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Proposta Pedagógica Ensino Fundamental PDF

Published by claudinete, 2020-08-04 16:46:53

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PROPOSTA PEDAGÓGICA Ensino Fundamental Anos Iniciais Serviço Social do Comércio



PROPOSTA PEDAGÓGICA Ensino Fundamental Anos Iniciais

Sesc | Serviço Social do Comércio ©Sesc Departamento Nacional, 2015. Av. Ayrton Senna, 5.555 — Jacarepaguá Presidência do Conselho Nacional Rio de Janeiro — RJ Antonio Oliveira Santos CEP 22.775-004 Tel.: (21) 2136-5555 DEPARTAMENTO NACIONAL www.sesc.com.br Direção-Geral Carlos Artexes Simões Distribuição gratuita. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610 de 19/2/1998. Nenhuma PUBLICAÇÃO parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do Departamento Nacional do Sesc, sejam quais forem os meios empregados: Departamento de Estudos e Desenvolvimento eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Cláudia Márcia Santos Barros Núcleo de Estudos e Pesquisas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Andréa Maciel de la Reza Sesc. Departamento Nacional. Conteúdo Proposta pedagógica [do] ensino fundamental; anos iniciais / Sesc, De- Diretoria de Educação e Cultura Fernando José de Almeida partamento Nacional. -- Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2015. Departamento de Educação 274 p. ; 21 cm. Jorge Luiz Teles da Silva Equipe Técnica ISBN 978-85-8254-046-6. Leonardo Moraes Batista Lucia Regina Silva de Oliveira 1. Ensino fundamental. 2. Sesc – Proposta pedagógica; 3. Currículo - Mara Cristina Soares Alves Planejamento. I. Título. Marcia dos Santos Penna Consultoria CDD 372 Flávia Lopes Lobão Maria Priscila Bacellar Monteiro PRODUÇÃO EDITORIAL Departamento de Comunicação e Mídia Núcleo de Comunicação Institucional Pedro Hammerschmidt Capeto Supervisão Editorial Jane Muniz Projeto Gráfico Ana Cristina Pereira (Hannah23) Diagramação Avellar e Duarte Revisão Elaine Bayma e Tathyana Viana Produção Gráfica Celso Mendonça Estagiário de Produção Editorial Diogo Franca

Serviço Social do Comércio Departamento Nacional PROPOSTA PEDAGÓGICA EnsninooFFuundnadmamenetnaltal Anos Iniciais Sesc | Serviço Social do Comércio Sesc | SDerevpiçaortSaomcieanlRditooodNCeoaJmcainéoernciraiool DepartamRieondtoeNJaacnieoniraol 22001155

APRESENTAÇÃO

Ao longo de sua trajetória em prol da promoção compromisso assumido com o projeto de uma educa- da qualidade de vida, o Sesc assume a perspectiva ção dinâmica, que privilegia a autonomia intelectual, o educativa como principal característica da ação insti- pensamento crítico e o espírito solidário. tucional, constituindo uma programação marcada por Em conformidade com a atribuição regimental de diversificadas oportunidades socioculturais e diferen- propor e difundir o arcabouço normativo e orienta- tes fontes de aprendizagens. dor que confere unidade à ação do Sesc, e consoante o pressuposto da gestão descentralizada, este docu- Os propósitos de emancipação dos sujeitos, de mento foi elaborado pelo Departamento Nacional desenvolvimento da cidadania e de promoção da com a colaboração efetiva e qualificada das equi- justiça social, que orientam a estruturação das ações pes dos Departamentos Regionais, conjugando os programáticas da entidade no sentido da educação repertórios de conhecimentos e experiências com as permanente, condicionam também as escolhas teórico- contribuições conceituais mais recentes do campo -filosóficas que fundamentam as práticas pedagógicas da Educação e as políticas públicas contemporâneas no âmbito da educação formal. relativas ao setor. A presente Proposta Pedagógica do Ensino Fundamen- Carlos Artexes Simões tal Anos Iniciais retrata essa identidade dos ambientes Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc escolares do Sesc, formalizando o marco conceitual, as diretrizes básicas e a linha de ensino que traduzem o

INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO 2 PALAVRAS ÁREAS DE INICIAIS 12 CONHECIMENTO 63 Capítulo 1 64O diálogo entre as áreas de conhecimento FUNDAMENTOS 69O diálogo entre as Ciências TEÓRICOS 19 Língua Portuguesa 72 20Sobre crianças e conhecimentos Algumas palavras sobre a Sobre a escola 26 Sobre o currículo 29 73 leitura e a escrita 33Sobre a metodologia 79 A criança e a produção escrita Da ordem do cotidiano – planejamento, Objetivos gerais 94 38ensino, aprendizagem e avaliação 95 Objetivos específicos Planejamento e sua relação com os processos 97 Eixos norteadores 38de ensino e de aprendizagem Algumas considerações metodológicas Avaliação e sua relação com o ensino e a 106para o trabalho em Língua Portuguesa aprendizagem 52 Sobre o ensino de uma Inclusão: um olhar para a diversidade língua estrangeira 113 na escola 56 Matemática 116 Referências 58 120 Sobre um ambiente matematizador Objetivos gerais 122 Objetivos específicos 123 Eixos norteadores 127 Algumas considerações metodológicas 143 para o trabalho com a Matemática

SUMÁRIO Ciências Naturais 146 Música 224 Objetivos gerais 228 Objetivos gerais 150 Objetivos específicos 228 Eixos norteadores 230 Objetivos específicos 151 Algumas considerações metodológicas Eixos norteadores 154 para o trabalho com Música 235 Algumas considerações Educação Física 238 metodológicas para o trabalho Objetivos gerais 243 Objetivos específicos 244 com as Ciências Naturais 169 Eixos norteadores 246 História e Geografia 172 Algumas considerações metodológicas Objetivos gerais 175 255 para o trabalho com a Educação Física Referências 257 Objetivos específicos 177 Capítulo 3 Eixos norteadores 185 FORMAÇÃO Algumas considerações metodológicas para o trabalho com a História CONTINUADA 263 e com a Geografia 197 Para reafirmar o compromisso com o ensinar- aprender: “Jogo do trabalho na dança das Arte 200 mãos: macias” 264 Arte na educação 201 Referências 272 A cultura popular 206 Objetivos gerais 207 Objetivos específicos 208 Eixos norteadores 210 Algumas considerações metodológicas para o trabalho em Arte 221

INTRODUÇÃO O Sesc tem como primazia a oferta de uma educação de qualidade à clientela comerciária, e na perspectiva de uma construção coletiva e reflexiva dos referenciais teóricos e práticos que subsidiam a ação educativa, apresenta a Proposta Pedagógica dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). Este documento foi elaborado a partir de um diálo- go polifônico com os profissionais de educação nos Departamentos Regionais, a partir de suas experiên- cias de estudo e prática com projetos didáticos. Desde a implantação, o Ensino Fundamental vem ampliando a sua oferta, como resposta à grande demanda, oriunda da clientela de Educação Infantil. De fato, ao longo do tempo e na atualidade, o reconheci- mento da qualidade da educação básica desenvolvida pelo Sesc vem exigindo o investimento na oferta dessa fase do ciclo escolar, abrangendo em algumas de suas escolas também os anos finais (do 6º ao 9º ano). Atualmente, o Ensino Fundamental está presente em 22 Departamentos Regionais e na Estância Ecológica Sesc Pantanal, ainda com perspectivas de crescimento e ampliação até o Ensino Médio, outra realidade em alguns estados. De tantos bordados únicos, talvez possamos criar um novo bordado coletivo desta nossa antiga, sempre atual vida de professores e professoras. ALVES; LEITE, 2000 8 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

Esse contexto exige o investimento contínuo nos tizar o conhecimento construído na interlocução cons- espaços, nos recursos materiais e nos profissionais da tante entre as equipes do Departamento Nacional e escola, reconhecendo que em diálogo com as famílias dos Departamentos Regionais. e com os educandos, são os escritores de um caminho que prima pela autoria coletiva. A intenção de uma O Capítulo 1 aborda os fundamentos teóricos e práti- educação de excelência coaduna com os objetivos e cos da ação pedagógica, com vistas a um planejamen- as diretrizes institucionais de contribuir para o desen- to pautado na reflexão e estudo, validando o contexto volvimento integral dos indivíduos, garantindo que o sociocultural do educando. Trata, ainda, da organiza- educando vivencie momentos singulares de aprendi- ção necessária ao desenvolvimento da rotina escolar. zagem, cooperação e consolidação de saberes, princí- pios norteadores da atividade. O Capítulo 2 enfatiza a estrutura curricular, apresen- tando uma proposta de diálogo entre as áreas de O documento que apresentamos atualiza a Proposta conhecimento, os eixos que norteiam a prática, e os Pedagógica publicada em 2001, mantendo alguns objetivos a alcançar, de forma articulada com conside- dos princípios conceituais então sistematizados rações metodológicas que visam contribuir de forma como fundamentos da ação educativa e reformu- mais específica com o planejamento dos educadores. lando conteúdos atinentes a diferentes dimensões didáticopedagógicas. Tal revisão ocorreu em função da No Capítulo 3, delineamos um olhar reflexivo sobre necessidade de contemplar as mudanças significativas uma ação importante na escola, a formação conti- na legislação, que inseriu no Ensino Fundamental mais nuada dos professores, encontro fundamental para um ano de escolaridade, passando a abranger as crian- subsidiar o fazer pedagógico, as intencionalidades e ças de seis anos, antes inseridas na Educação Infantil. proposições da equipe docente. Nesse sentido, agradecemos o trabalho e a dedicação de todos que, de alguma forma, contribuíram com a A intenção de educar/formar crianças e adolescentes produção da primeira versão do documento. para serem protagonistas no contexto social exige o investimento contínuo na formação de educadores Organizado em três capítulos, enfatizando de forma comprometidos com o fazer pedagógico e valorizados distinta as dimensões da prática pedagógica e da em sua ação cotidiana. É na rotina escolar que este organização escolar, o documento busca, sobretudo, documento irá se tornar “vivo”, constituindo-se um garantir a unidade teoria-prática na forma de sistema- referencial para a (re)construção da proposta pedagó- gica, elaborado por quem pensa e faz educação. Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 9

Acreditamos que este documento e as normatizações laçamento dos bordados único e coletivo na constru- locais precisam ser objeto de estudo nas escolas Sesc, ção/consolidação dessa proposta. Este é o desafio tendo em vista que a legislação, nas diferentes instân- deste documento: concretizar-se no cotidiano, a partir cias, é norteadora das ações na escola, sejam adminis- de um currículo que contemple a diversidade e as trativas e/ou pedagógicas. singularidades. Formar sujeitos autores que dialogam e consolidam as bases de uma escola, concretizando A ideia de compartilhar, com diferentes vozes, sonhos e desejos, para se ter uma escola real inserida educador e educando, permite a riqueza da troca de em um contexto multicultural. experiências, sentimentos e saberes. Convoca o entre- 10 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

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PALAVRAS Uma proposta curricular é apenas um ponto de parti- INICIAIS da. O início de uma longa jornada, completamente dependente dos professores, alunos e dos outros Um galo sozinho não tece uma manhã: sujeitos que irão utilizá-la. O poema de João Cabral de ele precisará sempre de outros galos. Melo Neto sugere essa complexidade, sua dimensão De um que apanhe esse grito que ele artesanal, o diálogo e a solidariedade necessários. e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes A sociedade atual exige das escolas a formação de um e o lance a outro; e de outros galos aluno participativo, crítico e criativo. Os avanços tecno- lógicos exigem uma escola dinâmica, que ultrapasse a que com muitos outros galos se cruzem simples transmissão de informação e se comprometa os fios de sol de seus gritos de galo, com a aprendizagem de todos os seus alunos. Nesse contexto, nenhuma relação de ensino pode estar para que a manhã, desde uma teia tênue, baseada no armazenamento, amparada por práticas se vá tecendo, entre todos os galos. de um professor que deposita conteúdos em um aluno que os acumula. O que é tarefa da escola e todo E se encorpando em tela, entre todos, o aparato tecnológico não contempla é o necessário se erguendo tenda, onde entrem todos, aprendizado das relações entre os saberes; das cone- se entretendendo para todos, no toldo xões entre as informações e a vida, transformando-as (a manhã) que plana livre de armação. em conhecimento; do apreço pela cultura, pelos valo- A manhã, toldo de um tecido tão aéreo res de justiça, respeito e solidariedade. E nesse senti- do o exercício do pensamento e da reflexão crítica Que, tecido, se eleva por si: luz balão. continua posto como desafio em toda a sua dimensão MELO NETO, 1994 ética e estética. Garantir o acesso aos conhecimentos produzidos pela história da humanidade e contribuir para a formação da cidadania são os objetivos primei- ros das instituições educativas e do Ensino Funda- mental nesse novo milênio. 12 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

