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edicao completa 2013

Published by ismaelmoura4, 2016-06-28 06:13:14

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GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMA EMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPEL PROJECT MANAGEMENT SOCIAL RESPONSIBILITY: THE CASE OF A COMPANY OF COMMERCE AND IMPROVEMENT OF ARTIFACTS OF PAPER Raphael de Jesus Campos de Andrade1 Aline Mota Albuquerque2 Rafaelle Holanda Nunes3RESUMOEste trabalho tem como objetivo analisar a gestão de projetos sociais nas empresas, tendocomo base a área de gestão de projetos em geral e o Project Management Body ofKnowledge (PMBOK) em particular. Para tanto, realizou-se um estudo de caso em empresade Comércio e Beneficiamento de Artefatos de Papel, cujos dados foram coletados pormeio de entrevista semiestruturada e pesquisa documental. Assim, pôde-se perceber que aempresa consegue ter sucesso na concepção e realização de seus projetos sociais, gerandoinúmeros benefícios para a comunidade onde opera e conquistando o comprometimento deseus colaboradores. Por outro lado, tendo em vista a atual amplitude de seu portfólio deprojetos sociais, nota-se que a empresa carece de um escritório de projetos que independade seu programa de voluntariado, isto é, da boa vontade individual de seus colaboradores.Palavras-Chave: Filantropia. Responsabilidade Social Empresarial. Gestão de Projetos.Projetos Sociais.ABSTRACTThis paper aims to analyze the management of social projects in companies, based on thearea of project management in general and the Project Management Body of Knowledge(PMBOK) in particular. To this end, we performed a case study on Trade and ProcessingArtifact Paper company, whose data were collected through semi-structured interviews anddocumentary research. Thus, one can perceive that the company can succeed in the designand realization of its social projects, generating numerous benefits for the community inwhich it operates and winning the commitment of its employees. Moreover, in view of thecurrent breadth of its portfolio of social projects, we note that the company lacks a projectoffice that is independent of its volunteer program, ie, the individual good will of itsemployees.1 Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO - Mestre em Administração (UECE).1 Faculdade Ratio - Mestre em Administração (UECE).2 Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO - Mestre em Administração e Controladoria(UFC).3 Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO - Bacharel em Administração (FAMETRO) -orientanda. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

4GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda NunesKey-words: Philanthropy. Corporate Social Responsibility. Project Management. SocialProjects.1 INTRODUÇÃO O momento atual é caracterizado por diversas transformações de ordem econômica,política, social e cultural que contribuem para o surgimento de novos padrões nasociedade, no mercado e nas empresas. Através desses padrões se nota que os interessesdas organizações e da sociedade são comuns entre si e por isso seus alcances precisam sertratados de forma compartilhada. As pressões sociais, portanto, tornam as organizações mais preocupadas com aelevação do padrão de qualidade de vida de suas comunidades, passando a desenvolver,assim, ações de responsabilidade social que impliquem também na melhoria de suaimagem institucional. Na expectativa de concretizar essa realidade nas organizações, as teorias eferramentas de gestão procuram cada vez mais identificar as necessidades e os problemasde suas partes interessadas (Stakeholders). As empresas com atividades deresponsabilidade social constroem um capital moral com seus stakeholders, que provêmum seguro contra a queda de sua reputação em períodos problemáticos. Destaca-se, então, a importância de empresas e stakeholders analisarem aspossibilidades de implementação conjunta de projetos e ações de responsabilidade socialempresarial. Por outro lado, sabe-se que o investimento social privado é um desafio nãosomente para a empresa, mas para a respectiva comunidade beneficiada, que, pelaspróprias condições de vulnerabilidade social, tem dificuldades de compreender suarelevância para projetos de responsabilidade social e principalmente para processos dedesenvolvimento local. Considerando, então, que responsabilidade social é um tema relativamente novo,iniciado e consolidado nos últimos 15 anos, aproximadamente, faz-se necessário esclareceralgumas confusões conceituais recorrentes no meio empresarial e comunitário,especialmente quando se trata de práticas assistencialistas e filantrópicas. Na verdade,muitas organizações praticam filantropia e propagandeiam ações de responsabilidade Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

5GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunessocial empresarial, enquanto outras são socialmente responsáveis e não se percebem comotal. A diferença fundamental é que filantropia é o ato de ajudar o próximo, de fazercaridade sem necessariamente precisar da ajuda do governo. Responsabilidade socialempresarial é gerir de forma ética e transparente, buscando reduzir os impactos negativosno meio ambiente e na sociedade através da elaboração e execução de projetos sociais. Dentre outras áreas e ferramentas de gestão disponíveis, destaca-se, para planejar,organizar, supervisionar e controlar as etapas de um projeto social, a gestão de projetos demaneira geral e o Project Management Body of Knowledge (PMBOK) em particular, quecontribuem para o alcance de objetivos e expectativas das partes interessadas. Para oProject Management Institute (PMI) (2008), a gestão de projetos se constitui na aplicaçãode conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas nas atividades de um projeto, com oobjetivo de atender as suas necessidades. Tendo em vista, enfim, a similaridade de objetivos sociais e organizacionais e osesforços de responsabilidade social na perspectiva do desenvolvimento de colaboradores,dependentes e comunidade, este trabalho tem como objetivo a análise de projetossocialmente responsáveis à luz do PMBOK. Para tanto, optou-se, em termos metodológicos, pela realização de um estudo decaso em empresa de Comércio e Beneficiamento de Artefatos de Papel, reconhecida nomercado por sua atuação junto aos trabalhadores e à comunidade onde opera por meio deprojetos sociais. Por fim, este trabalho possui, além desta Introdução, mais seis capítulos. Oprimeiro capítulo apresenta, em termos gerais, a área de Responsabilidade Socialempresarial. O segundo capítulo trata das particularidades da gestão de projetos e doPMBOK. O terceiro capítulo discorre sobre a gestão de projetos de responsabilidade social.O quarto capítulo detalha os aspectos metodológicos deste estudo. O quinto capítulorealiza a análise dos dados e apresenta os resultados encontrados. Por último, são feitas asconsiderações finais. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

6GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunes2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL Responsabilidade social nos dias atuais tem apresentado destaque no meioempresarial e vem se tornando cada vez mais uma aliada importante nos objetivos eestratégias da organização. Com o advento da Revolução Industrial, as empresas ganharamum papel central na geopolítica mundial e nos padrões de comportamento humano,pautando boa parte dos fenômenos socioeconômicos e culturais do século XX. Responsabilidade social empresarial pode ser como uma obrigação moral da gestãoempresarial ou como resultado da pressão da sociedade organizada por políticas elegislações que protejam os direitos humanos, promovam melhores condições de trabalho epreservem o meio ambiente para as atuais e futuras gerações. Durante anos, responsabilidade social foi alvo de debates de vários estudiosos e, em1962, Milton Friedman alavancou esse assunto ao apontar e acusar a teoria da RSE desubversiva. Suas ideias geraram impacto no meio empresarial ao afirmar que aresponsabilidade social de uma empresa é gerar lucros dentro da lei. Ou seja, utilizar seusrecursos em prol de atividades que promovessem o aumento da sua lucratividade, semfraude e respeitando sua concorrência, pois, ocorrendo o aumento dos lucros daorganização e dos sócios como consequência, iria se gerar o bem-estar de todos. Em contrapartida, focando-se no estudo da Responsabilidade Social Empresarial,Carroll (1991) propôs um modelo em forma de pirâmide que se assenta em quatroestruturas (da base para o topo): Responsabilidade Econômica, Responsabilidade Legal,Responsabilidade Ética e, por último, Responsabilidade Filantrópica. Novas questões sobre responsabilidade social empresarial começaram a serlevantadas a partir de preocupações com o bem-estar humano, com a situação do meioambiente e com o poder de influência das organizações. Centralizar a responsabilidade social corporativa para fins exclusivamentelucrativos já não era o bastante para sustentar os negócios diante do surgimento de novosvalores relacionados a melhores condições de vida, valorização do capital humano erespeito ao meio ambiente. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

7GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunes A organização assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei,mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que podem contribuir para odesenvolvimento sustentável dos povos. Responsabilidade social, portanto, é administrarde forma ética, transparente e justa, tendo como princípios e valores atender asperspectivas das partes interessadas ou daqueles que sofrem impactos diretos e indiretoscausados pela atuação da empresa na sociedade – denominados stakeholders, em que sepode incluir: empregados, fornecedores, acionistas, governo, sociedade, clientes,comunidade, meio ambiente e até os próprios concorrentes. De acordo com Boaventura (2012), surgiu durante a década de 80 a teoria dosStakeholders, com o objetivo de abordar as necessidades das organizações preocupadascom os temas sociais e de contribuir para o gerenciamento das relações entre os indivíduos.Coombs e Gilley (2005) esclarecem que a definição mais clara e a mais adotada do termoStakeholder é a proposta por Freeman (1984): qualquer indivíduo ou grupo que possaafetar a obtenção dos objetivos organizacionais ou que é afetado pelo processo de buscadesses objetivos. A organização precisa ter uma atitude com preceitos morais em todos os seusprocessos e suas atividades e a implantação de ações de Responsabilidade Social promoveum desenvolvimento sustentável que vai além da inserção de uma postura legalmenteconstituída, de uma ação de filantropia ou de contribuição com a comunidade. É necessáriomudar de atitude e passar a gerir com o objetivo de alcançar uma relação que gere valorpara todos. Ao acrescentar ações e projetos sociais ao planejamento estratégico, de acordo comBertoncello e Chang (2007), qualquer empresa garante posição de destaque na sociedadeonde atua. Com imagem reforçada e bons resultados nos projetos sociais financiados, aempresa se torna mais conhecida e vende mais; seus produtos, serviços e, sobretudo, suamarca ganham maior visibilidade, aceitação e potencialidade.3 GESTÃO DE PROJETOS Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

8GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunes O gerenciamento de projetos teve início durante a década de 50 com a necessidadede melhorar as atividades, equipes e disciplinas envolvidas na execução de novos artefatos,obras ou produtos de grandes projetos militares. Segundo Kerzner (2002), gerenciamento de projetos é planejar, programar econtrolar as atividades relacionadas ao projeto para alcançar um objetivo com sucesso.Gestão de projetos, podendo também ser denominada de gerenciamento ou gerência deprojetos, trata-se de uma área da administração que utiliza conhecimentos, habilidades etécnicas para elaborar atividades a fim de alcançar em determinado prazo um objetivo,visando custo, qualidade e recursos envolvidos. Projeto é um empreendimento não repetitivo, caracterizado por uma seqüência clara e lógica de eventos, com início, meio e fim. Que se destina atingir um objetivo claro e definido, sendo conduzido por pessoa dentro de parâmetros pré-definidos de tempo, custo, recursos envolvidos e qualidade (VARGAS, 1998, p. 4). Projeto é um empreendimento com início, meio e fim que segue de forma clara umasequência lógica conduzida por pessoas para atingir um objetivo pré-estabelecido. Com oobjetivo de expandir as práticas, técnicas e a profissão do gerente de projetos, foi fundadoem 1969 o PMI (Project Management Institute). Segundo o PMI (2004), gestão de projetos é o processo através do qual se aplicamconhecimentos, capacidades, instrumentos e técnicas às atividades do projeto de forma asatisfazer as necessidades e expectativas dos diversos stakeholders, que são indivíduosativamente envolvidos no projeto ou cujo resultado do mesmo poderá afetá-lospositivamente. Em 1981 foi autorizado pelos diretores do Project Management Institute odesenvolvimento de um guia de projetos, o Project Management Body of Knowledge,também conhecido como PMBOK, que padroniza as práticas usadas pelo gestor deprojetos durante sua carreira profissional. É um livro que apresenta métodos, técnicas eproporciona uma linguagem uniforme para a aplicação do gerenciamento de projetos;possui cinco edições e apresenta 47 processos, divididos em 05 grupos e 11 áreas deconhecimento. Quanto aos grupos de processos, destacam-se: (1) Iniciação: autorização do projeto;(2) Planejamento: definição de objetivos e métodos; (3) Execução: coordenação das Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

9GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunespessoas e dos recursos utilizados; (4) Monitoramento e controle: acompanhamento dodesempenho; e (5) Encerramento: finalização e avaliação. Tais grupos de processos foramainda o ciclo de vida de projetos. As áreas de conhecimento, por sua vez, caracterizam-se como integração, escopo,tempo, custos, qualidade, recursos humanos, comunicações, riscos, aquisições, partesinteressadas e meio ambiente. O gerenciamento da integração do projeto descreve os processos solicitados paraassegurar que os elementos do projeto sejam adequadamente integrados e coordenados.Consiste em desenvolver o termo de abertura, a declaração do escopo preliminar e o planode gerenciamento do projeto, como também procura orientar e gerenciar a execução,monitorando e controlando o trabalho e as mudanças até o encerramento do projeto. Já o gerenciamento do escopo do projeto reúne os processos necessários paracertificar que sejam incluídas somente as tarefas solicitadas. Nessa área, é feito oplanejamento do escopo e elaborada uma estrutura analítica dos processos. O gestor deprojetos é o responsável por esclarecer quais os resultados esperados e a forma deexecução, fazendo com que todos os processos e atividades apontem para o resultadodesejado. Para Turner (1993), o gerenciamento do escopo reúne as atividades necessáriaspara o desenvolvimento do trabalho, com o objetivo de alcançar o sucesso das metasestabelecidas para execução do projeto. O gerenciamento de tempo descreve os processos necessários para garantir aconclusão do projeto no prazo previsto através da estimativa de recursos e de duração dasatividades. Segundo o PMBOK (2004, p. 123), inclui todos os processos necessários paraque seja realizado o término do projeto no prazo estipulado. A partir do gerenciamento de custos é possível identificar os processos requeridospara que ocorra a conclusão do projeto em consonância com as previsões orçamentárias.Inclui os processos envolvidos em planejamento, estimativa, orçamentação e controle decustos, de modo que seja possível terminar o projeto dentro do orçamento aprovado. O gerenciamento da qualidade do projeto descreve os processos necessários paragarantir a qualidade do projeto, tendo em vista planejamento, implementação e controle.Inclui todas as atividades da organização executora que determinam as responsabilidades, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

10GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunesos objetivos e as políticas de qualidade, de modo que o projeto atenda as necessidades quemotivaram sua realização. E o gerenciamento de recursos humanos do projeto apresenta os processos paramelhor utilizar as pessoas envolvidas no projeto. Inclui os processos que organizam egerenciam equipes de projeto. A equipe do projeto é composta de pessoas com funções eresponsabilidades atribuídas para o término do projeto. O gerenciamento das comunicações do projeto é a junção dos processos necessáriospara a obtenção e distribuição de forma adequada das informações do projeto,considerando o planejamento, a distribuição e o relatório de desempenho das informações.É a área de conhecimento que emprega os conhecimentos necessários para garantir ageração, coleta, distribuição, armazenamento, recuperação e destinação final dasinformações sobre o projeto de forma oportuna e adequada. Já o gerenciamento de riscos inclui os processos que tratam da realização deidentificação, análise, planejamento, monitoramento, controle e respostas de riscos de umprojeto. Ao se gerenciar um projeto, é preciso reunir processos para adquirir bens eserviços, através do planejamento das compras, aquisições e contratações. Inclui osprocessos para comprar ou adquirir os produtos, serviços ou resultados necessários de forada equipe do projeto. O gerenciamento das partes envolvidas aproxima-se da gestão de Stakeholdersdescrita no capítulo anterior e pela literatura especializada como ferramenta eficaz para apromoção e realização da Responsabilidade Social. Trata-se, dentre outras possibilidades,de identificar e mitigar os impactos sociais das decisões e atividades da organização. Gerenciamento ambiental, por fim, é área de conhecimento que inclui os processosque são necessários para que o projeto cause o mínimo impacto possível ao meio ambienteonde será desenvolvido. Consiste em avaliar se o projeto se relaciona com algumaobrigação legal e se possui licenciamento ambiental, em identificar os modelos de gestãoambiental disponíveis, em sensibilizar e qualificar a equipe do projeto em questões desustentabilidade ambiental, em definir critérios para a obtenção dos insumos necessáriospara o abastecimento do projeto e em gerenciar os resíduos sólidos do projeto. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

11GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunes Gestão de projetos, portanto, pode ser a forma de aproveitar as oportunidades ediminuir os riscos e os fracassos durante o ciclo de vida do projeto. Através do PMBOKtorna-se possível identificar a melhor prática de gerenciamento e o alcance do objetivo esucesso do projeto.4 GESTÃO PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL O termo “projeto” acrescido do adjetivo “social” divide as populações entreincluídos e excluídos, nas quais os incluídos são aqueles que vivem nos centrosgeográficos e simbólicos definidos por projetos urbanos, escolas orientadas por projetoseducacionais, carreiras profissionais e empresas que se organizam pelos projetos de gestão,dentre outras características que acabam se constituindo como privilégios. Já os excluídossão aqueles que dependem necessariamente de políticas públicas do governo e muitasvezes de projetos sociais de empresas em sua relação com a sociedade civil (BONFIM,2010). E a cada dia se torna mais presente dentro das organizações projetos deresponsabilidade social, seja para desenvolver uma gestão sustentável ou promover aimagem da empresa, manter seus clientes fieis e até mesmo contribuir para a melhoria paraa comunidade. Um projeto social busca, por meio de um conjunto integrado de atividades,transformar uma parcela da realidade, reduzindo ou eliminando um déficit ou solucionandoum problema na expectativa de satisfazer necessidades de grupos que não possuem meiospara solucioná-las por intermédio do mercado. Cada vez mais aumenta o número de organizações que promovem a cidadaniaempresarial e a responsabilidade social, buscando o desenvolvimento social, econômico esustentável. O uso de metodologias de gestão de projetos começou a ser aplicado quandose constatou a importância de avaliar os impactos das ações sociais das empresas. Asorganizações passaram a desenvolver projetos sociais pensando no alcance dos resultadose, por isso, estão substituindo a filantropia pela implantação da responsabilidade social. Gestão de projetos sociais consiste em dar unidade e coerência ao ciclo de ação.Um projeto tem como consequência um conjunto de produtos (gerados via processos de Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

12GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunesconversão), resultados (previstos nos objetivos e metas) e impactos (mudanças na realidadeefetivamente alcançadas). Para Mokate (2002), o custo de projetos sociais pode ser medido através dodesgaste ou sacrifício de um recurso tangível ou intangível como: tempo, recursoambiental e financeiro, capital social e confiança. Dessa forma, os custos deveriam sermedidos além do âmbito financeiro e considerar dimensões sociais e psicológicas. Segundo Yamashita et al (2010), a Seguros Unimed pode ser exemplo de empresasque implantaram projetos sociais de forma estratégica. Trata-se de uma das principaisempresas do setor e procura aperfeiçoar constantemente os processos e conhecer quais sãoas necessidades de seus clientes. Suas ações sociais são desenvolvidas com o apoio doComitê Interno de Responsabilidade Social e os colaboradores são incentivados aparticipar das decisões para que sejam executadas ações durante o expediente de trabalho. A empresa utiliza como ferramenta os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,que são oito macros objetivos aprovados pela ONU em 2000 e que têm suas açõesalinhadas às metas e às estratégias de outras organizações que são reconhecidas comosocialmente responsáveis. Ainda existem muitas dificuldades na profissionalização de iniciativas sociaisempresariais, especialmente por meio de gestão de projetos. Em vista disso, sugere-seneste trabalho o guia PMBOK como referencial teórico e analítico das práticasempresariais.5 METODOLOGIA No sentido de se alcançar o objetivo deste trabalho, optou-se por uma metodologiade pesquisa constituída pelos seguintes elementos: natureza, nível, delineamento do campoempírico e estratégias de coleta e análise de dados. Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa qualitativa, uma vez que não se buscaapontar regularidades ou relações de causa e efeito nos fenômenos, e sim levantar reflexõesacerca da pertinência dos projetos sociais empresariais e de seus processos de gestão(Richardson, 1999). Quanto ao nível, pode-se caracterizar esta pesquisa como descritiva, Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

13GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunesporque expõe uma determinada percepção (de um gestor de projetos) sobre determinadofenômeno (a gestão de projetos). O campo empírico, por sua vez, é aqui delineado por meio do conceito de estudo decaso. Em outras palavras, pretende-se estudar a gestão de projetos sociais de uma empresaespecífica e predeterminada por conta de sua dedicação com as questões sociais. Quanto àsestratégias de coleta de dados, optou-se por entrevistas semiestruturadas junto ao gestor deprojetos responsável e por pesquisa documental. Já no caso da técnica de análise, a escolha foi pela Análise da Conversação, que,segundo Mattos (2005), prepara, suporta e ajusta o trabalho de interpretação (aporte único,inalienável e criativo do pesquisador) a partir das seguintes fases: (1) Recuperação:recupera-se, em sentido amplo, o momento da entrevista; ouve-se atentamente ao que foigravado e transcrito, com o suporte de anotações preliminares e da memória. (2) Análisedo significado pragmático da conversação: procura-se observar como se desenrola ocontexto pragmático do diálogo; responde-se a algumas perguntas, como: o que aconteceali entre aquelas duas (ou mais) pessoas? Como o assunto se desenvolve? Onde ocorrempontos altos e momentos de ausência? (3) Montagem da consolidação das falas: cria-seuma matriz de consolidação de dupla entrada: de um lado, o entrevistado; de outro, asperguntas. (4) Análise de conjuntos: destacam-se os significados de fala que valemindividualmente e os que formam sentidos novos, quando vistos em conjunto; registram-seas observações conclusivas sobre conjuntos e subconjuntos.6 ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS As atividades da empresa de Comércio e Beneficiamento de Artefatos de Papel emquestão iniciaram em novembro de 1983, no bairro de Jacarecanga, em Fortaleza. Atendeempresas dos setores de alimentos industrializados e in natura, calçados, vestuários,eletroeletrônicos, construção civil, bebidas e refrigerantes, higiene doméstica e todosaqueles que demandarem embalagens ecológicas de qualidade industrial. A empresa, de fato, colabora de forma ativa para o desenvolvimento de seusStakeholders, especialmente de seus agentes de reciclagem, mais popularmente conhecidos Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

14GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunescomo catadores de lixo, que representam a base de sua cadeia de suprimentos, e para aelevação de suas rendas familiares. Hoje no Distrito Industrial de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza, aempresa tem como visão ser um centro de excelência nas práticas de ResponsabilidadeSocial até o final de 2014, a partir da consolidação de projetos sociais que vêm sendoimplantados. Dentre tais projetos, destaca-se o ECOSOM, que tem como objetivo principalpromover, por meio de palestras e oficinas, o desenvolvimento ético, social, artístico ecultural, bem como a conscientização ambiental de professores, crianças e adolescentes deescola municipal do entorno, tornando-os capazes de contribuir com mudanças sociais. OECOSOM busca ainda incentivar o interesse pela música, desenvolver a percepçãoauditiva e a memorização musical, melhorar o raciocínio matemático, aumentar acapacidade de concentração dos alunos e, com isso, melhorar os índices de desempenhoescolar. Outra iniciativa da empresa é incentivar e apoiar seus colaboradores para utilizaremvoluntariamente suas habilidades em ações que contribuam para o bem-estar e a qualidadede vida dos moradores das proximidades. Para se tornar voluntário, o colaborador precisaassinar o Termo de Adesão ao Programa de Voluntariado no Setor de Recursos Humanos eter interiorizados valores relacionados com a promoção da sociedade, sempre em respeito aseus próprios valores e crenças, e da sustentabilidade, isto é, tendo em vista também asdemandas das gerações futuras. Analisam-se, para além da caracterização inicial da empresa em questão, os dadoscoletados por meio de entrevista estruturada e pesquisa documental por meio da análise daconversação, conforme detalhamento apresentado anteriormente. Os resultados encontrados puderam, enfim, ser compilados no Quadro 1 abaixo, deforma comparativa com as proposições teóricas correspondentes, aqui representadas peloguia PMBOK, seus grupos e, principalmente, suas áreas correspondentes. ÁREAS DE PMBOK EMPRESA PESQUISADA CONHECIMENTOIntegração Processos e atividades É feita uma reunião com os necessárias para identificar, envolvidos para apresentar o Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

15GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunes definir, combinar, unificar e projeto, buscando uma afinidade e coordenar os diversos grupos sensibilização com as causas e a de gerenciamento de projetos. distribuição das atividades.Escopo Garantia de que o projeto A empresa reúne os processosTempoCustos possui todo o trabalho necessários; são feitos oQualidade necessário para que termine planejamento e a definição doRecursos humanos com sucesso. escopo.ComunicaçõesRiscos Processos necessários para que Os projetos são estudados eAquisições seja realizado o término do planejados para implantação noPartes envolvidas projeto no prazo estipulado. ano seguinte ao surgimento daMeio ambiente ideia. Controle de custos, de modo É feito um orçamento anual de que seja possível terminar o cada projeto; mediante projeto dentro do orçamento apresentação e debate dos projetos aprovado. e orçamentos, são aprovadas as dotações orçamentárias respectivas. Responsabilidades e políticas A proximidade geográfica dos de qualidade, de modo que o beneficiados e a participação dos projeto atenda o que motivou colaboradores da empresa como sua realização. voluntários dos projetos facilitam a avaliação da qualidade dos processos e de seus impactos. Gerenciamento da equipe do Conforme já assinalado, as projeto, composta por pessoas equipes voluntárias são formadas com responsabilidades pelos próprios colaboradores da atribuídas para o alcance dos empresa, que recebem instruções resultados. sobre os projetos. Geração, coleta, distribuição, A empresa disponibiliza 4 horas armazenamento, recuperação e mensais remuneradas para que os destinação final das colaboradores voluntários se informações sobre o projeto. reúnam para planejar e promover melhorias nos projetos. Identificação, análise, Quando se percebe que o projeto medidas, monitoramento e não é mais viável para uma controle de riscos inerentes a comunidade, transferem-se as um projeto. ações e os recursos para outra. Não existe um padrão de análise dos riscos do projeto. Processos para adquirir os A empresa fornece os recursos produtos ou serviços necessários para as aquisições dos necessários para a realização projetos a partir das dotações do projeto. orçamentárias. Processos para identificação e Possui projetos voltados para os atendimento das partes interessados internos e externos. interessadas do projeto. Existe um investimento considerável em treinamentos, que geram integração entre os envolvidos. Identificação e mitigação dos Nenhum projeto até o momento Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

16GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunesimpactos do projeto sobre o demandou licenciamentomeio ambiente. ambiental. A empresa tem como parceiro a Secretaria do Meio Ambiente.Quadro 1 – Caracterização da gestão de projetos da empresa pesquisada. Fonte – dados da pesquisa. Com isso, pode-se perceber que a empresa pesquisada não utiliza de formadeliberada as ferramentas propostas pelo PMBOK, mas por possuir uma política formal daqualidade e por pautar suas ações, tanto sociais como empresariais, por mecanismosestruturados de gestão, consegue executar com sucesso os seus projetos, trazendoresultados positivos para os públicos beneficiados e para seus colaboradores. À luz do PMBOK, pode-se perceber e avaliar que as áreas de conhecimento doPMBOK são quase todas realizadas com competência. Entretanto, tais realizações sãosempre dependentes do comprometimento pessoal dos colaboradores voluntários. Osprojetos sociais, embora já constituam um portfólio amplo, são gerenciados por umaequipe de Responsabilidade Social liderada por um gestor que também acumula funções nosetor de Recursos Humanos e constituída por colaboradores de diversos outros setores. O voluntariado, que conta hoje com 50 dos 300 colaboradores, deixa de ser um dosprojetos sociais da carteira de projetos existente para ser, na verdade, o próprio modelo degestão de projetos sociais da empresa. Falta, portanto, no quadro funcional da empresa,algo como um escritório de projetos, que, por um lado, aproveite o engajamentointersetorial já existente dos colaboradores e, por outro, centralize em si a gestão técnicados projetos.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou analisar os projetos sociais de empresa de Comércio eBeneficiamento de Artefatos de Papel à luz do PMBOK e por meio de análise daconversação de dados coletados a partir de entrevistas semiestruturadas com o gestor deprojetos responsável e de pesquisa documental dos próprios projetos escritos. Assim, pode-se perceber que a empresa, por ter maturidade em sua gestão demaneira geral e por ter a questão social como uma causa institucional, consegue ter sucesso Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

17GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda Nunesna concepção e realização de seus projetos sociais, gerando inúmeros benefícios para acomunidade onde opera e conquistando o comprometimento de seus colaboradores. Poroutro lado, nota-se que o programa de voluntariado empresarial realizado não é somenteuma das diversas ações sociais existentes, mas, na verdade, constitui-se como o pontocentral do próprio modelo de gestão de projetos da empresa, que carece, tendo em vista aatual amplitude de seu portfólio de projetos sociais, de um escritório de projetos queindependa da boa vontade individual. Este estudo, portanto, alcançou o seu propósito inicial, embora tenha tido comolimitação principal a falta de acesso a outros respondentes para além do gestor de projetosresponsável, como, por exemplo, aos colaboradores voluntários e ao público beneficiado,de modo a triangular percepções acerca do mesmo fenômeno e, com isso, potencializar osresultados. Sugere-se, portanto, como estudos futuros a avaliação dos projetos in loco,inclusive por meio de métodos etnográficos, de profunda interação com o públicobeneficiado, de modo a se obter de maneira mais profunda as reais transformaçõespromovidas na vida das pessoas. Sugere-se também a realização de uma pesquisa-ação focada na implantação de umescritório de projetos na empresa pesquisada, de modo que se aproveite o engajamentoatual dos colaborados de áreas e setores distintos, mas se centralize em determinadosresponsáveis exclusivos a gestão formal dos projetos, especialmente a partir de ações decapacitação em gestão de projetos e nas ferramentas do PMBOK.REFERÊNCIASASHLEY Patricia Almeida. (coord.). Ética e Responsabilidade Social nos Negócios. SãoPaulo: Saraiva, 2002.BARAKAT, Simone Ruchdi. Alinhamento entre responsabilidade social corporativa eestratégia: estudo de caso Itaú Unibanco. São Paulo, 2013BARBIERE, José Carlos. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável:da teoria à prática. São Paulo: Saraiva, 2009. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

18GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda NunesBERTONCELLO, Silvio Luiz Tadeu; CHANG, João Junior. A importância daresponsabilidade social corporativa como fator de diferenciação. São Paulo: Rev.Facom/Faap, n. 17, 2007.BOAVENTURA, João Maurício Gama. Dominância de stakeholders em empresasbrasileiras: contribuições à teoria dos stakeholders. São Paulo, 2012.BONFIM, Leila Aparecida. Projeto Social: um objeto de estudo construído na teia desuas significações sociais. São Paulo: 2010.BORGER, F. Responsabilidade Social: efeitos da atuação social na dinâmicaempresarial. Tese de Doutoramento. Universidade de São Paulo, Faculdade de Economiae Administração, 2001.CARROLL, Archier B. A pirâmide da responsabilidade social corporativa: para umagestão moral dos stakeholders. Negócios Horizonte, 1991.CEPAL, (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE). Manualde formulação e avaliação de projetos sociais. Cepal, 1995.CLARKSON, M.B. Stakeholder um quadro para análise e avaliação da performacesocial corporativa. Revisão Academia de Gestão, v. 92, p. 105-108, 1995.COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis: Vozes,1998.COOMBS, J.E.; GILLEY, K.M. Gestão de stakeholders como compensaçãopredominante do CEO: causa principal de interação com a performance financeira.Jornal Gestão Estratégica, v. 26, n.9, 2005.COUTINHO, Renata B.G et al. Projetos sociais de empresas no Brasil: arcabouçoconceitual para pesquisas empíricas e análises gerenciais. Rio de Janeiro: 5ª ed. Rev.Adm. Pública, 2006.FEDATO, Maria Cristina Lopes. Responsabilidade social corporativa: beneficio socialou vantagem competitiva? São Paulo, 2005FREEMAN, R.E. Gestão estratégica: aproximação com stakholders. Boston: Pitman,1984.FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.GODFREY, P.C. A relação entre a filantropia corporativa e riqueza dos acionistas.Revisão Academia de Gestão, v. 30, n. 4, p. 777 – 798, 2005. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

19GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda NunesKERZNER, Harold. Gestão de Projetos: as melhores práticas. Trad. Marco AntonioViana Borges, Marcelo Klippel e Gustavo Severo Borba. Porto Alegre: Bookman, 2002.KITAHARA, José Renato. Responsabilidade social empresarial e desempenhofinanceiro das empresas: evidências do Brasil. São Paulo, 2012.MAIA, Guilherme Aparecido da Silva. Gerenciamento Ambiental do Projeto. SãoPaulo, 2009.MATTOS, P. L. C. L. A entrevista não-estruturada como forma de conversação: razões esugestões para sua análise. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 39, n. 4,p. 823-847, jul./ago. 2005.MAZZINI, Edu Grieco Junior; RODRIGUES, Alexandre Ferreira. A gestão de projetoscomo ferramenta de planejamento no design de novos produtos: o caso da indústriade móveis em Santa Maria-RS. VI Congresso Nacional de Excelência em Gestão, Rio deJaneiro, 2013MOKATE, Karen. Eficácia, eficiência, equidade e sustentabilidade: que queremosdizer? Banco interamericano de Desarrolo, Instituto Interamericano para o DesarroloSocial (Indes), 2002.MORETI, Sergio; FIGUEIREDO, Julio. Análise Bibliométrica da Produção sobreResponsabilidade Social das empresas no ENANPAD: Evidências de um discursoMonólogo. São Paulo: 3ª ed. RGSA – Rev. Gestão Social Ambiental, 2007.NOGUEIRA, Roberto Martinez. Os projetos sociais: a certeza potenteal decomportamento estratégico. Santiago de Chile: Cepal, 1998.PADAVONI, Marisa. Impacto da gestão de portfólio de projetos no desempenhoorganizacional e de projetos. São Paulo, 2013.PARENTE, Tobias Coutinho. Governança e responsabilidade social corporativa:perspectiva dos conselheiros de administração do Brasil. São Paulo, 2013.PMI, INTITUTO DE GERENCIAMENTO DE POJETOS. Um Guia para o corpo deconhecimento de gerenciamento de projeto (PMBoK Guia). 4ª Edição. Instituto deGerenciamento de Projetos, Campus Boulevard, Newtown Square, 2008a.PMI, INTITUTO DE GERENCIAMENTO DE POJETOS. Um Guia para o corpo deconhecimento de gerenciamento de projeto (PMBOK Guia), Instituto deGerenciamento de Projetos, Campus Boulevard, Newtown Square, 2004. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

20GESTÃO DE PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: O CASO DE UMAEMPRESA DE COMÉRCIO E BENEFICIAMENTO DE ARTEFATOS DE PAPELRaphael de Jesus Campos de Andrade, Aline Mota Albuquerque e Rafaelle Holanda NunesPMI, INTITUTO DE GERENCIAMENTO DE POJETOS. Um Guia para o corpo deconhecimento de gerenciamento de projeto (PMBOK Guia). 5ª Edição. Instituto deGerenciamento de Projetos, Campus Boulevard, Newtown Square, 2013.RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999.ROCHA. Fabio. Cidadania empresarial: um caminho sem volta. IETEC – Instituto deeducação tecnológica. http://ietec.com.br acesso: 20/04/2014 18:13hs.TURNER, Rodney J. O manual do gerenciamento baseado em projeto – melhoria dosprocessos para atingir os objetivos. Inglaterra .Ed. Companhia do Livro McGraw-HilEuropa, 1993.VALLE, André Bittencourt do. Fundamentos do Gerenciamento de Projetos. Rio deJaneiro: FGV, 2007.VARGAS, Ricardo. Gerenciamento de Projetos com o MS Project 98, Estratégia,Planejamento e Controle. Rio de Janeiro: Brasport, 1998.VARGAS, Ricardo. Manual prático do plano de projeto: utilizando o PMBOK guide.3ª ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2007.YAMASHITA, Claudia Z. et al. Análise do Gerenciamento de Projetos deResponsabilidade Social sob o Ponto de Vista do PMBOK: Estudo de caso da SegurosUnimed. São Paulo: Editorama, 2010. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.3-20

CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHOCONTEMPORARY CAPITALISM AND IMPACTS IN THE WORLD OF WORK Narah Cristina Maia Teixeira1ResumoEste texto objetiva apresentar as configurações que o mundo do trabalho assume no seio docapitalismo contemporâneo, três últimas décadas do século XX e limiar do século XXI.Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica em torno das seguintes temáticas: Trabalhoe Capitalismo Contemporâneo. Os estudos apontam que, a partir da década de 70 do séculoXX, o sistema do capital vem assumindo uma versão financeira, mundializada, em que acrise é uma constante. Nesse contexto, o modo de produção fordista, que vigorou noperíodo que ficou conhecido como os “30 anos gloriosos” do capitalismo, transitou para omodelo de acumulação flexível, também conhecido como Toyotismo. Em verdade, essastransformações impactaram de forma decisiva o mundo do trabalho que ganhou novasformatações e contornos - flexibilidade, terceirização, informalidade, desemprego crônico.De fato, a marca maior do novo mundo do trabalho é o fenômeno da precarização.Palavras-chave: Capitalismo contemporâneo. Mundo do Trabalho. Toyotismo.Precarização.AbstractThis text aims to present settings the world of work assumes within the contemporarycapitalism, the last three decades of the twentieth century and the threshold of the XXIcentury. To this end, literature search was conducted around the following themes: Workand Contemporary Capitalism. Studies indicate that, from the 70s of XX century, thesystem of capital come to assume, globalized, financial version in which the crisis is aconstant. In this context, the Fordist mode of production, which was in force which becameknown as the \"glorious 30 years\" of capitalism, he moved to the model of flexibleaccumulation, also known as Toyotism. In fact, these transformations impacted decisivelythe world of work that gained new formats and outlines - flexibility, outsourcing,informality, chronic unemployment. In fact, most of the brand new world of work is thephenomenon of casualization.Keywords: Contemporary Capitalism. World of Work. Toyotism. Precariousness.Introdução Em resposta às interpelações do mundo contemporâneo no século XXI,assumo, como temática de estudo, o mundo do trabalho e suas redefinições no cenário damundialização e financeirização do capital.1 Assistente social (UECE), mestre em Sociologia (UFC), professora do curso de Serviço Social daFaculdade RATIO. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

22CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Considerando a complexidade das metamorfoses do trabalho, incido o meuolhar nos sentidos e significados que ele assume, nos marcos do sistema do capitalcontemporâneo, três últimas décadas do século XX e limiar do século XXI. Vale salientarque esses sentidos e significados do labor envolvem tanto as suas dimensões objetivasquanto os seus aspectos subjetivos, a configurar o que os estudiosos dessa temática vêmdenominando de “mundo do trabalho”. Neste texto apresento uma análise sobre o mundo do trabalho na cenacontemporânea. Pautada nos princípios do pensamento crítico, sob a inspiração domaterialismo histórico-dialético, circunscrevo a temática de estudo em suas determinaçõese singularidades, trabalhando as categorias Capitalismo e Trabalho, nos últimos 30/40 anosda contemporaneidade. Assim, estudiosos-referência como Istvan Mészáros, FrançoisChesnais, David Harvey, Ricardo Antunes, Giovanni Alves, Márcio Pochmann, GraçaDruck abriram-nos vias analíticas importantes para pensar a temática em questão. De fato,esses autores lançaram luzes que permitiram construir caminhos nos percursos do trabalhoanalítico. É o que veremos a seguir.Os circuitos do sistema do capital na contemporaneidade No fim da década de 60 e início da década de 70, o capitalismo entra em umacrise que põe fim aos seus “30 anos gloriosos”2. O aumento do valor da matéria-prima, osaltos índices de inflação, uma série de falências, as crises bancárias, a crise do petróleo1973/743, a queda na taxa de lucro foram sinais importantes de que o sonho haviaterminado. Nesse ínterim, o capitalismo inicia um processo de transição que o faz ganharnovas configurações e contornos. De fato, nas últimas três décadas do século XX e limiar2Os “trinta anos gloriosos”, também conhecido como ‘Anos Dourados”, foi o termo utilizado para designar o período em que o capitalismo vigorou (40-70), pautado numa estabilidade econômica, no controle das relações salariais, no pleno emprego, na melhoria das condições de vida devido às medidas adotadas pelo Estado de Bem-Estar Social. O capitalismo desse período funcionava a partir do fordismo-keynesianismo que adotava “um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico”. (HARVEY, 2010, p.119).3A crise do petróleo foi alavancada pela decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de aumentar os preços do petróleo, assim como, pelo embargo do petróleo aos países ocidentais por parte dos países árabes, durante a guerra de 1973 entre árabes e israelenses. Tais decisões acarretaram um forte aumento dos insumos de energia e, ainda, uma instabilidade financeira por conta dos petrodólares excedentes. (HARVEY, 2010). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

23CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeirado século XXI, o sistema do capital assume uma hegemonia financeira, mundializada,complexa, em que a crise é uma constante. De acordo com Mandel (1985), a partir da década de 1970, tem-se início a umanova fase do capitalismo, caracterizada pelos processos de globalização dos mercados e dotrabalho, pela intensificação dos fluxos internacionais do capital, pelos processos definanceirização da economia. A rigor, em tempos de capitalismo contemporâneo, Chesnais (1996) identificao fenômeno da mundialização do capital numa fase de dominância financeira. De fato, ocapital produtivo, comercial e financeiro vem superando as barreiras nacionais - o queexige um contexto necessariamente desregulamentado – em busca de sua acumulaçãoininterrupta em escala mundial. Cabe destacar que, nesse contexto, a esfera financeirapassa a ser campo privilegiado na obtenção de lucros, através da forma dinheiro gerandomais dinheiro (D – D’), ou seja, por meio de um valor que valoriza a si mesmo, sem passarpela mediação da produção e da comercialização de mercadorias. Ressalte-se que essaautonomia da esfera financeira é relativa, uma vez que os capitais, que se valorizam nestaesfera, advêm dos setores produtivos com a produção de mais-valia. Em verdade, a riquezaproduzida na esfera produtiva não é nela reinvestida, mas, antes, expropriada pelos setoresfinanceiros, onde o capital se valoriza. Nesse contexto, o capital financeiro-especulativo4domina o capital produtivo, processo a que Chesnais dá o nome de financeirização daeconomia. Nessa mesma direção, Teixeira (1999, p. 11) afirma que, hoje, “o capital criauma comunidade global de mercadorias.” Em verdade, a forma de produção demercadorias, na contemporaneidade, é radicalmente diferente da que vigorou durante agrande indústria, período em que “o capital-dinheiro era um negócio particular dos bancos;o capital produtivo, dos industriais; e o capital-mercadoria, dos comerciantes.” (ibidem,p.109). De fato, segundo este autor, o capitalismo contemporâneo rompe com essasparticularizações e passa a funcionar a partir de uma cooperação complexa entre capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria. Esta cooperação complexa acontece, porexemplo, quando um grande industrial, além de realizar investimentos em sua indústria4 A especulação pode ser definida como uma operação que não tem nenhuma finalidade além do lucro que pode gerar. (CHESNAIS, 1996, p. 244). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

24CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira(capital-produtivo), começa a investir no comércio (capital-mercadoria) e, ainda, passa acontar com sua própria companhia de financiamento (capital-dinheiro), fazendo de seunegócio a encarnação de todas as formas de existência do capital. Cabe ressaltar que essa nova configuração que o capitalismo assumehodiernamente tem por base uma crise constante. De fato, para os referidos autores, oprocesso de financeirização, mundialização e complexificação do sistema do capital é umatentativa deste contornar sua crise e evitar o colapso. Mészáros (2010), em suas análises sobre a crise do capitalismo hodierno,afirma que esta se difere, fundamentalmente, das crises cíclicas anteriores, pelo seu caráterestrutural.Analisando-a para além de sua superfície conjuntural, o referido autor atentapara o fato de que esta crise vem atingindo as dimensões fundamentais do sistema docapital5, tais como a produção, o consumo, e a circulação/distribuição/realização. De fato,essa crise estrutural, de natureza ininterrupta, revela-se através da superprodução desupérfluos, da subsunção crescente de todas as necessidades humanas ao valor de troca eda destruição da força de trabalho, acentuando, assim, as contradições do capital emtempos contemporâneos, expressas no desemprego crônico, na destruição do meioambiente, na contradição entre o desenvolvimento econômico transnacional e os EstadosNacionais. Assim, percebe-se que as dimensões adquiridas pelo capitalismo – últimasdécadas do século XX e início do século XXI - não solucionou sua crise e não minimizouseus efeitos devastadores. Em verdade, essa nova configuração do sistema do capitalaprofundou os elementos destrutivos que presidem a sua lógica. Mészáros (idem) destaca a destruição da força de trabalho como conseqüênciaprimordial da referida crise. De fato, o trabalho humano vem sendo substituído,5 De acordo com Mészaros (2010), o capital existiu antes do capitalismo através da produção de mercadorias e, ainda, nas sociedades pós-capitalistas de tipo soviético, muito embora, tenha sido no capitalismo que o capital se desenvolveu mais plenamente através da mercadorização da força de trabalho. Para o referido autor, o capital é um sistema sociometabólico que tem seu núcleo central formado pelo tripé capital, trabalho assalariado e Estado, sendo essas dimensões fundamentais e inter-relacionadas, fazendo com que o sistema só possa ser superado com a eliminação dos três elementos. A rigor, Mészáros (idem), ao fazer esta distinção entre capital e capitalismo circunscreve uma fecunda via analítica. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

25CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeirapaulatinamente, pelo trabalho das máquinas. Em verdade, segundo o citado autor, otrabalho, um dos pilares do capitalismo, vem tornando-se cada vez mais supérfluo6. De acordo com Antunes (1997, 2005, 2007), cerca de um terço da forçamundial que trabalha vem sendo lançada para o desemprego e para os mais diversos tiposde trabalho precário. A rigor, os efeitos do capital em crise são devastadores para o trabalhador:destrói-se força humana que trabalha; destituem-se direitos sociais; brutalizam-se umagrande massa de trabalhadores, tornam-se descartáveis tanto coisas como pessoas,lançando para fora dos circuitos do capital tudo que não lhe serve. (ANTUNES, 1997). No âmbito desta crise estrutural, o capitalismo encarna configuraçõespeculiares em diferentes conjunturas. Em verdade, essas tendências globais impactam, deforma ainda mais devastadora, os países periféricos, em particular nos países do continentelatino-americano, onde o Brasil está inserido. Este país, a partir da década de 1990, nos governos Collor e FernandoHenrique Cardoso (FHC); e nos anos 2000, no governo Lula, resguardando as devidasdiferenças para este governante7, passou a inserir-se na dinâmica financeira e mundializadado capital. Essa inserção deu-se de forma subalterna, através desregulamentaçõeseconômicas, fim de uma série de restrições ao capital internacional, abertura comercial efinanceira, privatizações, configurando um capitalismo liberal periférico. (FILGUEIRAS;GONÇALVES, 2007). Nesse contexto, o trabalhador é impactado de forma ainda mais agressiva. Ésobre os impactos que o capitalismo contemporâneo traz para o mundo do trabalho quetrataremos no tópico seguinte.O mundo do trabalho na contemporaneidade: reconfigurações em meio àprecarização6 De acordo com Mészaros (2010), a crise do trabalho diz respeito à crise do trabalho abstrato e não do valor trabalho, uma vez que, para ele, o valor trabalho é categoria ontológica ineliminável do ser social.7 O ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, se por um lado adotou uma forte convergência com os interesses do capital financeiro internacional, através de ajustes fiscais, superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, para citar os principais exemplos (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007); por outro promoveu o fortalecimento da soberania nacional, diminuindo processos que vinham com grande força dos governos anteriores como as privatizações e enxugamento do Estado. (AURÉLIO; SADER, 2010). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

26CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia TeixeiraO novo mundo do trabalho O sistema do capital, ao assumir uma versão financeira e mundializada,impactou de forma decisiva o mundo do trabalho. Em rigor, essa nova configuraçãocapitalista trouxe consigo um largo processo de reestruturação da produção que acarretougrandes transformações para o trabalho e os trabalhadores. De fato, a partir da década de1970, uma série de mudanças foi provocada na esfera da produção como forma de atenderàs novas exigências do capital. Nesse contexto, houve uma desconcentração e flexibilização do espaço físicoprodutivo, assim como novas tecnologias foram introduzidas no meio fabril. Em verdade,ocorreu uma retração dos setores produtivos, uma vez que eles já não garantiam avalorização do capital a contento, ao passo em que os investimentos capitalistas eramdirecionados para os setores especulativo-financeiros, ocasionando crescimento desse setor(CHESNAIS, 1996). Segundo Harvey (2010), a reestruturação produtiva fez com que o padrão deprodução fordista, que vigorou nos anos gloriosos do capitalismo, transitasse para o modode produção toyotista. De fato, a produção em massa e em série, o controle dos tempos emovimentos, o trabalho parcelar, a separação entre planejamento e execução do modelofordista-taylorista foram substituídos por uma produção flexível, orientada pela demanda,com estoque mínimo (sistema kanban), desconcentração produtiva, com a produçãodesignada às pequenas unidades produtivas e emprego do trabalhador polivalente, sendoessas características próprias do modelo toyotista de produção. Cabe destacar que o processo de reestruturação da esfera da produção,alavancado pelos países de capitalismo avançado, teve rebatimentos específicos nos paísesde capitalismo periférico. No Brasil, esse processo inicia-se a partir da década de 1990 doséculo XX, nos governos de Collor e FHC. De acordo com Alves (2005), na década de 1980, inicia-se uma seletiva erestrita reestruturação produtiva no Brasil, através da introdução do toyotismo em apenasdeterminados setores da economia, como no caso da área automobilística. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

27CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Esse processo só chegou a se expandir para os demais setores do mundoprodutivo a partir da década de 1990, através de um largo incremento de novas tecnologiasno parque industrial brasileiro. No Ceará, o processo de reestruturação produtiva teve início com o governo deTasso, através da modernização do parque industrial cearense (TEIXEIRA, 1999). Vale salientar que, hodiernamente, mesmo que vigore nos setores produtivosbrasileiros o padrão toyotista de produção, ainda é possível encontrar, nos recônditos desseBrasil grande e diverso, uma forte presença do padrão fordista-taylorista. De fato,presenciam-se, no Brasil, tanto tecnologias de ponta como maquinarias eletromecânicas(ALVES, 2005). Nesse ínterim de largo processo de reestruturação produtiva, tanto nos paísesdesenvolvidos como nos países de capitalismo periférico, há uma redução considerável doproletariado fabril, manual, estável e especializado que vigorou nos tempos do fordismo,dando lugar ao trabalhador flexível, polivalente, da era informacional, do conhecimento edos serviços, próprio da era toyotista (ANTUNES, 2005, 2007; ALVES; ANTUNES,2004; ALVES, 2005, 2009). Em verdade, as transformações na esfera da produção, provocadas para atenderàs demandas postas pelo capital financeiro, mundializado e em crise, fizeram com queemergisse na cena contemporânea – últimas décadas do século XX e limiar do século XXI– o novo mundo do trabalho e um novo perfil de trabalhador. De acordo com Antunes (2007) e com Alves e Antunes (2004), observa-se, naera da produção toyotista e do trabalhador polivalente e flexível, um incremento expressivode mãodeobra feminina, que vem ocupando mais de 40% dos postos de trabalho nos paísesavançados. Verifica-se uma inclusão criminosa de crianças nos espaços de trabalho,principalmente dos países periféricos, enquanto um número significativo de jovens eidosos é lançado para fora do mercado laboral. Percebe-se, também, a inclusão de negrosem trabalhos cada vez mais precários e a sua exclusão de postos de trabalho mais seguros,mais bem remunerados e de maior status. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

28CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Há o aumento significativo de trabalhadores domésticos, em decorrência docrescimento de pequenas e médias unidades que passam a produzir para as grandesempresas. Ressalte-se que esses trabalhadores geralmente prestam serviços sem maioresgarantias trabalhistas, ficando submetidos aos mais elevados níveis de exploração dotrabalho (ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004). Observa-se um grande número de trabalhadores desempregados, que passa acompor as fileiras do exército industrial de reserva8 ou mesmo fica sem perspectivas deretorno ao mercado formal9 de trabalho. Muitos desses sujeitos começam a buscar suasobrevivência no mercado informal, crescendo assustadoramente o número detrabalhadores autônomos, domésticos, dentre outras categorias de trabalhadores do setorinformal (ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004). Podemos citar ainda o crescimento, embora pouco expressivo, do número detrabalhadores do terceiro setor10. De fato, as organizações não governamentais vêmabsorvendo mão de obra, principalmente para as atividades de caráter assistencial(ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004). Nesse cenário, percebe-se uma gama de trabalhadores inserida em variadasatividades laborais dos diversificados setores da sociedade. Para Antunes (2004, p.342),essa diversidade de trabalhadores que se apresenta no cenário contemporâneo é o desenho compósito, diverso, heterogêneo [...] com clivagens entre os trabalhadores estáveis e precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e negros, qualificados e desqualificados, ‘incluídos e excluídos’ etc., temos também as estratificações e fragmentações que se acentuam em função do processo crescente de internacionalização do capital.8Marx (2010), no livro I, volume I, de “O Capital”, cuja primeira publicação é do ano de 1867, chamou de “exército industrial de reserva” a força de trabalho excedente às demandas da produção. Contudo, essa massa de trabalhadores desempregados cumpre uma função para o sistema do capital no sentido de inibir reivindicações e aumentos salariais.9 No Brasil, convencionou-se chamar de trabalho formal aqueles trabalhos com vínculo de carteira assinada, ou seja, com garantias e benefícios preconizados pela legislação trabalhista, enquanto o trabalho informal diz respeito às atividades laborais sem a mediação da carteira assinada e, com isso, sem acesso aos direitos legalmente garantidos.10 O terceiro setor refere-se às instituições da sociedade civil com fins públicos e não lucrativos, ou seja, não pertencem ao âmbito do Estado nem ao setor mercadológico. Geralmente, essas instituições possuem como finalidade o desenvolvimento de atividades comunitárias e de caráter assistencial. É importante destacar que essas instituições surgiram em um contexto de crise do Estado de bem-estar social, nas décadas de 1970 e 1980, e tinham por intuito pressionar o Estado para garantia de direitos sociais. Atualmente, essas instituições vêm buscando substituir o Estado na prestação de serviços sociais, com forte apelo ao trabalho voluntário (FERNANDES, 1994). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

29CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Em verdade, a classe trabalhadora encontra-se fragmentada, heterogênea ecomplexa. De um lado, em escala minoritária, tem-se o trabalhador polivalente emultifuncional da era do conhecimento e da informática; de outro, há uma massa detrabalhadores sem qualificação, vivenciando o trabalho precário ou mesmo o desempregoestrutural (ANTUNES, 1997, 2005, 2007). No Brasil, no limiar do século XXI, presencia-se uma classe trabalhadoradividida da seguinte forma: o “proletariado” estável, composto por metalúrgicos esiderúrgicos, trabalhadores braçais, agentes da administração pública, vendedores eempregados no comércio e trabalhadores agropecuários, perfazendo um total de 27,6% dostrabalhadores brasileiros; os proletários precarizados, tanto do setor formal como doinformal, que perfazem um total de quase 50% dos trabalhadores brasileiros; e oproletariado de “classe média”, composto pelos “proletários de colarinhos-brancos”, ouseja, por trabalhadores de carteira assinada, estatutários, gerentes, pelos que possuem ótimaqualificação e até mesmo por aqueles ocupados sem carteira, autônomos e desempregadoscom curso superior, abrangendo cerca de 8,2% dos trabalhadores brasileiros (ALVES,2007). Cabe ressaltar que esse “compósito diverso e heterogêneo de trabalhadores”tem sua unidade estabelecida a partir da condição de exploração da força de trabalho a queesses sujeitos são submetidos na luta pela sobrevivência. Para Antunes (1997, 2005, 2007),essa diversidade de trabalhadores irá compor a classe-que-vive-do-trabalho, conceito queengloba tanto os trabalhadores do mundo da produção como os trabalhadoresimprodutivos, dando validade contemporânea ao conceito marxiano de classe trabalhadora.Destarte, o referido autor inclui no âmbito da classe trabalhadora todos aqueles quevendem sua força em troca de salário e que são desprovidos dos meios de produção. Sãoeles: o proletariado industrial e rural, os trabalhadores do setor de serviços, ostrabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários, os trabalhadores autônomos,informais, os trabalhadores das instituições do Estado e os desempregados. Sublinha-seque da classe trabalhadora estão excluídos os que vivem de especulações e de lucros e osgestores do capital (ANTUNES, 1997, 2005, 2007). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

30CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira De fato, a exploração da força de trabalho é o grande denominador comum daclasse-que-vive-do-trabalho. Em tempos de crise estrutural do sistema do capital, essaexploração vem chegando a níveis assustadores. É o que veremos no tópico seguinte.A precarização como marca do novo mundo do trabalho No (novo) e precário mundo do trabalho, Giovanni Alves atenta para umfenômeno que vem se apresentando como a grande marca das novas configurações domundo do trabalho, qual seja: o fenômeno da precarização laboral. Em verdade, essaprecarização é a pedra de toque do novo mundo do trabalho no contexto da crisecontemporânea do sistema do capital. De acordo com Alves (2007), Aquino (2005) e Mattoso (1995), a precarizaçãodo trabalho está associada aos processos de flexibilização trabalhista, iniciados nas décadasde 1970 e 1980, nos países centrais, que se espraiaram pelo mundo todo, a partir da décadade 1990. Para os referidos autores, esse fenômeno refere-se, essencialmente, à perda dedireitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, a partir da fragilização dosvínculos trabalhistas, do trabalho temporário, sem carteira assinada, da perda na massasalarial e das péssimas condições de trabalho. Em verdade, a precarização laboral expressa-se na intensificação da exploração dos trabalhadores, através do aumento nas taxas deextração de mais-valia absoluta e relativa11 e na intensificação dos processos dealienação/estranhamento12 e no desemprego estrutural (ALVES, 2007).11 Para Marx (2010, p. 231), na obra O Capital”, cujo ano original de publicação é 1867, a mais-valia nasce de uma quantidade excedente de trabalho que é realizado pelo trabalhador durante o processo produtivo, o qual não é pago, mas sim apropriado pelo capitalista. A mais-valia absoluta refere-se ao sobretrabalho criado a partir da jornada laboral. Assim, quanto maior a jornada de trabalho, maior será a mais-valia absoluta. Já a mais-valia relativa diz respeito à intensidade do ritmo de trabalho humano, que geralmente está associado ao trabalho das máquinas. Assim, a implementação de máquinas no processo produtivo faz com que o ritmo de trabalho aumente e, consequentemente, faz com que a produção seja maior em uma menor quantidade de tempo.12Alienação/ estranhamento é uma categoria marxiana que se refere à perda da dimensão genérica do ser humano nos marcos da sociabilidade do capital. Isso acontece tanto no plano objetivo, quando o homem é separado dos seus meios objetivos de existência, de seus meios de produção, e passa a ser explorado de fato por outros homens, quanto no plano subjetivo, quando o homem passa a não reconhecer os outros homens como pertencentes a uma dimensão humana e, ao estranhar os outros, não reconhece (estranha) a sua própria humanidade (MARX, 1974). Essa definição é dada no livro “Manuscritos Econômico- filosóficos”, publicado pela primeira vez em 1844. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

31CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Nessa mesma direção, Graça Druck (2009 apud RAICHELIS, 2011, p. 48),visando a apreender as diferentes formas de manifestação da precarização do trabalho noBrasil contemporâneo, constrói cinco grandes indicadores assim expressos: Das formas de mercantilização da força de trabalho, que produzem um mercado de trabalho heterogêneo e maçado por uma vulnerabilidade estrutural, configurando formas precárias de inserção dos trabalhadores, explícitas ou disfarçadas, em todos os setores, atividades e regiões, produzindo descartabilização dos trabalhadores estáveis com perda de direitos e vínculos, por um lado, e uma condição “provisória” de precarização que se torna permanente, de outro; do processo de construção das identidades individual e coletiva, que produz desvalorização e descartabilidade das pessoas, aprofunda o processo de alienação e estranhamento do trabalho, radicalizando a coisificação das relações humanas e fragilizando as identidades individual e coletiva e a dimensão ética do trabalho, principalmente pela dimensão do desemprego estrutural; da organização e das condições de trabalho, que amplia o ritmo do trabalho e a definição de metas inalcançáveis, produz a extensão da jornada, a polivalência, a rotatividade, a multiexposição aos agentes físicos, químicos, ergonômicos e organizacionais que conduzem à intensificação do trabalho, potencializada pelo desenvolvimento tecnológico da microeletrônica; das condições de segurança no trabalho, que produz fragilização das condições de segurança no trabalho, diluição de responsabilidades entre estáveis e instáveis, precárias condições de trabalho com maior exposição a riscos e sujeição a condições aviltantes de aumento da produtividade, gerando precarização da saúde e da segurança do trabalho; das condições de representação e organização sindical, que amplia a fragilidade sindical e os efeitos políticos da terceirização, produzindo discriminação, pulverização e competição entre os próprios trabalhadores, enfraquecendo a representação política da classe trabalhadora. Isso não quer dizer que em outros momentos da história do capitalismo otrabalho não tenha sido precário. Em rigor, a precariedade laboral “é condição histórico-ontológica da força de trabalho como mercadoria. Desde que a força de trabalho seconstitui como mercadoria, o trabalho vivo carrega o estigma da precariedade social.”(ALVES, 2007, p. 113). Nesse sentido, enquanto a precariedade laboral diz respeito à própria naturezado trabalho na sociabilidade do capital, a precarização do trabalho refere-se à formasingular de manifestação da precariedade laboral nos marcos do capitalismo financeiro,mundializado e em crise. Desse modo, embora a precariedade laboral esteja presente emtodo o curso do capitalismo, ela se expressa de forma diferenciada nos circuitos da história. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

32CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Nos marcos do capitalismo de mercado13, a precariedade do trabalho seexpressa no exercício de um trabalho degradante14 (BORSÓI, 2011). É o que podemosperceber nos escritos de Engels de 1845, ao denunciar as condições de vida e de trabalhodos trabalhadores no berço da industrialização. Relata ele: Para concluir, resumamos de novo os fatos citados. As grandes cidades são habitadas principalmente por operários [...] estes operários nada possuem e vivem do seu salário que na maior parte das vezes só permite a subsistência cotidiana. A sociedade, individualizada ao máximo, não se preocupa com eles, atribuindo-lhes o encargo de prover às suas necessidades e da família; contudo, não lhes fornece os meios de o fazerem de forma eficaz e duradoura. Qualquer operário, mesmo o melhor, está constantemente submetido às privações, quer dizer, a morrer de fome, e uma maioria sucumbe. Regra geral, as casas dos trabalhadores estão mal implantadas, mal construídas, mal conservadas, mal arejadas, úmidas e insalubres; nelas, os habitantes estão confinados a um espaço mínimo e, na maior parte dos casos, num cômodo dorme pelo menos uma família inteira. A disposição interior das casas é miserável; chega-se num certo grau à ausência total dos móveis mais indispensáveis. As roupas dos trabalhadores também são, regra geral, medíocres e estão frequentemente esfarrapadas. A comida é geralmente má, muitas vezes imprópria para consumo, em muitos casos, pelo menos em certos períodos, insuficiente e, no extremo, há pessoas que morrem de fome [...] (ENGELS, 1985, p. 87). Em tempos de capitalismo monopolista15, os trabalhadores eram submetidos aocontrole dos tempos e movimentos, à especialização extrema das tarefas, às hierarquias quedividiam claramente as atividades de mando e de obediência. Nesse contexto, aprecariedade laboral expressava-se em um fazer monótono, repetitivo, inexpressivo emassacrante (HARVEY, 2010; SENNET, 1999). Contudo, esses trabalhadores conquistaram uma série de direitos, que foramgarantidos em lei, quais sejam: redução da carga horária de trabalho, certa estabilidade,aumento da massa salarial, saúde, educação, dentre outros. Na contemporaneidade, numa fase de capitalismo financeiro, mundializado eem crise, há um retrocesso das conquistas trabalhistas e a consequente precarização dotrabalho, que vem atingindo níveis alarmantes. De fato, de acordo com os estudiosos do13 Mandel (1985) divide a história do capitalismo em três fases, sendo a primeira denominada de capitalismo de mercado. Essa fase vai de 1700 a 1850 e é marcada pela livre concorrência, por um intenso processo de comercialização de mercadoria, industrialização e divisão do trabalho.14Para Borsói (2011), o trabalho degradante refere-se à atividade laboral realizada em condições aviltantes e sub-humanas, garantidora apenas da mera sobrevivência do trabalhador.15 O capitalismo monopolista, para Mandel (1985), refere-se à fase desse sistema que vigora até aproximadamente 1960 e é marcada pelo imperialismo, pelos monopólios de mercado, produção e consumo em massa e pelo Estado de bem-estar social. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

33CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeiramundo do trabalho, como Antunes (1997, 2005, 2007), Alves (1999, 2005, 2007), Antunese Alves (2004) e Vasapollo (2006), observa-se o desemprego e a precarização para cercade um terço da força mundial que trabalha. Em relação ao desemprego, uma das grandes expressões do processo deprecarização do trabalho, verifica-se um crescimento alarmante. A rigor, entre 2007 e2009, o número de desempregados passou de 178 milhões para 212 milhões, segundodados da Organização Internacional do Trabalho16 (OIT). Ressalte-se que o desempregomundial atinge em maior amplitude os jovens e as mulheres, sendo a taxa de desempregojuvenil o dobro da taxa de desemprego total e a taxa de desemprego das mulheres 1,4 vezmaior que a taxa de desemprego dos homens (BARBOSA; CARVALHO, 2007). Cabe destacar que o desemprego contemporâneo – fins do século XX e iníciodo século XXI – não se vincula essencialmente aos contextos conjunturais, mas antes trata-se de um desemprego de caráter estrutural, devido à descartabilidade de uma grande massade trabalhadores para o próprio funcionamento do sistema do capital em crise. Todavia, mesmo que a dimensão estrutural seja preponderante na determinaçãodo desemprego mundial hodierno, ela não se configura como fator único, uma vez que osíndices de desemprego também variam de acordo com as particularidades sócio-históricas.No caso do Brasil, o grande desemprego verificado nas décadas de 1990, especialmentenos governos Collor e FHC, associa-se a uma conjuntura de grave recessão econômica; àforma subordinada na inserção externa da economia nacional, com a adoção de mão deobra barata; ao modelo econômico desfavorável ao emprego; à reestruturação empresarialsem acompanhamento educacional; e ao padrão de ajuste do setor público (POCHMANN,2006). Nos anos 2000, no governo Lula, observa-se um crescimento nas taxas de empregoformal e na renda do trabalhador, embora as melhorias não tenham sido um crescentelinear, havendo períodos de retrocessos. De fato, em 2010, a taxa média de desemprego noBrasil caiu para 6,7% dos 79 milhões de pessoas economicamente ativas do mesmo ano.16 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência do sistema das Nações Unidas que tem por objetivo realizar ações referentes ao mundo do trabalho em âmbito mundial, dentre elas a realização de pesquisas e estudos científicos nessa área. É importante destacar que os indicadores utilizados pela OIT para “medir” taxas de desemprego levam em consideração tanto os desempregados que procuraram trabalho nos trinta dias anteriores à pesquisa (desemprego aberto) como os que não estão trabalhando e que não procuram emprego por desalento (desemprego oculto). Destaca-se, ainda, que se considera desempregado aquele que realiza algum tipo de trabalho precário (avulso, instável), mas que procura outro tipo de emprego pela sua condição de precariedade, caracterizando-se como desemprego oculto. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

34CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia TeixeiraEsse índice é o menor registrado desde 2003, quando o desemprego atingia cerca de 12,4%dos brasileiros economicamente ativos (IBGE17, 2011). Essa melhora nos índices dedesemprego vincula-se às medidas adotadas pelo citado governo, tais como o investimentoem infraestrutura, a (re)inserção de forma mais soberana no capitalismo global e o fomentode políticas sociais, muito embora o governo Lula não tenha rompido radicalmente com aspolíticas macroeconômicas e sociais dos governos anteriores (POCHMANN, 2010;SADER, 2010). Vale salientar que, em 2004, o desemprego representava apenas 36% daprecariedade vivenciada pelos brasileiros economicamente ativos, enquanto os péssimossalários e/ou o trabalho partime significavam quase 2/3 dos postos de trabalhos oferecidosaos brasileiros. Ressalte-se ainda que a maioria dos trabalhadores precarizados no Brasilvive na região Nordeste, sendo cerca de 9,7 milhões de nordestinos nessa situação, o querepresenta 43,2% da população economicamente ativa (PEA) do País. Já o Sudestebrasileiro é a região com menor grau de precariedade laboral, representando 20% da PEA.Ambas as regiões perfazem um total de ¾ das pessoas em situação de precariedade laboralno Brasil. Por fim, é válido dizer que 70% dos trabalhadores precarizados neste país estãolocalizados nas áreas urbanas, perfazendo um total de 16,2 milhões de trabalhadores (IBGEapud BARBOSA; CARVALHO, 2007). Diante do exposto, pode-se dizer que, embora os postos de trabalho no Brasiltenham aumentado, contrariando uma tendência mundial de desemprego, eles são, em suagrande maioria, espaços de trabalho precário. De fato, no Brasil verifica-se “umacombinação de alto desemprego com elevada proporção de trabalhadores informais esubempregados” (BARBOSA; CARVALHO, 2007, p. 29). Em verdade, a precarização do trabalho não só se manifesta no desemprego enos trabalhos informais, seus dois casos mais emblemáticos, mas se verifica nos setoresformais de trabalho, através da ampliação da jornada laboral, da intensificação dosprocessos de trabalho, das horas extras sem remuneração, da flexibilização do estatutosalarial, das inseguranças (ALVES, 2007)17O IBGE tem por objetivo realizar pesquisas sobre a realidade brasileira, dentre elas sobre o mercado detrabalho, renda do trabalhador etc. Para medir as taxas de desemprego, leva-se em consideração apenas aspessoas sem nenhum tipo de ocupação que procuram emprego, ou seja, em situação de desemprego aberto. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

35CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Já na contratação do trabalhador para os postos formais de trabalho percebe-seindícios dessa precarização, pois, em larga medida, ela acontece mediante a terceirização,com contratos de curto prazo e instáveis. No Brasil, registrou-se um aumento de 127% dosempregos terceirizados entre 1995 e 2005 (ROLLI; FERNANDES, 2006 apud BORSÓI,2011). De acordo com Alves (2005), a terceirização tem gerado inúmeros benefíciospara o capital, tais como diminuição das despesas administrativas, maior atenção àsatividades estratégicas e melhor controle do trabalho. Vale ressaltar que o processo deterceirização não se restringe às atividades industriais, uma vez que ela vem sendoutilizada nas contratações dos setores de serviços, do comércio, no setor público (DRUCK,1999, p.128). Para os trabalhadores, a terceirização provoca a perda de direitoshistoricamente conquistados. Pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical deEstatística e Estudos Socioeconômicos18 (1993 apud ALVES, 2005) apontam que aterceirização promove trabalho sem carteira assinada, aumento na jornada laboral,fragilidade ou mesmo perda na representação sindical, redução de salários, diminuição dosbenefícios sociais, insalubridade e desqualificação. De fato, “a terceirização tem trazidocomo conseqüências uma quádrupla precarização: do trabalho, da saúde dos trabalhadores,do emprego e das ações coletivas.” (DRUCK, 1999, p. 11). Nesse ínterim, para diferentes estudiosos (MATTOSO, 1995; ALVES, 2005;DRUCK, 2007), percebe-se que a terceirização dos vínculos de trabalho ocasiona as maisdanosas expressões da precarização laboral. Cabe destacar que a precarização do trabalho não se restringe ao vínculotrabalhista. Em verdade, após a contratação, o trabalhador é submetido a uma outraexpressão da precarização laboral – a elevada carga horária de trabalho. De acordo com a OIT (2011), em torno de 614 milhões de trabalhadores, emâmbito mundial, estão submetidos a jornadas excessivas de trabalho, estando a maior partedeles na África e na Ásia.18O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade criada pelo movimento sindical brasileiro, de abrangência nacional, que tem por objetivo realizar pesquisas, estudos e assessorias em relação a renda, emprego, desenvolvimentos e políticas públicas na área do trabalho. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

36CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira Apesar de a maioria das legislações trabalhistas no mundo adotar as 40 horassemanais como padrão para as jornadas de trabalho, um em cada cinco trabalhadorescumpre uma carga horária semanal acima de 48 horas, limite máximo permitido pelalegislação internacional (OIT, 2011). De acordo com a legislação trabalhista brasileira, a duração do trabalho,ordinariamente, não pode ser superior a oito horas diárias e 44 horas semanais, podendo seracrescidas até duas horas diárias, devendo estas serem compensadas mediante pagamentode adicional de 50% sobre o valor da hora normal trabalhada. Contudo, com a criação do“banco de horas” na década de 1990, as horas extras passaram a ser compensadas tambémcom folgas, mediante acordo ou convenção coletiva por parte dos trabalhadores. Com isso,tem-se uma flexibilização e redução dos custos com a hora extra de trabalho, o que fezcom que os empregadores passassem a requisitar ainda mais tempo excedente de trabalho.Em verdade, para Borsói (2011), esse trabalho extra, muitas vezes, é mais uma imposiçãofeita ao trabalhador sob pena de repreensões e até mesmo demissão. Cabe destacar que essa hora extra formal de trabalho representa apenas umadentre as várias outras expressões da elevada carga horária à qual o trabalhador estásubmetido. Em verdade, a jornada laboral dos trabalhadores vem sendo estendida por meiodas horas extras de trabalho que não são computadas pelos empregadores como tal, pormeio da realização de trabalhos para complementação da renda, dentre outras. Em rigor, ostrabalhadores informais são os que mais sofrem com as extensas cargas horárias detrabalho, uma vez que esses sujeitos não estão protegidos pelas legislações trabalhistas,ficando sem direito à delimitação da jornada de trabalho e às férias remuneradas. Além das elevadas jornadas às quais os trabalhadores estão submetidos, essessujeitos vêm sofrendo uma intensificação no processo de trabalho. De fato, no espaço daempresa enxuta19, os trabalhadores vêm se responsabilizando por um número exorbitantede tarefas, o que exige grande agilidade e dinamicidade (saber fazer) do trabalhador. Nessa busca de intensificação do processo de trabalho, outra estratégia adotadatem sido a cooptação da subjetividade dos trabalhadores. O controle da subjetividade se dá19A empresa enxuta é caracterizada, principalmente, pelo sistema just in time, próprio da era toyotista, que visa a reduzir os desperdícios com a produção da mercadoria, diminuindo o estoque desnecessário e aprimorando continuamente as técnicas de produção dessas mercadorias (ANTUNES, 2007). Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

37CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeiraatravés de mecanismos de envolvimento e captação das habilidades cognitivas (saber-aprender) e afetivas (saber-ser) do trabalhador, sendo essa uma das mais complexas formasde reificação das relações de trabalho (ANTUNES, 1999; ALVES, 2005; BERNARDO,2009; BRITO, 2005). Nesse contexto, percebe-se um crescimento alarmante nos índices deexploração do trabalhador. De fato, com a elevação das jornadas laborais e a intensificaçãodos processos de trabalho, ocorre um aumento significativo nas taxas de mais-valiaabsoluta e mais-valia relativa. Em rigor, em busca do aumento da produtividade, osempregadores vêm cooptando as diversas dimensões do saber (saber-fazer, saber-ser, saberaprender) dos trabalhadores. Cabe destacar que o crescimento da produtividade do trabalho não repercute noaumento da renda do trabalhador. Muito pelo contrário, nos últimos anos, os trabalhadorestêm tido um perda significativa em sua massa salarial, principalmente os que trabalham empaíses periféricos. No Brasil, tem-se o menor custo horário da mãodeobra da indústriamanufatureira, 4,1 dólar, enquanto a Coréia do Sul, que vem logo depois do Brasil numranking de 10 países, o valor para o mesmo tempo de trabalho é de 13,6 dólares (DIEESE,2007). Em verdade, segundo Barbosa (2007, p. 34), no Brasil, 16 milhões de trabalhadoresrecebem uma renda inferior a um salário mínimo. De fato, segundo Alves (2007), nos governos de Collor e FHC, houve umintenso arrocho salarial como forma de o capital garantir suas taxas de lucros num contextode crise. Para Pochmann (2010), na era Lula, é possível perceber um aumento relativo nosrendimentos dos trabalhadores, uma vez que os lucros cresceram em proporçãosemelhante, o que fez com que as desigualdades não diminuíssem. Vale ressaltar queapenas durante a crise de 2008, com a queda nas taxas de lucros, houve, de fato, umaumento no peso relativo dos salários. Diante dos péssimos salários, os trabalhadores, muitas vezes, se veemobrigados a buscar no setor informal o complemento de sua renda. Ressalte-se que aselevadas taxas de desemprego e a oferta de empregos que beiram o inumano também seconfiguram como fatores que levam à informalidade, não raramente como primeira ou atémesmo única forma de sobrevivência. De acordo com Barbosa (2007) “vinte e três milhões Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

38CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeirade pessoas – 27% da população economicamente ativa” vivem de bicos, emempreendimentos familiares ou como autônomos. Essa precarização do trabalho tem trazido consequências devastadoras para omovimento dos trabalhadores, que se veem enfraquecidos pelas mais diversas formas defragmentação, pelo medo do desemprego, pela perda de referenciais, com o retrocesso dasutopias socialistas, fazendo que esses adotem a linha da menor resistência, sob perspectivascorporativistas e de colaboração de classe. A precarização do trabalho acarreta, também, consequências danosas para asaúde dos trabalhadores que vêm vivenciando altos níveis de estresse, depressão, fadiga e,muitas vezes, se veem impedidos do próprio direito de adoecer (DEJOURS, 1992). Aprópria trajetória de vida dos trabalhadores se vê dilacerada pelas necessidades impostas dacivilização do capital, são histórias fragmentadas pelas instabilidades do mundo dotrabalho na contemporaneidade (SENNET, 1999). São homens e mulheres trabalhadores avivenciar as diversas expressões da precariedade do trabalho no limiar do século XXI. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

39CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia TeixeiraConsiderações Finais Neste texto foi construída uma análise sobre o mundo do trabalho em temposde crise do sistema do capital. De fato, esse sistema vem passando por uma crise que atingesua base de sustentação e, dessa forma, impacta de forma decisiva o mundo trabalho e daprodução. Utilizando-me de autores de referência nessa discussão foi possível perceber quea precarização é a grande marca do novo mundo laboral, atingindo a classe-que-vive-do-trabalho, variando em intensidade, a depender das formas do vínculo empregatício –terceirizado ou não-terceirizado, formal ou informal, do grau de qualificação, do nível demobilização dos trabalhadores, do ramo da atividade. A rigor, essa precarização laboral se expressa no desemprego crônico, nostrabalhos terceirizados e informais, na ampliação e intensificação das jornadas de trabalho,na exploração da subjetividade dos trabalhadores, na queda dos rendimentos salariais,enfim, na perda de muitos direitos historicamente conquistados. Em verdade, há umcrescente processo de subproletarização da classe trabalhadora, marcado, essencialmente,pelo aumento nas taxas de exploração do seu trabalho como forma de superar a criseestrutural que assola o capital nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. Esse fenômeno afirma-se como tendência na cena contemporânea, permeandoas diversas experiências de trabalho nos setores de produção e reprodução social,mormente no âmbito da chamada economia informal. É um fenômeno emergente a nosinterpelar qual Esfinge de Édipo: “Decifra-me ou te devoro”.Referências BibliográficasALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia dotrabalho. Londrina: Práxis, 2007.______. O novo e precário mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise dosindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.______. Trabalho e mundialização do capital: a nova degradação do trabalho na era daglobalização. Londrina: Práxis, 1999.ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidadedo mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1997. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

40CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia Teixeira______. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo:Boitempo, 2005.______. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007.BARBOSA, Alexandre de Freitas; CARVALHO, Daniela Sampaio. Trabalho precário nomundo na América Latina e no Brasil. Observatório Social em Revista, p. 25-34, 2007.Disponível em: http://www.observatoriosocial.org.br/arquivos_biblioteca/conteudo/1897er10_27a36.pdf. Acesso em: 20 jun. 2011.BERNARDO, Márcia Hespanhol. Trabalho duro, discurso flexível: uma análise dascontradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores. São Paulo: ExpressãoPopular, 2009.BORSÓI, Izabel Cristina F. Vivendo para trabalhar: do trabalho precário ao trabalhodegradado. Revista de Ciências Sociales, México, v. 18, n. 55, p. 113-133, jan./abr. 2011.Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=10515210005.Acesso em: 17 abr. 2011.BRITO, Lydia Maria Pinto. Gestão de competências, gestão do conhecimento eorganizações de aprendizagem: instrumento de apropriação pelo capital do saber dotrabalhador. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2005.CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.COGGIOLA, Osvaldo. Neoliberalismo, futuro do capitalismo? In: KATZ, Claudio;COGGIOLA, Osvaldo. Neoliberalismo ou crise do capital. São Paulo: Xamã, 1996.DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.DIEESE. Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade. Nota Técnica, n.57, nov. 2007. Disponível em: http://www.dieese.org.br/notatecnica/notatec57JornadaTrabalho.pdf.Acesso em: 18 out. 2010.DRUCK, Graça. Tercerização: desfordizando a fábrica. São Paulo: Boitempo, 1999.______; FILGUEIRAS, Luiz. Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces dogoverno Lula. Revista Katáysis, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 24-34, jan./jun. 2007.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v10n1/v10n1a04.pdf. Acesso em: 17 abr. 2011.ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global,1985. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

41CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia TeixeiraFERNANDES, Rubem César Fernandes. Privado porém público: o terceiro setor naAmérica Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.FILGUEIRAS, Luiz; GONÇALVES, Reinaldo. A economia política do governo Lula. SãoPaulo: Contraponto, 2007.HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2010.MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Nova Cultural, 1985.MATTOSO, Jorge Eduardo Levi. A desordem do trabalho. São Paulo: Página Aberta,1995.MÈSZÀROS, Istvan. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2010.______. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009a.______. A crise estrutural da política, 2009b. Disponível em:http://resistir.info/meszaros/crise_estrutural_da_politica.html. Acesso: 15 ago. 2009.Discurso proferido no 13º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, emMaceió, Brasil, maio 2006.POCHMAN, Márcio. Desempregados do Brasil. In: ANTUNES, R. (Org.). Riqueza emiséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 57-74.______. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa. Educ. Soc.,Campinas, v. 25, n. 87, p. 383-399, maio/ago. 2004. Disponível em:http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 2 jun. 2011.______. Reação do mercado de trabalho no Brasil metropolitano frente à criseinternacional. In: MACAMBIRA, Júnior; MORETTO, Amilton; KREIN, José Dari;POCHMANN, Márcio. Economia, desenvolvimento regional e mercado de trabalho noBrasil. Instituto de Desenvolvimento do Trabalho Banco do Nordeste – Centro de EstudosSindicais e de Economia do Trabalho, 2010. p. 79-101SADER, Emir; AURÉLIO, Marco. Brasil: entre o passado e o futuro. São Paulo: FundaçãoPerseu Abramo; Boitempo, 2010.SENNET, Richard. A corrosão do caráter no capitalismo contemporâneo: conseqüênciaspessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 1999.TEIXEIRA, Francisco José Soares. Globalização e reestruturação produtiva:transformações estruturais e relações de trabalho na economia cearense. In: TEIXEIRA,Francisco J. S.; ARRUDA, Gerardo C. M.; PIRES, Inácio J. B. Globalização e mercado detrabalho no Estado do Ceará. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 1999. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

42CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E OS IMPACTOS NO MUNDO DOTRABALHONarah Cristina Maia TeixeiraVASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo: ExpressãoPopular, 2006. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.21-42

ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NO BRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADEHISTORICAL ASPECTS OF THE EDUCATIONAL SYSTEM IN BRAZIL AND ITS PARADIGM IN SEARCH OF QUALITY Leônidas Pimentel Batista1RESUMOO artigo visa analisar o sistema educacional brasileiro, desde o período colonial até asnormatizações advindas com as edições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDBsdos anos de 1961, 1971 e 1996 e suas implicações na promoção do desenvolvimento doEstado do Ceará. A análise da bibliografia sobre a História da Educação no Brasil e seusparadigmas fomentou o eixo metodológico permitindo impressões combinadas comobservações e indagações em forma de questionário com 120 docentes do ensino básicoque atuam em 16 escolas na capital e no interior do Estado. Dados estatísticos divulgadospela UNESCO e pelo IBGE sobre Educação no Brasil também foram consultados eapresentados na pesquisa. Constatou-se que muito ainda há que ser feito pela conquista daeducação de qualidade no Brasil, principalmente no que se refere à gestão da Educação. Aspolíticas de investimento em educação também devem valorizar o professor, pois este é oprincipal agente na formação do cidadão.Palavras chave: Educação, desenvolvimento, paradigmas, qualidade.ABSTRACTThe article aims to analyze the Brazilian educational system , from the colonial period tothe issues arising with the Law of Guidelines and Bases of Education , LDBS the years1961 , 1971 and 1996 and their implications in promoting the development of the State ofCeará norms. The literature review on the History of Education in Brazil and itsmethodological paradigms promoted the shaft allowing combined with observations andquestions in a questionnaire to 120 teachers of primary schools working in 16 schools inthe capital and in the State impressions . Statistical data published by UNESCO and theIBGE on Education in Brazil were also consulted and presented in the survey . It wasfound that there is still much to be done for achievement of quality education in Brazil ,especially with regard to the management of education . Investment policies in educationshould also value the teacher, as this is the main agent in the formation of the citizen .Keywords: Education, development, paradigms, quality. 1 Doutorando em Educação na Universidad Internacional Tres Fronteras-UNINTER Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

44ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel BatistaINTRODUÇÃO Nos primórdios da construção da nação brasileira, nos idos do período decolonização, já se denotavam os interesses da Coroa portuguesa em catequizar os índiospara que servissem aos interesses de exploração da nova terra. O interesse de Portugal em colonizar o chamado “Mundo Novo” era a exploraçãocomercial, sem se importar com quem ocupava e como utilizava a terra; que tipo desociedade havia, como “se dava a formação cultural e intelectual” dos habitantesencontrados na terra Brasil. Nesse patamar, BELLO (2001), relata que a História da Educação Brasileira émarcada por rupturas bem definidas e de fácil observação. Ainda corroborando com oautor, os portugueses impuseram aos nativos uma educação baseada no modelo europeu, oque contrariava com as práticas “educacionais” das populações indígenas que povoavamesta terra. Ao longo da nossa história, constatamos que o modelo de civilização lusitana criouuma segmentação social, estratificada em castas, nos conduzindo a entender que oformalismo personalista, hodiernamente persistente, remete ao período colonial,influenciando, de forma marcante, na construção dos paradigmas que norteiam a formaçãodo sistema educacional brasileiro. Ainda BELLO (2001) retrata que, em comparação com outras nações colonizadaspela Espanha, a educação não era uma prioridade dos povos colonizados, mas que, apesardisso, em 1538 já existia a Universidade de São Domingos, no México e em 1551 a deLima, no Peru. No Brasil, a primeira Universidade é criada em São Paulo, em 1934. Conforme evolui as relações comerciais no mundo, novas necessidades também seimpõem na construção de uma formação para o desenvolvimento de cada país. A Educaçãoé, nesse tocante, a que mais necessita se modernizar e trazer o equilíbrio na qualidade devida dos cidadãos, bem como disponibilizar o conhecimento necessário para odesenvolvimento econômico. Assim vem atuando o Brasil na busca de uma Educação dequalidade que não prioriza só a formação da mão-de-obra que o mercantilismo globalizadode hoje exige, mas na busca da formação do ser social pleno que atue com ética e moral naconstrução de uma sociedade mundial mais justa e igualitária. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

45ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Na tentativa de construir uma educação que rompesse paradigmas, um grupo deintelectuais brasileiros, em 1932, editam o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. OManifesto apresentava uma necessidade de interferir na formação de um modelo deorganização da sociedade brasileira através da educação. Trazendo assinaturas deintelectuais como Anisio Teixeira, Lourenço Filho, Cecília Meireles, o documento defendiauma educação de escola única para a população, laica, gratuita e obrigatória. No Manifesto, os signatários defendiam um modelo educacional de qualidade quenão favorecesse apenas aos que pertenciam a classe rica, mas que atendesse àsnecessidades de qualquer classe ou escola. Sabe-se que, apesar de tanta luta pela Educação de qualidade e para todos, no Brasilainda existe a “escola para os ricos”, que são as escolas privadas e a “escola para o pobre”,que são a maioria das escolas públicas. Ainda hoje, no Brasil, quando se fala em investimentos para a educação, não sediferencia o quanto o Governo irá gastar com educação na rede pública e quanto gastará narede privada, através dos programas FIES, PROUNI, bolsas de estudos, dentre outros. No ensino superior, nas Universidades, principalmente nas públicas, aindapersistem os Cursos para os filhos dos ricos e os Cursos para os filhos dos pobres. Não quea simples condição de ser pobre seja exclusiva, mas as condições de vida dos maisfavorecidos economicamente permitem mais dedicação na edificação de uma vida melhor,conquistada pelo sucesso progressivo na formação educacional de qualidade.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICAA Educação Jesuítica no Brasil (1549 – 1759) A primeira fase marcante da educação no Brasil durou 210 anos, quando os jesuítastrouxeram o modelo pedagógico europeu e o impuseram aos índios, inicialmente. Ao iniciar sua colonização no Brasil, após trinta anos do descobrimento oficial, Portugaldedicou-se exclusivamente à exploração das riquezas naturais e minerais do território sem, noentanto, preocupar-se com a cultura do povo que aqui já habitava.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

46ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Como relata VILLALTA (2002), supunham os jesuítas que os índios por não teremem seu falar as o som das letras ‘F, L, nem R’, não possuíam ‘Fé, Lei, nem Rei’ e vivendo‘desordenadamente’. Impuseram a “ordem” deles através da obediência a um Rei,difundindo uma Fé e estabelecendo uma Lei, uma norma de vida a partir daquelemomento. Ao aportarem no Brasil, os jesuítas implementaram uma educação almejada peloRatio Studiorum, que pode ser traduzido como um “Plano de Estudo”, que tinha comometa a formação do homem conhecedor do seu próprio mundo, do cristão consciente dasua fé. Porém, toda essa formação pretendida pelos jesuítas apenas contemplava a elitecolonial. SANGENIS (2004) relata que o objetivo dos jesuítas era empreender uma obramissionária, uma evangelização, traduzindo-se numa educação escolar poderosa e eficaz.Prosseguiram essa obra organizando uma ampla rede de escolas, colégios, tudo bemplanejado conforme a Ratio Studiorum. Essa pedagogia era carregada da moral, dos costumes e da religiosidade praticadasna Europa, fortalecendo a cultuara formalista e patrimonial que, na Europa, era praticada. Como relatado anteriormente, um modelo próprio de educação no Brasil se dámuito além do descobrimento, da colonização, quando toda uma cultura já vem rompendo,ou tentando romper com os modelos de educação praticados na Europa, embora aindaarraigados nos moldes da educação jesuítica. Para melhor entender as origens de tudo isso, reforçando as “teses” defendidaspelos exploradores colonialistas que ainda hoje persistem, quando aqui chegaram osportugueses, encontraram um povo com suas crenças, seus valores, sua organização socialdo trabalho e de sua convivência social, com sua civilidade. Mas como bons eurocêntricos,os lusitanos ignoraram tudo, tratando logo de impor as suas concepções, sua civilidade.Surge, então, primeiro extermínio cultural. Com o foco de explorar e escravizar os nativosa educação Jesuíta, sob a tutela do Cristianismo evangelizador, impôs um processo deculturação que viria a negar sua identidade.Educação Pública no Brasil Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

47ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista A História da Educação no Brasil, que de início pretendia converter os índios à fécatólica, mascarando a imposição dos costumes europeus, se traduzia na “pedagogiajesuítica”. Marques de Pombal, ao expulsar os jesuítas do Brasil, implanta a Aulas Régias, queseria uma escola pública com pretensão pedagógica embasada nas ideias iluministas. Aeducação então passou a ser estabelecida em forma de leis: ensino primário para todos,curso secundário e universidade. SAVIANI (2004), analisa a trajetória da escola pública em três períodos distintos,da seguinte forma:1890 a 1931 Nesse período a escola seria a solução para os problemas sociais da nação, com ainstalação e manutenção de escolas em todos os Estados do Brasil. Inicialmente não seconcretizou pela centralização do poder local mantido pelos fazendeiros produtores decafé. Com a publicação de um decreto em 1890, instalam-se escolas-modelo de 2º e 3ºgraus, copiando experiências de países como Estados Unidos e outros da Europa. Essesmodelos permeavam ideias como: 1) educação pública como elemento de progresso; 2)instrução primária bem difundida e convenientemente ensinada; 3) professores bempreparados e instruídos nos processos modernos da pedagogia. Para bem preparar professores para o ensino primários foram criadas escolas deformação. Segundo SAVIANI (2004), “uma escola era uma classe regida por um professor,que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentesde aprendizagem”. Esse modelo surgiu em São Paulo e disseminou-se pelo país, mas funcionavaapenas no meio urbano, permanecendo no meio rural as “escolas isoladas”.1931 – 1961 Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

48ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Durante esse período surge a Regulamentação Nacional do Ensino, por meio deDecretos. Somente em 1931 vários Decretos são baixados: Decreto nº 19.850, de11/04/1931, que cria o Conselho Nacional de Educação; Decreto nº 19.851, de 11/04/1931,que regulamenta e organiza o Ensino Superior com o “regime universitário”; Decreto nº19.852, de 11/04/1931, que organiza a Universidade do Rio de janeiro; Decreto nº 19.890,de 18/04/1931, que organiza o ensino secundário; Decreto nº 20.158, de 30/06/1931, queorganiza o ensino comercial e a profissão de contador dentre outras. Como se vê, nãohouve preocupação com o ensino primário. Nesse período ainda não se tem a intenção de um sistema público de educação paraas massas, ou nem mesmo as formas jurídicas de tais. O processo de educação brasileirofica relegado às famílias e ao seu personalismo. Em decorrência, as primeiras formas deeducar os cidadãos brasileiros eram formas aristocráticas e conservadoras carregando ocaráter hereditário do poder político e econômico brasileiro, levando a população aodescrédito e ao desinteresse nos assuntos políticos e externos a esfera pessoal. Em 1932 surge um movimento denominado Manifesto dos Pioneiros da EducaçãoNova, que era contrário à escola tradicional e defendia a escola socializada, construída nabase da atividade e da produção. Assim, segundo GHIRALDELLI JR (2003), a escola“restabeleceria entre os homens o espírito da disciplina, solidariedade e cooperação,passando por uma profunda obra social que ultrapassasse o quadro estreito de classes”. SAVIANI (0044), descreve a reforma do ensino primário fundamental destinado acrianças de 7 a 12 anos; o ensino primário supletivo com dois anos de duração paraadolescentes e adultos que ficaram fora da escola na idade adequada; o ensino médio com4 anos. O ensino secundário profissional foi dividido em industrial, agrícola, comercial e onormal que preparava para a prática docente com crianças.1961 – 1996 Nos anos de 1960, com tantas reformas, a pedagogia fervilha. São criados colégiosde aplicação, ginásios vocacionais, a Lei nº 4.024, de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional). De acordo com PILETTI (2003), suas características são marcadaspor: 1) objetivos do ensino inspirados nos princípios de liberdade e solidariedade; 2)Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

49ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batistaensino pré-primário de sete anos, ensino primário de quatro a seis anos; divisão do ensinomédio em ginasial de quatro anos e colegial de três anos; ensino superior; 3) diversificaçãodos conteúdos curriculares com matérias obrigatórias. Na década de 1970, a educação pública volta-se a atender interesses da classedominante (grandes empresários, industriais, grandes comerciantes) no que culmina com oreforço nas relações de exploração. FRIGOTTO (1984) ensina que, para enfrentar os desafios que o século XXI impõena formação do cidadão consciente do seu papel na sociedade, é prioritário “organizar einstalar um sistema de ensino capaz de universalizar o ensino fundamental e por essecaminho, erradicar o analfabetismo”. Em 2005, o Jornal O Globo publicou um artigo de Arnaldo Niskier (2005), entãoSecretário de Cultura do Rio de Janeiro, no qual criticou a falácia da universalização doensino fundamental, afirmando que a mídia propagou isso sem que fosse verdade, pois nãose constatava qualidade na educação e que os livros didáticos distribuídos também eram dequalidade facilmente contestável. O ensino público no Brasil ainda replica modelos centralizadores, onde as ações, osprogramas, surgem de cima para baixo, denotando um modelo de educação que nãovaloriza a educação pública, uma prática comum de governos centralizadores e de umasociedade burguesa, aristocrática que, desde os primórdios da sua construção de naçãodominou e continua a dominar os rumos do sistema educacional brasileiro. HOLANDA (2006), cita que “todas as regras e noções de ordem pareceminatingíveis e desnecessárias aos povos indígenas, semelhantes às características dosaventureiros portugueses”. Diante disso, ocorre a necessidade de estabelecer meios deconvivência social, tendo o trabalho como pano de fundo. Entre esses meios, segundoFAORO (2006), “instituições familiares que, por necessidade, tiveram que introduzir osprincípios de hierarquia na tentativa de estabelecer e firmar uma organização”,introduzindo aí o personalismo que até hoje impera e engessa muitas vezes a mobilidade eascensão social. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 é considerada a Carta Magna daEducação brasileira. Traz em seus artigos avanços significativos para a concretização deRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

50ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batistauma Educação mais voltada para a formação do homem social, da formação pautada emprincípios éticos, morais, mas sem também incentivar a formação técnica, a educação parao trabalho. Fortalece e consolida princípios constitucionais conquistados com aConstituição Federal de 1988 para a Educação.A BUSCA DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE Inserido economicamente num contexto privilegiado em relação a países daAmérica Latina, o Brasil sustenta uma economia forte. Porém a taxa de analfabetismoainda é significativa, fazendo-o figurar como o 8º. País com maior índice de analfabetos nomundo, conforme o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, daUNESCO, divulgado em janeiro de 2014. O levantamento foi realizado entre 2005 e 2011.Estima-se um contingente de aproximadamente 14 milhões de analfabetos adultos. Em 2001 a Lei nº 10172 (2001), aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), quefoi originada de uma pressão social, com forte participação de entidades constituídas poreducadores, pais de alunos e estudantes, com objetivo de num período de 10 anos, ou seja,de 2001 a 2010, dentre outras metas: 1) Ensino Fundamental de 9 anos (cumprido); 2)Atendimento de 50% da população de jovens e adultos sem ensino regular (apenas umterço de mais de 29 milhões de jovens e adultos que em 2010 não haviam chegado à 4ª.série); 3) Reduzir a repetência e o abandono em 50% (quanto ao abandono o resultadofoi positivo, pois caiu de 9,6 para 4,8%. Quanto a reprovação aumentou de 11 para 12%):4) Erradicar o analfabetismo (apenas caiu 3%, passando 13 para 10% da população); 5)Piso salarial e planos de carreira para professores (o piso foi estabelecido apenas em2009. Considerado ainda muito baixo para uma carga horária de 40 horas. Alguns Estadosjá vem cumprindo essa meta, mas ainda encontram barreiras nas assembleias estaduais ecâmaras municipais); 6) Aprimorar o sistema de avaliação (Essa meta foi atingida,destacando-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica-IDEB). Como se verifica, nessa primeira edição do plano decenal para a Educação, apenasuma meta foi voltada para o incentivo ao trabalho docente, a questão de regulamentação dacarreira e melhoria do salário, mesmo que ainda pouco expressiva.Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

51ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batista Em sua edição para o decênio 2011-2020, o Plano Nacional da Educação-PNE trazentre suas diretrizes e metas, ações como: 1) Erradicar o analfabetismo (em relatóriodivulgado em janeiro de 2014, pela UNESCO, o Brasil ocupa a 8ª. posição em índice deanalfabetismo); 2) Superação das desigualdades educacionais; 3) Melhoria da qualidade deensino; 4) Valorização dos profissionais da educação. A melhoria na qualidade da educação, necessariamente, passa pela melhoria napreparação, na melhoria da formação do profissional da educação do ensino básico. Dentreas metas do PNE 2010-2020 (2013), destacam-se:Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua áreade atuação;Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar orendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos deescolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridadeequivalente;Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreirapara os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. As mudanças advindas com investimentos direcionados à valorização doprofissional da educação, certamente repercutirá positivamente na qualidade da educação.ROMPENDO PARADIGMAS Pouco ou de nada adiantará propostas e ações descontextualizadas do cotidiano daescola, onde devem atuar harmoniosamente todos os segmentos envolvidos nos processosde formação cidadã: estudantes, professor e família. O professor, com sua prática,fundamenta determinadas teorias do conhecimento e da aprendizagem que se estendem aosdemais membros da família por meio do aluno. A um só tempo a educação é influenciadapelo paradigma da família e esta também é determinante àquela. O modelo de educaçãoque explica a relação com a vida social também esclarece a maneira como se constrói oindivíduo no mundo moderno, atuante na sociedade ética e moralmente constituída. A escola do mundo moderno deve produzir seres competentes, capazes de pensar,de se autoconhecerem e capazes de conduzir suas próprias vidas. O bom professor, oprofessor bem preparado não afasta seu aprendiz do processo de construção pessoal doRevista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57

52ASPECTOS HISTÓRICOS DO SISTEMA EDUCACIONAL NOBRASIL E SEUS PARADIGMAS NA BUSCA DA QUALIDADELeônidas Pimentel Batistaconhecimento, fazendo-o refletir, criar e construir um mundo melhor, uma sociedade maisjusta. Os paradigmas na escola de hoje já não se adequam às reais necessidades de uma“humanidade” evoluída. ILLICH (1977) relata que a ideia de “escola para todos” é utópica,não existe e que a escola hoje se transformou num modelo opressor, pois como está, elaqualifica e desqualifica e mais agravante, leva o indivíduo a aceitação de sua condição. Algo há de ser feito em prol da escola pública, principalmente, porque é para osmenos favorecidos economicamente que ela existe e é bancada com o dinheiro público. Emtermos de investimento em educação o Brasil situa-se na vanguarda, mas em termos deresultados, de qualidade do ensino praticado, ele fica entre os piores resultados. Maisrecursos humanos para a Educação e não mais recursos financeiros. A maneira como se dáa aplicação dos recursos já existentes é que tem significado mais privilégios a poucos emdetrimento de muitos.METODOLOGIA De natureza qualitativa a pesquisa aqui praticada teve por base a literatura queversa sobre a História da Educação no Brasil, construiu-se, num primeiro momento afundamentação teórica. Também foram consultados relatórios de avaliação da educaçãodivulgados pela ONU, através da UNESCO. Programas como Plano Nacional daEducação, avaliações como IDEB, do ensino básico, ENEM, do ensino médio e ENADEdo ensino superior e mais recente a Provinha Brasil, tem contribuído para a implementaçãode outros programas de investimento como PROUNI, FIES, Educa Mais, dentre outros quefinanciam o acesso à educação de qualidade, na rede privada de ensino. Os instrumentos da observação e aplicação de questionário fechado servirão deaporte para a sondagem primária em torno da perspectiva do professor quanto ao seu fazerpedagógico e suas condições de trabalho. Foram aplicados questionários específicosenvolvendo 120 docentes. Dentre eles professores com larga experiência no magistério, emvias de se aposentarem e a maioria jovens docentes iniciantes na carreira do magistério,localizados numa cidade do interior na região do Cariri, estado do Ceará. Revista Trabalho e Sociedade, Fortaleza, v.2, n.2, Jul/Dez, 2014, p.43-57


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