesse segmento para estender também à união estável a proteção estatal de que jádispunha a família constituída pelo casamento, nos termos do § 3º do art. 226. Foi umalonga caminhada para finalmente o Estado reconhecer como entidade familiar aquelamantida pelos companheiros, e não somente pelos cônjuges. Segundo Salomão (2014, p. 563): Inaugura-se, em 1988, uma nova fase do direito de família e, con- sequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado “família”, rece- bendo todos eles a “especial proteção do Estado”, antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento. [...] Vale dizer, rompendo expressamente com o paradigma constitu- cional superado, salientou que, mais importante do que a forma pela qual essa família é constituída, é a maneira pela qual ela é protegida. Ou seja, o comando principal do artigo é a “proteção especial”, em si, independentemente de formalidades cartorárias ou religiosas, porquanto por trás dessa “proteção especial” reside a dignidade da pessoa humana, alçada no texto constituinte a fundamento da República (art. 1º, inciso III). A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, a qual instituiu no ordenamento jurídicopátrio o atual Código de Processo Civil, trouxe inúmeras inovações e atualizações emcomparação ao seu antecessor, o Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei nº5.869, de 11 de janeiro de 1973. Uma dessas atualizações foi a inserção de termos comocompanheiro e união estável em diversos dispositivos. Mas será que o CPC/2015 incluiu ocompanheiro na sistemática processualística no mesmo patamar que já ocupava o cônjuge? O objeto deste estudo é, pois, analisar todos os artigos do Novo CPC que versamem seu teor sobre o companheiro e/ou a união estável, no afã de averiguar a equiparaçãoprocessual com o cônjuge e/ou o casamento. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica,far-se-á um estudo aprofundado da Lei nº 13.105/2015 para detectar, realçar e descreveros dispositivos que perfizeram esta inovação para o Direito Processual Civil. O presente trabalho trata-se de uma pesquisa descritiva, apresentando em suametodologia a abordagem qualitativa do tema ora proposto.1. A FIGURA DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 Ao analisar sequencialmente os dispositivos do Novel Código de Processo Civil(NCPC), observa-se que o primeiro artigo que apresenta a inserção da palavra companheiro

62 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinaem seu conteúdo é o art. 144, o qual trata dos impedimentos do juiz, vedando-lhe exercersuas funções no processo. Com a inovação processual, o magistrado estará impedido dejurisdicionalizar quando seu companheiro se encontrar postulando no processo enquantodefensor público, advogado ou membro do Ministério Público, ou quando seu companheirofor parte no processo, ou ainda quando figure como parte cliente do escritório de advocaciade seu companheiro, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório. É o quese extrai dos incisos III, IV e VIII do referido artigo. Entre as hipóteses de suspeição do juiz, o legislador também realizou o devidoacréscimo da figura do companheiro ao prever no inciso III do art. 145 que o julgadorestará suspeito para processar e julgar o feito quando qualquer das partes for sua credoraou devedora, de seu cônjuge ou companheiro. A respeito das comunicações dos atos processuais, o companheiro não será citadopara integrar a relação processual na condição de réu, executado ou interessado no diado falecimento do seu companheiro e nos 7 (sete) dias seguintes. A exceção a esta regrasomente ocorrerá na hipótese de ser necessário evitar o perecimento do direito tutelado,conforme inteligência do art. 244, inciso II, do CPC/2015. Comumente, a morte de pessoas significativas ocasiona para os sobrevivos dor,tristeza, saudade, sofrimento etc. Como seria ser citado no dia do falecimento do seucompanheiro e tomar conhecimento de um processo judicial complicadíssimo que neces-sitasse de diligências reputadas urgentes? O espírito da norma é preservar o companheirona ocasião fúnebre que envolve o óbito do seu parceiro de vida e o luto nos dias poste-riores, assegurando o mesmo tratamento que já era oportunizado ao cônjuge na normaprocessual anterior. No campo das provas, notadamente acerca do depoimento pessoal da parte, estanão é obrigada a depor sobre fatos que importem, caso os responda, em desonra de seucompanheiro, ex vi do art. 388, inciso III, da Lei de Ritos. Como bem cita Bueno (2017,p. 404), o atual Código de Processo Civil manteve a regra insculpida no art. 347 do seuantepassado, mas ampliou as hipóteses em que a parte não é obrigada a depor ao preveros incisos III e IV. Neves (2016, p. 292), por sua vez, também pontua que “a inclusão éadaptada porque inclui o companheiro ao lado do cônjuge”. O NCPC também acresceu o companheiro em outra espécie de prova - a confis-são - ao dispor que nas “ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobreimóveis alheios, a confissão de um cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro,salvo se o regime de casamento for o de separação absoluta de bens”, nos termos doparágrafo único do art. 391 da citada Lei. Ora, imagine-se a situação hipotética em que figura no polo passivo de uma deman-da judicial um dos companheiros, fundando-se a lide em um bem imóvel deste adquiridodurante a união estável. Caso o réu confesse em juízo em harmonia com o pedido formuladona ação pelo autor, a confissão fará prova contra o próprio companheiro confitente. É oque enuncia o caput do art. 391. Contudo, essa confissão não poderá acarretar prejuízos

O Companheiro E A União Estável 63ao outro companheiro que não se enquadrou como sujeito processual ou, em tambémsendo parte, não confessou os fatos a respeito do direito real em apreço, ficando-lhe, emtese, resguardada a sua meação e/ou o bem de família. A norma ainda excetua a hipótese em que a confissão de um companheiro valerásem a do outro, qual seja, quando o regime de bens aplicável à união estável for o daseparação absoluta de bens. Realmente, não subsiste, nesse caso, fundamento para aconfissão somente ser considerada válida quando ambos os companheiros forem confi-tentes, tendo em vista a incomunicabilidade que reina nesse regime de bens. Mas é debom alvitre lembrar que, quando não houver contrato escrito entre os companheiros, o“regime-regra” a ser aplicado às relações patrimoniais na união estável é o da comunhãoparcial de bens, em consonância com o art. 1.725 do Código Civil de 2002. No que concerne à produção da prova testemunhal, de acordo com o art. 447, §2º, inciso I, do Código de Processo Civil vigente, o companheiro de uma das partes noprocesso judicial é uma das pessoas impedidas para depor como testemunha. Como boaparte das regras no Direito comportam ressalvas, poder-se-á, excepcionalmente, admitir aoitiva do companheiro se o interesse público o exigir no processo ou, se o feito versar sobreo estado da pessoa, não for possível obter a prova de outra maneira e for ela essencialpara o magistrado resolver o mérito. Para Wambier e Talamini (2016, p. 320), a redaçãoda lei é imprópria no que concerne ao interesse público, tendo em vista o interesse dajurisdição na apuração dos fatos verídicos. Outra possibilidade é, em sendo necessário, o juiz colher o depoimento do com-panheiro impedido, porém na condição de testemunha descompromissada - denominadana práxis forense de declarante ou informante -, sendo atribuído ao depoimento o valorque possa merecer, isto é, não possuindo, geralmente, o mesmo valor probante que odepoimento da testemunha que presta o compromisso de falar a verdade antes de suaoitiva, como se encontra disposto no art. 447, §§ 4º e 5º, do CPC/2015. Ainda sobre os testemunhos, mesmo que um dos companheiros não figure na lidecomo parte, o outro não será compelido a testemunhar sobre fatos que ocasionem gravedano a si próprio ou ao seu consorte, como inculca o inciso I do art. 448 da Lei em evidência. A ação de dissolução parcial de sociedade - um novo tipo de procedimento especialprevisto no atual CPC/2015, sem correspondência com o CPC/1973 - prevê em seu art.600 acerca dos legitimados para promover essa ação. O parágrafo único, por sua vez,possibilita ao companheiro do sócio cuja união estável ou convivência terminou pleitear aapuração de seus haveres na sociedade, os quais serão pagos às custas da quota socialpertencente a este sócio. Ao estudar outro procedimento especial, qual seja, do inventário e da partilha, éfácil perceber que o companheiro supérstite tem também legitimidade para requerer oinventário, tal como ocorria e ocorre com o cônjuge sobrevivo. O professor e advogadoCassio Scarpinella Bueno (2017, p. 590), comentando sobre o dispositivo em apreço,afirma o seguinte:

64 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina O art. 616 aponta os demais legitimados para o inventário e partilha, sem trazer novidade substancial para o rol do art. 988 do CPC de 1973, a não ser pela (correta) indicação, ao lado do cônjuge, da legitimidade do companheiro (inciso I) e pela atualização do inciso VII do art. 988 do CPC de 1973 para os tempos da atual lei de fa- lências, Lei n. 11.101/2005, como se verifica do inciso IX do art. 616, que se refere, corretamente, ao “administrador judicial da falência”. A respeito de quem poderá ser nomeado inventariante, o Novo Código de ProcessoCivil, trouxe uma ordem preferencial, diferentemente do seu antecessor, dispondo, emprimeiro plano, que o juiz nomeará inventariante o cônjuge ou companheiro sobrevivente.Para tanto, aponta como requisito essencial, em seu art. 617, inciso I, que o companheirosupérstite estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste. Em regra, as incumbências do inventariante apenas recairão sobre o herdeiro quese achar na posse e na administração do espólio na hipótese de não existir cônjuge oucompanheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados (art. 617, inciso II, doNCPC). É o caso, por exemplo, do companheiro supérstite que se encontra bastante idosoe/ou enfermo e sem condições físicas para promover as diligências necessárias que aação de inventário requer. Neste ponto, é importante acentuar que o Código de Processo Civil de 1973 jádispunha nos incisos I e II do art. 990 redação idêntica ao seu sucessor, em virtude da Leinº 12.195/2010 que alterou aquele dispositivo, para assegurar ao companheiro sobrevi-vente o mesmo tratamento legal conferido ao cônjuge supérstite quanto à nomeação doinventariante. No inventário judicial, o companheiro sobrevivente terá seu nome, estado, idade,endereço eletrônico, residência e regime de bens da união estável incluídos nas primeirasdeclarações feitas pelo inventariante, que o fará no prazo de 20 (vinte) dias contados da dataem que prestou o compromisso, consoante preconiza o inciso II do art. 620 do CPC/2015. Em seguida, feitas as primeiras declarações, o companheiro será citado a mando dojuiz, para obter ciência dos termos do inventário e da partilha, sendo sua citação processadapelo correio, em conformidade com o disposto no art. 626, § 1º, da Lei Processual Civil. O Código de Processo Civil vigente engendrou um novo artigo - art. 648 -, dentremuitos outros, que não continha na normativa processual anterior, estabelecendo regrasa serem observadas na partilha. Uma delas é a máxima comodidade dos coerdeiros e docompanheiro. Tal regra tem por escopo propiciar aos legitimados o recebimento da he-rança a maior conveniência possível quando da partilha, de modo a atender os interessesexistentes entre eles. Caso os bens não possam ser partilhados de maneira cômoda entre o companheiroe os coerdeiros e, ainda, quando da divisão, não couberem na parte destinada ao compa-nheiro ou no quinhão de um único herdeiro, ordena o art. 649 do NCPC que se procedaà licitação dos bens entre os interessados ou à venda judicial. Após, partilhar-se-á o valorhavido, a não ser que haja acordo para a adjudicação em prol de todos.

