Os estados da Mata Atlântica150 Catadora de caranguejo catando “frutos” do manguezal do seu território. Os últimos esforços das organi- Atlântica e Ecossistemas Associados, a Sociedade zações não-governamentais Sociedade Nordes- Nordestina de Ecologia, em articulação com a tina de Ecologia (SNE) e Fundação SOS Mata Fundação SOS Mata Atlântica, adotou as fisio- Atlântica e parceiros governamentais para mape- nomias definidas no decreto nº 750/93. amento da Mata Atlântica indicam que o bioma no Nordeste ocupa hoje uma área aproximada de No Piauí, a legenda da vegetação mapeada 27.194 Km², cobrindo uma área total de 2,21% foi: floresta estacional semidecidual montana do seu território. (floresta tropical subcaducifólia); floresta esta- cional semidecidual submontana (floresta tropi- Mais de 46% dos remanescentes mapeados cal subcaducifólia); floresta estacional decidual estão localizados na Bahia. Os demais sete esta- montana (floresta tropical caducifólia); vegetação dos contam com 14.520 Km² de remanescentes de dunas/restinga (vegetação com influência ma- da Mata Atlântica, dispostos em pequenos frag- rinha) e vegetação de manguezal (vegetação com mentos. A Mata Atlântica no Nordeste se estendia influência fluvio-marinha). por uma faixa contínua litorânea do Rio Grande do Norte até a Bahia e, nos Estados do Ceará e Para o Ceará, a legenda adotada foi: vegeta- do Piauí, em áreas descontínuas sobre chapadas, ção de cerradão (floresta estacional semidecidual serras, dunas e vales. montana); vegetação de dunas/restinga; vegetação de mata úmida (floresta ombrófila aberta) e vege- Para a realização do Mapeamento da Mata tação de manguezal.
Os estados da Mata Atlântica Para os estados do Rio Grande do Norte e 151 Paraíba, foi utilizada a seguinte legenda: mataÁrea de transição entre em estágio médio/avançado de regeneração; mataMata Atlântica e Caatinga em estágio inicial de regeneração; vegetação de restinga; vegetação de manguezal. Não existem dados atualizados para a Mata Atlântica nos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe. (Tabela 1)1 Remanescentes Florestais da Mata Atlântica no NordesteUF Área UF Remanescentes florestais Km² Km2 % sobre área total da UFAlagoas 27.933 (5) 877 (1) 3,14Bahia 567.295 (5) 12.674 (4) 2,23Ceará 148.825 (6) 1.873 (3) 1,26Paraíba 56.585 (5) 656 (2) 1,16Pernambuco 98.938 (5) 1.524 (1) 1,54Piauí 251.529 (6) 7.791 (3) 3,10Rio Grande do Norte 53.307 (5) 432 (2) 0,81Sergipe 22.050 (5) 1.367 (1) 6,20Total 1.226.462 27.194 2,21(1) SNE, 1993 (PE, AL, SE); (2) SNE, 2004 (RN,PB); (3) SNE, 2005 (CE, PI); (4) SOS, 1990; (5) IBGE, 1999 ; (6) IBGE, 2002.
Piauí Os estados da Mata AtlânticaMunicípio de Cristino Castro Foto: Paulo Vasconcelos Júnior152 Em mapeamento concluído em 2005, verifi- lizadas nos municípios de Guaribas e Canto do ca-se que a Mata Atlântica do Piauí abrange uma Buriti com a fisionomia de floresta estacional área de 7.791 Km², correspondendo a 3,10% da decidual montana e floresta estacional semideci- superfície do Estado, compreendendo as seguintes dual submontana, no município de Alvorada do formações vegetais: floresta estacional semideci- Gurguéia. dual, floresta estacional decidual, vegetação de dunas/restinga e manguezal. No que se refere ao manguezal, os municípios em que se identificou a sua presença são Cajueiro As maiores áreas de vegetação estão loca- da Praia; Luís Correia; Parnaíba e Ilha Grande. 2 Vegetação por Unidade de Conservação no Piauí Unidade de Nível Área da Tipologia Florestal Vegetação na unidade Conservação Federal Unidade Federal (ha) Vegetação de Manguezal (ha) (%) APA Delta do Vegetação de 5.351,11 1,74 Parnaíba 308.273,00 Dunas/Restinga 19.456,85 6,31 PN Serra das 526.106,77 Floresta Estacional Confusões 834.379,77 Decidual Montana 343.299,70 65,25 TOTAL 368.107,66 44,12 SNE, 2005.
Apenas duas Unidades de Conservação dos por unidades de conservação em nível federal, Os estados da Mata Atlânticaforam encontradas nos limites mapeados da Mata sendo 1,36% em floresta estacional decidualAtlântica e seus Ecossistemas Associados no montana e 0,10% em vegetação de mangue, dunasestado do Piauí, uma área de proteção ambiental e restingas.APA (federal) e um parque nacional, conformetabela 2. De um modo geral, constata-se, a partir dos trabalhos de campo, uma grande devastação da Com base nos resultados da Tabela 3, 1,46% vegetação primitiva, em função do plantio deda cobertura da Mata Atlântica e seus ecossiste- extensas áreas de soja e de frutíferas arbóreas,mas associados no Estado encontram-se protegi- especialmente de caju. 153 Periquitos3 Vegetação de Mata Atlântica e Ecossistemas Associados no Estado do Piauí. Área do Tipologia Florestal Vegetação no Vegetação Estado Estado Protegida (Km²) Floresta Estacional Decidual Montana (Km²) (%) (Km²) (%)251.529,19 Floresta Estacional Semidecidual 5.167,23 2,05 3.433,00 1,36 Montana 441,26 0,18 Floresta Estacional Semidecidual Submontana 1.773,07 0,70 Vegetação de Manguezal 61,93 0,02 53,51 0,02 Vegetação de Dunas/Restinga 347,97 0,14 194,57 0,08 7.791,46 3,10 3.681,08 1,46 SNE, 2005.
CearáOs estados da Mata Atlântica154 APA da Serra de A Mata Atlântica no Ceará ocupa uma área fisionomia de mata úmida e de cerradão. Constata- Maranguape total de 1.873 Km² e está localizada de maneira se que a existência das unidades de conservação dispersa em dez regiões: Chapada do Araripe, da Floresta Nacional do Araripe (Flona Araripe) Litoral, Chapada do Ibiapaba, Serra da Aratanha, e da APA Chapada do Araripe contribuiu para a Serra de Baturité, Serra do Machado, Serra das manutenção desses remanescentes, haja vista que, Matas, Serra de Maranguape, Serra da Meruoca no entorno imediato das unidades de conservação, e Serra de Uruburetama, ocupando total ou par- quase não se encontra mais vegetação nativa. cialmente 67 municípios. É no litoral do Estado onde se verifica a maior De acordo com dados obtidos no mapea- agressão à biodiversidade dos ecossistemas asso- mento realizado pela SNE em 2004, verifica-se ciados da Mata Atlântica: manguezais e restingas que apenas 14 municípios (Amontada, Barbalha, (vegetação de dunas). A redução das áreas de Barroquinha, Beberibe, Camocim, Crato, Fortim, manguezal se explica pelo uso incompatível do Guaramiranga, Meruoca, Mulungu, Pacatuba, Pa- solo associado à expansão de complexos turísticos coti, Paracuru e Paraipaba), dentre os que possuem e culturas de crustáceos. A vegetação de restinga vegetação mapeada, obtiveram um valor acima tem sua redução também associada ao turismo e de 10% de área municipal recoberta com relação à expansão da agricultura. à Mata Atlântica e Ecossistemas Associados no Estado do Ceará. Na Tabela 4, são apresentados A existência de vegetação nativa da Chapada os fragmentos de vegetação de Mata Atlântica e da Ibiapaba, a mata úmida, deve-se à forte declivi- Ecossistemas Associados mapeados por região. dade e também à criação das unidades de conser- vação: APA da Ibiapaba e o Parque Nacional de A Chapada do Araripe apresenta um frag- Ubajara. Nas Serras de Maranguape e Aratanha, mento de razoável dimensão para a região com a vegetação de mata úmida está mais preservada,
4 Vegetação por região mapeada. Regiões de Tipologia de Área de Total de Total de Os estados da Mata Atlântica mapeamento vegetação vegetação vegetação vegetação Chapada do Araripe Mata Úmida (ha) (ha) (%) Cerradão 4.485,00 Litoral Manguezal 35.297,28 39.782,28 21,24 Restinga 17.113,76Chapada da Ibiapaba 74.519,21 91.632,97 48,93 Serra da Aratanha Mata Úmida 25.893,22 Serra de Baturité Mata Úmida 4.251,25 25.893,22 13,83 Serra do Machado Mata Úmida 20.567,47 4.251,25 2,27 Serra das Matas Mata Úmida 20.567,47 10,98 Mata Úmida 72,21 0,04Serra de Maranguape Mata Úmida 21,29 72,21 0,01 Serra da Meruoca Mata Úmida 1.471,64 21,29 0,79 Mata Úmida 3.205,99 1.471,64 1,71Serra de Uruburetama 388,09 3.205,99 0,21 Total Geral 187.286,41 388,09 100,00 155 187.286,41 SNE, 2002.em virtude de que, em muitas áreas, o acesso é úmida nem estão situadas dentro dos limites domais restrito pela própria condição de declivida- Domínio da Mata Atlântica.de. Na Serra da Meruoca, pode-se constatar umaumento da área com vegetação, principalmenteno estágio inicial e médio de regeneração. Essa si-tuação pode ser justificada pela presença do Ibamana cidade de Sobral (cerca de 30 km de distância)e a implementação de uma política de fiscalizaçãomais rígida quanto ao desmatamento e o uso dofogo por parte dos proprietários rurais. Nas Serras do Machado e das Matas, assimcomo na de Uruburetama, os fragmentos encontra-dos são muito reduzidos. A existência de 21,29 hade mata úmida na Serra das Matas sugere que emoutras áreas situadas no seu entorno, com altitudeacima de 700 m devem ter existido remanescentesflorestais de Mata Atlântica. As Serras das Matase do Machado, em estudos anteriores nem sãomencionadas como áreas de ocorrência de mata Flor da Mata Atlântica
5 Vegetação por Unidade de Conservação. Unidade de Nível Unidade de Tipologia Vegetação Vegetação na Conservação Conservação de na Unidade Unidade (%) no Ceará Vegetação (ha) (ha)Os estados da Mata Atlântica APA da Chapada Federal Cerradão 16.905,85 2,92 do Araripe Estadual 578.603,66 2.524,46 0,44 APA da Serra da Mata Úmida 4.116,57 63,84 Aratanha 6.448,29 Mata Úmida APA da Serra de Estadual 32.690,00 Mata Úmida 15.848,36 48,48 Baturité Federal Manguezal 14,37 0,004 APA da Serra de 379.771,10 14.187,78 3,74 Ibiapaba Mata Úmida APA das Dunas de Estadual 3.909,60 Restinga 324,04 8,29 Paracuru 3.784,17 18,61 APA Delta Federal 20.329,21 Manguezal 2.582,40 12,70 do Parnaíba 881,94 Restinga 6,74 Manguezal 59,45 5,63156 APA do Estuário Estadual 1.596,37 Restinga 49,64 24,41 do Rio Curu Manguezal 389,72 5,30 Restinga 84,64 APA do Estuário Estadual 0,21 do Rio Mundaú 3,94 APA do Lagamar Estadual 1.884,46 Restinga do Cauípe Floresta Nacional Federal Cerradão 18.391,45 48,07 do Araripe 38.262,33 1.960,53 5,12 0,85 Mata Úmida 71,22 1,65 138,85 Parque Nacional Federal Manguezal 16,68 de Jericoacoara 8.416,08 1.048,54 0,54 Restinga 8,82 45,55 747,47 8,68 Parque Nacional Federal 6.288,00 Mata Úmida 412,56 2,53 de Ubajara 121,45 5,04 242,12 7,71 TI Lagoa Encan- Federal Manguezal 84.018,40 tada 1.641,01 Restinga TI Tapeba Federal 4.752,15 Manguezal TI Tremembé Federal 4.803,15 Manguezal de Almofala Restinga Total 1.090.277,35 TI=Terra Indígena; APA=Área de Proteção Ambiental. SNE, 2002.
APA da Serra de Baturité Na Serra de Uruburetama, o resultado do situação dos fragmentos de Mata Atlântica e 157mapeamento demonstra que está quase comple- Ecossistemas Associados no Ceará.tamente ocupada com a cultura de banana e o queresta de vegetação de mata úmida está descarac- Os resultados apresentados nas tabelas de-terizada, considerando o seu aspecto original. O monstram uma questão de relevância na gestão damelhor exemplo de conservação da vegetação de Mata Atlântica do Nordeste: a vegetação protegidamata úmida no Ceará está na Serra de Baturité, em unidades de conservação (UCs) no Estadopróxima de Fortaleza. A exploração do turismo representa 44,86% (84.018,40 ha) do total da ve-ecológico em pequenos sítios, associada à boa getação mapeada (187.286,41 ha). Embora, dessegestão da APA da Serra de Baturité, pelo governo percentual protegido, apenas 25,72% (21.610,59do Estado, favorecem a preservação da vegetação. ha) estejam em unidades de conservação de pro-Na Tabela 5, são apresentados os fragmentos de teção integral, os relatos de campo indicam que aMata Atlântica existentes nas unidades de con- presença de uma unidade de conservação, mesmoservação do Ceará. que de uso sustentável, mas de grande abrangên- cia, como as APAs, tem exercido grande influência Na Tabela 6, é apresentado um resumo da na conservação do bioma no Estado.6 Vegetação de Mata Atlântica e Ecossistemas Associados no Ceará. Área do Tipologia de Área de Área de Vegetação VegetaçãoEstado (ha) vegetação vegetação vegetação protegida pretegida14.882.560,20 no Estado no Estado14.882.560,20 Cerradão (ha) (%) Mata Úmida (ha) (%) 100,00 Restinga 35.297,28 0,24 35.297,30 65,75 Manguezal 60.356,16 0,41 39.686,24 5,60 74.519,21 0,50 4.173,10 28,41 17.113,76 0,11 4.861,76 44,86 187.286,41 1,26 84.018,40 SNE, 2002.