Já foi o tempo em que se acreditava que todos pode- e situações escolares também não devem ser vistas riam aprender as mesmas lições ao mesmo tempo apenas como ponto de partida, mas, principalmente, e da mesma maneira, e por isso se apostava em objetivo da chegada de todas as ações educativas. manuais e receitas para ensinar. Sabe-se, hoje, que os seres humanos precisam ser respeitados em sua Já foi o tempo em que se dissociava conhecimento, singularidade, constituída, entretanto, de múltiplas afeto, valor, cuidado, e não se percebia que todos interferências. Os contextos sociais e culturais formam esses ingredientes são igualmente fundamentais os sujeitos que, por sua vez, formam novos contextos. quando se trata de educar. Nesse sentido é que deve- Essa rede constituinte e constituída por diferentes mos aproveitar e fazer desse processo de ampliação fatores, da qual o sujeito é parte integrante, precisa do Ensino Fundamental – acolhendo as crianças de ser considerada nas relações que acontecem nas salas seis anos – um momento de reflexão em torno de todo de aula, entre seus diferentes elementos. Não é só o o segmento. Um bom início é partir das indagações: aluno que aprende nem só o professor quem ensi- Quem é essa criança que chega aos seis anos? Quais na. Ambos compartilham essas experiências, mas de são as suas especificidades, necessidades e interes- modo diferenciado. E o objeto a ser conhecido ultra- ses? É preciso rever o lugar do lúdico no processo de passa os conteúdos disciplinares dos livros didáticos, aprendizagem, no processo de tornar-se sujeito. É a os modelos e as cópias preestabelecidas. partir dessa nova realidade que a imaginação, a fanta- sia, a brincadeira – experiências de cultura – ganham Já foi o tempo em que se separava a razão da emoção. outro olhar. E que o conhecimento parecia como um terceiro aspecto, responsável pela mediação sujeito/objeto, Já foi o tempo em que se pensava na alfabetização homem/mundo. Nesse processo, a ideia do homem como um processo que se esgota em um ano de escola- partido em razão e afeto, que não conhece com o ridade, repartido em pequenas doses de informações corpo inteiro, foi crescendo. Ao contrário, precisamos sobre letras e sons, que deveriam ser, simplesmente, recuperar o indissociável da condição de ser humano. decodificados/codificados. Um processo fragmenta- Assim, as salas de aula devem abrir suas portas e jane- do, sustentado em uma concepção de ensino técnico- las para os sentimentos e as histórias de seus alunos e instrumental, em que a leitura estava longe de ser professores. O cotidiano escolar precisa estar repleto compreendida como inter-ação, re-ação, produ- da vida que acontece fora de seus muros. As realida- ção de sentidos e a escrita, tampouco, como des dos alunos, com suas diferentes cores e sabores, instrumento de inserção na cultura, na sociedade. precisam ser consideradas em todos os momentos Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 13

Hoje, a discussão em torno da questão do letramen- Um exercício valioso para definirmos a escola que se to revigora e amplia nosso olhar para a alfabetização, pretende construir é atualizarmos nossas vivências do não sendo possível desconsiderar a vivência social passado, como alunos. As lembranças positivas que dos processos que dizem respeito à aprendizagem da surgem, frequentemente, estão ligadas ao pátio, ao leitura e da escrita. Trata-se, então, de um processo recreio e às festas. Da sala de aula, ficaram as recor- contínuo que se desenvolve durante a Educação Infan- dações de medo e submissão, na maioria das vezes. til – na medida em que as crianças estão descobrindo É possível e necessário modificar essa prática. As a função simbólica da escrita – e será intensificado exigências escolares que ficaram registradas positi- no momento de ingresso no Ensino Fundamental. Por vamente na nossa história foram aquelas que tiveram meio de intervenções didáticas, a criança conquistará, motivo para existir, além da escola, e estão associadas gradativamente, a base alfabética. Passará, ainda, por a uma professora comprometida conosco. longo processo de aprendizagem que se desenvolverá durante todos os anos do Ensino Fundamental; assim Neste documento, procura-se respeitar essas prerro- a língua escrita poderá ser apropriada, desde o início, gativas, mas só a prática irá referendá-las, ou não. Para como uma ferramenta para a compreensão do mundo, isso, é preciso que a comunidade escolar se aproprie exercício de prazer e de cidadania. de suas páginas, adaptando os textos encontrados à sua realidade. O que alunos vivem e conhecem não Já foi o tempo em que o currículo escolar era apenas é apenas o que dizem os livros ou as observações aquilo que o professor queria ensinar. São incontrolá- empíricas; é também a realidade sonhada, das ideias, veis ou imensuráveis as aprendizagens que acontecem das fantasias, dos desejos e das crenças. Toda propos- dentro da escola, onde existe a interferência de todos ta curricular é apenas um recorte das coisas desse os atores e agentes educativos: alunos, professores, mundo. Um currículo é sempre uma opção, escolhe- famílias, diretores, coordenadores e funcionários. Cada -se ensinar algumas coisas em detrimento de tantas um com seus saberes, adquiridos em suas experiên- outras, escolhe-se ensinar de determinadas manei- cias dentro e fora da escola; com seus desejos, sonhos ras em detrimento de outras. Vivemos num contexto e necessidades, compõem um roteiro multicultural. de complexidades, mas tradicionalmente fazemos as Muitas vozes orquestrando um currículo “oculto”, mesmas escolhas, reproduzindo os mesmos modelos. presente nas entrelinhas do cotidiano escolar, e geral- A realidade de qualquer aluno e de qualquer profes- mente mais significativo do que o currículo oficial. sor será sempre muito maior, muito mais complexa, e cheia de desafios. Assim, nenhum trabalho pedagógico 14 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

pode estar apenas restrito ao que está escrito nessas inseridas, que, por sua vez, está diretamente ligado às páginas. A separação do conhecimento humano em variáveis de classe, etnia, gênero e cultura. Isto tudo disciplinas é apenas uma opção didática. O fio prin- somado, ainda, à presença, cada vez mais marcan- cipal da rede que se irá construir com alunos deverá te, dos meios de comunicação de massa, com suas ser o compromisso com as aprendizagens realmente respectivas ideologias, e o avanço das próprias tecno- significativas para suas vidas. logias. Todo este conjunto, sem dúvida alguma, cola- bora para a pluralidade das infâncias, o que a escola O ideal é que o trabalho também possa ser acompa- não pode perder de vista. nhado e discutido por toda a comunidade escolar, dando sentido e propiciando novas trocas, palavra Formar o aluno participativo, crítico e criativo que principal de qualquer processo de aprendizagem. O se deseja demanda um investimento na formação diálogo deve ser sua estratégia prioritária, propiciando do leitor/autor, condição fundamental para a apren- sempre novos modos de ver, sentir, pensar e agir. Nesse dizagem nas diferentes áreas do conhecimento, e sentido, pode-se afirmar que esta Proposta Pedagógi- também uma aposta na literatura e nas artes como ca deverá servir como eixo norteador e incentivador experiências estéticas essenciais. Sendo a leitura para a elaboração dos projetos políticos pedagógicos uma atividade de produção de sentido, quanto mais dos Departamentos Regionais que serão, certamen- as crianças forem estimuladas à brincadeira, à imagi- te, plurais e múltiplos, porque assim se apresenta a nação, à fantasia, terão mais potencial para assu- realidade brasileira. Ou seja, o que se pretende, aqui, mirem o lugar de boas leitoras. É preciso lembrar a é nortear – e não normatizar – o trabalho pedagógico necessidade de interagir, se pretendemos um nível desenvolvido, fortalecer a opção pelas práticas inter- interpretativo de leitura. Apenas nesse nível torna-se disciplinares e subsidiá-las. Um documento desse possível pensarmos em fruição – uma relação imbri- tipo não poderá contemplar particularismos para não cada de sentimento/pensamento. Desta maneira, correr o risco de inviabilizar/inibir as práticas locais/ interpretar um texto é exercício de interação, não se sociais e os projetos políticos pedagógicos. está interpretando quando, simplesmente, identifi- ca-se o fragmento de texto que reproduz a informa- Considerando tal diversidade, torna-se impossí- ção pedida. É possível identificar informações sem vel falar de infância e escola no singular, senão de nenhuma compreensão do que está escrito no texto. muitas infâncias e escolas. As diferentes condições Ao contrário, todo exercício de leitura interpretativa a que as crianças estão submetidas para viver o que que se faz passa pela abertura de uma janela, dentre chamamos de infância se relacionam, naturalmente, as tantas possibilidades do texto. ao contexto socioeconômico e cultural no qual estão Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 15

Tudo isso só será possível repensando o lugar que as O pátio, onde as brincadeiras e os jogos com regras crianças ocupam nas instituições de ensino. Fará toda acontecem, é um espaço que faz parte do cotidiano a diferença pensá-las e vê-las para além de uma etapa de todos. Porém, muitas vezes ele é utilizado como de desenvolvimento humano, ou seja, tendo uma prêmio ou castigo na relação professor-aluno, ou proposta curricular na qual ouvir as suas vozes seja ainda apenas como um “liberador de energias”. condição de todo o processo educativo. Este entendi- Considerando que também não pode ser um momen- mento exigirá um novo pensar do lugar da experiên- to de descanso ou lazer, pois todo espaço/tempo cia, da imaginação, do lúdico, e uma disponibilidade, escolar é educativo, a presença e o acompanha- uma abertura, para a invenção, para a criticidade. mento do professor nos jogos e atividades do pátio (previamente combinadas no planejamento) devem A brincadeira é uma realidade cotidiana na vida da ser constantes, pois são necessárias inúmeras inter- criança, é por meio da imaginação que ela terá condi- venções suas, explicitando a importância do respeito ções de relacionar suas necessidades e interesses com aos direitos dos outros e ao cumprimento de regras, a realidade que está começando a compreender. Brin- acompanhando a brincadeira das crianças, as compe- cando, a criança reflete, organiza, destrói e reconstrói tições e disputas; ou ainda, vendo-as se arriscarem e o mundo. Brincando, expressa, simbolicamente, os se lançarem nos desafios. seus desejos, os seus medos, os seus conhecimentos, os seus sentimentos mais ternos ou mais agressivos. A escola é, potencialmente, o primeiro espaço político A brincadeira é, portanto, espaço de aprendizagem! É e público – no sentido de coletivo – para as crianças nesta relação entre fantasia e realidade, neste recons- experimentarem a vida democrática ou a educação truir de forma nova e constante, modificando tanto a como política da vida. Isso pode ser uma utopia, mas, fantasia quanto a realidade, que vai sendo desenvolvi- talvez, conseguir fazer da escola uma organização da na criança, a capacidade de renovação e superação, “aprendente” seja o primeiro passo. tornando-a capaz de transformar. 16 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

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18 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

1 capítulo FUNDAMENTOS TEÓRICOS Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 19

FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE CRIANÇAS E CONHECIMENTOS Figura 1.1: Sesc no Ceará 20 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