O Companheiro E A União Estável 65 O CPC/2015 apenas aditou o companheiro supérstite no art. 653, inciso I, alíneaa (anterior art. 1.025, inciso I, alínea a, do CPC/1973) ao prever que seu nome sejamencionado no auto de orçamento que constará na partilha. Mais uma vez, observa-se arelevância da atualização normativa, a qual, embora seja sutil, iguala a união estável aomesmo nível do casamento. Um artigo novo que inexistia no Código Processual anterior é o art. 672, que prevêa possibilidade de cumulação de inventários. Uma das hipóteses para se proceder à par-tilha de heranças cumulativamente é no caso de heranças deixadas pelos dois cônjugesou companheiros. Ainda no que versa a Lei de Ritos no título dos procedimentos especiais, os em-bargos de terceiro também tiveram esse importante upgrade ao considerar como partelegítima para seu ajuizamento o companheiro, quando se estiver em defesa da posse debens próprios ou de sua meação. Dessa forma, quando o companheiro que não for parteno processo sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens exclusivamente seusou que recaia sobre sua meação, poderá se valer dos embargos de terceiro para requerero desfazimento ou a inibição da constrição, como prescreve o art. 674, § 2º, inciso I, doCPC hodierno. A única ressalva que obstaculiza o ajuizamento dos embargos de terceiro pelocompanheiro é a hipótese prevista no art. 843 do NCPC, quando a penhora recair sobrebem indivisível. Imagine-se o caso em que um casal possua dois imóveis adquiridos naconstância da união estável, de valores aproximados entre si, vindo um deles a ser penho-rado em uma ação originária de um débito de um dos companheiros. Nesse caso, o bemserá alienado e a meação do companheiro alheio à execução recairá sobre o resultadoda venda. Será assegurado, todavia, ao companheiro não executado, o direito de preferênciana arrematação do bem em igualdade de condições, como também não haverá a expro-priação do bem por preço inferior ao da avaliação caso não seja possível garantir a talcompanheiro o valor equivalente à sua quota-parte (art. 843, §§ 1º e 2º, NCPC). Adiante, no capítulo dos procedimentos de jurisdição voluntária, especialmente noque diz respeito à herança jacente, é previsto no Códex que “o juiz em cuja comarca tiverdomicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens” (art.738). Não obstante a isso, mais à frente, no § 6º do art. 740, constata-se, na hipótese deaparecer o companheiro reclamando os bens do de cujus, não será feita a arrecadação ou,se iniciada, será suspensa, desde que não haja oposição motivada por parte do curador,de qualquer interessado, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública. Se a arrecadação dos bens for finalizada e havendo prova da identidade do com-panheiro que se apresentar posteriormente, aquela será convertida em inventário, comodispõe o art. 741, § 3º, da Lei de Ritos. E, caso a herança seja declarada vacante por meiode sentença transitada em julgado, o companheiro somente poderá ir em busca do seudireito por meio de ação direta (art. 743, § 2º).

66 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Outro procedimento de jurisdição voluntária que teve essa significante atualizaçãofoi a interdição ao admitir o companheiro, tal como o cônjuge, como parte legítima parapromovê-la, consoante reza o art. 747, inciso I, do Diploma Processual. O parágrafo único do retrocitado artigo determina que “a legitimidade deverá sercomprovada por documentação que acompanhe a petição inicial”. No caso do companhei-ro, será preciso demonstrar a existência de união estável, utilizando-se como prova, porexemplo, o contrato particular assinado por ambos os conviventes ou a escritura públicalavrada em cartório. Vale destacar que a legitimidade do companheiro já era reconhecida por força do art.226, § 3º, da CF/88 e do art. 1.723 do CC/2002 (STRECK; NUNES; CUNHA, 2016, p. 987). De acordo com o art. 752 do Código de Processo Civil, após a realização daentrevista do interditando, terá ele o prazo de 15 (quinze) dias para impugnar o pedido,podendo constituir advogado para tanto e, caso não o faça, o seu companheiro poderáintervir no processo como assistente. Ao adentrar no Livro II (Do Processo de Execução), um dos principais pontos estu-dados diz respeito à responsabilidade patrimonial do devedor, recaindo sobre seus benspresentes e futuros o cumprimento de suas obrigações. Nesse passo, como prevê o art.790, inciso IV, do CPC/2015, os bens do companheiro também estão sujeitos à execução“nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida”. Observa--se, portanto, que a igualação do companheiro ao mesmo escalão jurídico do cônjuge nãoveio acompanhada tão somente de direitos, mas também de deveres. Uma das modalidades de expropriação de bens é a adjudicação. Conforme se inferedo art. 876 do NCPC, trata-se de uma forma do exequente adquirir os bens penhorados,desde que não ofereça preço não inferior ao da avaliação. Nos termos do § 5º do referidoartigo, tal direito também pode ser exercido pelo companheiro do executado. Assim, casoum companheiro possua interesse em adjudicar o bem do outro que está sofrendo a exe-cução, poderá fazê-lo, contanto que deposite o valor em consonância com a avaliaçãofeita no bem alvo da penhora. O § 6º do art. 876 menciona, ainda, que, na hipótese de seinteressar mais de um pretendente na adjudicação do bem, far-se-á a licitação entre eles,tendo o companheiro preferência em detrimento ao interessado, bem como em relaçãoao descendente ou ao ascendente. Na alienação - outra espécie de expropriação de bens -, havendo mais de uminteressado na arrematação do bem, far-se-á a licitação entre eles. Se a oferta for igual,“terá preferência o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do executado,nessa ordem”, por força do disposto no art. 892, § 2º, do Código de Processo Civil. O prazo para oposição dos embargos à execução é de 15 (quinze) dias. Contudo,o novel CPC conferiu aos companheiros uma “prerrogativa processual” outrora já conce-dida aos cônjuges. Quando existem dois ou mais executados, o prazo para oferecimentodos embargos para cada um é contado a partir da juntada aos autos do comprovante decitação respectivo, mas, no caso dos companheiros, somente será iniciado o transcurso

O Companheiro E A União Estável 67do prazo a partir da juntada do comprovante do último companheiro citado, ex vi do art.915, § 1º, do CPC/2015. Nas disposições finais e transitórias do NCPC, o art. 1.048 estatui a tramitaçãoprioritária nos procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoacom idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assimcomo aqueles regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança edo Adolescente), em quaisquer juízos ou tribunais. Conforme o § 3º do artigo susodito, umavez concedida a prioridade na tramitação do processo, não acontecerá a sua cessaçãocom o óbito do beneficiado, assegurando tal garantia em favor do cônjuge supérstite oudo companheiro em união estável. Ressalte-se, por fim, que o CPC/1973 possuía disposição análoga (art. 1.211-C)que assegurava, desde 2001, por conta da Lei nº 10.173, a extensão da prioridade natramitação em prol do companheiro ou companheira, com união estável, maior de sessentae cinco anos. Com a Lei nº 12.008/2009, houve uma alteração no artigo para suprimir areferência à idade do companheiro sobrevivo. Vejamos: Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, esta não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de sessenta e cinco anos. (Incluído pela Lei nº 10.173, de 2001). Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, em união estável. (Redação dada pela Lei nº 12.008, de 2009).2. O INSTITUTO JURÍDICO DA UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILDE 2015 Em referência à união estável, a Lei nº 13.105/2015 origina tal instituto jurídicoem seu conteúdo no art. 23, inciso III, que, sem possuir correspondência com o Códigode Processo Civil antecessor, passou a estabelecer que, em se tratando de divórcio, deseparação judicial ou dissolução de união estável, a autoridade judiciária brasileira écompetente para partilhar os bens que se encontram localizados no Brasil, excluindo-sequalquer outra autoridade, mesmo que o titular dos bens possua nacionalidade estrangeiraou seja domiciliado no exterior. Nas regras condizentes à competência interna para o processamento das causas,quando a ação versar sobre reconhecimento ou dissolução de união estável, imperioso éobservar o que dispõem as alíneas do inciso I do art. 53 do CPC/2015: a) primeiramente,será competente o foro de domicílio do companheiro guardião de filho incapaz; b) em

68 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinanão havendo filho incapaz, então o foro competente é o do último domicílio do casal; e,c) na hipótese de nenhum dos companheiros residir no antigo domicílio do casal, então ocompanheiro que promover a ação deverá ajuizá-la no foro de domicílio do réu. Na visão de Neves (2016, p. 67), diante da inexistência de filho incapaz, o legisladoroptou por não mais favorecer - ao menos em regra - o foro da residência da mulher paraações desta natureza, diferentemente do que previa o art. 100, inciso I, do CPC/1973, oqual dispensava maior proteção à mulher. O § 3º do art. 73 estipula que “aplica-se o disposto neste artigo à união estávelcomprovada nos autos”. Considerando-se que tal norma prescreve a respeito da capacidadeprocessual do cônjuge em ações que tratam sobre direito real imobiliário, far-se-á, adiante,a citação do artigo com a devida releitura em prol do companheiro. Veja-se: Art. 73. O companheiro necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando conviventes em união estável sob o regime de separação absoluta de bens. § 1º Ambos os companheiros serão necessariamente citados para a ação: I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando conviventes em união estável sob o regime de separação absoluta de bens; II - resultante de fato que diga respeito a ambos os companheiros ou de ato praticado por eles; III - fundada em dívida contraída por um dos companheiros a bem da família; IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os companheiros. § 2º Nas ações possessórias, a participação do companheiro do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado. O Livro IV da Parte Geral se refere aos atos processuais. Sobre sua forma, estes,em regra, são públicos. No entanto, uma das exceções que ressalva a publicidade dosatos processuais fazendo com que o processo tramite em segredo de justiça é quandoaborda justamente a união estável, como prevê o art. 189, inciso II, do NCPC. Atualmente, também se tornou requisito da petição inicial indicar expressamente aexistência de união estável no momento de qualificar o autor e o réu, como se abstrai doart. 319, inciso II, do Diploma Processual em estudo. Dentro do título dos procedimentos especiais, o novíssimo CPC trouxe uma grandenovidade ao disciplinar, nos arts. 693 a 699, um capítulo destinado exclusivamente às açõesenvolvendo o Direito de Família. Diante da matéria, as normas previstas em tal capítulosão aplicáveis aos processos contenciosos de reconhecimento e extinção de união estável. Quando a extinção da união estável for consensual, será regulada pelos arts. 731a 733 da mesma Lei, homologando-a por meio do procedimento de jurisdição voluntária.

O Companheiro E A União Estável 69CONCLUSÃO Ante o exposto, conclui-se que, embora a união estável já estivesse reconhecidacomo entidade familiar no plano constitucional (art. 226, § 3º, da CF/88), como tambémapropriadamente prevista no direito material (art. 1.723 e seguintes do CC/02), faltava talincremento no Direito Processual Civil, visto que os notáveis avanços no Direito de Famíliasão bem posteriores ao Código de Processo Civil de 1973. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 no ordenamento jurídico pátrio,aproveitou-se o ensejo para realizar a devida atualização normativa naquele Códex que ébase processual precípua no Brasil, colocando a figura do companheiro no mesmo níveljurídico em relação ao cônjuge, assim como igualando a união estável ao casamento. Verificou-se, ainda, que, com a moderna consideração igualitária entre cônjuges ecompanheiros na nova ritualística processual, passa-se a atribuir a estes os mesmos ônuse bônus processuais que anteriormente apenas pertenciam àqueles.REFERÊNCIASBRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em:12 fev. 2018.______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 14 fev. 2018.______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm#art189>. Acesso em: 15 fev.2018.______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:10 fev. 2018.______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 14 fev. 2018.______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 14 fev. 2018.______. Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Manda observar aConstituição Politica do Imperio, offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 12 fev. 2018.______. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Edita o novo texto da ConstituiçãoFederal de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 15 fev. 2018.______. Lei nº 10.173, de 9 de janeiro de 2001. Altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -Código de Processo Civil, para dar prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em que

70 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinafigure como parte pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10173.htm>. Acesso em: 28 maio 2018.BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 fev. 2018.______. Lei nº 12.008, de 29 de julho de 2009. Altera os arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C da Lei nº5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, e acrescenta o art. 69-A à Lei nº 9.784,de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração públicafederal, a fim de estender a prioridade na tramitação de procedimentos judiciais e administrativos àspessoas que especifica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12008.htm>. Acesso em: 28 maio 2018.______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 07 mar. 2018.______. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 22 mar. 2018.BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva,2017.CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de ProcessoCivil. 2. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016.DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm,2017.______. Novo Código de Processo Civil: Leis 13.105/2015 e 13.256/2016. 3. ed. rev., ampl. e atual.Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.SALOMÃO, Luís Felipe. Direito privado: teoria e prática. 2. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:Forense, 2014.STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.). Comentários ao Códigode Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cogniçãojurisdicional. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2016.

FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E A MENOR ONEROSIDADE AO EXECUTADO: UMA ANÁLISE DOS DEVERES, SANÇÕES E COERÇÕES CABÍVEIS AO EXECUTADO, E OS PERIGOS DA MÁ APLICAÇÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS DO ARTIGO 139, INCISO IV, DO CPC/2015* THE FUNDAMENTAL JUDICIAL DECISIONS AND THE FEWER EXCISES TO THE EXECUTED: AN ANALYSIS OF DUTIES, PENALTIES AND COHERENCE COVERED BY THEEXECUTED, AND THE DANGERS OF THE MISCELLANEOUS APPLICATION OF THE ATYPICAL MEASURES OF ARTICLE 139, SUBSECTION IV, OF CPC/2015 DANIEL MARQUES DE CAMARGO Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Advogado. E-mail: [email protected]. JOÃO VICTOR NARDO ANDREASSA Graduando em Direito pelas Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. Deveres do executado e as medidas cabíveis quando age de forma a retardar o processo - 2. O poder-dever do juiz e as determinações possíveis para assegurar o cumprimento de ordem judicial - 3. O Agravo de Instrumento nº 0710588- 63.2017.8.07.0000 e a natureza coercitiva, e não punitiva, das medidas atípicas do inciso IV do artigo 139 - 4. A decisão interlocutória proferida na 2ª Vara Civil da Comarca de São Paulo, Foro Regional XI - Pinheiros - 5. A decisão interlocutória proferida na Vara Única do Foro de Ibaté, Comarca de São Carlos/SP - 6. Motivação das decisões judiciais e devido processo legal - Considerações finais - Referências.* Data de recebimento do artigo: 01.08.2018. Datas de pareceres de aprovação: 30.08.2018 e 17.09.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 26.09.2018.

72 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina RESUMO: Há uma série de deveres processuais inerentes ao executado, que quan-do desrespeitados, pode o Estado-juiz aplicar a sanção ou a coerção adequada. O incisoIV do artigo 139 do CPC/2015 disciplina a possibilidade de o juiz adotar medidas atípicaspara o cumprimento da ordem judicial. O presente artigo tem como finalidade analisar deforma crítica os deveres, sanções e coerções impostos ao executado, bem como as medi-das atípicas aludidas, de forma a se atentar a alguns questionamentos, como a potencialdiscricionariedade exacerbada, possíveis coações ou sanções abusivas e desarrazoadas,bem como, qual seria o limite para essas medidas. Utilizou-se como forma de metodologiapesquisas bibliográficas e documentais, com enfoque em três decisões judiciais. Conclui-seque estas medidas atípicas são de cunho coercitivo, revelando concretude ao princípio davontade, mostrando-se importantes instrumentos processuais, contudo, não podem serdeterminadas de forma indiscriminada, e devem atentar à fundamentação das decisõesjudiciais, ao devido processo legal, ao princípio da menor onerosidade ao devedor e aosdireitos fundamentais basilares de um Estado Democrático de Direito. PALAVRAS-CHAVE: cumprimento da ordem judicial; medidas atípicas; motivaçãodas decisões judiciais. ABSTRACT: There are a number of procedural duties inherent to the executed,which when disrespected, can the State-judge apply the appropriate sanction or coercion.Paragraph IV of Article 139 of the CPC / 2015 regulates the possibility of the judge adoptingatypical measures for the fulfillment of the judicial order. The purpose of this article is toanalyze critically the duties and sanctions related to the executed, as well as the atypicalmeasures mentioned, in order to address some questions, such as potential discretionexacerbated, possible abusive and unreasonable coercion or sanctions, and, what wouldbe the limit for these measures. Bibliographical and documentary research was used as aform of methodology, focusing on three judicial decisions. It is concluded that these atypicalmeasures are coercive, revealing the principle of the will, showing important proceduralinstruments, however, can not be determined indiscriminately, and must pay attention tothe basis of judicial decisions, due process of law, to the principle of lesser burden on thedebtor and the basic fundamental rights of a Democratic State of Law. KEYWORDS: compliance with the judicial order; atypical measures; motivation ofjudicial decisions.INTRODUÇÃO Para além dos deveres inerentes às partes, no que concerne ao comportamentoprocessual, exige-se que se portem de acordo com a boa-fé objetiva, com posturas pau-tadas pela eticidade, dotadas de probidade, lealdade e fair play processual. Quando o sujeito processual age de forma ardilosa, retardando o processo e obstan-do a efetivação do direito, o CPC/2015 estabelece uma série de dispositivos coercitivos esancionatórios, devendo ser aplicados pelo magistrado, uma vez que não se compactuam

Fundamentação Das Decisões Judiciais 73com a sistemática processual brasileira posturas atentatórias à dignidade da justiça, nema litigância de má-fé. Ao se tratar da impossibilidade de realização do bem da vida pelas vias ordinárias,não havendo conduta incorreta pelo executado, este não deve sofrer sanções. Contudo, nãopode o Estado-Juiz ficar inerte diante do iminente insucesso da finalidade processual. Detal modo, estabelece o CPC/2015 medidas atípicas como instrumentos úteis à realizaçãodo direito material pleiteado. Estas medidas estão dispostas no inciso IV do artigo 139 do CPC/2015. Trata-sede um dispositivo criado para dar ao magistrado ferramentas, além daquelas descritasem rol exemplificativo, para que possa ensejar efetividade ao cumprimento de decisõesjudiciais, bem assim concretizar o bem da vida em jogo nas mais diversas relações jurí-dicas e processuais. Tal dispositivo não faz ressalvas, o que pode eventualmente gerar abusos, atitudessolipsistas e engendrar questionamentos. Exemplificativamente, se tal dispositivo estabele-ce poderes demais aos juízes, se qualquer medida seria possível como forma de coerção,e ainda qual o limite para essas medidas impostas pelos magistrados. O presente trabalho tem como hipótese de pesquisa analisar criticamente os deveresdo executado, as coerções e sanções cabíveis quando age de forma a retardar o processo,bem como a reflexão acerca das medidas atípicas do artigo 139, inciso IV, do CPC/2015,expondo preceitos fundamentais inerentes a um processo de matriz constitucional. Por início, expõem-se deveres do executado e as medidas cabíveis quando age deforma a obstaculizar os fins da tutela executiva. Após, passa-se a analisar o poder-deverdo juiz e as medidas cabíveis para assegurar o cumprimento de ordem judicial, revelandoo Agravo de Instrumento nº 0710588-63.2017.8.07.0000 e a natureza coercitiva, e nãopunitiva, das medidas atípicas do inciso IV do artigo 139. Ademais, utiliza-se para elucidação do pensamento crítico exposto neste artigo umadecisão polêmica proferida na 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, no Foro RegionalXI de Pinheiros, nos autos do Processo nº 4001386-13.2013.8.26.0011, em uma execuçãode título executivo extrajudicial, processo no qual o texto de lei citado foi utilizado comoembasamento para adoção de medidas coercitivas pouco usuais, como a suspensão daCNH, assim também de utilização de cartões de crédito, além de apreensão do passaportedo devedor. Também se analisa a decisão interlocutória proferida pela Vara Única do ForoDistrital de Ibaté, na Comarca de São Carlos/SP, nos autos do Processo nº 0000284-57.2001.8.26.0233, o qual versa também sobre execução de título executivo extrajudicial. Com base nessas decisões, busca-se elucidar as questões apresentadas, empre-gando como forma de metodologia pesquisas bibliográficas e documentais, utilizando-sede obras de autores como Cassio Scarpinella Bueno, Marcus Vinícius Rios Gonçalves,Alexandre Freitas Câmara, Humberto Theodoro Júnior, Daniel Amorim Assumpção Nevese Maria Lucia Lins Conceição.

74 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Por fim, o trabalho perpassa pelos necessários delineamentos da imprescindibili-dade de respeito ao princípio (ou regra?) da motivação das decisões judiciais, do devidoprocesso legal, da menor gravosidade ao executado, e pelas demais premissas inerentesao Estado de Direito.1. DEVERES DO EXECUTADO E AS MEDIDAS CABÍVEIS QUANDO AGE DE FORMAA RETARDAR O PROCESSO Ao executado, sendo parte no processo, cumpre a obrigação de agir de acordo comos deveres inerentes aos sujeitos processuais, como os descritos nos incisos do artigo 77do CPC/2015, a estabelecer que: Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modifi- cação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. Como bem delineado pelo caput do texto legal, este rol de deveres não é taxativo,pois também é dever das partes agir de acordo com a boa-fé objetiva e em sintonia como princípio da cooperação ou colaboração processual, a teor do artigo 6º do CPC/2015.Acerca da cooperação, são pertinentes as palavras de Cassio Scarpinella Bueno (2017),haja vista que o processo cooperativo ou coparticipativo, um dos escopos principais danova sistemática processual, é de suma importância no que se relaciona ao comportamentodo executado. O modelo de processo estabelecido pelo CPC de 2015, bem com- preendido e em plena harmonia com o “modelo constitucional” é inequivocamente de um “processo cooperativo” em que todos os sujeitos processuais (as partes, eventuais terceiros intervenientes, os auxiliares da justiça e o próprio magistrado) cooperem ou cola- borem entre si com vistas a uma finalidade comum: a prestação da tutela jurisdicional (BUENO, 2017, p. 51).

Fundamentação Das Decisões Judiciais 75 Exigem-se das partes, além dos comportamentos processuais adequados, pos-turas éticas, dotadas de probidade e lealdade, de acordo com os costumes inerentes aoconvívio no meio social. Este posicionamento se esclarece pelo comentário de HumbertoTheodoro Júnior (2016): É importante ressaltar que a exigência de um comportamento em juízo segundo a boa-fé, atualmente, não cuida apenas da repres- são à conduta maliciosa ou dolosa da parte. O novo Código de Processo Civil, na preocupação em instituir o processo justo nos moldes preconizados pela Constituição, inclui entre as normas fundamentais o princípio da boa-fé objetiva (art. 5º), que valoriza o comportamento ético de todos os sujeitos da relação processual. Exige-se, portanto, que as atitudes tomadas ao longo do processo sejam sempre conformes aos padrões dos costumes prevalentes no meio social, determinados pela probidade e lealdade. Não importa o juízo íntimo e a intenção de quem pratica o ato processual. Não é só a má-fé (intenção de prejudicar o adversário ou a apuração da verdade) que interessa ao processo justo, é também a avaliação objetiva do comportamento que se terá de fazer para mantê-lo nos limites admitidos moralmente, ainda quando o agente não tenha tido a consciência e a vontade de infringi-los (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 77). Portanto, ao executado cabe se portar de forma a não praticar atos com a finalidadede retardar o adimplemento da obrigação consubstanciada no título. Desta maneira, deveráagir de modo cooperativo, e pautado pela boa-fé objetiva, e caso ocorram atos temeráriose atentatórios à dignidade da justiça, poderão lhe ser impostas medidas sancionatóriase coercitivas. Prevê o § 2º do artigo 77 do CPC/2015: A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. Esta é a primeira possibilidade de punição aplicável. Genérica a todos os procedi-mentos, estabelece que a parte, ao não cumprir com as decisões judiciais, criar embaraços àsua efetivação, ou inovar ilegalmente no estado de bem ou direito jurídico, estará atentandocontra a dignidade da justiça, sendo cabível a aplicação de multa no montante de até vintepor cento do valor da causa, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. No que tange especificadamente ao cumprimento de sentença, e ao processoexecutivo, a legislação processual civil pátria prevê uma série de penalidades a quematenta contra a efetivação da satisfação do direito inadimplido.

