O problema na prática200O que ainda ameaçaLoteamento de luxo bre os ecossistemas de restinga e a fauna e a flora locais. A pressão das organizações Foto: Nelson WendelPela BR-101, entre Bertioga e São Se-da sociedade civil contra o loteamento, bastião, em São Paulo, o loteamento Riviera principalmente da ONG Coletiva Alternativa de São Lourenço é um caso representativo do Verde (Cave), cresceu e o caso chegou ao processo de ocupação imobiliária impondo-se Ministério Público na forma de uma Ação Civil sobre os recursos naturais. O empreendimen- Pública que previa o cancelamento parcial do to foi construído na década de 1980 sobre registro do loteador. uma das principais áreas ainda intocadas de restinga no Estado de São Paulo. Mesmo Após anos de mobilização, o Superior investindo em cuidados antes ignorados por Tribunal de Justiça concedeu liminar para outros empreendimentos desse tipo, como determinar o embargo judicial de toda obra, saneamento básico, o condomínio de classe serviço ou atividade de alteração, modifica- média alta, causou um grande desmatamento ção ou supressão dos recursos naturais nes- para abertura de vias, construção de casas, sa área sob pena de multa diária de dez mil prédios e shopping center. reais. O empreendedor entrou com recurso pedindo a suspensão da liminar, alegando A expansão do Riviera de São Lourenço a inexistência de leis que inibam o uso da para o dobro da área original construída foi propriedade privada. Em 2004, o empreen- autorizada pelo Ibama na década de 1990, dedor venceu a ação e conseguiu regularizar fazendo crescer ainda mais as ameaças so- a instalação da obra na área de restinga. Construção irregular em Itapema – SC
Manejo de espéciesameaçadas*É lugar corrente na inteligêncianacional que nenhum país pode prescin-dir dos recursos oriundos das florestaspara seu desenvolvimento econômico esocial. A mesma inteligência diz que aexploração predatória e exagerada dosrecursos naturais gera desequilíbrios detoda ordem. Não obstante, nos últimoscem anos, com o advento da industria- Plano de manejo irregular, em Ponte O que ainda ameaçalização e da expansão populacional Serrada – SC, 2003desmedida, a abusiva exploração dosrecursos florestais na Mata Atlântica atinge con- naturais, como condição para o desenvolvimentotornos catastróficos. É quando praticamente toda econômico e social, é ainda a regra. Mesmo espé-a extensão da floresta já mostra sinais de extremo cies ameaçadas de extinção não são poupadas. Aocomprometimento que surge o recurso retórico do contrário, parece haver uma predileção toda espe- 201manejo florestal sustentável. cial por elas e, com a falta de criatividade reinante,O chamado manejo florestal sustentado com ressurge o argumento de que sem a possibilidadefreqüência incorpora na sua própria definição de exploração essas espécies desaparecerão.técnica a lógica produtivista do capital, estabe- Muitas delas, na prática, já desapareceram. Paralecendo-se portanto, numa base eminentemente ilustrar transcrevemos na íntegra um trecho dessautilitarista e humana. A floresta é tão somente tese apresentada no Seminário sobre o Manejoo cenário, onde se desenrola uma seqüência de Sustentável da Araucária e do Xaxim, da Comis-atos associados à “explotação” cíclica dos “juros” são de Turismo e Meio Ambiente da Assembléiaflorestais, à pretensa manutenção do “estoque” e à Legislativa do Estado de Santa Catarina, em 11retirada periódica do “incremento”. De cenário, a de setembro de 2005:floresta passa a ser reduzida a “almoxarifado”. “Não é justo penalizar aqueles queA abstração chega a atingir níveis de insani- preservaram ou compraram áreas comdade, a ponto de ainda persistirem defensores da araucárias, xaxim e outras espéciesexploração madeireira nos remanescentes flores- florestais, proibindo-os de EXPLOTARtais naturais, usando o argumento de que somente parte desses recursos, para sua própriacom a intervenção humana essas florestas terão sobrevivência. Só através dos MANE-futuro, já que elas não conseguem sobreviver sem JOS dos recursos naturais renováveis,o homem, que lembram bem, também faz parte de áreas nativas remanescentes é queda natureza. poderemos encontrar a PAZ e o equi-Ainda que tenhamos uma sociedade que já líbrio socioeconômico no campo. Aoadministra um considerável prejuízo decorrente contrário permanecendo a proibiçãodos efeitos da degradação florestal, a tese do ma- através de LEIS ou LIMINARES, au-nejo dos recursos madeireiros em remanescentes mentaremos ainda mais os bolsões de POBREZA e desarmonia social.”
O que ainda ameaça202 Desmatamento irregular de floresta com araucária – SC, 2005 O esgotamento dos recursos florestais da técnico-científica mínima para a sustentabilida- Mata Atlântica favoreceu a introdução de culti- de do manejo florestal na Mata Atlântica é hoje vos florestais homogêneos de espécies exóticas. formalmente reconhecida. Pelo menos para a Nessas florestas plantadas muito se investiu, exploração de espécies ameaçadas de extinção, tanto em pesquisa quanto em incentivos para coincidentemente aquelas mais manejadas, existe implantação. Nelas se assentava uma prodigiosa uma decisão liminar do Poder Judiciário e uma e próspera indústria. Por isso, mesmo depois de Resolução do Conama (278/01), que condicionam abrir todo o “espaço” possível na Mata Atlântica, à liberação do manejo a apresentação da referida o saber nacional se voltou para o aprimoramento base técnico-científica. Não há e tampouco pode- do manejo de florestas homogêneas exóticas, a ríamos imaginar que esse embasamento surgisse antítese da profusão de biodiversidade da floresta assim repentinamente. Em termos comparativos, original. Não bastasse, os escassos remanescentes as pesquisas com eucaliptos no Brasil se estendem naturais atuais da Mata Atlântica são ainda objeto por quase um século, recebendo aportes e incen- da cobiça, sustentada por discursos que mesclam tivos os mais diversos, ao passo que ainda não demagogia barata com tecnocracia arrogante. sabemos, por exemplo, quem poliniza a canela- preta, ou ainda quais os dispersores das sementes As técnicas de manejo, desenvolvidas ao do sassafrás, o incremento médio anual da imbuia. extremo nos plantios homogêneos, são também Poderíamos nos estender por uma centena de facilmente transportadas para um irresponsável questionamentos, todos sem respostas. No ilusio- e inconseqüente discurso de sustentabilidade na nismo do manejo florestal dos remanescentes da exploração madeireira de espécies desconhe- Mata Atlântica, manipula-se o desconhecido. cidas, agonizando em remanescentes naturais diminutos e isolados. A inexistência de uma base
Exploração de araucária em Turvo – PR, 1995 O que ainda ameaça O Estado comprometido e conivente, aliás, sequer vê a árvore, apenas percebe a 203afinal é ele uma criação humana, essa que é madeira. Mais assustador é ainda presenciar aa mais prejudicial das espécies invasoras da pressão para a supressão dos espaços da MataMata Atlântica, perambula na letargia de uma Atlântica para abrir caminho para a moderni-burocracia repleta de boas intenções. O Estado, dade, traduzida pelos plantios de soja, pínusmais do que o homem, não enxerga a floresta, ou eucaliptos. Madeira ilegal de araucária, em Bituruna – PR, 1995
O problema na práticaO que ainda ameaça Perda da variabilidade pela informalidade. É comum os planos de genética da araucária manejo cortarem mais do que o autorizado, devido à falta de fiscalização. Além disso, a Segundo levantamento realizado pelo análise qualitativa dos planos de manejo são Grupo Pau Campeche, entidade ambienta- tecnicamente frágeis, pois não inserem nada lista de Santa Catarina, o Ibama autorizou referente à proteção da espécie, apenas limi- somente neste Estado, entre 1997 e 1999, 86 tam a 40% o volume a ser explorado. planos de manejo e 63 requisições de corte seletivo da araucária, totalizando um volume Outro trabalho realizado pela Universi- de 233.402 m3 de madeira, ou quase 60 mil dade Federal de Santa Catarina, comparando pinheiros cortados, em três anos. Na prática, os remanescentes primários de floresta com esse valor corresponde a apenas um terço araucária com as áreas exploradas, mostrou do desmatamento, pois o setor é marcado uma perda de mais de 50% na variabilidade genética dessas últimas.204 O manejo florestal na Mata Atlântica procura Exploração fechar um ciclo de destruição, consciente, cal- ilegal ameaça culado, porém desastroso. Repetimos a história; variabilidade aquela de exploração e destruição. Destruir flo- genética das restas não é desumano, é essencialmente humano. espécies As perspectivas positivas na Mata Atlântica são escassas. É preciso refletir sobre a situação, bus- *João de Deus Medeiros é botânico do Depar- cando proteger essa floresta do homem. Ele que tamento de Botânica (CCB-UFSC) e do Grupo nunca teve a menor habilidade com a floresta, Pau-Campeche não mostra também maior sensibilidade com os remanescentes da Mata Atlântica. Não existe educação, ciência, manejo ou tecnologia capaz de salvar a Mata Atlântica, enquanto mantivermos essa equivocada e arrogante percepção de “desen- volvimento” como sinônimo de ocupação, uso e abuso. Para o pouco que sobrou da Mata Atlântica precisamos ainda aprender a enxergá-la.