As noções relativas à criança, ao modo que aprende e Figura 1.2: Sesc na Paraíba se desenvolve estão intimamente ligadas a determina- das concepções de homem, sociedade, conhecimento, a ser vistos como elementos dinâmicos e interligados. que vêm sendo elaboradas há muito tempo, em parti- Foram lançadas, então, as bases para uma visão cons- cular pela Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia trutiva do conhecimento. Segundo esta visão, e Pedagogia. Até o século XVII, não havia uma espe- cificidade do ser criança, como nos conta em valiosa o objeto do conhecimento se faz como elemento de obra sobre a história social da criança e da família, o interação que leva a uma construção inteligente do estudioso Ariés (1981). É com o desenvolvimento do sujeito que, ao mesmo tempo, se constitui na troca com sistema capitalista que vai nascendo a ideia de infân- este objeto. Dessa forma, não existe um real absoluto cia. Tendo em vista padrões relacionados a uma vida e verdadeiro, mas sim uma realidade interpretável; na burguesa, a universalização de tal ideia é ainda mais busca de interpretação, homem e mundo se constituem moderna. Portanto, a construção da infância faz parte por intermédio de linguagens (OLIVEIRA, 1993). de um processo de construção social e não há nada de natural nisso. E, como todo processo social e político, Destacam-se duas vertentes da visão construtivista: o temos subjacentes questões ideológicas. Tanto assim, cognitivismo e o interacionismo. A primeira foi desen- que muitas vezes naturaliza-se determinado modelo volvida por Jean Piaget,1 defensor da ideia de que a de infância e, facilmente, esquece-se a diversidade, ainda mais num país tão grande e plural como o Brasil. 1  Biólogo, filósofo, psicólogo e fundador da Epistemologia Genética, Jean Piaget (1896–1980) preocupou-se com os mecanismos Apenas no século XX é que se ampliam os estudos em cognitivos internos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos torno da infância e suas especificidades, pelas dife- (sujeito psicológico), sempre pontuando que estes mecanismos se rentes áreas de conhecimento desenvolvidas. Hoje, desenvolvem na interação dos sujeitos com o ambiente em que podemos pensar a infância a partir de contribuições vivem. A perspectiva piagetiana considera que, desde o nascimento, não apenas da Psicologia, mas também da História, da dependendo dos esquemas de ação até então formados, a criança Sociologia, da Antropologia, da Filosofia, da Linguística organiza o ambiente, emprestando-lhe significados e percebendo etc. Com a propagação de inúmeras descobertas cientí- algumas de suas características. Isso abre caminho para a ficas, a história da ciência começou a aproximar sujeito construção de novos esquemas e novos conhecimentos ou sistemas e objeto, crianças e conhecimentos, e estes começaram de significações, de modo infinito. Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 21

FUNDAMENTOS TEÓRICOS criança constrói conhecimento a partir da experiência Vygotsky leva em consideração a diferença entre o com o mundo físico, ou seja, na ação sobre o ambien- que a criança, a cada situação, é capaz de fazer sozi- te. Segundo o pesquisador, em seu processo de desen- nha (nível de desenvolvimento real) e o que ela pode volvimento cognitivo, a criança passa por períodos, fazer e aprender na interação com adultos ou outras por estágios, que são universais (invariáveis), desen- crianças mais experientes (nível de desenvolvimento volvendo em cada um deles as capacidades para o potencial), conforme vai observando-as, escutando-as, próximo, o que provoca mudanças qualitativas em interagindo. É nesse espaço entre os níveis, denomi- seu desenvolvimento. São eles: sensório-motor (0 nado “zona de desenvolvimento proximal”, que a ação a 18 meses), pré-operatório (2 a 7 anos), operações educativa deve se realizar, reconhecendo-o em cada concretas (7 a 12 anos) e operações formais. Da vasta criança, e não se acomodando a ele. Daí a importância e complexa obra de Piaget e seus colaboradores na das interações entre as crianças para que se organizem Escola de Genebra resulta um pensamento de grande e modifiquem a própria situação e os conhecimentos. abrangência e profundidade, o que o coloca entre os maiores pensadores do século XX. Para tanto, é fundamental um educador ainda mais atento, confiante nas possibilidades das crianças, que O interacionismo tem Vygotsky2 como maior repre- não determina a priori comportamentos e resultados. sentante. De acordo com esta concepção, cada uma A perspectiva de avaliação que deverá ser construída das experiências vividas faz com que a criança trans- será sempre coerente com a valorização das crianças forme suas capacidades e significações elaboradas, em suas manifestações. Caberá ao educador a obser- abrindo-se para novos conhecimentos, modificando vação e a reflexão atenta deste processo, ou seja, sua forma de agir. Na busca desta interação, homem deverá estar ativo no entendimento das hipóteses e mundo se constituem por intermédio de linguagens. trazidas pelas crianças – como necessária fundamen- Essas linguagens permeiam as relações e são cultu- tação para sua intermediação. rais. Assim, amplia-se a compreensão sobre desenvol- vimento, que não é visto segundo um padrão único, Quando auxiliada por um parceiro “mais experien- o que permite a discussão sobre as diferenças no te” na realização de uma tarefa, a criança desenvolve processo de aprendizagem em função de diversos formas mais complexas de agir, de conhecer e inter- contextos, incluindo os sociais e culturais. vir no meio; de se realizar e de perceber suas próprias necessidades. Assim, num processo de independência 2  Lev Seminavitch Vygotsky (1896–1934), psicólogo russo que entre os indivíduos, a existência humana é coletiva- morreu aos 38 anos. Podemos dizer que as contingências mente produzida, por meio da apropriação de ideias e históricas, de certo modo, determinaram o olhar sociocultural valores mediados pelo diálogo. Ou seja, as construções de sua obra. Para ele, a relação interpessoal é o recurso básico do conhecimento, da linguagem e da subjetividade do desenvolvimento. 22 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS ocorrem pelas interações que se estabelecem, desde – têm um lugar de destaque em termos mentais, cogni- o nascimento, entre a criança e o meio historicamente tivos, para a criança; demandam o desenvolvimento construído. Como afirma Esteban (2005, p. 89): de funções comportamentais complexas, não poden- do ocorrer como apropriação mecânica. É tentando a colaboração entre sujeitos com conhecimentos superar as posições que discriminam as crianças, diferentes potencializa a aprendizagem e o desenvol- dificultando-as de terem uma escola comprometi- vimento. A diferença nos ajuda a compreender que da com suas aprendizagens, que se deve fundamen- somos sujeitos com particularidades, com experiências tar o modo como a criança aprende e se desenvolve próprias, constituídas nos processos coletivos de que em perspectivas teóricas derivadas dos trabalhos de participamos, dentro e fora da escola; posta em diálogo, Piaget e Vygotsky. Como apontado, esses teóricos enriquece a ação pedagógica, relacionada à diversifica- admitem uma recíproca influência entre o indivíduo ção dos instrumentos mediadores e à ampliação dos e o meio, e consideram que os fatores biológicos e modos de sua utilização. sociais estão em constante interação no processo de desenvolvimento e não podem ser separados um do Pode-se dizer, então, que o meio é entendido como o outro. A criança é um ser ativo, que atribui significados conjunto de circunstâncias, situações, práticas sociais ao mundo e a si mesma por sua ação, e não é submissa e significações ideológicas presentes em uma cultu- à sua herança genética ou ao seu meio social. É capaz ra. Junto com as disposições orgânicas da criança, o de manifestar um comportamento inteligente, dife- indivíduo vai construindo determinadas habilidades rente, sim, do adulto, porém, não inferior. Ela constrói, e conhecimentos. Com isso, os autores apontam para reconstrói, reflete e se posiciona a partir de sua visão a construção social do homem e sua historicidade. de mundo relacionada à cultura e ao meio social em As funções psicológicas superiores, exclusivamente que está inserida. humanas – apenas possíveis com o desenvolvimen- to da cultura – são pontos de destaque na obra de Não se pode desconsiderar a contribuição dos dife- Vygotsky, como assinala Oliveira (1993, p. 58): rentes pesquisadores para elucidar aspectos impor- tantes do desenvolvimento humano e sua relação com As funções psicológicas superiores são os mecanismos o conhecimento, mas é preciso considerar o fato de psicológicos mais sofisticados e complexos, típicos dos não ser possível pensar a aprendizagem, os processos seres humanos, que lhes permite o controle conscien- cognitivos, sem levar em conta os aspectos culturais, te do comportamento, a ação intencional e a liberdade os problemas sociais, os desafios éticos, as diversida- do indivíduo em relação às características do momen- des, postos na contemporaneidade. E, em seguida, é to e do espaço presentes. Graças a essas funções, o ser preciso lembrar que toda prática pedagógica, toda a humano pode pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem reali- zadas em momentos posteriores. Importante ainda destacar que, nessa perspectiva teórica, os sistemas simbólicos – e, portanto, a escrita Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 23

FUNDAMENTOS TEÓRICOS didática construída, pressupõe um comprometimen- dual e coletivo. Com esta reflexão, pode-se ressaltar os to sociopolítico e epistemológico – mesmo que os direitos que dizem respeito às experiências culturais, docentes não se apercebam disso, envolvidos, coti- artísticas e a garantia de poderem dizer a sua palavra. dianamente, com a “tarefa de educar”, muitas vezes De serem atores sociais e autores de suas narrativas, naturalizando suas opções metodológicas. As proposi- frutos das inúmeras leituras e releituras que fazem do ções deste documento estão alinhadas a uma concep- mundo em qualquer lugar social que estiverem. ção que entende as crianças como atores sociais, em seus contextos de vida, ou seja, não estão passivas aos Por um lado, o Estatuto sinaliza o reconhecimento processos socioculturais dos quais fazem parte. Dife- da criança como um ser social, que exige cuidados e rentemente do que em geral se pensa, as crianças não amparos, mas, por outro, não escapa às contradições são seres que virão a ser. As crianças estão sendo em de uma sociedade profundamente desigual, o que situação histórica. compromete a sua concretização. Sarmento, Bandei- ra e Dores (2002) apontam uma crise social da infân- O problema deste “comumente pensado” vir a ser, é cia, que não deve ser pensada fora do contexto da que tal compreensão agrega à infância uma série de exclusão social, relacionada às variáveis de classe, desqualificações. A ela estão, invariavelmente, atre- etnia e gênero. Assim é que faz referência a quatro ladas as ideias de menor e da falta. Basílio e Kramer espaços estruturais: o espaço da produção (relação (2003, p. 14-15), na apresentação do livro Infância, com o trabalho e distribuição de riqueza); o espaço educação e direitos humanos denunciam o fato de doméstico; o espaço da cidadania (escola e esfera pública) e o espaço comunitário (relações de pares e o tema da infância e da adolescência, em vez de abor- culturas infantojuvenis). dado como uma categoria social constituída na história e influenciada por fatores de caráter econômico, socio- A reboque do processo de globalização, generaliza-se lógico e político, é reduzido ora a faixas etárias, ora a um vasto mercado de produtos para a infância, contri- níveis de escolaridade, ora a estratos ou grupos sociais buindo para certa uniformização de jeitos e estilos, que têm alguma coisa em comum. desejos e expectativas, promovendo ainda maiores desigualdades, já que a possibilidade do consumo É verdade que, no Brasil, algumas conquistas no plano está longe de ser para todos. Tal situação tem sérias legal foram, certamente, fundamentais, como o Esta- implicações no que Sarmento, Bandeira e Dores (2002) tuto da Criança e do Adolescente (1990), mas, e não chamam espaço estrutural, no âmbito do comunitário. é menos verdade, há um movimento de marcha à ré, Compromete a relação entre os pares, condição de considerando as políticas conservadoras que nos têm pertença a determinado grupo, ou seja, tem implica- assolado nos últimos anos e a consequente falta de ções à construção da própria identidade. ações que concretizem a ideia de que as crianças são sujeitos de direito, e de fato, no âmbito indivi- 24 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Não são poucas as questões circunscritas aos outros Exemplo deFeigsucrraita1.n3o: SneívseclepmréS-esirlgáibpieco espaços estruturais que corroboram para a situação de exclusão das crianças. No espaço doméstico, vive-se ocupado na teia social, pensá-las para além de uma uma grande fragilidade nas relações familiares – ainda etapa do desenvolvimento humano. Defender que na mais dificultadas porque pouco se consideram as escola deve-se envolvê-las nas decisões, ouvindo as necessidades e especificidades de famílias cada vez suas vozes, requer também a construção de um novo menos nucleares, sendo estas, ainda, colocadas em olhar para a experiência da imaginação e do lúdico, e lugar de referência e modelo. Por outro lado, pensan- uma disponibilidade, uma abertura, para a invenção e do no espaço mais público de socialização – a esco- para a criticidade da ordem das coisas. Diferente das la –, tem-se a realidade de uma instituição bastante ideias de menoridade, de falta e incompetência que comprometida no que diz respeito ao seu valor social estão relacionadas à infância, fundamental será obser- e fragilizada por uma crise que extrapola, e muito, os vá-la interrogando a Pedagogia para que esta repense limites de seus muros. Ainda sobre os direitos das as suas verdades. crianças, significativos avanços são percebidos no que tange à proteção e à provisão, mas, com relação aos direitos de participação, não se verifica muitos progressos. Sarmento e Pinto (1997, p. 13) nos falam desta condição paradoxal: [...] no fato de os adultos postularem que deve ser dada a prioridade às crianças, mas cada vez mais as decisões políticas e econômicas com efeito na vida das crianças serem tomadas sem as ter em conta [...]; no fato de os adultos concordarem em geral que as crianças devem ser educadas para a liberdade e a democracia, ao mesmo tempo em que a organização social dos servi- ços para a infância assenta geralmente no controle e na disciplina; [...] no fato de, sendo as escolas conside- radas pelos adultos como importantes para a socieda- de, não ser reconhecido como válido o contributo das crianças para a produção do conhecimento [...] O que se pretende, a partir deste documento nor- teador, é repensar o(s) lugar(es) que as crianças têm VOLTAR Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 25