Rio Grande do NorteOs estados da Mata AtlânticaRemanescentes de Mata Atlântica no Foto: Fernando PintoEstado158 O Domínio da Mata Atlântica (DMA) no Rio Grande Norte ocupa uma área total de 3.298 Km² e está localizado no litoral leste do Estado, 7 Remanescentes Florestais 2002 ocupando total ou parcialmente 27 municípios, – Rio Grande do Norte abrangendo os ecossistemas de mata, restinga e manguezal. Embora não incluído no DMA, o Classe Área (Km²) litoral norte apresenta áreas de remanescentes de restinga e de manguezal, nos municípios de Mata DMA Fora do Total São Bento do Norte, Galinhos, Guamaré, Ma- Manguezal DMA cau, Porto do Mangue, Areia Branca, Grossos Restinga e Tibau. Da mesma forma, são encontrados 247 33 280 fragmentos de mata serrana nos municípios Total de Martins, Portalegre, Serrinha dos Pintos, 67 65 132 Coronel João Pessoa e Luís Gomes, conforme a Tabela 7. 118 40 158 Os maiores decrementos de mata identifi- 432 138 570 cados no Rio Grande do Norte ocorreram nos municípios de Goianinha, Arês, Nísia Floresta, SNE, 2002. Parnamirim, Natal, Extremoz e Ceará Mirim. Ainda com relação à mata, deve-se levar em conta Quanto à restinga, tal decremento se veri- também a quase total supressão das matas serranas ficou com maior intensidade nos municípios de localizadas nos municípios de Viçosa, Umarizal, Maxaranguape, Rio do Fogo e Touros. Com rela- Martins, Portalegre e Serrinha dos Pintos. ção ao decremento verificado no ecossistema de manguezal, tem-se a destacar o que ocorreu nos municípios de Canguaretama, Natal, São Gonça- lo do Amarante, Extremoz, Galinhos, Guamaré, Macau e Porto do Mangue. As atividades iden- tificadas no levantamento, que mais impactaram esses ecossistemas no Estado, foram: atividades agrícolas, principalmente a expansão da área de cultivo da cana-de-açúcar e de frutíferas arbóreas,
Pitangao desenvolvimento de atividades voltadas para a redor pode ser formado a partir de Extremoz Os estados da Mata Atlânticacarcinicultura em áreas de manguezal e a expan- até o município de Touros, também protegendosão urbana em áreas litorâneas. e recuperando o ecossistema de restinga. Esses 159 dois trechos constituem Áreas Prioritárias para Apesar da acentuada fragmentação dos a Conservação da Mata Atlântica no Rio Grandeecossistemas que compõem a Mata Atlântica do Norte, segundo os resultados do “Workshopno Estado, vislumbra-se a possibilidade de esta- de Avaliação de Áreas Prioritárias para a Con-belecimento de corredor ecológico partindo da servação da Mata Atlântica e Campos Sulinos”,Mata da Estrela, no município de Baía Formosa, realizado em Atibaia, São Paulo, em 1999.e seguindo pelas restingas arbustivo-arbóreasdo litoral até o município de Natal. Outro cor-Caranguejos
ParaíbaOs estados da Mata Atlântica Manguezal160 O Domínio da Mata Atlântica (DMA) na preliminar das imagens, com base em amostras Paraíba abrange duas grandes áreas, perfazendo de áreas conhecidas, sugeria um prolongamento um total de 6.743 Km² e ocupando total ou parcial- da vegetação de mata além desses limites. Essas mente 63 municípios, incluindo os ecossistemas áreas foram mapeadas, desde que confirmadas de mata, restinga e manguezal. Uma das áreas fica pelos técnicos locais e/ou nos trabalhos de campo. localizada na parte sul do Estado, com 575 Km², Na outra área, situada a leste, com 6.168 Km², en- cobrindo a totalidade dos municípios de Camalaú, contram-se remanescentes da floresta ombrófila, Caraúbas, Congo, Monteiro, São João do Tigre e da floresta estacional semicaducifólia, da restinga São Sebastião do Umbuzeiro. No caso específico e do manguezal. desses municípios paraibanos, que não foram consi- derados no mapeamento da SNE de 1992/1993, mas Embora não estejam incluídas no DMA, que estão incluídos no Domínio da Mata Atlântica, foram identificadas áreas de mata nos seguintes levantamentos realizados pela equipe do PNUD/ municípios: Caiçara, Lagoa de Dentro, Pedro FAAO/Ibama/Governo da Paraíba e divulgados Régio, Duas Estradas, Sertãozinho, Guabiraba, no “Mapeamento da Cobertura Florestal Nativa Cuitegi, Alagoinha, Algodão de Jandaíra, Jua- Lenhosa do Estado da Paraíba”, em 1994 e 2002, rez Távora, Serra Redonda, Ingá, Riachão do revelam, para as áreas serranas desses municípios, Bacamarte, Massaranduba, Fagundes, Campina uma flora tipicamente de Caatinga. Decidiu-se, Grande, Puxinanâ, Aroeiras e Maturéia. Nessas então, pela continuidade da não inclusão dos dados áreas foram então mapeados 71 Km² de mata, os encontrados naqueles municípios. quais somados aos 656 Km² mapeados no DMA, resultaram em 727 Km², conforme a Tabela 8. Em contrapartida, em alguns municípios li- mítrofes ao DMA de ambos os estados, a análise Os maiores decrementos identificados nos últimos dez anos no Estado ocorreram nos mu-
8 Remanescentes Florestais 2002 destaque corresponde aos remanescentes encon- – Paraíba trados no município de Areias e Alagoa Grande, conjunto de grande interesse ecológico e social, Classe Área (Km²) por tratar-se de fragmentos de mata serrana (ou brejo de altitude). O Pico do Jabre, localizado no Mata DMA Fora do Total município de Maturéia, por se constituir num en-Manguezal DMA crave florestal em área de Caatinga, merece aten- Restinga ções especiais tendo em vista os resultados obtidos 525 71 596 nesse mapeamento que demonstram decréscimos Total de área nos últimos dez anos. Convém salientar 118 --- 118 que essas três áreas constituem Áreas Prioritárias para a Conservação da Mata Atlântica na Paraíba, 13 --- 13 segundo os resultados do “Workshop de Avalia- ção de Áreas Prioritárias para a Conservação da 656 71 727 Mata Atlântica e Campos Sulinos”, realizado em Atibaia, São Paulo, em 1999. SNE, 2002.nicípios de Santa Rita, nas matas denominadas 161Mata da Usina São João, Mata da Usina Santana,RPPN Engenho Gurjaú, Mata Pau Brasil e MataFazenda Capitão; Rio Tinto e Mamanguape, naReserva Biológica de Guaribas. No ecossistemade manguezal, as maiores agressõesocorreram nos municípios de Pitimbu,Conde, Rio Tinto e Bayeux. A restingaestá reduzida a localidades nos municí-pios de Mataraca, Cabedelo e Rio Tinto,sendo verificada redução de área desseecossistema no município de Mataraca,limite com Baía Formosa, no Rio Grandedo Norte. As atividades identificadas no le-vantamento, que mais impactaram essesecossistemas de Mata Atlântica no Esta-do foram: a expansão da área de cultivoda cana-de-açúcar e o desenvolvimentode atividades voltadas para a carcini-cultura em áreas de manguezal. No quetange à identificação de áreas com maiorconcentração de mata, destaque deve serdado aos municípios de Cruz do EspíritoSanto, Santa Rita, Rio Tinto e Maman-guape. A disposição dessas manchas defragmentos florestais insinua a formaçãode um corredor ecológico. Outra área de Área de mata Foto: Fernando Pinto
Pernambuco e Alagoas: O Pacto MuriciOs estados da Mata Atlântica Cidade de Olinda – PE162 Apesar de praticamente toda costa brasileira posteriormente, sugerem que esse número pode ter sido ocupada pela colonização européia a estar subestimado e que a floresta ao norte do partir da mesma época (século XVI), foi no Nor- Rio São Francisco é a unidade biogeográfica da deste do Brasil que a floresta atlântica foi mais floresta atlântica de maior probabilidade de per- rapidamente degradada. Dois ciclos econômicos der espécies em escala regional e global. Nessa foram fundamentais nesse processo: o do pau- região, por exemplo, é onde se encontra um dos brasil e o da cana-de-açúcar, o qual se estende até locais (Murici, Alagoas) com a maior quantidade os dias atuais. Em 1990, restavam menos de 6% de espécies de aves ameaçadas de extinção nas da extensão original da floresta atlântica ao Américas. norte do Rio São Francisco e alguns tipos flo- restais, como a floresta ombrófila densa, foram De acordo com o Caderno nº 29, do Conselho reduzidos a poucas dezenas de quilômetros Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlân- quadrados. tica (RBMA), que trata da RBMA em Alagoas, existem 24 unidades de conservação inseridas na A Mata Atlântica nos estados de Alagoas área de abrangência do bioma no Estado. Destas e Pernambuco representa grande parte do que UCs, sete são federais, sete são estaduais, três restou do Centro de Endemismo Pernambuco, são municipais e sete são Reservas Particulares. o qual abriga a floresta costeira de Alagoas ao Essas UCs cobrem uma área total de 602.173,60 Rio Grande do Norte. Estudos indicam que um ha. Sete destas UCs são APAs e perfazem um total terço das árvores do Centro Pernambuco estariam de 575.877 ha, as demais UCs cobrem 26.296,60 ameaçadas de extinção regional, conseqüência da ha. Algumas ainda não foram categorizadas de interrupção do processo de dispersão de semen- acordo com o Sistema Nacional de Unidades de tes. Modelos de extinção de árvores, elaborados Conservação (SNUC).