Exploração madeireira* na Bahia, em especial quanto à sustentabilidade O que ainda ameaça dos Planos de Manejo Florestal de Rendimento A exploração das florestas do sul e extremo Sustentável (PMFS). 205sul da Bahia remonta ao início da colonização doBrasil. Entretanto, durante os primeiros quatro A floresta ombrófila densa e algumas áreas deséculos e meio, os impactos ambientais causados transição para a floresta estacional semi-decidualforam de menor amplitude se comparados com a no sul da Bahia continuam sendo objeto de devas-devastação dos últimos 30 anos. Desde a abertu- tação paulatina, em intensidade variável conformera da BR-101, na década de 1970, e de rodovias a demanda de madeira nativa, a capacidade deestaduais, como a BA-001, as madeireiras vêm fiscalização dos órgãos públicos, a correlação deavançando sobre as florestas da região, deixando forças políticas e a conjuntura socioeconômicapara trás um rastro de destruição ambiental. Se regional, dentre outros fatores.por um lado não podem ser consideradas as úni-cas responsáveis pela degradação que enfrenta a Em abril de 1998, após intenso debate entreregião, não há dúvidas que são a base e o princípio a sociedade civil, através da Rede de ONGs dade um processo que coloca em situação crítica um Mata Atlântica, governo da Bahia, Ibama e MMA,dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Cona-endemismo do mundo. ma) aprovou a Resolução 240/98, que suspendeu a exploração madeireira até a apresentação de Desde a publicação do Decreto 750/93, que estudos comprovando a sustentabilidade dessadispõe sobre a proteção e o uso sustentável da atividade. Esses estudos jamais foram realizadosMata Atlântica, diversas instituições públicas e de forma a atender o que foi preconizado. Com ada sociedade civil vêm externando suas preocu- intensa pressão dos madeireiros sobre os governospações quanto à exploração da Mata Atlântica estadual e federal, as exigências foram flexibi- lizadas, gerando a Resolução Conama 248/99,Desmatamento ainda ameaça a Mata Atlântica
O que ainda ameaça que determinou, entre outros, estudos sobre o As serrarias existentes funcionavam ilegalmente, Corte ilegal estoque das espécies comerciais e o mapeamento todas sem licenças ambientais e operando com de cedro atualizado dos remanescentes, assim como esta- espécies nativas de origem ilegal.206 beleceu uma série de exigências para o caso de novas autorizações. Para todos, estava em jogo a As ATPFs maneira como as serrarias exploravam as flores- tas no sul e extremo sul da Bahia, sem nenhum No final de abril de 2000, o então ministro do planejamento ou critério, sem fiscalização séria, Meio Ambiente, José Sarney Filho, que por várias ao sabor da conivência de agentes públicos, com vezes havia manifestado sua discordância dessa pressão e violência por parte de membros do se- exploração predatória, resolveu suspender os pla- tor madeireiro, o que provocava um certo risco nos de manejo situados no entorno das unidades de vida pela ausência de segurança, ao mesmo de conservação, em especial do Parque Monte tempo em que eliminavam qualquer possibilidade Pascoal e dos recém-criados parques nacionais de sustentabilidade da atividade. do Pau Brasil e do Descobrimento. Uma boa ilustração da situação da atividade Mesmo com a atividade madeireira formal- na região foi dada pela auditoria reivindicada mente suspensa, as denúncias de desmatamento pela sociedade civil e realizada pelo Ibama, com continuaram sistemáticas. Em 2002, começaram a participação de certa forma limitada de represen- a aparecer provas concretas de que a emissão das tantes da RMA. Foram identificados 315 planos de Autorizações de Transporte de Produtos Florestais manejo em operação, em 1997, dos quais apenas (ATPFs) pelo Ibama eram feitas de forma fraudu- 32 foram considerados aptos a continuar sendo lenta, esquentando madeiras oriundas de desma- explorados. Durante esse período, a exploração tamentos ilegais. Os caminhões circulavam nas clandestina não parou, embora tenha reduzido estradas carregados de toras de espécies da Mata durante as várias fiscalizações da denominada Atlântica, com ATPFs, passando pelos postos de Operação Descobrimento. Na contabilidade dessa fiscalização, com conivência dos fiscais do Ibama, operação, o setor madeireiro se configurou como da Polícia Rodoviária e da Secretaria da Fazenda o principal descumpridor da legislação ambiental. do Estado da Bahia. Vários endereços de origem e destino lançados nos documentos eram inexis-
Desmatamento para agriculturatentes, o que comprovava mais ainda o esquema Com a mudança institucional e com o reforço O que ainda ameaçade esquentamento, com serrarias e madeireiras das ações de controle, vários madeireiros muda-fantasmas. No escritório do Gambá, começaram ram da região devido às restrições impostas para 207a chegar, na época, várias cópias de ATPFs envia- a continuidade da atividade, indo se estabelecerdas por pessoas anônimas que tinham acesso às em outras regiões onde a exploração madeireirainformações e estavam indignadas com tal crime é intensa, como no Mato Grosso. Os que ficaramà natureza que estava sendo cometido. foram descobrindo algumas formas de burlar a fiscalização. Um exemplo é executar o desdobra- A RMA e o Gambá, com apoio do Instituto mento de toros e fazer os pranchões na própriaSocioambiental (ISA), resolveram, então, ingres- floresta, dificultando o controle e a ação dossar com uma ação judicial visando à suspensão da órgãos de fiscalização.emissão das ATPFs. A Justiça Federal concedeuliminar favorável em dezembro de 2002, que Através do Projeto Corredores Ecológicos docontinua válida até hoje. PPG7 foram realizadas ações integradas dos vá- rios órgãos responsáveis pela fiscalização (Ibama, Assim, toda e qualquer exploração e transpor- Semarh/CRA, Companhia de Polícia Ambiental,te de madeira nativa da Mata Atlântica da Bahia Polícia Civil, Polícia Rodoviária, Ministério Pú-é ilegal e deve ser denunciada pela sociedade e blico), contemplando atividades de capacitação,combatida pelos órgãos de fiscalização. integração, análise de procedimentos e operações de campo, resultando em ações bem mais eficazes A partir de 2003, com a mudança dos ges- no controle do desmatamento.tores do Ibama na Bahia, que demonstraramcompromisso para enfrentar essa realidade, a A situação atual da Mata Atlântica na regiãoação do órgão foi fortalecida, mesmo ainda com ainda precisa de um melhor controle, de maiorsérias dificuldades operacionais, dado o tamanho consciência dos proprietários rurais detentoresdo problema. Ações mais concretas de fiscaliza- de florestas e de políticas públicas eficazes para ação foram implementadas, conseguindo algumas proteção da floresta. A criação de novas unidadesvezes evitar desmatamentos, mas na maioria das de conservação de proteção integral, a melhoria davezes chegando ao local com a mata no chão. gestão das atuais UCs, tanto dos parques nacionais como das Áreas de Proteção Ambiental (APAs), o incentivo à criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), a viabilização do Projeto Corredores Ecológicos com mais agilidade, o controle de atividades que historica- mente vêm comprometendo a proteção do bioma, como a expansão da monocultura de eucalipto e da pecuária extensiva de baixa produtividade, são medidas necessárias e urgentes para serem implementadas na região. *Renato Cunha é coordenador executivo do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e membro da coordenação da RMA
O problema na práticaO que ainda ameaça Você tem pratos do centenas de fábricas clandestinas, em de madeira em casa?* quintais de periferias pobres. Tampouco é208 exclusivamente indígena. Os Pataxó são Quase todos nós temos: pratos, tigelas, apenas responsáveis por 11,6% da produção, tábuas de carne, talheres, gamelas, pilões apesar de ter seu nome amplamente usado ou potes de mel. A cor, o desenho e o brilho para driblar a fiscalização. Gera subem- da madeira são uns luxos. O que a maioria prego, sem proteção física, nem legal. Um ignora, porém, é que esta beleza sustenta objeto vendido a R$ 40,00 em São Paulo foi um tráfico de mais de 30.000 metros cúbicos comprado por cerca de R$ 1,00 do produtor, anuais de madeiras raras da Mata Atlântica, num regime de total dependência, parecendo só no extremo sul da Bahia. quase escravidão. Essa região, entre Porto Seguro, Prado Os órgãos competentes têm de se e Itamaraju, não é apenas famosa por ser mobilizar para combater essa desgraça. o local do descobrimento do Brasil pelos Urgentemente. E mais do que tudo, VOCÊ portugueses. Também abriga os maiores pode fazer a diferença. Se tiver algum desses remanescentes de floresta atlântica do Nor- objetos em casa; se comprou algum nesse deste, considerada a mais rica e ameaçada verão, agora sabe o quanto realmente custou. do Planeta. Pode decidir nesse instante e para sempre que, se não for muito bem comprovada a O impacto do tráfico está concentra- origem ambientalmente e socialmente correta do nos remanescentes mais preservados do objeto, por certificado ou selo verde, NÃO dessa floresta, abrindo novas frentes de COMPRE, nunca mais. devastação. Procuram-se especificamente as árvores de grande porte mais valiosas, * Jean-François Timmers, da Associação muitas ameaçadas de extinção, ou seja: es- Flora Brasil tão virando utensílios domésticos os últimos exemplares de jacarandá, pau-brasil nativo, paraju, arruda, mussuta- íba, arapati etc., aptos a produzir sementes para eventuais futuros plantios comerciais, com fantástico potencial econômico. Não se trata aqui de artesanato, mas sim de uma indústria, envolven- Transporte de madeira ilegal
O que ainda ameaça 209Assentamento rural em Abelardo Luz, Santa CatarinaAssentamentos rurais restas, em vários estados brasileiros, acabaram em desmatamento e destruição. O Decreto Federal 750/93, principal legisla-ção relativa à Mata Atlântica e aos usos previstos O desmatamento dos remanescentes flo-para o bioma, proíbe o desmatamento de áreas de restais começa mesmo antes da implantação dofloresta primária e secundária nos estágios médio assentamento. Em muitos casos, o proprietárioe avançado de regeneração para fins de reforma desapropriado é autorizado a retirar todo o estoqueagrária. Mas a instalação de assentamentos rurais de madeira antes de entregar a área às famíliastem como uma de suas bases um equívoco con- beneficiadas. Outras vezes, os próprios assentadosceitual, qual seja, o de que propriedades cobertas fazem da exploração e comércio de madeira umpor florestas nativas são improdutivas. Com isso, meio de obter recursos financeiros imediatos, mes-a grande maioria dos projetos de reforma agrária mo que temporários. De uma forma ou de outra,até agora realizados em áreas cobertas com flo- milhares de hectares de florestas foram destruídos num ritmo acelerado nesse processo.
O problema na práticaO que ainda ameaça Desmatamentos Assentamento em Quedas em Santa Catarina do Iguaçu, no Paraná210 e Paraná Abelardo Luz foi o município A partir de meados da década de 1980, campeão em desmatamen- inúmeros assentamentos rurais foram im- tos no Estado, de acordo com plantados em Santa Catarina, predominan- o Atlas dos Remanescentes temente no planalto, meio-oeste e oeste do Florestais e Ecossistemas Estado, área de ocorrência da Floresta com Associados no Domínio da Araucária. Desmatamentos praticados em Mata Atlântica (1998), tendo assentamentos de trabalhadores rurais são sido desmatado um total de notícia freqüente nos jornais e foram consta- 4.500 hectares. tados oficialmente por uma equipe integrada Outro exemplo conhecido do problema pela Federação de Entidades Ecologistas em área de Mata Atlântica foi a desapropria- Catarinenses (FEEC), Apremavi, Ministério ção para reforma agrária, no município de do Meio Ambiente e Ibama, durante levan- Quedas do Iguaçu, no Paraná, entre 1997 tamento sobre a situação das florestas no e 1998, de 26.252 hectares cobertos com Estado, em abril de 2001. vegetação primária e em estágio avançado de regeneração de Mata Atlântica, perten- Em maio de 1998, o Jornal de Santa Ca- centes à empresa Araupel, os quais foram tarina publicou matéria informando que, até totalmente desmatados. aquele ano, existiam no Estado um total de 96 Uma vistoria realizada no local em no- assentamentos ocupando uma área estimada vembro de 2000, pelo Ministério do Meio Am- em 70.000 hectares. Somente no município biente em conjunto com a Rede de ONGs da de Abelardo Luz existem 17 assentamentos, Mata Atlântica, constatou que foram implanta- conforme revela um relatório do Movimento dos na área dois assentamentos para reforma dos Sem Terra (MST) de 1997, a maioria agrária e que toda a área encontrava-se deles implantados em áreas cobertas por desmatada, sendo que em vários locais nem Floresta com Araucária. Entre 1990 e 1995, mesmo as áreas de preservação permanente (matas ciliares) foram respeitadas. Foram vistos ainda vários desmatamentos recen- tes, com posterior queimada, para “limpeza” das áreas. Uma pesquisa que estava sendo realizada com uma população de queixadas e catetos na região foi inviabilizada, pelo desa- parecimento completo desses animais. Além dessas espécies, várias outras continuaram a ser caçadas na região.