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Figura 1.4: Sesc no Ceará constituem e se reconhecem sujeitos da história, produtores de cultura. Os textos e as demais formas Sobre a escola de expressão/linguagem estão, assim, carregados de conceitos/conteúdos construídos no momento histó- Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, rico-social em que foram produzidos. Isto significa que marcha, que não tem medo do risco, por isso recusa dizer que textos, sejam eles orais ou escritos, e tantas outras formas de expressão utilizadas neste processo o imobilismo. A escola em que se pensa, em que se estão marcados pela história e pelas histórias de seus atua, em que se cria, em que se fala, em que se ama, se produtores, condicionados por características cultu- adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim à vida. rais do espaço em que são produzidos. Entender essas relações e trabalhar com elas é importante para que FREIRE, 1993 a escola ressignifique seu trabalho, sua ação peda- Pensar a educação como prática social, inserida na histó- gógica. A escola deve proporcionar a apropriação e a ria e na cultura, requer entendê-la aliada à multiplicidade expansão dos seus conteúdos, visando desenvolver que constitui e caracteriza o ser humano, nas constantes a competência das crianças para que cada vez mais idas e vindas, nas construções e reconstruções, seme- compreendam e atuem no mundo em que vivem. lhanças e diferenças. É nessa dialética que os homens se [...] se concebe a educação escolar como uma práti- ca que tem a possibilidade de criar condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para cons- truir instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações sociais, políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas, condições estas fundamentais para o exercício da cidadania na constru- ção de uma sociedade democrática e não excludente (BRASIL, 1997, p. 47). A construção de uma prática pedagógica que dê conta das diferenças dos alunos e que, ao mesmo tempo, considere-as como elementos ricos de traba- lho, promovendo uma constante interação entre os pares, é um princípio fundamental nesta perspectiva. 26 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

Figura 1.5: Sesc no Amapá As possibilidades do aluno devem representar uma A escola, na sua concepção, deve ser ativa, dinâmi- experiência de sucesso; pois, caso contrário, a diferen- ca, aberta para o encontro com a vida, participante e ça pode significar uma experiência de fracasso e o ato integrada à família e à comunidade contextualizada, de aprender irá se transformar em ameaça e medo.3 enfim, em termos culturais. Nessa escola, a aquisição do conhecimento deve se processar de maneira significati- 3  Nesse sentido, vale a pena conhecer o trabalho do Educador va e prazerosa, em harmonia com uma nova orientação Celestin Freinet. Sua obra pode ser inspiradora, tendo em vista essa pedagógica e social em que a disciplina é uma expres- prática pedagógica comprometida com a construção da autonomia, são natural, consequência da organização funcional das do pensamento crítico e do espaço coletivo. Um dos mais atividades (PAIVA, 1996, p. 11). importantes educadores da atualidade nasceu em Gais, um vilarejo ao sul da França, em 15 de outubro de 1896. Professor primário A premissa deve ser a troca entre pares, em que o desde os 24 anos buscou pautar sua pedagogia no envolvimento conhecimento partilhado entre crianças e professores de todas as crianças no processo de aprendizagem, respeitando aparece como catalisador deste processo. A ideia é seus direitos de crescer em liberdade e em uma escola prazerosa, trabalhar com todos os elementos socioculturais possí- onde a criança queira estar, onde a afetividade e as emoções sejam veis e disponíveis, como forma de apreensão de valores legitimadas, onde haja alegria e prazer para descobrir e aprender. emancipatórios. Isto significa dizer que se deve primar Para Freinet, uma criança, que a cada instante cria, imagina e pelo incentivo às formas de pensar historicamente, pela inventa, só pode ser compreendida e orientada por meio de uma problematização da realidade e, naturalmente, pelo pedagogia da construção e do movimento. Assim, ele concebeu o processo ensino-aprendizagem na perspectiva dos que aprendem, participantes da construção do seu conhecimento, valorizando a capacidade individual e coletiva. Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 27

Figura 1.6: Sesc em Rondônia Um trabalho nesta perspectiva terá de considerar a linguagem como atividade do sujeito, apropriada pela engajamento da população infantil – e também de suas criança, na interação com o meio. Pensar a escola como famílias – na luta pela superação dos problemas reais espaço de interlocução e de produção de diferentes emergentes na comunidade. Ou seja, uma pedagogia caminhos é pensar a sala de aula como um espaço de deve ser sempre pensada a partir dos conhecimentos produção do conhecimento. Assim, o trabalho precisa dos alunos em suas múltiplas dimensões e das necessi- ter como preocupação os diversos “textos” produzi- dades sociais de aprendizagem que lhe são propostas. dos em sala de aula: os usos e as funções sociais da linguagem precisam ter como eixo a formação de um As aprendizagens que os alunos realizam na escola serão cidadão autônomo e participativo. significativas à medida que conseguirem estabelecer relações substantivas e não arbitrárias entre os conte- Ressaltamos a importância de estarmos sempre aten- údos escolares e os conhecimentos previamente cons- tos e de não perdermos de vista a função social da truídos por eles, num processo de articulação de novos escola: Para que ensinamos o que ensinamos? Para significados [...]. A aprendizagem significativa implica que as crianças aprendem o que aprendem? O que sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o queremos com o nosso aluno? E mais ainda, o que aluno precisa elaborar hipóteses e experimentá-las. é formar um cidadão autônomo e participativo? Os Fatores e processos afetivos, motivacionais e relacionais conteúdos ensinados, o enfoque dado a eles, as estra- são importantes neste momento (BRASIL, 1997, p. 53). tégias de trabalho pensadas para os alunos, o rela- cionamento com eles, o sistema de avaliação, entre outras questões, estarão diretamente relacionadas a uma concepção filosófica e política de sociedade, de vida humana. 28 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental VOLTAR

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Sobre o currículo educador deverá fazer. E, nessa escolha, não há nada de neutro, natural e desinteressado. Sobre isso, Arroyo É de fundamental importância definir o que se entende (2011, p. 13) afirma que: por currículo. O termo currículo dentro de uma pers- pectiva conservadora é definido como o conjunto de Na construção espacial do sistema escolar, o currículo é matérias ou disciplinas escolares; o conjunto de expe- o núcleo e o espaço central mais estruturante da função riências desenvolvidas na escola ou mesmo seleção da escola. Por causa disso, é o território mais cercado, de conhecimentos a serem transmitidos e assimilados mais normatizado. Mas também é o mais politizado, pelos alunos. Nessas concepções, todos os indiví- inovado, ressignificado. Um indicador é a quantidade duos são considerados iguais ou, pelo menos, tratados de diretrizes curriculares [...] outro indicador está nas da mesma forma, tendo os mesmos conhecimentos a políticas de avaliação do que ensinamos. serem incorporados. Não consideram as diferenças, e a escola se propõe a igualar indivíduos desiguais. Muito Certamente que os processos de democratização na se avançou nesta compreensão e não se acredita em escola, a força dos movimentos sociais, representam modelos tradicionais de currículo restritos, reduzidos a possibilidade de flexibilizar a estrutura dominante, a uma atividade técnica. Há algum tempo os estudos normatizante, de currículo. Sendo assim, as diretrizes são sobre o currículo têm avançado no sentido de conce- atravessadas por disputas e relações de poder e tendem bê-lo como um território em disputa (ARROYO, 2011), a incorporar novos saberes, novas culturas. A discus- redefinido a partir da dinâmica social e dos diferentes são que adentrou a escola em torno da presença de projetos de sociedade. afrodescendentes e dos indígenas na cultura brasileira é um bom exemplo disso. O reconhecimento da falta O currículo está diretamente relacionado às metas e de visibilidade dessa ascendência africana e indígena, intenções da escola, e sempre responde a uma pers- assim como a história desses povos na constituição da pectiva de formação do homem. Ou seja, a pergunta sociedade brasileira – invisibilidades reproduzidas no será sempre pelo tipo de pessoa desejável à deter- ambiente escolar, comumente, propagador da história minada sociedade. Para cada um dos tipos é possível oficial - leva à conquista da alteração das grades curri- que tenhamos um recorte diferente de conhecimen- culares.4 A escola, nesse sentido, reinventada, contri- tos e abordagens propostas; para cada tipo de ser bui para que as pessoas possam inaugurar um ”lugar” humano almejado, um tipo de currículo proposto! Há em sua história. um universo amplo, e cada vez mais constituído por conhecimentos e saberes múltiplos, escolhe-se uns Ainda temos o desafio de abrir espaço para as vivên- em detrimentos de outros. Por que esses conheci- cias de outros direitos, como a questão da inclusão mentos e não outros? Esta é uma pergunta que todo como tema transversal, que deverá estar presente 4  Conquistando a aprovação da Lei nº 11.645, de 2008. E com ela, a possibilidade de dessacralizar verdades, dogmas, preconceitos, conhecendo a História sob outro ponto de vista. Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 29