76 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Quando se trata do cumprimento de sentença, estabelece o § 3º do artigo 536 doCPC/2015: “O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificada-mente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime dedesobediência”. Litigando de má-fé, aplicar-se-á, pelo magistrado, de ofício ou a requerimento, penade multa, indenizando o exequente pelos prejuízos sofridos, arcando com os honoráriosadvocatícios e demais despesas que possa ter efetuado (artigo 81 do CPC/2015). Já no que se reporta especificamente à execução, o artigo 774 expressa em seusincisos que determinadas atitudes do executado deverão ser consideradas atentatóriasà dignidade da justiça, quais sejam: I - fraudar a execução; II - se opor maliciosamente àexecução, empregando ardis e meios artificiosos; III - dificultar ou embaraçar a realizaçãoda penhora; IV - resistir injustificadamente às ordens judiciais; V - intimado, não indicarao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nemexibir prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus. Nestes casos, o juiz fixará multa, que será revertida em favor do exequente, sen-do exigível nos próprios autos, sem prejuízo às demais sanções penais ou processuais(parágrafo único do artigo 774). É forçoso concluir que o CPC/2015 não é omisso no que tange a coibir condutasmaliciosas. Abarca o CPC/2015 uma série de exemplos destas atitudes, abrindo, também,espaço para a punição de qualquer outra que seja considerada prejudicial à demandaexecutiva e aos seus escopos. Essas penalidades se mostram de suma importância, uma vez que o bem da vidapleiteado deve ser satisfeito. Este é o objetivo máximo do processo, ser o meio pelo qualse possa realizar, dar satisfatividade às pretensões surgidas em sociedade, não cabendoque se tolere o famigerado jargão “ganhou, mas não levou”. Contudo, é de igual estima frisar que o executado, por força dos percalços inerentesà vida em sociedade, pode se ver impossibilitado de adimplir a obrigação, não por má--fé, mas por insuficiência de recursos naquele momento, além de tantos outros motivospossíveis. Nesta hipótese, não é cabível qualquer punição ao executado. Não obstanteesta situação, o Estado-Juiz não pode acomodar-se e assistir ao fracasso na consecuçãodo fim processual. O CPC/2015 prevê ferramentas inovadoras a serviço do magistrado,a fim de que seja possível a realização do bem material pretendido, sendo uma destasferramentas as medidas atípicas do inciso IV do CPC/2015.2. O PODER-DEVER DO JUIZ E AS DETERMINAÇÕES POSSÍVEIS PARAASSEGURAR O CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL De início, cabe esclarecer que a expressão “dirigir” o processo se mostra ultrapas-sada. O juiz é responsável por estabelecer as diretrizes para o andamento do processo,tendo a mesma importância das partes, não mais figurando como o único protagonistada relação processual. Alexandre Freitas Câmara (2016) se posiciona acerca do assunto:

Fundamentação Das Decisões Judiciais 77 Estabelece o art. 139 que ao juiz cabe “dirigir” o processo. O verbo aí empregado certamente é um resquício da ideologia do protago- nismo judicial, consagrada na (aqui repudiada) teoria da relação processual. Na verdade, ao juiz não cabe dirigir o processo, como se fosse um timoneiro. O juiz não é - como vem sendo dito insis- tentemente neste trabalho - o polo central do processo, em torno do qual orbitam os demais sujeitos. Na verdade, deve-se ver o processo como um fenômeno policêntrico, em que juiz e parte têm a mesma relevância e juntos constroem, com a necessária observância do princípio constitucional do contraditório, seu resultado (CÂMARA, 2016, p. 108). O artigo 139 do CPC/2015 expressa poderes e deveres inerentes ao magistrado.Constitui ferramentas úteis ao magistrado, para que se estabeleçam as diretrizes neces-sárias ao andamento processual de forma célere, dando tratamento igualitário às partesnessa condução da marcha gradual adiante do processo. Acerca do escopo do artigo 139,Humberto Theodoro Júnior (2016) tece o breve comentário: A um só tempo, o legislador processual põe nas mãos do juiz poderes para bem dirigir o processo e deveres de observar o conteúdo das normas respectivas. Assim, o juiz tem poderes para assegurar tratamento igualitário das partes, para dar andamento célere ao processo e para reprimir os atos contrários à dignidade da Justiça, mas às partes assiste, também, o direito de exigir que o magistrado use desses mesmos poderes sempre que a causa tomar rumo contrário aos desígnios do direito processual (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 139). As medidas atípicas descritas no artigo 139, inciso IV, do CPC/2015 têm comofinalidade operacionalizar e amplificar as possibilidades do juiz de fazer cumprir decisõesjudiciais, ampliando suas ferramentas para além daquelas medidas ordinárias prescritasno Código. Preconiza o texto do referido dispositivo legal que: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamen- tais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O instituto pode ser utilizado em qualquer decisão judicial, mas se mostra maisnecessário e pertinente às pretensões executórias, como é exposto nos ensinamentos deMarcos Vinicius Rios Gonçalves (2017):

78 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Trata-se de poder atribuído ao juiz, destinado a que ele torne efetivo o cumprimento de suas decisões. A lei mune o juiz de poderes para impor a realização dos atos por ele determinados e das ordens por ele emanadas. Embora o juiz possa se valer desse dispositivo em qualquer tipo de processo, já que em todos eles podem ser emitidas ordens ou determinações para cumprimento das partes, o dispositivo é de fundamental relevância nos processos de pretensão condenatória, seja na fase cognitiva, seja na fase de cumprimento de sentença e nas execuções (GONÇALVES, 2017, p. 244). É uma flexibilização dos instrumentos executivos, dando ao magistrado a possi-bilidade de utilizar de meios atípicos para fazer cumprir cada decisão no caso concreto.Merecem transcrição as palavras de Cassio Scarpinella Bueno (2017): Trata-se de regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiaridades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo Código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiaridades de cada caso concreto. Um verdadeiro “dever-poder geral executivo” ou de efetivação, portanto (BUENO, 2017, p. 192). Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) explicita que este artigo não é umainovação, pois “no inciso IV não há propriamente uma novidade, mas a previsão podegerar mudanças substanciais no plano da efetivação das decisões judiciais” (NEVES,2016, p. 207). Assinala ainda o indigitado autor que esse inciso vem consagrar o “princípio daatipicidade das formas executivas, de forma que o juiz poderá aplicar qualquer medidaexecutiva, mesmo que não expressamente consagrada em lei, para efetivar suas decisões”(NEVES, 2016, p. 208). Em relação ao Código anterior, de 1973, não era permitida explicitamente a im-plementação das astreintes no que concerne às execuções por quantia certa, já no atualCPC/2015 a lei não faz nenhuma ressalva, o que encaminha à interpretação de que essasmedidas do inciso IV do artigo 139 se apliquem a qualquer obrigação de pagamento dequantia. É o que se evidencia nas palavras de Marcos Vinicius Rios Gonçalves (2017): O art. 139, IV, determina que as medidas estabelecidas para a efetivação das ordens judiciais aplicam-se também às obrigações que tenham por objeto prestação pecuniária, isto é, as obrigações por quantia como a lei não faz nenhuma ressalva, parece-nos que todas as medidas coercitivas ou sub-rogatórias previstas para as obrigações de fazer ou não fazer estendem-se às obrigações por quantia, inclusive a relativa ao pagamento de multas diárias

Fundamentação Das Decisões Judiciais 79 (“astreintes”), o que, de maneira geral, não era admitido na legislação anterior (GONÇALVES, 2017, p. 244). Esse entendimento é o mesmo partilhado por Daniel Amorim Assumpção Neves(2016): A consagração legal do princípio da atipicidade dos meios executivos não é novidade no sistema, já que no CPC/1973 no art. 461, § 5º, an- tes de iniciar a enumeração de diferentes meios de execução - tanto de execução indireta como de sub-rogação -, se valia da expressão “tais como”, em nítida demonstração do caráter exemplificativo do rol legal. O problema é que o dispositivo que consagrava a atipicidade das formas executivas no CPC/1973 disciplinava a execução das obrigações de fazer e não fazer, aplicável à execução das obrigações de entregar coisa por força do art. 461-A, § 3º, do CPC/1973. A consequência mais relevante dessa circunstância era a resistência do Superior Tribunal de Justiça em aceitar a aplicação de astreintes na execução da obrigação de pagar quantia certa, ainda que o entendimento fosse criticado por parcela da doutrina. Como o art. 139, IV, do Novo CPC faz expressa menção a ações que tenham por objeto prestação pecuniária, é possível concluir que a resistência à aplicação das astreintes nas execuções de pagar quantia certa perdeu sua fundamentação legal, afastando-se assim o principal entrave para a aplicação dessa espécie de execução indireta em execuções dessa espécie de obrigação (NEVES, 2016, p. 208).E também no Enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contu- do, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 499, § 1º, I e II (486 [atual art. 489]) (apud NEVES, 2016, p. 208). Trata-se, então, de uma inovação por parte do Código atual, no que concerne àpermissão da aplicação deste dispositivo, no que respeita às astreintes. Fica claro, também,o caráter subsidiário das medidas do inciso IV do artigo 139, que devem ser utilizadasapenas se e quando forem infrutíferas as medidas comuns.3. O AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0710588-63.2017.8.07.0000 E A NATUREZACOERCITIVA, E NÃO PUNITIVA, DAS MEDIDAS ATÍPICAS DO INCISO IV DOARTIGO 139 A atividade executiva aperfeiçoa-se por intermédio de dois mecanismos, a sub--rogação e a coerção. Os meios de sub-rogação são aqueles em que o Estado-juiz se

80 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinasubstitui nas atividades do executado, realizando o direito material como se o executadofosse. Já os meios de coação (vinculados ao princípio da vontade) têm o condão deinfluir no empenho do executado, constrangendo-o a praticar os atos necessários para arealização da obrigação descumprida. Nesta categoria são encontrados mecanismos comoa multa periódica pelo atraso no cumprimento da obrigação (astreintes), a prisão civil dodevedor inescusável de alimentos e o protesto de título executivo ou a inclusão do nomedo devedor no cadastro de maus pagadores (CÂMARA, 2016, p. 320). De suma importância esclarecer a possível relativização do princípio da vontade.Os meios de coerção não são absolutos, assim como não há direitos absolutos. Havendosituações em que dois direitos se contrapõem, é necessária a ponderação por meio doprincípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentidoestrito), verificando-se no caso concreto qual pretensão deve prevalecer. A título de eluci-dação, não é razoável restringir o direito de ir e vir em detrimento de um direito patrimonial. Como explicitado no tópico acima, as medidas atípicas do artigo 139, inciso IV, doCPC/2015, são tão somente de natureza coercitiva, a fim de influir na vontade do executado. Contudo, há interpretações deturbadas do tipo legal. É costumeiro verificar tesesjurídicas embasadas pelo artigo 139, IV, requerendo pedidos desproporcionais e claramentepunitivos, como suspensão da CNH, apreensão de passaporte e cartões de crédito. O Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios,no Processo nº 0710588-63.2017.8.07.0000, relativo a um agravo de instrumento, ilustraperfeitamente o tema. O réu interpôs o recurso de Agravo de Instrumento contra decisão proferida pela 2ªVara Cível de Brasília, a qual indeferiu pedido do exequente, que pleiteava a suspensãoda Carteira Nacional de Habilitação e apreensão dos passaportes dos executados, até opagamento do débito. Em seu voto, o relator, Desembargador Gilberto Pereira de Oliveira, discorre: Ao compulsar os autos e ponderar a matéria ora posta, tenho que a medida concernente na suspensão do Passaporte e da CNH dos agravados não se mostra suficiente e eficaz para os fins de coagir os executados ao pagamento da obrigação vindicada na execução, tal como propõe o artigo 139, IV, do CPC. Neste trecho, o relator expressa o entendimento de que este tipo de restrição im-posta ao executado em nada contribui para satisfação do crédito, sendo incapaz de influirna vontade do executado. Complementa em seu voto: Para mim, a medida perseguida detém caráter muito mais punitivo do que coercitivo, considerando, sobretudo, que a suspensão do direito de dirigir e de viajar para outro país deve guardar uma mí- nima pertinência temática com os fins processuais que se está a empregar, como bem ressaltado na decisão hostilizada. Em outros

Fundamentação Das Decisões Judiciais 81 termos, considerada a natureza punitiva (e não simplesmente restritiva de direitos) da suspensão e apreensão de Passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação, o que requer a aplicação do devido processo legal (aqui e na seara administrativa - se fosse o caso), e, considerando, ainda, que, para o caso de execução, não revelar efetividade com o fito de coagir o devedor a saldar obrigação contida na execução, a manutenção da decisão que indeferiu a citada providência é medida que se impõe. Pertinente, ao que parece, a definição dada pelo relator à pretensão do exequente.Notório o caráter punitivo da postulação do exequente. Evidente que não se compactuacom o sistema processual civil a não satisfação do direito, bem como a conduta maliciosado executado, todavia, há vastos meios adequados à coerção e à punição do sujeitoprocessual. No caso utilizado como parâmetro crítico, as medidas solicitadas em nadapoderiam contribuir para realização do bem material, desta forma, precisa a decisão doDesembargador relator ao negar provimento ao indigitado agravo de instrumento. As decisões a seguir mostram dois exemplos acerca da aplicação das medidasatípicas do inciso IV do artigo 139 do CPC/2015. Uma retrata mau uso do dispositivo, e aoutra mostra como essa ferramenta pode ser de suma importância para o magistrado, afim de que conduza o processo até o seu fim desejado.4. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NA 2ª VARA CIVIL DA COMARCADE SÃO PAULO, FORO REGIONAL XI - PINHEIROS Em 25 de agosto de 2016, foi proferida uma decisão interlocutória na 2ª VaraCivil da Comarca de São Paulo, Foro Regional XI - Pinheiros, nos autos do Processo nº4001386-13.2013.8.26.0011, que versa sobre a execução de um título extrajudicial, e queapresenta argumentos e conclusões interessantes e inusitadas. A decisão é fundamentada no artigo 139, inciso IV, e traz em sua redação a atipi-cidade que foi tratada nesse trabalho. Diz o texto da decisão: “Dessa forma, a nova lei processual civil adotou o padrão da atipicidade das medidasexecutivas também para as obrigações de pagar, ampliando as possibilidades ao juiz queconduz o processo, para alcançar o resultado objetivado na ação executiva”. A seguir, a decisão elenca que essas medidas atípicas devem ser tomadas quandoas medidas tradicionais foram observadas, no entanto não surtiram efeito. Assim, as medidas excepcionais terão lugar desde que tenha havi- do o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, havendo indícios que o devedor usa a blindagem patrimonial para negar o direito de crédito ao exequente. Ora, não se pode admitir que um devedor contumaz, sujeito passivo de diversas execuções, utilize de subterfúgios tecnológicos e ilícitos para esconder seu patrimônio e frustrar os seus credores.