Fumicultura e agricultura pela assistência técnica, financeira e transporte da O que ainda ameaçainsustentável produção até as usinas de beneficiamento. Mas ainda que o processo produtivo, da entrega das 211 Com a expansão do parque industrial e o sementes à seleção das folhas, seja controladoincremento da produção e exportação agrícola no pelas empresas, o contrato com as famílias nãoPaís, a fumicultura teve um aumento significativo inclui a responsabilidade pelos danos ambientaisna região Sul a partir da década de 70. Hoje res- da atividade.ponsável pela produção de 850 mil toneladas detabaco por ano - o que dá ao Brasil o triste título A destruição gerada pelo cultivo passa pelode primeiro exportador mundial de fumo – o País uso do brometo de metila, agrotóxico consumidoconvive com os diferentes danos causados por em larga escala no controle de ervas daninhas,esse tipo de agricultura insustentável, tanto para doenças e pragas nos canteiros de fumo. A conta-os agricultores quanto para o ambiente da Mata minação ambiental se dá pela degradação do solo,Atlântica, onde a cultura do fumo se localiza. dos recursos hídricos e da própria camada de ozô- nio, pois o brometo de metila possui capacidade Embora desenvolvida por mais de 150 mil 50 vezes maior de destruir moléculas de ozôniofamílias em cerca de 650 municípios do Sul (50% do que um átomo de cloro. Já a contaminaçãono Rio Grande do Sul, 35% em Santa Catarina e da água ocorre por lixiviação – quando a chuva15% no Paraná), além de 50 mil famílias fumicul- carrega camadas superficiais do solo, atingidastoras em estados como Bahia e Alagoas, a cultura por produtos químicos, para dentro dos rios – oudo fumo guarda relações perversas entre pequenos pelo transporte dos agrotóxicos para dentro daprodutores, indústria e consumidores. Primeiro, terra, onde ficam acumulados nas águas subterrâ-pelo chamado ‘sistema integrado de produção’, as neas. Por fim, a fertilidade do solo é mantida pelaindústrias garantem a compra integral da produção aplicação excessiva de insumos agrícolas, o quepor preços negociados com representantes dos acarreta em erosão e perda do equilíbrio naturalagricultores, devendo se responsabilizar também entre floresta e fertilidade. Secagem da folha de fumo ainda utiliza lenha nativa
O que ainda ameaça De outro lado, a fumicultura surge como Pelo aspecto humano, a fumicultura relacio- principal causadora do desmatamento da Mata na-se a diversas doenças causadoras de morte até o Atlântica em estados como Santa Catarina. As uso de mão-de-obra escrava imposto por algumas estufas de fumo carecem de madeira para o aque- indústrias do tabaco. Em 2000, fumicultores do cimento e secagem das folhas da planta e, embora Paraná denunciaram suposto esquema de explo- grandes empresas e fumilcutores tenham firmado ração do trabalho escravo no Estado, assim como Termo de Ajustamento de Conduta que proíbe o intoxicações por defensivos químicos usados sem uso de lenha de madeira nativa nas estufas, grande máscaras, luvas ou botas. O descuido no uso de parte dos agricultores ainda remove árvores na- agrotóxicos pode levar de irritações na pele e nos tivas para esse fim. A lenha tem participação de olhos, a problemas respiratórios, câncer, distúr- 7,6% no custo de produção do fumo e, segundo bios sexuais e até doenças no sistema nervoso dados da Organização Mundial de Saúde, para central e periférico. cada 300 cigarros acesos, uma árvore é derruba- da. Empresas como a Souza Cruz, por exemplo, O combate ao tabagismo como tendência respondem pela orientação ao plantio, colheita e em campanhas de conscientização – com o Brasil uso da estufa, mas não pelo combustível que as tendo assinado a Convenção Internacional para o alimenta. Controle do Tabaco, em 2003 – remete ao debate sobre a necessidade de erradicação da fumicultura212 Desmatamento para plantio de soja – SC, 2005
Pecuária em área depreservaçãopermanente – BA, 2004 O que ainda ameaça 213 no País. Municípios e trabalhadores das regiões doença de Parkinson e o Dithane, mutação e má produtoras, no entanto, dependem da fumicultura formação do feto. e da destruição que ela gera, devendo encontrar alternativas agroecológicas para a diminuição Por fim, agriculturas insustentáveis estão progressiva desse tipo de lavoura. representadas pelos sistemas monocultores de produtos como a soja e a cana, cujo plantio ex- Outras formas de agricultura insustentável tensivo promove o desmatamento dos últimos estão relacionadas ao intenso grau de toxicidade remanescentes da Mata Atlântica (além da soja de alimentos que têm baixa resistência a pragas. ser a monocultura de maior impacto sobre os Em 2002, pesquisas com o tomate revelaram um biomas Cerrado e Amazônia). Repetindo um mo- índice de contaminação por agrotóxico de 26%, delo de desenvolvimento obsoleto e predatório, a com o mamão de até 37% e com o morango de monocultura da soja ocupa mais de 43 milhões de 54%. As ocorrências se devem em grande parte hectares no País, cresce cerca de 8% ao ano devido ao uso de agrotóxicos não permitidos, muitos à intensificação na utilização de tecnologias de dos quais têm resíduos que persistem ao longo plantio direto, e implica em impactos diretos sobre de toda a cadeia alimentar. Em culturas de to- o meio ambiente. Ao seguir um modelo de manejo mate e pimentão, por exemplo, ainda se usam predatório dos recursos naturais, o cultivo de grãos fungicidas perigosos como o Maneb, o Zineb e traz problemas para a qualidade da água, assorea- o Dithane – os dois primeiros podendo provocar mento, processos erosivos e de perda do solo.
O problema na práticaO que ainda ameaça Lenha Nativa em ponsabilidade da execução do termo não é Santa Catarina só do fumicultor mas também das fumageiras214 e empresas de grande porte do ramo. Sabe- Segundo produtor nacional de fumo, se, porém, que grande parte dos produtores com mais de 30% da produção brasileira do ainda usa lenha nativa para aquecer suas setor, o estado de Santa Catarina tem na estufas, muitas vezes de forma camuflada, fumicultura o principal responsável pelo des- escondendo a madeira nativa debaixo de matamento de suas florestas nativas. Hoje, uma pilha de eucalipto. a retirada de árvores nativas para produzir calor nas estufas de fumo amplia a pressão O uso questionável de exóticas pode ser sobre os remanescentes da maior parte dos visto no cenário de municípios como Atalanta, municípios do Estado, onde o setor fumageiro Ituporanga, Vitor Meireles, Witmarsun, Dona tem expressiva importância econômica. Emma, Presidente Getúlio e José Boiteux, onde uma vistoria realizada no final de 2004 Em 2003, um Termo de Ajustamento revelou resultados alarmantes. Montes de de Conduta (TAC) determinou que os fumi- lenha nativa foram encontrados à beira cultores estão proibidos de utilizar lenha de das estradas ou ao lado das estufas, com madeira nativa para a secagem das folhas de comprovada proveniência de fragmentos fumo em suas estufas, sendo recomendado vizinhos, alguns em Áreas de Preservação o cultivo de árvores exóticas como o pinus e Permanente (APPs). o eucalipto para esse fim. Além disso, a res- Madeira nativa utilizada para queima
Barragemda UHEde BarraGrande Grandes As usinas hidrelétricas são responsáveis por O que ainda ameaça empreendimentos grande parte da perda de floresta nativa, pois com o enchimento do lago para produção de energia, 215 Empreendimentos de grande porte, sejam inundam-se extensas áreas cobertas por vegeta- eles econômicos, turísticos, industriais, imobi- ção. Ações para a implantação de hidrelétricas liários ou de transporte representam sempre uma devem prever o desmatamento do local e o sal- alteração das propriedades originais do ambiente vamento de animais, em geral já ameaçados pela onde são instalados. No caso de novas obras no redução de seu habitat. A obtenção da licença para Domínio da Mata Atlântica, não há como im- a formação do lago das hidrelétricas passa pela plantá-las sem promover a ruptura dos processos obrigatoriedade de ações mitigatórias por parte ecológicos existentes e a desorganização da vida do empreendedor. Essas devem compensar os social e cultural das localidades próximas. Os prejuízos sociais, econômicos e ambientais, que impactos ambientais resultantes dessas atividades vão desde o impacto sobre os recursos pesqueiros, podem afetar direta ou indiretamente a saúde, o o regime hidrológico e a perda de espécies endê- bem-estar da população e a qualidade do meio micas, até a inundação de áreas de comunidades ambiente. A implantação de qualquer grande ribeirinhas. empreendimento deve ser precedida, portanto, de estudos de impacto ambiental que auxiliem Também caracterizadas como obras de gran- na prevenção para a tomada de decisão sobre a de porte, as usinas nucleares costumam implicar obra e no planejamento para o desenvolvimento em graves riscos ambientais para as áreas naturais sustentável. e para a população vizinha ao empreendimento. Além das condições impróprias para a instalação de usinas como Angra I e II na zona costeira do Domínio da Mata Atlântica, seja pela difícil evacuação em caso de acidente seja pela grande quanti- dade de lixo nuclear que depende de vigilância por milhares de anos e não conta com técnicas de arma- zenamento seguras, empreendi- mentos desse tipo não levam em conta a vocação de importantes áreas naturais e os incalculáveis custos das obras em relação à energia produzida. Torres da igreja, remanescentes da cidade de Itá – SC, alagada por hidrelétrica
A alteração da paisagem pela chegada de desordenada de parte do litoral de Santa Catarina, novos empreendimentos pode ser observada ainda pela implantação de parques industriais podendo ameaçar até o litoral do Paraná caso que não respeitam as características originais de uma região. Para implantar uma fábrica de aços haja vazamento dos produtos com que a empresa no litoral de Santa Catarina, por exemplo, um grupo francês executou obras de aterramento em trabalha. áreas de mangue, em região considerada de alta biodiversidade. Neste caso, a questão financeira Por fim, a abertura de estradas coloca-se se sobrepôs à ambiental, pois conforme o governo atendeu à vontade dos empreendedores, ignorando como mais um vetor de risco para a conservação, impactos da atividade previstos no EIA/RIMA. O empreendimento tem fomentado ainda a ocupação causando o chamado efeito de borda com com- prometimento para a floresta, os rios e a biodi- versidade do entorno do empreendimento. Com Floresta que o lago a criação dessas vias, o comércio irregular e as de BarraO que ainda ameaça novas construções passam a se associar à falta de Grande inundou, em suporte e de condições para a demanda de pessoas 2005, pouco atraídas pelas novas oportunidades. antes do enchimento216