FUNDAMENTOS TEÓRICOS em todos os momentos.5 Sendo assim, o importante ultrapassa uma simples listagem de conceitos. Em tal é alinhar o projeto político pedagógico de cada escola posição, a escola é alicerçada no direito de todos os e seus desdobramentos à necessidade de flexibiliza- cidadãos desfrutarem de uma formação básica comum ção, objetivando atender ao aluno que chega, não só e de respeito aos seus valores culturais. Sendo laica, a em situação de deficiência (física, mental, sensorial), escola deve dialogar com as diversidades de etnia, de mas também aquele que migra para comunidades gênero e de religião, sem fazer juízo de valor. Nessa com língua, hábitos e valores diferentes dos seus, até perspectiva, é possível afirmar que o currículo englo- então, estranhos ao seu convívio familiar e social. A ba valores, atitudes e procedimentos além de abran- inclusão acontecerá realmente se estiver no âmbito ger questões referentes ao “quê”, “para quê” e “como” das prioridades desde a elaboração do projeto políti- ensinar, articuladas ao “para quem”. Assim, as deci- co pedagógico da escola. Sendo assim, estará presen- sões relativas ao “para quê” implicam a definição de te também nas intenções curriculares, bem como nas objetivos político-pedagógicos. É impossível pensar mudanças atitudinais tão necessárias à sua efetivação. no currículo sem o estabelecimento dos objetivos a serem alcançados. É nessa mesma perspectiva da transversalidade que se configura o compromisso com a promoção da equi- Estamos, portanto, diante deste artefato social que dade de gênero e o reconhecimento das diversidades. chamamos conhecimento e que precisa ser conside- A intenção é viabilizar espaços de socialização e cons- rado em sua importância na relação sujeito/objeto trução de identidades, proporcionando oportunidades no grupo. Quanto a isso, podemos dizer que acessar e condições para que meninos e meninas descubram e as informações sobre o mundo, fazer as articulações desenvolvam plenamente seus interesses e capacida- e organizações necessárias, perceber e conceber os des; transmitam saberes representativos do conjunto contextos – o global (todo/partes), o multidimensio- da experiência humana, desconstruindo estereótipos nal, o complexo, – ampliar o conceito de ciência inter- e preconceitos sexistas; incentivem a solidariedade e pretando os fatos humanos nas dimensões éticas e o respeito mútuo entre os gêneros.6 estéticas, deverão constituir-se em desafio constante na ação educativa. E este é grande, posto que a reali- A partir dessas considerações, pode-se afirmar que os dade deixa de se apresentar completamente esclare- conteúdos devem ser matéria-prima para a formação cida, dando vez às contradições e às incompreensões, de cidadãos críticos, autônomos e atuantes, o que com as quais o sujeito deve aprender a lidar. 5  Conforme Decreto Executivo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. 6  A este respeito, pode-se consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Secretaria de Educação Fundamental. 2 ed. Rio de Janeiro. DP&A, 2000. 30 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

Objetivos as características da faixa etária, o percurso que reali- za em seu processo de aprendizagem, as interven- [...] As crianças têm necessidade de pão, do pão do corpo ções sugeridas. e do pão do espírito, mas necessitam ainda mais do teu olhar, da tua voz, do teu pensamento e da tua promessa. Por outro lado, é importante estabelecer objetivos Precisam sentir que encontraram, em ti e na tua escola, comuns a toda escola para que se mantenha um nível a ressonância de falar a alguém que escute, de escrever de coerência entre os grupos/anos/ciclos. Aspectos a alguém que as leia ou as compreenda, de produzir cognitivos e socioafetivos estão envolvidos de forma alguma coisa de útil e de belo que é a expressão de tudo indissociável, levando em conta que a criança é um o que elas trazem de generoso e de superior [...] todo. Na escola, ela se insere num grupo com uma história de vida. Os objetivos propostos dizem respei- FREINET, 1996 to à criança enquanto indivíduo e também devem ser adequados a cada escola, a cada contexto social, Os objetivos constituem a mola propulsora para se cultural e a cada grupo conforme seu contexto, sua repensar qual formação se pretende que os alunos dinâmica e faixa etária. obtenham, o que a escola deseja proporcionar e, principalmente, tem possibilidade de realizar. Devem Conteúdos orientar a seleção e a organização dos conteúdos, valo- rizando o saber do grupo e colocando-o como ponto A função da escola não é transmitir “conteúdos”, de partida e ponto de chegada do trabalho educativo; mas também facilitar a construção da subjetividade desenvolver e indicar os recursos didáticos e os proce- dimentos avaliativos da atuação pedagógica. Por isso, para as crianças e adolescentes que se socorrem todos os profissionais precisam participar da elabora- nela, de maneira que tenham estratégias e ção dos objetivos, pois que estes estão diretamente ligados ao papel que a escola deve assumir perante recursos para interpretar o mundo no qual vivem os alunos, os educadores, os funcionários, os pais e a e chegar a escrever sua própria história. comunidade em seu todo. HERNÁNDEZ, 1998, p. 21 Os objetivos precisam explicitar as características Ao mudarmos o modelo de organização curricular, afetivas, cognitivas e físicas e as estruturas éticas, inevitavelmente, o conceito de conteúdo sofre alte- estéticas, de relação interpessoal e inserção social, a rações em seu entendimento. Ele precisa, de algum serem vivenciadas pelos alunos no processo de apren- modo, ser portador da inter-relação entre a concep- dizagem. Para isso, é importante conhecer a criança e ção de aprendizagem que se tem, o entendimen- seu grupo, atualizando essas informações individuais to do conceito de infância adotado e a perspectiva e sociais com seu contexto cultural e confrontando-as de formação que se pretende efetivar. Deste modo, com os preceitos teóricos de diferentes pesquisadores: partindo dos ideais de formação de autonomia e cria- tividade, para os quais esta proposta se direciona, Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 31

Figura 1.7: Sesc em Mato Grosso é indispensável ir além das tradicionais listas de Até hoje, a escola admite como sendo seus conteúdos temas desconexos, limitados e voltados para eles. Um de trabalho aqueles que envolvem saberes e noções novo tratamento e entendimento do que é o conteúdo relacionadas às disciplinas específicas. Limita-se, em precisa ser almejado! Essa reflexão tem sido travada geral, ao trato dos conteúdos conceituais – que envol- por muitos que têm pensado em Educação e pode-se vem os fatos e princípios de uma dada área do conhe- constatar um interessante produto deste processo cimento. E ainda lida com estes conceitos de forma no encaminhamento que foi dado ao tema nos PCNs estanque, tratando-os como fim em si mesmos, não os (BRASIL, 1997, p. 74): “Neste documento, os con- relacionando com o mundo e vice-versa. teúdos são abordados em três grandes categorias: conteúdos conceituais, que envolvem fatos e princí- Na visão desta proposta entende-se que esses impor- pios; conteúdos procedimentais e conteúdos atitudi- tantes conhecimentos destacados da relação com nais, que envolvem a abordagem de valores, normas o mundo se perdem, se “esvaziam”, sendo preciso e atitudes”. ressignificá-los. Questões como ética, preconceito, respeito etc., discussões que estão permeando a vida 32 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS e o mundo de todos nós, não costumam ser conside- Ao planejar, o professor precisa conhecer o con- radas como conteúdos de trabalho escolar. Por quê? teúdo e o seu grupo. Cuidar do que é aparentemente Como não trabalhar esses conteúdos, manifestos no simples, como por exemplo: arrumação das carteiras dia a dia desta sociedade? na sala, definição das propostas de atividades, orga- nização dos materiais disponíveis, previsão do tempo Os conteúdos atitudinais são aqueles voltados para para discussão e realização das tarefas. Isto traduz a construção de valores e hábitos da vida em socie- uma ação organizada, que está longe de ser entendida dade. Nesta perspectiva, além de conteúdos concei- como uma ação estática; mas, sim, como uma possibi- tuais, é preciso incluir atitudes, valores e hábitos nos lidade de constante reflexão para novos planejamen- objetivos curriculares. Para contribuir na formação tos. Nessa perspectiva, o ato de planejar é sempre um da cidadania, a escola precisa trabalhar situações em processo intimamente associado ao ato de avaliar. que valores como justiça, honestidade, solidariedade, compromisso e pensamento crítico sejam vivenciados. Sobre a metodologia Os conteúdos procedimentais dão conta das capaci- [...] a importância de uma coisa não se mede com fita dades que precisam ser desenvolvidas para um “saber métrica nem com balanças nem com barômetros etc. fazer”. Instrumentalizam as crianças a optarem por uma atividade e terem a capacidade de, ordenada- Que a importância de uma coisa há que ser mente, realizar uma série de ações que os levem aos medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. seus objetivos. Referem-se à aprendizagem dos proce- dimentos necessários à realização de projetos, deci- Assim um passarinho nas mãos de uma criança. É mais sões, cálculos. Como, por exemplo, o desejo de montar importante para ela do que a Cordilheira dos Andes... um seminário sobre invertebrados. Com autonomia, BARROS, 2003 perceberem que precisam pesquisar fontes, lê-las, sintetizá-las, elaborar registros, planejar a exposição. O professor deve ter em mente que a construção do Em uma proposta como essa o conceito só não basta, conhecimento se faz na medida em que o objeto a ser o trabalho com os procedimentos, com os “meios”, conhecido se torna significativo para a criança. Isso se ganha relevo! dá quando se assegura uma relação afetiva de confian- ça mútua, tranquila, com vínculos que se solidifiquem O trabalho que visa a uma interlocução entre concei- com o tempo; compartilhando o saber, decidindo junto, tos, procedimentos e atitudes está realmente favo- respeitando outros pontos de vista ou assumindo sua recendo a formação de cidadãos plenos: informados, posição. Por outro lado, é preciso garantir possibilida- conscientizados, capacitados ao encontro do mundo! des e direitos iguais no grupo, assim como explicitar, com clareza, o que se espera de cada um dos envolvi- dos no processo de ensino e de aprendizagem. VOLTAR Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 33

Figura 1.8: Sesc no Pará comunidade escolar. Nos pontos de convergência, as crianças poderão ir experimentando o exercício de um Deve-se garantir às crianças, no processo de sua saber mais democratizado. aprendizagem, a participação sobre o que irão estu- dar e sobre o planejamento das ações do grupo a As disciplinas – tradicionalmente apresentadas de que pertencem. Assim, vão aprendendo a organizar e modo compartimentado – devem ser tratadas a partir orientar seu processo de aprendizagem em colabora- de outro olhar, mais cuidadoso e sempre articulado ao ção com o professor e com os colegas, tendo planos esforço metodológico de apresentá-las na perspectiva de trabalho mais individuais e/ou coletivos. Desta de uma práxis transformadora. Neste sentido, é Platão forma, pode-se realizar a desejada articulação entre o (apud MORIN, 2001) quem vem ajudar a refletir: “É a saber e o sabor, nas palavras de Roland Barthes (apud mais radical maneira de aniquilar toda a argumenta- ALVES, 1999, p. 139): “Nada de poder; um pouqui- ção, esta de separar cada coisa de todas as outras, pois nho de saber; e o máximo possível de sabor [...]”. a razão nos vem da ligação mútua entre as figuras.” Neste processo compartilhado, em que todos estão Sobre esta questão é importante lembrar o fato de implicados, torna-se essencial garantir certa unidade a realidade, de o mundo, de as experiências cotidia- entre os grupos, para que as pesquisas e os conheci- nas, de os modos de aprender serem por si comple- mentos construídos possam ser partilhados entre a xos, dinâmicos, integrados, relacionados, e quando a escola leva em conta e se organiza para lidar com isso, ficarão as crianças mais conscientes, aptas para colo- carem e tratarem os problemas, assim como ligarem os saberes, atribuindo-lhes sentido. Sobre isso, Morin (2004, p. 24) nos diz com valiosa precisão: Uma cabeça bem-feita é uma cabeça apta a organizar os conhecimentos e, com isso, evitar sua acumulação. [...] o processo é circular, passando da separação à liga- ção, da ligação à separação, e, além disso, da análise à síntese, da síntese à análise. Ou seja: o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análi- se e síntese. Nesta perspectiva, acerto e erro são etapas igualmen- te importantes neste processo. Autonomia, coope- ração, livre expressão e construção são princípios básicos, o aluno precisa sempre elaborar hipóteses, 34 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS experimentá-las, confrontar seu saber com os saberes dada, mais rica ela será, ou seja, é inegável a impor- do grupo e, com isso, a possibilidade de erro torna-se tância da intervenção e mediação do professor e a bastante presente. Este é entendido como parte cons- troca entre os alunos, para que cada um vá realizando tituinte de um processo, como algo ainda desconheci- tarefas e resolvendo problemas, que criem condições do. Durante muito tempo, trabalhou-se com a ideia de para desenvolverem suas capacidades e seus conhe- que a ausência de erros era uma garantia de aprendi- cimentos (SÃO PAULO, 2007). zagem. Hoje, com uma melhor compreensão da relação de ensino e de aprendizagem temos a oportunidade Entendendo que cada disciplina possui uma lógica que de entender o erro como algo inerente ao processo e precisa ser respeitada com suas regras e leis próprias, que o aluno necessita de uma intervenção pedagógi- o grande desafio é o de superar o “estabelecido” e, ca para superá-lo. Devemos deixar de lado o poder de efetivamente, relacionar as experiências de vida dos decidir sobre o certo e errado e considerarmos mais os alunos à sua compreensão do real e ao conhecimento processos e conteúdos a serem trabalhados. sistematizado, pois “será muito mais rico se em nossas atividades didático-pedagógicas formos capazes de Outro passo ao estabelecermos uma metodologia auxiliar nossos educandos a sentir e a perceber o de trabalho é, dentro das possibilidades existentes, mundo como uma totalidade de elementos articula- construir uma rotina com o grupo, tentando apro- dos num todo” (LUCKESI, 1993). Tendo em vista esta veitar ao máximo os diferentes espaços e tempos articulação, pontuamos que o conhecimento é a inte- disponíveis. Uma rotina que precisa ser flexível e que gração de diferentes conceitos e não uma listagem de atenda com equilíbrio o ritmo individual, o grupo e ideias organizadas de forma sistemática. o funcionamento geral da escola, garantindo espaço para a criança poder exercitar a livre escolha, desco- Compreende-se interdisciplinaridade não simples- brir seu ritmo, mas também ater-se às propostas mente como um sinônimo de prática pedagógica, desenvolvidas coletivamente. mas, sobretudo, como avanço epistemológico. E nesse sentido, é preciso reconhecer quanto ainda Nesse cotidiano, as atividades devem se desen- se tem por caminhar nas escolas, ao pretenderem volver, na medida do possível, em uma situação de um currículo não disciplinar, tal como tem propos- jogo, estudo e pesquisa, conjugando-se objetivos e to Gallo (2001), um currículo em rede; isso porque conteúdos traçados com os interesses das crianças. se considera que a interdisciplinaridade e as suas É fundamental que o professor tenha consciência do variantes minimizam alguns efeitos epistemológicos seu papel, criar desafios e desequilíbrios, para que os e didáticos da disciplinarização. Porém, também se avanços se sucedam e se solidifiquem. Quanto mais reconhece que o conhecimento escolar não é pura a situação de aprendizagem for explorada e aprofun- repetição do conhecimento científico. Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 35