Foto: Fernando PintoÁrea de Grande parte das unidades de conservação de foi impulsionada pela Birdlife International (BI) Os estados da Mata Atlântica e a SNE, por meio da realização de Diagnósti-transição Alagoas não foi regularizada e implementada, a co Expedito do Complexo Florestal de Muricida mata e (CFM), região que integra a ESEC e o seu en- torno imediato. Esse trabalho subsidiou o Ibamarestinga , em fiscalização é insuficiente. Observa-se, no entanto, na criação da ESEC Murici. Após a criação daAlagoas uma situação de grande potencialidade na con- ESEC Murici, a SNE, em parceria com a WWF Brasil e a BI, realiza projeto para apoio à sua servação do bioma no Estado, com a efetivação implementação. Em seguida, contando também com a participação da The Nature Conservancy, de parcerias do governo estadual e do sistema de são realizados o levantamento fundiário do CFM, o censo demográfico do CFM, o levantamento gestão da RBMA com o setor sucro-alcooleiro. e monitoramento da avifauna, o treinamento de viveiristas e oficinas de educação ambiental, bem Recentemente, quatro RPPNs foram criadas em como a realização de um sistema de informações geográficas (SIG), organizando todos os dados áreas de usinas: a RPPN da Reserva do Gulandim, obtidos sobre a região. 163 criada em 2001, com 41 ha, localizada no municí- Em junho de 2003, a SNE convidou Funbio, TNC, BI, CI, SOS e WWF Brasil para uma visita pio de Teotônio Vilela, de propriedade das Usinas à ESEC Murici buscando apoio para a redução da degradação da Mata Atlântica, mesmo dentro Reunidas Seresta S/A; a RPPN da Fazenda Santa de uma UC de proteção integral. Outros parcei- ros se incorporam ao processo, como o Cepan, Tereza, criada em 2001, com 100 ha, localizada que tem tido grande aproximação com o setor sucro-alcooleiro, realizando pesquisas para a no município de Atalaia, inserida no território da conservação da biodiversidade nas Usinas Serra Grande e Trapiche e o IA-RBMA, que também Usina Uruba, e as RPPNs Fazenda Pereira, com tem realizado iniciativas importantes com a par- ceria do setor sucro-alcooleiro, implementando 290 ha, e a Fazenda Lula Lobo, com 98,6 ha, dois Postos Avançados da RBMA nas Usinas Coruripe e Guaxuma. criadas em 2001, localizadas no município de Coruripe, de propriedade da S/A Usina Coruripe Açúcar e Álcool. A criação da Estação Ecológica (ESEC) de Murici, em 2001, cobrindo uma área de 6.116 ha, nos municípios de Messias, Flexeiras e Murici,Foto: Fernando Pinto Mutum: espécie altamente ameçada de extinção
Os estados da Mata Atlântica Em maio de 2004, no Senado Federal, em fortaleçam a implementação das ações constantes Brasília, foi estabelecido um acordo entre as do plano integrado de ação e assegurem a con-164 oito instituições não-governamentais, denomi- servação da biodiversidade e contribuam para o nado Pacto Murici, cujo objetivo é propiciar a desenvolvimento sustentável na região. Como já alavancagem de recursos e o desenvolvimento foi tratado inicialmente, não existem mapeamentos de projetos de grande envergadura, voltados atualizados para os estados de Piauí, Pernambuco, para a conservação e o uso sustentável da biodi- Alagoas e Sergipe. Os últimos dados estão dispos- versidade. Dando continuidade a essa estratégia tos na Tabela 1 deste capítulo. O mapeamento do criou-se então a Associação para a Proteção da Piauí está em realização pela SNE. Mata Atlântica do Nordeste (Amane), entidade formada pelas oito ONGs do Pacto Murici, para Evitar perda de espécies em biotas extrema- coordenar as ações de um projeto de conser- mente fragmentadas, como o Centro Pernambuco, vação e uso sustentável para a Mata Atlântica é possível através da implementação de “corredo- do Nordeste. Esse projeto inclui os estados de res de biodiversidade”. De forma muita sucinta, o Pernambuco e Alagoas, no território denominado corredor pode ser descrito como um conjunto de Centro de Endemismo de Pernambuco. áreas protegidas públicas e particulares, conec- tadas através de corredores florestais em escala O Pacto Murici tem como objetivo catalisar regional, imerso em uma matriz de uso múltiplo ações e recursos para conjuntamente reverter do solo que seja pouco agressiva à diversidade o quadro de desmatamento e degradação da biológica. Assim, várias categorias de uso da terra biodiversidade e criar formas de restaurar o fun- compõem o esforço de conservação de um cor- cionamento da paisagem e o desenvolvimento redor, dentre elas: parques, reservas públicas ou sustentável da ecorregião Florestas Costeiras de privadas, terras indígenas, além de propriedades Pernambuco (FCP). Os objetivos específicos do que praticam sistemas agroflorestais ou ecotu- Pacto são: 1. Construir um programa integrado de rismo. O Pacto Murici pode ser um instrumento ações de conservação, para a ecorregião da FCP; 2. importante para a elaboração e implementação de Captar e mobilizar recursos para a implementação um corredor de biodiversidade em uma das por- do programa integrado de ações de conservação e ções mais importantes de toda a floresta atlântica, desenvolvimento sustentável na região; 3. Integrar contribuindo efetivamente para a conservação da ações visando o cumprimento e/ou o estabele- Mata Atlântica do Nordeste. cimento de políticas públicas que favoreçam e Marcelo Tabarelli, do Departamento de Bo- tânica, Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE); Maria das Dores de V. C. Melo, da Associação da Mata Atlântica do Nordeste – Amane e Osvaldo C. de Lira, da Associa- ção da Mata Atlântica do Nordeste - Amane. (Textos Nordeste e Estados do Nordeste, menos Sergipe) Cactus na restinga
SergipeCidade de Os estados da Mata Atlântica Aracaju 165 O Estado de Sergipe localiza-se a leste da cana-de-açúcar. Após mais de 500 anos de ocu-região Nordeste e tem a menor área do Brasil pação, da Mata Atlântica original restam poucosem extensão territorial, com 22.050,40 Km2. corredores ao longo da extensão litorânea doPossui cerca de 1.800.000 habitantes, 62,4% Estado, ocupando cerca de 40 Km2 de largura dourbanos, densidade demográfica de 77,67 hab/ território sergipano, com formações de diferentesKm2, crescimento demográfico de 1,2% ao ano ecossistemas, que incluem as faixas litorânease uma faixa de migração interna de 11,25%. Sua com suas associações das praias e dunas, comárea natural é bastante devastada, sendo cerca ocorrência das formações florestais perenifóliasde 90% utilizada como pastagens e atividade in- latifoliadas higrófilas costeiras (floresta cos-tensiva de agricultura, restando apenas algumas teira), que ocorrem ao longo do todo o litoralmanchas da floresta costeira, mata de restinga, sergipano sob a forma de pequenas manchas,mata ciliar, cerrados arbustivos e caatinga. exceto na porção sul do Estado, onde algumasEm Sergipe, como no Nordeste em geral, as fazendas particulares se apresentam mais pre-áreas remanescentes são pequenas e extrema- servadas, localizando-se normalmente nos toposmente fragmentadas com grande impacto an- das colinas mais elevadas ou nas encostas quetrópico. apresentam declividades acentuadas. Nos locais onde foi fortemente devastada, aparecem os Originalmente, a Mata Atlântica ocupava cultivos perenes e temporários e posteriormentetoda faixa litorânea sergipana, até a chegada do as pastagens. A Mata Atlântica sergipana ocorrehomem branco (europeu) em 1501 para tomar desde municípios localizados no São Franciscoposse das terras indígenas, com os objetivos até Mangue Seco, na divisa com a Bahia.de explorar o pau-brasil, criar gado e plantar
Apesar da devastação por conta da forte O Litoral Norte compreende 2.300 Km2, em ação antrópica, o pouco que resta preservado da 112 Km de extensão, com uma população de 600 grande diversificação ambiental proporciona à mil habitantes (257 hab/Km2), em 17 municípios Mata Atlântica uma enorme diversidade biológica, – Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do com um bom número de mamíferos, aves, répteis Socorro, Laranjeiras, Riachuelo, Maruim, Santo e anfíbios que ali sobrevivem e garantem a repro- Amaro das Brotas, Pirambu, Carmópolis, Capela, dução de muitas espécies, sendo que várias delas Siriri, General Maynard, Pacatuba, Japaratuba, são endêmicas (só ocorrem ali). A Mata Atlântica Rosário do Catete, Ilha das Flores e Brejo Grande. ainda possui raras espécies de plantas - das quais Apesar de ser uma Reserva Nacional, tem como muitas são endêmicas - e ainda consegue ser o principal uso do solo a exploração dos recursos primeiro e maior bloco de florestas do Estado. minerais, o que tem causado sérios problemas A zona costeira de Sergipe é dividida em dois ambientais, em decorrência da exploração de pe- setores: Litoral Norte e Litoral Sul. tróleo, gás, cloreto de sódio, cloreto de potássio166 Turismo na Serra de Itabaiana
Os estados da Mata Atlântica 167Serra de Itabaiana do Itanhy e Indiaroba. A atividade predominante é o turismo, por conta do centro histórico de Sãoe outros evaporitos associados, como também Cristóvão, o fácil acesso às praias e uma infra-pela presença de indústrias de cimento e de ferti- estrutura de bares, restaurantes e pousadas emlizantes. Grande parte das cidades localiza-se no expansão. A economia baseia-se na agricultura.interior dos estuários e tabuleiros, com exceção Estância e Itaporanga formam um pólo industrialde Aracaju e Barra dos Coqueiros. Há também alavancado pela indústria têxtil, de fabricação degrandes propriedades de cocoiculturas, cana e pe- sucos de fruta e cervejaria que, juntamente comcuária. Em oito municípios, predomina a lavoura Itabaiana e Lagarto, formam os centros urbanose, em outros oito, a pecuária. Laranjeiras tem a mais importantes do Estado depois de Aracaju.maior usina do Estado, com grandes canaviais ealgumas destilarias de álcool. Os ecossistemas O Litoral Sul possui 2.500 Km2, com 55 A caracterização da Mata Atlântica em Sergi-quilômetros de extensão, concentrando 143 mil pe foi apresentada por Santos e Andrade (1992),habitantes (57 hab/Km2), em cinco municípios que descrevem:– São Cristóvão, Itaporanga, Estância, Santa Luzia
Os estados da Mata Atlântica168 Ruínas de igreja em antigo engenho de açucar As associações de restingas ocupam largura variável, encontrando-se nos municípios de Paca- O ecossistema da região da Mata Atlântica tuba e Pirambu, alcançando muitas vezes 10 qui- envolve 5.750 Km2 do Estado. Atualmente a co- lômetros de largura. É formada de uma associação bertura vegetal original restringe-se a manguezais, arbustiva perenifólia, que se apresenta baixa, xero- vegetação de restinga e remanescente da floresta morfa, formando moitas com espécies de plantas tropical úmida. Também denominada de mata suculentas pertencentes às famílias Cactaceae, costeira, ocupa aproximadamente uma faixa de 40 Clusiaceae e Orchidaceae, dos gêneros Vanilla e Km2 de largura, estendendo-se de sul para norte Epidendrum. Aparecem muitas arbustivas que se vindo da Bahia até Alagoas. Apresenta várias as- intercalam com plantas das famílias das Poaceae sociações, com praias e dunas, vegetação herbácea e recobrem parte do solo. Nos campos de restinga, e ocorre desde o Rio São Francisco até o mangue aparecem as seguintes espécies: ananás, samam- seco. Essa vegetação serve para fixar as areias das baia-da-praia, murici-da-praia e carrasco. dunas móveis. Entre essas, destacam-se salsa-da- praia, grama-da-praia, feijão da praia, capim-gen- gibre, xique-xique ou guizo-de-cascavel.
A vegetação dos campos de restinga reco- peiro, gonçalo-alves, cajueiro, louro e murici- Os estados da Mata Atlânticabrem os solos de areias quartzozas marinhas dis- da-mata. As associações caducifólias mistastróficas e servem para fixar dunas móveis e tam- com a Caatinga são constituídas de espécies 169bém o podzol. À medida que essa vegetação vai caducifólias relacionadas com a floresta atlân-se distanciando da linha da preamar e penetrando tica e com espécies da Caatinga. A vegetaçãopara o interior, ela se miscigena com a vegetação dessa área é constituída, além de árvores de 10arbórea da restinga, sendo substituída pela mata, a 15 metros de altura, por espécies arbustivas eque é uma associação perenifólia pouco densa, herbáceas, dentre as quais aroeira, pau-d´arco,cujas árvores têm altura de quinze metros. Como angico, mulungu-vermelho, cajazeira, jurema,exemplo citamos angelim, cajueiro, oitizeiro-da- pau-de-leite, pau-ferro, braúna-da-mata, unha-praia, pitombeira, palmeira-oroba, ouricurizeiro de-gato, cedro e trapiá.e araçazeiros. A associação de plantas pode ser apenas A associação campos de várzea é constituída de herbáceas ou, se essas criarem condições, ar-de plantas herbáceas encontradas nos solos da mar- bustos e depois árvores, que pontilham esparsas.gem direita do Rio São Francisco. É uma vegetação Com o decorrer dos anos, há uma regressão e asdensa, recoberta de gramíneas e ciperáceas que se plantas arbustivas suplantam as herbáceas e de-encontram nos brejos ou pântanos, várzeas úmidas pois surgem árvores que conquistam toda a terrae alagadas, ou nas margens dos cursos de água, retornando a vegetação natural primitiva. Asonde a água proveniente das chuvas se acumula e espécies herbáceas e arbustivas dos campos an-onde a drenagem é insuficiente para o escoamen- trópicos são capim-papuã, capim-pé-de-galinha,to. A vegetação é composta de plantas higrófilas capim-gengibre, capim-favorito, capim-seda,e hidrófilas, assim discriminadas: piripiri, taboa, carrapicho-de-agulha, carrapicho-de-roseta,aninga, junco, capim-papuã e capim-de-roça. capim-amargoso, capim-sapé, grama-de-burro, carrapicho-beiço-de-boi, capim-mão-de-sapo, Nas matas de várzea, aparecem algumas capim-de-raiz, anil, velamo-branco, rurema eespécies caducifólias. Margeando as várzeas, os umbaúba.brejos ou pântanos, desenvolve-se uma associa-ção de árvores com mais de 30 metros de altura, Os campos antrópicos podem surgir em qual-de raízes tabulares, enquanto outras apresentam quer uma das associações perenifólias ou mistasraízes superficiais longas, que buscam a água. A estacionais. Aparecem, nessas áreas, extensas pas-copa das árvores é grande e aberta e sua vegetação tagens de capim-sempre-verde, capim-brachiáriaé constituída de gameleira-branca, mulungu-bran- e capim-pangola.co, canafístula, ingazeira. A fauna da Mata Atlântica é constituída das As associações subperenifólias possuem seguintes espécies: paca, guaxinim, raposa, ca-árvores de até 30 metros de altura e entre suas chorro-do-mato, tatupeba, veado-mateiro, teiú,espécies encontram-se ingapoca, visgueiro, ja- camaleão, sagüi, macaco-guigó-de-sergipe, pre-tobá, ouricuri, canafístula, amescla, taquara e guiça, gavião-carijó, urubu-de-cabeça-vermelhapau-d’alho. e cobra-de-cipó. As associações subcaducifólias apresen- A água e o homemtam-se com árvores de até 20 metros de altura.Entre as suas espécies, destacam-se frei-jorge, Sergipe possui uma rede hidrográfica cons-camondange, maçaranduba, sucupira, jenipa- tituída por pequenas bacias fluviais, à exceção da
Os estados da Mata Atlântica do Rio São Francisco, cujos limites se encontram As águas subterrâneas representam um muito além da área em questão. precioso manancial de água doce e qualquer170 poluente que entre em contato com o solo pode Na região da Mata Atlântica, existem contaminá-las. Em Sergipe, os lençóis freáticos cinco bacias hidrográficas: Complexo Real- são pouco profundos, facilitando a sua contami- Fundo-Piauí, Rio Vaza-Barris, Rio Sergipe, Rio nação. Há ocorrências crescentes de contamina- Japaratuba e Rio São Francisco. À exceção do ção das águas subterrâneas com água salgada, Rio São Francisco, os rios apresentam regimes contaminadores microbiológicos e produtos quí- hidrológicos intermitentes nos trechos da região micos inorgânicos e orgânicos tóxicos, incluindo semi-árida e agreste e são permanentes nas re- pesticidas. Práticas de irrigação têm elevado a giões úmidas, onde formam mananciais usados salinidade das águas subterrâneas à medida que para abastecimento público, irrigação e recepção a água utilizada é retirada das áreas da costa. de efluentes industriais e domésticos. A exploração de petróleo e gás natural pode A disponibilidade hídrica é escassa, agra- contaminar as águas superficiais e os lençóis de vando-se no período de estiagem, como afirma águas subterrâneas, mistura de água salgada com Ab’Saber em referência à drenagem: “Um magro água doce. sistema de cursos d’água de áreas semi-áridas, intermitentes e irregulares, dotado de fraquíssi- O desflorestamento nas áreas de bacias hi- mo poderio energético e são desprotegidos do drográficas para obtenção de lenha e madeira para quorum de precipitações anuais suficientes para uso doméstico e destinada ao uso comercial, além os alimentar permanentemente”. das pastagens e práticas de cultivos inadequados, reduz a quantidade de água disponível durante as O crescimento populacional, as exigências estações secas. Os solos erodidos, que descem crescentes por energia e alimentos estão impondo das áreas elevadas, causam a sedimentação das crescentes demandas aos suprimentos de água represas, usadas na armazenagem de água e ge- disponível. Os sistemas de descarga dos detritos e ração de energia. O desmatamento está causando escoamento de esgotos urbanos e rurais, acrescidos desertificação de grandes áreas antes com farta das atividades industriais e de mineração, são as cobertura vegetal. principais fontes de poluentes tóxicos das águas. Lizaldo Vieira dos Santos, coordenador da RMA e Coordenador do MOPEC (SE); e Maria José dos Santos, do CUPIM (SE). AMEAÇAS NO NE: págs. 199 e 227 PROJETOS NO NE: págs. 258 e 264 A REDE NA REGIÃO: págs. 289, 292, 295, 296 e 303 BIBLIOGRAFIA: pág. 319
Um bioma sem Lei? 171Um bioma sem Lei?
