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Revista Impar 5 - book v7

Published by luan, 2019-11-05 13:51:14

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Ano 2019 Volume 2 Número 2 (Agosto) | ISSN 2595-4393 Aspectos genéticos Papel atual da imunoterapia da doença hepática no tratamento dos tumores gordurosa não alcoólica cutâneos Predição de remissão Citomegalovírus resistente prolongada de doença a ganciclovir: Relato de em pacientes com artrite sucesso terapêutico em reumatoide em redução de terapia medicamentosa paciente transplantado renal Choque cardiogênico Desafios e avanços em gestante com leucemia relacionados à terapia guiada mieloide aguda e sepse em uso de antracíclico por metas para o manejo do sangramento peroperatório no serviço de anestesiologia do Hospital Brasília



Editorial A Rede Ímpar traz para você a quinta edição de sua  revista quadrimestral de medicina, a  Ímpar Medical Journal  (IMJ). Neste volume, apresentamos artigos de atualização sobre diversos tópicos de relevância clínica como citomegalovírus, linfomas, choque cardiogênico e doença hepática e da próstata. Os estudos foram elaborados, respectivamente, por es- pecialistas dos seguintes hospitais que compõem a rede no país: Hospital 9 de Julho e Santa Paula, em São Paulo; Com- plexo Hospitalar de Niterói (CHN) e São Lucas Copacabana, no Rio de Janeiro; e Hospital Brasília e Maternidade Brasília, no Distrito Federal. Focada na excelência do atendimento, a Rede Ímpar investe constantemente no aprimoramento profissional e científico de suas equipes, na ampliação e  modernização  de suas instalações e do seu parque tecnológico, nas melhores práti- cas, visando assegurar ao paciente o melhor desfecho clínico e uma experiência única. A valorização da vida e o cuidado centrado no paciente são premissas do atendimento que prestamos. Boa leitura! Prof. Dr. Antonio Carlos Pignatari (editor-chefe da Ímpar Medical Journal) e Paulo Curi (CEO Rede Ímpar)

Rede Ímpar Paulo Curi, CEO Ímpar Medical Journal ISSN 2595-4393 A Ímpar Medical Journal (IMJ) é a publicação médica oficial da Rede Ímpar, publicada quadrimestralmente com uma tiragem de 3.000 exemplares. Todos os manuscritos da presente edição da Ímpar Medical Journal estão licenciados sob Licença Creative Commons Atribuição BY-NC. Para obter informações sobre submissão de manuscrito e normas redatoriais, ou para acessar a versão on-line desta publicação, acesse <https://www.hospitaisredeimpar.com.br/impar-medical-journal>. Em caso de dúvidas, escreva para <[email protected]>. Av. Paulista, 2.028 – Bela Vista – São Paulo – SP – CEP 01310-200 Fone: (11) 3147-9999 www.hospitaisredeimpar.com.br Auditoria de tiragem Editor-chefe: Prof. Dr. Antonio Carlos Pignatari, MD, PhD 1º Editor associado: Dr. Rodrigo Cañada Trofo Surjan, MD, PhD 2º Editor associado: Prof. Dr. Wolney de Andrade Martins, MD, PhD Editora Administrativa: Flávia Pascoal Cintra, Mª. Conselho Editorial - Dr. Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos, MD, PhD - Dr. Alexandre Rouge Felipe, MD - Prof. Dr. Eduardo Rocha, MD, PhD - Dr. Eduardo Siqueira Waihrich, MD, MSc, PhD - Prof. Dr. Evandro Oliveira da Silva, MD - Dr. José Resende Neto, MD - Dr. Leandro Richa Valim, MD - Dr. Marcos Knibel, MD - Dr. Moyzes Pinto Coelho Damasceno, MD - Dra. Maria de Lourdes Worisch Ferreira Lopes, MD - Dra. Sandi Yurika Callejon de Faria Sato, MD - Dr. Flávio Duarte, MD - Prof. Dr. Otávio Gebara, MD, PhD Grappa Marketing Editorial Coordenação Editorial, Projeto Gráfico, Diagramação e Revisão de Texto 4

SUMÁRIO 06 Hospital Santa Paula 39 CHN RELATO DE CASO RELATO DE CASO Doença linfoproliferativa gástrica Choque cardiogênico em gestante pós-transplante renal: Relato de casos com leucemia mieloide aguda e e revisão de pontos fundamentais sepse em uso de antracíclico 12 Hospital Santa Paula 42 CHN ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO Predição de remissão prolongada Manejo da infecção por citomegalovírus de doença em pacientes com artrite em pacientes submetidos a transplante reumatoide em redução de terapia de medula óssea medicamentosa 18 Hospital 9 de Julho 48 Hospital São Lucas RELATO DE CASO ARTIGO DE REVISÃO Citomegalovírus resistente a ganciclovir: Aspectos genéticos da doença hepática Relato de sucesso terapêutico em gordurosa não alcoólica paciente transplantado renal 21 Hospital 9 de Julho 53 Hospital São Lucas ARTIGO DE REVISÃO RELATO DE CASO Transtornos da articulação Febre familiar do mediterrâneo: Relato temporomandibular: Revisão de de caso em paciente adulto literatura 56 Hospital Brasília 27 Hospital 9 de Julho RELATO DE CASO RELATO DE CASO Hematospermia secundária a cálculos Crioglobulinemia secundária ao vírus nas vesículas seminais da hepatite C: Relato de caso de remissão da doença com o uso de 58 Hospital Brasília antivirais de ação direta e rituximabe ARTIGO DE REVISÃO 31 Hospital 9 de Julho Desafios e avanços relacionados ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO à terapia guiada por metas para o manejo do sangramento peroperatório Papel atual da imunoterapia no no serviço de anestesiologia do tratamento dos tumores cutâneos Hospital Brasília

RELATO DE CASO >> ptld gástrico pós-transplante renal Doença linfoproliferativa gástrica pós-transplante renal: Relato de casos e revisão de pontos fundamentais Hospital Santa Paula Adayane Rosa Alves Mira1, Laércio Akio Suenaga1, Tiago Kenji2. 1. Estudante de medicina. Estagiário(a) de clínica médica do Hospital Santa Paula, São Paulo, MS. 2. Diretor do IOSP – Instituto de Oncologia Santa Paula, MD. Correspondência: Adayane Rosa Alves Mira E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Os autores declaram não haver conflitos de interesse. RESUMO Palavras-chave: Transtornos Linfoproliferativos; Transplante de Rim; Estômago; Imunossupressão. Pacientes transplantados devem ser submetidos a tera- pias imunodepressoras, que os expõem a um alto risco ABSTRACT de desenvolver doença linfoproliferativa pós-transplante (PTLD). O risco de desenvolver neoplasia após transplante Transplant patients should undergo immunosuppressi- aumenta com o passar dos anos, e, quanto maior o tempo ve therapy, which results in increased risk of post-trans- para o diagnóstico, pior o prognóstico. A terapia imunos- plantation lymphoproliferative disease (PTLD). The risk of supressora deve ser reduzida imediatamente diante de um developing neoplasia after transplantation increases with quadro de PTLD. Em estágios iniciais, sem metástases, a time, and early diagnosis is paramount for better progno- ressecção cirúrgica seguida de quimioterapia adjuvante sis. Immunosuppressive therapy should be developed im- mostrou-se a conduta terapêutica mais efetiva, oferecen- mediately in the diagnosis of PTLD. In early disease stages do melhor prognóstico ao paciente. Neste artigo, descre- in non-metastatic patients, surgery followed by adjuvant vemos três casos de pacientes submetidos a transplante chemotherapy has emerged as a more effective treat- renal que, alguns anos depois, desenvolveram PTLD na ment attempt, offering a better prognosis to the patient. In forma de linfoma gástrico, e realizamos uma revisão so- this article, we describe 3 cases of patients submitted to bre os pontos fundamentais da PTLD com comprometi- kidney transplantation who, after some years, developed mento do estômago. PTLD manifested as gastric lymphoma. 6

Ímpar Medical Journal Keywords: Lymphoproliferative Disorders; Kidney O objetivo deste estudo é relatar três casos de pacientes Transplantation; Stomach; Immunosuppression. submetidos a transplante renal que, após alguns anos, de- senvolveram PTLD gástrica, além de revisar os principais INTRODUÇÃO conceitos envolvidos com essa afecção pela revisão de lite- ratura realizada nas ferramentas de busca PubMed, Scielo Em 1968, Doak et al. descreveram os primeiros casos de e Google Scholar. doença linfoproliferativa pós-transplante (PTLD), identi- ficados em pacientes submetidos a transplante renal.1,2 RELATO DE CASO 1 O termo “PTLD” se refere ao grupo de doenças caracteri- zadas pela proliferação linfoide anormal que acomete pa- Paciente do sexo feminino, 43 anos, procurou serviço de saúde cientes imunodeprimidos farmacologicamente, que foram em junho de 2007 com queixa de epigastralgia há três sema- submetidos a transplante de órgãos sólidos ou transplan- nas. Relatava ser hipertensa e ter passado por transplante renal te de medula óssea.3 13 anos antes (doador falecido), devido à deficiência renal de- Tais pacientes têm um risco até 10 vezes maior que a po- senvolvida por nefrite crônica. Desde então, fazia uso regular pulação geral para desenvolver neoplasias, sendo que esse de ciclosporina 50 mg, azatioprina 50 mg e prednisona 20 mg. risco chega a 50% após 20 anos de transplante.1 A ocorrên- Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral e cia de PTLD tem sido uma das principais complicações do descorada (3+/4+). O abdome era flácido, com dor à palpa- transplante de órgãos e pode se manifestar em qualquer ção em região epigástrica, descompressão brusca negativa período pós-transplante, desde o primeiro mês até vários e ruídos hidroaéreos presentes. anos após. A mortalidade é elevada e referida em até 48% A paciente foi internada e submetida à endoscopia diges- ao se tratar de transplante renal.1,3,4 tiva alta (EDA), que revelou úlceras gástricas com aspecto Os aspectos clínicos da PTLD são diversos e estão rela- compatível com linfoma não Hodgkin. Realizada tomogra- cionados ao nível de imunossupressão, à resposta imune fia computadorizada (TC) de abdome e pelve, que eviden- e à idade do receptor, à histopatologia e ao tempo decor- ciou um acentuado espessamento das paredes do antro e rido desde o transplante. O quadro geralmente apresenta posterior do corpo gástrico. Em TC de tórax e de crânio, não sintomas como febre, astenia, perda de peso, sudorese, foi visualizada nenhuma anormalidade. O exame histopato- linfoadenopatias palpáveis e sintomas relacionados à dis- lógico resultou positivo para Helicobacter pylori (H. pylori) e função do órgão comprometido. O diagnóstico da PTLD a biópsia da mucosa gástrica evidenciou PTLD monomórfi- baseia-se na história clínica e no exame físico acompa- ca, característica de linfoma não Hodgkin de grandes células nhado de exames de imagem com realização de biópsia B do tecido linfoide associado à mucosa (MALT). A biópsia para exame histopatológico.1 de medula óssea revelou ausência de infiltração medular. A classificação da PTLD utilizada atualmente foi definida Devido à malignidade, realizou-se gastrectomia total com e revisada em 2008 pela Organização Mundial da Saúde linfadenectomia, sem intercorrências. O exame anatomo- (OMS) e baseia-se nas diferentes apresentações morfoló- patológico do produto da gastrectomia mostrou mucosa gicas. Foram estabelecidos quatro tipos principais: lesões com lesão medindo 4 x 2 cm e confirmou linfoma maligno precoces (hiperplasia plasmocítica e PTLD mononucleose- não Hodgkin de grandes células, difuso, ulcerado, infiltrati- -like), PTLD polimórfica (composta por uma variada popula- vo focalmente até a serosa. ção de células), PTLD monomórfica e a PTLD tipo linfoma A paciente apresentou excelente evolução pós-operatória Hodgkin. As neoplasias de célula B são as formas mais até receber alta hospitalar oito dias após o procedimento. frequentemente encontradas e estão inseridas no grupo da Após três meses, iniciou quimioterapia (QT) com regime PTLD monomórfica, incluindo os linfomas difusos de célula R-CHOP, com indicação de dois ciclos e intervalo de 21 B e as neoplasias de célula T, com base na classificação dias entre eles. O tratamento foi realizado com rituximabe atual dos linfomas não Hodgkin pela OMS.1,3 560 mg, ciclofosfamida 1.100 mg, doxorrubicina 70 mg, vin- O tratamento da PTLD pode consistir na redução ou retira- cristina 2 mg e prednisona 100 mg. A paciente não apresen- da da imunossupressão e no uso de esquemas quimioterá- tou intercorrências nem náuseas, recebendo alta hospitalar picos, objetivando assim uma restauração do sistema imu- três dias depois de cada ciclo quimioterápico. ne e destruição das células tumorais. Contudo, ao se optar pela redução da imunossupressão, pode-se desencadear a RELATO DE CASO 2 perda do enxerto, por favorecer o desenvolvimento de re- jeição.1,3 O tratamento da PTLD pode também ser realizado Paciente do sexo masculino de 48 anos, com anteceden- por meio de radioterapia ou ressecções cirúrgicas. te há nove anos de transplante renal intervivos, em uso 7

RELATO DE CASO >> ptld gástrico pós-transplante renal de ciclosporina 100 mg, azatioprina 150 mg e prednisona tes de Diabetes mellitus há 30 anos, hipertensão arterial 10 mg, iniciou quadro de náusea, inapetência, epigastral- sistêmica há 20 anos e falência nefropática diabética há 19 gia, pirose e tosse seca. Apresentava ainda antecedente anos, que levou a transplante renal (doador cadáver) reali- pessoal de artrite gotosa. zado há 17 anos. Manteve imunossupressão contínua com Ao exame físico, apresentava-se descorado (2+/4) e com azatioprina 50 mg, ciclofosfamida 200 mg e ciclosporina dor abdominal epigástrica. Foi internado com hipótese 200 mg. Oito anos antes foi diagnosticado com insuficiên- diagnóstica de linfoma gástrico e submetido a exames cia vascular periférica devido à lesão ulcerada isquêmica de imagem (TC de tórax e abdome e EDA), sorologia para em calcâneo direito. Apresentava gota tofácea há 5 anos e vírus Epstein Barr (EBV) e exames laboratoriais para ava- herpes-zóster há dois meses. liação clínica. Ao exame físico encontrava-se pálido (2+/4+), com ester- Na TC de tórax, observou-se formação arredondada hipo- tor crepitante em hemitórax esquerdo. O abdome era flá- densa, medindo 2,0 x 1,2 cm na região pré-traqueal, suges- cido e indolor à palpação, estando os ruídos hidroaéreos tiva de linfonodo com dimensões aumentadas. Na TC de presentes. abdome, observou-se estômago com paredes espessadas, Foi solicitada internação do paciente para a realização de especialmente em sua porção fúndica. A EDA apresentou exames. A EDA revelou lesões ulcerativas sugestivas lesão ulcerada e vegetante em corpo gástrico e fundo gás- de linfoma não Hodgkin. A biópsia gástrica foi positiva trico recoberto por fibrina. Foi realizada biópsia para estu- para H. pylori e evidenciou sinais de metaplasia focal e in- do anatomopatológico e imuno-histoquímico, que revelou filtração linfoide atípica. Foi realizada imuno-histoquímica linfoma não Hodgkin de grandes células B (CD20+) de alto com CD20+. A imagem da TC de tórax revelou opacidade grau, caracterizando uma PTLD em fase monoclonal e ori- nodular com bordas desorganizadas de aspecto consoli- ginando-se em um linfoma da zona marginal extranodal dativo/atelectásico com aerobroncograma em seu interior, (linfoma MALT). A sorologia foi negativa para EBV. localizada no lobo superior e inferior do pulmão esquerdo. Assim, optou-se por retirada da imunossupressão e indi- A biópsia de medula óssea não mostrou sinais de infiltração. cação de tratamento cirúrgico por meio de gastrectomia. Diante dos achados, o paciente recebeu diagnóstico de Durante a cirurgia, observou-se lesão de aproximadamen- PTLD monomórfica, manifestando linfoma gástrico não te 5 cm em fundo e corpo gástrico. Foi realizada gastrec- Hodgkin de grandes células B difuso com metástase pul- tomia total, esôfago-jejuno anastomose, esplenectomia, monar. Assim, optou-se por diminuir a terapia imunossu- colecistectomia e biópsia hepática, que revelou ausência pressora, com suspensão de azatioprina e ciclofosfamida, de infiltrado tumoral. O paciente apresentou boa evolução e manutenção de ciclosporina 200 mg uma vez ao dia. Foi pós-operatória, recebendo alta hospitalar dez dias depois indicado início imediato de seis ciclos de QT, seguindo regi- do procedimento cirúrgico. me R-CHOP, com intervalo de 21 dias entre cada ciclo. Dois meses após a cirurgia, iniciou regime quimioterá- Iniciou-se o primeiro ciclo com administração de rituxi- pico R-CHOP com rituximabe 650 mg, ciclofosfamida mabe 500 mg, doxorrubicina 50 mg, ciclofosfamida 750 mg 850 mg, doxorrubicina 80 mg, vincristina 2 mg e predniso- e prednisona 100 mg, sem intercorrências. Após quatro na 100 mg. Foram indicados quatro ciclos de QT com in- meses, o paciente foi internado para o quinto ciclo de QT. tervalo de sete dias entre eles. Antes de iniciar o segundo Apresentava febre de 38,2 graus. A hemocultura detectou a ciclo, apresentou quadro de sinusite em seio maxilar es- presença de Klebsiella pneumoniae produtora de β-lactama- querdo e exacerbação da artrite gotosa. Foi tratado com ses de espectro estendido (ESBL) e a urocultura foi positiva ceftriaxona 2 g, claritromicina 500 mg e colchicina 0,5 mg. para Cândida tropicalis. Iniciou-se tratamento com merope- Obteve melhora do quadro em 9 dias, retornando ao trata- nem 500 mg e fluconazol 200 mg. mento quimioterápico sem apresentar novas intercorrên- O paciente foi apresentando queda do estado geral gradati- cias nos demais ciclos. vamente, sendo transferido para a unidade de terapia inten- O paciente evoluiu com melhora do estado geral, sem ne- siva (UTI) após 14 dias, porque evoluiu com melena e hipo- cessidade de novas internações, após o último ciclo de tensão. Foi submetido a tratamento com sulfametoxazol + QT, e seguiu com indicação de uso contínuo de prednisona trimetoprima 400/80 mg, vancomicina 1 g e fluconazol 20 mg, alopurinol 100 mg e ácido fólico. 200 mg, além de receber duas bolsas de concentrado de hemácias. Realizou-se nova EDA, que revelou aumento das RELATO DE CASO 3 lesões ulceradas, que se mostraram facilmente sangran- tes durante o exame e a biópsia endoscópica positiva para Paciente do sexo masculino, de 61 anos, apresentou qua- H. pylori. No terceiro dia de internação na UTI, obteve me- dro de hiporexia, náuseas e pirose por um mês. Anteceden- lhora do quadro e alta para a enfermaria. 8

Ímpar Medical Journal Após um mês, apresentou importante piora da lesão em culino. Sua apresentação clínica inclui queixas dispépticas calcâneo direito, com presença de pus esverdeado e áreas inespecíficas, tais como inapetência, dor epigástrica, náu- necróticas, sendo aplicado filgrastim 300 mg. Dois dias de- seas, vômitos e hematêmese. Devido ao potencial de evolu- pois, apresentava-se em mau estado geral, referindo mial- ção fatal, faz-se mandatório o reconhecimento precoce da gia difusa, febre de 37,9 graus, hiporexia e aumento da hipe- doença, a realização de biópsias da lesão e o tratamento, restesia crônica em membro inferior esquerdo. Ao exame que, muitas vezes, é cirúrgico e quimioterápico.6 físico, apresentava-se hipotenso (70x46 mmHg), taquicár- A histologia é padrão ouro no diagnóstico dos linfomas gás- dico (120 bpm) e taquipneico (28 ipm). O exame laborato- tricos. Por meio da EDA, pode-se, além de observar desde rial mostrou leucocitose com neutropenia e piora da função mucosa com leves alterações, como edema, enantema di- renal (creatinina de 1,67 mudou subitamente para 2,1). Foi fuso ou focal, erosões, pólipos e até formação de úlceras, diagnosticado com sepse e iniciada antibioticoterapia com como nos casos apresentados, realizar biópsias para amos- imipenem 1 g endovenoso e ressuscitação volêmica. Nova tragem tecidual, o que é aconselhável sempre que houver hemocultura evidenciou, além da Klebsiella ESBL, uma in- suspeita em pacientes com antecedente de transplante.5, 7 fecção na corrente sanguínea por Pseudomonas CESP, fi- Muitos estudos relatam casos de PTLD no período recente cando o paciente mais 15 dias internado na UTI, tendo alta pós-transplante. Entretanto, como visto nos casos relata- após melhora do quadro clínico. dos, podem ser observados também em fase mais tardia, O paciente retornou ao hospital para receber o sexto ciclo visto que o risco para desenvolver neoplasia aumenta com de QT e evoluiu com piora infecciosa e hepatotoxicidade o passar dos anos.1,3 Além disso, a PTLD EBV negativa secundária ao fluconazol usado previamente. Vinha em uso tende a ocorrer tardiamente em relação ao transplante e de meropenem e vancomicina, evoluindo com piora discre- é pouco responsiva à redução da imunossupressão, sendo ta da função renal e persistência da leucocitose. Evoluiu necessário o uso de QT convencional.1 Nos casos apresen- com insuficiência respiratória grave mesmo com uso de tados, em relação ao tempo de transplante renal, o apa- suplementação não invasiva de oxigênio, sendo realizada recimento de sinais de PTLD foi tardio (9, 13 e 17 anos). intubação orotraqueal. Evoluiu com oligúria e anasarca, se- A prolongada administração de imunossupressores gera guidas de anúria e importante melena. Veio a óbito por dis- desregulação das células T e proliferação descontrolada de função múltipla de órgãos e sistemas, desencadeada pelo células B, deixando o paciente mais susceptível ao desen- choque séptico. volvimento de linfomas.3 Desde 1983, a ciclosporina tem sido usada como imunos- DISCUSSÃO supressor capaz de oferecer uma melhora significativa da sobrevida do enxerto; contudo, em consequência, também O transplante renal é uma ótima opção para o tratamento de aumenta a incidência de PTLD.1 A terapia imunossupres- determinadas doenças. Os pacientes transplantados preci- sora ideal seria aquela em que se usasse a mínima dose sam se submeter a imunossupressão para evitar rejeição capaz de suprimir a rejeição, já que o tratamento excessivo do enxerto. Isso os expõe a um elevado risco de desenvol- permitiria o desenvolvimento de PTLD.4,9 vimento de PTLD, uma condição potencialmente fatal ma- A redução da imunossupressão, portanto, é o tratamento nifestada por expansão anormal de células linfocitárias B, inicial em todos os pacientes com PTLD, a fim de aumen- que pode se apresentar como um quadro de processo infil- tar a atividade antitumoral e, possivelmente, levar à regres- trativo difuso.3-5 são da PTLD. Entretanto, vale ressaltar que essa medida Os linfomas não Hodgkin representam um grupo heterogê- também pode desenvolver rejeição do enxerto, devido à neo de neoplasias malignas linfocitárias, cuja incidência estimulação antigênica crônica.10 A resposta à redução da vem aumentando nas últimas décadas. Cerca de 40% dos imunossupressão inicia-se após três ou quatro semanas, casos de linfomas não Hodgkin se originam fora dos linfo- e é avaliada por monitorização sequencial do tamanho do nodos, sendo denominados linfomas extranodais, também tumor por meio de exames de imagem. A resposta à redu- conhecidos como linfoma MALT. O estômago é o local mais ção da imunossupressão depende da morfologia da doen- frequentemente acometido do trato gastrointestinal.6 ça, sendo que casos de PTLD policlonal tendem a respon- Em condições normais, não há tecido linfoide no estômago. der melhor do que os casos de PTLD monoclonais. Sendo Contudo, constatou-se que a presença de infecção crônica assim, pacientes com linfoma não Hodgkin com terapia por H. pylori, principal agente causador de gastrites ulcera- limitada apenas à redução da imunossupressão possuem tivas, está relacionada com o aparecimento de carcinoma e elevada taxa de mortalidade (50% a 90%).10,11 linfoma não Hodgkin MALT gástrico.7, 8 A ressecção cirúrgica completa deve ser considerada em O linfoma gástrico tem discreto predomínio no sexo mas- paciente com doença localizada, pois é considerada a mais 9