FUNDAMENTOS TEÓRICOS As escolas são espaços múltiplos, complexos em suas escolares, o projeto evita a fragmentação dos conte- relações, com movimentos também diversos e, histo- údos e torna a garotada corresponsável pela própria ricamente, próprios. Nas escolas o que pode aconte- aprendizagem (NOVA ESCOLA, 2011). cer são pontos de encontro entre as diferentes áreas do conhecimento, que poderão ser apropriados pelos Na escola, o trabalho com projetos origina-se a partir alunos, articulados ao conhecimento escolar e à cultu- da reflexão e busca da inovação, no sentido de signi- ra da comunidade. Nas palavras de Morin (2004, p. 25): ficar a aprendizagem, tornando-a mais articulada e “Para pensar localizadamente, é preciso pensar global- funcional. Para que se comece a pensar em um projeto, mente, como para pensar globalmente é preciso pensar é importante a definição do tema a ser desenvolvido localizadamente”. O professor com comprometimen- que contenha uma pergunta valiosa, substantiva a ser to político e epistemológico conduzirá a produção de explorada. Essa definição pode ser feita de diversos conhecimento relevante, significativo à vida dos alunos. modos: junto às crianças, procurando ouvir seus dese- jos e contemplá-los; junto aos professores, a partir de Uma proposta que esteja voltada para o princípio da alguma necessidade específica a ser trabalhada ou formação de indivíduos comprometidos, articulados, que pretende organizar. É fundamental que os profes- sujeitos do mundo em que vivem, só pode utilizar- sores conheçam e considerem também os conteúdos -se de uma organização pedagógica que inclua este que vão ensinar, a forma como as crianças se apro- mundo, em seus vários aspectos. Entende-se que o priam desse conhecimento e as situações possíveis trabalho com projetos poderá favorecer uma articu- para ensinar determinado conteúdo. lação de forma dinâmica e substantiva do conteúdo que se pretende desenvolver, com as informações que Importante destacar que cada trajetória é singular, não o envolve e, ainda, com os saberes que já se tinham existe uma fórmula que se possa repetir de maneira formulado sobre ele. idêntica porque os temas e as questões surgem em circunstâncias diferentes, às vezes numa aula-passeio, A organização do trabalho pedagógico por meio de com a leitura de uma notícia ou mesmo da observação projetos baseia-se, fundamentalmente, numa concep- do professor acerca de uma necessidade do grupo etc. ção de aprendizagem significativa e globalizada. Além desta consideração, vale dizer que um projeto pode envolver toda a escola, mas também pode estar Um projeto didático é um tipo de organização e plane- voltado ao interesse e ao trabalho de um grupo apenas. jamento do tempo e dos conteúdos que envolve uma situação-problema. Seu objetivo é articular propósitos É preciso atentar que, escolher projetos é um desa- didáticos (o que os alunos devem aprender) e propó- fio que está diretamente relacionado às perguntas sitos sociais (o trabalho tem um produto final, como que as crianças fazem, e não são poucas, tampouco um livro ou uma exposição, que vai ser apreciado por são necessariamente verbalizadas. O corpo também alguém). Além de dar sentido mais amplo às práticas 36 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS faz muitas perguntas, e sem dúvida essa constatação podem encontrar seu lugar, sua forma de contribuir. requer que dobremos a nossa atenção e sensibilida- Assim as crianças vão se responsabilizando pelo que de. Muitas vezes o professor deverá assumir o lugar de dizem, levando em conta quanto o posicionamen- tradutor, percebê-las no corpo, no gesto, no olhar, na to/conhecimento do outro é fundamental para o atitude. Ainda mais que, no caso da escola, para que próprio aprendizado. as perguntas se transformem em projetos possíveis, precisam ser de um tipo especial, capaz de mobilizar O compromisso com a socialização do conhecimen- um grupo. Para tamanho desafio, muitas vezes, é preci- to acumulado pela humanidade só será efetivo se so que o professor problematize ou mesmo abra mão no processo de aprendizagem estiverem garantidas do que nele está sedimentado, do seu conhecimento a significação, a pertinência histórica e social, a criti- seguro, de seus jeitos estabilizados de fazer, das práti- cidade e certa graça, encantamento, fundamentais à cas pedagógicas legitimadas. tarefa de ensinar e aprender. Senão, é conhecimento morto, estéril, sempre à espera de ser (re)encanta- Quando se trata de projetos, professores e alunos do por um grupo de crianças interessadas. Assim devem planejar as etapas, buscar materiais em dife- sendo, os conteúdos, nesta perspectiva metodológica, rentes fontes de pesquisa e detalhar o tema com a estarão relacionados aos projetos construídos que, elaboração de um índice de todo trabalho. O curioso certamente, se renovarão. As perguntas sempre atuali- é a mudança de atitude docente que está implicada. É zadas devem ser: Os conteúdos propostos têm a ver com preciso observar: os problemas dos saberes fora da escola? Favorecemos a interpretação dos conhecimentos que se encontram •• É possível que as perguntas, os temas valiosos, sejam nas diferentes experiências? Essas indagações levam à inevitável constatação de que a ideia de projeto remete igualmente novos para o professor e isso exigirá que a situar-se num processo, assim, o trabalho pedagógi- ele se coloque na condição de aprendiz para estu- co é efetivo quando está em construção, permanen- dar, pesquisar. temente conectado ao mundo. Ou seja, ter em vista a execução de tarefas reais, inseridas na vida cotidiana. •• A pesquisa conduzirá a diferentes versões, leituras, A avaliação deve ser realizada de modo contínuo, a do mesmo fato. É a problematização do tema que partir da observação de todo o processo, nas ativida- abre esse processo fundamental para que os apren- des individualizadas e coletivas. dizes possam contrastar o que sabem, pondo em questão os seus pontos de vista. Na organização da ação pedagógica, em algumas situa- ções, o professor apoia-se no livro didático, em um •• O que cada um produz em sala de aula, e traz de programa previamente estabelecido e, muitas vezes, informação, é matéria-prima para o desenvolvi- mento do projeto: conversas, discussões, debates, análises, fazem parte do contexto. Todos os alunos Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 37

FUNDAMENTOS TEÓRICOS apenas informa o que está no livro. Algumas escolas A equipe docente ao desenvolver o trabalho com fazem opção pelos livros didáticos e paradidáticos, e o apoio do livro didático precisa, em parceria com a esta escolha deve ser cuidada, criteriosa e, ainda que coordenação pedagógica, vivenciar momentos de o livro seja considerado adequado, necessário e de análise dos títulos disponíveis; sendo importante que boa qualidade, não poderá ser mais do que um guia, os mesmos estejam incluídos no Programa Nacional não um roteiro, e jamais uma receita. do Livro Didático (PNLD). Temos escolas que não utilizam livros didáticos. Elabo- Ao optar por uma metodologia, faz-se uma escolha ram seus próprios materiais inclusive publicando teórica e política e, para sustentá-la, é necessário produções que divulgam os estudos daquela determi- estudo, dedicação, aprofundamento, reinvenção! O nada turma durante o período letivo ou um estudo fazer pedagógico pode e deve ser encaminhado de específico, pesquisas que resultaram em produção de diversos modos. Não há dúvidas de que a forma deste conhecimento. Utilizam outros materiais de estudos encaminhamento, escolhida pela instituição, dá indí- como livros de literatura, jornais, revistas, internet, cios claros da sua filosofia de trabalho. E precisa ser mapas, globo terrestre, jogos didáticos e muitos outros entendida e consolidada no discurso e nas ações de que enriquecem as possibilidades de aprendizagem. todos os atores envolvidos no processo educativo. Freinet (1988, p. 63), pedagogo do bom-senso, Da ordem do cotidiano enumera com maestria qual é a realidade tão comu- – planejamento, ensino, mente flagrada: aprendizagem e avaliação Migalhas de leituras, caídas de uma obra que ignora- Planejamento e sua relação com mos e que têm gosto de pão que ficou ressecando nas os processos de ensino e de gavetas e nos sacos. aprendizagem Migalhas de História, umas bolorentas, outras mal cozi- No nosso dia a dia vivemos planejando nossas ações: das, e cujo amálgama é um problema insolúvel. uma viagem, uma festa, um encontro com os amigos, o orçamento doméstico. Todo planejamento nasce Migalhas de matemática e migalhas de ciências, como de um desejo, de uma intenção, de uma possibilida- peças de máquinas, sinais e números que uma explosão de ou necessidade. Toda ação pedagógica nasce de tivesse dispersado e que nos esforçamos para montar, um desejo de criar, interagir, trocar, inovar, acrescen- como um quebra-cabeça. tar. O planejamento de ensino constitui-se, então, na previsão, organização e avaliação de situações que Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar, no complexo de uma vida de infinitas combinações. Migalhas de arte... Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, miga- lhas de pátio, de recreio... Migalhas de homens. 38 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental VOLTAR