O problema na práticaA hidrelétrica que área de aproximadamente 8.140 hectares, O que ainda ameaçanão viu a floresta 90% da qual recoberta por floresta primária e em diferentes estágios de regeneração e 217 Abrigo de um dos últimos remanescentes por campos naturais. Ali, na floresta tragadade floresta primária de araucárias existentes pelas águas, estava um dos mais bem preser-no País e de quatro das últimas populações vados e biologicamente ricos fragmentos dede uma espécie endêmica de bromélia, a floresta ombrófila mista do estado de SantaDyckia distachya, o trecho de cinco mil hec- Catarina, em cujas populações de araucáriatares entre os municípios de Anita Garibaldi foram identificados os mais altos índices de(SC) e Pinhal da Serra (RS) corresponde variabilidade genética já verificados em todohoje ao lago da Usina Hidrelétrica de Barra o ecossistema.Grande. Em julho de 2005, o caso de BarraGrande tornou-se exemplo de uma derrota Só recentemente, quando o empreen-histórica para os ecossistemas da Mata dedor – a Barra Grande Energética S/A, cujaAtlântica. Nessa data, o Ibama concedeu atual composição acionária tem a participa-licença de operação para o empreendimen- ção das empresas Barra Grande Energiato, autorizando o fechamento das compotas S/A (Begesa), Alcoa Alumínio S/A, Camargoda barragem e a inundação da floresta que Corrêa, Companhia Brasileira de Alumínioficará submersa pelo grande lago da represa (CBA) e DME Energética Ltda. - solicitou aoda usina. Ibama um pedido de supressão das florestas a serem inundadas, descobriu-se que o Estu- Barra Grande é uma localidade no Vale do de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatóriodo Rio Pelotas, divisa de Santa Catarina com de Impacto Ambiental (Rima) - documentosRio Grande do Sul, onde a geografia traça necessários para obter a licença de operaçãobelíssimos desenhos na paisagem formando do empreendimento –, entregues em 1998uma calha de rio com declives acentuados, ao Ibama, omitiram a existência desses re-cobertos ora por uma exuberante floresta manescentes de floresta com araucária comcom araucárias, ora por campos nativos, ora importantes populações naturais de espéciespor propriedades agrícolas que lá se implan- ameaçadas de extinção.taram ao longo do tempo. Ao analisar o pedido de supressão, o As preciosas manchas de floresta com Ibama solicitou um inventário florestal, ela-araucárias, formação florestal do Domínio da borado e apresentado pelo empreendedorMata Atlântica, e ecossistemas associados em maio de 2003, que mostrou, dessa vez, aexistentes no Vale do Rio Pelotas estão na real situação da cobertura florestal existenteárea de influência direta da Usina Hidrelétri- na área que seria inundada. Na verdade, oca de Barra Grande, cuja barragem, de 190 Rima apresentado havia reduzido a coberturametros de altura, já está cheia. A formação florestal primária da área a ser alagada dede seu lago provocou a inundação de uma 2.077 para 702 hectares; a área de floresta
O problema na práticaO que ainda ameaça em estágio avançado de regeneração - trata- e, constatando a gravidade da situação, da no documento como um “capoeirão” – de a Federação de Entidades Ecologistas218 2.158 para 860 hectares; a área de floresta Catarinenses e a Rede de ONGs da Mata em estágios médio e inicial de regeneração Atlântica impetraram, em setembro de 2004, - tratada apenas como “capoeira” – de 2.415 uma ação civil pública na Justiça Federal de hectares para apenas 830 hectares. Além dis- Florianópolis(SC), na tentativa de reverter so, não fazia menção clara sobre os campos esta absurda situação. Enquanto isso, o naturais, que estão presentes em mais de governo federal assinava com a empresa 1.000 hectares. um Termo de Compromisso que viabilizou a assinatura de uma autorização de desmata- Ou seja: a licença de instalação da obra mento pelo Ibama. havia sido concedida pelo próprio Ibama, em junho de 2001, em pleno vigor da resolução 278 Além das plantas presentes na Lista do Conama (que proteje as espécies ameaça- Oficial de Espécies Brasileiras Ameaçadas das de extinção), com base em um documento de Extinção, a área do vale do Rio Pelotas que falsificara a real situação dos remanescen- contém animais raros igualmente ameaça- tes de Mata Atlântica existentes na área a ser dos, como algumas aves de rapina. Com a diretamente afetada pelo reservatório. Omitira, confirmação de que o enchimento do lago inclusive, a existência de um raro fragmento provocou o desaparecimento de populações de floresta com araucária com alto índice de bromélias ameaçadas que só existiam de diversidade genética – informações que, naquela área, o País também deve prestar considerando a legislação em vigor, poderiam contas à comunidade internacional, já que é inviabilizar a instalação do empreendimento. signatário da Convenção da Diversidade Bio- lógica e irá sediar a Conferência das Partes Diante desse quadro, as ONGs am- (COP) VIII da Convenção em 2006. bientalistas realizaram uma visita à região Foto: Gerson Buss Bromélia Dyckia distachya - Extinta na natureza por conta de Barra Grande
Plantio de exóticas ecossistema das araucárias, essa atividade eco- O que ainda ameaça nômica produz outros efeitos ambientalmente A implantação de florestas homogêneas, danosos à vida rural. Via de regra, as áreas re- 219quase exclusivamente com espécies exóticas de florestadas, concluído o ciclo de crescimentorápido crescimento, pode produzir um nível de determinado pelos critérios comerciais, sofremdegradação semelhante àquele provocado pela um desmatamento completo, deixando o soloagricultura convencional. O avanço das monocul- exposto. Em seguida, o local é queimado para aturas de árvores exóticas se tornou um problema limpeza do terreno. Alguns proprietários ignoramgrave principalmente no domínio original da solenemente o Código Florestal, plantando flo-floresta ombrófila mista. restas homogêneas em áreas de mata ciliar e em superfícies com declividade superior a 45º e em A expansão dessas “florestas” tem apro- topo de morros.fundado o isolamento dos pequenos e médiosfragmentos de florestas nativas, importantes para Essas práticas geram processos erosivos,qualquer perspectiva de recuperação do ecossis- perda de nutrientes do solo e, conseqüentemente,tema. Caracterizadas por sua agressividade e pelo assoreamento de nascentes e cursos d´água. Ocrescimento acelerado, as plantações exóticas impacto sobre o solo é agravado pelo trânsito deacabam eliminando qualquer possibilidade de os veículos e máquinas pesadas pela rede de estra-remanescentes reocuparem áreas desmatadas, es- das abertas entre as árvores, que compactam otorvando, inclusive, a interligação dos fragmentos terreno.existentes. Uma notícia alentadora diante desse quadro Na região noroeste de Santa Catarina, por é que algumas empresas estão adotando práticasexemplo, onde estão três fragmentos que totalizam diferenciadas, como o rigoroso cumprimento dacerca de 9.000 hectares considerados relevantes legislação e o planejamento dos reflorestamentos.para a conservação da floresta com araucária, o Os grandes empreendimentos têm ainda buscadoMinistério do Meio Ambiente detectou, por meio a certificação florestalde imagens de sa-télite e de visitasde campo, a for-mação de grandespropriedades des-tinadas ao reflo-restamento – es-pecialmente comPinus elliottii,variedade qualifi-cada por biólogoscomo “invasoracontaminante”. Além decomprometer aregeneração doDesmatamentopara plantio de pinus
O problema na práticaO que ainda ameaça Espécie altamente invasora Eucalipto Árvore rústica de origem australiana, o220 O Pinus elliottii é um pinheiro originário eucalipto possui mais de 500 espécies e é dos Estados Unidos cujas características conhecido pelo seu crescimento rápido e a reprodutivas transformaram essa espécie dispensa por cuidados no cultivo logo após em uma ameaça à recuperação das florestas o primeiro ano de plantio. Essa facilidade que integram o Domínio da Mata Atlântica, contribuiu para a introdução da planta no especialmente a floresta ombrófila mista e os Brasil na forma de monoculturas por em- campos naturais associados a essa floresta. presas nacionais e estrangeiras, ocupando Nos campos, a situação é ainda mais preo- milhares de hectares de terras antes cobertas cupante, visto a facilidade de implantação da por florestas nativas no Domínio da Mata monocultura de pinus, a qual, além de extin- Atlântica. guir as espécies nativas, também modifica No extremo sul da Bahia, o plantio exten- totalmente a paisagem típica dessas regiões. sivo do eucalipto na década de 1980 deter- Um estudo do engenheiro florestal Fernando minou a perda de 85% da Mata Atlântica pre- Bechara, do Laboratório de Ecologia Vegetal servada na região. Os problemas causados da Universidade Federal de Santa Catarina desde então na paisagem são crescentes: (UFSC) informa que esse pinheiro foi introdu- a eucaliptocultura praticada por empresas zido em Santa Catarina no início da década como Aracruz Celulose e Bahia Sul ocupam de 1950 e, desde então, tem provocado gra- um maciço de cerca de 600 mil hectares, ves problemas ecológicos no Estado. segundo cálculos da ONG Cepedes, dos 3 milhões de hectares do extremo sul baiano; A ausência de predadores naturais, a pequenos agricultores recebem incentivos baixa necessidade de nutrientes, a poliniza- para implantar o cultivo do eucalipto na ção e dispersão por meio do vento fazem do propriedade; e a expansão da cultura para o Pinus elliottii uma espécie altamente invaso- entorno de áreas de mata nativa já é visível, ra. De acordo com Bechara, suas sementes assim como o rebaixamento dos recursos aladas podem vir a germinar em distâncias hídricos nas regiões de maior adensamento superiores a 10 Km da árvore original, co- da espécie. lonizando inclusive o interior de unidades Alvo de polêmicas na comunidade cientí- de conservação – como ocorreu no Parque fica, as principais críticas ao uso do eucalipto Estadual da Serra do Tabuleiro, região da referem-se à tendência da planta em ressecar Grande Florianópolis. Tal expansão acaba o solo e empobrecer o meio ambiente. por prejudicar a fauna e a flora nativas da Mata Atlântica já que, ao sombrear áreas abertas, normalmente ensolaradas, impede que a vegetação de porte baixo frutifique e atraia animais.