82 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - DoutrinaPara enquadrar o processo ao artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, vem o fundamento adelinear que: O caso tratado nos autos se insere dentre as hipóteses em que é cabível a aplicação do art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil. Isso porque o processo tramita desde 2013 sem que qualquer valor tenha sido pago ao exequente. Todas as medidas executivas cabíveis foram tomadas, sendo que o executado não paga a dívida, não indica bens à penhora, não faz proposta de acordo e sequer cumpre de forma adequada as ordens judiciais, frustrando a execução. Os parágrafos a seguir contêm as polêmicas e contradições da decisão, nas quaisse funda toda a problemática deste trabalho científico. Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não tem recursos para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito. Se, porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva. Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente execução, defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional de Habilitação do executado Milton Antônio Salerno, determinando, ainda, a apreensão de seu passaporte, até o pagamento da presente dívida. A determinação, salvo melhor juízo, mostra-se contraditória até em relação aos pró-prios argumentos da decisão, a exemplo daquilo que esposado nos parágrafos seguintes: Tais medidas, todavia, não poderão ser aplicadas indiscriminada- mente. Entendo necessário que a situação se enquadre dentro de alguns critérios de excepcionalidade, para que não haja abusos, em prejuízo aos direitos de personalidade do executado. [...] A medida escolhida, todavia, deverá ser proporcional, devendo ser observada a regra da menor onerosidade ao devedor (art. 805 do Código de Processo Civil). Por fim, necessário observar que a medida eleita não poderá ofender os direitos e garantias assegurados na Constituição Federal. Por exemplo, inadmissível será a prisão civil por dívida. É uma contradição em relação à determinação contida na decisão, isto porque sedeve haver proporcionalidade, menor onerosidade ao devedor, não ofensa a garantiasasseguradas pela Constituição Federal, e não se perpetuar abusos ou ofensas ao direitode personalidade do executado, as restrições aos cartões de crédito, CNH e passaporteparecem exatamente mostrar o contrário. Em análise sistêmica, essas medidas tomadasem nada são proporcionais e razoáveis.

Fundamentação Das Decisões Judiciais 83 O texto do artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, tem a finalidade de fazer obterno mundo dos fatos o direito material pleiteado, por intermédio de medidas coercitivas,indutivas ou sub-rogatórias, e não tem o condão de punir eventual prática de má-fé porparte do executado. Sem prejuízo das previsões esculpidas nos artigos 77 a 80 do CPC/2015, disciplinao § 3º do artigo 536 que “o executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quandoinjustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilizaçãopor crime de desobediência”. Estes dispositivos se aplicam aos casos em que a parte se comporta de formatemerária, com a finalidade de atravancar ou protelar o resultado almejado no e peloprocesso, e assim, devem ser penalizados. Com base na argumentação da decisão exposta, é possível concluir que o exe-cutado se comportou de forma a retardar a execução, cabendo as hipóteses dos artigos142 e 536, § 3º, do CPC/2015. Utilizar as medidas do artigo 139, inciso IV, como um modode sanção processual se mostra equivocado e desvirtua a finalidade do dispositivo. Nãoé lógico conceber que a restrição a CNH, cartões de crédito e passaporte irá coagir oexecutado a quitar a dívida. A restrição a CNH e passaporte configura, salvo melhor entendimento, violação aodireito constitucional de ir e vir, o qual vem disciplinado pelo artigo 5º, inciso XV, da Cons-tituição Federal, que tem a seguinte redação: “é livre a locomoção no território nacionalem tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecerou dele sair com seus bens”. O executado, em razão dessas violações a direitos fundamentais que sofreu,impetrou habeas corpus, e a referida decisão interlocutória foi anulada. Salientou o desembargador Relator Marcos Ramos, da 30ª Câmara de DireitoPrivado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP, em sua decisão, que: “Emque pese a nova sistemática trazida pelo artigo 139, IV, do CPC/2015, deve-se considerarque a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que em seu art.5º, XV, consagra o direito de ir e vir”. Explicita também que: O art. 8º do CPC/2015 também preceitua que ao aplicar ordenamento jurídico, o juiz não atentará apenas para a eficiência do processo, mas também aos fins sociais e às exigências do bem comum, deven- do, ainda, resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade. Sendo assim, sem prejuízo de que certamente a intenção do julgador de primeiropiso foi de efetividade do, no e pelo processo, e também que por certo estava o douto Juízoimbuído de boa-fé, mostra-se a decisão interlocutória proferida em primeira instância, na2ª Vara Cível de Pinheiros, como um exemplo temerário e injustificado de aplicação doartigo 139, inciso IV, do CPC/2015.

84 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina5. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NA VARA ÚNICA DO FORO DEIBATÉ, COMARCA DE SÃO CARLOS/SP Trata-se também de uma decisão interlocutória que versa sobre a execução de umtítulo executivo extrajudicial, neste caso, um cheque. Foi proferida em 01 de setembro de2016, pela Vara Única de Ibaté, nos autos do Processo nº 0000284-57.2001.8.26.0233.Constitui seu conteúdo um interessante exemplo de aplicação adequada do artigo 139,inciso IV, do CPC/2015. Nessa decisão, o juiz Eduardo Cebrian Araújo Reis expõe que não foram encon-trados bens à penhora, e que não há razão para repetir as diligências já realizadas. Comfulcro no artigo 921, inciso III, do CPC/2015, determina a suspensão do processo peloprazo de 1 (um) ano, durante o qual também se suspende a prescrição.Faz-se necessário, agora, citar os seguintes fragmentos da decisão: No curso desse prazo, deverá o exequente providenciar a realização de outras pesquisas visando a localização de bens em nome do(s) executado(s). Para que a parte credora possa persistir realizando buscas de patrimônio (que venham a viabilizar a penhora e excus- são), concedo alvará judicial, servindo a presente decisão, assinada digitalmente, cumprindo à parte interessada a sua impressão e apresentação aos destinatários. Em tal hipótese, o magistrado, com a expedição do alvará, dá poderes para queo credor/exequente possa realizar diligências particulares, a fim de encontrar bens queviabilizem a penhora e a execução. Tais poderes ficam ainda mais claros quanto à suaextensão pelo seguinte parágrafo da decisão: Por este alvará, fica Sergio Aparecido de Souza Madeiras Micro Empresa autorizado a promover pesquisas junto às instituições financeiras, corretoras de valores mobiliários, tabelionatos de notas, ofícios de registro de imóveis, Receita Federal, Ciretrans e Capitania dos Portos, em relação à existência de bens e ativos em nome do(s) executado(s) [...] quem receber deverá prestar todas as informações necessárias a respeito de bens e valores de titularidade do executado supramencionado. Mostra-se aqui uma interessante aplicação do instituto estudado neste trabalho.O magistrado concedeu uma medida atípica para que fosse possível o cumprimento daobrigação, e tal veículo se faz pertinente, uma vez que todas as outras medidas ordináriasforam tomadas e se mostraram ineficazes. Ao contrário da decisão de Pinheiros, esta decisão se mostra razoável e racional,em nada onera o devedor, dá condições para que o exequente busque meios de obter odireito material que pleiteia, não ofende nenhum bem de personalidade ou fundamental doexecutado, e faz com que o juiz cumpra sua função de dar máxima (e possível) concretudeà tutela jurisdicional pleiteada perante o Estado-Juiz.

Fundamentação Das Decisões Judiciais 856. MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E DEVIDO PROCESSO LEGAL A exigência de fundamentação adequada das decisões judiciais, sob pena denulidade, vem esculpida no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, repetidano artigo 11 do CPC/2015 e ao fim no artigo 489, § 1º e incisos, da legislação processualcivil, a dar conta daquilo que não se considera decisão justificada ou fundamentada.Em termos gerais, segundo as lições de Daniel Amorim Assumpção Neves: Tradicionalmente, a justificativa do princípio da motivação das decisões judiciais era voltada exclusivamente para os sujeitos processuais (justificativa endoprocessual). Num primeiro momento é voltada ao sucumbente, que sem conhecimento das razões da de- cisão não teria condições de elaborar o seu recurso, porque ninguém pode impugnar de forma específica uma decisão sem conhecer os seus fundamentos. Num segundo momento a fundamentação se mostra imprescindível para que o órgão jurisdicional competente para o julgamento do recurso possa analisar o acerto ou equívoco do julgamento impugnado. Ainda que esse aspecto mantenha a sua importância, continuando a justificar o princípio ora analisado, é importante apontar para o aspecto político desse princípio, que ganha relevância em tempos atuais. Sob o ponto de vista político, a motivação se presta a demonstrar a correção, imparcialidade e lisura do julgador ao proferir a decisão judicial, funcionando o princípio como forma de legitimar politicamente a decisão judicial. Permite um controle da atividade do juiz não só do ponto de vista jurídico, feito pelas partes no processo, mas de uma forma muito mais ampla, uma vez que permite o controle da decisão por toda a coletividade (NEVES, 2017, p. 47). Relaciona-se à imprescindibilidade da correta (ainda que concisa) fundamentação eaplicação jurídica, por conseguinte e sinteticamente, ao controle de legalidade, racionalidadee justiça das decisões, a concretizar o supraprincípio do devido processo legal, tanto noaspecto formal quanto substancial, especialmente quando a decisão respeita o contraditórioem sua essência constitucionalizada. Isto é, não só a dialeticidade inerente à relação jurídicae processual, mas especialmente o poder de influência e consideração aos argumentos,teses e antíteses dos partícipes da relação, quiçá de modo que se possa ao menos mini-mizar a incidência das denominadas decisões “solitárias”, quais sejam, aquelas em quenão houve real, efetivo e substancial diálogo do órgão jurisdicional com as partes e demaissujeitos processuais, em especial quando se está diante das denominadas medidas atípicas. Consoante lições extraídas de Maria Lucia Lins Conceição (2017): O art. 489, em seus parágrafos, traça os parâmetros de qualidade da fundamentação, que, se não atendidos, implicarão a nulidade da decisão. De acordo com esse dispositivo legal, que contém um rol meramente exemplificativo, não se reputará fundamentada decisão

86 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina que: a) se limitar a indicar, reproduzir ou reportar-se ao enunciado de texto de lei, utilizando-se de outras palavras; b) que empregar conceitos vagos sem explicar sua vinculação ao caso; c) que invocar motivos genéricos que poderiam justificar qualquer outra decisão; d) que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo que, em tese, poderiam infirmar a conclusão do julgador; e) que se limitar a invocar precedentes ou enunciados de súmula, sem demonstrar sua pertinência ao caso ou que deixar de segui-los, sem esclarecer a distinção com o caso concreto. Desse modo, será nula por vício de fundamentação a sentença que não estabelecer o nexo entre o dispositivo de lei aplicado e o caso concreto; que não explicar a razão pela qual o princípio da boa-fé, por exemplo, não teria sido observado na situação objeto da lide; que se mostre superficial, genérica, podendo servir a qualquer processo, como a que defere liminar por estarem presentes seus pressupostos, sem relacioná-los à argumentação formulada pelas partes; que não es- clarecer as razões pelas quais considerou relevantes determinados fundamentos e provas apresentados pelas partes, e desconsiderou outros, ou, em outras palavras, em que o juiz não explicar racional- mente as escolhas que fez; que aplicar o precedente ou a súmula sem demonstrar a sua similitude fática com o caso em exame, ou, ao contrário, que deixar de aplicar o precedente ou a súmula, sem esclarecer que fator distinguiria os casos e imporia solução diferente (CONCEIÇÃO, 2017, p. 693). Além de tais premissas, e mais especialmente relevante ao tema explorado, éimprescindível que o órgão jurisdicional respeite o denominado princípio (ou seria regra?)da menor onerosidade ao executado, que também pode ser chamado de menor gravosi-dade ou prejudicialidade ao executado, isto porque, em conformidade com o artigo 805 doCPC/2015, naquelas situações em que por várias formas o exequente puder encaminhare concretizar a execução e os meios executivos, o magistrado determinará que se façapelo caminho menos prejudicial e oneroso ao executado (não se olvidando o fato de quena tutela jurisdicional executiva, o principal objetivo e utilidade é a satisfação do direito doexequente, o que não pode se dar a qualquer custo, por óbvio). Nesse sentido, AlexandreFreitas Câmara (2016) descreve: Não obstante a execução se desenvolva no interesse do exequente, é preciso observar o princípio da menor onerosidade possível (art. 805). Significa isto dizer que se por vários meios puder desenvolver- -se a execução, o juiz deverá mandar que ela se faça de modo menos gravoso possível para o executado, de modo a causar-lhe o menor sacrifício possível (CÂMARA, 2016, p. 319). De suma relevância anotar que é ônus do executado demonstrar a medida maisgravosa, bem assim o meio menos oneroso (e também eficaz), sob pena de sofrer asconsequências das medidas e providências executivas já determinadas.