FUNDAMENTOS TEÓRICOS propiciem condições para que os alunos construam conteúdos e conceitos a serem trabalhados – o profes- conhecimentos sobre conteúdos e valores a serem sor organizará os objetivos que pretende atingir com explorados num determinado período. os alunos. Estes são gerais ou específicos. Mas como constituir um planejamento que conjugue os Os objetivos gerais são as grandes metas que se concre- interesses e os objetivos do professor com os do aluno? tizam por meio de objetivos específicos que contem- Como não fazer do planejamento um instrumento buro- plem os percursos individuais e coletivos durante o ano crático, uma “camisa de força” ou uma lista de ativida- letivo. A seleção de conteúdos, conceitos, procedimen- des para serem cumpridas, inibindo o surgimento e a tos e valores deve ser realizada em função dos obje- exploração de fatos e situações inesperadas? tivos propostos. Esta organização precisa constar no projeto político pedagógico e no planejamento anual A finalidade de um planejamento é permitir pensar que será objeto de revisão periodicamente. previamente no que se quer e no que se pode fazer, em função da criança e da sociedade em que se vive É importante a organização sequencial, considerando-se e se quer viver. Como um instrumento que leva a uma a graduação, a continuidade, a unidade e a interdis- tomada de decisão, concretizando-se por meio de ciplinaridade dos conteúdos selecionados. A organi- ações reais, um planejamento que fique apenas no zação dos procedimentos de trabalho precisa estar papel nada significa. Ele precisa falar de vida, de uma adequada aos objetivos propostos, aos conteúdos a história em construção, em que a criança é o centro. serem explorados e ao nível de desenvolvimento dos Para tal, é de fundamental importância conhecer a alunos e do grupo. realidade social e cultural dos alunos. Antes de pensarmos sobre orientações específicas O que os meus alunos sabem? para cada área do conhecimento e, portanto, em seus conteúdos, precisamos ter em vista, como adver- O que ainda não conhecem? te Zabala (1998), do perigo de compartimentar, no momento de planejar, o que não se encontra de modo Devo ensinar o quê? Como? Quando e onde ensinar? separado nas estruturas de conhecimento, criando fronteiras artificiais. O que chamamos conteúdos são No início do ano letivo, quando ainda não conhece- construções intelectuais para compreensão do mundo, mos os nossos alunos, podemos obter essas informa- das coisas ao redor, e sua parcialização metodológica ções no arquivo da escola, em conversas com colegas, é uma tentativa de facilitar a análise do que muitas com os próprios alunos e em entrevistas com os pais. vezes se dá de modo integrado, como vislumbra em Depois deste conhecimento sobre as características, sua reflexão: as condições e os problemas da realidade em que irá atuar – analisando, também, os objetivos do ano, os Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 39

Se em vez de nos fixar na classificação tradicional dos Modalidades organizativas conteúdos por matéria, consideramo-los segundo a tipologia conceitual, procedimental e atitudinal, pode- Planejar boas atividades, mesmo que seja para tratar remos ver que existe uma maior semelhança na forma de conteúdos bastante específicos ou estritamente de aprendê-los e, portanto, de ensiná-los, pelo fato de conceituais, contribui para a melhor atuação docente serem conceitos, fatos, métodos, procedimentos, atitu- porque lhe permite um conhecimento mais eficaz das des etc. (ZABALA, 1998, p. 39). variáveis do processo de ensino e aprendizagem; uma observação mais rigorosa das atividades propostas, A interação e a colaboração entre as disciplinas trarão seu valor ou mesmo a necessidade de mudanças ou maior potencialidade à construção do conhecimento. introdução de outras atividades. Espera-se que, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o diálogo entre as áreas não O planejamento didático em sentido estrito pode ser seja apenas bem-vindo como recomendável. Isso pensado de acordo com três modalidades organiza- não quer dizer que todas elas devam estar obriga- tivas: sequências de atividades, projetos e ativida- toriamente articuladas para o desenvolvimento de des permanentes.7 um determinado projeto, o que também poderia criar situações muito artificiais. Considera-se, no entanto, Sequências de atividades. São organizadas em ordem um avanço poder tratar como conteúdos as atitudes crescente de complexidade. Uma etapa depende da e os procedimentos, e não apenas conceitos ou fatos. outra e permite que a próxima seja realizada. São Pois são igualmente importantes e vão requerer, planejamentos que correspondem a conteúdos espe- inclusive, o planejamento de sequências didáticas cíficos que precisam ser apresentados aos alunos. para que sejam apreendidos. Exemplo: Realizar uma sequência de atividades que O trabalho nas escolas deve propor uma forma integral passam pela leitura, apreciação, observação, regis- de educação. Não só cuidando dos aspectos concei- tro, até que se possa propor ao aluno o desafio de tuais e factuais do currículo, mas oferecendo algo autoria no gênero jornalístico. que envolva liberdade de expressão – falada e escri- ta –, vivência mais ampla, transformadora, que leve os Atividades permanentes ou habituais. Caracterizam-se alunos a pensar por si mesmos, experienciando fatos pela regularidade, cuja intencionalidade maior é a forma- ao seu alcance, levando-os para perto daquilo que ção de hábitos e atitudes e a construção de determi- vivenciam em sala de aula, nos livros, nas pesquisas, nados procedimentos. nas conversas, para que possam, de fato, aprender. Sabemos que o prazer é parte fundamental do apren- Exemplo: Rodas semanais para leitura de notícias dizado e sem envolver o afetivo, pouco ou nada do de jornal visando à compreensão da função social e que foi ensinado se apreende. comunicativa da linguagem. 7  Esse modelo é inspirado na proposta de Délia Lerner para a organização do tempo didático das atividades relativas ao ensino da língua, nas práticas de leitura e escrita. 40 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Figura 1.9: Sesc no Distrito Federal Projeto. Suas atividades se articulam em função de ção direta com os objetivos didáticos e com os conte- uma situação-problema e da intencionalidade de um údos que estão sendo trabalhados (p. ex., atividades, produto final a ser compartilhado. Deve-se atentar à de escrita de textos jornalísticos, que sistematizem o duração do projeto, que deverá ser flexível, conside- conteúdo discurso direto/discurso indireto, o estudo rando as circunstâncias quanto ao nível de envolvi- da pontuação adequada a esse tipo de registro e os mento e problematização em suas etapas, sem perder seus efeitos etc.). de vista sua conclusão. Essa organização não exclui a possibilidade de flexi- Segundo Lerner (2002, p. 89) existem ainda dois bilização. Entretanto, esta precisa ser consciente, ou tipos de situações que podem ser classificadas seja, o professor precisa ter clareza do porquê e o que como independentes: está flexibilizando no planejamento. Os motivos preci- sam ser depois analisados na avaliação. Ocasionais. Algo interessante trazido pelo aluno ou mesmo pela professora e que não tenha, necessa- Elementos indispensáveis ao riamente, nenhuma relação com o estudo feito pelo planejamento: cooperação e avaliação grupo naquele momento. O professor propõe uma atividade devido ao seu caráter de atualidade. Pode-se afirmar que planejar não é um ato solitário, e sim coletivo, que deve considerar não só as metas De sistematização. Tais atividades podem ser consi- educacionais como também a autonomia de cada deradas independentes por não estarem relaciona- professor e o trabalho cooperativo entre seus pares. das diretamente ao projeto desenvolvido. Poderão Qualquer planejamento precisa envolver a participação ou não estar articuladas. Guardam sempre uma rela- do grupo de professores e da equipe técnica da escola, Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 41

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Figura 1.10: Estância Ecológica Sesc Pantanal atitudes, e compreenderem que, muitas vezes, a aula termina e não há tempo de realizar tudo o que havia promovendo-se momentos de encontro, em que será sido combinado. discutida a seleção de recursos, considerando-se aque- les existentes na comunidade e na própria escola. Esta prática de planejamento cooperativo se comple- Outra dimensão desse aspecto coletivo do planeja- menta com o momento de avaliação no final da aula, mento é a participação das crianças. É preciso haver quando todos se reúnem, preferencialmente em roda, espaço no planejamento feito pelo professor – fruto para avaliar o dia, dizer sobre o que foi bom ou não, se de sua atividade de observação e pesquisa – para que houve tempo ou não para as atividades serem reali- a turma possa cooperar. Essa prática chama-se plane- zadas, se algo poderia ter sido feito de modo diferen- jamento cooperativo. Trata-se do momento diário te, se faltou compromisso ou participação etc. Deste em que o professor dividirá com a turma sua inten- momento de avaliação no final de um dia, novas ção de trabalho para o dia e incentivará às crianças combinações serão feitas para o próximo encontro: a participação, sugerindo, intervindo, propondo, se acordar a continuidade ou não das atividades; levan- comprometendo com o que foi combinado. Esse é um tar novos projetos, e assim por diante, formando uma momento valioso, inclusive, para as crianças apren- cadeia, um encadeamento, uma relação, no desen- derem sobre adequação dos temas e atividades em volvimento do trabalho. Neste momento de avalia- questão; o tempo necessário para o desenvolvimen- ção diária, as crianças poderão também socializar to das aulas; a pertinência ou não de determinadas suas realizações individuais e/ou em grupos, suas descobertas e também estarão abertas para ouvirem comentários, críticas, apreciações. Organizar o livro da vida8 para as crianças registrarem esta avaliação pode ser uma ótima estratégia para a construção da história do grupo e para preservação da memória, a partir das narrativas infantis. É muito importante no que diz respeito à motivação que as crianças cheguem à escola, de certo modo, e dentro do possível, sabendo o que vai acontecer, com compro- missos assumidos, implicados no processo de trabalho 8  Livro da Vida – um caderno ou pasta em que os alunos registram, por meio de desenhos, escritas ou colagens, os acontecimentos diários da sala de aula. Esses registros podem ser individuais ou em duplas. É um dos instrumentos de trabalho propostos por Freinet. 42 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

e aprendizagem aos quais estarão envolvidas. Nesta A constituição da rotina perspectiva, podemos afirmar que o planejamento sempre terá espaço para os movimentos das crianças. Escola é vida e não preparação para a vida. Só se E é na dimensão cooperativa que se materializará de aprende a viver, vivendo; só se aprende a fazer, fazen- modo mais pleno. do; só se aprende a pensar, pensando. Assim, para ocorrer uma aprendizagem, o aluno precisa participar Ao final de todo este processo ainda é preciso preser- de atividades significativas. var o momento de avaliação em que repensamos o que ocorreu, como ocorreu, o que falta, o que poderia ser Nas atividades, a troca, os intercâmbios sociais e a livre modificado. Origina-se então um novo planejamento. expressão precisam ser favorecidos, o processo de aprendizagem não deve ser solitário, ao contrário, deve Existe um processo de implicação nos atos de plane- ocorrer em um contexto participativo. Nesse sentido, os jar e avaliar: refletir, construir, sonhar o trabalho trabalhos em grupo, em duplas, ou trios, são extrema- pedagógico. Estes se entrelaçam com o cotidiano mente importantes, não só pela troca de conhecimen- escolar – espaço de formação para professor e aluno. tos, em que um coopera com o conhecimento do outro; A postura reflexiva materializada nos registros do como também por auxiliar o professor a operacionalizar professor permite novas possibilidades de interven- seu trabalho numa classe de muitos alunos. ção, de planejamento. Um ambiente de trabalho, descontraído e intenso é a Observando as considerações acerca do planejamen- imagem mais coerente com a sala de aula que se dese- to, pode-se perceber que a velha imagem de uma sala ja. Sala onde há grande circulação de ideias, diversi- de aula sem vida, sem diálogo, onde os alunos estão dade de materiais de apoio em substituição ao poder sentados enfileirados diante de um professor e um único do livro didático ou da cartilha, onde o tempo não quadro de giz não cabe mais. Assim como a realidade é administrado apenas pelo término de uma determi- do professor que fala, decide, determina e do aluno nada atividade, mas sim pelas necessidades de traba- que ouve, obedece e executa, ou seja, é apenas um lho e onde ocorra uma produção decidida e realizada recipiente a ser preenchido com o saber transmitido cooperativamente pelas crianças que, evidentemente, pelo professor. contam com a orientação do professor. A sala de aula é um espaço dinâmico, onde os saberes A rotina torna-se um fator fundamental no desen- são compartilhados, onde a criança não realiza uma volvimento de um trabalho pedagógico, autônomo e lição para receber uma nota, mas, sim, realiza um traba- cooperativo. Ela situa a criança no tempo e no espa- lho criativo e recebe dos seus pares e do seu professor ço, auxiliando a sua orientação e, principalmente, comentários críticos, sugestões e solicitações. a sua participação. Entretanto, ela não tem sentido Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 43