MineraçãoA devastação da MataAtlântica pela mineraçãoremonta ao período colo-nial, com a retirada do ouroencontrado sob extensasáreas de mata nativa emMinas Gerais. As atividadesmineradoras já implica-vam, assim, na destruiçãoda floresta e na retirada de Mineração em São Paulo 221centenas de exemplares deárvores nobres como as canelas, o jacarandá, a portanto, as técnicas para extração do minério,peroba e o cedro. Desde então, a Mata Atlântica envolvendo o uso da chamada drenagem ácida,tornou-se vítima direta dos impactos provoca- que levam à erosão, facilitam a acidificação dodos pelos processos de mineração, da erosão e solo e alteram significativamente a paisagem daalteração paisagística provocadas por atividades região das lavras. O nível de acidez do solo inibe,que vão da extração de areia ao assoreamento e por exemplo, o crescimento da vegetação e tornacontaminação das águas que a extração do carvão o terreno impróprio para a agricultura. Mas o efeito da extração do carvão sobre amineral causa.Desflorestamento, modificação do relevo e qualidade dos recursos hídricos e os ciclos hidro-contaminação das águas, advindos dos proces- lógicos é ainda mais danoso. A alteração do pHsos de extração de areia e carvão mineral têm se das águas pela drenagem ácida mata os rios dodestacado como um dos elementos de degradação entorno da região carbonífera. A drenagem dosdos ecossistemas da Mata Atlântica. Além da afluentes dos lavadores de carvão e a disposiçãosupressão da cobertura vegetal e do estabeleci- de rejeitos da mineração baixaram o pH da águamento de processos erosivos, a extração de areia de grande parte da região sul de Santa Catarina.remove camadas do solo que funcionam como O ambiente de áreas carboníferas do Rio Grandefiltro físico e biológico para as águas subterrâ- do Sul também se deteriorou: no Baixo Jacuí, osneas, incluindo a diminuição da pressão sobre mananciais subterrâneos foram afetados e boaos lençóis freáticos caso a areia seja extraída em parte da sub-bacia do Arroio do Conde está com-grandes quantidades. prometida; em Candiota, diversos pesquisadoresCombustível não-renovável, o carvão mineral observaram a queda na qualidade das águas super-é o resultado da transformação de troncos, raízes, ficiais a jusante das zonas de lavra. A percepçãogalhos e folhas de árvores que ficaram milhares da degradação é visível ainda em casos como ode anos submersos em ambientes pantanosos. do Rio Tubarão (SC), que nasce no pé da SerraNo Brasil, as jazidas dessa matéria compactada do Rio do Rastro, próximo das áreas de minera-localizam-se principalmente nos três estados do ção. Durante décadas, os dejetos de lavagem doSul, dispostas em camadas estratificadas que po- carvão foram jogados em suas águas e ainda hoje,dem conter centenas de metros de espessura. São, sempre que chove, escorre uma lama de resíduos
O que ainda ameaça amarelados de enxofre e ferrugem das encostas. Já dióxido de carbono – principal gás causador do o Rio Mãe Luzia (SC) foi recentemente apontado efeito estufa, pelo processo onde o CO2 absorve o222 como o único caso no mundo a apresentar quatro calor emitido pela superfície da Terra e promove cores no seu curso de água. o aumento da temperatura global. Em muitas ocasiões, o carvão nacional é Para completar o quadro de agressões am- britado e lavado para a retirada de impurezas bientais envolvidas na mineração, diferentes antes de ser utilizado nas usinas. E a água com os regiões de abastecimento de água já sofrem com rejeitos, mesmo depois de filtrada, ainda contém as irregularidades e atividades relacionadas à ex- metais dissolvidos que passam a ser descartados ploração mineral. Em meados de 2005, diversos nos cursos d´água. pontos da sub-bacia Guarapiranga foram identifi- cados pelo Instituto Socioambiental (ISA) como Os impactos ambientais do carvão passam alvos de atividades de supressão da vegetação, ainda pela indústria, já que a queima do produto carvoaria, exploração mineral e remoção de ter- produz cinzas que, se não removidas devida- ras. Neste caso, as minerações exploravam áreas mente, provocam uma forma de erosão química completamente diversas daquelas com concessões conhecida como lixiviação, quando os elementos de lavra pelo Departamento Nacional de Produção do solo, incluindo as substâncias tóxicas, são Mineral (DNPM). carregados para as drenagens adjacentes. Já os metais pesados das mesmas cinzas acabam indo Entre os casos mais graves de danos perma- parar nos cursos d´água e contaminando os solos nentes pela mineração, estão os das regiões do e matas ciliares. Vale do Ribeira de Iguape e do Vale do Paraíba. A extração de areia do rio Paraíba do Sul repercutiu De todos os combustíveis fósseis, o carvão é na mídia e criou novas políticas relacionadas ao o que lança na atmosfera a maior quantidade de tema. Mas estudos para o planejamento e zo- CO2, óxido de nitrogênio e enxofre, por unidade neamento minerário da região ainda não foram de energia gerada. Por esse perfil, junto com o pe- finalizados como importante instrumento de tróleo, o carvão é responsável por 85% do enxofre regulamentação. lançado na atmosfera e por 75% das emissões de Mineração em área de Domínio da Mata Atlântica
O problema na prática*Carvão e degradação Aos poucos, o sul de Santa Catarina O que ainda ameaçana Bacia do Araranguá passou a ser considerado uma das 14 áreas mais poluídas do Brasil, de acordo com o 223 Milhares de toneladas de terra removi- Decreto Federal 85.206 de 1980. A mobiliza-das pela multinacional escavadora Marion, ção para reversão do caos ambiental ocorreudestruição da vegetação nativa e comprome- por meio de uma sentença judicial proferidatimento das nascentes locais contribuem para somente em 2000, que condena as minera-o cenário de degradação da Bacia Hidrográfi- doras, inclusive a estatal CSN, a promoveremca do Rio Araranguá, na região sul de Santa a recuperação do meio ambiente do sul doCatarina, considerada a mais poluída do Estado. Recentemente, uma decisão judi-Brasil por resíduos piritosos do carvão. Com cial da esfera federal também condenou aa substituição do petróleo pelo carvão mineral Tractebel, proprietária da termelétrica Jorgena geração de energia e na siderurgia, após Lacerda de Capivari de Baixo, à indenizaçãoa Segunda Guerra Mundial, a Companhia de danos causados na saúde pública.Siderúrgica Nacional (CSN) instalou-se de-finitivamente na Bacia do Araranguá para o Num dos primeiros casos de participaçãodesenvolvimento de atividades carboníferas. da sociedade civil em órgãos deliberativos,E a exploração e beneficiamento do minério a ONG Sócios da Natureza também passouna região acarretaram a devastação da mata a ocupar a presidência do Comitê de Geren-nativa e a perfuração desordenada do solo, ciamento dos Recursos Hídricos da Bacia dodando ao cenário as características de uma Rio Araranguá. O objetivo do Comitê, criadoplanície lunar. no âmbito do cenário de devastação pela mineração, passou a ser o uso adequado dos recursos hídricos e da biodiversidade local. Rio assoreado e poluído por mineração*Tadeu Santos é coordenador geral dos Sócios da Natureza e Juliana Vamerlati Santos, mestrandaem História pela Universidade Federal de Santa Catarina e integrante dos Sócios da Natureza
O que ainda ameaça Sobreposições que a constituição garante tanto o direito à preser- entre unidades de vação ambiental como aos territórios tradicionais,224 conservação e colocando em lados opostos diferentes órgãos populações tradicionais de governo, organizações não-governamentais ambientais, sociais e socioambientais, muitas A destruição acelerada da Mata Atlântica e vezes criando impasses onde normalmente há a corrida para garantir a conservação do máximo perdas tanto para o meio ambiente quanto para possível dos pouco mais de 7% que restaram as populações. do bioma fizeram com que as populações tradi- cionais – elas mesmas, através de seu modo de A questão indígena é a mais complicada, vida, bastante responsáveis por estas áreas ainda pois depende de negociações constantes que, existirem – também passassem a ser vistas como mesmo avançando, continuam deixando conflitos ameaça à Mata Atlântica. São caiçaras, caboclos, latentes e gerando impactos negativos nas áreas quilombolas e, sobretudo, índios cujas terras de de conservação. A escassez de áreas disponíveis ocupação tradicional estão sobrepostas a unidades para a instalação das populações indígenas dei- de conservação. São áreas às vezes tão pequenas xam as poucas áreas ainda preservadas de Mata que mesmo as atividades de subsistência de pou- Atlântica altamente vulneráveis a invasões. Os cas pessoas, como abrir clareiras, caçar e fazer casos de sobreposições mais conhecidos em roças para consumo próprio, podem representar áreas de Mata Atlântica são os Pataxó no Monte grandes estragos. Pascoal, na Bahia, os Guarani, nas regiões Sul e Sudeste, e os Xokleng no Alto Vale do Itajaí, em Os casos de sobreposição têm gerado confli- Santa Catarina. tos de toda natureza, começando pelos legais, já Terra Indígena em Nonoai – RS
O problema na prática Um exemplo recente de conflito entre ín- Os índios reivindicavam terras para O que ainda ameaçadios e unidades de conservação foi a invasão morar e escolheram o local porque um so-do Parque Nacional do Iguaçu, no segundo nho revelou ao pajé da etnia que as áreassemestre de 2005, por um grupo de 54 índios do Parque Nacional do Iguaçu seriam aAvá-guarani, que permaneceram no local terra prometida de seu povo. Segundo umpor 80 dias e foram retirados depois de uma levantamento realizado por uma equipeoperação conjunta entre as polícias Federal de biólogos do Ibama, durante o períodoe Militar, que acabou em agressão e feridos em que os índios permaneceram no Par-dos dois lados quando chegaram à reserva que, mais de mil árvores foram cortadas,em Santa Rosa do Ocoí (região oeste do o equivalente a área de 5 hectares. AlémParaná), onde viviam os índios. A retirada foi disso, foram mortos animais como cotia,possível graças a uma liminar que liberou a veado, gato-maracajá e lagarto.reintegração de posse solicitada pelo Ibamaum mês depois da invasão. BIBLIOGRAFIA: pág. 322 225Parque Nacional do Iguaçu
Espécies como mico-leão-preto estão ameaçadas pela falta de remanescentes florestais e pelo tráficoUma explosão de vida Tráfico de animais O maior receptor desse animais é o eixo Rio-São Paulo, onde apenas na Grande São Paulo existem226 O tráfico de animais silvestres é o terceiro entre um e dois milhões de animais silvestres em maior comércio ilegal do mundo, atrás somen- cativeiro. te das armas e das drogas e é uma das grandes ameaças à fauna do mundo todo. Esse comércio Embora grandes rotas de tráfico tenham ilegal movimenta US$ 10 bilhões a cada ano e como origem as regiões Norte e Centro-Oeste, a o Brasil responde por 10% desse mercado. O Mata Atlântica também é bastante visada. Animais comércio interno responde por 60% do tráfico e são capturados para venda tanto em locais com o externo, por 40%. grandes remanescentes, como o Sul da Bahia, quanto em pequenas matas, como na Região Me- Segundo a Lei de Crimes Ambientais, é proi- tropolitana de São Paulo, onde sobretudo pássaros bido caçar, vender, transportar e manter animais são apanhados e comercializados em feiras e pet silvestres em cativeiro. No entanto, estima-se que shops da própria região. sejam apreendidos pelo órgãos oficiais (Ibama, polícias ambientais) 45 mil animais silvestres por ano no Brasil. Levantamento da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), porém, calcula que as apreensões re- presentem somente 0,5% dos animais traficados. O problema na prática Crueldade e baixa os animais para que pareçam dóceis ou até a diversidade furar os olhos de aves para que não vejam a luz do sol e não cantem, para não chamarem Em cada 10 animais traficados, apenas a atenção da fiscalização durante o processo um resiste às pressões da captura e do ca- de transporte. tiveiro. Além da óbvia perda de diversidade na natureza, que faz as listas de espécies A falta de animais também colabora para ameaçadas de extinção não pararem de a diminuição da diversidade de plantas, já crescer, existe ainda a crueldade contra os que são importantes dispersores de semen- bichos. Os traficantes chegam a anestesiar tes, causando um desequilíbrio ambiental dificilmente recuperado.