Fundamentação Das Decisões Judiciais 87CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao executado cabe o dever de agir com boa-fé objetiva, de modo cooperativo, assimcomo respeitar o mínimo fair play processual. A parte executada que pratica qualquer atonocivo à realização da atividade executória estará sujeita às penalidades previstas nalegislação processual, sem prejuízo das possíveis sanções penais. O artigo 139, inciso IV, do CPC/2015 se mostra como uma importante ferramentade implementação do direito material pleiteado no mundo dos fatos. É certo que as medi-das tradicionais, previstas por rol exemplificado pelo Código, devem ser observadas emprimeiro plano. Contudo, esta norma não deve ser aplicada com fins punitivos, pois estase presta apenas para influir na vontade do executado. Cumpre dizer que o artigo 139 é inserido dentro dos deveres-poderes e responsa-bilidades do juiz, e esse tem que tomar decisões a fim que o processo atinja seus escoposprimordiais, pelo que após as medidas ordinárias terem sido ineficazes, o magistrado temrealmente o poder-dever de determinar medidas atípicas, para que o processo atinja seusescopos. O dispositivo estudado não dá poderes em excesso ao magistrado, pois os indi-gitados poderes constituem ferramentas para se utilizar no processo, e a eventual máaplicação do dispositivo não constituiu falha do dispositivo legal, até porque o problemanão é propriamente a lei nesse caso, e sim quando se faz uma interpretação e aplicaçãoequivocadas do texto da lei, estabelecendo norma para a situação fática que destoa daspremissas constitucionais. O inciso IV do artigo 139 deve ser aplicado com cautela, pois há imprescindibilidadede respeito aos direitos da personalidade e aos bens jusfundamentais. Não é qualquermedida que pode ser tomada, de forma indiscriminada, para que se possa ter o resultadoútil do processo, principalmente nas tutelas executivas, em que a menor onerosidade aodevedor deve ser observada. Nenhum direito é absoluto, e o magistrado, ao analisar ocaso concreto, deve pautar-se pelo princípio da proporcionalidade, não devendo impormedidas desarrazoadas ao executado. Sendo assim, não há espaço para restrições aodireito de ir e vir, por exemplo, como ocorreu na decisão de Pinheiros, que se mostra umamá aplicação do instituto aqui estudado. Pode-se concluir que o inciso IV do artigo 139 do CPC/2015 é de extrema utilidadepara que possa haver maior concretude do direito material, e para que a execução, emespecial, consiga efetivamente demudar o direito em fatos, em realidade concreta. Não sepode conceber que a famosa frase “ganhou, mas não levou” se perpetue, quando possívela implementação do direito. Após infrutíferas as medidas comuns, sempre que cabíveldeve o magistrado determinar as medidas atípicas que se amoldem ao caso concreto,como aconteceu na decisão de Ibaté, em que nenhum direito constitucional do devedorfoi violado, e se possibilitou uma ferramenta poderosa para que o exequente tenha seudireito adimplido.

88 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Os limites para este inciso IV são os princípios fundamentais constitucionais basila-res. As medidas atípicas tratadas na norma não podem ofender tais bens jusfundamentais,uma vez que onerar demais o devedor, ou formas atrozes de cobranças não se compactuamcom o Estado Democrático de Direito. Finalmente, o grande e maior lastro à atividade jurisdicional, a verdadeiramente justi-ficar a incidência da legislação processual, é a legal e explicitada motivação/fundamentaçãodas decisões judiciais, ou seja, a prestação de contas de um Judiciário verdadeiramenteaccountable, a mostrar efetivo equilíbrio entre responsabilidade, legalidade, racionalidadee independência, com respeito ao devido processo legal formal e substancial.REFERÊNCIASBRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 21 maio 2017.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21maio 2017.BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins. Comentários ao artigo 489 do CPC/2015. In: CRUZ E TUCCI,José Rogério et. al. (Coord.). Código de processo civil anotado. 2. ed. Rio de Janeiro: LMJ MundoJurídico, 2017.DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça 3ª Turma Cível. Agravo de Instrumento, Processo nº0710588-63.2017.8.07.0000. Disponível em: <https://pje2i.tjdft.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocu-mento/listView.seam?nd=17102614314285400000002623843>. Acesso em: 19 fev. 2018.GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: teoria geral e processode conhecimento (1ª parte). 14. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2017.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. Rio deJaneiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado: artigo por artigo.2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo Físico nº 0000284-57.2001.8.26.0233. Execução deTítulo Extrajudicial. Cheque. Comarca de São Carlos. Foro Distrital de Ibaté, Vara Única. Disponívelem: <https://esaj.tjsp.jus.br/ >. Acesso em: 21 maio 2017.SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo nº 4001386-13.2013.8.26.0011. Execução de TítuloExtrajudicial. Comarca de São Paulo. Foro Regional XI. Pinheiros. 2ª Vara Cível. Disponível em:<http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160906-07.pdf>. Acesso em: 21 maio 2017.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. 20. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2016.

AS ASTREINTES E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL* ASTREINTES AND THE NEW CIVIL PROCEDURE CODE DANIEL ROBERTO HERTEL Mestre em Garantias Constitucionais pela FDV - Faculdades Integradas de Vitória. Especialista em Direito Público e em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória. Professor Adjunto da Universidade Vila Velha - UVV. Assessor para Assuntos Jurídicos no TJES. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. Distinções necessárias: astreintes, perdas e danos e cláusula penal - 2. Limites para o valor da multa e fixação de teto - 3. Execução do valor da multa - 4. Termo a quo para execução da multa - 5. Prazo para cumprimento da obrigação, termo a quo e incidência da multa - 6. Hipóteses de cabimento - 7. Credor das astreintes - 8. Periodicidade da multa - 9. Critérios de fixação - 10. Fixação e modificação ex officio da multa - 11. Alteração e exclusão da multa - 12. Fixação de astreintes em relação à Fazenda Pública - 13. Astreintes e deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional - Considerações finais - Referências. RESUMO: O presente artigo trata das astreintes e sua normatização no novo Códigode Processo Civil Brasileiro, fazendo incursões nos preceptivos da referida codificação,assim como nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça que tratam da matéria. PALAVRAS-CHAVE: astreintes; multa; novo Código de Processo Civil. ABSTRACT: This present paper deals with the astreintes and its rules in the newBrazilian Civil Procedure Code, analyzing the precepts of the referenced encoding, as wellas in the Superior Court of Justice precedents dealing with the matter. KEYWORDS: astreintes; fine; new Civil Procedure Code.INTRODUÇÃO A expressão astreintes tem origem no direito francês e representa uma espéciede multa processual. Na verdade, as astreintes configuram um mecanismo de execuçãoindireta, cuja finalidade é coagir o devedor ao cumprimento da obrigação mediante aimposição de multa pecuniária.* Data de recebimento do artigo: 30.07.2018. Datas de pareceres de aprovação: 30.08.2018 e 11.09.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 17.09.2018.

90 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Liebman definiu a referida multa como “a condenação pecuniária proferida em razãode tanto por dia de atraso (ou por qualquer unidade de tempo, conforme as circunstâncias),destinada a obter do devedor o cumprimento de obrigação de fazer pela ameaça de umapena suscetível de aumentar indefinidamente”.1 As astreintes constituem medida destinada a obrigar o devedor ao cumprimentoda obrigação, sendo devidas independentemente de qualquer dano porquanto com estenão guardam correlação. Constitui, na verdade, um mecanismo destinado a constrangero executado ao cumprimento da obrigação.2 Destaque-se que, regra geral, as astreintes são fixadas por dia de atraso. Masnada obsta que seja utilizada outra medida de tempo. O que não se pode perder de vistaé que as astreintes têm por finalidade atuar sobre o ânimo do requerido, coagindo-o, paraque ele cumpra a obrigação. A referida multa processual não encontrava tratamento meticuloso no Código deProcesso Civil de 1973, mas com o advento do Código de Processo Civil de 2015 foiinaugurado um novo marco no sistema processual civil brasileiro, cujo escopo precípuoé atender aos interesses das mais diversas categorias envolvidas no processo judicial,primando por valores como a segurança jurídica, a efetividade e a celeridade processuais.O mencionado diploma normativo concede tratamento detalhado para as astreintes, aodiscipliná-las no art. 537.1. DISTINÇÕES NECESSÁRIAS: ASTREINTES, PERDAS E DANOS E CLÁUSULAPENAL Como já salientando, as astreintes constituem espécie de multa processual, quetem a finalidade de constranger o requerido ao cumprimento da obrigação. Cite-se, comoexemplo, situação na qual o magistrado determina que o executado pinte um quadro emdez dias, sob pena de, não o fazendo, incidir uma multa diária fixada em cem reais. As perdas e danos, a seu turno, representam a soma dos lucros cessantes (danonegativo) com os danos emergentes (dano positivo), isto é, a soma daquilo que o prejudi-cado razoavelmente deixou de ganhar com o que efetivamente perdeu. As perdas e danossão tratados no Código Civil, nos arts. 402 usque 405. Corrobora a distinção existente entreas astreintes e as perdas e danos o disposto no art. 500 do CPC, que estabelece que “aindenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamentepara compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação”. Saliente-se que enquanto as astreintes têm finalidade coercitiva, ou seja, têm afinalidade de constranger o demandado a cumprir a obrigação, as perdas e danos têm1 LIEBMAN, Enrico. Processo de execução. São Paulo: Bestbook, 2003. p. 280.2 Destaca Rizzo Amaral que “As astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa a pressionar o réu para que o mesmo cumpra mandamento judicial, pressão esta exercida através de ameaça a seu patrimônio, consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de descumprimento” (AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 85.