RELATO DE CASO >> ptld gástrico pós-transplante renal Quadro 1. Algoritmo modificado de tratamento da PTLD, proposto por Taylor, Marcus e Bradley. PTLD Estadiamento e classificação da OMS Multifocal Localizado PTLD SNC Radioterapia Cirurgia excisional se ressecável EBV positivo EBV negativo Redução da imunossupressão Redução da imunossupressão para iniciar quimioterapia Remissão Doença persistente Quimioterapia +/- Rituximab Remissão Continue a redução gradual da imunossupressão. Monitorar possível rejeição. Considerar Rapamicina para rejeição crônica. Fonte: Critical Reviews in Oncology/Hematology. 2005;56,155-167. (PTLD: Doença Linfoproliferativa Pós-Transplante). efetiva opção terapêutica, oferecendo menor morbidade. o VAPEC-B (doxorrubicina, etoposídeo, ciclofosfamida, me- Por outro lado, se o tumor já invadiu outros órgãos, a cura totrexato, bleomicina e vincristina). Ambos têm mostrado geralmente não será mais possível, sendo a indicação ci- importante sucesso terapêutico, destacando-se ainda mais rúrgica apenas para os casos nos quais existe risco de o regime CHOP associado à terapia com rituximabe, consi- obstrução gástrica pelo tumor ou para controlar possíveis derado um tratamento promissor para PTLD.10,11 O Quadro 1 sangramentos.7,10 mostra o algoritmo de tratamento para PTLD sugerido por A QT adjuvante é muito utilizada após a ressecção cirúr- Taylor, Marcus e Bradley.10 gica, principalmente nos casos de PTLD monoclonal, com O número de sítios acometidos pela PTLD é o fator prog- intuito de destruir possíveis células remanescentes e, des- nóstico mais importante. Para a doença presente em mais sa forma, evitar recidiva da doença. Para casos em estágio de dois sítios, a sobrevida em cinco anos é praticamente mais avançado, com comprometimento de outros órgãos, nula, enquanto que, se presente em um ou dois sítios, essa a QT será o principal método terapêutico, com intuito de sobrevida é de 40%.3 aliviar os sintomas e retardar a progressão da doença. A imunossupressão do paciente transplantado pode ficar Os regimes quimioterápicos mais utilizados são o CHOP ainda mais acentuada durante o tratamento quimioterá- (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona) e pico, aumentando sua susceptibilidade a infecções opor- 10

Ímpar Medical Journal tunistas, podendo levá-lo ao quadro de sepse.12 Isso foi REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS visto no último relato, em que o paciente já era imunode- primido, tinha uma porta de entrada aberta para infecções 1. Lafayette TCS. Linfomas Não Hodgkin (LNH) Associados ao (lesão em calcâneo devido à vasculopatia periférica), mas Vírus Epstein Barr (EBV) em Crianças Transplantadas: Caracteri- precisou receber QT devido ao avançado estadiamento de zação de Expressão Viral e Tratamento com O Emprego de Anticor- seu câncer. pos Anti CD20 [Dissertação de Mestrado]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2015. PONTOS FUNDAMENTAIS 2. Chocair PR, Picon PD, Krug BC, Gonçalves CBT. Imunossupressão no Transplante Renal. Protoc Clínico e Diretrizes Ter. 2014;712:317-52. • O risco de desenvolver neoplasias aumenta com o 3. Lima MS, Becker HMG, de Oliveira IS, Rodrigues DS, Franco passar dos anos após o transplante. LP, Nunes FB. Doença Linfoproliferativa Pós-Transplante em Tonsilas Palatinas: Relato de Caso e Revisão de Literatura. J Bras • A terapia imunossupressora deve ser reduzida, ou até Transplantes. 2013;16(2):1742-72. mesmo inibida, diante do quadro de PTLD, a fim de 4. Fernandes PMP, Odoni V, Aiello V, Bento GP, Junqueira JJM, permitir melhor atividade antitumoral. Azeka E, et al. Desordem Linfoproliferativa Pós-Transplante em Paciente Pediátrico. Arq Bras Cardiol. 2006;87(4):e108-11. • A opção terapêutica mais efetiva para os pacientes 5. Franco M. Doença Linfoproliferativa Pós-Transplante. Endosc com linfoma bem localizado, sem invasão de outros Ter. 2016;9-11. órgãos, é a ressecção cirúrgica do tumor, que pode ser 6. Costa RO. Linfoma Não Hodgkin Extralinfonodal Gástrico: acompanhada com QT adjuvante para evitar recidivas. Estudo Retrospectivo do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São • Pacientes com estágios mais avançados de câncer, Paulo. Universidade de São Paulo. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. apresentando invasão de outros órgãos ou sistemas, 2008;30(5):431-431. devem ter a QT como principal método terapêutico, para o 7. Costa RO, Neto AEH, Chamone DAF, Aldred VL, Pracchia LF, alívio dos sintomas e o retardo da progressão da doença. Pereira J. Linfoma Não Hodgkin Gástrico. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(1):63-69. • O número de sítios acometidos pela PTLD é o fator 8. Moreira AMA. Linfoma MALT Gástrico e Infecção por Helicobacter prognóstico mais importante, sendo que o envolvimento Pylori. Tese Apresentada ao Serviço de Hematologia Clínica do Centro de mais de dois sítios indica que a chance de sobrevida Hospitalar Porto; 2009. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar. em cinco anos é praticamente nula. org/24ca/8d6232e9482dfe6b7c78b642a087e8422d10.pdf. Acesso em: Set. 2019. • É importante estar atento ao desenvolvimento de PTLD 9. Lasmar EP, Coelho LGV, Lasmar MF, Lasmar LF, Nogueira AF, nos pacientes de risco, pois o diagnóstico nos estágios Giordano LFC, et al. Regressão de Linfoma Gástrico MALT em iniciais da doença tem melhor prognóstico. Transplante Renal Após Conversão da Imunosupressão para Sirolimo. J Bras Transplantes. 2008;11:1020-2. CONCLUSÃO 10. Taylor AL, Marcus R, Bradley JA. Post-Transplant Lymphoproliferative Disorders (PTLD) After Solid Organ O acometimento gástrico da PTLD pode ameaçar a vida Transplantation. Oncol Hematol. 2005;56:155-67. do paciente. Assim, independentemente do período pós- 11. Peterson BA, Peterson BA, Bartlett N, Dunn DL, Morrison -transplante, esse diagnóstico deve ser lembrado e tratado VA. Rituximab Therapy Is Effective for Posttransplant o mais cedo possível. Lymphoproliferative Disorders after Solid Organ Transplantation. Am Cancer Soc. 2005;104(8): 1661-7. 12. Patil NK, Bohannon JK, Sherwood ER. Immunotherapy: A Promising Approach to Reverse Sepsis-Induced Immunosuppression. Pharmacol Res. 2016 Sep;111:688-702. 11

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Redução de terapia na artrite reumatoide Predição de remissão prolongada de doença em pacientes com artrite reumatoide em redução de terapia medicamentosa Hospital Santa Paula Felipe Mendonça de Santana1, Jayme Fogagnolo Cobra2 e Camille Pinto Figueiredo3. 1. Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico reumatologista do Hospital Santa Paula, MD, PhD. 2. Mestre pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Médico reumatologista do Hospital Santa Paula, MD, MSc. 3. Pós-doutorado na Universidade de Erlangen-Nuremberg (Friedrich Alexander Universität Erlangen-Nürnberg). Médica reumatolo- gista do Hospital Santa Paula, MD, PhD. Correspondência: Felipe M. de Santana E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Todos os autores estão cientes de e aprovam sem objeção o conteúdo deste artigo, bem como declaram sua autoria. RESUMO e/ou suspensão de MMCDs, com ênfase nos marcadores laboratoriais que auxiliem a conduta médica. Uma análise A artrite reumatoide é uma doença sistêmica caracterizada qualitativa foi realizada a partir do RETRO para orientar o por acometimento sinovial e destruição articular. O avanço leitor médico quando necessário. Positividade para o an- no tratamento ocorreu nas últimas décadas, associado às ticorpo antipeptídeo cíclico citrulinado (Anti-CCP) e para opções terapêuticas disponíveis na prática clínica. À me- anticorpos antiproteínas modificadas (AMPAs), além da dida que mais pacientes atingem a remissão da doença, mensuração sérica do painel de marcadores de atividade surge o questionamento de quando reduzir ou suspender inflamatória (MBDA= multibiomarker disease activity), po- o tratamento. Várias publicações têm surgido, tentando dem predizer a recorrência de doença após a redução ou definir o melhor momento para a redução ou retirada te- retirada de MMCDs naqueles em remissão. A dosagem do rapêutica. Um dos estudos atualmente disponíveis, que Anti-CCP e a mensuração de MBDA, por sua vez, demons- apresentam respostas importantes, é o ensaio RETRO traram ser custo-efetivos, quando considerados tanto os (Reduction of Therapy in patients with Rheumatoid Arth- custos desses exames como os do tratamento. Apesar de ritis in Ongoing remission). Esse estudo avalia os efeitos apenas o Anti-CCP encontrar-se disponível na prática clíni- da redução e/ou retirada de medicamentos modificadores ca, espera-se que a pesquisa de AMPAs e a mensuração de do curso da doença (MMCD) convencionais ou biológicos. MBDA tornem-se disponíveis à medida que mais estudos O objetivo deste artigo é revisar evidências sobre a redução confirmem esses achados. 12

Ímpar Medical Journal Palavras-chave: Artrite Reumatoide; Anticorpos Esses fármacos podem ser classificados em convencio- Anti-Proteína Citrulinada; Recidiva. nais de origem sintética (sMMCD) ou biológica (bMMCD). Nas últimas duas décadas, houve um substancial avanço ABSTRACT no tratamento da doença devido à maior disponibilidade no uso de diferentes fármacos na prática clínica, particu- Rheumatoid arthritis (RA) is a chronic inflammatory systemic larmente à custa de novos bMMCDs. O resultado tem sido disease depicted by synovitis, joint destruction and impaired um incremento no número de pacientes atingindo remis- physical function. Over the past decades the improvement in são clínica da doença.4 Esta, não raramente, mantém-se RA treatment has been remarkable, mostly due to the upco- por tempo prolongado, trazendo ao médico reumatologista ming new therapeutic options represented by the DMARDs um novo dilema no tratamento da AR: deve-se reduzir ou (Disease Modifying anti-Rheumatic Drugs). However, the in- suspender os MMCDs nos pacientes em remissão? Se sim, creased number of patients achieving clinical disease remis- como, quando e em quais pacientes? sion has become a challenge to physicians, regarding whe- Ao mesmo tempo em que mais e mais pacientes conse- ther DMARDs should be continued or whether drug treatment guem atingir remissão clínica, o conhecimento atual das could be tapered or even stopped, in addition to who would vias inflamatórias e dos perfis moleculares envolvidos na safely benefit from it. The RETRO study (Reduction of Therapy fisiopatologia da doença tem permitido compreender que in patients with Rheumatoid Arthritis in Ongoing remission), remissão clínica não significa necessariamente remissão one of the largest currently available multicenter, randomized absoluta de doença. Uma numerosa parcela desses indiví- clinical trials on this issue, has brought some light to that mat- duos apresenta processo inflamatório persistente sinovial, ter. This review focuses on how current disease activity bio- corroborado por exames de imagens5,6 e/ou exame histopa- markers might support clinicians’ decisions, concerning which tológico.7 Essa heterogeneidade de perfis fisiopatológicos patients could have their treatment tapered or discontinued. entre doentes classificados no grande grupo de remissão A qualitative analysis was performed based on published clínica talvez seja responsável por um fenômeno cada vez articles originating from the RETRO trial. Single or multiple mais presente na rotina clínica dos médicos reumatologis- positivity for anticitrullinated protein antibodies (ACPA) and tas: a variada resposta à redução e suspensão dos MMCDs. antimodified proteins antibodies (AMPA), as well as the cumu- Prever com convicção e segurança quais pacientes em re- lative multibiomarker disease activity (MBDA) score seem to missão clínica apresentarão recorrência da atividade da predict disease relapse after drug tapering or discontinuation. doença, após redução ou suspensão dos MMCDs, é tarefa Algorithms for drug withdrawal based on the ACPA status and das mais árduas. Atualmente, não há nenhuma recomenda- MBDA score proved to be cost-effective. Although in clinical ção absoluta nesse sentido.8 Apesar de constar na última practice only ACPA status can be currently measured, AMPAs diretriz do European League Against Rheumatism (EULAR) and MBDA are both expected to become available once their a possibilidade de redução e suspensão de bMMCDs em clinical use is shown by similar studies. pacientes que atingem critérios de remissão clínica mais rígidos,2 como o critério de remissão ACR/EULAR,9 uma par- Keywords: Arthritis, Rheumatoid;  Anti-Citrulinated Protein cela substancial desses ainda assim apresentará recorrên- Antibodies; Recurrence. cia da atividade de doença a médio prazo. Mais recentemente, alguns estudos investigaram a capaci- INTRODUÇÃO dade de marcadores laboratoriais específicos para predizer recorrência de doença em pacientes em remissão clínica.10-16 A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune sistê- Desses, destacam-se quatro estudos oriundos de dados do mica caracterizada por um processo inflamatório crônico ensaio clínico RETRO, cujo objetivo foi avaliar preditores de no tecido sinovial. O quadro clínico é marcado pelo surgi- recorrência em pacientes com AR quando submetidos à re- mento de edema e dores articulares e periarticulares, com dução ou suspensão de MMCDs.13-16 Os resultados desses consequente limitação funcional e possibilidade de evo- estudos mostraram-se consistentes com aqueles de estudos lução para sequelas estruturais irreversíveis.1 A presença menores prévios e trazem ferramentas novas e promissoras, de inflamação articular (sinovite) associada à positividade no intuito de personalizar a conduta clínica nesse cenário. de marcadores séricos sistêmicos compõem os critérios O objetivo deste artigo de atualização é revisar de forma classificatórios mais recentes que guiam o diagnóstico da resumida as mais recentes evidências quanto à redução ou doença (Quadro 1). O principal pilar terapêutico consiste na suspensão de MMCDs em pacientes com AR em remissão introdução de medicamentos modificadores do curso da prolongada. Ênfase especial será dada aos resultados do doença (MMCD) em monoterapia ou terapia combinada.2,3 ensaio RETRO. 13

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Redução de terapia na artrite reumatoide Quadro 1. Critérios classificatórios para Artrite Reumatoide. com AR em remissão, além de como se utilizar de marca- dores clínicos e laboratoriais para individualizar, na prática CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS ACR 2010 clínica, a decisão de redução e suspensão de MMCDs. PARA ARTRITE REUMATOIDE DISCUSSÃO População-alvo. (Quem deve ser testado?) Pacientes que: 1. Apresentarem pelo menos uma sinovite clínica (edema As diversas análises obtidas do ensaio RETRO demonstra- articular). ram que positividade para o anticorpo antipeptídeo cíclico 2. Sinovite não pode ser melhor explicada por outra doença. citrulinado (Anti-CCP) e para anticorpos antiproteínas mo- dificadas (AMPAs), além de valores elevados no escore ESCORE CLASSIFICATÓRIO MBDA (do inglês, multibiomarker disease activity – marca- (≥ 6 pontos deverá ser considerado portador de artrite reumatoide) dores de atividade inflamatória), são preditores da recor- rência de doença em indivíduos com AR em remissão quan- ENVOLVIMENTO ARTICULAR do submetidos à redução ou suspensão dos MMCDs.13,14,16 Quando presentes simultaneamente, os Anti-CCP e os va- 1 articulação grande 0 lores elevados de MBDA atuam sinergicamente para elevar o risco de recorrência. Apesar de apresentarem custos não 2-10 articulações grandes 1 desprezíveis, a dosagem do Anti-CCP e o painel de MBDA demonstraram custo-efetividade, uma vez que permitiram 1-3 articulações pequenas (com ou sem 2 a correta identificação de pacientes que toleraram sus- grandes) pensão e redução de MMCDs.15 Esses, particularmente os bMMCDs, são sabidamente associados a custos intrínse- 4-10 articulações pequenas (com ou sem 3 cos elevados.18,19 grandes) O ensaio RETRO foi um estudo fase 3, aberto, randomizado, multicêntrico, prospectivo, controlado e com grupos para- > 10 articulações (pelo menos 1 pequena) 5 lelos.14 Nas análises interinas iniciais, 94 pacientes foram avaliados.13,14,16 A última análise do estudo, porém, incluiu SOROLOGIA um total de 146 pacientes.15 O tempo de seguimento foi de 12 meses, exceto quando o paciente atingia o desfecho pri- Fator reumatoide E Anti-CCP negativos 0 mário antes do término, que foi a recorrência de atividade de doença, caracterizada pelo escore DAS-28 VHS ≥ 2,6. Fator reumatoide e/ou Anti-CCP em baixos 2 Como critérios de inclusão, todos os indivíduos apresen- títulos tavam diagnóstico de AR segundo critérios ACR/EULAR 20101 por pelo menos 12 meses antes de entrarem no estu- Fator reumatoide e/ou Anti-CCP em altos 3 do. Todos se encontravam em remissão clínica de doença títulos pelo DAS-28 VHS (< 2,6) há pelo menos seis meses e em uso estável de MMCDs, sem doses elevadas de corticoides REAGENTES DE FASE AGUDA (prednisona ou equivalente ≤ 5 mg/d). Os pacientes foram randomizados 1:1:1 em três grupos: pacientes que deve- PCR E VHS normais 0 riam continuar os MMCDs, na dose que usualmente utili- zavam (Grupo 1); pacientes que deveriam reduzir a dose PCR OU VHS alterado 1 de todos os seus MMCDs (sintéticos e biológicos), em 50% durante todo o seguimento (Grupo 2); e pacientes que de- DURAÇÃO DOS SINTOMAS veriam inicialmente reduzir a dose em 50% por 6 meses e, então, suspender completamente os MMCDs até o término < 6 semanas 0 do estudo (Grupo 3). Parâmetros clínicos e laboratoriais fo- ram coletados na avaliação basal e visitas clínicas foram ≥ 6 semanas 1 agendadas trimestralmente (0, 3, 6, 9 e 12 meses) para a definição do status de atividade de doença. Dentre os pa- (CCP: peptídeo citrulinado cíclico. PCR: proteína C reativa. VHS: râmetros laboratoriais avaliados, incluíram-se a dosagem velocidade de hemossedimentação. Adaptado de Aletaha D. et al. de Anti-CCP e de AMPAs e a mensuração sérica do painel Rheumatoid Arthritis Classification Criteria: An American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism collaborative initiative. Arthritis Rheum, 2010). MÉTODOS Uma análise crítica qualitativa foi realizada a partir de dados e conclusões constantes nos quatro artigos até então pu- blicados, oriundos do ensaio clínico RETRO,13-16 bem como do artigo de revisão sobre o assunto recentemente publica- do na revista Nature Reviews.17 Quando oportuno, o leitor também será remetido a evidências outras, presentes na literatura médica. Por fim, apresentaremos as conclusões dos presentes autores referentes ao manejo de pacientes 14

Ímpar Medical Journal de MBDA. A distribuição de sexo, a média de idade e a fre- recorrência da doença quando suspensa ou reduzida a te- quência de uso de sMMCD e bMMCD da população estuda- rapia. A plausibilidade biológica para esse raciocínio tam- da foram todas semelhantes às encontradas habitualmen- bém é substancial. O DAS-28, quando comparado ao crité- te na prática clínica. Não houve diferença nos parâmetros rio ACR/EULAR, permite que o paciente com maior número clínicos basais e laboratoriais entre os grupos, segundo a de articulações dolorosas e edemaciadas, bem como com última análise do estudo, exceto pela presença de maiores maiores valores de provas de atividade inflamatória, seja valores de escore MBDA no Grupo 3. classificado como em remissão. Alguns estudos observa- Ao longo do seguimento, apenas 15,8% dos pacientes no cionais corroboraram essa ideia.9 O fato de o paciente se grupo 1 apresentaram recorrência de atividade de doença; encontrar ou não em remissão pelo critério ACR/EULAR em contrapartida, 38,9% e 51,9% dos participantes dos Gru- não esteve, contudo, associado à recorrência de atividade pos 2 e 3, respectivamente, perderam o status de remis- no RETRO. É importante salientar, portanto, que esse não é são quando seus MMCDs foram reduzidos ou suspensos. um assunto encerrado, devido aos resultados discordantes A diferença de recorrência entre o Grupo 1 em relação aos entre os estudos. Grupos 2 e 3 atingiu significância estatística. Conforme Uma segunda análise interina do RETRO focou na presença imaginado e alinhado com a prática clínica, esse é um dos de AMPAs e na probabilidade de recorrência de doença.13 resultados-chave do RETRO: pacientes em remissão, sub- Uma vez que a positividade para o Anti-CCP está associada metidos a desmame de medicação, seja parcial ou com- a maior risco de perda do status de remissão quando do pleto, apresentam no geral maior risco de recorrência de desmame de MMCDs, a pergunta aqui era se a positividade atividade de doença, o que fazem de forma frequente. para outros anticorpos associados à AR também apresenta- A primeira análise interina publicada do RETRO, além de in- va essa capacidade e se poderia complementar o Anti-CCP cluir uma avaliação descritiva do ensaio, realizou uma aná- na estratificação do risco. Os AMPAs, de forma análoga ao lise inferencial multivariada, com o intuito de distinguir fa- Anti-CCP, são anticorpos dirigidos a epítopos cujos ami- tores outros que poderiam estar associados à recorrência noácidos são modificados de forma pós-translacional e de atividade de doença que não a redução/suspensão de são encontrados com frequência em pacientes com AR.20,21 MMCDs.14 Por meio de regressão logística múltipla, além Essas modificações podem ser classificadas como citruli- da alocação nos Grupos 2 e 3, em relação ao Grupo 1, tam- nação (assim como ocorre no Anti-CCP), acetilação e car- bém a positividade para o Anti-CCP demonstrou associa- bamilação (homocitrulinação), gerando anticorpos contra ção significativa com a ocorrência do desfecho (OR 5,23; peptídeos citrulinados, acetilados e carbamilados, respec- IC 95% 1,10-24,86; p = 0,038). Diversas outras variáveis in- tivamente. Dez diferentes AMPAs foram dosados no RETRO cluídas no modelo, como idade, sexo, remissão pelo critério e a associação entre a positividade para um ou mais deles ACR/EULAR, presença de fator reumatoide e duração de e a recorrência de doença foram analisadas. Em resumo, doença, não demonstraram associação significativa com os anticorpos antipeptídeos citrulinados e antipeptídeos recorrência de atividade. Especial destaque merece ser carbamilados foram os mais frequentemente encontrados, dado a duas dessas variáveis, que na prática clínica têm além de associação significativa entre a positividade cumu- sido levadas em conta pelos reumatologistas na hora de lativa para os diversos anticorpos e a recorrência de doen- optar pelo desmame do fármaco: a duração de doença ça. Ou seja, quanto maior o número de AMPAs positivos, e o preenchimento do critério ACR/EULAR de remissão. maior o risco de recorrência. Da mesma forma, pacientes É senso comum que quanto mais longa a doença, quanto positivos para anticorpos de diferentes classes (carbami- mais bem estabelecida, mais difícil será a cura ou mes- lados e citrulinados) recorreram mais do que aqueles po- mo o controle permanente do paciente quando submetido sitivos para apenas uma classe (apenas carbamilados). aos MMCDs. Acredita-se que pacientes com AR de longa Apesar de haver sobreposição substancial entre positivida- data apresentam, portanto, maior dificuldade em manter de para AMPAs e para o Anti-CCP, essa não foi absoluta. remissão de doença quando suspensa a terapêutica me- A positividade para AMPAs conseguiu predizer recorrência dicamentosa. Apesar de corroborado por estudos obser- de doença mesmo dentre aqueles negativos para o Anti-C- vacionais prévios,10-12 o RETRO, no entanto, não conseguiu CP. Sendo assim, a dosagem de AMPAs poderia ter papel demonstrar sequer uma tendência estatística de que isso complementar à dosagem do Anti-CCP na predição de risco de fato ocorra (OR 1,007; IC 95% 0,926-1,096; p = 0,864). de recorrência em pacientes em remissão, auxiliando, por- Outra variável também levada em conta na prática clínica tanto, o reumatologista a melhor identificar aqueles com é a “intensidade” da remissão. Acredita-se que pacientes alta probabilidade de tolerar o desmame da medicação. que preenchem critérios mais rígidos de remissão do que Na terceira análise interina do RETRO, também 94 pacien- o DAS-28, como o critério ACR/EULAR, apresentam menor tes foram avaliados quanto à positividade para o MBDA 15