Carcinicultura*A introdução da carcini-cultura marinha (cultivo decamarões marinhos) no Brasil ébastante recente e não referen-dada como uma tradição culturalentre as populações do nossolitoral. Seu desenvolvimento datade pouco mais de vinte anos, nosquais vimos proliferar, particu- O que ainda ameaçalarmente no Nordeste, fazendas População tradicional ameaçada por carciniculturade cultivo extensivo e semi-ex-tensivo de pequena, média e grande escala. Foi rotineiramente ocorrem em nosso litoral, carac- 227em meados da década de 1990 que se iniciou, no terizados como crimes ambientais, questionam alitoral nordestino, a carcinicultura industrializada atividade, particularmente em relação aos seusde água salgada. A introdução de espécies exóti- custos e benefícios sociais e ambientais.cas, somada ao desenvolvimento de tecnologiasde cultivo e manejo mais eficientes, possibilitou Considerando as grandes dimensões da car-o incremento da produção, ampliando as áreas cinicultura e sua extensa cadeia produtiva, a qualcultivadas no País. compreende e/ou ramifica-se em atividades como produção de insumos, larviculturas, fazendas de Estes fatos, e particularmente o sucesso de engorda, empresas de beneficiamento e indústriasimplementação da espécie Litopenaeus vanna- químicas que utilizam como matéria-prima osmei, fizeram rapidamente o Brasil sair de uma resíduos do camarão, não pretendemos esgotar oprodução de 3.600 toneladas em 1997, para tema, nem relacionar todos os tipos de interações60.128 toneladas em 2002, configurando o aqui ambientais, econômicas e sociais envolvidos. Odenominado milagre brasileiro da carcinicultura. enfoque escolhido reduz a discussão aos aspectosDessa maneira, o Brasil transformou-se em um relacionados à situação no Brasil, com ênfasedos maiores produtores mundiais de camarõescultivados, estando à frente da China, Tailândia especial à região Nordeste. Neste contexto, ase Equador. Assim, podemos considerar que no interações limitam-se às questões de sustentabi-Brasil, especialmente no Nordeste, o agronegócio lidade, ambientais e socioeconômicas.do camarão marinho está em expansão. Esses resultados são vistos com entusiasmo Sustentabilidade ambientalpelo setor carcinicultor, mas têm trazido preocu- O desenvolvimento da carcinicultura nopações, devido ao incremento dos conflitos com Brasil, particularmente no litoral nordestino, temoutros usuários dos mesmos recursos naturais e sido apoiado por grandes investimentos e atra-ambientalistas, representados principalmente por entes incentivos fiscais, como a redução de 75%organizações não-governamentais (ONGs). Esses, do Imposto de Renda e isenção de ICMS, PIS ecom base na trajetória histórica da carcinicultura Cofins, nas operações de exportações, operaciona-mundial e literatura especializada e em fatos que lizados por órgãos de desenvolvimento e grandes
Manguezaispreservados:cada vezmais rarosO que ainda ameaça228 agentes financeiros, como BNDES, Banco do passada sérios problemas ambientais associados Brasil, FINEP, Banco do Nordeste, entre outros. à expansão dessa atividade. Em contraponto às expectativas de geração de renda e empregos, essa atividade tem despertado Hoje, as discussões no Brasil focadas na questionamentos quanto à sua sustentabilidade carcinicultura seguem duas vertentes distintas: a ambiental nos próximos anos e à real avaliação degradação ambiental como um todo e o impac- dos riscos aos quais nossos ecossistemas estão to dos problemas ambientais na produtividade sendo submetidos. e no controle de doenças (sustentabilidade). É conhecida a relação direta entre o aparecimento As preocupações não são infundadas, haja e a velocidade de disseminação de doenças e a visto o rastro de insustentabilidade deixado em degradação ambiental. países com tradição na carcinicultura industrial, como Taiwan, Indonésia, Índia, México, Hondu- Assim, para garantia da sustentabilidade da ras e Equador, os quais vivenciaram na década carcinicultura nacional é imperativo o conheci- mento e o monitoramento dos impactos ambien-
tais da atividade; o estabelecimento da capacidade e a ausência do caráter de sustentabilidade. Há O que ainda ameaçade suporte das bacias destinadas à cultura do regiões do Ceará, Piauí e Rio Grande do Nortecamarão; e investimentos em pesquisas voltadas onde foi diagnosticada uma doença caracterizada 229para neutralizar ou reduzir esses impactos, os pela necrose do corpo do camarão, sendo consi-quais possuem elevado nível de complexidade, derada, devido à sua elevada disseminação, comodevido à utilização de recursos específicos e o “ápice de uma trajetória de insustentabilidadediferenciados em cada elo da cadeia produtiva, para uma determinada atividade” (Mello-2003).acarretando diversos efeitos no meio ambiente. Reforçando esse ponto de vista, salienta-se que as doenças associadas à criação do camarão podem Nesse sentido, de acordo com a Associação atingir também outros animais e contribuir para aBrasileira de Carcinicultores (ABCC), foi definido diminuição de populações naturais de carangue-um Código de Práticas Responsáveis sob o ponto jos, peixes, entre outros.de vista ambiental e social para o cultivo do cama-rão, o qual busca contribuir para a conscientização Ainda nesse contexto, apesar de sua altae motivação das partes envolvidas no processo, rentabilidade, a carcinicultura gera impactos am-com o objetivo de assegurar a sustentabilidade bientais de grandes proporções, acabando quaseambiental da atividade. Ressaltamos ainda as sempre em epizootias, cuja repercussão na ativi-orientações feitas pelo poder público, respaldadas dade costeira é desastrosa. As grandes epizootiaspela Resolução do Conselho Nacional do Meio do ano de 1989, devido ao vírus da necrose hipo-Ambiente (Conama) nº 312, de 10 de outubro de dermal e hematopoiética infecciosa (IHHNV), e2002, que dispõe sobre o licenciamento ambiental a de 1992, provocada pelo vírus da síndrome dedos empreendimentos de carcinicultura na zona Taura (TSV), tiveram conseqüências econômicascosteira e sobre a definição legal das áreas onde o nefastas para os países que se dedicavam à car-cultivo de camarão em cativeiro está autorizado, a cinicultura. Essas ocorrências levaram a intensassaber, em salinas abandonadas, áreas de mangue pesquisas, as quais concluíram ser a deterioraçãonão regeneradas e áreas anteriormente destinadas do ambiente de suporte o fator mais importanteà piscicultura ou à pecuária. dentre as causas de epizootias. A atividade parece, contudo, ignorar essas A carcinicultura representa ameaça aindarecomendações, sendo imediatista e sem respon- para a biodiversidade do litoral amazônico bra-sabilidade ambiental, observando-se na prática a sileiro, pois a atividade, proibida até bem poucocontínua expansão da maioria das unidades produ- tempo no Maranhão, tem agora nesse Estado maistoras, especialmente as de menor porte (até 10 ha), uma área de expansão. Devemos chamar atençãoem locais proibidos, tais como áreas de proteção para o aspecto econômico, pois o camarão rosaambiental, mangues naturais ou regenerados. da costa norte do Brasil é o responsável pela principal pescaria da região e faz parte de um dos Por outro lado, verifica-se a atuação deficien- mais importantes bancos camaroneiros do mundo,te das instituições de administração e controle estendendo-se desde Tutóia (MA), até o delta doambiental no âmbito federal (Ibama) e estadual Orinoco, na Guiana. Por outro lado, nos estados(agências de conservação do meio ambiente) em do Maranhão e do Pará, encontram-se cerca derelação à regulamentação, controle e fiscalização 50% da produção total controlada de carangue-das empresas do setor. Desse modo, o que se jo-uçá das regiões Norte e Nordeste, atendendo àobserva na atividade é o elevado risco ambiental demanda de várias capitais nordestinas.
O que ainda ameaça O desequilíbrio da dinâmica ambiental, a O presidente da Associação Brasileira dos partir do desrespeito à capacidade de carga da Criadores de Camarão (ABCC), por outro lado,230 natureza, favorece a explosão de enfermidades alega serem as críticas ao setor desprovidas infecciosas, as quais acabam provocando uma de fundamentação técnica e orquestradas por elevada taxa de mortalidade das populações concorrentes internacionais, tementes da força no cultivo, gerando em seguida um colapso da da carcinicultura brasileira, com o objetivo de atividade. Por outro lado, quando uma empresa desestabilizar um agronegócio que traz amplas aumenta o nível de produção acima dessa capa- perspectivas à economia nacional, sobretudo no cidade de carga, haverá um excesso de poluição Nordeste. Afirma ainda estarem o Ministério Pú- que o ambiente não consegue absorver. Produz-se blico e a Procuradoria da República, de maneira então o colapso do sistema a médio prazo, o qual geral, tomando partido de setores alienados da gera deterioração ambiental e, conseqüentemente, sociedade, desconsiderando as evidências forne- um custo social maior. cidas pelos criadores e o histórico da atividade no Brasil. Outrossim, cita a falta de apoio do Assim, os lucros anteriormente obtidos com a Ministério do Meio Ambiente (MMA), o qual atividade vão para a empresa, enquanto as conse- apenas estaria enfocando aspectos negativos, qüências do empobrecimento ambiental, traduzi- como a destruição dos manguezais e a falta de das em perda da qualidade de vida, são repartidas licenciamento, frutos da incapacidade de fiscali- entre todos os membros da sociedade. zação dos órgãos ambientais, visto que a ABCC é contrária à utilização de áreas de mangue para A carcinicultura conta com problemas si- a prática da atividade. milares aos de muitas outras atividades de pro- dução. Portanto, é urgente definirmos, enquanto O segmento da sociedade representado pelas sociedade, o que queremos que seja sustentável comunidades tradicionais e ambientalistas, por dentro desse agronegócio. Poderíamos priorizar a sua vez, consoantes com a legislação ambiental, produtividade obtida pelo cultivo; a contribuição apoiaram recentemente (janeiro de 2005), junto ao dos recursos naturais; a viabilidade econômica da MMA, a criação de um Grupo de Trabalho (GT) espécie cultivada; a diversidade biológica; a gera- para tratar questões pertinentes à carcinicultura no ção de renda para as gerações futuras; a qualidade Brasil, sendo a iniciativa contestada pela ABCC e ambiental e a integridade cultural das comuni- Associação Brasileira de Entidades Estaduais de dades em relação sociológica satisfatória dentro Meio Ambiente (Abema), sob a alegação de que do contexto humano. No entanto, o que temos uma nova discussão do tema, já realizada em outro verificado é a constatação periódica de denúncias GT do MMA, poderia repercutir na economia dos de impactos socioambientais que apontam para a estados, principalmente no Nordeste. insustentabilidade da atividade no Brasil. Esses firmes posicionamentos por parte dos Os carcinicultores brasileiros rebatem segmentos interessados no fortalecimento da car- dizendo que “enquanto os ambientalistas e o cinicultura brasileira contrapõem-se amplamente meio empresarial não estabelecerem um diálogo aos interesses daqueles que consideram que o tema objetivo e prático definindo uma normatização ainda não foi conclusivamente discutido e que a ambiental única e efetiva a seguir e que seja atividade no Brasil tem como desafio alcançar um exeqüível, a polarização que hoje persiste só vai crescimento harmônico com prudência ecológica, continuar a estimular conflitos e a proliferação eqüidade social e viabilidade econômica. da atividade informal, sem regulamentação, sem limites e sem controle”.