As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 91finalidade ressarcitória ou reparatória. Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça já assentouque “as astreintes não têm caráter punitivo, mas coercitivo e têm a finalidade de pressionaro réu ao cumprimento da ordem judicial” (AgRg no AREsp 419.485/RS, Rel. Ministro RaulAraújo, Quarta Turma, julgado em 04.12.2014, DJe 19.12.2014). Outro traço distintivo quepode ser estabelecido é que as astreintes estão previstas no Código de Processo Civil,enquanto as perdas e danos têm disciplina no Código Civil.3 Astreintes também não se confundem com a cláusula penal,4 sendo esta umacláusula inserta no contrato para estabelecer um valor para o caso de descumprimentoculposo da obrigação. A cláusula penal é tratada nos arts. 408 a 416 do Código Civil,valendo menção para o art. 408 do citado código, que dispõe: “incorre de pleno direito odevedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ouse constitua em mora”. A rigor, a cláusula penal representa uma prefixação do valor das perdas e danos.Por outras palavras: a cláusula penal é a própria mensuração das perdas e danos, mascujo valor foi inserto em um dispositivo contratual. Da mesma forma que as perdas e danos,a cláusula penal não se confunde com as astreintes. É possível cumular-se a cobrança das astreintes, perdas e danos e cláusula penal?Em princípio, não, sob pena de haver bis in idem, uma vez que a cláusula penal é a própriafixação prévia das perdas e danos. Assim, somente é possível cobrar astreintes com ovalor das perdas e danos ou astreintes com o valor da cláusula penal. Contudo, havendoprevisão contratual expressa autorizando a cobrança do valor da cláusula penal semprejuízo do valor das perdas e danos, será possível cumular a cobrança das duas verbas.Essa possibilidade decorre do disposto no art. 416, parágrafo único, do Código Civil, queprevê que “ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credorexigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a penavale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.2. LIMITES PARA O VALOR DA MULTA E FIXAÇÃO DE TETO O valor das astreintes não está limitado ao valor da obrigação principal. Assim, épossível que a multa incida e que o seu valor venha a ultrapassar o valor da obrigação3 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “não se confunde a cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico, em que há acordo de vontades, com as astreintes, instrumento de direito processual, somente cabíveis na execução, que visa a compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer e que não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento” (REsp 422.966/ SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23.09.2003, DJ 01.03.2004, p. 186).4 Sobre a cláusula penal, pode-se colacionar o seguinte escólio: “A cláusula penal é um pacto acessório ao contrato ou a outro ato jurídico, efetuado na mesma declaração ou declaração à parte, por meio do qual se estipula uma pena, em dinheiro ou outra utilidade, a ser cumprida pelo devedor ou por terceiro, cuja finalidade precípua é garantir, alternativa ou cumulativamente, conforme o caso, em benefício do credor ou de outrem, o fiel cumprimento da obrigação principal, bem assim, ordinariamente, constituir-se na pré-avaliação das perdas e danos e em punição ao devedor inadimplente” (FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 7).

92 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrinaprincipal. Por sinal, o enunciado 96 da Primeira Jornada de Direito Processual Civil prevêque “Os critérios referidos no caput do art. 537 do CPC devem ser observados no momentoda fixação da multa, que não está limitada ao valor da obrigação principal e não pode tersua exigibilidade postergada para depois do trânsito em julgado”. Destaco que, a rigor,o que está limitado ao valor da obrigação principal é a cláusula penal. Isso, contudo, sedá em razão de vedação legal, em particular em razão do disposto no art. 412 do CódigoCivil, in verbis: “o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o daobrigação principal”. Malgrado a ausência de limitação valorativa, é evidente que o valor total das astrein-tes não deve se distanciar muito do valor da obrigação principal, sob pena de proporcionarenriquecimento sem causa do credor da multa. Por sinal, o Superior Tribunal de Justiçajá decidiu que “o total devido a esse título não deve distanciar-se do valor da obrigaçãoprincipal” (AgRg no Ag 1220010/DF, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma,julgado em 15.12.2011, DJe 01.02.2012). Por tal motivo, a jurisprudência tem admitido que o Julgador, ao fixar o valor da multa,desde logo estabeleça um teto para o valor total da incidência daquela. Assim, estabelece--se, por exemplo, uma multa de cem reais por dia, limitada ao valor total de dez mil reais.Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “cabe fixar um teto máximopara a cobrança da multa, pois o total devido a esse título não deve se distanciar do valorda obrigação principal” (AgInt no AREsp 976.921/SC, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão,Quarta Turma, julgado em 09.03.2017, DJe 16.03.2017), sendo também assentado que“ao limitar o valor máximo do somatório das astreintes, o magistrado intenta evitar o enri-quecimento sem causa ou um abuso em seu descumprimento” (AgRg no AREsp 587.760/DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 18.06.2015, DJe 30.06.2015).3. EXECUÇÃO DO VALOR DA MULTA A cobrança do valor total da multa deverá ser efetivada por meio do procedimentoexecutivo previsto no art. 523 do Código de Processo Civil, ainda que a fixação das as-treintes tenha sido realizada em provimento liminar. Saliento que tal cumprimento poderáser feito nos mesmos autos ou caderno processual apartado, valendo mencionar que estaúltima possibilidade conta com a vantagem de evitar eventual tumulto processual. Nãose afigura correta a instauração de processo executivo autônomo porque aquela multa éfixada em decisão judicial, não configurando título executivo extrajudicial, mas sim títulojudicial, conforme prevê o art. 515, inc. I, do CPC. Assim, caberá ao credor da multa requerer a intimação do devedor para pagá-la,no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, incidir multa de dez por cento ehonorários advocatícios no mesmo percentual (art. 523, § 1º, do CPC), podendo o exe-cutado opor-se à execução do título judicial por meio de impugnação ao cumprimento desentença (art. 525 do CPC).

As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 934. TERMO A QUO PARA EXECUÇÃO DA MULTA Outra questão de grande relevo pragmático diz respeito ao termo a quo para cobran-ça das astreintes. Sob a égide do CPC/1973, a matéria foi objeto de profunda divergênciadoutrinária,5 notadamente em razão da ausência de regulamentação específica da multanaquela Codificação. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial repetitivo sob a égide doCPC anterior, assentou o entendimento de que: A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC [de 1973], devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo (REsp 1200856/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial, julgado em 01.07.2014, DJe 17.09.2014). O novo Código de Processo Civil, contudo, solucionou a matéria de forma distintaporque, malgrado no art. 537, § 4º, tenha previsto que “a multa será devida desde o diaem que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumpridaa decisão que a tiver cominado”, no § 3º daquele mesmo preceptivo estabeleceu que “adecisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada emjuízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorávelà parte”. Assim, tenho que não se afigura necessário nenhuma confirmação em sentençada multa fixada em liminar para viabilizar a execução das astreintes, devendo ser superadoo precedente vinculante construído pelo Superior Tribunal de Justiça acima colacionado,mediante o emprego da técnica do overruling. Nessa ordem de ideias, entendo que não há necessidade de se aguardar o trânsitoem julgado da sentença ou mesmo o julgamento do recurso interposto em face da decisãoque fixou a multa para que se possa requerer sua execução. Descumprida a determina-ção judicial com o transcurso do lapso temporal estabelecido na decisão judicial, a multaincidirá e o seu beneficiário poderá desde logo executá-la. O termo a quo para incidênciada multa, portanto, é a data em que foi finalizado o prazo judicial para cumprimento daordem judicial. Deste modo, se o Juiz fixou dez dias para cumprimento da ordem judicial,sob pena de multa diária de quinhentos reais, a partir do décimo primeiro dia haverápossibilidade de cobrança da multa. A propósito da matéria, a doutrina de qualidade afirma que: O legislador, aparentemente, encontrou uma solução que prestigia a efetividade e a segurança jurídica. A executividade imediata reforça o5 Abordei a referida divergência no meu livro Curso de execução civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 200 et seq. Tal divergência também foi registrada por NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado: artigo por artigo. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 954-5.

94 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina caráter de pressão psicológica da multa porque o devedor sabe que, descumprida a decisão em tempo breve, poderá sofrer desfalque patrimonial. Por outro lado, ao exigir para o levantamento de valores em favor do exequente, o trânsito em julgado, o legislador prestigia a segurança jurídica.65. PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, TERMO A QUO E INCIDÊNCIADA MULTA Desde logo, deve ser ponderado que não é correto o Magistrado fixar como termoinicial para incidência da multa a data da prolação da decisão, sob pena de o réu, aoser intimado para cumprir a obrigação, já ter a obrigação de pagar multa, sem que a eletenha sido dado um prazo para o cumprimento obrigacional. Por sinal, o art. 537, caput,in fine, do CPC estabelece que deve ser determinado “prazo razoável para cumprimentodo preceito”, devendo o Julgador estabelecer o respectivo prazo levando em consideraçãoos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que “não fixado prazo parao cumprimento da obrigação de fazer, não cabe a incidência da multa cominatória, umavez que ausente o seu requisito intrínseco temporal” (AgInt no REsp 1361544/RS, Rel.Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 03.10.2017, DJe 05.10.2017). Questão de alta indagação refere-se à forma de contagem do prazo para cumpri-mento da obrigação, se em dias úteis ou em dias corridos. Como regra, os prazos fixadosem dias são contados em dias úteis, em conformidade com o art. 219, caput, do CPC.Deste modo, salvo se fixado na decisão judicial pelo Juiz disposição diversa, a regra geralde contagem dos prazos em dias úteis deverá ser observada. Sobre o termo inicial para cumprimento da obrigação, duas orientações podemser apontadas. A primeira decorre da Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça queprevê que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para acobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” e, malgradotal orientação tenha sido firmada sob a égide do CPC anterior, tenho que ela encontra econo novo Código de Processo Civil porque este prevê no art. 231, § 3º, que “quando o atotiver de ser praticado diretamente pela parte ou por quem, de qualquer forma, participe doprocesso, sem a intermediação de representante judicial, o dia do começo do prazo paracumprimento da determinação judicial corresponderá à data em que se der a comunica-ção”. Outra orientação, contudo, será aquela que admite como termo inicial a data na qualo advogado da parte foi intimado por meio de Diário de Justiça para o cumprimento daobrigação, tendo por lastro o art. 513, § 2º, inc. I, do CPC. Caberá, por óbvio, ao SuperiorTribunal de Justiça dar a palavra final sobre a polêmica.6 NEVES, op. cit., p. 955.

As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 956. HIPÓTESES DE CABIMENTO As astreintes têm cabimento na execução das obrigações de entrega de coisa, naexecução das obrigações de fazer e de não fazer. São devidas nas obrigações de fazerdo tipo fungível, assim como nas do tipo infungível.7 Exclui-se a sua aplicação, contudo,em relação às obrigações de emitir declaração de vontade, considerando-se que, nessecaso, a própria sentença, uma vez transitada em julgado, produz o efeito da vontade nãodeclarada.8 Nas obrigações de pagar importância em dinheiro, o entendimento tradicional é pelonão cabimento da multa diária, valendo lembrar da existência de mecanismos própriospara expropriação de bens e da existência de multa específica no art. 523 do CPC, de10% (dez por cento), para o caso de não pagamento da dívida no prazo de 15 (quinze)dias. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a multa é meio executivo de coação,não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandadoa fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial”(EREsp 770.969/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 28.06.2006,DJ 21.08.2006, p. 224). O art. 139, inc. IV, do novo Código de Processo Civil, contudo, parece abrir novosrumos sobre a matéria, ao prever que incumbe ao Juiz “determinar todas as medidasindutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar ocumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestaçãopecuniária”. Tenho que a atipicidade dos meios executivos contemplada no preceptivodá espaço para o Magistrado fixar astreintes também no caso de descumprimento deobrigação pecuniária. Nesse particular, merecem profusa atenção os critérios de propor-cionalidade e de razoabilidade na fixação do valor da multa, notadamente porque, havendoinadimplemento de obrigações pecuniárias, já ocorrerá a incidência de juros moratóriose de correção monetária. Demais, as astreintes podem ser fixadas nas execuções de títulos extrajudiciais dedar, de fazer e de não fazer (art. 806, § 1º, e 814), assim como no processo sincrético, sejano módulo cognitivo ou no executivo (art. 537). Vale mencionar ainda que a multa poderáser fixada na sentença ou em decisão que conceda tutela provisória.7 Admitindo a incidência da multa nas obrigações de fazer infungível e fungível, cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 2, 2006. p. 274. No mesmo sentido, cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 23. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 218. Há orientação diversa na doutrina, considerando que “no caso de obrigações fungíveis, se não houver prejuízo para o credor, o princípio da menor onerosidade possível da execução para o devedor (art. 620) imporá sua substituição pela prática do ato pelo próprio credor ou por terceiro (art. 633 e 634)” (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2006. p. 73).8 Outra não pode ser a conclusão a partir do que dispõe o art. 466-A do CPC, in verbis: “Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”.