Um bioma sem Lei? Embora tenham se “esquecido” de pri- convictos de que o principal sentido do dispositivo Parque do mos importantes da família dos biomas172 brasileiros (o Cerrado e a Caatinga), os Caracol em constituintes de 1988 foram bastante ousados e felizes ao definir a Mata Atlântica como Patrimô- constitucional aqui tratado é da sustentabilidade e Canela – RS nio Nacional. Mais que isso, determinaram que da conservação efetiva do bioma, tanto pelo poder seu uso fosse feito, na forma da Lei, de maneira a público, como pela coletividade. preservar o meio ambiente e os recursos naturais que a integram. O voto do Ministro do SupremoTribunal Federal Sepúlveda Pertence, na Ação Direta de Inconsti- Mas o que significa do ponto de vista cons- tucionalidade de nº 487-5, que a Confederação titucional “patrimônio nacional”? O que isso Nacional das Indústrias moveu em face do polêmico representa na prática? Decreto 99.547-90, é bastante revelador: Há quem sustente, e com eloqüência, que na “... O que vejo é que, depois de afirmar verdade tratou o constituinte de deixar bastante no artigo 225 que o meio ambiente eco- claro que a biodiversidade brasileira é brasileira e logicamente equilibrado é bem de uso ponto! Ou seja, tratava-se de uma proteção consti- comum do povo, no §4º, o artigo 225 tucional de caráter menos ambiental do que de re- estabelece duas normas: a primeira, que ação em relação ao “buxixo” internacional de que a Floresta Amazônica, a Mata Atlân- a biodiversidade planetária constituía Patrimônio tica e os demais setores territoriais, ali da Humanidade e por derivação a nossa Amazônia mencionados, são patrimônios nacio- também o seria. Assim a Mata Atlântica, a Floresta nais. A dificuldade de identificação do Amazônica e os demais biomas e regiões citados alcance dessa declaração de que a Mata no parágrafo 4º do art. 225 teriam sido alçados ao Atlântica constitui patrimônio nacional, status de Patrimônio Nacional brasileiro. a meu ver, com todas as vênias, não permite, malgrado a autoridade do Pro- Mas a Constituição de um país é um pacto fessor Reale, que se diga apenas que a “vivo” em permanente reinterpretação e con- Constituição o disse em sentido retórico frontação com a realidade dinâmica da sociedade ou figurado. Isso tem de ter um sentido contemporânea e, portanto, para a realidade atual, jurídico. E, a meu ver, pelo menos outro entendimento deve prevalecer em relação ao não é de descartar, à primeira vista, conceito constitucional em discussão. Não parece o que nesse debate já se aventou: que fazer muito sentido sustentar que a Mata Atlântica o “patrimônio nacional” está aqui no é patrimônio da humanidade, embora determi- sentido de objeto de uma proteção ex- nadas regiões que a integram, como o Parque cepcionalíssima da ordem jurídica.” Nacional do Iguaçu, por exemplo, assim sejam consideradas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A Convenção de Diversidade Biológica define claramente que os países são soberanos sobre a sua biodiversidade e assumem a respon- sabilidade pela conservação e o uso sustentável de seus recursos naturais. Nesse sentido, estamos
Patrimônio nos termos do artigo 225 da sob a forma de manejo sustentável (exceto espécies Um bioma sem Lei?Constituição de 1988 é algo que possui valor mais em extinção, por força de decisão judicial liminarque econômico, mais que privado e individualista. emitida no âmbito de uma Ação Civil Pública mo- 173Tem valor afetivo, valores imateriais (paisagens vida pelo Instituto Socioambiental em 2000, eme conhecimentos de populações tradicionais, por trâmite na Justiça Federal de Florianópolis).exemplo), valores intrínsecos e éticos (como a ma-nutenção das condições que permitem e abrigam a O Código Florestal permite também que o po-vida em todas as suas formas). É algo que se cuida, der público (federal, estadual ou mesmo municipal)que se usa, sim, mas racionalmente, de acordo pode definir por ato do poder executivo espécies,com a capacidade de suporte do ecossistema, mas espécimes (indivíduos) ou regiões inteiras onde ase conserva e é entregue o mais bem conservado preservação deve ser total ou parcial, mesmo sempossível à próxima geração, preferencialmente em a criação de unidades de conservação de que tratamelhores condições do que se utilizou. a Lei Federal 9985/00, a também conhecida Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação Pois bem. Se o conceito de “patrimônio” não (SNUC).constitui exatamente o que dissemos no parágrafoanterior em matéria de direito privado, assim é em Entretanto, o Código Florestal, que determinamatéria de direitos socioambientais, de normas que no mínimo 20% da vegetação nativa nas re-jurídicas sobre os elementos da natureza, sobre o giões abrangidas pelo Domínio da Mata Atlânticaequilíbrio ecológico, sobre bens de uso comum sejam conservados ou recuperados, por si só nãode todo povo e indispensáveis à digna e sadia é suficiente. E por quê?qualidade de vida. Resta entender o que significaa expressão na forma da Lei do parágrafo 4º do Por que uma legislaçãoartigo 225 da Constituição. específica?Na forma da Lei A consumação de mais de 92% da Mata Atlântica original demanda que a legislação a ela A Constituição Federal de 1988 em seu artigo aplicável, se pretende garantir a sustentabilidade225 remete a competência para a definição das do bioma enquanto tal, oriente-se pela lógica dacondições de uso da Mata Atlântica e seus recursos recuperação e também da conservação, cujosnaturais à forma da Lei. A Lei aqui, respeitando en- parâmetros devem considerar o nível de concen-tendimentos divergentes, deve ser entendida no seu tração de biodiversidade (do banco genético) e desentido mais abrangente, ou seja, à “legislação” in- relevância das áreas em função da proteção dosfra-constitucional, já que a Constituição não é, nessamatéria, auto-aplicável, carece de regulamentação. A lei (em sentido estrito, ou seja, aquele atoemanado do poder legislativo competente) em vigorem matéria florestal para todo o País e aplicável àMata Atlântica é o Código Florestal (Lei 4.771/65),que define, para além das áreas de preservação per-manente, que a vegetação nativa deve ser mantidaou recuperada em no mínimo 20% da área de cadaimóvel rural, embora possa ser explorada desde queManifestação pelo PL da Mata Atlântica na Câmara dos Deputados, em Brasília, 2003
Um bioma sem Lei? Ao tratarmos de recuperação, cujos investimentos necessários não174 são desprezíveis, inclusive porque de- manda conversão de áreas hoje sob uso Bromélia Poço-de-jacó: ameaçada de extinção econômico direto para o reflorestamen- to com espécies nativas, devemos ser recursos hídricos e dos corredores biológicos. precisos, justos e criteriosos. O Código Devem considerar os riscos que sobre o bioma Florestal deixa grande e indesejável recaem por força da pressão oferecida pelo cres- margem de discricionariedade aos po- cimento urbano desordenado, pela demanda por deres públicos, abrindo caminho para crescimento das áreas rurais cultivadas, pela mine- arbitrariedades e omissões em regra ração e pelas obras de infra-estrutura que induzem incompatíveis com as lógicas ecossis- ainda mais as dinâmicas antes citadas. têmicas e socioambientais. As orien- tações para a localização das reservas Dizer apenas que as áreas de preservação legais feitas pelo Código Florestal são permanente e que 20% da Mata Atlântica original importantes, mas genéricas. Delegam devem ser conservadas ou recuperadas não resol- isso aos zoneamentos, aos planos de ve em termos qualitativos e condena esse bioma à bacia hidrográfica, planos diretores eterna e crescente fragmentação, ou seja, à morte e ao planejamento das unidades de lenta e dolorosa. conservação sem, no entanto, propor nenhum parâmetro objetivo a ser segui- do na concepção desses instrumentos de gestão territorial. O Decreto 750/93 oferece crité- rios objetivos e parâmetros técnicos para as decisões dos órgãos ambien- tais sobre as áreas que devem ser conservadas e recuperadas. Tais pa- râmetros devem orientar as decisões administra- tivas, mas também a concepção dos instrumentos de planejamento do uso do território. A reserva legal do Código Florestal, nesse sentido, é um instrumento importante para viabilizar a conser- vação ou a recuperação da Mata Atlântica, desde que bem orientada a partir dos critérios definidos pela legislação específica. Da mesma forma, os zoneamentos, planos de bacia e planos de manejo de unidades de con- servação também devem adotar esses critérios em suas diretrizes sobre uso e ocupação do solo. Aí reside a composição necessária entre legisla-
ção específica para a Mata Atlântica (seja ela o Considerações finais Um bioma sem Lei?Decreto 750/93, seja a tão esperada e batalhadaLei da Mata Atlântica, ou mesmo as Resoluções Como considerações finais há duas coisas a 175do Conselho Nacional do Meio Ambiente a ela dizer. A primeira é que a desestruturação crescenteaplicáveis) e a Lei geral de florestas do País, o dos órgãos de gestão ambiental no País é um fatorCódigo Florestal de 1965. crucial para a atual ineficácia da legislação florestal. Não basta uma boa lei, é necessário que a sociedade A partir da legislação específica é que se consoli- se organize e esteja devidamente preparada para asdam as condições e os critérios objetivos que deverão discussões sobre orçamento, que a sociedade aprendaorientar a decisão dos órgãos ambientais, não apenas a se envolver mais e nos momentos oportunos sobre assobre o tamanho ou a localização das reservas legais e agendas políticas que definem os recursos que serãosobre a exploração de espécies do bioma, mas também investidos na manutenção das estruturas e programaspara a análise dos impactos socioambientais de em- de conservação e recuperação da Mata Atlântica. Epreendimentos causadores de significativos impactos que batalhem por mais recursos para os órgãos deambientais. planejamento e fiscalização ambiental. Mas, mais que isso, que fiscalizem o efetivo investimento dos Portanto, o que precisa ficar bastante claro é que a recursos garantidos, pois sem recursos não há políticalei geral não exclui ou dispensa a específica, ao contrário, ambiental, há discursos e consensos “ocos”, parafra-a sinergia entre ambas é que garantirá, em tese, a real seando a ministra Marina Silva em discurso feito emconservação e recuperação do bioma. Em tese, porque Campos do Jordão, nas comemorações da semana daa Lei não opera de per si. É necessário que os órgãos do Mata Atlântica, em maio de 2005.Sistema Nacional de MeioAmbiente (Sisnama) estejamfortalecidos e a coloquem efetivamente em prática.Lideranças da Mata Atlântica em Encontro Nacional da Rede, 2003
Um bioma sem Lei? Outro ponto a destacar é que, para além de uma Enfim, todos sabem que apenas comando boa lei e de recursos para planejamento, controle e controle, lei e polícia não resolvem, embora176 e monitoramento ambiental, é fundamental que o sejam atividades fundamentais. Mas precisamos governo (o Estado), em suas diferentes esferas (da de uma lei própria para a Mata Atlântica, sim, que municipal à federal) assuma que, sem incentivos seja compatível e complemente o que o Código econômicos em escala, as atividades sustentáveis Florestal prevê para a região. Mas precisamos têm poucas chances de concorrer com atividades também de uma política específica voltada para o predatórias, culturalmente consolidadas. controle, monitoramento e o desenvolvimento de atividades econômicas adequadas ao bioma. Se é A agricultura em todo o planeta sobrevive que estamos falando de um Patrimônio Nacional à custa de subsídios públicos. Se assim é para cujo uso deve ser feito de forma a garantir a pre- agricultura, que é uma atividade crucial para o servação do meio ambiente e da vida em todas desenvolvimento do Brasil, embora seja também as suas formas. uma das que mais causou e continua causando impactos nos nossos ecossistemas, por que não André Lima é advogado e mestre em Política e pode haver apoio e incentivos suficientes para ati- Gestão Ambiental, pelo Centro de Desenvolvi- vidades de turismo ecológico na Mata Atlântica? mento Sustentável (UnB) e faz parte da equipe Por que não pode haver incentivos para atividades do Programa de Política e Direito Socioambiental de manejo florestal (não-madeireiro) na Mata do Instituto Socioambiental (ISA) Atlântica? Por que não pode haver subs ídios em escala para o desenvolvimento de atividades de Bibliografia: pág 322 recuperação de áreas degradadas, que também geram renda e emprego? Foto: Arquivo Apremavi Desmatamento do início do século passado: processo que ainda persiste em algumas regiões
A luta pela preservação 177 A luta pelapreservação