Viveiro irregular Foto: Arquivo CPRH – PEna comunidadedo Chié, Ilha de O que ainda ameaçaItamaracá – PEMeio ambiente Com o crescimento em progres- águas com reduzida salinidade ocorrer artificial- 231são geométrica da população mundial mente de forma gradativa, através de mecanismose a exacerbada utilização dos recursos de mudança da concentração salina nos viveirosnaturais, uma grande pressão está de cultivo.sendo colocada sobre a terra, a água,a energia e os recursos biológicos, Com relação aos efeitos impactantes da ocu-elementos imprescindíveis para a pação do solo, advindos da criação de camarõessustentabilidade da vida no planeta. marinhos, a ocupação de áreas de manguezais é,Sob essa ótica, o desenvolvimento sem dúvida, o que apresenta maior visibilidade.acelerado da carcinicultura tem gerado conflitos e, Assim, diversas revistas de pesquisa têm apontadonos últimos anos, a atividade vem sendo acusada a carcinicultura na costa brasileira como um sériode causar impactos negativos ao meio ambiente, risco de destruição dos manguezais. Segundo aoriginando grandes prejuízos e perdas e destruin- Global Aquaculture Alliance (GAA), o impacto dado ecossistemas importantes, principalmente destruição dos manguezais ocasiona importantesmanguezais, estuários e baías. mudanças ecológicas oceanográficas, além das já mencionadas socioeconômicas. Afora a supres- No Brasil, a carcinicultura tem sido igual- são dos manguezais, a construção de viveirosmente criticada por diferentes segmentos da de camarão promove outros impactos sobre essesociedade, como associações de moradores, ecossistema, como a modificação do fluxo e doinstituições religiosas, cientistas e ONGs. Essas padrão de circulação de água no estuário, cau-últimas, particularmente, têm acompanhado a sada pela construção dos diques. Ainda sobre atrajetória internacional desse agronegócio e mo- construção dos viveiros, pode-se citar as técnicasnitorado a sua expansão em nosso litoral, bem utilizadas no Rio Grande do Norte, onde muitascomo as comunidades diretamente afetadas pela fazendas importam argila de áreas adjacentes aoatividade, através das quais é possível traçar um empreendimento, degradando os locais de onde oclaro paralelo entre os latifúndios de cana-de-açú- material é retirado e impactando a paisagem. Porcar e as grandes fazendas de cultivo de camarão, outro lado, a transferência de solos de caracterís-por suas práticas impactantes, como a derrubada ticas diversas para áreas anteriormente ocupadase queima dos manguezais; a ocupação de áreas por manguezais dificulta a regeneração, caso ade grande diversidade e importância ecológica, atividade venha a cessar.como restingas e apicuns; e a contaminação derecursos como o solo, lençóis freáticos, rios,estuários e baías. Como agravante, estudos recentes apontamuma tendência para o avanço da carciniculturamarinha para regiões mais interiores dos estados,como mata, agreste e semi-árido, levando consigoo risco de impactos ambientais, particularmentepara a região da Mata, como a salinização do solo,devido à aclimatação da espécie marinha para
O que ainda ameaça Da mesma forma, encontram-se relacionados Por outro lado, no Brasil, carcinicultores à implantação da carcinicultura impactos pelo uso vinculados à ABCC, rebatem as críticas ao setor,232 irregular dos corpos d’água, como: alterações alegando que os impactos ocasionados pela ativi- da salinidade através dos efluentes lançados dos dade em nosso litoral são insignificantes quando viveiros, normalmente mais salgados devido à comparados aos de outros setores produtivos. evaporação, descritas como sendo prejudiciais Consideram ainda que hoje a maioria das grandes às espécies de mangue, particularmente ao man- fazendas de camarão em funcionamento localiza- gue-branco (Laguncularia racemosa), de maior se em áreas de litoral superior, como a dos estados afinidade por ambientes de menor salinidade; e a da Bahia e Pernambuco, enquanto no Ceará e no eutrofização do ambiente causada pelos efluentes Piauí predominam em áreas de apicum, e no Rio dos cultivos, por conta da associação e da relação Grande do Norte e Paraíba, nas áreas de antigas direta da biomassa do fitoplâncton e da deman- salinas e viveiros de peixes estuarinos. Afirmam da bioquímica de oxigênio no ambiente com os também que a maioria dos casos de degradação despejos dos viveiros e a biomassa dos camarões dos manguezais esteve associada à construção de cultivados, além da interferência nos processos de canais de abastecimento e descarga de água. colonização de propágulos e sementes da vege- tação devido ao crescimento excessivo de micro Avaliando o exposto, podemos concluir que e macroalgas. no Brasil parece existir uma carcinicultura com duas fisionomias, ou seja: uma degradadora e Entre os demais impactos referentes à utili- outra ambientalmente correta. A primeira formada zação dos corpos d’água, podemos citar ainda a pelo grupo dos pequenos e médios carcinicultores “erosão do pool genético” de certas populações e a segunda representada pelos grandes empre- nativas e enfermidades, em geral relacionadas à sários do setor, levando-nos a recordar conceitos introdução de espécies exóticas; escape da biota hoje totalmente superados, os quais vinculavam, do cultivo para os estuários; utilização de produtos no passado, os atores sociais de menores recursos químicos (terapêuticos, corretores do pH da água e financeiros à condição de maiores poluidores. do solo, pesticidas, fertilizantes e aditivos usados nas rações); salinização de grandes extensões de Não obstante, a esse enfoque resta-nos o terra; deposição de sedimentos e, por fim, altera- questionamento que insiste em não calar: em que ções tróficas nos ecossistemas utilizados. elo da carcinicultura brasileira, cuja produção é direcionada principalmente à exportação, encon- Do ponto de vista ético, vemos que a preo- tram-se esses pequenos e médios carcinicultores, cupação dos segmentos ligados à carcinicultura os quais, mesmo imersos na marginalidade da internacional foi expressa através da “Declaração lei e estigmatizados como contraventores legais de Cholutecas” elaborada em Honduras, em 16 de por infringirem claramente as leis ambientais outubro de 1996, envolvendo delegados governa- brasileiras, insistem em permanecer e não raro mentais e comunitários da América Latina, Eu- se expandir? ropa e Ásia. Essa declaração deixou transparecer uma profunda preocupação com a destruição do *Kenia Valença Correia, bióloga, especialista meio ambiente, particularmente dos ecossistemas em ecologia e professora da Univ. Federal de Per- de florestas, estuarinos e lagunares, transformados nambuco e Bruno Machado Leão, biologo, espe- em áreas de cultivo de camarões, o que confere à cialista em oceanografia biológica, e membro do atividade o caráter de insustentabilidade. GESCQ (texto inclui O problema na prática) Bibliografia: pág 321
O problema na práticaEfeitos socioeconômicos material de construção, pesca, agricultura, O que ainda ameaça forragem, papel, medicina e alimentos como Em várias regiões do mundo, o êxito peixes, crustáceos e moluscos. 233expansionista da carcinicultura alcançado alongo prazo foi tal que deslocou efetivamente Dessa forma, dentre os impactos so-outras atividades econômicas, particularmente cioeconômicos que a atividade apresenta,aquelas vinculadas à subsistência das co- salienta-se a depauperação das comunida-munidades tradicionais, causando rupturas des não envolvidas com o cultivo, pois, denas estruturas sociais locais, desemprego e acordo com membros de comunidades deêxodo. Por ser direcionada à exportação, não pescadores nordestinos, as empresas quetrouxe reais benefícios às comunidades locais desenvolvem a carcinicultura trazem para ae à geração de empregos, a qual foi sempre região sua própria mão-de-obra, restando àem número inferior àqueles destruídos com a população local o trabalho de “roçar os man-perda das áreas de pesca e agricultura. gues” e o de participar na despesca. Com isso, a indústria da carcinicultura tem também No Brasil, os impactos socioeconômicos contribuído para o surgimento de problemasda atividade, em comparação ao cenário como a marginalização social, utilizando-semundial, são de menor intensidade devido, da mão-de-obra local para, além das ativi-principalmente, à baixa ocupação econômi- dades supracitadas, apenas a manutençãoca e densidade populacional verificada nas das instalações e dos cultivos, restringindoáreas exploradas pelo setor. sua função a vigilantes, serviços gerais etc., caracterizando-a como mão-de-obra barata, Quanto aos benefícios socioeconômicos enquanto que as atividades técnicas e dealardeados pela indústria da carcinicultura, manejo são reservadas para profissionaisesses recaem basicamente na geração de com formação especializada, normalmentereceitas e de empregos. Para essa última, adquirida em grandes centros de pesquisade acordo com Rocha (2002), presidente ou universidades.da ABCC, a relação gerada pela atividadeno Brasil é de um emprego permanente por Esse fato é agravado quando se veri-hectare explorado, sendo superior ao verifi- fica que, já em 1996, o cultivo de camarãocado na pecuária e nos cultivos do algodão, no Ceará estava implantado dentro dos trêssoja e milho. principais estuários do Estado, ou seja, o estuário do Rio Acaraú, do Rio Jaguaribe e Por outro lado, percorrendo o litoral do Rio Pirangi, onde o setor pesqueiro tra-nordestino, concordamos com o relatado por dicional era considerado um dos principaisQuesada et al (1998), que um simples hec- recursos econômicos, constituindo-se emtare de manguezal provê a diversas famílias um dos maiores geradores de emprego euma variedade de produtos e serviços, utiliza- renda local. No entanto, com a implantaçãodos historicamente de forma sustentável por da carcinicultura, houve a sobreposição decomunidades costeiras. Assim, os impactos atividades nos espaços comuns, antes maissocioambientais provocados pela perda des- socializados ou democráticos, e a reduçãoses ecossistemas, decorrentes da carcinicul- dos espaços públicos, que foram cercados etura, são realmente relevantes, pois oferecem privatizados, forçando a mudanças das rotasàs comunidades produtos para combustível,
O que ainda ameaça e passagens das comunidades, aumentando ção de empregos e de receita, a indústria da o esforço ao acesso e captação dos recursos carcinicultura comete injustiça social também234 naturais, antes mais facilmente alcançados. na repartição dos lucros obtidos do patrimô- nio natural, bem comum de todos, gerando Essa realidade também vem ocorrendo a exploração de um contingente de homens e sendo denunciada em outros locais do lito- “sem qualificação” como mão-de-obra e, em ral nordestino, como em Sergipe, onde pes- conseqüência, a figura marginal socioeconô- cadores alegam que os viveiros encontrados mica, oriunda de comunidades pesqueiras no distrito de Piabita estão implantados próxi- tradicionais. Seus componentes, qualificados mos aos rios e mangues da região e cercados cultural e dignamente, ao longo dos séculos com cercas elétricas, não raro ocorrendo como pescadores, catadores e marisqueiras, acidentes vitimando pescadores tradicionais correm agora o risco de serem somados a locais, que disputam com a carcinicultura o um novo e emergente perfil de ator social, acesso aos bens e recursos naturais. denominado “os sem água”. A carcinicultura imposta às nossas No caso da “maricultura-cultivo de orga- comunidades litorâneas se diferencia nota- nismos marinhos”, denominação na qual se damente da atividade pesqueira tradicional, enquadra a carcinicultura marinha, os primei- entre outros aspectos, pelo fato de que na ros a serem considerados “sem-água” seriam primeira, a produção é coletada por indiví- os pescadores artesanais, acostumados a duos ou associações que são donos dos extrair dos ecossistemas costeiros o sustento organismos aquáticos em cultivo. Já na se- de sua família e que nunca tiveram a preocu- gunda, a produção corresponde à extração pação, tampouco a possibilidade econômica, de recursos hidrobiológicos de livre acesso, de adquirir a posse de terras costeiras que que podem ser explorados por qualquer pudessem agora utilizar para o cultivo de pessoa ou entidade. Assim, vemos que com organismos aquáticos, como, por exemplo, o a expansão da carcinicultura em nosso litoral camarão marinho. Desse modo, eles perdem, tem ocorrido uma transformação do modo de com a instalação das fazendas de camarão aproveitamento e acessibilidade aos recursos em áreas litorâneas, suas áreas de ocupação naturais, com a utilização por particulares, habitacional, além de direito ao livre acesso através da privatização e desapropriação, de aos recursos naturais antes utilizados. recursos antes utilizados comunitariamente como rios, manguezais, áreas de restinga, No entanto, aparentemente alheios à am- apicuns e baías, para o cultivo de camarões. pla dimensão de todo esse quadro socioeconô- Convém também salientar que a terra adqui- mico, construído através do desenvolvimento rida para a implantação do negócio da carci- da carcinicultura brasileira, Vieira-Filho (2002), nicultura, em geral, é comprada de pequenos ligado ao segmento empresarial da carcinicul- proprietários e donos de fazendas costeiras tura, refere a seguinte “máxima”: “Estamos por grandes companhias, incrementando deixando de ser pescadores e nos tornando o preço e induzindo seus antigos donos a aqüicultores”, a qual esconde atrás de si a idéia vendê-la, sobretudo pela carência de capital do desaparecimento da cultura dos pescadores para investir em carcinicultura. tradicionais e, conseqüentemente, da democra- Não obstante, com o discurso de gera- tização dos espaços de uso comum.