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Redução de terapia na artrite reumatoide e ao risco de recorrência após redução ou suspensão de análise, foi avaliada a custo-efetividade de um algoritmo de MMCDs.16 O teste MBDA consiste na dosagem simultâ- retirada de medicação baseado no escore MBDA e na posi- nea de inúmeras substâncias séricas que se encontram tividade para o Anti-CCP. Considerando a baixa taxa de re- elevadas em pacientes com AR ativa.22 Doze biomarca- corrência nos indivíduos duplos negativos (MBDA- e dores compõem esse teste: fator de crescimento epi- Anti-CCP-), sendo 11% no Grupo 2 e 33% no Grupo 3, um dérmico (EGF), fator de crescimento endotelial vascular total de 219.712,03 euros foram poupados com gastos de A (VEGF-A), interleucina 6 (IL-6), amiloide sérico A (SAA), MMCDs. Para a análise de custo-efetividade, foram levados proteína C reativa (PCR), molécula de adesão celular vas- em consideração tanto os gastos com os fármacos como cular 1 (VCAM-1), metaloproteinase de matriz 1 (MMP-1), aqueles relacionados aos exames (MBDA e Anti-CCP). metaloproteinase de matriz 3 (MMP-3), receptor do fator Além disso, a avaliação combinada de MBDA e de Anti-CCP, de necrose tumoral 1 (TNF-R1), glicoproteína de cartila- apesar de apresentar maior valor, demonstrou ser mais gem humana 39 (YKL-40), leptina e resistina. A partir dos custo-efetiva para nortear a redução de MMCDs do que a valores de cada um desses marcadores, um escore de 1 a dosagem isolada de Anti-CCP (Quadro 2). 100 é calculado, sendo maior quanto mais intensa é a ati- vidade de doença. Um escore menor do que 30 unidades Quadro 2. Preditores de recorrência de artrite reumatoide representa baixa atividade; de 30 a 44, moderada ativida- de; e maior do que 44, alta atividade. Apesar de todos os PREDITORES DE RECORRÊNCIA DE DOENÇA pacientes encontrarem-se em remissão clínica para a in- clusão no estudo, 33% foram classificados como modera- 1. Anti-CCP positivo. da e alta atividade pelo escore MBDA (> 30 unidades), en- 2. Anticorpos antiproteínas modificadas (AMPAs) positivos. fatizando a dissociação entre remissão clínica e remissão 3. Escore do teste MBDA > 30. inflamatória absoluta. Quando analisados em conjunto todos os grupos (manutenção, redução ou suspensão de (CCP: peptídeo citrulinado cíclico. MBDA: Multibiomarker Disease MMCDs), os pacientes com recorrência de doença apre- Activity). sentavam significativamente maiores valores de MBDA em relação aos que mantiveram remissão ao longo do Algumas limitações inerentes ao desenho do RETRO e de seguimento (p = 0,0001). Essa diferença deu-se principal- suas análises devem ser destacadas. A primeira é que não mente à custa dos grupos que foram submetidos à redu- se trata de um estudo duplo-cego, sendo assim, médicos, e ção (Grupo 2) e suspensão (Grupo 3) de droga. Ou seja, principalmente pacientes, estavam cientes da intervenção nos pacientes que mantiveram dose do MMCD (Grupo 1), realizada. A segunda é que todas as análises publicadas o escore de MBDA pouco influenciou a recorrência e a mi- desse ensaio, aqui citadas na revisão, foram realizadas noria dos pacientes desse grupo entrou novamente em com amostras interinas, ou seja, ainda durante a inclusão atividade de doença. Já nos Grupos 2 e 3, quando ana- de indivíduos. O número de indivíduos analisados foi sem- lisados em conjunto, observou-se que os pacientes que pre bem abaixo da amostra inicialmente prevista de 318 mantiveram remissão, mesmo após a redução e a suspen- pacientes, baseada no cálculo a priori de tamanho amos- são dos MMCDs, apresentavam menores valores de MBDA tral.14 Sendo assim, o poder do ensaio em todas as análises (p = 0,0001). Além disso, a capacidade do escore MBDA ficou comprometido, devendo-se ter cautela ao se aceitar de predizer recorrência de doença foi idêntica em pacien- os resultados negativos do estudo. Por exemplo, a presen- tes positivos para Anti-CCP e negativos para Anti-CCP, ça de remissão de doença por critérios mais rígidos, como demonstrando assim a capacidade de predição indepen- o ACR/EULAR, não se mostrou estatisticamente associada dente do Anti-CCP. Portanto, ao associar a presença de à menor recorrência de doença, o que contrasta com estu- moderada e alta atividade pelo MBDA e de positividade dos prévios semelhantes.9 Sabe-se que a confirmação de para o Anti-CCP, conseguiu-se distinguir de forma mais inflamação subclínica por meio de exames radiológicos (ul- acurada a recorrência nos pacientes submetidos à redu- trassonografia ou ressonância magnética) consegue prever ção e suspensão de MMCDs. Ou seja, os pacientes com recorrência e/ou progressão de doença em pacientes em dupla positividade (MBDA + e Anti-CCP +) foram aqueles remissão,23,24 e não sabemos como esses poderiam inte- que mais apresentaram recorrência de doença (76,4%) e ragir, influenciar ou mesmo mitigar os achados do RETRO. os duplos negativos, os que menos o fizeram (13%). Também é incerto se os resultados encontrados pelo en- A quarta e mais recente análise do RETRO incluiu um total saio se mantêm no longo prazo, uma vez que o tempo de de 146 pacientes divididos nos três grupos de intervenção seguimento foi de apenas 12 meses. Apesar de promisso- (manutenção, redução e suspensão de MMCDs).15 Nessa res, a dosagem de AMPAs e o escore MBDA ainda não se 16 encontram disponíveis no Brasil, o que limita a sua utiliza- ção na prática clínica.

Ímpar Medical Journal CONCLUSÕES Rheumatism Provisional Definition of Remission in Rheumatoid Arthritis for Clinical Trials. Arthritis Rheum. 2011 Mar;63(3):573-86. Várias características clínicas são consideradas importan- 10. van der Woude D, Young A, Jayakumar K, Mertens BJ, Toes RE, van der Heijde D, et al. Prevalence of and Predictive Factors for tes para a predição de recorrência de atividade de doença Sustained Disease‐Modifying Antirheumatic Drug-Free Remission in Rheumatoid Arthritis: Results from two Large Early Arthritis após suspensão ou redução de MMCDs. Sua utilidade real, Cohorts. Arthritis & Rheumatism: Official Journal of the American College of Rheumatology. 2009;60(8):2262-71. contudo, tem sido questionada à luz das mais recentes evi- 11. Klarenbeek NB, van der Kooij SM, Güler-Yüksel M, van Groenendael JH, Han KH, Kerstens PJ, et al. Discontinuing dências científicas. O ensaio RETRO demonstrou que apenas Treatment in Patients with Rheumatoid Arthritis in Sustained Clinical Remission: Exploratory Analyses from the BeSt study. Ann as dosagens do Anti-CCP e dos diversos AMPAs e o MBDA Rheum Dis. 2011 Feb;70(2):315-9. 12. van der Kooij SM, Goekoop-Ruiterman YP, de Vries-Bouwstra predizem recorrência de doença após redução ou suspen- JK, Güler-Yüksel M, Zwinderman AH, Kerstens PJ, et al. Drug-Free Remission, Functioning and Radiographic Damage After 4 Years são da terapia medicamentosa. A sua utilização combina- of Response-Driven Treatment in Patients with Recent-Onset Rheumatoid Arthritis. Ann Rheum Dis. 2009 Jun;68(6):914-21. da demonstrou ser sinérgica e custo-efetiva. A dosagem do 13. Figueiredo CP, Bang H, Cobra JF, Englbrecht M, Hueber AJ, Haschka J, et al. Antimodified Protein Antibody Response Anti-CCP já se encontra amplamente disponível na prática Pattern Influences the Risk for Disease Relapse in Patients with Rheumatoid Arthritis Tapering Disease Modifying Antirheumatic clínica e deve ser realizada em pacientes em remissão an- Drugs. Ann Rheum Dis. 2017 Feb;76(2):399-407. 14. Haschka J, Englbrecht M, Hueber AJ, Manger B, Kleyer A, Reiser tes da decisão de retirada de MMCDs, que pode ser conside- M, et al. Relapse Rates in Patients with Rheumatoid Arthritis in Stable Remission Tapering or Stopping Antirheumatic Therapy: rada reduzindo-se simultaneamente todos os MMCDs e não Interim Results from the Prospective Randomised Controlled RETRO Study. Ann Rheum Dis. 2016 Jan;75(1):45-51. necessariamente um por vez, seguindo ordem pré-estabele- 15. Hagen M, Englbrecht M, Haschka J, Reiser M, Kleyer A, Hueber A, et al. Cost-effective Tapering Algorithm in Patients with Rheumatoid cida, como consta nas diretrizes. A dosagem dos AMPAs e o Arthritis: Combination of Multibiomarker Disease Activity Score and Autoantibody Status. J Rheumatol. 2019 May;46(5):460-466. escore MBDA ainda não se encontram disponíveis para uso 16. Rech J, Hueber AJ, Finzel S, Englbrecht M, Haschka J, Manger B, et al. Prediction of Disease Relapses by Multibiomarker Disease Activity na prática clínica, sendo uma ferramenta promissora, porém and Autoantibody Status in Patients with Rheumatoid Arthritis on Tapering DMARD Treatment. Ann Rheum Dis. 2016 Sep;75(9):1637-44. que aguarda validação pragmática. 17. Trouw LA, Toes RE. Rheumatoid Arthritis: Autoantibody Testing to Predict Response to Therapy in RA. Nat Rev Rheumatol. 2016 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Oct;12(10):566-8. 18. Schoels M, Wong J, Scott DL, Zink A, Richards P, Landewé R, 1. Aletaha D, Neogi T, Silman AJ, Funovits J, Felson DT, Bingham et al. Economic Aspects of Treatment Options in Rheumatoid III CO 3rd, et al. 2010 Rheumatoid Arthritis Classification Criteria: Arthritis: A Systematic Literature Review Informing the EULAR An American College of Rheumatology/European League Against Recommendations for the Management of Rheumatoid Arthritis. Rheumatism Collaborative Initiative. Arthritis Rheum. 2010 Ann Rheum Dis. 2010 Jun;69(6):995-1003. Sep;62(9):2569-81. 19. Monteiro RDC, Zanini AC. Análise de custo do tratamento 2. Smolen JS, Landewé R, Bijlsma J, Burmester G, Chatzidionysiou K, medicamentoso da artrite reumatoide. Revista Brasileira de Dougados M, et al. EULAR Recommendations for the Management Ciências Farmacêuticas. 2008;44(1):25-33. of Rheumatoid Arthritis with Synthetic and Biological Disease- 20. Juarez M, Bang H, Hammar F, Reimer U, Dyke B, Sahbudin I, et Modifying Antirheumatic Drugs: 2016 Update. Ann Rheum Dis. al. Identification of Novel Antiacetylated Vimentin Antibodies in 2017 Jun;76(6):960-977. Patients with Early Inflammatory Arthritis. Ann Rheum Dis. 2016 3. Bértolo MB, Brenol CV, Schainberg CG, Neubarth F, Lima Jun;75(6):1099-107. FACd, Laurindo IM, et al. Atualização do consenso brasileiro no 21. Shi J, Knevel R, Suwannalai P, van der Linden MP, Janssen GM, diagnóstico e tratamento da artrite reumatóide. Revista Brasileira van Veelen PA, et al. Autoantibodies Recognizing Carbamylated de Reumatologia. 2007;47(3):151-9. Proteins Are Present in Sera of Patients with Rheumatoid 4. Aga AB, Lie E, Uhlig T, Olsen IC, Wierød A, Kalstad S, et al. Time Arthritis and Predict Joint Damage. Proc Natl Acad Sci USA. 2011 Trends in Disease Activity, Response and Remission Rates in Oct;108(42):17372-7. Rheumatoid Arthritis During the Past Decade: Results from the NOR- 22. Curtis JR, van der Helm-van Mil AH, Knevel R, Huizinga TW, DMARD Study 2000–2010. Ann Rheum Dis. 2015 Feb;74(2):381-8. Haney DJ, Shen Y, et al. Validation of a Novel Multibiomarker Test 5. Brown A, Quinn M, Karim Z, Conaghan P, Peterfy C, Hensor E, to Assess Rheumatoid Arthritis Disease Activity. Arthritis Care & et al. Presence of Significant Synovitis in Theumatoid Arthritis Res (Hoboken). 2012 Dec;64(12):1794-803. Patients with Disease‐Modifying Antirheumatic Drug-Induced 23. Scirè CA, Montecucco C, Codullo V, Epis O, Todoerti M, Clinical Remission: Evidence from an Imaging Study May Explain Caporali R. Ultrasonographic Evaluation of Joint Involvement in Structural Progression. Arthritis Rheum. 2006 Dec;54(12):3761-73. Early Rheumatoid Arthritis in Clinical Remission: Power Doppler 6. Brown A, Conaghan P, Karim Z, Quinn M, Ikeda K, Peterfy C, et Signal Predicts Short-Term Relapse. Rheumatology (Oxford). 2009 al. An Explanation for the Apparent Dissociation Between Clinical Sep;48(9):1092-7. Remission and Continued Structural Deterioration in Rheumatoid 24. Gandjbakhch F, Haavardsholm EA, Conaghan PG, Ejbjerg B, Foltz Arthritis. 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RELATO DE CASO >> Citomegalovírus resistente a ganciclovir Citomegalovírus resistente a ganciclovir: Relato de sucesso terapêutico em paciente transplantado renal Hospital 9 de Julho Irene Faria Duayer1, Hermes Ryoiti Higashino2,3, Camila Hitomi Nihei1,3, Zita Maria Leme Britto1,4, Maria Júlia Correia Lima Nepomuceno Araújo1,4. 1. Nefrologista do Hospital Nove de Julho, MD. 2. Infectologista do Hospital Nove de Julho, MD. 3. Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, MD. 4. Doutorado em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, MD, PhD. Correspondência: Maria Julia Correia Lima Nepomuceno Araújo E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Não há conflitos de interesses por parte de nenhum dos autores. RESUMO Palavras-chave: Transplante de Rim; Citomegalovírus; Mutação. A infecção pelo citomegalovírus (CMV) é uma complica- ABSTRACT ção comum após o transplante renal, conferindo impacto na sobrevida do paciente e do enxerto. Com o aumento da Cytomegalovirus (CMV) infection is a common complica- imunossupressão e da exposição a drogas antivirais, ob- tion after kidney transplantation and can impact patient serva-se a emergência de casos de CMV resistente ao tra- and graft survival. With the increase of immunosuppression tamento convencional. Relatamos o caso de um paciente and exposure to antiviral drugs, the emergence of cases que desenvolveu infecção pelo CMV quatro meses após o of CMV resistance to conventional treatment is observed. transplante renal, sem resposta ao tratamento inicial com We report the case of a patient who developed CMV infec- ganciclovir, mesmo após aumento da dose. A pesquisa ge- tion 4 months after renal transplantation, without response nética foi positiva para a mutação UL97. Foi então iniciada to initial treatment with ganciclovir, even after dose increa- terapia combinada de ganciclovir em dose alta e foscarnet, se. Genetic research was positive for the UL97 mutation. com boa resposta terapêutica. O paciente está há quatro Combination therapy of ganciclovir at high dose and fos- anos sem recidiva e em uso de leflunomida como profilaxia carnet was then initiated with good therapeutic response. secundária. Este caso ilustra a importância da genotipa- The patient has not relapsed for 4 years with leflunomide gem como auxiliar na tomada de decisão para a escolha as a secondary prophylaxis. This case illustrates the impor- do tratamento. tance of genotyping as an aid in treatment decision-making. 18

Ímpar Medical Journal Keywords: Kidney transplantation; Cytomegalovirus; Mutation. INTRODUÇÃO A prevalência de portadores de citomegalovírus (CMV) na Gráfico 1. Evolução da PCR (reação em cadeia da polimerase) população geral varia de 30% a 97%.1 Nos pacientes imu- para citomegalovírus durante todas as fases do tratamento: nossuprimidos, como os transplantados renais, é frequen- 1- Ganciclovir 5mg/kg 12/12h; 2- Conversão de imunossupres- te a ocorrência de doença secundária ao citomegalovírus, são para inibidor da mTOR; 3- Ganciclovir 10mg/kg 12/12h; tendo impacto na sobrevida desses pacientes e do enxer- 4- Foscarnet; 5- Leflunomida. to.2 Com o aumento da imunossupressão e da exposição a drogas antivirais, observa-se a emergência de casos de Solicitado teste de resistência que evidenciou a muta- CMV resistente ao tratamento convencional, sendo essa si- ção UL97 C603W, que confere resistência ao ganciclovir. tuação um desafio terapêutico.3 Foscarnet foi então associado ao esquema terapêutico, Na literatura, não existe estudo clínico robusto para emba- mantendo-se o ganciclovir na dose de 10mg/kg a cada sar a melhor opção terapêutica para os casos de CMV re- 12h. Após 3 semanas do início do foscarnet, a PCR para sistente. Sendo a tomada de decisão individualizada para CMV ficou indetectável, sendo o tratamento mantido por cada caso, variando desde o tratamento com ganciclovir mais 1 semana, totalizando 4 semanas. Optou-se por ini- em dose alta, foscarnet, cidofovir, leflunomida, imunoglo- ciar leflunomida como profilaxia secundária, devido ao bulina até terapêutica combinada de duas ou mais drogas. alto risco de recidiva. O paciente recebeu alta com leflu- Drogas experimentais, como brincidofovir e maribavir, se- nomida na dose de 40mg/dia. guem em estudo e o letermovir ainda não está aprovado Durante todo o tratamento, coletou-se bioquímica urinária e para uso no Brasil. 1,2,4 sérica a cada 48 horas para avaliar possível nefrotoxicidade O caso a seguir relata sucesso terapêutico com a combina- e mielotoxicidade. O paciente apresentou hipomagnesemia, ção de foscarnet e ganciclovir para CMV resistente. leucopenia e plaquetopenia com resolução após a suspensão do tratamento. A função renal permaneceu estável. Não hou- RELATO DE CASO ve recorrência do CMV em 4 anos de seguimento e o paciente permanece em uso de leflunomida na dose de 40mg/dia. Paciente de 35 anos, transplantado renal de doador fa- lecido, com sorologia negativa para CMV e doador com DISCUSSÃO sorologia positiva, baixo risco imunológico. Recebeu in- dução com basiliximabe e imunossupressão de manuten- A resistência viral do CMV confere uma maior dificuldade ção com tacrolimus, micofenolato sódico e prednisona. no tratamento e está associada com maior morbimortali- Cinco dias após o transplante, apresentou piora de fun- dade. O uso prolongado de antivirais, os transplantes entre ção renal, sendo então realizada uma biópsia renal que doador com sorologia positiva e receptor com sorologia evidenciou rejeição aguda mediada por células T. O pa- negativa, uma maior dose de imunossupressão, a doença ciente foi tratado com pulsoterapia de metilprednisolona invasiva, a carga viral elevada e o transplante de pulmão es- por 3 dias. Recebeu alta hospitalar com profilaxia primá- tão mais associados com o surgimento da resistência.5 No ria para CMV com valganciclovir 900mg/dia, que foi man- caso relatado houve aumento de risco de infecção por CMV tida por 3 meses. pelo uso de profilaxia primária, pelo fato do receptor sus- Quatro meses após o transplante, apresentou febre e eleva- ceptível ao CMV e o doador ter sorologia positiva e ainda o ção da reação de cadeia de polimerase (PCR) para CMV em receptor ter recebido dose adicional de imunossupressão 1195 cópias/ml (Gráfico 1). Foi iniciado tratamento com devido a um episódio de rejeição aguda. ganciclovir 5mg/kg a cada 12 horas, e diminuição da imu- A resistência a antivirais para tratamento do CMV surge a nossupressão. Após 4 semanas sem resposta, foi conver- partir de uma ou múltiplas mutações no gene UL97 (que tido para esquema imunossupressor com everolimus, com codifica uma quinase viral) ou UL54. consequente suspensão do micofenolato sódico e diminui- ção da dose do tacrolimus. Com mais 2 semanas, optou-se por aumentar a dose de ganciclovir para 10mg/kg a cada 12h, e solicitar teste de resistência terapêutica. A PCR para CMV persistia positiva (Gráfico 1). 19

RELATO DE CASO >> Citomegalovírus resistente a ganciclovir Mutações no gene UL97 conferem resistência ao ganci- doses para o tratamento de CMV resistente, assim como clovir, enquanto mutações no gene UL54 podem conferir resistência cruzada a ganciclovir e cidofovir, ganciclovir da profilaxia secundária com leflunomida, sem recorrência e foscarnet, ou às três drogas. Pode haver mutações iso- ladas ou combinadas, sendo a mutação isolada no UL54 após 4 anos de seguimento. O tratamento mostrou-se segu- mais rara.1,2,6 A diretriz de tratamento para CMV sugere um algoritmo ro, com o risco de nefrotoxicidade minimizado pelo acom- para tratamento de CMV resistente: na presença da muta- ção UL97, aumentar a dose de ganciclovir ou associar o panhamento adequado. A genotipagem é um importante foscarnet.2 Na falha do aumento da dose, optamos pelo tra- tamento com foscarnet. Há poucos estudos com o uso do auxiliar na tomada de decisão para a escolha do tratamento. foscarnet em pacientes transplantados, mas a maior par- te relata remissão do CMV com o tratamento.1 A principal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS complicação do uso do foscarnet é a nefrotoxicidade, que não foi observada neste paciente.7 1. Razonable RR, Humar A, AST Infectious Diseases Community A minimização da imunossupressão é recomendada em of Practice. Cytomegalovirus in solid organ transplantation. Am J casos de resistência ou recorrência, e a conversão para ini- Transplant. 2013;13(4):93-106. bidores da mTOR (mammalian target of rapamycin) pode 2. Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Huprikar S, Chou S, Danziger- ser considerada nos pacientes que possam tolerar sua uti- Isakov L, et al. The Third International Consensus Guidelines on the lização e não têm contraindicação a essas drogas.1,2 Há Management of Cytomegalovirus in Solid-organ Transplantation. estudos demonstrando uma menor incidência de infecção Transplantation. 2018;102(6):900-31. e doença por CMV em pacientes com esquema de imunos- 3. Fisher CE, Knudsen JL, Lease ED, Jerome KR, Rakita RM, Boeckh supressão baseado em inibidor da mTOR.8 M, et al. Risk Factors and Outcomes of Ganciclovir-Resistant Apesar de o uso de profilaxia secundária não ser rotineira- Cytomegalovirus Infection in Solid Organ Transplant Recipients. mente indicado, optamos por manter o paciente com leflu- Clin Infect Dis. 2017;65(1):57-63. nomida devido à existência da mutação e ao tratamento 4. Eid AJ, Arthurs SK, Deziel PJ, Wilhelm MP, Razonable RR. prolongado.2 A leflunomida é uma droga com proprieda- Emergence of drug-resistant cytomegalovirus in the era of des anti-inflamatórias e antiproliferativas, originalmente valganciclovir prophylaxis: therapeutic implications and outcomes. aprovada para tratamento de artrite reumatoide.9 A ação Clin Transplant. 2008;22(2):162-70. antiviral parece dever-se à inibição da renovação do tegu- 5. Kotton CN. CMV: Prevention, Diagnosis and Therapy. Am J mento do nucleocapsídeo viral.9,10 Há relatos de caso na Transplant. 2013;13(3):24-40. literatura sem recorrência do CMV após 10 anos com o 6. Yost SE, Echeverria A, Jie T, Kaplan B. Panresistant uso da leflunomida.10 cytomegalovirus in a kidney transplant recipient. Pharmacotherapy. 2014;34(1):e1-3. CONCLUSÃO 7. Klintmalm G, Lönnqvist B, Oberg B, Gahrton G, Lernestedt JO, Lundgren G, et al. Intravenous foscarnet for the treatment of severe Através deste relato de caso, observamos a eficácia da te- cytomegalovirus infection in allograft recipients. Scand J Infect rapêutica combinada de foscarnet com ganciclovir em altas Dis. 1985;17(2):157-63. 8. Sabé N, González-Costello J, Rama I, Niubó J, Bodro M, Roca J, et al. Successful outcome of ganciclovir-resistant cytomegalovirus infection in organ transplant recipients after conversion to mTOR inhibitors. Transpl Int. 2012;25(7):e78-82. 9. Verkaik NJ, Hoek RA, van Bergeijk H, van Hal PT, Schipper ME, Pas SD, et al. Leflunomide as part of the treatment for multidrug- resistant cytomegalovirus disease after lung transplantation: case report and review of the literature. Transpl Infect Dis. 2013;15(6):E243-9. 10. Chon WJ, Kadambi PV, Xu C, Becker YT, Witkowski P, Pursell K, et al. Use of leflunomide in renal transplant recipients with ganciclovir-resistant/refractory cytomegalovirus infection: a case series from the University of Chicago. Case Rep Nephrol Dial. 2015;5(1):96-105. 20

ARTIGO DE REVISÃO Ímpar Medical Journal >> Transtornos da articulação temporomandibular Transtornos da articulação temporomandibular: Revisão de literatura Hospital 9 de Julho Fernando da Palma de Jesus², Luiz Carlos Souza Manganello², Harisson Oliveira Livério³, Rodrigo Rosa Marques4. 1. Acadêmico de Odontologia do 5º semestre, Centro Universitário UniRuy Wyden, Salvador, Bahia. 2. Cirurgião bucomaxilofacial da Rede Ímpar, PhD em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Diretor da Instituição de Ensino e Pesquisa Buco Maxilo Facial, Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, MD, MSc. 3. Cirurgião Dentista da Rede Ímpar, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo. 4. Cirurgião Dentista, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, atua na área de harmonização orofacial, Clínica Pró Sorriso, Botucatu, São Paulo. Correspondência: Fernando da Palma de Jesus E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Não há conflito de interesses. RESUMO terapêuticos das DTMs. Observaram-se avanços significa- tivos nas duas últimas décadas de pesquisa acerca dos as- A articulação temporomandibular (ATM) é uma articulação pectos etiológicos, diagnósticos e terapêuticos das DTMs, superficial, localizada abaixo da extremidade posterior do com foco no manejo da dor, uma das queixas mais frequen- arco zigomático e na frente do meato acústico externo. Sua tes. A multiplicidade de fatores etiológicos dificulta o trata- função é fornecer o ponto de articulação para o movimento mento, além do diagnóstico, que pode ser complicado em mandibular durante movimentos na fala e na mastigação. virtude da similaridade dos sintomas com outras doenças. As disfunções temporomandibulares (DTMs) são um grupo Quanto ao prognóstico, a literatura revela a eficácia tera- heterogêneo de condições musculoesqueléticas e neuro- pêutica em uma pequena parte de pacientes com a forma musculares que envolvem o complexo articular temporo- crônica da doença. A terapia odontológica é indicada em mandibular, a musculatura e os componentes ósseos adja- casos de bruxismo, com a utilização de anti-inflamatórios, centes, afetando até 15% dos adultos, com incidência entre relaxantes musculares e antidepressivos. A cirurgia de re- 20 e 40 anos de idade. Em virtude da relevância do contexto construção da ATM é indicada em poucos casos, em virtu- epidemiológico do tema, esta revisão de literatura tem o de de problemas ocorridos. A literatura registra vantagens objetivo de apresentar o histórico e o desenvolvimento das e desvantagens acerca do tipo de material utilizado para a pesquisas acerca dos aspectos etiológicos, diagnósticos e confecção da prótese. 21