A luta pela preservação Ao longo da história, a exuberante e rica Também oAlmirante Ibsen de Gusmão Câmara João Paulo diversidade de fauna e flora da Mata Atlântica fascinou alguns dos mais sempre se dedicou aos estudos da natureza e, como Capobianco famosos cientistas da humanidade. Entre eles e Paulo cabe mencionar Charles Darwin, que visitou o presidente da Fundação Brasileira para a Conserva- Nogueira- Brasil em meados do século XIX, para coletar informações para a teoria da evolução, tendo ção da Natureza (FBCN), colaborou ativamente na Netto: lideres depois mantido contato e trocado informações da luta durante diversos anos com o botânico alemão Fritz criação de áreas protegidas como a Estação Ecoló- pela Mata Müller, radicado em Blumenau, Santa Catarina. O francês Saint-Hilaire esteve no Brasil durante seis gica Juréia-Itatins, no litoral de São Paulo. Atlântica anos e depois publicou 14 volumes de memórias178 e descrições botânicas. Além destes, o alemão A luta pela defesa e conservação do meio Georg Heinrich Langsdorff, os austríacos Karl Friedrich Philip von Martius e Johan Baptist Von ambiente no Brasil começou a ganhar força no Spix descreveram centenas de espécies de plantas e animais no século XIX. início da década de 1970, com a criação da Asso- Entre os cientistas brasileiros, Paulo Nogueira- ciação Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural Neto, professor titular de Ecologia da Universidade de São Paulo, teve papel de destaque na criação e (Agapan), primeira organização ambientalista que implantação da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo e na Secretaria Especial de Meio Am- incorporou uma visão política, dando maior am- biente federal, precursora do Ministério do Meio Ambiente. Pioneiro na defesa da Mata Atlântica na plitude às questões ambientais e relacionando-as região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, Nogueira-Neto é também integrante e fundador com as políticas industriais e agrícolas. de diversas Organizações Não-Governamentais e responsável pela criação de importantes parques, Ao longo da década de 1980, houve um cres- além de ter contribuição inestimável no aperfei- çoamento e aprovação de leis ambientais como a de cimento significativo do movimento ecologista, nº 6.938 de 1981, que criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). em quantidade de organizações e capacidade de atuação. Essas organizações contribuíram para que começasse uma lenta e gradual mudança na consciência do povo brasileiro em relação ao meio ambiente. Em 1992, durante a realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), as organizações ambientalistas e socio- ambientais com atuação no bioma Mata Atlântica criaram a Rede de ONGs Mata Atlântica, com oLuta contra objetivo de dar respostas que as instituições indivi- barragens no Vale do dualmente não eram capazes de dar, especialmente Ribeira frente aos governos e às políticas públicas que afetam a Mata Atlântica em nível nacional. A Rede
de ONGs da Mata Atlântica congrega 300 ONGs regeneração natural e espontânea de florestas. A luta pela preservação que trabalham pela defesa, preservação e recupe- Segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais ração da Mata Atlântica em nível nacional. Através e Ecossistemas Associados no Domínio da Mata 179 da campanha “Mata Atlântica – Desmatamento Atlântica (SOS, INPE, ISA), entre 1990 e 1995, Zero”, a Rede está empenhada em conscientizar a aproximadamente 70.000 hectares passaram do sociedade para a necessidade de conservar a Mata estágio inicial para o médio ou avançado de rege- Atlântica e acabar de vez com os desmatamentos neração no estado de Santa Catarina. O problema ilegais e desnecessários. é que continuam sendo desmatadas florestas pri- márias ricas em biodiversidade e a regeneração Regeneração espontânea forma florestas secundárias, muito mais pobres em espécies. A mudança na consciência da população vem se refletindo na queda do índice de desmatamento A criação de Batalhões de Polícias Ambien- no bioma. Mesmo assim, entre 1990 e 1995, mais tais e Florestais em diversos estados e a aprovação de 500.000 hectares de Mata Atlântica foram de leis mais rigorosas, especialmente o Decreto destruídos para dar lugar à expansão das cidades, 750/93, proibindo o desmatamento em áreas de assentamentos de reforma agrária, pecuária, plan- floresta primária e nos estágios médio e avançado tio de pinus e eucaliptos e para fornecer lenha para de regeneração, foram decisivas para iniciar a a secagem do fumo. Esse desmatamento foi três reversão da marcha do desmatamento. vezes maior, proporcionalmente, do que o verifi- cado na Amazônia no mesmo período. Atualmente Outro fator importante para a diminuição do persistem atividades madeireiras predatórias em desmatamento foi a atuação dos Ministérios Pú- alguns estados, principalmente na Bahia, Paraná blicos Federal e Estaduais após a Constituição de e Santa Catarina. 1988, quando passaram a ter entre suas atribuições a defesa do meio ambiente. Os Procuradores da A partir de 1990, um fato novo começou República e os Promotores Públicos passaram a também a ser observado na Mata Atlântica. Já não exercer papel de fiscais do cumprimento da lei, aconteciam apenas desmatamentos, mas também tanto por parte da sociedade quanto dos órgãos Plantio de públicos, como o Ibama e araucária os órgãos estaduais.em encontro da RMA em Vale destacar ainda a Campos do participação ativa dos órgãosJordão, 2005 de imprensa e comunicação, especialmente de alguns profissionais que passaram a divulgar cada vez mais notí- cias sobre crimes ambientais e também sobre alternativas de desenvolvimento sem agredir o meio ambiente. Se a diminuição do ritmo do desmatamento não foi obra do acaso, a recu-
A luta pela preservação peração também será tarefa de muitos setores desenvolvimento do Brasil, pois existem muitas da sociedade: Ministério Público, pesquisa- atividades econômicas rentáveis que não agri-180 dores, imprensa, políticos, órgãos ambientais, dem o meio ambiente e que geram empregos moradores urbanos, empresários, ecologistas para os brasileiros. A pesquisa também mostrou e, principalmente, proprietários de terra, pois que 92% dos entrevistados entendem que os serão estes os beneficiários diretos da preser- proprietários, em qualquer região do Brasil, vação e recuperação das florestas e da capaci- que desmataram as áreas consideradas pela lei dade produtiva de suas terras. Levando-se em como sendo de preservação permanente, loca- consideração que restam apenas cerca de 7,8% lizadas em torno de nascentes, margens de rios de remanescentes da Mata Atlântica e que o e lagos, topos e encostas de morros e que têm o índice estabelecido pelas Nações Unidas, para objetivo de evitar enchentes, desmoronamentos a manutenção de uma boa qualidade de vida, é e falta d’água, devem ser multados e obrigados de cerca de 30%, ainda existe muito trabalho a a recompor a vegetação da área ilegalmente ser feito em termos de recuperação. desmatada. Opinião pública Já 92% dos brasileiros só admitem mu- danças nas leis que protegem as florestas se Uma pesquisa de opinião nacional rea- for para aumentar a proteção. Além disso, os lizada pelo Vox Populi em setembro de 2001 entrevistados deram um recado aos políticos, apontou que 95% dos entrevistados acreditam mostrando que 94% não votariam em um depu- que a conservação ambiental não prejudica o tado ou senador que defende o aumento da área de desmatamento das florestas brasileiras. Sobrevivência das espécies nas mãos da sociedade
ENTREVISTA A conservação vista por dentro Liderança na luta pela Mata Atlântica O movimento pela A luta pela preservaçãodesde os anos 1980, o biólogo e atual secretário preservação da Juréia fez aNacional de Biodiversidade do Ministério do Mata Atlântica ficar mais co- 181Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, fala nhecida?sobre a mobilização que conseguiu reverter oprocesso que levou a Mata Atlântica à quase A Juréia foi um movimento muito forte.extinção e sobre os desafios e perspectivas para Tinha um apelo grande, porque era uma áreaa recuperação do bioma. bastante próxima a São Paulo e muito preservada, sob a qual pesava o estigma das usinas nucleares.Quais foram os pioneiros Ela juntava a natureza com a questão nuclear, nona luta contra a destruição momento em que a população começava a reagirda Mata Atlântica? contra o programa nuclear brasileiro. Foi justa- mente no momento em que Fernando Gabeira, Em nível nacional, pessoas como Ibsen de que tinha sido exilado político na Alemanha eGusmão Câmara, Paulo Nogueira-Netto e Maria viveu o movimento anti-nuclear naquele país,Tereza Jorge Pádua, mesmo não sendo uma pessoa trouxe essa preocupação para o Brasil.AJuréia seque atuava na Mata Atlântica, são pessoas que tive- tornou um movimento de muita visibilidade emram uma inserção importante. Do ponto de vista da um espaço de tempo curto. Mas foi simultâneominha trajetória pessoal, porém, houve um episódio à história da SOS Mata Atlântica. Na realidade,especial, que foi a luta pela preservação da Juréia, a Juréia apareceu muito, mas logo depois surgiuno Vale do Ribeira, em São Paulo. Eu era fotógrafo a SOS Mata Atlântica. A Juréia foi criada eme meu amigo Rubens Matuck, artista plástico, foi setembro e a SOS em novembro de 1986.Amboscontratado por uma editora para fazer um trabalho os processos juntaram muitas lideranças, comosobre os ecossistemas brasileiros e me convidou. Um Rodrigo Mesquita, Roberto Klabin, Randal Mar-dos lugares era a MataAtlântica e tivemos a sugestão ques, que fundaram a SOS. E a SOS pôs a Matade uma professora de ir à Juréia. Foi nessa ocasião Atlântica no debate nacional.que entrei diretamente na luta ambiental. Nessaépoca, uma das pessoas que mais me surpreendeu A partir de que momento afoi Ernesto Zwarg, que não era um ambientalista ação das organizações não-conhecido, mas fez todo o processo de preservação governamentais começaramda Juréia, nos anos 1970. É uma pessoa de lá mesmo a fazer diferença parae é impressionante ver nos arquivos de imprensa desacelerar o processo deda época o que ele fez. Paralelamente, houve um destruição da Mata Atlântica?processo importante e reuniu-se todo mundo quefundou a SOS MataAtlântica. Havia várias pessoas Várias ONGs foram criadas nesta me-operando simultaneamente em muitos canais. Visões tade da década de 1980, cada uma com seusdiferentes e pessoas de diferentes áreas começaram objetivos, como a Fundação Pró-Naturezaa pautar o assunto MataAtlântica. (Funatura), com o Cerrado, a Biodiversitas, com viés mais científico. Foi um momento
A luta pela preservação de efervescência de movimentos, marcada te ficou em evidência, com grande capacidade também pelo surgimento de fundações, já que, de ação. O então deputado Fábio Feldmann,182 até então, as entidades ambientalistas eram em na Constituinte, em 1988, conseguiu muitos geral ativistas. Como a Associação Gaúcha de avanços para o ambientalismo no Brasil. Proteção Ambiental (Agapan), uma das pri- meiras do Brasil, ou a própria Pró-Juréia, que Qual o papel da criação era uma associação. Mas nesta metade final da da Rede de ONGs da Mata década de 80 começaram a surgir fundações: Atlântica nesse processo? Fundação Biodiversitas, Funatura, Fundação SOS Mata Atlântica e outras, num processo A Rede foi criada em 1992, durante a em que uma estimulou a outra, embora seus Conferência das Nações Unidas sobre Meio caminhos fossem diferentes. No caso da Mata Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em Atlântica, num primeiro momento, a SOS Mata uma reunião durante o Fórum Global - a reu- Atlântica teve um papel muito importante. Foi nião das ONGs durante a Conferência. Foi a primeira instituição, depois da Pró-Juréia, a bastante interessante, pois a Rio-92 permitiu ousar uma campanha de mídia muito bem suce- que se reunissem no Rio de Janeiro todas as dida e acabou liderando um processo de várias instituições que operavam no Brasil e aí se pequenas instituições, criando uma agenda descobriu que havia um número muito grande mais integrada à sociedade, que começou a de entidades com diferentes características e gerar resultados rapidamente. Embora tenha objetivos já operando na Mata Atlântica. sido criada com esse espírito de comunicação, de mobilização da opinião pública, já no final E num momento em que, da década de 1980, percebeu a necessidade de apesar de recente, não se tinha começar a trabalhar informações práticas, para a facilidade de comunicação sustentar uma campanha mais objetiva. Então que se tem hoje... foi feito o mapeamento da Mata Atlântica, no início da década de 1990. A busca por um ARede só foi possível porque o processo da marco legal para a Mata Atlântica também foi Rio-92 propiciou o encontro. As instituições, na iniciada nesse momento. As contribuições ob- verdade, se descobriram na Rio-92. Todas elas jetivas, além da criação da Estação Ecológica foram para o Rio pela Conferência Internacional de Juréia-Itatins, começam a aparecer no início e ali se conheceram e montaram estratégias cole- dessa década: o mapeamento da Mata Atlânti- tivas.AMataAtlântica rapidamente se constituiu ca, a definição do Domínio da Mata Atlântica, em um grupo, uma rede com uma agenda, focada em 1992, e o Decreto 750, em 1993. Tudo isso no Decreto 750 e na sua regulamentação, através também em um momento de efervescência por do Conselho Nacional do MeioAmbiente (Cona- conta da Rio-92. Foi um momento único no ma). Foram mais de 18 resoluções, votadas em Brasil, quando a questão ambiental rapidamen- tempo recorde e também o Projeto de Lei, que está no Congresso Nacional.