FUNDAMENTOS TEÓRICOS por si só: está sempre a serviço de um planejamen- A rotina diária é uma dimensão importante porque to prévio, diário, e dos interesses do grupo. Quais contribui tanto para que as crianças sintam-se em atividades farão parte da rotina deve ser pergunta segurança, como também para que possam participar de todo professor. A sucessão de acontecimentos ativamente, junto com o professor, da administração faz com que cada criança se aproprie do seu tempo, do tempo de aula. Surgem, então, novas questões: dentro do seu próprio ritmo e do ritmo de trabalho do Como elaborar atividades de rotina? Quais seriam as grupo. Este conhecimento deixa a criança mais segu- atividades de rotina adequadas ao meu grupo-turma? ra para confiar no professor, pois compreende que Para que se possa chegar à solução destas questões, seus desejos/interesses são respeitados na medida é preciso que se pense nas atividades de forma mais em que percebe que existe um tempo para tudo. Esta ampla, considerando aquelas de caráter atitudinal e compreensão é fator primordial no desenvolvimento procedimental, que buscam desenvolver capacidades da sua autonomia. mais complexas e articuladas, necessitando estarem sistemáticas vezes no planejamento e gradativamente É importante que a rotina de cada grupo seja estabe- atuando no desenvolvimento da competência deseja- lecida a partir dos princípios filosóficos e da meto- da. É conhecendo bem o seu grupo que o professor dologia que orientam o trabalho pedagógico. Ela será capaz de perceber e selecionar as atividades precisa equilibrar o tempo individual, o coletivo – o que julgar importantes para a sua rotina. Elas sempre de trabalho em grupo, em duplas, de livre escolha e poderão ser diferentes de um grupo para outro. mesmo o trabalho dirigido. Assim, há momentos em que a criança precisa ser livre para escolher o que, Assim, por exemplo, nos grupos que estão se apro- como e com quem realizar determinada atividade e priando da linguagem escrita, a leitura de um livro em outros, em que os desafios e propostas são lançados capítulos teria um lugar reservado, já que se relaciona pelo professor. É fundamental que essa liberdade de à ampliação do repertório literário das crianças. Jogos escolha seja sempre contextualizada, as opções sejam coletivos que envolvem o cálculo mental também teriam claras e possíveis de serem realizadas. Instrumentos espaço diário garantido, já que permitem a socialização que possibilitem à criança, desde o início, a compre- de estratégias. Em grupos com maior domínio de leitura ensão da sucessão de “momentos” escolares, como, e escrita, seria possível pensar que as atividades que por exemplo: o registro do planejamento cooperati- envolvem uma leitura autônoma poderiam ser feitas vo, o calendário semanal ou mensal com o registro de em casa, ou no momento do trabalho diversificado, e “grandes acontecimentos” são formas de auxiliar na que as situações de discussão, debate e socialização sua organização temporal. dos resultados seriam as que poderiam ocupar espaço diário no tempo da sala de aula. 44 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS A tarefa de casa pode fazer parte da rotina, tornan- e que enriquece o desenvolvimento do projeto de do-se uma atividade frequente. É importante, porém, estudo de sua turma, cuja coautoria assume parcial- considerar que essa tarefa não deve ser prescrita mente. Para isso acontecer, no entanto, é preciso que porque tal prática acontece tradicionalmente. Além de o professor abra um espaço qualitativo de devolução abordar conteúdos importantes relacionados ao que desta tarefa. É importante também variar as práticas é trabalhado diariamente, a tarefa de casa também de correção: coletivas com autocorreção, individuais, contribui para a formação de estudantes mais compro- troca em pequenos grupos etc. metidos com seus afazeres. Entende-se que este tipo de proposta deve estar na A atividade de pesquisa, por exemplo, colabora para rotina do grupo, pois discutir e corrigir coletivamente a formação de atitudes e procedimentos importantes, é fundamental porque, nestes momentos, há a possibi- como o desenvolvimento de uma rotina de estudo. lidade de enfocar tanto o conteúdo da tarefa realizada, Deve ser uma das atividades frequentes, desafiado- como também as dificuldades e quais os procedimen- ras, bem preparadas, de modo que a criança realize tos que cada criança encontrou para superá-las. São sozinha. Para isso, é necessário que as dúvidas sobre valiosas informações sobre o desenvolvimento dos o que está sendo proposto, o enunciado, por exemplo, alunos, pois constituem indicações de compreen- sejam esgotadas na escola. Variar o tipo de atividade são (ou não), transferência (ou não) daquilo que está para que não seja a simples repetição do que a criança sendo trabalhado. fez na escola é um cuidado importante. Eventualmen- te, algumas atividades exigem a participação familiar, Em busca de um ambiente prazeroso de trabalho, podendo tangenciar um espaço importante para o faz-se importante a preocupação com a organização diálogo com os pais, para a troca, para o reconheci- das atividades a serem desenvolvidas, assegurando mento do que as crianças estão pensando, aprenden- que todos possam se expressar e ser ouvidos. Dife- do, de como vão construindo o seu conhecimento. rentes atividades geram diversas demandas materiais Muitas vezes, estas atividades nos surpreendem, e e reações no movimento do grupo. Ao optar por uma também aprendemos com elas. No entanto, para que proposta ou outra, o professor deve pensar no seu dia essa participação da família seja possível, é preciso como um todo, analisando a sua adequação ao que foi conhecer as condições de vida das crianças. pensado para antes e depois. O retorno da tarefa de casa, na escola, dentre tantas Na organização do planejamento é preciso que o importâncias, também reitera o compromisso da crian- professor garanta frequentemente o desenvolvimen- ça com o seu grupo – na medida em que contribui com to de atividades que possam constituir e consolidar a a reflexão/discussão do que foi posto na centralidade, rotina no grupo, tais como: Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 45

Figura 1.11: Sesc na Bahia Momentos diversificados. A sala de aula pode ser ajuda. Por outro lado, ao planejar o trabalho diver- dividida em cantos, e cada um corresponde a um sificado, o professor também pode oferecer cantos trabalho ou um ateliê, que poderão ser organizados intimamente relacionados às dificuldades e/ou facili- em baús, caixas, prateleiras. Tais cantos são definidos dades das crianças, podendo acompanhá-las mais de em função dos objetivos e dos conteúdos previamen- perto. Para que isto ocorra dentro de um clima tranqui- te acordados e funcionam ao mesmo tempo, aten- lo e produtivo, as crianças devem estar familiarizadas dendo à escolha das crianças. Em cada ateliê estão com esta estrutura de trabalho. dispostos os objetos e equipamentos necessários para a realização de cada atividade. Assim, à medida Na organização de momentos diversificados há uma que cada um termina uma atividade, procura outro intenção clara de proporcionar à criança escolhas ateliê onde haja lugar disponível para prosseguir seu variadas, respeitando seu momento, sua necessida- trabalho. Esta organização tem como objetivo central de de esgotar um determinado interesse. Saber divi- o respeito aos interesses e ritmos de cada criança, dir, compartilhar, intercambiar com outra criança ou ao mesmo tempo em que lhe oferece a oportunidade mesmo esperar que alguém termine sua produção de, ao escolher a atividade que deseja fazer, exercer para que possa dar início à sua tarefa é um desafio sua autonomia. a ser superado, além de começar/elaborar/finalizar/ guardar o material, tornando-se responsável pelo uso Durante o trabalho, o professor circula pelos diversos e conservação do espaço e dos materiais. cantos, atendendo as crianças que necessitam de sua 46 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental

FUNDAMENTOS TEÓRICOS A roda. A roda pode ser utilizada como uma referência Figura 1.12: Sesc em Alagoas que marca e configura rituais da rotina diária. Repre- senta o momento em que o grupo se reúne para parti- Trocar, dividir com os amigos, se alimentar estão lhar atividades, ideias, leituras, discussão de livros, entre as conquistas a serem compartilhadas. Cabe ao notícias; para combinar regras, resolver situações difí- professor auxiliar neste processo. Além disso, há muito ceis, planejar e avaliar o dia. Este será um momento a explorar: sabores, cheiros, texturas, valor nutritivo muito rico se o professor souber conduzi-lo de forma dos alimentos, desperdício, organização, independên- a guiar a participação rumo à socialização dos conhe- cia. Pode-se também organizar momentos coletivos, cimentos individuais, propiciando uma real troca de estimulando a troca dos lanches ou a preparação, em experiência entre as crianças. O sentar em roda é um conjunto, de algum alimento a ser decidido e degus- momento de grande aconchego: estreitam-se as rela- tado por todos. ções pela própria configuração espacial em que se O recreio não deve ser utilizado como prêmio ou encontram, sentados no chão. castigo na relação professor e aluno, ou ainda apenas como um “liberador de energias”. Considerando que É comum que, nessas situações, surjam muitos assun- também não pode ser um momento de descanso ou tos. O professor precisa estar atento àqueles que mobi- lizam o interesse da maioria, conduzindo a discussão, trabalhando os conceitos que estiverem envolvidos, realimentando com novos questionamentos, buscando outras informações num processo contínuo e constante. O professor também precisa garantir que todos os alunos tenham o direito a vez e voz, inclusive os mais tímidos. Lanche e recreio. É sempre um momento gostoso, com lugar garantido na rotina diária. Ele pode acontecer na sala ou em qualquer outro espaço, dentro ou mesmo fora da escola. É comendo junto que os afetos são simbolizados, expres- sos, representados, socializados. Pois comer junto, também é uma forma de conhecer o outro e a si próprio. A comida é uma atividade altamente socializadora num grupo, porque permite a vivência de um ritual de ofertas. Exercício de generosidade. Espaço onde cada um recebe e oferece ao outro o seu gosto, seu cheiro, sua textura, seu sabor (FREIRE et al., 1998, p. 23-24). Ensino Fundamental - PROPOSTA PEDAGÓGICA 47

FUNDAMENTOS TEÓRICOS Figura 1.13: Sesc em Minas Gerais significativa implica sempre alguma ousadia. Diante do problema posto, o aluno precisa elaborar hipóteses lazer, pois todo espaço/tempo escolar é educativo, a e experimentá-las” (BRASIL, 1997, p. 53). presença e o acompanhamento do professor nos jogos e nas atividades do pátio (previamente combinadas A pesquisa é entendida como uma das atividades no planejamento) devem ser constantes, pois são que mais propicia tal aprendizagem, pois permite necessárias inúmeras intervenções suas, explicitando que as crianças se coloquem como potenciais cons- a importância do respeito aos direitos dos outros e ao trutores do próprio conhecimento. Ela fornece impor- cumprimento de regras, acompanhando a brincadei- tantes materiais para que as hipóteses das crianças ra das crianças, as competições e disputas; ou ainda, sejam elaboradas, experimentadas, significadas e vendo-as se arriscarem e se lançarem nos desafios. ressignificadas. Além disso, as práticas de pesquisa Pesquisa. A pesquisa aqui não é apenas mais um podem mobilizar um importante elemento quando procedimento pedagógico que pode ser utilizado pelo se fala em aprendizagem: a curiosidade! Aliando sua professor, mas sim um dos elementos que constitui de curiosidade à perspectiva de uma participação ativa forma definitiva o conceito de um processo educacio- na ação desenvolvida, a criança começa a estruturar nal que leva à autonomia, à liberdade, às aprendiza- seu pensamento. gens significativas. Segundo os PCNs “a aprendizagem O ato de pesquisar não é inato. Ele precisa ser apren- dido, exercitado ao longo de algum tempo. Logo, a pesquisa não pode ser encaminhada do mesmo modo com qualquer grupo de trabalho. Em turmas de crianças menores, menos experientes e autônomas, as atividades de pesquisa devem ser realizadas em sala de aula. O levantamento do tema e a busca de material bibliográfico são procedimentos que devem ocorrer perto do professor, sob seus constantes esclarecimentos e mediação. Aos poucos, as crianças vão tendo a oportunidade de vivenciar os hábitos e atitudes necessários ao ato de pesquisar. As crianças mais experientes, que passaram por este período e demonstram mais autonomia, devem ser estimuladas a buscar respostas às suas curiosidades 48 PROPOSTA PEDAGÓGICA - Ensino Fundamental


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