ARTIGO DE REVISÃO >> Transtornos da articulação temporomandibular Palavras-chave: Mandíbula; Doenças Mandibulares; e podem incluir dificuldades na mastigação, na fala e em Procedimentos Cirúrgicos Ortognáticos. outras funções orofaciais.3 Também são frequentemente associados com dor aguda ou persistente, e os pacientes ABSTRACT sofrem de outros distúrbios dolorosos como cefaleias, do- res na região pré-auricular, na face, na cervical e de ouvi- The temporomandibular joint (TMJ) is superficial and loca- do.3,4 As formas crônicas da dor das DTMs podem levar ao ted below the posterior extremity of the zygomatic arch, in comprometimento do trabalho e das interações sociais ou front of the external acoustic meatus. Its function is to pro- até mesmo à ausência desses, resultando em uma redução vide the point of articulation for the mandibular movement geral na qualidade de vida.3 during speech and chewing. Temporomandibular disorders A DTM afeta até 15% dos adultos, com pico de incidência (TMDs) are a heterogeneous group of musculoskeletal and entre 20 e 40 anos de idade.2 Em pesquisa realizada com neuromuscular conditions involving the temporomandibu- 4.000 adultos no Reino Unido, a prevalência de dor orofacial lar joint complex, musculature and adjacent bone compo- foi de 26%, com 6% relatando dor na ATM e 6%, na região nents, affecting up to 15% of adults, with incidence bet- pré-auricular.5 ween 20 and 40 years of age. Based on this context and Os fatores etiológicos descritos na literatura são de ordem on the relevance of the epidemiological aspect of the the- multifatorial, envolvendo vários aspectos, que incluem ati- me, this literature review aims to present the history and vadores físicos, emocionais, biológicos, ambientais, so- development of the research on the etiological, diagnostic ciais e cognitivos.2,6 and therapeutic aspects of TMDs. In the last two decades, Considerando esse contexto e em virtude da relevância do significant advances on the etiological, diagnostic and the- aspecto epidemiológico do tema, esta revisão de literatura rapeutic aspects of TMDs have been observed, focused on tem o objetivo de apresentar o histórico e o desenvolvimen- pain management, one of the most frequent complaints. to da pesquisa acerca das características etiológicas, diag- The multifactorial etiology complicates the treatment and nósticas e terapêuticas das DTMs. the diagnosis, which can be compounded by the similarity of the symptoms with other diseases. Regarding progno- METODOLOGIA sis, the literature reveals the efficacy of the therapy, with a small part of patients developing the chronic form of the di- Esta pesquisa, realizada por meio de revisão de literatura sease. Dental therapy is indicated in cases of bruxism with não exaustiva, buscou atingir o objetivo proposto através anti-inflammatory drugs, muscle relaxants, and antidepres- de levantamento de estudos em bases de dados, de acordo sants. Reconstruction surgery of the TMJ is indicated in com estratégia de busca, que inclui critérios para seleção few cases, because of complications. The literature shows de fontes de informação, uso de descritores e inclusão de advantages and disadvantages regarding the type of mate- estudos. rial used to make the prosthesis. O levantamento de informação foi realizado em fevereiro de 2019 em bases de dados nacionais e internacionais da área Keywords: Mandible; Mandibular Diseases; Orthognathic de Ciências da Saúde, sem recorte cronológico de publica- Surgical Procedures. ção de estudos, em virtude da necessidade de trabalhos anteriores aos últimos cinco anos, com vistas ao levanta- INTRODUÇÃO mento histórico e evolutivo da temática. A base de dados utilizada para a busca de estudos nacio- A articulação temporomandibular (ATM) é uma articulação nais foi a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe gínglimo artrodial, bastante superficial, localizada abaixo em Ciências da Saúde), índice da literatura científica e téc- da extremidade posterior do arco zigomático, na frente do nica da América Latina e Caribe em Ciências da Saúde. meato acústico externo. A função da ATM é fornecer o pon- Para a busca neste índice foi utilizado o descritor “Trans- to de articulação para o movimento mandibular durante a tornos da Articulação Temporomandibular” sob os aspec- fala e a mastigação.1 tos históricos, etiológicos, diagnósticos, terapêuticos e As disfunções temporomandibulares (DTMs) são um grupo cirúrgicos, com as seguintes estratégias: Transtornos da heterogêneo de condições musculoesqueléticas e neuro- Articulação Temporomandibular/história; Transtornos musculares envolvendo o complexo articular temporomandi- da Articulação Temporomandibular/etiologia; Transtor- bular, a musculatura e os componentes ósseos adjacentes.2 nos da Articulação Temporomandibular/diagnóstico; De acordo com a American Association for Dental Resear- Transtornos da Articulação Temporomandibular/terapia; ch, os sinais e sintomas associados às DTMs são diversos Transtornos da Articulação Temporomandibular/cirurgia. 22

Ímpar Medical Journal No levantamento de estudos publicados na literatura inter- sobretudo o apertamento e a sobrecarga na ATM. O trau- nacional, foi adotada a base de dados MEDLINE/PUBMED ma nos ligamentos da ATM, cartilagem articular, disco (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online). e osso produz estresse oxidativo e gera radicais livres Na estratégia de busca, usou-se o descritor “Temporoman- no espaço intra-articular. A inflamação subsequente do dibular Joint Disorders”, termo do vocabulário controlado líquido sinovial produz citocinas, que causam a doença Medical Subject Headings (MESH), sob os mesmos aspec- degenerativa da ATM.6 tos da base regional e com as seguintes estratégias: Tem- Jimenez-Silva et al., para estabelecer a relação entre DTM poromandibular Joint Disorders/HI; Temporomandibular e bruxismo, realizaram uma revisão sistemática da literatu- Joint Disorders/ET; Temporomandibular Joint Disorders/ ra entre 2003 e 2014, concluindo que o bruxismo do sono DI; Temporomandibular Joint Disorders/TH; Temporoman- poderia ser associado com a dor miofascial, a artralgia e a dibular Joint Disorders/SU. patologia comum, como o deslocamento do disco e ruídos Os mesmos descritores citados foram utilizados nas bases da junção. Embora a evidência no presente seja inconclusi- de dados UpToDate e Cochrane Library para levantamento va e não forneça a informação de acordo com o tipo de bru- de condutas clínicas atualizadas. xismo, é possível sugerir que esse hábito deletério estaria Elegeu-se como critério para inclusão de trabalhos o idio- associado com a DTM.13 ma dos estudos (português, inglês e espanhol) indexados Observa-se que, ao invés da causa direta, a relação entre nas bases citadas, assim como trabalhos acerca do histó- fatores mecânicos, comportamentais e clínicos tem sido rico, definições, classificação, prevalência, etiologia, diag- objeto de estudos que buscam explicar a gênese da DTM. nóstico e tratamento das DTMs. DIAGNÓSTICO REVISÃO DE LITERATURA O diagnóstico da DTM é composto, basicamente, pela ETIOLOGIA anamnese do paciente, inspeção clínica e análise de exa- mes de imagem. A literatura aponta que as causas das DTMs, apesar dos A história inclui perguntas sobre hábitos e posição do sono, avanços das pesquisas, ainda não estão claras, encontran- sintomas de bruxismo noturno (dor na mandíbula ou dor do-se controvérsias em estudos que investigam os fatores de cabeça pela manhã) e qualquer uso passado ou presen- etiológicos das DTMs. te de órteses na boca, incluindo ainda perguntas sobre a Segundo Melis e Di Giosia, no passado, os estudos deram ocupação do paciente, hobbies e hábitos pessoais, como considerável atenção aos fatores estruturais, tais como postura habitual, mordida de unhas ou goma de mascar fre- oclusão dentária, com a hipótese de que a má oclusão po- quente. Uma triagem básica para sintomas de depressão deria alterar o músculo e a função da ATM, levando, portan- ou ansiedade também é necessária, com perguntas sobre to, a dor e disfunção.7 quaisquer eventos estressantes recentes.6 Contudo, outras pesquisas não apoiam o papel etiológico Os seguintes achados de exame físico, em conjunto com da oclusão dentária na gênese das DTMs,7,8,9 indicando que sintomas convincentes de DTM, apoiam o diagnóstico: mo- os problemas oclusais explicam apenas 10% a 25% dos vimentos mandibulares anormais; diminuição da amplitude diagnósticos específicos da DTM.7 de movimento da ATM; sensibilidade muscular a crepitação Outra hipótese destacada na literatura é o fator genético, articular ou clique da mandíbula durante a abertura e o fe- que pode influenciar o risco de DTM. O trabalho de revisão chamento; dor com carga dinâmica; bruxismo; assimetria de Melis e Di Giosia aponta para estudos que identificaram postural; tensão dos músculos do pescoço; e verificação os genes associados a um maior ou menor risco de DTM.7 dos nervos cranianos.6 O primeiro relatório sobre o papel dos fatores genéticos O primeiro método de diagnóstico da DTM, baseado em evi- na etiologia da DTM foi publicado em 1980, comparando a dências, foi o Critério de Diagnóstico de Pesquisa para DTM prevalência de dor miofascial em gêmeos monozigóticos e (RDC/TMD).14 dizigóticos e obtendo resultados semelhantes.10 Estudos si- Esse diagnóstico e a classificação da DTM de acordo com milares11,12 avaliaram a prevalência da DTM artrogênica, ob- a Academia Americana de Dor Orofacial foram as ferramen- servando a ocorrência de sintomas da disfunção por meio de tas de detecção do transtorno mais utilizadas nos últimos questionário, tendo achados similares ao estudo de Heiberg 20 anos, até 2014, quando um novo diagnóstico foi lança- et al., que não concluiu predisposição genética para DTM.10 do, o Critério de Diagnóstico para Desordens Temporoman- O estresse e traumas mecânicos também são associa- dibulares (DC/TMD) desenvolvido a partir do teste RDC.15 dos na literatura à exacerbação dos sintomas da DTM, O critério DC/TMD inclui dois componentes, Eixo I e Eixo II. 23

ARTIGO DE REVISÃO >> Transtornos da articulação temporomandibular O protocolo do Eixo I é usado para triagem e diferenciação O uso de placas oclusais também é descrito para pacientes das DTMs relacionadas à dor mais comuns e para distúr- com dor da DTM, que seja claramente atribuível ao bruxis- bios intra-articulares. Para os distúrbios intra-articulares mo. Esses indivíduos devem ser encaminhados a um den- da ATM, o Eixo I é apropriado para fins de triagem, mas tista para a avaliação da colocação de uma placa oclusal não para um diagnóstico definitivo. Para se chegar a um como tratamento adjuvante. 26,27,28 diagnóstico frequentemente são necessários diferentes A fisioterapia é um componente comum do gerenciamento tipos de exames, como a ressonância magnética (RM) ou da DTM, porém, em virtude da falta de dados sobre sua efi- a tomografia computadorizada/tomografia computadori- cácia, geralmente não encaminhamos pacientes com DTM zada de feixe cônico maxilofacial (TC/TCFC). O protocolo para fisioterapia rotineira.6,29,30 do Eixo II é usado para avaliar o funcionamento físico da O aparato farmacológico de tratamento da DTM consiste no mandíbula e para examinar o estado psicossocial compor- uso de anti-inflamatórios não esteroides, antidepressivos tri- tamental e adicional.14,16 cíclicos e relaxantes musculares, em casos agudos.31,32,33,34,6 Os exames de imagem são fundamentais para o diagnós- Quanto aos procedimentos cirúrgicos, a maioria das DTMs tico clínico e diferencial, como demonstra o estudo de pode ser tratada de forma eficaz por intervenções não cirúr- Alvarez-Arenal et al.,17 dentre outros trabalhos do mesmo gicas. Para pacientes que não respondem à terapia inicial, gênero.18,19,20,21 opções adicionais de tratamento podem incluir a cirurgia A imagem geralmente é usada em casos de distúrbio do realizada por cirurgião bucomaxilofacial.6 disco articular, artropatia/artrite, ou algum tipo de tumor. Pacientes com bloqueio da mandíbula, especialmente Tipicamente, a radiografia panorâmica das maxilas é usa- quando duradouros, na maioria das vezes necessitam da como imagem inicial, com TCFC e RM da ATM, como de intervenções como injeções intra-articulares de corti- imagem adicional, dependendo do restante dos achados da costeroides ou intervenções cirúrgicas, como artrocentese avaliação diagnóstica. 6 ou artroscopia. Em pacientes com osteoartrite da ATM que Outra possibilidade de diagnóstico da DTM relatada na lite- apresentam sintomas refratários, a cirurgia pode ser indica- ratura é a avaliação do líquido sinovial na ATM, que consiste da para remover os fragmentos soltos do osso e remodelar num dialisato de plasma, composto de lipídios, colesterol, o côndilo. Se o tratamento não é eficaz em pacientes com fosfolipídios, ácido alurônico, glicosaminoglicanos, dentre artrite reumatoide, a cirurgia pode ser necessária.6 outras substâncias. Esse diagnóstico é baseado na pro- Sugere-se a cirurgia para o manejo da DTM refratária em pa- teômica, área da biotecnologia cuja premissa é que cada cientes com dor persistente ou limitações funcionais, que doença específica possui o seu próprio perfil de proteínas, apresentam patologia anatômica estrutural, sintomas que podendo ser identificada dessa forma.22 não respondem a mais de 3 a 6 meses de manejo inicial.6 Os procedimentos cirúrgicos incluem artrocentese, artros- TERAPIA copia, artrotomia aberta e procedimentos combinados de mandíbula articular e reconstrutivos.35,36,37,38 A intervenção Observa-se na literatura a divisão dos tratamentos da DTM cirúrgica específica necessária dependerá do diagnóstico em não invasivos, que podem ser farmacológicos ou não preciso do distúrbio intra-articular. 6 farmacológicos, e invasivos, que se constituem na recons- Quando há necessidade de substituição cirúrgica da ATM, o trução da articulação por meio de próteses aloplásticas ou que é raro, as reconstruções aloplásticas e autógenas con- autógenas. sistem no uso de próteses, em casos onde há uma com- Revisões clínicas apontam a indicação terapêutica combi- binação de imagem radiológica positiva, confirmando a nada para a DTM, associando terapia não farmacológica patologia, além de alterações estruturais da ATM, acompa- (educação do paciente e autocuidado) e farmacológica, nhadas de histórico de dor, e quando tratamentos prévios quando indicada, que muitas vezes alivia os sintomas com- não se mostram eficazes.39 pletamente ou reduz o impacto no paciente. Gerenciamen- As principais vantagens descritas do uso de material alo- to biológico ou placas oclusais podem ser indicados em plástico são referentes a segurança e durabilidade do ma- certos pacientes. Injeções musculares no ponto-gatilho e terial,40,41,42,43 sendo atualmente considerado como o padrão injeções intra-articulares na ATM também podem ter um ouro na reconstrução da ATM adulta irreparavelmente dani- papel terapêutico em alguns casos.6,23 ficada. As próteses atuais têm até 20 anos de seguimento, O manejo biocomportamental pode ser considerado como com bons resultados a curto, médio e longo prazo.44 terapia adjuvante em pacientes com comorbidade de ansie- O uso das próteses autógenas é defendido na infância, dade ou depressão; porém, o tratamento de suas condições pois, em tese, permite o crescimento contínuo da articu- psiquiátricas também é importante.23,24,25 lação reconstruída. Porém, cada vez mais o debate está 24

Ímpar Medical Journal em torno de saber se a reconstrução funcional permitirá o 9. Selaimen CM, Jeronymo JC, Brilhante DP, Lima EM, Grossi PK, crescimento, através da teoria do crescimento funcional de Grossi ML. Occlusal risk factors for temporomandibular disorders. Moss; vários clínicos relatam resultados de reconstrução Angle Orthod. 2007 May;77(3):471-7. aloplástica que estão permitindo boa função e algum cres- 10. Heiberg A, Helöe B, Heiberg AN, Helöe LA, Magnus P, Berg K, cimento funcional.44 Nance WE. Myofascial pain dysfunction (MPD) syndrome in twins. Community Dent Oral Epidemiol. 1980 Dec;8(8):434-6. CONCLUSÕES 11. Michalowicz BS, Pihlstrom BL, Hodges JS, Bouchard TJ Jr. No heritability of temporomandibular joint signs and symptoms. J A literatura aponta avanços na pesquisa nas duas últimas Dent Res. 2000 Aug;79(8):1573-8. décadas acerca dos aspectos etiológicos, diagnósticos e 12. Matsuka Y, Nagamatsu C, Itoh S, Tomonari T, Makki A, Minakuchi terapêuticos da DTM, doença de alta prevalência, e indica, H, et al. Comparison of inter-twin concordance in symptoms of ainda, os esforços acerca, principalmente, do manejo da temporomandibular disorders: a preliminary investigation in an dor, uma das queixas mais frequentes dos pacientes. adolescent twin population. Cranio. 2007 Jan;25(1):23-9. Observa-se que o caráter multifatorial das causas não ape- 13. Jiménez-Silva A, Peña-Durán C, Tobar-Reyes J, Frugone-Zambra nas dificulta o tratamento, mas pode complicar o diagnósti- R. Sleep and awake bruxism in adults and its relationship with co em virtude da similaridade dos sintomas da DTM com os temporomandibular disorders: A systematic review from 2003 to de outras doenças, que podem variar da sinusite a tumores. 2014. Acta Odontol Scand. 2017 Jan;75(1):36-58. Quanto ao prognóstico do tratamento, a literatura revela 14. Ohrbach R, Dworkin SF. The Evolution of TMD Diagnosis: Past, que a maioria dos indivíduos com DTM responde bem ao Present, Future. J Dent Res. 2016 Sep;95(10):1093-101. tratamento. Uma pequena parte, contudo, pode desenvol- 15. Skeie MS, Frid P, Mustafa M, Aßmus J, Rosén A. DC/TMD ver a doença crônica, com fatores de risco ainda desco- Examiner Protocol: Longitudinal Evaluation on Interexaminer nhecidos. A terapêutica odontológica é indicada em casos Reliability. Pain Res Manag. 2018 Sep 26;2018. de bruxismo, sendo comum a utilização de anti-inflamató- 16. Schiffman E, Ohrbach R. Executive summary of the diagnostic rios, relaxantes musculares e antidepressivos tricíclicos no criteria for temporomandibular disorders for clinical and research combate à dor e aos transtornos depressivos. A cirurgia applications. J Am Dent Assoc. 2016 Jun;147(6):438–445. de reconstrução da ATM é indicada em poucos casos, em 17. Alvarez-Arenal A, Gonzalez-Gonzalez I, Moradas Estrada M, virtude de problemas ocorridos. A literatura registra vanta- de Llanos-Lanchares H, Costilla-Garcia S. Temporomandibular gens e desvantagens acerca do tipo de material utilizado disorder or not? A case report. Cranio. 2016 Jul;34(4):264-9. para a confecção da prótese. 18. German DS. A case report: acoustic neuroma confused with TMD. J Am Dent Assoc. 1991 Dec;122(12):59–60. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 19. Bisi MA, Selaimen CM, Chaves KD, Bisi MC, Grossi ML. Vestibular schwannoma (acoustic neuroma) mimicking temporomandibular 1. Helland MM. Anatomy and function of the temporomandibular disorders: a case report. J Appl Oral Sci. 2006 Dec;14(6):476-81. joint. J Orthop Sports Phys Ther. 1980;1(3):145-52. 20. Minyard D. A clinical pathology case: TMJ or not? J Okla Dent 2. Gauer RL, Semidey MJ. Diagnosis and treatment of Assoc. 2013;104:42. temporomandibular disorders. Am Fam Physician. 2015 Mar 21. Emanuelsson J, Allen CM, Rydin K, Sjöström M. 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MacFarlane TV, Blinkhorn AS, Davies RM, Kincey J, Worthington for temporomandibular disorders-axis II to target clinic cases for HV. Oro-facial pain in the community: prevalence and associated a tailored self-care TMD treatment program. J Orofac Pain. 2002 impact. Community Dent Oral Epidemiol. 2002 Feb;30(1):52-60. Winter;16(1):48-63. 6. Scrivani, SJ, Mehta, NR. Temporomandibular disorders in adults. 24. Stowell AW, Gatchel RJ, Wildenstein L. Cost-effectiveness of In: UpToDate. Post, TW (ed), Waltham, MA, 2016. UpToDate Inc, treatments for temporomandibular disorders: biopsychosocial 2018. Disponível em: https://www.uptodate.com. Acesso em: 25 intervention versus treatment as usual. J Am Dent Assoc. 2007 jan 2019. Feb;138(2):202-8. 7. Melis M, Di Giosia M. The role of genetic factors in the etiology of 25. Aggarwal VR, Lovell K, Peters S, Javidi H, Joughin A, temporomandibular disorders: a review. Cranio. 2016 Jan;34(1):43-51. Goldthorpe J. 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ARTIGO DE REVISÃO 37. Hossameldin RH, McCain JP. Outcomes of office-based temporomandibular joint arthroscopy: a 5-year retrospective study. >> Transtornos da articulação temporomandibular Int J Oral Maxillofac Surg. 2018 Jan;47(1):90-97. 38. Antony PG, Sebastian A. Re: re: Comparison of clinical temporomandibular dysfunction: a systematic review and meta- outcomes of treatment of dysfunction of the temporomandibular analysis. Clin Rehabil. 2017 Aug;31(8):1039-1048. joint between conventional and ultrasound-guided arthrocentesis. 31. Herman CR, Schiffman EL, Look JO, Rindal DB. The Br J Oral Maxillofac Surg. 2019 May;57(4):388. effectiveness of adding pharmacologic treatment with clonazepam 39. De Meurechy N, Mommaerts MY. Alloplastic temporomandibular or cyclobenzaprine to patient education and self-care for the joint replacement systems: a systematic review of their history. Int treatment of jaw pain upon awakening: a randomized clinical trial. J Oral Maxillofac Surg. 2018 Jun;47(6):743-754. J Orofac Pain. 2002 Winter;16(1):64-70 40. Mercuri LG, Edibam NR, Giobbie-Hurder A. Fourteen-year follow- 32. Bal Kucuk B, Tolunay Kaya S, Karagoz Motro P, Oral K. up of a patient-fitted total temporomandibular joint reconstruction Pharmacotherapeutic agents used in temporomandibular system. J Oral Maxillofac Surg. 2007 Jun;65(6):1140-1148. disorders. Oral Dis. 2014 Nov;20(8):740-3 41. Westermark A. Total reconstruction of the temporomandibular 33. Rajan R, Sun YM. Reevaluating Antidepressant Selection in joint. Up to 8 years of follow-up of patients treated with Patients With Bruxism and Temporomandibular Joint Disorder. J Biomet(®) total joint prostheses. Int J Oral Maxillofac Surg. 2010 Psychiatr Pract. 2017 May;23(3):173-179. Oct;39(10):951-955. 34. Heir GM. The Efficacy of Pharmacologic Treatment of 42. Huh JK. Alloplastic total temporomandibular joint replacement. Temporomandibular Disorders. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. J Korean Dent Assoc. 2012;50:256-261. 2018 Aug;30(3):279-285. 43. Leandro LF, Ono HY, Loureiro CC, Marinho K, Guevara HA. A ten- 35. Breik O, Devrukhkar V, Dimitroulis G. Temporomandibular year experience and follow-up of three hundred patients fitted with joint (TMJ) arthroscopic lysis and lavage: Outcomes and rate the Biomet/Lorenz Microfixation TMJ replacement system. Int J of progression to open surgery. J Craniomaxillofac Surg. 2016 Oral Maxillofac Surg. 2013 Aug;42(8):1007-1013. Dec;44(12):1988-1995. 44. Sidebottom AJ. Alloplastic or autogenous reconstruction of the 36. Haeffs TH, D’Amato LN, Khawaja SN, Keith DA, Scrivani TMJ. J Oral Biol Craniofac Res. 2013 Sep-Dec;3(3):135-9. SJ. What Variables Are Associated With the Outcome of Arthroscopic Lysis and Lavage Surgery for Internal Derangement of the Temporomandibular Joint? J Oral Maxillofac Surg. 2018 Oct;76(10):2081-2088. 26