Podemos considerar de recuperação. Há regiões onde estabilizou o A luta pela preservaçãoque a importância da desmatamento ou não há mais desmatamentos.Mata Atlântica e os serviços Existem questões localizadas, por exemplo, em 183que ela presta estão Santa Catarina, na região de floresta ombrófi-internalizados pela la mista, das araucárias, onde ainda ocorrempopulação? desmatamentos. Há problemas na Bahia, onde também há focos de desmatamento, mas não A Mata Atlântica se tornou um símbolo, há dúvida de que a agenda hoje é outra, comuma prioridade. É algo que mobiliza as pes- uma coalizão de interesses em favor da Matasoas. Há de fato uma internalização da questão. Atlântica. Temos setores privados atuando emPorém, existe uma dificuldade inerente à ques- área de Mata Atlântica, governos sensíveis quetão ambiental, que é o fato de que muitas vezes trabalham com sistemas de monitoramentoas ações necessárias implicam em mudança de bem articulados. Acredito que estamos numacomportamento e hábitos culturais, opções que fase de recuperação mesmo. Fase de redes-muitas vezes as pessoas não estão preparadas coberta da Mata Atlântica, de valorização eou interessadas em adotar e escolher. Aí há recuperação de áreas e um momento muitoum processo contraditório. Todo mundo é a positivo, inclusive com incremento de áreasfavor do meio ambiente, desde que a obrigação em muitas regiões do Brasil, inclusive em Sãoseja do outro ou no quintal do outro. É muito Paulo, onde há recuperação de Mata Atlântica,fácil mobilizar para grandes questões, grandes não só no litoral, mas também no interior.ameaças, mas quando são questões que mexemcom comportamento, com procedimentos que E quais são os próximosas pessoas fazem pessoalmente, elas têm difi- passos? O que seria maisculdade de operar e apoiar. importante daqui para frente?Dá para dizer que a luta É fundamental um esforço concreto epela preservação da Mata consistente de recuperação. A Mata AtlânticaAtlântica hoje é uma luta tem em algumas regiões uma capacidade depara se recuperar parte do regeneração espantosa. Há regiões litorâneasque se perdeu ou ainda e serranas, onde em um intervalo de 5 a 10vivemos um processo de anos já se consegue processos avançados dedestruição intenso? recuperação. Agora temos um problema de conflito constante nas regiões de mananciais Precisamos parar de insistir na tese dos e São Paulo é um grande exemplo, com as7% de remanescentes. O mote da ameaça de represas Billings e Guarapiranga, onde aindadestruição foi o que mobilizou e articulou as há desmatamento. Por isso, não dá para dizerpessoas e deu o sentido de urgência. No entan- que agora é só recuperação e implantação deto, temos processos extremamente positivos projetos de uso sustentável. Precisa haver uma
A luta pela preservação agenda que opere simultaneamente, mas é preservação de forma permanente quanto para importante se assinalar, reconhecer e divulgar se proteger o patrimônio genético. Além disso,184 que a luta pela Mata Atlântica é uma luta vi- as técnicas para produção de mudas evoluíram toriosa. Efetivamente saímos de um momento, muito nos últimos anos. Um grande desafio na década de 1980, em que a Mata Atlântica seria pegar extensas áreas, como o Vale do caminhava para a extinção. Agora o desafio é Paraíba, por exemplo, com solos abandonados uma agenda de recuperação e ampliação de e erodidos, e implementar programas regionais áreas em vários locais onde ela foi degradada de recuperação em grande escala. Isso porque e precisa ser recuperada. o grande problema das ações de recuperação de Mata Atlântica é sua pulverização. É muito Dentro desse quadro, difícil demonstrar o resultado. Se houvesse um qual é o papel da sociedade esforço de integração de organizações públicas civil, do governo, das ONGs e privadas, proprietários de áreas em regiões e das empresas? críticas, como o Vale do Paraíba e outras, poderíamos dar escala a essa ação e isso se Precisamos ainda criar unidades de con- transformaria em uma bola de neve, porque servação em áreas preciosas, que mereceriam quando você demonstra, cria possibilidade de estar sendo protegidas, tanto para garantir a sua replicação em outras regiões. Foto: Arquivo Apremavi 5º Encontro Nacional de Entidades Ambientalistas em Brasília, 1992
A voz coletiva da mata 185A voz coletiva da mata
A voz coletiva da mata Nas últimas décadas, dezenas de orga- A proposta partiu de um debate organizado nizações não-governamentais foram pela Fundação SOS Mata Atlântica com a parti-186 criadas, ao longo de todo o território na- cipação da Associação de Preservação do Meio cional, visando salvar e restaurar os remanescen- Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi), da Fórum tes de um bioma que presta serviços ambientais e Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Edu- Global na sociais para a maior parte da população brasileira. cação Ambiental (SPVS), da Sociedade Nordes- Aliás, se há ainda alguns remanescentes, é porque tina de Ecologia (SNE) e da Fundação Brasileira Rio – 92 a sociedade conta com esse segmento, que luta para a Conservação da Natureza (FBCN), dentro muito, bravamente, para proteger esses ambientes da programação do Fórum Global, evento simul- naturais. As organizações não-governamentais tâneo à Rio-92, o maior evento já realizado sobre ambientalistas batalham em vários campos – no a saúde do planeta. parlamento, na comunidade local –, tentando influenciar políticas nacionais e em espaços da Nesse debate, constatou-se que entidades lo- mídia pela preservação do segundo bioma mais cais necessitavam de informação e, principalmen- ameaçado do mundo, que só perde para as flores- te, de respaldo político para o desenvolvimento e tas de Madagascar. eficácia das suas ações. Em junho daquele ano, foi realizada a reunião de criação da Rede de ONGs Do Nordeste ao Sul do Brasil, as ONGs per- da Mata Atlântica. O encontro aconteceu no Fó- ceberam que seria muito mais eficiente e efetiva rum Global-92, com a participação de 46 ONGs. essa luta se tivesse uma organização que repre- Destas, 15 formaram a Comissão de Criação, sentasse todas elas, a fim de formar uma grande responsável pela elaboração do documento que teia de informação e de relações entre as entidades definiria a nova entidade. para fortalecer a defesa da Mata Atlântica. Foi durante a realização da Conferência das Nações O objetivo era tecer uma rede para a defesa, Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi- preservação e recuperação da Mata Atlântica, atra- mento (Rio-92), que o movimento ambientalista vés da promoção de intercâmbio de informações, da Mata Atlântica deu o passo decisivo na sua da mobilização, da ação política coordenada e organização e atuação nacional, com a criação de do apoio mútuo entre as ONGs e, dessa forma, sua rede. Surge assim, no fervor das discussões produzir o fortalecimento das ações locais e re- ambientais, nacionais e internacionais, a Rede de gionais das entidades filiadas. A rede foi criada ONGs da Mata Atlântica (RMA). para tentar apresentar soluções que as instituições individualmente não eram capazes de fornecer. Um ano depois, em 1993, na primeira reunião nacional da Rede, durante o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, a RMA contava com 30 entidades filiadas. Em 1994, esse número chegou a 118 ONGs. Hoje, com 300 instituições filiadas, entre organizações ambientalistas, socioambientais e de pesquisa, distribuídas nos 17 estados que se encontram no Domínio da Mata Atlântica, a Rede é vista como um coletivo legítimo e repre- sentativo.
Conquistas e Consolidação, o PDA beneficiou 56 projetos e A voz coletiva da mata no primeiro edital da PDA Mata Atlântica, já em Passados quase 14 anos desde sua fundação, 2005, foram contemplados 50 projetos. 187a Rede coleciona conquistas. Em nível nacional,a RMA atua monitorando e articulando interesses Outra grande reivindicação da Rede, conquis-junto ao P oder Executivo e ao Poder Legislativo, tada no ano 2000, foi a implantação, no Ministérioformulando propostas para aprimoramento da do Meio Ambiente, do Núcleo da Mata Atlântica,legislação e, facilitando e promovendo a parti- que já realizou várias ações em prol do bioma ecipação abrangente das entidades filiadas nas que está elaborando o Programa Mata Atlântica,políticas públicas do País que tenham influência com o objetivo de colocar a conservação da Matano bioma. Também atua na criação de programas Atlântica definitivamente na pauta dos váriosde apoio aos projetos e iniciativas desenvolvidos setores da sociedade brasileira.pelas instituições filiadas e no desenvolvimento demecanismos de participação social que permitam O processo de crescimento da RMA comoorientar as diretrizes e avaliar os resultados das organização nacional articuladora da luta para aações governamentais. defesa da Mata Atlântica também pode ser ilus- trado por sua intervenção em políticas públicas, Uma das maiores reivindicações da RMA no âmbito de representações em comissões ejá é realidade: a criação de programas voltados à conselhos voltados à discussão e à formulaçãoobtenção de recursos para as ONGs desenvolve- de políticas públicas que afetam direta ou indire-rem seus próprios projetos. Hoje isso é possível, tamente a Mata Atlântica.através do Subprograma de Projetos Demonstra-tivos (PDA), que foi criado em 1994, dentro do Os principais conselhos nos quais a RMAPrograma Piloto para a de Proteção das Florestas está representada são: Grupo de Trabalho daTropicais do Brasil (PPG7), inicialmente para Mata Atlântica no Ministério do Meio Ambiente,atender a Amazônia. Comissão Executiva do PDA, Comissão Nacional do Programa Nacional de Biodiversidade, Câma- Desde o início das discussões do PPG7, a so- ras Técnicas do Conselho Nacional de Recursosciedade civil, através da RMA, reivindicou maior Hídricos, Comissões de Coordenação Brasileiraatenção, por parte do Programa, às demandas do e Conjunta do Programa Piloto para a Conserva-bioma. Depois de muito debate, foi criado o PDA ção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7),Mata Atlântica que tem como objetivo apoiar Comissão Coordenadora do Programa Nacionalações de conservação, uso sustentável e monito- de Florestas (Conaflor), Conselho Nacional dasramento do bioma. Na sua etapa inicial, fases I, II Cidades, Conselho Nacional e Comitês Estaduais do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Foto: Bruno Maciel Mata Atlântica, Conselho do Projeto Corredores Ecológicos, dentre outros. Além disso, várias ins- tituições filiadas à Rede fazem parte do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Em suas ações, a RMA também prioriza parcerias com outras redes e coalizões, no sentido de fortificar ainda mais a atuação em defesa do meio ambiente. Têm se destacado as parcerias com o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), a Representantes da RMA na aprovação do PL Mata Atlântica na Câmara , em dezembro de 2003
A voz coletiva da mata188 Manifestação em prol do PL Mata Atlântica, Brasília, 2003 Rede Cerrado, a Rede Pantanal, a Coalizão Rios regras para enquadrar os degradadores, deu um Vivos, a Inter-redes, a Rede Brasileira de Educa- novo fôlego à floresta em perigo. Através de ção Ambiental e o Fórum Brasileiro de ONGs e resoluções do Conama, o Decreto 750/93 teve Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o regulamentações em 15 estados do bioma e ainda Desenvolvimento (FBOMS). continua em vigor. Articulação O Conama também tem sido palco de con- quistas importantes acompanhadas de perto pela É no âmbito das articulações que se trava RMA, como a aprovação da Resolução 240/1998, o que pode ser considerada a grande batalha da que suspendeu a exploração predatória da Mata Rede e que até se confunde com sua existência Atlântica no Sul da Bahia e a aprovação da Reso- – a luta por uma legislação de proteção específica lução 278/2001, que proibiu o manejo comercial para a Mata Atlântica. Já em 1993, a edição do de espécies da Mata Atlântica ameaçadas de extin- decreto 750 é um marco na história do bioma. O ção, e a aprovação das “Diretrizes para a Política decreto, assinado em 10 de fevereiro de 1993, que de Conservação e Desenvolvimento Sustentável dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão da Mata Atlântica”, em dezembro de 1998. de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, com A RMA assumiu como uma de suas prin- certeza impôs uma nova correlação de forças cipais metas o aperfeiçoamento da legislação com a frente de destruição, e, colocando novas que rege a defesa, a proteção e o uso sustentável do bioma. Desde 1992 tem se destacado como
interlocutora junto ao Congresso Nacional e ao vários avanços com relação ao Decreto 750/93, A voz coletiva da mataGoverno Federal nas negociações do Projeto de principalmente na área econômica e financeira,Lei nº 3.285/92, a Lei da Mata Atlântica. Esse prevendo inclusive a criação de um Fundo para 189Projeto de Lei regulamenta a Constituição Federal contemplar projetos de recuperação e conserva-no que diz respeito à conservação, proteção e uti- ção. Impede o corte da mata primária e vincula alização do Bioma Mata Atlântica e, após 11 anos exploração da mata secundária ao cumprimentode tramitação, no dia 3 de dezembro de 2003, foi de várias condições, a fim de proteger seus re-finalmente aprovado na Câmara dos Deputados. manescentes.E após mais três anos, foi aprovado no Senado nodia 14 de fevereiro de 2006. Ainda propõe uma visão moderna de conser- vação, oferece alternativas de desenvolvimento A Rede utilizou várias formas de mobilização sustentável e incentivos econômicos à proteção dapara que o projeto fosse aprovado. Aproveitou Mata Atlântica. Cria incentivos financeiros paraa Campanha Desmatamento Zero, iniciada em restauração dos ecossistemas, estimula doações1998, que entregou 300 mil assinaturas à Câmara da iniciativa privada para projetos de conserva-dos Deputados. A campanha foi respaldada com os ção e diferencia produtos explorados de formadados do Atlas da Evolução dos Remanescentes sustentável.Florestais e Ecossistemas no período de 1990 –1995, produzido pela Fundação SOS Mata Atlân- O Dia Nacional da Mata Atlântica, 27 detica, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto maio, instituído por decreto presidencial, tem sidoNacional de Pesquisas Espaciais (INPE). a cada ano uma data para comemorar as grandes conquistas, mas também um dia para lembrar que A Lei da Mata Atlântica é muito importante, a Mata Atlântica continua ameaçada e que aindaporque é fundamental para a implantação de di- vai precisar de muitas ações em prol de sua defesaretrizes e políticas de proteção e recuperação da e proteção.Mata Atlântica. Ela traz inúmeros pontos favorá-veis à recuperação de áreas em regeneração e à Casos emblemáticosproteção do que ainda existe de Mata Atlântica eseus ecossistemas associados. Casos como o da Estrada do Colono, no Par- que Nacional de Iguaçu (PR), em 2001, que aca- Entre os avanços, define e regulamenta os bou com um desfecho feliz para os ambientalistascritérios para uso e proteção do bioma e apresenta Encontro Nacional da RMA, São Paulo, 2002