96 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina7. CREDOR DAS ASTREINTES No CPC de 1973 não havia dispositivo estabelecendo para quem o valor das as-treintes deveria ser destinado, registrando Araken de Assis9 que, no sistema alemão, asastreintes são devidas ao Estado. A orientação da doutrina sempre foi no sentido de queo valor das astreintes deve ser destinado ao credor.10 Realmente, o maior prejudicado coma demora no cumprimento da obrigação é o próprio credor, de modo que nada se afiguramais justo do que o seu valor ser revertido em seu proveito. O art. 537, § 2º, do novo Código de Processo Civil prevê que “o valor da multa serádevido ao exequente”. Mas, em se tratando de multa estabelecida em ação civil pública,o valor dela deverá ser destinado ao fundo mencionado no art. 13 da Lei n. 7.347/85.Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “A multa cominatória, em casode descumprimento da obrigação de não fazer, deverá ser destinada ao Fundo indicadopelo Ministério Público, nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85” (REsp 794.752/MA, Rel.Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16.03.2010, DJe 12.04.2010).8. PERIODICIDADE DA MULTA As astreintes podem ser fixadas para incidência diária ou para qualquer outraunidade de tempo. O magistrado poderá até mesmo utilizar a hora como unidade parafins de incidência da multa. A cominação de astreintes, portanto, não encontra limite naunidade temporal “dia”. Daí o porquê de certo segmento da doutrina se referir às astreintescomo multa periódica.11 Sobre a matéria, a doutrina de qualidade afirma que “apesar de ser a periodicidadediária a mais frequente na aplicação da multa coercitiva, o juiz poderá determinar outraperiodicidade - minuto, hora, semana, quinzena, mês -, bem como determinar que a multaseja fixa [...]”.129. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO O CPC de 1973 não estabelecia um critério para fixação do valor das astreintes,mas a jurisprudência supriu a lacuna apontando os critérios de razoabilidade e de pro-porcionalidade como balizadores para fixação do quantum. Por sinal, o colendo SuperiorTribunal de Justiça assentou que “Somente em casos excepcionais, quando a quantiaarbitrada se mostrar exorbitante ou insignificante, em flagrante violação dos princípios9 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 111.10 Nesse sentido: MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, v. 2, 2005. p. 402. CÂMARA, op. cit., p. 274. GRECO FILHO, op. cit., p. 74. Mas há orientação em sentido di- verso, entendendo que o valor das astreintes deve ser destinado ao Estado. Cf. GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 205.11 Essa é a opinião de DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 235.12 NEVES, op. cit., p. 949.

As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 97da razoabilidade e da proporcionalidade, admite-se rever o valor da multa diária aplicadapelas instâncias ordinárias” (AgInt no AREsp 747.974/MS, Rel. Ministro Gurgel de Faria,Primeira Turma, julgado em 22.08.2017, DJe 03.10.2017). O novo Código de Processo Civil no art. 537 prevê critérios expressos para fixaçãodo valor da multa, ao estabelecer que ela deve ser “suficiente e compatível com a obri-gação”. Entendo que “suficiência” e “compatibilidade” são expressões que não destoamdos critérios já adornados pela jurisprudência de proporcionalidade e de razoabilidade,valendo mencionar ainda que o novo Código de Processo Civil estabelece no art. 8º que“ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências dobem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observandoa proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Nelson Nery Júnior13 sustenta que “o valor deve ser significativamente alto, jus-tamente porque tem natureza inibitória”. Parece, data venia, que a multa não deve serobrigatoriamente alta, devendo adequar-se ao caso concreto, porque uma multa de milreais por dia de atraso, por exemplo, para um devedor que recebe quinhentos reais pormês, provavelmente não terá qualquer eficácia. Por isso mesmo, a multa deve ser fixadaem valor adequado para o caso concreto, devendo o magistrado pautar-se nos elementosde prova dos autos e nos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Sobre a matéria, Daniel Amorim Neves afirma que: A tarefa do Juiz, no caso concreto, não é das mais fáceis. Se o valor da multa não pode ser irrisório, porque assim sendo não haverá nenhuma pressão sendo efetivamente gerada, também pode ser exorbitante, considerando que um valor muito elevado também desestimula o cumprimento da obrigação.14 Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: O arbitramento da multa coercitiva e a definição de sua exigibilidade, bem como eventuais alterações do seu valor e/ou periodicidade, exi- ge do magistrado, sempre dependendo das circunstâncias do caso concreto, ter como norte alguns parâmetros: I) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; II) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); III) capacidade econômica e de resistência do devedor; IV) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss) (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel.13 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 9. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 588. No mesmo sentido, pode-se citar o seguinte escólio: “A multa, por ter caráter inibitório, deverá ser fixada em quantia alta, aos efeitos de levar o obrigado ao atendimento da obrigação e não ao pagamento daquela. Deve contemplar valor de tal ordem que seja um verdadeiro estímulo ao cumprimento da obrigação e não gerar o adimplemento da obrigação” (PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 6, 2000. p. 121).14 NEVES, op. cit., p. 950.

98 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17.11.2016, DJe 14.12.2016).10. FIXAÇÃO E MODIFICAÇÃO EX OFFICIO DA MULTA Considerando-se que as astreintes têm a finalidade de conceder maior efetividadeàs decisões judiciais, não há óbice em relação à fixação delas ex officio. Na verdade, comoa situação é de cumprimento de uma determinação judicial e há interesse do Estado nobom desenvolvimento da atividade jurisdicional, não se podendo vislumbrar nenhum óbicena fixação da multa de ofício.15 Demais, não se pode deixar de mencionar que o próprioart. 537, caput, do CPC dá respaldo, no particular, à atuação extrapetição do Julgador. Também não há óbices à modificação do valor da multa ou da sua periodicidadesem que haja pedido da parte, havendo previsão de tal possibilidade no art. 537, § 1º,do CPC. Lembro que a decisão que estabelece as astreintes contém implicitamente acláusula rebus sic stantibus processual, a qual legitima a modificação da decisão dianteda alteração do cenário fático no qual ela foi proferida. No mais, não se pode deixar de mencionar que existe interesse do Estado, assimcomo de toda a sociedade, na efetivação da tutela jurisdicional, tendo em vista o monopóliode atuação jurisdicional e a vedação à justiça privada. Nessa ordem de ideias, como asastreintes representam um mecanismo para efetivação da tutela jurisdicional, é recomen-dável que o magistrado mantenha o valor delas sempre adequado ao caso concreto. Por sinal, sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é pací-fico na Corte de que o valor da multa cominatória “pode ser alterado pelo magistrado aqualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante, não havendo falarem preclusão ou ofensa à coisa julgada” (AgInt no AREsp 162.145/SP, Rel. Ministro RaulAraújo, Quarta Turma, julgado em 28.03.2017, DJe 19.04.2017).11. ALTERAÇÃO E EXCLUSÃO DA MULTA O art. 537, § 1º, do CPC prevê que: O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. A primeira observação a ser feita é que o dispositivo reporta-se à possibilidadede modificação do valor ou da periodicidade da multa vincenda. Em linha de princípio,portanto, a modificação do valor da multa não pode ter efeito ex tunc, ou seja, retroativo,mas apenas ex nunc.15 A doutrina admite, sem restrições, a possibilidade de fixação das astreintes de ofício. Cf.: MONTENEGRO FILHO, op. cit., p. 403. DINAMARCO, op. cit., p. 237. NERY JÚNIOR; NERY, op. cit., p. 587.

As Astreintes E O Novo Código De Processo Civil 99 Cumpre mencionar que orientação do Superior Tribunal de Justiça construída sob aégide do CPC anterior é no “sentido de que a decisão que comina a multa diária não precluinem faz coisa julgada material”, sendo possível “a modificação do valor dessa sanção atémesmo de ofício, a qualquer tempo, inclusive na fase de execução, quando irrisório ou exor-bitante” (AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1589503/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize,Terceira Turma, julgado em 06.06.2017, DJe 23.06.2017). Tal orientação permite concluirpela possibilidade de modificação do valor da multa com efeitos retroativos, ou seja, extunc, notadamente porque a decisão que estabelece astreintes não precluiu e nem adquirea condição de res judicata. Nessa ordem de ideias, o art. 537, § 1º, do novo CPC, caso sejainterpretado de forma literal, deverá conduzir à necessidade de ser repensada a orientaçãoformada no Superior Tribunal de Justiça porque a modificação das astreintes, de acordocom a novel codificação, somente poderá ser realizada em relação à “multa vincenda”. A propósito, na doutrina há entendimento no sentido de que “só se pode reduzir ouaumentar multa vincenda, não sendo admissível a alteração de valor de multa já vencida, oque implicaria a redução do valor de um crédito já configurado do demandante, violando-seum seu direito adquirido”.16 Parece-me, entretanto, que o art. 537, § 1º, do CPC, ao prever a possibilidade de“exclusão” da multa, acabou por não proibir a modificação da multa vencida. Ora, se aoJuiz afigura-se possível realizar o mais, que é excluir a multa, por que não lhe seria lícitofazer o menos, que é reduzir o valor da multa? Desnecessário salientar que a exclusãoda multa vencida é admitida porque se a intenção do legislador fosse permitir apenas aexclusão da multa vincenda teria certamente adotado redação diversa no art. 537, § 1º,do CPC, prevendo, por exemplo, que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificaro valor ou a periodicidade ou excluir a multa vincenda [...]”. De toda sorte, a redução ou exclusão da multa deverá ser feita com extrema cau-tela pelo Julgador sob pena de representar verdadeiro descrédito para o Poder Judiciário.Acredito que somente em situações excepcionais, nas quais não haja culpa do executadoquanto ao cumprimento extemporâneo da obrigação, deverá o magistrado reduzir o valortotal da multa.12. FIXAÇÃO DE ASTREINTES EM RELAÇÃO À FAZENDA PÚBLICA Discute-se a possibilidade de fixação de astreintes em relação à Fazenda Pública.Greco Filho17 entende que é inviável a imposição de multa contra pessoa jurídica de direitopúblico, porquanto os meios executivos são outros. Realmente, alguns problemas devemser ponderados em relação à possibilidade de fixação de multa contra a Fazenda Pública,como a origem do dinheiro para pagamento dela e o próprio sistema de pagamento decréditos pecuniários resultante de decisões judiciais por parte da Fazenda Pública.16 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016. p. 371-372.17 GRECO FILHO, op. cit., p. 73.

100 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Doutrina Cumpre destacar que a demora no cumprimento da obrigação por parte da FazendaPública, poderá implicar incidência de multa. Contudo, o dinheiro para pagamento dessamulta é dinheiro público, o qual, em última análise, tem origem nos tributos pagos peloscidadãos. Nesse particular, quanto mais o administrador público retardar o cumprimentoda decisão judicial, maior será o prejuízo para a própria sociedade. Um segundo ponto a ser destacado é que a Fazenda Pública paga as suas dívidasoriundas de decisão judicial pelo regime dos precatórios, até mesmo em virtude do dispostono art. 100 da Constituição Federal. E, de certa forma, a finalidade das astreintes podeser considerada incompatível com o regime dos precatórios. Por outras palavras: aindaque a multa incida, a sua cobrança será lenta, uma vez que será realizada pelo regimedos precatórios. A despeito dos problemas destacados, há orientação na doutrina no sentido deque as astreintes podem ser fixadas contra a Fazenda Pública, sendo tal entendimentodefendido, por exemplo, por Alexandre Câmara.18 De fato, admitir-se a fixação de astreintescontra o particular e não admiti-la contra a Fazenda Pública viola, em última análise, oprincípio da isonomia, que tem previsão constitucional, no art. 5º, caput. Uma outra orientação doutrinária é no sentido da possibilidade de fixação dasastreintes contra o próprio agente público, sendo tal entendimento adotado, por exemplo,por Leonardo José Carneiro da Cunha.19 Essa orientação é sobremaneira interessanteporquanto soluciona o problema relativo aos precatórios, assim como o relacionado àorigem pública do dinheiro para pagamento da multa. Mas também essa vertente dogmática não é imune a críticas, uma vez que oagente público, a rigor, não é parte na ação, que fora ajuizada em face do Poder Público.De qualquer sorte, esse entendimento é o mais alinhado às modernas diretrizes do direitoprocessual, que primam pela obtenção de um processo justo, célere e eficaz, verdadeiroinstrumento de realização do direito material. O Superior Tribunal de Justiça entende “ser cabível a cominação de multa diária(astreintes) contra a Fazenda pública como meio executivo para cumprimento de obrigaçãode fazer ou entregar coisa” (REsp 1664327/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, SegundaTurma, julgado em 08.08.2017, DJe 12.09.2017). Já no que tange à aplicação da multa em relação ao próprio agente público, existedivergência naquela Corte de Justiça. A propósito, já foi assentado no Superior Tribunalde Justiça que “inexiste óbice, por outro lado, a que as astreintes possam também recairsobre a autoridade coatora recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixede dar cumprimento à decisão judicial proferida no curso da ação mandamental” (REsp1399842/ES, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe03.02.2015). Mas a orientação preponderante naquela Corte milita no sentido contrário,18 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 2, 2006. p. 275.19 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Dialética, 2005. p. 125-127.


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