RELATO DE CASO Ímpar Medical Journal >> Crioglobulinemia secundária ao vírus da hepatite c Crioglobulinemia secundária ao vírus da hepatite C: Relato de caso de remissão da doença com o uso de antivirais de ação direta e rituximabe Hospital 9 de Julho Rodrigo Cañada Trofo Surjan1,2, Maria Alice Barcelos1,3, Osni Braga1, Camila Hitomi Nihei1, Maria Julia C. L. Nepomuceno Araújo1,3, Irene Faria Duayer1. 1. Cirurgião do Hospital Nove de Julho, MD, PhD. 2. Doutor em cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, MD, PhD. 3. Doutora em nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, MD, PhD. Correspondência: Irene Faria Duayer E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. RESUMO direta e rituximabe foi iniciada com boa resposta. Destaca- mos a complexidade do mecanismo imunológico viral que O vírus da hepatite C (VHC) está associado ao desenvol- causa a vasculite crioglobulinêmica e enfatizamos o me- vimento de hepatite crônica e pode causar manifestações lhor resultado de uma terapia combinada. extra-hepáticas, incluindo a crioglobulinemia. Atualmente, a terapia antiviral de ação direta é o tratamento de escolha Palavras-chave: Crioglobulinemia; Hepatite C; Insuficiência para o VHC. Entretanto, o tratamento da vasculite crioglo- Renal. bulinêmica associada ao VHC ainda não foi padronizado. Em pacientes com doença grave, a adição de rituximabe ABSTRACT à terapia antiviral resultou em melhores resultados em comparação com a terapia antiviral isolada. Relatamos o Hepatitis C virus (HCV) is associated with the development caso de uma paciente com infecção crônica pelo genótipo of chronic hepatitis and can also cause extrahepatic mani- 3 do VHC que desenvolveu lesão renal aguda secundária festations including cryoglobulinemic vasculitis. Currently à vasculite crioglobulinêmica com glomerulonefrite mem- interferon-free direct acting antiviral therapy is the standard branoproliferativa. A terapia combinada de antiviral de ação for HCV treatment. However, treatment of HCV associated 27

RELATO DE CASO >> Crioglobulinemia secundária ao vírus da hepatite c cryoglobulinemic vasculitis has not been well standardized RELATO DE CASO yet. In patients with severe disease, the addition of rituxi- mab to antiviral therapy has resulted in better outcomes Paciente feminina de 72 anos, internada para investigação compared to antiviral therapy alone. We report the case of de ascite e insuficiência renal. Antecedente de hipertensão a patient with chronic HCV genotype 3 infection who de- arterial sistêmica e Diabetes mellitus há 15 anos, contro- veloped acute kidney injury secondary to cryoglobulinemic lados com medicamentos por via oral. Creatinina basal de vasculitis with membranoproliferative glomerulonephritis. 0,9 mg/dl (referência: 0,6 a 1,2 mg/dl). À admissão hospi- Combination therapy of direct acting antiviral and rituximab talar, apresentava aumento de creatinina para 2,36 mg/dl, was initiated with good therapeutic response. We highlight sorologia para VHC positiva (genótipo 3) e hepatopatia crô- the complexity of the viral-mediated immunologic mecha- nica com escore de Child-Pugh B. Evoluiu com febre, artral- nism that causes cryoglobulinemic vasculitis and emphasi- gia, hepatoesplenomegalia, púrpuras em membros inferio- ze the better outcome of a combined therapy. res e necessidade de terapia renal substitutiva (Figura 1). A urina tipo 1 apresentava hematúria com 73 mil eritróci- Keywords: Cryoglobulinemia; Hepatitis C; Renal Insufficiency. tos/campo e a proteinúria de 24 horas era de 360 mg/24h. O complemento sérico estava diminuído (C3 74 mg/dl e INTRODUÇÃO C4 7 mg/dl) e o fator reumatoide elevado, 235 UI/ml (refe- rência: igual ou inferior a 10 UI/ml). A pesquisa de crioglo- No mundo, aproximadamente 170 milhões de pessoas são bulinas no sangue foi positiva com título de 940 mcg/ml, portadoras do vírus da hepatite C (VHC).1 O acometimento frações IgG policlonal e IgM monoclonal kappa. Realizada extra-hepático pelo VHC é frequente, sendo o rim um dos biópsia de lesão purpúrica de pele, que evidenciou vasculi- órgãos-alvo mais frequentemente atingidos.2 te leucocitoclástica, e biópsia renal, que diagnosticou glo- A agressão renal secundária à infecção pelo VHC pode merulonefrite crioglobulinêmica, forma membranoprolifera- ocorrer por efeito citopático direto. Entretanto, na maior tiva (Figura 2). parte das vezes, a injúria renal ocorre pela formação de O tratamento do VHC com sofosbuvir, daclastavir e ribaviri- imunocomplexos e crioglobulinas. Acredita-se que o VHC na foi iniciado e mantido por 84 dias. Após quatro semanas, atue como estímulo para a ativação do sistema imune, e, a carga viral, por meio de PCR (Polymerase Chain Reaction) dessa forma, promova a expansão clonal de linfócitos B e a quantitativo, já se apresentava negativa. ativação da produção de autoanticorpos. As crioglobulinas, O tratamento imunossupressor instituído foi composto por por sua vez, são uma mistura de imunoglobulinas e compo- pulsoterapia com metilprednisolona 1 g/dia por três dias, nentes do complemento que precipitam quando resfriadas seguido de rituximabe 1 g semanal por quatro semanas. a menos de 37 °C. Após a quarta dose do rituximabe, a paciente saiu da he- A crioglobulinemia consiste, então, na presença de crioglo- modiálise e evoluiu com melhora progressiva da função re- bulinas na corrente sanguínea. O VHC responde por cerca nal. A creatinina sérica na alta foi de 1,58 mg/dl (Gráfico 1). de 90% dos casos de um tipo específico de crioglobuline- As lesões de pele regrediram completamente. mia (crioglobulinemia essencial mista tipo II), com incidên- Em seguimento ambulatorial um ano após a internação cia de 3% ao ano durante o período em que houver infecção hospitalar, a paciente apresenta resposta virológica sus- viral ativa. Cerca de 30% dos pacientes acabam por desen- tentada ao tratamento da hepatite C, ausência de novos volver um quadro de glomerulonefrite resultante de vascu- episódios de vasculite e função renal normal. lite sistêmica e agressão endotelial mesangiocapilar. A le- são renal reflete o dano inflamatório mediado por depósito DISCUSSÃO reversível desses imunocomplexos.3 A terapia combinada com antivirais e imunossupressores Existem poucas informações na literatura atual sobre o tra- deve ser o tratamento de escolha para os casos graves tamento eficaz para crioglobulinemia associada ao VHC. de crioglobulinemia mista com insuficiência renal aguda, Da mesma forma, as novas drogas para o tratamento do porém, a melhor estratégia terapêutica ainda é controver- VHC carecem de estudos nos pacientes portadores de VHC sa.4 O caso a seguir relata o sucesso terapêutico do uso com crioglobulinemia.5-7 associado de antivirais de ação direta para tratamento do Os medicamentos que atuam diretamente no VHC, inter- VHC (sofosbuvir, daclastavir e ribavirina) com um anticor- rompendo sua replicação, e constituem avanços recentes po monoclonal quimérico contra a proteína de superfície no tratamento da hepatite C crônica são: daclatasvir (ini- celular CD20 encontrada principalmente em linfócitos B bidor do complexo enzimático NS5A), simeprevir (inibidor (rituximabe). de protease), sofosbuvir (análogo nucleotídeo que inibe a 28

Ímpar Medical Journal Figura 2. Imagem de biópsia renal. Coloração PAS (ácido perió- dico-Schiff), aumento de 200 vezes. O glomérulo exibe contor- nos lobulados, com acentuada expansão da matriz mesangial, por vezes nodular, e hipercelularidade mesangial e endocapilar a custa de linfomononucleares e neutrófilos. A membrana ba- sal revela desdobramentos e espículas segmentares. A cápsu- la de Bowman está íntegra. Figura 1. Presença de púrpuras nas extremidades em áreas expostas ao frio: a) mãos; b) pés. polimerase do VHC) e a associação dos fármacos ombi- Gráfico 1. Evolução de diurese e creatinina ao longo do trata- tasvir (inibidor de NS5A), dasabuvir (inibidor não nucleosí- mento com Rituximabe, em que observa-se recuperação da dico da polimerase NS5B), veruprevir (inibidor de protease função renal na oitava semana, não sendo mais necessária a NS3/4A) e ritonavir (potencializador farmacocinético).8,9 hemodiálise. As atuais opções terapêuticas apresentam, como vanta- gens ao tratamento com interferon peguilado e ribavirina tras vasculites. O corticosteroide em alta dose é eficaz no anteriormente realizado, a facilidade posológica; o trata- rápido controle da inflamação, devendo ser descontinuado mento por menor período de tempo e com muito menos assim que possível ou mantido em dose baixa. A ciclofos- efeitos adversos; a menor necessidade de exames de bio- famida pode ser usada nos casos mais graves, sendo a logia molecular, para a avaliação do tratamento; e melhores manutenção feita com azatioprina ou ciclosporina. A plas- resultados, com maiores taxas de resposta virológica.8,9 maférese é reservada para os casos com hiperviscosidade Principalmente em pacientes como a relatada neste artigo, associada, mais frequente em casos de crioglobulinemia idosa e portadora de múltiplas comorbidades (como ane- associada à malignidade.3 mia e insuficiência renal), os novos antivirais de ação direta Já o tratamento com rituximabe vem se mostrando promis- são opção de tratamento muito superior ao interferon pe- sor devido à sua ação direta no linfócito B, diminuindo a guilado e ribavirina. produção de crioglobulinas. O rituximabe é um anticorpo O uso de imunossupressores como corticosteroides e ci- monoclonal quimérico (camundongo/humano) que se liga clofosfamida para o tratamento da crioglobulinemia mista associada ao VHC veio da experiência no tratamento de ou- 29

RELATO DE CASO >> Crioglobulinemia secundária ao vírus da hepatite c especificamente ao antígeno transmembrana CD20, encon- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS trado primariamente em linfócitos B. Ao ligar-se ao antíge- no CD20, o rituximabe desencadeia reações imunológicas 1. Webster DP, Klenerman P, Dusheiko GM. Hepatitis C. Lancet. que mediarão a lise da célula B. Possíveis mecanismos 2015;385(9973):1124-35. para a lise celular são: citotoxicidade complemento de- 2. Stubbs A, Kowal C, Askari A, Anthony DD, Mattar M. Achieving pendente, citotoxicidade anticorpo dependente e indução Sustained Viral Remission in Patients with Chronic HCV Infection de apoptose. Estudos mostram melhores resultados nos and Cryoglobulinemic Vasculitis Does Not Always Correlate with casos de crioglobulinemia com o tratamento combinado Normalization of the Serologic Markers. J Clin Cell Immunol. de antiviral e rituximabe quando comparado ao tratamento 2018;9(5):562. antiviral isolado.6,7,10 3. Ramos-Casals M, Stone JH, Cid MC, Bosch X. The Cryoglobulinaemias. Lancet. 2012;379(9813):348-60. CONCLUSÃO 4. Meyers CM, Seeff LB, Stehman-Breen CO, Hoofnagle JH. Hepatitis C and Renal Disease: An Update. Am J Kidney Dis. 2003;42(4):631-57. Este caso ilustra a complexa resposta imunológica gerada 5. Gragnani L, Visentini M, Fognani E, Urraro T, De Santis A, pelo VHC, causando manifestações sistêmicas com a pre- Petraccia L, et al. Prospective Study of Guideline-Tailored Therapy sença de vasculite, hepatite e glomerulonefrite. Enfatiza a with Direct-Acting Antivirals for Hepatitis C Virus-Associated Mixed necessidade de acompanhamento multidisciplinar e a res- Cryoglobulinemia. Hepatology. 2016;64(5):1473-82. posta eficaz com o uso combinado de imunossupressão e 6. Muchtar E, Magen H, Gertz MA. How I Treat Cryoglobulinemia. tratamento do VHC. Esse tipo de abordagem levou à recu- Blood. 2017;129(3):289-98. peração de função renal e resposta virológica sustentada 7. Dammacco F, Tucci FA, Lauletta G, Gatti P, De Re V, Conteduca V, et no caso relatado. al. Pegylated Interferon-Alpha, Ribavirin, and Rituximab Combined Therapy of Hepatitis C Virus-Related Mixed Cryoglobulinemia: a Long-Term Study. Blood. 2010;116(3):343-53. 8. Panel A-IHG. Hepatitis C Guidance 2018 Update: AASLD-IDSA Recommendations for Testing, Managing, and Treating Hepatitis C Virus Infection. Clin Infect Dis. 2018;67(10):1477-92. 9. European Association for the Study of the Liver. EASL Recommendations on Treatment of Hepatitis C 2018. J Hepatol. 2018;69(2):461-511. 10. Petrarca A, Rigacci L, Caini P, Colagrande S, Romagnoli P, Vizzutti F, et al. Safety and Efficacy of Rituximab in Patients with Hepatitis C Virus-Related Mixed Cryoglobulinemia and Severe Liver Disease. Blood. 2010;116(3):335-42. 30

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO Ímpar Medical Journal >> Imunoterapia nos tumores cutâneos Papel atual da imunoterapia no tratamento dos tumores cutâneos Hospital 9 de Julho Renato Santos de Oliveira Filho1, Daniel Arcuschin de Oliveira2, Sheila de Oliveira Ferreira3, Heitor Gomes de Carvalho1, Lydia Masako Ferreira4. 1. Coordenador Setor de Melanoma, Tumores Cutâneos e Sarcomas da Disciplina de Cirurgia Plástica da UNIFESP, Cirurgião Oncológico do Hospital Nove de Julho, MD, PhD. 2. Cirurgião Geral, Especializando em Cirurgia Plástica pela SBCP e Mestre pela UNIFESP, MD. 3. Oncologista Clínica (H9J e CPO), MD. 4. Profa. Titular, Livre-Docente da Disciplina de Cirurgia Plástica da UNIFESP, MD, PhD. Correspondência: Renato Santos de Oliveira Filho E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. RESUMO Recent advances in the treatment of cutaneous tumors, as immuntherapy, molecular targeted therapy and intralesional A incidência do câncer de pele vem aumentando em todo alinjection of oncolytic viruses have allowed significant im- o mundo. Avanços recentes no tratamento dos tumores proval in treatment response rates and survival for patients cutâneos, como a imunoterapia, a terapia-alvo e a injeção with both localized and metastatic disease. In this paper, intralesional de vírus oncolíticos têm permitido o aumento we presente the current status and future perspectives on significativo nas taxas de resposta e sobrevida para os pa- the treatment of cutanous neoplasias. cientes portadores de câncer de pele com doença desde lo- calizada até metastática. Neste artigo, apresentamos uma Keywords: Skin Neoplasms; Immunotherapy; Molecular atualização sobre estado atual e perspectivas futuras do Targeted Therapy. tratamento das neoplasias cutâneas. INTRODUÇÃO Palavras-chave: Neoplasia Cutâneas; Imunoterapia; Terapia de Alvo Molecular. Apesar do aumento do conhecimento e da educação públi- ca em relação às causas do câncer de pele e aos meios de ABSTRACT prevenção, sua incidência continua aumentando em todo o mundo. Essa incidência crescente é provavelmente multifa- The incidence of skin cancers is increasing world wide. torial; as causas incluem o envelhecimento da população, 31

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Imunoterapia nos tumores cutâneos a melhora na detecção, o aumento do uso de câmaras de A carga mutacional do tumor é uma ferramenta promissora bronzeamento, o aumento da exposição aos raios solares e como biomarcador para vários tipos de cânceres na iden- a diminuição da camada de ozônio. tificação de pacientes que se beneficiarão do tratamento Entre os maiores avanços na terapia dos tumores cutâneos imunoterápico. Entretanto, mais estudos prospectivos são avançados estão, de forma isolada ou combinada, a imuno- necessários para validar a utilização desse parâmetro. terapia (inibidores do checkpoint), a terapia-alvo (inibidores Acredita-se que uma elevada carga mutacional se corre- do Braf e MEK) e a injeção intralesional de vírus oncolíticos lacione com a maior liberação de neoantígenos e, conse- (T-VEC). Os inibidores de checkpoint (IC) têm proporciona- quentemente, maior ativação do sistema imune e resposta do importantes taxas de resposta e aumento significativo aos inibidores do checkpoint.8 de sobrevida, principalmente para os pacientes com me- lanoma cutâneo (MC), carcinoma de células escamosas DIAGNÓSTICO (CEC) e carcinoma de Merkel metastático (CMm).¹ Atualmente, a imunoterapia representa uma abordagem te- Diante de lesões cutâneas suspeitas, uma biópsia deve ser rapêutica promissora tanto no cenário da doença localiza- realizada e o material encaminhado para exame anatomo- da, da localmente avançada, como no cenário metastático. patológico, que deve ser preferencialmente realizado por O tratamento com imunoterapia combinada para o melano- dermatopatologista. Existem diferentes tipos de biópsias, ma, por exemplo, proporciona sobrevida que chega a 60% que podem ser utilizadas para diagnosticar um câncer de em três anos e mostrou benefício, inclusive, para os pacien- pele (punch, shaving, incisional e excisional). A escolha de- tes que apresentavam mutação do Braf.² Em 2018, tivemos pende do tamanho da área afetada, da localização anatô- a aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância mica e da hipótese clínica. Idealmente, a pinta ou lesão de Sanitária) do avelumabe (anti-PD-L1) para o tratamento de pele suspeita para melanoma deve ser totalmente removida um tipo de câncer de pele raro e agressivo, o carcinoma (biópsia excisional. A biópsia excisional com margens de de Merkel, droga que traz benefício em taxa de resposta e 1 a 3 mm é preferível para permitir adequada avaliação his- sobrevida para doença metastática.³ topatológica e subsequente biópsia de linfonodo sentinela Mais recentemente, em 2019, tivemos também a aprovação (Figura 1). Deve ser feita longitudinalmente nos membros do cemiplimab para o tratamento do carcinoma espinoce- e paralela aos vasos linfáticos. Se isso não for possível, re- lular (CEC) de pele localmente avançado irressecável ou comenda-se uma biópsia que remova tecido da área mais metastático.4 suspeita por meio da biópsia incisional. Opta-se pela bióp- O princípio da imunoterapia se baseia em potencializar o sis- sia incisional para as lesões de certas áreas anatômicas tema imunológico de modo que este possa combater o cân- como a região palmo-plantar, os dedos, a face, as orelhas cer. Os inibidores do checkpoint têm como alvos o CTLA-4 ou para as lesões muito grandes. (ipilimumabe), o PD-1 (nivolumabe, pembrolizumabe) e o As pesquisas de DNA e de células tumorais circulantes PD-L1(avelumabe), proteínas expressas nos linfócitos e/ou também são formas promissoras no diagnóstico e segui- células tumorais que, quando ativadas, transmitem um si- mento de pacientes oncológicos.9,10 nal inibitório para o sistema imune, permitindo que o tumor A dermatoscopia, técnica de ampliação de imagem, é sig- cresça e se espalhe para outros órgãos. A associação do nificativamente mais precisa do que a inspeção visual ipilimumabe com nivolumabe tem mostrado excelentes re- isolada para a detecção de melanomas. Aumenta a sensi- sultados no melanoma avançado.5,6 bilidade e a especificidade do diagnóstico em 16% e 20%, À medida que o arsenal terapêutico para o tratamento dos respectivamente.11 tumores de pele e outros tipos de cânceres aumenta e a A microscopia confocal por reflectância usa a luz infra- associação de terapias é cada vez mais frequente, o desen- vermelha e permite visualizar as camadas mais profundas volvimento de novos biomarcadores preditores de resposta da pele que não são vistas pela dermatoscopia. Além de se torna imprescindível, assim como novas tecnologias vi- contribuir para o diagnóstico de lesões não definidas na sando avaliar essa resposta. dermatoscopia, auxilia na definição de margens no lentigo Atualmente, a pesquisa da expressão de PD-L1 é consi- maligno melanoma. derada um biomarcador de resposta ao tratamento com anti-PD-L1 em alguns tipos de câncer. Outros potenciais Carcinoma Basocelular (CBC) biomarcadores também estão sendo estudados, como a presença de infiltrado inflamatório linfocitário tumoral, O carcinoma basocelular é a neoplasia maligna da pele que expressão de assinaturas genéticas e avaliação do mi- se origina das células basais da epiderme (células redon- croambiente tumoral.7 das e pequenas, encontradas na camada inferior da epider- 32

Ímpar Medical Journal Figura 1. Biópsia excisional de lesão de pele suspeita. uma revisão sistemática de 2012 e meta-análise de 12 es- tudos com 9.328 casos de câncer de pele não melanoma, me). É o câncer de pele mais comum a surgir no transcorrer Wehner et al descobriram que o bronzeamento artificial foi da vida. Acomete mais indivíduos de pele clara, de ambos associado com um aumento significativo do risco de cân- os sexos, sem diferença estatisticamente significante en- cer de pele de células basais e escamosas.13 tre os gêneros. Em cerca de 80% dos casos se localizam Estudos demonstraram uma alta incidência de mutações na cabeça e no pescoço. Seu prognóstico é relativamente no gene TP53 no CBC. Os pesquisadores especulam que a favorável, devido ao crescimento lento e ao baixo potencial luz solar ultravioleta pode desempenhar um papel impor- de produzir metástases. Mesmo assim, na ausência de tra- tante na gênese dessa mutação; no entanto, o envolvimen- tamento adequado, pode levar a graves morbidades e até to genético (cromossomo 9) foi demonstrado apenas em mesmo ser letal. O fator de risco mais importante é a irra- pacientes com síndrome do nevo basocelular familiar (sín- diação solar. drome de Gorlin). Essa mutação envolve o gene patched Pacientes com CBC frequentemente relatam uma lesão de (PTCH), um gene supressor de tumor.14 aumento lento, que não cicatriza e que sangra quando trau- A ativação inapropriada da via de sinalização de hedgehog matizada. Suas principais características clínicas são: é encontrada em casos esporádicos e familiares de CBC. • Pápulas queratósicas com depressão central; Isso resulta em mutações de perda de função no homólogo • Aparência perolada; de patched de proteína supressora de tumor 1 (PTCH1) e • Erosão ou ulceração: geralmente central e pigmentada; mutações de ganho de função em hedgehog sônico (SHH), • Sangramento: especialmente quando traumatizado; smoothened (SMO), que por sua vez ativa o fator Gli-1, in- • Áreas com exsudação ou com crosta: em grandes duzindo a transcrição de diversos oncogenes envolvidos na etiopatogênese do CBC.15 CBCs; Existem vários tipos clínico-patológicos de CBC, cada um • Borda elevada; com um comportamento biológico distinto: nodular; infil- • Translucidez; trativo; micronodular; morfeaforme; esclerodermiforme e • Telangiectasias sobre a superfície; superficial. • Crescimento lento: 0,5 cm em um a dois anos. A síndrome de Gorlin ou síndrome do nevo basocelular é A luz solar, particularmente a exposição em longo prazo, é o uma condição hereditária autossômica dominante. As le- fator de risco mais frequentemente associado ao desenvol- sões nesses pacientes não podem ser diferenciadas his- vimento de CBC. O risco se correlaciona com a quantidade tologicamente dos CBCs comuns. O gene responsável por e a natureza da exposição acumulada, especialmente du- essa síndrome está localizado no braço 9q. O número de rante a infância. A localização geográfica do paciente afe- CBCs em pacientes com essa síndrome pode ser de um a ta o risco de desenvolver esse tipo de câncer de pele. Um centenas. Cânceres múltiplos começam a aparecer após a período de latência de 20 a 50 anos é típico entre o tempo puberdade no rosto, no tronco e nas extremidades. Em mui- de dano ultravioleta (UV) e o início clínico do CBC.12 Acre- tos casos, os tumores são altamente invasivos e podem dita-se que o UVB desempenhe um papel mais importante envolver áreas ao redor dos olhos e do nariz.16 no desenvolvimento do CBC do que o UVA, e é o principal O tratamento cirúrgico para o CBC é o recomendável, com agente responsável pela maioria dos cânceres de pele. Em margens de segurança adequadas ao tamanho e à locali- zação e ao subtipo da lesão. Para lesões com menos de 2,0 cm de diâmetro, margens de 5 mm são consideradas adequadas. Para os subtipos esclerodermiforme e infiltra- tivo, indica-se 1,0 cm de margem, ou cirurgia micrográfica de Mohs. A ferida operatória criada devido à remoção do tu- mor de pele pode ser reconstruída por fechamento por pri- meira intenção, fechamento por segunda intenção, enxerto de pele parcial ou total, retalhos cutâneos e miocutâneos locais, retalhos à distância, retalhos livres microcirúrgicos ou retalhos especializados (compostos de outras estrutu- ras, como cartilagem e osso). Diversos cremes tópicos são usados n​​ o manejo do CBC superficial. As diretrizes do NCCN afirmam que pacientes de baixo risco com CBCs superficiais, que não podem ser 33