A voz coletiva da mata Manifestação pelo PL Mata Atlântica no Senado, tura (criação de camarão marinho em cativeiro), Brasília, 2003 a Rede também se mobilizou. Levou o assunto para o Conama, que aprovou uma proposta para a e a floresta, mas também como o da construção realização de seminário nacional sobre o assunto. da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, que teve Naquela época, a atividade realizada em áreas um desfecho trágico, não deixam a RMA esquecer de maguezais e outros ecossistemas costeiros de seus objetivos e que ainda há muito a fazer. Só não dispunha de regras para o licenciamento am- para listar, alguns exemplos. biental. Até que, em outubro de 2002, a atividade foi regulamentada. Agora, criadores que usarem A RMA sempre utilizou muito a sua capaci- áreas acima de 50 ha terão de realizar Estudo de dade de mobilização para tentar barrar projetos Impacto Ambiental. ambientalmente insustentáveis. Manifestou-se contra o projeto de Transposição do Rio São Fran- Outra ameaça são os constantes ataques ao cisco. Para a Rede, a iniciativa não vai minimizar Código Florestal. A última grande tentativa foi as enormes carências dos habitantes por onde feita durante o governo FHC e mobilizou todo o passa o rio e muito menos revitalizá-lo.190 O projeto da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, obra que a Companhia Brasileira de Alu- movimento ambientalista. Os ruralistas queriam RMA na mínio (CBA) pretende instalar na calha do Rio maior flexibilidade para diminuir as Áreas de Reunião do Ribeira de Iguape, entre os municípios de Ribeira Reserva Legal e de Preservação Permanente de Conama, em (SP) e Adrianópolis (PR), é altamente contestada suas propriedades. No final de 1999, foi colocado Campos do pela Rede. Foi projetada na década de 1980 e, na pauta do Congresso o Projeto de Lei de Con- Jordão, 2005 depois do processo ter ficado parado por força de versão de Medida Provisória 1885-42, elaborado uma ação judicial, os empreendedores entraram por deputados da bancada ruralista, para que fosse com um novo pedido de licenciamento. permitida a derrubada de mata nessas áreas. Tijuco Alto é uma das quatro barragens Diante de ampla mobilização nacional, in- previstas para o rio. Se construídas, Tijuco Alto, cluindo a da Rede, o projeto foi retirado de pauta Funil, Itaoca e Batatal irão inundar uma área de e a Câmara Técnica Temporária do Conama ficou cerca de 11 mil ha, incluindo parques nos estados de São Paulo e Paraná, parte de cidades e áreas de comunidades de remanescentes de quilombos. Além disso, o Ribeira de Iguape deixará de ser o último rio não barrado no Estado de São Paulo. Diante de denúncias sobre os problemas ambientais e sociais que envolvem a carcinicul-
Manifestação noEncontro Nacional da RMA, Campos do Jordão, 2005responsável pela elaboração de outra proposta. está tendo resultados mais positivos. Depois de A voz coletiva da mataEssa foi construída a partir de processo dinâmico e muitos debates, em fevereiro de 2003, o Conamaparticipativo, envolvendo audiências públicas em aprovou a Resolução 240/98, que suspendeu a 19118 estados brasileiros, sendo finalmente aprovada exploração de madeira nativa em área de Mataem plenária do Conama, em 29 de março de 2000, Atlântica em todo o estado da Bahia. Em dezem-e encaminhada ao Congresso, onde posteriormen- bro de 2002, o transporte de madeira da Bahia foite teve medida provisória editada que continua suspenso por ordem da justiça federal. O Ibamaem vigor. está impedido de emitir Autorizações de Transpor- te de Produto Florestal (ATPF). A decisão decorre A RMA integra a Campanha SOS Florestas, de processo judicial movido pela Rede e peloque mantém vigilância constante às tentativas de Gambá, com o apoio do Instituto Socioambiental,mudanças da legislação ambiental. Outro traba- contra o Ibama.lho importante que a RMA vem desenvolvendoé o acompanhamento das discussões no Conama Outra ação muito importante está sendosobre a proposta de Resolução que regulamenta movida em Santa Catarina. Entre 1998 e 1999,as exceções de intervenção e supressão de vege- o Ibama de Santa Catarina, autorizou o cortetação em áreas de preservação permanente para de mais de 230 mil metros cúbicos de madeira,mineração e outras atividades. Estas discussões correspondente a 59.455 árvores de araucária,são extremamente importantes em se tratando de imbuia, angico, canela-preta, canela-sassafrás eMata Atlântica. cabriúva, todas elas na lista de espécies ameaçadas de extinção, elaborada pelo próprio Ibama. Com Em setembro de 2004, a RMA entrou com o apoio da RMA, o ISA propôs uma ação civiluma ação civil pública em conjunto com a Federa- pública, em dezembro de 2000, que mantém emção de Entidades Ecologistas Catarinenses contra vigor até hoje uma liminar proibindo a conces-a finalização da construção da Usina Hidrelétrica são de autorização para planos de manejo parade Barra Grande, na divisa de Santa Catarina e Rio a exploração de espécies ameaçadas de extinçãoGrande do Sul. A usina construída no Rio Pelotas de toda a Mata Atlântica, não somente em Santaé uma obra de grande porte, realizada com basenum Estudo de Impacto Ambiental fraudado, queomitiu a existência de cerca de 6.000 hectaresde florestas de araucária, primárias e em estágioavançado de regeneração. Além disso, omitiu queseria extinta da natureza uma espécie de broméliajá ameaçada de extinção, a Dyckia distachya.Apesar de toda a mobilização, o poder econômicofalou mais alto e a usina, que conseguiu a licençapara operação em junho de 2005, inundou a flo-resta e extinguiu a bromélia da natureza. Mesmocom essa derrota para o meio ambiente, a Redeconsidera que essa ação é um ícone de mobiliza-ção e um marco para os futuros licenciamentos,ou seja, antes e depois de Barra Grande. Já a luta pela Mata Atlântica do Sul da Bahia
Catarina.A voz coletiva da mata Carta de Tamandaré Outra frente importante de trabalho tem sido Semana o apoio à criação de unidades de conservação. da Mata Também no âmbito da fiscalização, a Rede Vários parques e reservas foram defendidos pela Atlântica, tem se esforçado para conseguir avanços. Depois RMA. Eis os casos mais emblemáticos. Joinville–SC, de vários anos tentando, finalmente em julho de 2002 2003, o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente e a Uma das ações mais marcantes foi o fecha-192 Rede firmaram uma agenda conjunta para proteger mento da Estrada do Colono, no Parque Nacional o bioma. O acordo inédito, firmado em Tamandaré do Iguaçu (PR). O caminho havia sido reaberto (PE), é uma proposta de atuação para prevenir e de forma ilegal por moradores de municípios combater crimes ambientais e ainda garantir a próximos ao parque. Os 18 quilômetros que participação e o controle da sociedade nas ações atravessam a unidade de conservação em sua área do governo. É a chamada Carta de Tamandaré, intangível, permitiriam a circulação de veículos. que contém 13 itens com compromissos das par- Dessa forma, a integridade dos 185 mil hectares tes, fixando ações e prazos para a realização de do parque, criado em 1939, estaria sendo afetada. atividades voltadas à fiscalização conjunta dos A estrada foi fechada no dia 14 de junho de 2001, remanescentes. após uma grande mobilização da RMA e da Rede Verde do Paraná. A contribuição do movimento ambientalista tem sido fundamental para as mudanças, tanto da O Parque Nacional da Serra da Bodoquena opinião pública quanto de setores governamentais, (MS) também foi instituído com a colaboração os quais passaram a dedicar maior atenção para da Rede. A RMA participou de audiência pública, a proteção da Mata Atlântica. Isso já se refletiu recolheu assinaturas e participou de manifesta- na queda dos índices de desmatamento na última ção em Campo Grande, durante o VI Encontro década do século XX. Mesmo assim, entre 1990 e Nacional da Mata Atlântica. A Rede ainda parti- 1995, mais de 500.000 ha de Mata Atlântica foram cipou da articulação para a criação dos parques destruídos para dar lugar à expansão das cidades, nacionais do Pau Brasil e do Descobrimento, no assentamentos de reforma agrária, pecuária, plan- Sul da Bahia. tio de pinus e eucaliptos e para fornecer lenha para a secagem de fumo. Esse desmatamento Outra vitória foi a criação do Parque Na- foi proporcionalmente três vezes maior do que o cional da Serra do Itajaí em Santa Catarina, que verificado na Amazônia no mesmo período. Neste foi decretado em junho de 2004, mas efetivado início do terceiro milênio, os índices de desma- somente em março de 2005, por conta de uma tamento na Mata Atlântica estão em queda, mas decisão judicial que, em setembro de 2004, havia ainda persistem atividades madeireiras predató- suspendido os efeitos do decreto. Foi realizada rias em alguns estados, principalmente na Bahia, uma grande campanha através da Internet para Paraná e Santa Catarina. Por isso programas de fiscalização e monitoramento que envolvem diretamente a participação da sociedade são tão importantes. Unidades de conservação
que a decisão judicial finalmente caísse. Desde julho de 1999, a Rede tem um escritório A voz coletiva da mata Em setembro de 2003, a RMA lança da em Brasília, que a partir de 2003 abriga também a secretaria executiva. 193 Campanha SOS Araucárias, reivindicando que o governo federal acelerasse a implantação de A localização do escritório na Capital Federal medidas visando proteger os últimos fragmentos permite o acompanhamento das políticas da Mata da floresta com araucárias, um dos ecossistemas Atlântica e uma maior interlocução com os diver- mais ameaçados da Mata Atlântica, com menos sos ministérios, em especial o do meio ambiente, de 3% de sua cobertura original. o Banco Mundial, o Congresso Nacional e outras organizações. Também possibilita a obtenção de Na Semana da Mata Atlântica em 2005, o informações e a articulação com instâncias de governo federal anunciou que criará oito novas decisão do País. áreas protegidas, voltadas à conservação desta floresta em Santa Catarina e no Paraná. A Rede A Secretaria Executiva também coordena e participou ativamente de todas as etapas do pro- executa as demandas determinadas pela Coor- cesso. Em outubro de 2005, duas delas já haviam denação e as organizações filiadas. A instância sido criadas em Santa Catarina: o Parque Nacional máxima da RMA é a Assembléia Geral, que das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata reúne as filiadas nas tomadas de decisão política Preta, faltando ainda uma APA em Santa Catarina e institucional. A Rede conta com um Conselho e mais cinco outras UCs no Paraná. de Coordenação Nacional formado por repre- sentantes de três regiões brasileiras. Cada umaCoordenação Estrutura delas (Sul, Sudeste e Nordeste) tem três titularesda RMA eleita e três suplentes, seis em cada região. Sua atuação Para participar de tantas instâncias, a RMA política é descentralizada, sendo que cada estado em maio de foi obrigada a se estruturar melhor. Durante os conta com uma instituição que serve de “elo” para 2005, em seus cinco primeiros anos, o escritório esteve se- organização de atividades locais e da Rede nos estados. Ainda dispõe de um conselho fiscal que Campos do avalia e chancela a contabilidade. Jordão Até 1997, a Rede contou apenas com o apoio diado na Fundação SOS Mata Atlântica, em São e trabalho voluntários. Com os recursos do PPG7 (via PDA), o projeto de reforço institucional foi Paulo. Posteriormente foi transferido para a sede viabilizado, permitindo que a RMA criasse uma estrutura mínima. O projeto possibilitou as con- do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), de dições técnicas e institucionais para que a RMA pudesse dar continuidade e ampliar suas ativida- 1997 a 2001, e de lá para a Associação Mineira des e ações estratégicas de proteção e recuperação do Bioma Mata Atlântica. de Defesa do Ambiente (Amda), de 2001 a 2003. Plano estratégico Hoje a RMA vem executando a parte II do Projeto de Apoio Institucional, com recursos do PPG7, através de um acordo com o Banco Mun- dial iniciado em 2001. Através desse projeto está
A voz coletiva da mata Coordenadores gerais da RMA, de 1992 a 2006: João Capobianco, Renato Cunha e Míriam Prochnow194 sendo possível implementar as ações previstas no Os focos e as metas dos GTs são: Plano Estratégico 2004-2007, cuja elaboração só 1 - Áreas de Preservação Permanente (APPs) foi possível com o apoio das instituições filiadas, e Reserva Legal (RL) – Apóia a formulação de que discutiram seu papel, suas competências, políticas e ações de agentes privados, para que desafios e fragilidades, assim como o cenário de ampliem a conservação, a preservação e a recu- políticas públicas para a Mata Atlântica no País. peração dessas áreas. O planejamento estratégico aprovou também O GT de APPs e RL já realizou duas ofici- um plano de captação de recursos onde estão nas elencando atividades prioritárias tais como a previstas várias atividades com o objetivo de realização de um diagnóstico junto às instituições diversificar a entrada de recursos e, com isso, a filiadas, para saber quais delas trabalham efeti- sustentabilidade da RMA. vamente com o tema e como as experiências de- senvolvidas podem ser transmitidas e difundidas Para garantir a participação das entidades para todos. A edição de um material explicativo filiadas na implementação do plano estratégico, contendo toda a legislação a respeito do tema tam- foram constituídos três grupos temáticos (GTs) bém será objeto de trabalho do GT,como forma sobre focos específicos. Eles funcionam por meio de assegurar o trabalho de acompanhamento das de listas de discussão eletrônica e realização de ações desenvolvidas pelas ONGs. oficinas de trabalho. Ainda orientam as ações estratégicas e visitas a campo para verificação da Na atuação para influenciar políticas públi- implementação das ações. cas será priorizada a legislação ambiental, com interfaces junto ao gerenciamento costeiro, ao Cada um desses grupos de trabalho tem Estatuto das Cidades e à Política Florestal. Além incumbência de articular ações de articulação, disso, é importante a integração com programas monitoramento de propostas, mobilização local, já existentes, como os corredores ecológicos, o campanhas, captação e mobilização de recursos, turismo ecológico e rural, os assentamentos rurais, marketing, entre outras. a agricultura familiar e a restauração florestal. Os GTs são espaços de proposição onde são Ações diretas, como a divulgação de infor- discutidas e formuladas análises e propostas de mações precisas sobre APPs e RL para os atores intervenção em relação ao tema em debate. Os sociais e políticos, o levantamento de projetos de GTs são formados por membros de organizações pequenas centrais hidrelétricas que comprometam filiadas à RMA, sendo que cada um conta com a Mata Atlântica e a vinculação da concessão de pelo menos um coordenador.
Reunião da RMA – Região Nordeste , 2005 esse objetivo realmente está sendo alcançado, a A voz coletiva da mata RMA definiu indicadores, dos quais apresentamosfinanciamento e fomento dos setores público e alguns exemplos: 195privado para as atividades produtivas em proprie- • A mpliação da certificação socioambiental dedades rurais para a recuperação de APPs e RL,também serão implementadas. iniciativas e empreendimentos no bioma. • A mpliação da adoção de conceitos e práticas 2 - Atividades Sustentáveis e ConsumoConsciente – Promove a disseminação e a va- da produção sustentável nas regiões prioritáriaslorização de iniciativas que gerem a produção para a conservação do bioma por parte de insti-e o consumo consciente e sustentável, como tuições públicas e privadas.agroecologia, manejo agroflorestal, ecoturismo • C ritérios para certificações florestal e agrícola noe econegócios. bioma, elaborados e sendo aplicados em projetos públicos e privados. A importância desse foco estratégico para • G rupos organizados de consumidores que disse-a proteção da Mata Atlântica está na percepção minam informações sobre produtos sustentáveisde que, além dos instrumentos clássicos de pro- e apontam produtos que prejudicam, em algumateção como as áreas protegidas e a fiscalização posição da cadeia produtiva, a Mata Atlântica.e controle da observação das leis ambientais, o • Público-alvo ativamente envolvido em campa-uso sustentável dos recursos naturais, ou seja, nhas de consumo consciente referente à Mata“atividades sustentáveis” e o consumo consciente Atlântica.- que procura evitar a compra de produtos que dealguma forma podem estar prejudicando a Mata As metas iniciais para os dois primeiros anosAtlântica -, são instrumentos poderosos e pro- são: formular as bases conceituais e políticas dapositivos, que podem dar uma contribuição vital atuação da RMA no tema; e gerar e pactuar umpara a proteção e recuperação da Mata Atlântica conjunto de critérios básicos indicativos de ativi-nos próximos anos. dades sustentáveis na Mata Atlântica a partir de experiências existentes. O objetivo estratégico é promover a dissemi- 3 - Unidades de Conservação – Tem como objeti-nação e a valorização de iniciativas de produção vo propor e acompanhar a criação e a implantaçãoe consumo sustentáveis como um dos pilares da de unidades de conservação, a fim de protegerconservação da Mata Atlântica. Para verificar se parcela representativa dos diversos ecossistemas da Mata Atlântica, com a participação da comu- nidade local e agentes gestores. As ações prioritárias são: • E laborar uma proposta de posicionamento fren- te a questão das sobreposições de unidades de conservação e terras indígenas. • B uscar junto ao governo federal a adoção de mecanismos transparentes para a aplicação das medidas compensatórias de obras de impacto. • Fazer a articulação necessária com os outros setores da sociedade que trabalham com áreas protegidas.
A voz coletiva da mata RMA participando de consulta pública para criação de unidades de conservação196 • C riar canais de interlocução interna para realizar requer atuação intensa, permanente e renovada, de a disseminação das atividades exitosas realiza- acompanhamento, monitoramento e intervenção, das pelas ONGs filiadas à Rede. de modo a consolidar os avanços e criar novos espaços e mecanismos capazes de impedir os • P rotagonizar campanhas em prol da criação e potenciais retrocessos. da implementação de unidades de conservação na Mata Atlântica. Embora as condições para a construção e A RMA tem muito trabalho pela frente em consolidação de mecanismos de participação nas políticas públicas sejam bem melhores nos busca de seus objetivos centrais: a conservação da últimos tempos, o desafio da qualificação desta Mata Atlântica e uma melhor qualidade de vida participação se revela estratégico para o futuro. para a população que mora nela. Os próximos Afinal, a RMA trabalha na floresta onde moram anos serão dedicados à execução de atividades mais de 120 milhões de brasileiros. que visem à aprovação, à regulamentação e à implementação da Lei da Mata Atlântica. Além Betsey Whitaker Neal, secretária executiva da disso, a Rede está empenhada na captação de RMA até abril de 2005; Miriam Prochnow é recursos para projetos de proteção e recuperação pedagoga, especialista em Ecologia e coordena- de áreas, de uso sustentável e consumo consciente dora geral da RMA; e Silvia Franz Marcuzzo e, ainda, a criação e implementação de Unidades é jornalista e assessora de comunicação da de Conservação. RMA. O horizonte descortina cada vez mais a valo- ração ambiental, através de debates e iniciativas de mercado e consumo sustentável, economia ecológica e certificação. Diante desse cenário, a RMA identifica um quadro de possibilidades que
O que ainda ameaça 197 O que aindaameaça
O que ainda ameaça Há importantes lacunas para que a Mata todas as instâncias de governo (federal, estadual Atlântica, no médio prazo, volte a ocu- e municipal), organizações da sociedade civil e198 par pelo menos 30% a 35% de sua área ministérios públicos, num mutirão nacional pela original. Esse percentual, além de ser um percen- recuperação das APPs e reservas legais. tual mundialmente reconhecido como ideal para cada ecossistema ou bioma, está perfeitamente Há ainda lacunas no que concerne à capaci- em sintonia com o que já está previsto na le- dade operacional de instâncias responsáveis pela gislação federal, ou seja, pelo Código Florestal proteção e fiscalização da Mata Atlântica, bem cada propriedade deve manter 20% de reserva como interpretações diferenciadas da legislação legal mais as áreas de preservação permanente. sobre licenciamento, fiscalização e controle, fatos Some-se a isso, as unidades de conservação que contribuem para a ocorrência de desmatamen- previstas no Sistema Nacional de Unidades de tos e exploração ilegal de espécies ameaçadas Conservação (SNUC) e que deveriam abranger de extinção e até na concessão de autorizações entre 10% e 12% da área do bioma, percentual indevidas para supressão de remanescentes de mundialmente aceito. Mata Atlântica. O baixo percentual de áreas protegidas em Essas brechas são o espaço perfeito para forma de unidades de conservação é hoje uma das que atividades econômicas continuem a ser principais lacunas. Apenas aproximadamente 3% ameaças ao bioma, como os assentamentos rurais, da área original do bioma está protegido em uni- a carcinicultura, a especulação imobiliária, a ex- dades de conservação. Para agravar o problema, ploração madeireira, a fumicultura e agricultura estes 3% não estão uniformemente distribuídos insustentável, o manejo de espécies ameaçadas, a entre as diversas formações florestais e ecossiste- mineração, o plantio de exóticas, as sobreposições mas associados, fato que torna ainda mais urgente de unidades de conservação e territórios de popu- as medidas para criação e implantação de novas lações tradicionais e o tráfico de animais. unidades de conservação. O fortalecimento e consolidação das instân- Outra lacuna decorre do descumprimento cias governamentais e não-governamentais que do Código Florestal (Lei 4771/65) no que diz atuam na defesa, conservação e recuperação da respeito à manutenção dos 20% de reserva legal Mata Atlântica, juntamente com o aumento da em cada propriedade e das áreas de preservação conscientização e vigilância de toda a sociedade, permanente. Nesse caso será necessário envolver são caminhos para preservar o que resta e recu- os setores agrícolas e florestais e o empenho de perar a Mata Atlântica. Exploração irregular de araucária, Santa Catarina, 2003
Especulação Imobiliária solo e a implantação de novas residências não le- O que ainda ameaça vam em conta o gerenciamento de áreas de risco, o A especulação imobiliária no Domínio da tratamento de esgoto, a destinação final do lixo ou 199Mata Atlântica constitui-se de diferentes vetores mesmo o respeito à identidade cultural local e a ne-de pressão antrópica sobre áreas naturais, da cessidade de preservação dos recursos naturais.construção de loteamentos de alto luxo em áreasde beleza natural reconhecida, passando pela Com a balneabilidade das praias cada vezocupação de áreas lindeiras, várzeas e morros pela mais comprometidas pela descarga de esgoto inpopulação de baixa renda – em geral empregada natura, as cidades costeiras com vocação para ona construção dos novos empreendimentos ou nos turismo são um exemplo acabado dos impactosnegócios por eles fomentados -, até a expansão provocados pelo mercado imobiliário. A constru-urbana sobre áreas de preservação e de manan- ção de casas de veraneio, por parte da sociedadeciais, cercados pelas ocupações clandestinas que que sonha com a segunda residência em um locallevam ao processo de favelização nas periferias privilegiado, acarreta no histórico processo dedas grandes cidades. expansão urbana sem condições sociais adequa- das. A maioria desses loteamentos ocupa áreas de Regiões onde a cobertura florestal se man- restinga, mangues, costões ou trechos cobertosteve preservada, trechos da zona costeira, áreas por mata nativa. Além do impacto direto sobre anaturais de grande beleza cênica, terras de popu- natureza, a mão-de-obra contratada para a cons-lações tradicionais como caiçaras, quilombolas trução acaba se concentrando ao longo de riachosou comunidades extrativistas costumam ser os e morros no entorno dos loteamentos, dentro dealvos mais freqüentes da especulação imobiliária áreas de preservação permanente ou até mesmorepresentada por grandes incorporadoras, que em unidades de conservação, como no Parquevêem aí oportunidades de negócio. Além do perfil Estadual da Serra do Mar, sem qualquer serviçoambiental, são causas da especulação imobiliária: de infra-estrutura.a fixação de indústrias e empresas de grande porte;o potencial de emprego trazido pelo crescimento O crescimento desordenado trazido pelo tu-do turismo, em geral desordenado; e a abertura rismo pode ser observado em números do Litoralde estradas que influenciam na desfiguração da Norte de São Paulo: ali, a população fixa que é depaisagem regional, entre outros aspectos. cerca de 180 mil habitantes, cresce para mais de um milhão de turistas nas épocas de temporada, A ameaça sobre a Mata Atlântica é direta, entre janeiro e fevereiro.principalmente quando as formas de ocupação do Loteamento irregular na Região Metropolitana de São Paulo
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