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Imunoterapia nos tumores cutâneos submetidos a cirurgia ou radioterapia, podem ser tratados da via hedgehog, é o primeiro medicamento aprovado pela com terapias tópicas, embora a taxa de cura possa não ser FDA para tratamento de formas avançadas de CBC. Inibe tão alta. Tais tratamentos também podem ser usados ​e​ m seletivamente o componente Smoothened (SMO), uma pro- pacientes com alto risco de múltiplos tumores primários.17 teína transmembrana-chave envolvida na transdução do si- O creme tópico com 5-fluorouracil a 5% pode ser usado nal de hedgehog de células epiteliais cancerígenas. No CBC para tratar CBCs pequenos e superficiais em áreas de bai- localmente avançado (n = 63), 22% apresentaram resposta xo risco. Ele interfere com a síntese de DNA bloqueando parcial e 20% apresentaram resposta completa. Um segun- a metilação do ácido desoxiuridílico e inibindo a timidila- do inibidor da via do hedgehog, o sonidegib (Odomzo), foi tosintetase e, subsequentemente, a proliferação celular. aprovado pelo FDA em 2015. Em tumores adequadamente selecionados (por exemplo, finos), taxas de cura de aproximadamente 80% foram ob- Carcinoma Espinocelular (CEC) tidas. O creme é geralmente aplicado duas vezes ao dia e deve ser usado por pelo menos seis semanas para o tra- Dentre os tumores cutâneos, a histologia espinocelular re- tamento do CBC superficial. O uso de 5-fluorouracil para presenta cerca de 20% dos casos novos, a segunda maior outros tipos de CBC geralmente não é recomendado, pois em incidência. Embora a maioria dos pacientes tenha doen- pode não penetrar profundamente na derme para erradicar ça localizada ao diagnóstico, passível de cura com tratamen- todas as células tumorais. Irritação, crostas e desconforto to local, a recorrência do tumor, o desenvolvimento de me- são comuns e esperados, mas as cicatrizes são incomuns. tástases e a morte relacionados à doença podem ocorrer.21 A taxa de recorrência é elevada. O CEC tem origem nas células escamosas, que constituem Imiquimode 5% creme (Aldara) é aprovado para o tratamen- a camada mais externa da pele. A queratose actínica é uma to de CBC superficial não facial. Vários estudos demons- lesão de pele precursora e o seu tratamento previne a evo- traram que o imiquimode é curativo para os pacientes com lução para esse tipo de câncer. CBC superficial. Estudos para outros tipos histológicos de Clinicamente, apresentam-se como uma úlcera rasa com CBC estão em andamento.18 margens elevadas, muitas vezes coberta por uma placa e Os CBCs são geralmente radiossensíveis, e a radioterapia geralmente localizada em áreas expostas ao sol. As alte- (RT) pode ser usada para as lesões avançadas e naqueles rações típicas da superfície podem incluir descamação, pacientes para os quais a cirurgia não é adequada (por ulceração profunda, formação de crostas e corno cutâneo. exemplo, devido à alergia a anestésicos, terapia anticoa- Uma apresentação menos comum inclui um nódulo cutâ- gulante atual, queloides, idade e tumores faciais). A ra- neo rosa sem alterações superficiais superpostas. A me- diação pós-operatória também pode ser um complemento tástase regional pode resultar em linfonodos aumentados útil quando os pacientes apresentam tumores agressivos e palpáveis. Se o CEC invade o nervo periférico adjacente, que foram tratados cirurgicamente ou quando a cirurgia causa dormência, dor e fraqueza muscular. não conseguiu atingir margens livres de neoplasia. O tra- Os principais fatores de risco incluem: exposição aos raios tamento radioterápico de CBC localmente avançado pode ultravioleta (UV), imunossupressão, exposição a radiações resultar em remissão completa em aproximadamente 70% ionizantes, carcinogênicos químicos, infecção por papilo- dos pacientes.19 mavírus humano (HPV).21 O uso de antioxidantes, aspirina e A terapia fotodinâmica (TFD) para CBCs tem sido usada anti-inflamatórios não esteroidais parecem reduzir o risco há mais de 20 anos.20 A TFD é o processo de utilização de de desenvolver a doença em modelos animais. comprimentos de onda específicos de luz para porfirinas A exposição crônica aos raios UV, por meio de câmaras de fotoexcitantes que foram aplicadas a células neoplásicas bronzeamento, os tratamentos médicos ou a exposição e pré-neoplásicas. Essa energia aumentada é rapidamente solar cumulativa ao longo da vida são os fatores de risco absorvida pelo oxigênio do tecido adjacente, causando a mais importantes para o desenvolvimento do CEC. Os raios formação de radicais de oxigênio singlete (estados eletro- UV constituem agentes mutagênicos conhecidos capazes nicamente excitados do oxigênio). Esses radicais reagem de induzir dano ao DNA, ocasionando a transformação de rapidamente com o tecido adjacente e o destroem. O ácido queratinócitos. Além disso, a radiação UV também se mos- 5-aminolevulínico é aprovado apenas para queratoses actí- trou capaz de alterar a resposta imune cutânea, deixando nicas. É fotoativado com luz azul por 1.000 segundos após a pele mais susceptível à formação de tumor. Evidências 1 hora de incubação. epidemiológicas sugerem que a proximidade geográfica O vismodegib e o sonidegib têm atividade clínica compro- com o Equador, uma história de lesões pré-cancerosas ou vada em pacientes com carcinoma basocelular localmente cânceres de pele prévios, idade avançada e sexo masculino avançado ou metastático. O vismodegib (Erivedge), inibidor predispõem um indivíduo ao desenvolvimento do CEC.22 34

Ímpar Medical Journal A imunossupressão também é cada vez mais reconhecida cérebro deve ser incluída na avaliação por se tratar de um como um fator de risco para o desenvolvimento de câncer órgão comumente afetado pelo melanoma. de pele. Independentemente do motivo da imunossupres- A cirurgia é a principal modalidade de tratamento do mela- são, o CEC que surge no cenário de imunossupressão apre- noma cutâneo localizado, sendo preconizada a excisão am- senta um curso mais agressivo, com maior taxa de recidiva pla, com margens conforme a profundidade da lesão local, metástase e morte.22 (Tabela 1).24 No que se refere às opções de tratamento, em estágios ini- ciais, a cirurgia pode curar mais de 95% dos pacientes.22 Tabela 1. Margem recomendada de excisão de melanoma conforme A radioterapia é uma importante estratégia para controle profundidade da lesão. loco-regional ou em casos não passíveis de ressecção ci- rúrgica, mas as alternativas para o tratamento sistêmico Espessura tumoral Margem recomendada existentes até então eram desanimadoras. Devido ao fato de o desenvolvimento tumoral estar forte- In situ 0,5 – 1,0 cm mente associado à imunossupressão e a uma carga muta- cional elevada ocasionada pelo dano crônico ao DNA pelos <= 1,0 mm 1,0 cm raios UV, a terapia imunológica tornou-se um dos principais alvos de estudo para o tratamento do CEC avançado. 1,0 – 2,0 mm 1,0 – 2,0 cm Nesse contexto, recentemente, foi aprovado o cemiplimab, um anticorpo anti-PD-1, para o tratamento do carcinoma > 2,0 – 4,0 mm 2,0 cm espinocelular de pele localmente avançado ou metastático, mudando o curso evolutivo da doença. A aprovação pelo > 4,0 mm 2,0 cm FDA teve como base um estudo fase I/II envolvendo 108 pacientes (75 com doença metastática e 33 com doença lo- O status linfonodal clínico e o número de linfonodos aco- calmente avançada), demonstrando uma taxa de resposta metidos são importantes preditores de sobrevida. de aproximadamente 47%, com cerca de 60% dos pacientes A biópsia de linfonodo sentinela está indicada nos pacien- respondedores sem progressão com seis meses de segui- tes com Breslow >1 mm e deve ser ponderada nos casos mento. Apesar de dados preliminares imaturos, o estudo entre 0,8 e 1 mm, sobretudo quando há ulceração do tumor aponta para o papel importante da imunoterapia no trata- primário. A condição do LS influencia na decisão terapêuti- mento do CEC avançado e a necessidade do desenvolvi- ca, na recomendação de seguimento com ultrassonografia mento de novos estudos na área.22 da base linfonodal de drenagem, realização de dissecção linfonodal, ou indicação de terapia adjuvante (Figura 2)25 Melanoma Cutâneo (MC) Apesar de promover melhor controle local, a linfadenectomia complementar não proporciona ganho de sobrevida, confor- Na presença de uma lesão pigmentada suspeita, a biópsia me foi observado no estudo MSLT-2, que comparou dissec- excisional é recomendada como abordagem inicial. O es- ção linfonodal versus observação em 1.934 pacientes com tadiamento prévio adequado é fundamental na avaliação linfonodo positivo e Breslow entre 1,2 e 3,5 mm. A taxa de da extensão da doença e definição da programação tera- recorrência linfonodal foi 69% menor no grupo da dissecção, pêutica e compreende a classificação do TNM, em que T em comparação ao grupo observado, sem diferença esta- corresponde à profundidade do tumor em milímetros (ín- tisticamente significante em sobrevida livre de metástase a dice de Breslow), N avalia o comprometimento linfonodal distância ou sobrevida global ao final de cinco anos.26,27 e M a presença de metástases à distância (AJCC, oitava Para os pacientes submetidos à ressecção completa do edição, 2017).23,24 melanoma cutâneo, a indicação de terapia adjuvante de- Exames de imagem de rotina não são recomendados para pende do risco de recorrência da doença, baseado no está- os pacientes nos estádios I e II. A tomografia computado- dio clínico ao diagnóstico e das comorbidades do paciente. rizada por emissão de pósitrons (PET-CT) tem maior sensi- Atualmente, além da terapia-alvo, a imunoterapia represen- bilidade quando comparada aos exames de imagem con- ta uma opção relevante no tratamento adjuvante, particu- vencionais e está indicada, de maneira geral, no caso de larmente naqueles pacientes com comprometimento linfo- linfonodo clinicamente positivo confirmado por biópsia e nodal (estádio III).28 deve ser considerado em pacientes com doença oligome- Durante muito tempo, a terapia adjuvante com interferon tastática e potencialmente candidatos à ressecção cirúrgi- alfa foi a única opção de tratamento capaz de demonstrar ca. Para os estádios III e IV, a ressonância magnética do benefício, apesar de modesto, na redução do risco de recor- 35

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Imunoterapia nos tumores cutâneos Figura 2. Biópsia de linfonodo sentinela. Linfocintilografia (à esquerda); LS corado em azul (centro); LS hipercaptante (à direita). (LS: linfonodo sentinela.) rência, e, quando em altas doses, na redução do risco de (resposta completa de 6% e parcial de 10%) e 60% de res- morte por melanoma.29 posta duradoura dentre os que obtiveram resposta comple- Com o advento dos inibidores de checkpoint imunológi- ta. Desde então, a expectativa de uma resposta prolongada, cos, o ipilimumabe (anti-CTLA-4) passou a fazer parte do mesmo que para pacientes selecionados, levou à intensifi- arsenal terapêutico na adjuvância, com benefício em so- cação das pesquisas em imuno-oncologia.33 brevida global, entretanto, às custas de uma toxicidade No momento atual, as principais drogas imunoterápicas significativa, ocasionando a descontinuidade considerá- aprovadas pelo FDA, no tratamento do melanoma metas- vel do tratamento.30 tático, constituem os anti-PD-1 (nivolumabe, pembrolizu- Recentemente, a partir de ganhos expressivos em eficácia, mabe) e os anticorpos anti-CTLA-4 (ipilimumabe). Uma melhor tolerância e, com base nos estudos KEYNOTE-054 maior taxa de resposta tem sido observada com a combi- e CheckMate 238, dois agentes anti-PD-1 estão disponíveis nação dos inibidores do checkpoint imunológicos em com- no tratamento adjuvante do melanoma (pembrolizumabe e paração com a monoterapia/terapia imune isolada, porém nivolumabe). O estudo fase III CheckMate 238 comparou o com toxicidade mais pronunciada.34-36 nivolumabe com a terapia padrão até o momento (ipilimu- Apesar de imaturos, dados de estudos fase I/II em neoadju- mabe) no cenário adjuvante, demonstrando uma redução vância têm se mostrado promissores com uso de terapias do risco de recidiva de 34% a favor do braço que recebeu o alvo direcionadas ao BRAF e inibidores do ckeckpoint no nivolumabe, além de menor incidência de efeitos adversos tratamento de pacientes com melanoma estádios III e IV graves (14,4% versus 45,9%, graus 3 e 4). Importante res- com doença potencialmente ressecável.37-39 saltar que o benefício se manteve independentemente da Uma variedade de injeções intralesionais têm sido testadas expressão de PD-L1 e mutação do Braf.31 no tratamento do melanoma, com destaque para o T-VEC O tratamento do melanoma metastático evoluiu de forma (Talimogene Laherparepvec), a primeira imunoterapiaonco- considerável nos últimos anos e, atualmente, compreende lítica que mostrou benefício terapêutico em estudo de fase a utilização de terapia alvo combinada (inibidores Braf e III. O T-VEC é um vírus herpes simples do tipo I modificado, inibidores MEK), ou de imunoterapia, de forma isolada ou o qual é capaz de se replicar dentro das células tumorais em combinação. A escolha do esquema terapêutico deve e promover a lise destas, além de gerar, simultaneamente, ser individualizada e depende de diversos fatores, como uma resposta imune antitumoral sistêmica, com uma taxa volume de doença, presença de mutação do Braf, sintoma- de resposta de 26% e com 10% dos pacientes apresentando tologia, perfil de toxicidade, metástase em sistema nervoso remissão completa.40 central, entre outros.32 Apesar dos avanços no tratamento do melanoma, a se- Os primeiros agentes imunoterápicos aprovados pelo FDA quência e a duração do tratamento ainda não são bem defi- foram as citocinas, proteínas no organismo que impulsio- nidas e os numerosos estudos clínicos estão em desenvol- nam o sistema imunológico de maneira geral. A interleuci- vimento, visando avaliar diversas combinações de terapia, na-2 foi aprovada em 1998 para o tratamento do melanoma especialmente em pacientes que progrediram aos inibido- metastático, demonstrando uma taxa de resposta de 16% res dos checkpoints imunes. 36

Ímpar Medical Journal Carcinoma De Merkel Avanços notáveis na imunoterapia observados em vários estudos clínicos, com indução de respostas duráveis clini- O carcinoma de células de Merkel (CCM) é uma neoplasia camente significativas em comparação com a quimiotera- maligna cutânea rara, com propensão à recorrência local e pia, prometem sua utilização cada vez mais frequente, am- a metástases linfonodais regionais. Diversos fatores pare- pliando o painel de opções terapêuticas. cem contribuir para sua etiologia, incluindo o poliomavírus A combinação de terapias imunes, entretanto, apesar de de células de Merkel, a exposição à radiação ultravioleta e promover maior taxa de resposta, está relacionada a um a imunossupressão. Apresenta comportamento agressivo aumento de toxicidade relacionada ao tratamento, o que e acomete sobretudo idosos e imunossuprimidos. torna imprescindível a descoberta de biomarcadores com Os pacientes geralmente apresentam um nódulo cutâneo intuito de identificar a melhor opção para cada paciente. de crescimento rápido, indolor, firme, brilhante, comumen- te localizado na região da cabeça e do pescoço. O diag- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS nóstico é feito a partir de biópsia e geralmente requer imu- no-histoquímica. 1. Tumeh PC, Harview CL, Yearley JH,et al. PD-1 Blockade Induces O tratamento cirúrgico corresponde ao tratamento ini- Responses by Inhibiting Adaptive Immune Resistance.  Nature. cial do tumor primário sempre que possível, com excisão 2014;515(7528):568-71. ampla e recomendação de margem de segurança de 1 a 2. Postow MA, Chesney J, Pavlick AC, et al. Nivolumab and 2 cm. O status patológico linfonodal é importante fator Ipilimumab Versus Ipilimumab in Untreated Melanoma. N Engl J prognóstico e auxilia no planejamento terapêutico. A au- Med 2015;372:2006-2017. sência de comprometimento linfonodal está associada a 3. Garcia-Carbonero R, Marquez-Rodas I, de la Cruz-Merino L et al. uma sobrevida câncer específica em cinco anos de 84,5% Recent Therapeutic Advances and Change in Treatment Paradigm versus 64,6% para os pacientes com linfonodo positivo.41 of Patients with Merkel Cell Carcinoma. Oncologist. 2019 Apr 8. A radioterapia é uma alternativa nos casos não passíveis 4. Gibney GT, Weiner LM, Atkins MB. Predictive Biomarkers de ressecção cirúrgica.42 for Checkpoint Inhibitor-based Immunotherapy. Lancet Oncol. Apesar de quimiossensível, a resposta com terapia citotó- 2016;17(12):e542-e551. xica não costuma ser duradoura, com baixa sobrevida dos 5. Weber J, Mandala M, Del Vecchio M, et al. Adjuvant Nivolumab pacientes com CCM metastático. Versus Ipilimumab in Resected Stage III or IV Melanoma. N Engl J A expressão de PD-L1 nas células do carcinoma de Merkel e Med. 2017;377(19):1824-1835. no microambiente tumoral é um fator indicativo de potencial 6. Wolchok JD, Chiarion-Sileni V, Gonzalez R, et al. Overall Survival resposta aos inibidores do checkpoint imunológicos.43,44 with Combined Nivolumab and Ipilimumab in Advanced Melanoma. Recentemente, o avelumabe, um anticorpo monoclonal an- N Engl J Med. 2017;377(14):1345-1356. ti-PD-L1, foi aprovado pelo FDA e pela Anvisa para o trata- 7. Kashani-Sabet M. Molecular  Markers  in  Melanoma. Br J mento do CCM metastático com base no estudo JAVELIN Dermatol. 2014;170(1):31-5. Merkel 200. Com seguimento de cinco meses, o estudo 8. Chan TA, Yarchoan M, Jaffee E, et al. Development of Tumor fase II demonstrou uma taxa de resposta de 62%, com 83% Mutation Burden as an Immunotherapy Biomarker: Utility for the dos pacientes vivos e sem progressão de doença aos seis Oncology Clinic. Ann Oncol. 2019;30(1):44-56. meses, quando utilizado em primeira linha, achados estes 9. Cabel L, Proudhon C, Romano E, et al.  Clinical Potential of que sugerem melhora dos desfechos com inibidores do Circulating Tumour DNA in Patients Receiving Immunotherapy. Nat checkpoint imunológico, em comparação com quimiotera- Rev Clin Oncol;15(10):639-650. pia no contexto da doença metastática.45 10. Pantel K.  Blood-Based Analysis of Circulating Cell- Free DNA and Tumor Cells for Early Cancer Detection.  PLoS CONCLUSÃO Med.2016;13:e1002205. 11. Forsea AM,  Tschandl P,  Zalaudek I,  et al. The Impact De modo geral, a imunoterapia tem se mostrado promis- of  Dermoscopy  on  Melanoma  Detection in the Practice of sora no tratamento do câncer e constitui primeira opção Dermatologists in Europe: Results of a Pan-European Survey. J Eur terapêutica para alguns cânceres de pele, principalmente Acad Dermatol Venereol. 2017;31(7):1148-1156. pela resposta duradoura em relação aos tratamentos qui- 12. Situm M, Buljan M, Bulat V, et al. The Role of UV Radiation in the mioterápicos previamente disponíveis. Os inibidores dos Development of Basal Cell cCarcinoma. Coll Antropol. 2008;32Suppl checkpoints imunológicos têm sido incorporados ao trata- 2:167-70. mento dos cânceres de pele de forma progressiva em es- 13. Wehner MR, Shive ML, Chren MM, et al. Indoor Tanning and Non- tágios iniciais. Melanoma Skin Cancer: Systematic Review and Meta-Analysis. BMJ. 2012:e5909. 14. Guruprasad Y,  Prabhu PR. Gorlin-Goltz syndrome with situs oppositus. Natl J Maxillofac Surg. 2010;1(1):58-62. 15. Danhof R, Lewis K, Brown M. Small Molecule Inhibitors of the Hedgehog Pathway in the Treatment of Basal Cell Carcinoma of the Skin. Am J Clin Dermatol. 2018;19(2):195-207. 16.Brown L, David J, Skopit  S.  Locally Advanced Basal Cell Carcinoma: Two Severe Case Presentations and Review.  J Drugs Dermatol. 2018;17(3):358-362. 17. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN.org). Basal Cell Skin Cancer. 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ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO 33. Atkins MB, Lotze MT, Dutcher JP, et al. High-Dose Recombinant Interleukin 2 Therapy for Patients with Metastatic Melanoma: >> Imunoterapia nos tumores cutâneos Analysis of 270 Patients Treated Between 1985 and 1993. J Clin Oncol. 1999;17:2105-16. Carcinomas. Clin Drug Investig. 2018;38(10):883-899. 34. Robert C, Long GV, Brady B, et al. Nivolumab in Previously 19. Zaorsky NG, Lee CT, Zhang E, et al. Hypofractionated Radiation Untreated Melanoma without Braf mutation. N Engl J Med. Therapy for Basal and Squamous Cell Skin Cancer: A Meta-analysis. 2015;372:320-330. Radiother Oncol. 2017;125(1):13-20. 35. Robert C, Schachter J, Long GV, et al. Pembrolizumab versus 20. Ramirez DP, Moriyama LT, de Oliveira ER, et al. Single Visit ipilimumab in advanced melanoma. N Engl J Med. 2015;372:2521- PDT for  Basal Cell Carcinoma – A New Therapeutic Protocol. 2532. Photodiagnosis Photodyn Ther. 2019. PII: S1572-1000(19)30120-6. 36. Larkin J, Chiarion-Sileni V, Gonzalez R, et al. Combined 21. Bottomley MJ, Thomson J, Harwood C, et al. The Role of Nivolumab and Ipilimumab or Monotherapy in Untreated Melanoma. the Immune System in Cutaneous Squamous Cell Carcinoma. N Engl J. Med. 2015;373:23-34. Int J Mol Sci. 2019;20(8):E2009. 37. Amaria RN, Prieto PA, Tetzlaff MT, et al. Neoadjuvant Plus 22. Migden MR, Rischin D, Schmults CD,et al. PD-1 Blockade Adjuvant Dabrafenib and Trametinib Versus Standard of Care in with  Cemiplimab  in Advanced Cutaneous Squamous-Cell Patients with High-Risk, Surgically Resectable Melanoma: A Single- Carcinoma. N Engl J Med. 2018;379(4):341-351. Centre, Open-Label, Randomised, Phase 2 Trial. Lancet Oncology. 23. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN.org). 2018;19(2):181-193. Melanoma. Version 2.19. NCCN. Org Guidelines. 38. Blank CU, Rozeman EA, Fanchi LF, et al. Neoadjuvant Versus 24. Elmore JG, Elder DE, Barnhill RL,et al. Concordance and Adjuvant Ipilimumab Plus Nivolumab in Macroscopic Stage III Reproducibility of  Melanoma  Staging According to the 7th Melanoma. Nat Med. 2018;24(11):1655-1661. vs  8th  Edition of the  AJCC  Cancer Staging Manual. JAMA Netw 39. Amaria RN, Reddy SM, Tawbi HA, et al. Neoadjuvant Immune Open. 2018;1(1):e180083. Checkpoint Blockade in High-Risk Resectable Melanoma. Nat Med. 25. Morton DL, Thompson JF, Cochran AJ, et al. Final Trial Report 2018;24(11):1649-1654. of Sentinel-Node Biopsy Versus Nodal Observation in Melanoma. N 40. Andtbacka RH, Kaufman HL, Collichio F, et al. Talimogene Engl J Med. 2014;370:599-609. Laherparepvec Improves Durable Response Rate in Patients with 26. Bartlett EK. Current Management of Regional Lymph Nodes in Advanced Melanoma. J ClinOncol. 2015;33:2780-2788. Patients with Melanoma. J Surg Oncol. 2019;119(2):200-207. 41. Kachare SD, Wong JH, Vohra NA, et al. Sentinel Lymph Node 27. Redon S, Guibourg B, Talagas M, et al. A Diagnostic Algorithm Biopsy is Associated with Improved Survival in Merkel Cell Combining Immunohistochemistry and Molecular Cytogenetics to Carcinoma. Ann Surg Oncol. 2014;21(5):1624-30. Diagnose Challenging Melanocytic Tumors. App lImmunohistochem 42. Harrington C, Kwan W. Outcomes of Merkel Cell Carcinoma Mol Morphol. 2018;26(10):714-720. Treated with Radiotherapy without Radical Surgical Excision. Ann 28.Liu JY, Lowe M. Neoadjuvant Treatments for Advanced Surg Oncol. 2014;21(11):3401. Resectable Melanoma. J Surg Oncol. 2019;119(2):216-221 43. Lipson EJ, Vincent JG, Loyo M, et al. PD-L1 Expression in 29.Kirkwood JM, Strawderman MH, Ernstoff MS, et al. Interferon the Merkel Cell Carcinoma Microenvironment: Association with Alfa-2b Adjuvant Therapy of High-Risk Resected Cutaneous Inflammation, Merkel Cell Polyomavirus and Overall Survival. Melanoma: The Eastern Cooperative Oncology Group Trial EST Cancer Immunol Res. 2013;1(1):54-63. 1684. J Clin Oncol. 1996;14:7-17. 44. Terheyden P, Becker JC. New Developments in the Biology and 30. Eggermont AM, Chiarion-Sileni V, Grob JJ, et al. Adjuvant the Treatment of Metastatic Merkel Cell Carcinoma. Curr Opin Ipilimumab Versus Placebo After Complete Resection of High-Risk Oncol. 2017;29(3):221-226. Stage III Melanoma (EORTC 18071): A Randomised, Double-Blind, 45. D’Angelo SP, Russell J, Lebbé C, et al. Efficacy and Safety of Phase 3 Trial. Lancet Oncol. 2015;16(5):522–30. First-Line Avelumab Treatment in Patients With Stage IV Metastatic 31. Eggermont AMM, Blank CU, Mandala M, et al. Adjuvant Merkel Cell Carcinoma A Preplanned Interim Analysis of a Clinical Pembrolizumab Versus Placebo in Resected Stage III Melanoma. Trial. JAMA Oncol. 2018;4(9):e180077. N Engl J Med. 2018;378(19):1789-1801. 32. Long GV, Stroyakovskiy D, Gogas H, et al. Combined BRAF and MEK Inhibition Versus BRAF Inhibition Alone in Melanoma. N Engl J Med. 2014;371:1877-1888. 38

RELATO DE CASO Ímpar Medical Journal >> Gestante com lma, choque cardiogênico e sepse Choque cardiogênico em gestante com leucemia mieloide aguda e sepse em uso de antracíclico Complexo Hospitalar de Niterói Katia Regina Medeiros Luz1, Valdênia Pereira Souza2, Márcia Rejane da Silva Valentim3, Leandro Pataro Calvão4, Roberto José Pessoa de Magalhães Filho5, Wolney de Andrade Martins6. 1. Médica cardiologista. Grupo de Cardio-Oncologia do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), Niterói, RJ, MD. 2. Mestre em ciências cardiovasculares pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, MD, MSc. 3. Mestre em enfermagem pela UFF. Coordenadora de enfermagem da Unidade de Transplante de Medula Óssea (TMO) do CHN, Niterói, RJ, MSc. 4. Grupo de Hematologia e Transplante de Medula Óssea de Niterói. Hematologista do Serviço de TMO do CHN, Niterói, RJ, MD. 5. Doutor em clínica médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Grupo de Hematologia e Transplante de Medula Óssea de Niterói. Hematologista do Serviço de TMO do CHN, Niterói, RJ, MD, MSc, PhD. 6. Assessor de ensino, pesquisa e inovação do CHN, Niterói, RJ. Professor associado de cardiologia da Faculdade de Medicina da UFF. Doutor em ciências (cardiologia) pela Universidade de São Paulo, MD, MSc, PhD. Correspondência: Katia Regina Medeiros Luz E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. RESUMO imputada ao quadro séptico, e não à quimioterapia. A res- sonância magnética cardíaca confirmou a recuperação da A gestação leva a quadro de síndrome de alto débito car- função ventricular e a ausência de fibrose miocárdica. díaco. O tratamento da leucemia mieloide aguda (LMA) com antracíclico pode levar a cardiotoxicidade. A sepse e o cho- Palavras-chave: Leucemia Mieloide Aguda; Gravidez; que séptico podem levar a disfunção ventricular. Relata-se o Quimioterapia Combinada; Daunorrubicina; Choque Séptico; caso de paciente feminina, 26 anos, na décima semana ges- Sepse. tacional, com diagnóstico de LMA, que fora tratada com dau- norrubicina e citarabina e evoluiu com choque séptico após ABSTRACT quadro de neutropenia febril e abortamento espontâneo por volta da décima segunda semana de gestação. Evoluiu sa- Gestation leads to high cardiac output syndrome. Treatment tisfatoriamente após antibioticoterapia e houve completo re- of acute myeloid leukemia (AML) with anthracycline may lead modelamento reverso do ventrículo esquerdo e recuperação to cardiotoxicity. Sepsis and septic shock lead to ventricular da função ventricular. A disfunção ventricular esquerda foi dysfunction. We report the case of a 26-year-old female at 39

RELATO DE CASO >> Gestante com lma, choque cardiogênico e sepse the 10th gestational week with a diagnosis of AML and trea- com o diagnóstico de LMA, após ter sido detectada pan- ted with daunorubicin and cytarabine. She developed septic citopenia no hemograma de rotina pré-natal. Apresentava shock after febrile neutropenia and spontaneous abortion at queixa de astenia e cansaço. the 12th gestational week. She responded satisfactorily to an- Foi submetida a avaliação cardiovascular pré-quimiote- tibiotic therapy with complete left ventricular reverse remo- rapia. Submetida a anamnese, exame físico, eletrocardio- deling and recovery of ventricular function. Left ventricular grama de 12 derivações, dosagem do peptídeo natriurético dysfunction was attributed to septic shock and not to che- tipo B (BNP) e ecocardiograma. Essa avaliação concluiu motherapy. Cardiac magnetic resonance confirmed recovery pela ausência de cardiopatia estrutural ou funcional. of ventricular function and absence of myocardial fibrosis. Foi iniciado esquema quimioterápico para indução de remissão, constituído do antracíclico daunorrubicina as- Keywords: Leukemia Myeloid Acute; Pregnancy; sociado à citarabina. Evoluiu na décima primeira semana Chemotherapy Combination; Daunorubicin; Shock Septic; de gestação com neutropenia febril, quando, após coleta Sepsis. de culturas, foi iniciado cefepime. Na décima segunda se- mana gestacional apresentou dor abdominal, abortamen- INTRODUÇÃO to espontâneo e quadro de sepse. Foi transferida para a unidade de terapia intensiva e ampliada a cobertura an- A gestação leva a alterações hemodinâmicas cardiovas- tibiótica. Apresentou disfunção grave e aguda do ventrí- culares, que se caracterizam por aumento do volume plas- culo esquerdo, confirmada ao ecocardiograma (Figura 1). mático e do débito cardíaco, dilatação atrial e ventricular e Medidas seriadas do BNP confirmaram quadro de insufi- diminuição da resistência vascular periférica e pulmonar. ciência cardíaca (IC) com valores muito acima do valor de Essas alterações concorrem para estado de alto débito car- referência normal (35 pg/ml) (Figura 2). Recebeu terapia díaco, que objetiva atender às necessidades metabólicas inotrópica positiva com dobutamina. A monitorização he- da mãe e do concepto.1 modinâmica invasiva com cateter de Swan-Ganz mostrou Nas últimas quatro décadas, a espinha dorsal do tratamen- padrão inicial de choque cardiogênico, que foi seguido de to de indução da leucemia mieloide aguda (LMA) é compos- choque misto. ta por um antracíclico e a citarabina. Esse esquema evitou Evoluiu favoravelmente com a antibioticoterapia amplia- remissões e prolongou a sobrevida.2 Os antracíclicos revo- da e suporte hemodinâmico e ventilatório não invasivo. lucionaram o tratamento quimioterápico de inúmeros tumo- Posteriormente, foi retomada a terapia para remissão da res sólidos e hematológicos, com aumento de sobrevida LMA. Houve recuperação completa da função ventricular dos pacientes. Entretanto, em doses elevadas e em pacien- esquerda e remodelamento reverso do ventrículo esquer- tes de risco, levam à cardiotoxicidade com apresentação de do ainda durante a internação. Ressonância magnética insuficiência cardíaca e impacto negativo na expectativa de cardíaca realizada 22 dias após a sepse mostrou cavida- vida.3 A citarabina é um quimioterápico antimetabólito, que des e função ventricular esquerda normais, sem áreas de interfere na síntese de ácido nucleico, levando à supressão fibrose (Figura 3). da medula óssea. Há relatos de pericardite, derrame peri- cárdico e tamponamento cardíaco com seu uso.4 DISCUSSÃO A sepse ainda apresenta alta prevalência, diagnóstico ne- gligenciado e elevada taxa de mortalidade. Tanto a sepse O volume plasmático aumenta em até 50% próximo à tri- quanto o choque séptico levam frequentemente à disfun- gésima segunda semana gestacional, mas 75% desse in- ção ventricular sistólica e diastólica, geralmente reversível.5 cremento ocorre precocemente no primeiro trimestre.1 Relatamos uma paciente que desenvolveu choque cardio- Portanto, a paciente em questão já se encontrava sob in- gênico em vigência das condições clínicas supracitadas fluência dessas alterações hemodinâmicas. Esse aumento – gestação, utilização de antracíclico para tratamento de do volume plasmático somado à diminuição da resistência LMA e sepse. A concomitância desses possíveis fatores vascular periférica leva a uma síndrome de alto débito. En- causais de disfunção cardíaca tornou-se um desafio diag- tretanto, a paciente aqui relatada apresentou síndrome de nóstico e terapêutico. baixo débito. Mulheres com cardiopatia prévia à gestação têm dificuldade no processo de adaptação cardiovascular RELATO DO CASO mediado pela dilatação ventricular, no aumento da frequên- cia cardíaca, na diminuição da resistência periférica e no Paciente feminina com 26 anos e dez semanas de gesta- aumento do volume sistólico.1 A paciente aqui relatada ha- ção foi internada no Complexo Hospitalar de Niterói (CHN) via sido submetida à quimioterapia cardiotóxica, e, mesmo 40

Ímpar Medical Journal Figura 1. Ecocardiograma bidimensional com Doppler eviden- Figura 2. Evolução dos níveis séricos do BNP (BNP: peptídeo cia dilatação das cavidades esquerdas. (VD: ventrículo direito; natriurético tipo B). VE: ventrículo esquerdo; AO: aorta; AE: átrio esquerdo). sem apresentação clínica ou ecocardiográfica, poderia ter Figura 3. Ressonância magnética cardíaca evidencia recupe- acometimento subclínico da função ventricular. ração total da função ventricular esquerda e ausência de fibro- No caso relatado, há dois possíveis fatores lesivos ao mio- se miocárdica. (AE: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo). cárdio que podem ter atuado separadamente ou em con- junto para o grave quadro de IC que se apresentou, que são REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS a cardiotoxicidade pela daunorrubicina (antracíclico) e a sepse. O principal efeito adverso da daunorrubicina é a dis- 1. Regitz-Zagrosek V, Roos-Hesselink JW, Bauersachs J, função ventricular sistólica. Mulheres jovens e sob doses Blomström-Lundqvist C, Cífková R, De Bonis M, et al. 2018 ESC elevadas de antracíclico constituem grupo de risco para a Guidelines for the Management of Cardiovascular Diseases During cardiotoxicidade. Caso se atribua a disfunção ventricular Pregnancy. Eur Heart J. 2018;39:3165-3241. apresentada à quimioterapia, isso deveria ser imputado à 2. Pasvolsky O, Morelli O, Rozovski U, Vaturi M, Wolach O, Amitai daunorrubicina, e não à citarabina, posto que esta última I, et al. Anthracycline-Induced Cardiotoxicity in Acute Myeloid tem sido relatada como provável causadora de derrame pe- Leukemia Patients who Undergo Allogeneic Hematopoietic ricárdico, e não de IC. Classicamente, a lesão miocárdica Stem Cell Transplantation. Clin Lymphoma Myeloma Leuk. pelo antracíclico era considerada irreversível. Há, no entan- 2019;19:e343-e348. to, relatos de remodelamento reverso e recuperação da fun- 3. Chang HM, Moudgil R, Scarabelli T, Okwuosa TM, Yeh ETH. ção ventricular após tratamento agressivo da IC.2,3,4 Cardiovascular Complications of Cancer Therapy: Best Practices in A disfunção sistólica e diastólica dos ventrículos es- Diagnosis, Prevention and Management: Part 1. J Am Coll Cardiol. querdo e direito é manifestação comum e tem relevância 2017;70:2536-2551. prognóstica nos pacientes com sepse. Por definição, es- 4. Tuzovic M, Mead M, Young PA, Schiller G, Yang EH. Cardiac sas alterações são reversíveis. Há muitos mecanismos Complications in the Adult Bone Marrow Transplant Patient. Curr fisiopatológicos implicados.5 O paciente neutropênico é Onc Rep. 2019; 21:28. susceptível à sepse e seu tratamento consiste em desafio 5. Campista MS, Martins WA, Guedes MA, Jorge AJL. From clínico. No caso relatado, a reversibilidade rápida e com- Echocardiographic Evaluation to Biomarkers Measurement: The pleta da disfunção ventricular após tratamento do quadro Role of Myocardial Dysfunction in Mortality Associated with séptico favorece a hipótese da disfunção ventricular de Sepsis. Int J Cardiovasc Sci. 2018;31:643-651. etiologia séptica. O remodelamento reverso e a ausência de fibrose à ressonância magnética cardíaca corroboram essa hipótese. A reversibilidade do quadro de IC possibilitou a continuida- de do tratamento da doença de base e implicou em restabe- lecimento do prognóstico inicial da paciente. 41

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Citomegalovírus no transplante de medula óssea Manejo da infecção por citomegalovírus em pacientes submetidos a transplante de medula óssea Complexo Hospitalar de Niterói Marcia Garnica1, Marcia Rejane Valentim2, Alan Johnes Marçal3, Filipe Mitsuo Akamine3, Marco A. F. Bellize3, Rafaela R. Cunha Gomes3. 1. Infectologista, Unidade de Transplante do Complexo Hospitalar de Niterói; Professora Adjunta de Clínica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, MD, PhD. 2. Enfermeira Coordenadora, Unidade de Transplante do Complexo Hospitalar de Niterói, Rio de Janeiro, RN, MSc. 3. Alunos de Graduação em Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Correspondência: Marcia Garnica E-mail: [email protected] Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Os autores declaram não haver conflito de interesse. RESUMO Palavras-chave: Citomegalovírus; Transplante; Infecção; Diagnóstico; Tratamento. Infecção por citomegalovírus (CMV) é um evento muito frequente no contexto do transplante de células-tronco he- ABSTRACT matopoéticas (TCTH) alogênico. Está associada a elevada morbimortalidade e exige manejo adequado e rápido. Nos Cytomegalovirus (CMV) infection is a frequent complica- últimos anos, houve uma grande melhoria na sensibilidade tion in allogeneic stem-cell transplant recipients. It has e na agilidade dos métodos diagnósticos, incluindo técnica been associated with high morbidity and mortality, requiring de PCR em tempo real, permitindo o tratamento da infecção proper and rapid management. Several improvements have e diminuindo significativamente a evolução para doença in- been made in diagnostic tests, including real time PCR tech- vasiva. Atualmente, ferramentas de quantificação imune e niques, standardization of results and improvement in test novas drogas vêm sendo adicionadas no contexto do TCTH, sensitivity, resulting in better diagnostic capacity, early ini- com bons resultados nos quesitos diagnóstico, profilaxia e tiation of antiviral therapy and decreasing rates of invasive terapêutica. Neste documento, é feita uma atualização de CMV disease. In addition, immune assays and new antiviral conceitos e estratégias com base em publicações recen- drugs have been added to this context, with interesting and tes. A fim de exemplificar, resultados e rotinas do Progra- promising results in the diagnostic, prophylactic and thera- ma de Transplantes do Complexo Hospitalar de Niterói para peutic scenarios. Concepts, definitions and strategies were manejo do CMV são descritos. reviewed in this article, and clinical data from the Trans- 42

Ímpar Medical Journal plant Program of the Complexo Hospitalar de Niteroi were Em relação às sorologias do doador e do receptor, o recep- taken as examples. tor com sorologia negativa recebendo células do doador com sorologia também negativa (CMV D-/R-) é o paciente Keywords: Cytomegalovirus; Transplant; Infection; Diagnosis; com menor risco de infecção por CMV. No entanto, recepto- Therapy. res já previamente expostos ao CMV, com status sorológico positivo, apresentam alto risco de reativação (CMV D+/R+ e INTRODUÇÃO CMV D-/R+). Receptores positivos com doadores negativos apresentam risco adicional por não receberem imunidade Infecção por citomegalovírus (CMV) é um evento frequente do doador, enquanto receptores negativos com doadores no paciente submetido ao transplante de células-tronco he- positivos (CMV D+/R-) apresentam risco de primoinfecção, matopoéticas (TCTH), em especial o TCTH alogênico, estan- já que não foram previamente infectados.2,4 do associada a importante morbimortalidade nessa popula- Em relação ao grau de imunossupressão, indivíduos sub- ção. Na maioria das infecções por CMV durante o TCTH, o metidos a TCTH alogênico com algum grau de incompatibi- episódio é considerado reativação de uma infecção latente, lidade, depleção de células T, fonte de célula de cordão ou o pois o CMV apresenta uma prevalência na população adulta desenvolvimento de DECH estão sob maior risco de desen- entre 40% e 100%, não sendo diferente na população trans- volver infecção ou doença por CMV em relação aos demais plantada.1,2 Esse vírus persiste latente por toda a vida após a não expostos a esses fatores imunossupressores.6,7 primoinfecção, que em geral ocorre na criança, e pode apre- Transplantes a partir de doadores alternativos, como o não sentar episódios de reativação em situações de imunossu- aparentado e o haploidêntico, representam hoje a maioria pressão, como no TCTH. No TCTH alogênico, a infecção por dos alogênicos e necessitam esquemas de condicionamen- CMV é um importante fator prognóstico no que se refere à to mais imunossupressores, devido ao maior risco de desen- mortalidade não relacionada a recaída.3 volvimento de DECH, levando a atrasos na reconstituição Nas últimas décadas, houve redução da frequência de doen- imune e imunossupressão acumulada ainda mais intensa.1 ça invasiva por CMV devido a vários avanços diagnósticos e Nessas modalidades de TCTH alogênico, esperam-se maio- terapêuticos, como a incorporação da monitorização de rea- res frequências de reativação de infecção por CMV.3 tivação viral, utilização de testes moleculares para detecção No contexto de DECH e das terapias de imunossupressão de viremia cada vez mais sensíveis e estratégias de manejo atuais, os efeitos nocivos nas respostas imunes media- da infecção, como a estratégia preemptiva e a profilaxia.3 das por linfócitos T resultam em maior suscetibilidade a Nesta revisão, os principais aspectos em relação a defini- infeções virais.1,5 A importância da função das células T na ções, padrões de doença, método diagnóstico e de quanti- supressão da replicação do CMV é também realçada pelo ficação imune e estratégias de manejo serão abordados, fato de os linfócitos T citotóxicos (LTc) CD8+ específicos levando em consideração as publicações recentes sobre o do CMV poderem proteger contra patogênese associada tema. Servindo como exemplo, alguns resultados do pro- ao vírus. A enumeração de LTc CD8+ específicos do CMV grama de transplantes do Complexo Hospitalar de Niterói em doentes imunossuprimidos e a produção de interferon (CHN) serão apresentados. Embora o foco deste artigo seja gama (IFN-γ) têm sido uma boa ferramenta de previsão do a população de indivíduos submetidos a TCTH alogênico, risco para desenvolver a doença por CMV. A produção de as definições e os métodos diagnósticos dessa infecção IFN-γ pode ser um substituto funcional para a identificação serão comuns a outras populações de imunossuprimidos. de LTc específicos do CMV.8-11 Em relação ao momento de maior risco, na maioria dos ca- Fatores de Risco e Períodos de Risco sos a reativação ocorre até o D+100 (centésimo dia após o TCTH), sendo esse o período em que a vigilância deve ser Inúmeros fatores já foram associados ao risco de desen- mais intensa. Infecção após o D+100 está principalmente volvimento de infecção ou doença por CMV no TCTH, entre associada à presença e ao tratamento da DECH ou a casos eles o status de exposição prévia do doador e do receptor, em que já houve uma reativação precoce (até o D+100), onde doadores não relacionados ou com incompatibilidade HLA há maior risco de reativações consecutivas após o D+100.3 em relação ao receptor, uso de condicionamentos com de- Indivíduos com episódios repetidos de reativação de CMV pleção de células T (como uso de timoglobulina ou alen- e aqueles com longos períodos de viremia, ou seja, com tuzumabe) e o desenvolvimento de doença enxerto contra manutenção de replicação viral a despeito do tratamento, hospedeiro (DECH).2,4 Esses mesmos fatores têm sido as- também não são infrequentes, principalmente em situa- sociados a atraso na restituição imune T-específica, levan- ções de grave imunossupressão ou uso de corticosteroide do, por exemplo, a reativações sucessivas. concomitante.9 43

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Citomegalovírus no transplante de medula óssea No Programa de Transplantes do CHN, a realização da so- responsável por altas taxas de mortalidade precoce após rologia do doador e do receptor é obrigatória. Cerca de 60% TCTH. A definição de pneumonia provada por CMV neces- dos TCTH alogênicos apresentam pelo menos uma reativa- sita, além da presença de sintomas e sinais clínicos de ção de CMV no decorrer do seu seguimento. Essa alta taxa já pneumonia (novo infiltrado em imagem radiológica, hipó- é esperada, pois o status sorológico do doador e do receptor xia, taquipneia, dispneia), documentação da presença viral é, em maioria, CMV D+/R+, porém sofre certa influência do em tecido pulmonar (isolamento viral, cultura, histopatolo- tipo de doador utilizado. Entre os transplantes de doadores gia, imuno-histoquímica ou métodos moleculares). A do- aparentados, a frequência de reativação é ao redor de 55%; cumentação viral apenas em lavado broncoalveolar e não porém, em transplantes com doadores alternativos, as frequ- em tecido pulmonar modifica a categoria diagnóstica para ências de reativação encontradas variam em torno de 67% e provável ou possível. Até o momento, não há um ponto de 80% em TCTH não aparentado e haploidêntico, respectiva- corte validado para o diagnóstico de pneumonia a partir da mente. A mediana do tempo após transplante para a primei- quantificação de DNA viral em lavado broncoalveolar, em- ra detecção viral está ao redor do D+40, e 53% dos pacientes bora alguns autores sugiram cortes em 200-500 UI/ml de que reativaram o CMV tiveram 2 ou mais recorrências (me- DNA de CMV na amostra. No entanto, a ausência de DNA diana 3, variando de 2 a 6) durante o tempo de seguimento. viral no lavado broncoalveolar exclui o diagnóstico de pneu- monia por CMV. Definições de infecção e doença Na doença gastrointestinal por CMV, a apresentação mais comum na população de TCTH, os critérios de ‘provada’, Nas últimas décadas, a incorporação de novos testes diag- ‘provável’ ou ‘possível’ são definidos por presença de le- nósticos possibilitou uma revisão das definições de in- sões de mucosas visualizadas (endoscopia digestiva alta fecção e doença invasiva por CMV. Embora o objetivo das ou baixa) e documentação viral em tecido. Caso haja le- definições atuais tenha sido a padronização de eventos re- são anatômica e presença de vírus no tecido, classifica-se portados em estudos científicos, a classificação atual trou- como ‘provada’. Na presença de CMV no tecido sem lesão xe um auxílio para a classificação dos eventos clínicos e o anatômica (por exemplo, na investigação de DECH por biop- manejo desses pacientes na nossa prática diária.6,7 sias múltiplas), a classificação passa a ser ‘provável’. Em Define-se infecção por CMV como a documentação de pro- situações onde há documentação de viremia e sintomas teínas virais (antígenos) ou ácido nucleico em qualquer flui- clínicos compatíveis com doença por CMV, mas o tecido do ou tecido, podendo ser sangue, plasma, líquor, lavado não foi abordado, não se pode classificar como ‘provável’, broncoalveolar, urina.6 embora o indivíduo deva ser tratado. Nessa categoria, estão situações de replicação viral assin- Outras manifestações de doença por CMV, como hepatite, tomáticas, sem nenhuma implicação clínica, mas também pancreatite e nefrite, necessitam documentação em tecido.6 situações em que a replicação viral prediz uma evolução A síndrome do CMV é um conjunto de manifestações clí- para doença invasiva por CMV. Importante ressaltar que a nicas e laboratoriais que vem sendo aplicado no contexto infecção viral não cursa com manifestações orgânicas ou do transplante de órgão sólido, principalmente pela limi- sindrômicas. Há presença ou replicação viral sem acome- tação da sobreposição de manifestações da DECH, e dos timento tecidual; porém, a identificação de replicação viral, diferentes níveis hematimétricos no contexto do TCTH. No em especial viremia, é um importante marcador de risco entanto, a presença ou a piora de pelo menos duas dessas para o desenvolvimento de doença por CMV.6 características no contexto de pacientes após TCTH alo- No outro espectro, existem as doenças invasivas por CMV, gênico e a documentação de replicação viral em sangue que podem ser órgão-específicas, disseminadas ou mani- ou plasma deverão ser manejadas como alto risco de do- festar-se como uma síndrome não órgão-específica. Em to- ença por CMV. As manifestações são: febre, piora ou nova das as situações de doença por CMV, existe acometimento queixa de fadiga, leucopenia ou neutropenia, linfocitose orgânico sintomático ou sindrômico na presença de docu- atípica, trombocitopenia, alterações das aminotransfera- mentação viral no tecido. ses hepáticas.6 No entanto, em algumas situações, o acesso ao tecido ou o Diante das inúmeras manifestações clínicas da doença in- acesso a técnicas diagnósticas adequadas não é possível, vasiva por CMV e das comorbidades que o paciente subme- gerando diferentes graus de incerteza no diagnóstico. Atu- tido a TCTH apresenta, em especial no contexto de DECH, almente, a doença por CMV é classificada em 3 categorias: o centro transplantador necessita ampla capacidade diag- doença provada, provável e possível.6 nóstica instalada e uma equipe multiprofissional e de su- Antes do advento das novas estratégias diagnósticas, a porte treinada para o reconhecimento precoce de eventos, pneumonia por CMV, embora mais rara atualmente, foi como a infecção e a doença por CMV.2,3 44

Ímpar Medical Journal Estratégias de prevenção de CMV no TCTH cação viral pode ser feita em sangue total ou em plasma, porém deve-se optar por utilizar sempre o mesmo material O conhecimento atual dos critérios de risco, a capacidade na monitorização da dinâmica, já que, embora correlacio- de monitorização da dinâmica de reativação viral e o ad- nadas, há maior número de cópias no sangue total do que vento de drogas antivirais efetivas levaram a maioria dos no plasma. O PCR quantitativo é um método muito sensí- centros a optar por protocolos de monitorização viral e es- vel, resultando em altas frequências de detecção viral, pois tratégia preemptiva no manejo desses pacientes.2-3 revela viremias prolongadas, em algumas situações sem A estratégia preemptiva visa interromper a progressão da significado clínico.2 infecção (ou da reativação viral) para doença orgânica e de- A antigenemia, que consiste na identificação de antígeno pende principalmente da capacidade diagnóstica para iden- pp65 em polimorfonucleares, só pode ser realizada após a tificar precocemente a infecção, pois assume-se que exista enxertia do TCTH. Por ser um método observador-depen- um hiato de 1 a 2 semanas entre o início da replicação viral dente, tem sido substituído na maioria dos centros pela e o desenvolvimento de doença. técnica de PCR.6 Outra estratégia bem consolidada, porém pouco utilizada No CHN, a utilização da monitorização por PCR quantitativo devido ao perfil de toxicidade e/ou custo das drogas atu- tem mostrado dados interessantes em relação à dinâmica almente disponíveis no Brasil (ganciclovir ou valganciclo- viral nesses pacientes. As medianas da CV inicial e máxi- vir), é a profilaxia.5 Na estratégia profilática, os antivirais ma do primeiro episódio giram em torno de 259 cópias/ml são mantidos até ao redor do D+100, sem a necessidade (variando de 21 a 43 mil) e 4632 cópias/ml (21 a 959 mil), de monitorização de reativação viral. Embora atualmente respectivamente, e o tempo mediano de viremia está em com limitações de uso, a profilaxia vem ganhado espaço, 25 dias (3-74 dias), com pico de CV ao redor do 9º dia. Na devido ao aparecimento de novas drogas, com diferentes nossa coorte de seguimento, CV alta correlacionou-se com mecanismos de ação e melhor perfil, como o letermovir, o maior tempo de viremia e com necessidade de tratamento. brincidofovir e o maribavir. Desses, os resultados mais pro- Além da quantificação de replicação viral, outras ferramen- missores obtidos em ensaios clínicos randomizados são tas vêm sendo investigadas na tentativa de uma identifica- os do letermovir.12 ção mais precisa de pacientes com risco de evolução para Na unidade de transplante do CHN, atualmente optamos doença por CMV.8 A quantificação da resposta imune tem pela estratégia de monitorização e tratamento preemptivo, sido sugerida para avaliação de risco de reativação e de- e, até o primeiro semestre de 2019, não havia disponibilida- cisão de tratamento. Estratégias de monitorização imune de dessas novas drogas no nosso país. são principalmente baseadas na mensuração da imunida- de mediada por linfócito T, com a quantificação do IFN-γ, Monitorização de replicação viral como exemplos através de técnicas de citometria de fluxo, QuantiFERON-CMV (imunidade T-específica anti-CMV) e Em relação à monitorização da replicação viral, tanto para CMV ELISPOT.5,9,10,11 a identificação de infecção ativa como para seguimento e controle de resposta terapêutica, recomenda-se colher Critérios para tratamento amostras seriadas. A frequência das coletas nos primei- ros 100 dias é de uma vez por semana, e, após o D+100, Toda doença invasiva por CMV deverá ser tratada, mas nem aumenta-se o intervalo entre elas progressivamente para todo episódio de replicação viral merecerá tratamento (te- espaçar as coletas caso não haja risco aumentado ou al- rapia preemptiva). O tratamento da doença por CMV deverá gum episódio de replicação prévia. Em casos classificados conter antivirais efetivos (ganciclovir, valganciclovir, foscar- como de maior risco, como os CMV D+/R- ou CMV D-/R+, net) e melhora da imunossupressão do hospedeiro. Muitas ou exposição a alentuzumabe, a monitorização passa a ser vezes, a melhora da imunossupressão é difícil, principal- bissemanal.2 mente em situações onde há concomitância de DECH gra- Em relação ao diagnóstico, existem duas metodologias va- ve, sendo que a retirada ou a diminuição da imunossupres- lidadas para a pesquisa de replicação viral: o método mole- são pode agravar a DECH, com consequente piora clínica. cular por PCR quantitativo e a antigenemia. Não raro, esse equilíbrio é muito difícil de ser alcançado, A técnica mais recomendada atualmente, por se tratar de podendo ser, porém, decisivo para o desfecho.2,3 um método com padronização técnica e não susceptível Por outro lado, os critérios para indicar tratamento pre- a oscilações das taxas hematimétricas, é a quantificação emptivo devem ser validados em cada centro a partir da da carga viral (CV) por método molecular, com método pa- metodologia diagnóstica utilizada (PCR em sangue total dronizado de PCR quantitativo em tempo real. A quantifi- ou plasma, ou antigenemia), mas devem considerar dois 45

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO >> Citomegalovírus no transplante de medula óssea fatores principais: o grupo de risco do paciente (ter ou não 5. Em casos com aumento de CV no decorrer do critérios de maior risco de desenvolver doença por CMV) tratamento, considerar falha. Nessas situações e a cinética da CV. Embora não haja um ponto de corte orientamos: discriminatório de CV para indicação de tratamento, suge- • Dobrar a dose de ganciclovir (para 10mg/kg a cada re-se que CV acima de 500 ou 1000 cópias/ml (em sangue 12 horas) e associar G-CSF, caso necessário, e total) deva ser considerada. Cargas virais mais baixas, realizar CV duas vezes por semana e monitorização tempo de dobra ou aumentos superiores a 5 vezes em pa- de sinais precoces de doença por CMV. cientes considerados de alto risco também são critérios • Caso não haja resposta à duplicação da dose, ou para indicar terapia preemptiva.2,3 haja contraindicação a essa medida, associar O curso de tratamento mínimo é de 2 semanas, mas, se não foscarnet (60mg/kg a cada 8 horas) ao ganciclovir houver negativação da CV no período, uma terapia de ma- (5mg/kg a cada 12 horas). Esse tratamento deverá nutenção pode ser necessária. Recomenda-se monoterapia ser realizado de 14 a 21 dias, dependendo da como escolha inicial (resultados semelhantes com ganci- resposta e da situação clínica do paciente. clovir ou foscarnet), devendo o centro fazer a opção com • Avaliar a utilização de imunoglobulina em casos base em toxicidade, custo e disponibilidade da droga.2 de infecção pulmonar ou doença grave e reforçar a Durante a primeira semana de tratamento, é comum haver redução da imunossupressão sistêmica. aumento da CV; porém, aumento de CV após 2 semanas de tratamento efetivo e com dose correta sugere falha de Profilaxia estendida: em situações de documentação de resposta (infecção por CMV refratária).7 doença por CMV (em biopsia do trato gastrointestinal, pul- A falha de resposta ao tratamento mais frequentemente monar ou outra), orientamos a manutenção da droga an- está vinculada a critérios do hospedeiro (imunossupres- tiviral até a melhoria do status imune e/ou DECH. Nessas são); porém, casos de resistência viral também têm sido situações, a formulação de ganciclovir intravenoso poderá documentados, mas a confirmação de resistência viral é ser substituída pelo valganciclovir oral. Manter coleta seria- feita por detecção laboratorial (presença de genes que da de PCR quantitativo e rastreamento de sintomas. conferem resistência a ganciclovir, valganciclovir – UL97, ou a ganciclovir, valganciclovir, foscarnet e cidofovir – Conclusões e novas perspectivas UL54, entre outros que incluem resistência às novas dro- gas). O maribavir pode ser uma opção de tratamento em Infecção por CMV é um evento muito frequente no con- casos refratários.13 texto do TCTH alogênico, que está associado a elevada A rotina institucional da unidade de transplante do CHN para morbimortalidade e exige um manejo adequado e rápi- o tratamento da infecção por CMV está descrita abaixo: do.1-3 Embora, nos últimos anos, tenha havido uma gran- 1. A droga de escolha deverá ser o ganciclovir na de melhoria na sensibilidade e na agilidade dos métodos diagnósticos, permitindo o tratamento da infecção e dimi- dose de 10mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. Essa nuindo significativamente a evolução para doença invasi- droga apresenta toxicidade renal e hematológica, va, as opções terapêuticas disponíveis ainda apresentam sendo necessário o acompanhamento intenso com um perfil de toxicidade ruim, além da emergência de resis- laboratório. Caso haja lesão renal, o ajuste da dose tência viral.2,7 será necessário pela função renal. Caso haja falha As perspectivas, no entanto, são promissoras. Ferramentas de enxertia (neutropenia, por exemplo), recomenda- de quantificação imune também trazem um potencial para se o uso associado de G-CSF sem a suspensão do definir com mais segurança estratégias de tratamento.8-11 ganciclovir. Novas drogas estão sendo testadas e algumas apresentam 2. Caso a identificação da reativação do CMV tenha bons resultados nos contextos de profilaxia e de terapêuti- ocorrido antes da enxertia, pode-se utilizar foscarnet ca em casos de refratariedade.12-13 como primeira escolha. 3. A duração do tratamento será de 14 dias, caso haja COMENTÁRIOS negativação de CV nesse intervalo. 4. Caso a CV se mantenha positiva após 14 dias, será Os dados clínicos reportados fazem parte do Estudo de necessário ajuste de imunossupressores e estender o Complicações Infecciosas e Não Infecciosas Relacionadas tempo de terapia. Prosseguir com a vigilância de CV. ao Transplante de Medula Óssea conduzido na Unidade de Caso essa fique estável e com baixo nível de cópias Transplante do CHN sob a coordenação da Profa. Marcia (<1000 cópias), a droga pode ser suspensa se houver Garnica e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do ajuste de imunossupressores. Hospital Nove de Julho (CAAE 54941216.0.3001.5455). 46

Ímpar Medical Journal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7. Chemaly RF, Chou S, Einsele H, Griffiths P, Avery R, Razonable R, et al. Definitions of resistant and refractory Cytomegalovirs 1. Wingard JR. Opportunistic infections after blood and marrow Infection and Disease in Transplant Recipients for Use in Clinical transplantation. Transpl Infect Dis. 1999;1(1):3-20. Trials. Clin Infect Dis. 2019;68(8):1420-1426. 2. Ljungman P, de la Camara R, Robin C, Crocchiolo R, Einsele H, 8. Ciáurriz M, Zabalza A, Beloki L, Mansilla C, Pérez-Valderrama Hill JA, et al. Guidelines for the management of cytomegalovirus E, Lachén M, et al. The immune response to cytomegalovirus in infection in patients with haematological malignancies and allogeneic hematopoietic stem cell transplant recipients. Cell Mol after stem cell transplantation from the 2017 European Life Sci. 2015;72(21):4049-62. Conference on Infections in Leukemia (ECIL 7). Lancet Infect Dis. 9. Blyth E, Withers B, Clancy L, Gottlieb D. CMV-specific immune 2019;19(8):e260-e272. reconstitution following allogeneic stem cell transplantation. 3. Boeckh M, Ljungman P. How we treat cytomegalovirus in Virulence. 2016;7(8):967-980. hematopoietic cell transplant recipients. Blood. 2009;113(23):5711-9. 10. Yong MK, Lewin SR, Manuel O. Immune Monitoring for CMV in 4. van der Heiden P, Marijt E, Falkenburg F, Jedema I. Control Transplantation. Curr Infect Dis Rep. 2018;20(4):4. of Cytomegalovirus Viremia after Allogeneic Stem Cell 11. Yong MK, Cameron PU, Slavin M, Morrissey CO, Bergin K, Transplantation: A Review on CMV-Specific T Cell Reconstitution. Spencer A, et al. Identifying cytomegalovirus complications using Biol Blood Marrow Transplant. 2018;24(9):1776-1782. the quantiferon-CMV assay after allogeneic hematopoietic stem 5. Krawczyk A, Ackermann J, Goitowski B, Trenschel R, Ditschkowski cell transplantation. J Infect Dis. 2017;215(11):1684-94. M, Timm J, et al. Assessing the risk of CMV reactivation and 12. Marty FM, Ljungman P, Chemaly RF, Maertens J, Dadwal SS, reconstitution of antiviral immune response post bone marrow Duarte RF, et al. Letermovir Prophylaxis for Citomegalovirus transplantation by the QuantiFERON-CMV-assay and real time PCR. in Hematopoietic-Cell Transplantation. N Engl J Med. J Clin Virol. 2018;99-100:61-66. 2017;377(25):2433-2444. 6. Ljungman P, Boeckh M, Hirsch HH, Josephson F, Lundgren 13. Papanicolaou GA, Silveira FP, Langston AA, Pereira MR, J, Nichols G, et al. Definitions of Cytomegalovirus Infection and Avery RK, Uknis M, et al. Maribavir for Refractory or Resistant Disease in Transplant Patients for Use in Clinical Trials. Clin Infect Cytomegalovirus Infections in Hematopoietic-cell or Solid-organ Dis. 2017;64(1):87-91. Transplant Recipients: A Randomized, Dose-ranging, Double-blind, Phase 2 Study. Clin Infect Dis. 2019;68(8):1255-1264. 47

ARTIGO DE REVISÃO >> Genética e esteatose hepática Aspectos genéticos da doença hepática gordurosa não alcoólica Hospital São Lucas Fernanda Luiza Valladares Calçado1,2, Henrique Sérgio Moraes Coelho2,3. 1. Médica do Serviço de Hepatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ, Rio de Janeiro, MD, MSc. 2. Médico da Unidade de Doenças Hepatobiliopancreáticas do Hospital São Lucas, Rede Ímpar, Rio de Janeiro. 3. Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da UFRJ, Rio de Janeiro, MD, PhD. Correspondência: Henrique Sérgio Moraes Coelho E-mail: hsmcoelho @yahoo.com.br Correspondência da revista: [email protected] Conflito de interesse: Os autores declaram não haver conflito de interesse. RESUMO ABSTRACT A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma Non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD) is one of the most das causas mais prevalentes de doença hepática. Embora prevalent cause of liver disease. Although very common in extremamente frequente na população (20%), apenas um pe- the population (20%), only a small percentage of these pa- queno percentual dos pacientes evoluem para formas graves tients develop advanced disease (3-5%), which raises the (3-5%), o que nos faz pensar na possibilidade de predisposi- hypothesis of genetic predisposition. There are four com- ção genética para desenvolver estas formas graves. Existem mon genetic variants associated with NAFLD risk. All of the- quatro comuns variantes genéticas associadas ao risco de se genes encode proteins involved in the regulation of lipid DHGNA. Todos estes genes codificam proteínas envolvidas hepatic metabolism. The most well known and well studied na regulação do metabolismo hepático lipídico. O mais co- is PNPLA 3 protein, and other variants, with less impact, nhecido e bem estudado é o PNPLA 3 e outras variantes com are TM6SF2, MBOAT7 and GCKR. The variant PNPLA3 gene menos impacto são o TM6SF2, MBOAT7 e GCKR. A variante is associated with a higher risk of steatosis, liver fibrosis, do gene PNPLA3 associa-se com maior risco de esteatose, hepatocellular carcinoma, and coronary artery disease. fibrose hepática, carcinoma hepatocelular e doença arterial Thus, the genetic basis can influence the risk stratification coronariana. Desta forma, a base genética pode influenciar na of NAFLD, treatment orientation and guide the development estratificação de risco da DHGNA, na orientação de tratamen- of future therapies. to e guiar o desenvolvimento de terapêuticas futuras. Keywords: Non-alcoholic Fatty Liver Disease; Genetics; Liver Palavras-chave: Hepatopatia Gordurosa Não Alcoólica; Cirrhosis; Carcinoma, Hepatocellular. Genética; Cirrose Hepática; Carcinoma Hepatocelular. 48

Ímpar Medical Journal Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) dos casos de hepatite C no mundo ocidental, consequente à grande efetividade dos novos agentes antivirais.4 Fígado normal Esteatose Embora extremamente frequente na população (20%), ape- nas um pequeno percentual desses pacientes evolui para Cirrose Esteatohepatite formas graves (3-5%), o que nos faz pensar na possibili- CHC - inflamação dade de predisposição genética para desenvolver tais for- - fibrose mas.5 Estudos familiares demonstraram que parentes de primeiro grau de pacientes com DHGNA apresentam maior Quadro 1: Espectro evolutivo da DHGNA. risco de desenvolvimento da doença que a população geral. Essa associação é independente do grau de adiposidade e estima-se que 38-100% da gordura hepática e dos compo- nentes da DHGNA são decorrentes de fatores hereditários.6 Algumas evidências da possível relação de fatores genéti- cos na progressão da DHGNA são mostradas no Quadro 2. Este artigo discute as principais descobertas no campo da genética que possam auxiliar a entender essa discrepância na evolução. Quadro 2: Fatores genéticos e evolução da DHGNA. INTRODUÇÃO • História natural variável em indivíduos com igual risco metabólico e histológico; A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é a causa mais prevalente de doença hepática no Brasil e no • Até 20% dos indivíduos com DHGNA têm familiares ocidente. Estima-se em 20-25% o número de indivíduos de primeiro grau afetados; acometidos por esteatose hepática em rastreios populacio- nais através da ultrassonografia abdominal.1 A esteatose • Incidência alta de esteato-hepatite não alcoólica em hepática é definida pela presença de mais de 5% de gordu- familiares de pacientes com cirrose criptogênica; ra no fígado através da biópsia hepática com exame histo- patológico ou até mesmo através da estimativa pelo CAP • Variante do gene PNPLA3 que codifica a adiponutrina (Controlled Attenuation Parameter), ferramenta do aparelho associa-se com maior risco de esteatose, fibrose e Fibroscan®, que analisa a atenuação de uma onda ultrassô- CHC em pacientes com DHGNA. nica de baixa frequência.2 A DHGNA é um espectro de doenças com caracterização Genes associados à susceptibilidade a DHGNA histológica e clínica que passa por diversos estágios: es- teatose hepática, esteato-hepatite, esteatofibrose e cirrose Existem 4 comuns variantes genéticas associadas ao risco hepática (Quadro 1). de DHGNA. Todos esses genes codificam proteínas envol- A esteato-hepatite não alcoólica, mundialmente conhecida vidas na regulação do metabolismo hepático lipídico. como NASH (do inglês, non-alcoholic steatohepatitis), im- O mais conhecido e bem estudado é o PNPLA 3 (polymor- plica em presença de esteatose com inflamação e injúria phism in patatin-like phospholipase domain-containing pro- hepática, tais como balonização, com ou sem fibrose hepá- tein 3), sobre o qual desenvolveremos a maioria das nossas tica. Essa doença tem potencial para evolução para cirrose considerações.7,8 Os outros genes envolvidos são: em 10-20% dos casos em 10 anos, se não tratada.3 Sabe-se a) TM6SF2 (transmembrane 6 superfamily member 2), que um grupo de pacientes cirróticos e, em menor escala, não cirróticos pode evoluir para carcinoma hepatocelular que regula a síntese de lipídios e o número de (CHC), mostrando o potencial agressivo dessa entidade. partículas de lipoproteínas secretadas. A variante Estima-se que, nos próximos 5 anos, a cirrose por DHGNA rs58542926 C>T resulta numa perda de função, tornar-se-á a principal indicação de transplante hepático, facilitando o acúmulo de triglicerídeos no fígado e o seja pela presença de cirrose isolada ou de CHC associado menor nível de lipoproteínas circulantes.9 a cirrose, devido ao aumento crescente de obesidade e dia- b) MBOAT7 (membrane bound O-acyltransferase betes mellitus tipo 2 (DM2) na população e ao decréscimo domain-containing 7), que é uma proteína envolvida na modulação da fosfatidilinositol, que reduz a concentração de ácidos graxos livres. A variante 49

ARTIGO DE REVISÃO >> Genética e esteatose hepática rs641738C>T tem sido associada ao desenvolvimento implicado como fator de risco para CHC.19,20 Estudos com de DHGNA e ao risco de CHC.10,11 biópsias em diferentes populações demonstraram que o c) GCKR (gene regulador da glucoquinase). A perda da risco de DHGNA é 3,3 vezes maior em portadores do ge- função desse gene aumenta o influxo de glicose para nótipo GG e que, naqueles heterozigotos CG, existiria um o fígado e o acúmulo de triglicerídeos. A variante efeito dose-dependente no qual a prevalência de esteato- rs1260326 C>T está associada com DHGNA.12 -hepatite e fibrose seria intermediária entre homozigotos GG e CC.18,21,22 O alelo G e especialmente os homozigotos Interferência do gene PNPLA 3 na DHGNA GG estão também implicados com os graus mais avança- dos de doença hepática em outras populações. Em porta- O PNPLA3 é um gene localizado no braço longo do cromos- dores de hepatopatia pelo vírus C, o polimorfismo do gene somo 22 e produz a proteína conhecida como adiponutrina, PNPLA3 esteve associado à presença de esteatose hepá- que se expressa tanto em adipócitos quanto em hepatóci- tica, associação independente com cirrose e pior resposta tos.13 O polimorfismo rs738409 deste gene, caracteriza-se ao tratamento antiviral.23 Não surpreendente foi o fato de pela substituição do nucleotídeo C (citocina) pelo G (guani- que a mutação também foi estudada em indivíduos com na), resultando na mudança do aminoácido isoleucina para hepatopatia alcoólica, sendo que nessa patologia a frequ- metionina (I148M).14 A função exata da adiponutrina ainda ência do alelo G foi maior nos cirróticos quando compara- é desconhecida, mas estudos sugerem que o gene seja re- dos aos indivíduos com hepatopatia alcóolica com apenas gulado pela concentração de insulina e glicose, sendo sua esteatose e naqueles sem alterações de transaminases.24 expressão induzida durante a alta ingesta calórica. A va- Estudo brasileiro defendido como tese de mestrado na Uni- riante I148M seria responsável pela produção de uma fos- versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sugeriu que a folipase deficiente, mas a função exata é controversa. Para frequência do alelo G em pacientes com DM2 é significativa Kumari et al., a fosfolipase mutada induziria a um aumento e que o polimorfismo do gene PNPLA3 pode estar implica- da atividade lipogênica, elevando a síntese de triglicerídeo do nas complicações hepáticas, principalmente nos homo- no fígado.15 Para He et al., a substituição I148M impediria a zigotos GG, e cardiovasculares, nos portadores do alelo G. hidrólise do triglicerídeo emulsionado, também acarretan- A maior frequência entre diabéticos aponta essa causa do o acúmulo de gordura no fígado.16 A despeito do me- como um importante fator epigenético para a expressão canismo, pesquisas recentes demonstram que o PNPLA3 fenotípica do gene.25 I148M leva ao aumento da liberação de citocinas pró-infla- A associação do polimorfismo do gene PNPLA3 com o matórias e pró-fibrogênicas, induzindo fibrose hepática.17 maior risco de fibrose hepática avançada e doença arterial Embora a grande maioria dos pacientes com DHGNA te- coronariana permite a incorporação dessa nova ferramenta nha sobrepeso ou obesidade, cerca de 10-20% dos aco- para seleção daqueles que se beneficiariam de um acom- metidos apresentam índice de massa corpórea (IMC) nor- panhamento mais especializado. mal ou reduzido (“lean nash”). Recentemente, Honda et al. Uma outra observação interessante ligando o PNPLA3 à estudaram a variante em japoneses, encontrando, da mes- DHGNA é em relação à recorrência de NASH após trans- ma forma, uma alta frequência do polimorfismo do gene plante de fígado, que não dependia do hospedeiro e sim do PNPLA3 nos asiáticos.18 Nesse estudo, foram seleciona- genótipo do doador.26 dos 504 casos de DHGNA diagnosticados por biópsia e Em relação às doenças cardiovasculares, diversos meca- 1012 controles, que foram posteriormente divididos em nismos fisiopatológicos que estão envolvidos na DHGNA subgrupos de obesos e não obesos. A variante do PNPLA3 também participam da gênese da doença cardiovascular, apareceu como fator de risco para esteatose nos dois sub- tais como estresse oxidativo, inflamação sistêmica, resis- grupos portadores da hepatopatia. Entretanto, na avalia- tência insulínica, disfunção endotelial e alteração do me- ção da esteato-hepatite, o polimorfismo do gene PNPLA3 tabolismo de lipídeos. A relação entre os genes PNPLA3 aparecia como fator de risco único em pacientes não obe- e TM6SM2 e a doença cardiovascular ainda não foi bem sos, enquanto nos obesos, os fatores associados foram estudada, embora um único estudo dinamarquês não tenha o IMC e a DM2. Esse resultado reforçaria o papel desse mostrado associação com aterosclerose.27 polimorfismo no desenvolvimento e progressão da do- ença hepática, principalmente em pacientes não obesos CONCLUSÕES asiáticos. Estudos posteriores definiram melhor o papel dessa mutação na DHGNA e verificaram que pacientes A DHGNA é uma doença complexa, onde interações dinâ- portadores do genótipo GG apresentavam maior risco de micas entre aspectos do meio ambiente e genéticos con- esteatose e maior gravidade histológica, inclusive sendo correm para o surgimento da doença, susceptibilidade e 50


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