Oportunidades e experiências 235 Oportunidades eexperiências
Oportunidades e experiências Apartir da década de 1980, a luta de am- Tecnologia usada em prol da conservação bientalistas e cientistas pela proteção236 da Mata Atlântica começou a gerar A seguir, são apresentados alguns desses resultados em diversas áreas, tais como aprova- avanços científicos e iniciativas voltadas à recu- ção de novas e mais rígidas leis e regulamentos, peração e uso sustentável por parte de governos, criação de órgãos federais, estaduais e municipais iniciativa privada e organizações não-governa- de meio ambiente, criação de novas unidades de mentais, além de casos de integração entre essas conservação e iniciativas de recuperação e uso várias instâncias, como é o caso da Reserva da sustentável dos recursos florestais, principalmente Biosfera da Mata Atlântica. São exemplos de por parte de organizações não-governamentais oportunidades que podem, e devem, ser utilizadas (ONGs) e de alguns proprietários de terras. Essa como incentivo e fonte de inspiração para orga- nova realidade propiciou também um aumento nas nizações, administradores públicos, empresas e pesquisas, o que tem gerado constantes avanços, cidadãos interessados em viver em um planeta como a descoberta de muitas espécies, proteção mais saudável e com melhor qualidade de vida das que estão ameaçadas e novos usos para a para todos. biodiversidade. Ciência Esse conjunto de iniciativas e projetos vem sendo implementado pelo governo federal, esta- Paraná dos, municípios, ONGs, instituições acadêmicas e privadas. O estudo “Quem faz o que pela Mata Artigos científicos Atlântica – 1990-2000” (Rede de ONGs da Mata Atlântica, Conselho Nacional da Reserva da A Fundação O Boticário de Proteção à Natu- Biosfera da Mata Atlântica, Instituto Socioam- reza organiza, em conjunto com a Rede Pró-Uni- biental e WWF-Brasil – 2004) cadastrou 747 dades de Conservação, o Congresso Brasileiro de projetos, dos quais 47,18% executados por ONGs, Unidades de Conservação. Trata-se de um evento 20,77% por órgãos públicos municipais e os de- bienal, cuja primeira edição foi em 1997, que tem mais por organizações governamentais estaduais, se consolidado como o maior evento sobre o tema federais e por instituições de pesquisa e iniciativa na América Latina. Na sua quarta edição, ocorrida privada. em Curitiba, em 2004, o Congresso reuniu cerca de 1.800 participantes de diferentes regiões do Atualmente, somam-se a essas iniciativas e projetos o aprimoramento da legislação protetora, o fortalecimento de instituições governamentais e não-governamentais, a vigilância da imprensa e da sociedade, bem como o aumento do conhecimento científico sobre a biodiversidade e importância da MataAtlântica. Juntos, representam um importante avanço na conservação dos atuais 7,8% de rema- nescentes, contribuindo na busca do desmatamento zero e abrindo uma perspectiva para se iniciar um processo de recuperação mais efetivo do bioma.
Brasil e de outros países das Américas, onde fo- ONG Mater Natura, habitando áreas das bacias Oportunidades e experiênciasram discutidos um pouco da história, da situação hidrográficas dos rios Iguaçu e Tibagi, próximasatual e das perspectivas futuras das unidades de à região metropolitana de Curitiba. O pequeno 237conservação no Brasil. pássaro de 12 gramas sobreviveu em apenas 24 locais de maior altitude, depois da formação do Foto: Marcos Burchaisen Como parte da programação desse evento, reservatório da Barragem do Iraí que alagou suasão apresentados trabalhos técnico-científicos, principal área de ocorrência.selecionados por um grupo de colaboradoresvoluntários com reconhecida expertise no tema, Ao ser encontrada já em situação seriamenteque resulta na publicação de um livro com os ameaçada de extinção, a ave tornou-se um símboloartigos selecionados na íntegra, compondo o da campanha de educação ambiental do municípiomaior conjunto de informações e contribuições de Pinhais, Paraná. A história de sua descobertaao conhecimento das unidades de conservação nas várzeas marginais aos rios é contada no livrodo Brasil. “Por um sonho real” e numa peça de teatro levada a várias escolas. Mais de 3 mil alunos de primeira Na área do Domínio da Mata Atlântica, foram à quarta série, em treze escolas e creches, já ouvi-publicados 181 artigos, considerando os quatro ram as lições ambientais do macuquinho.eventos ocorridos da série, sendo a maioria (53%)realizados em unidades de conservação localiza- Macuquinho-da-várzeadas na área de ocorrência da floresta ombrófiladensa. Cerca de 23% dos artigos publicados foram O objetivo tem sido mostrar para crianças erealizados em unidades localizadas na floresta jovens que o macuquinho-da-várzea está amea-estacional semidecidual/decidual, tanto em áreas çado porque seu hábitat vem sofrendo diversosde contato com outras formações florestais como impactos, como a extração de areia do subsolo,nas regiões de contato com o Cerrado. Unidades loteamentos, drenagens, formação de pastagensde conservação englobando os ecossistemas cos- e o fogo. Já o aspecto do animal, com plumagemteiros foram abordadas em aproximadamente 16% preta no dorso e cinza no ventre, além do cantodos trabalhos publicados, enquanto na floresta que consiste na repetição de uma única nota porombrófila mista foram apresentados somente 13 até onze minutos, são revelados como forma deartigos, o que representa cerca de 7% do total. despertar o afeto das crianças pelo animal, esti- mulando a proteção ambiental. Em termos de representatividade regional das Conheça mais: www.maternatura.org.bráreas tratadas nesses artigos, há um predomíniode trabalhos realizados em unidades de conser-vação localizadas no Sudeste e Sul do Brasil,notadamente nos estados de São Paulo, Rio deJaneiro e Paraná.Conheça mais: http://internet.boticario.com.br/portal/site/fundacao/ Macuquinho-da-várzea Totalmente desconhecido pela ciência, omacuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis)foi descoberto em 1997 por pesquisadores da
Oportunidades e experiências Rio Grande do Sul É possível determinar que o araçá-piranga deve ser considerada uma espécie chave e pode-238 Estudo constata raridade de se resumir sua característica ecológica para espécie arbórea* um tipo de hábitat essencialmente florestal, de estágio sucessional avançado para clímax. Com Pesquisa realizada pelo Núcleo Socioam- base nos dados coletados, é possível determinar biental Araçá-piranga constatou a extrema rari- no estado do Rio Grande do Sul um novo limite dade da espécie arbórea araçá-piranga (Eugenia oriental e setentrional para a espécie, bem como multicostata). Com ocorrência exclusiva na Mata estabelecer a atual área geográfica e o respectivo Atlântica, a espécie consta da Lista de Experts em limite físico. Genética, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). A espécie pode ser utilizada como referên- cia para implementar corredores ecológicos que A planta possui importância histórica, pois tenham por objetivo conectar ecossistemas signi- seu nome figura como denominação de diversas ficativos, bem como permitir o fluxo gênico desse localidades, entre elas o município de Sapiranga, tipo de comunidade. Além disso, tem importante no Rio Grande do Sul. Além disso, seu tronco teve função quando for necessário identificar ecossiste- grande utilidade madeireira, na construção dos mas conservados em forma de mosaicos, incluin- eixos de rodas d´água, no período colonial. Seu do-se como prioritários para sua conservação. fruto tem tamanho superior à média existente na Mata Atlântica e chega a atingir de 5 a 7 cm de O araçá-piranga foi acrescido na lista de diâmetro, além de ser comestível e saboroso. espécies ameaçadas de extinção da FAO (2001), caracterizada como de extrema prioridade e ex- Araçá-piranga é um dos nomes comuns de tremamente rara, sendo reconhecida como de uti- Eugenia multicostata Legr. que foi dado pelos pri- lização para madeira industrial, para alimentação meiros residentes da região de Sapiranga, os indí- humana e de caráter medicinal. Esses aspectos genas Caigangues. A sua provável abundância na reforçam a necessidade de estudos da distribuição região levou os primeiros colonizadores alemães e variabilidade genética das populações de araçá- a referir-se ao atual município como “As Terras piranga no Brasil. de Sapiranga”. Esse nome foi significativo pois serviu de referência para delimitação de terras na *Luís Fernando Stumpf, biólogo, coordenador região, conforme consta nos registros do Arquivo da ONG Araçá-Piranga Histórico do Rio Grande do Sul (1870). Conheça mais: http://www.raufer.com.br/ Segundo Wingert e Wermüller, moradores arasapiranga do interior do município de Sapiranga, o araçá- piranga teve utilidade como eixo de rodas d’água São Paulo devido ao seu tronco reto, cilíndrico e de madeira muito resistente, e ainda no uso de cunhas de Bicudinho-do-brejo-paulista madeira para a regulagem de moinhos de farinha. O fruto parece-se como o da pitanga, porém de O trabalho de manejo e resgate da fauna nos tamanho maior, variando entre 3 a 5 cm de diâ- arredores dos municípios de Biritiba Mirim e metro, sendo as costas profundas e sulcadas. É Paraitinga, para a construção de duas barragens uma espécie típica da floresta ombrófila densa e da represa Paraitinga, trouxe mais uma descoberta sua distribuição geográfica abrange os estados de para o meio ambiente paulista. O pesquisador Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Luís Fábio Silveira, pesquisador do Departamento insulares), espécie endêmica e com características Oportunidades e experiênciasde Zoologia do Instituto de Biociências da Uni- muito peculiares. Atualmente, também se reali-versidade de São Paulo (USP), confirmou ali a zam expedições para Alcatrazes, onde a atenção 239presença de uma nova espécie de pássaro, com o é voltada para a jararaca-de-alcatrazes (Bothropsnome científico de stymphalornis sp.nov e o nome alcatraz), cujas opções evolutivas diferenciadaspopular de bicudinho-do-brejo-paulista. deram origem a uma espécie única. Por viver em áreas de brejo ameaçadas e A jararaca ilhoa foi descrita em 1921 pelomuitas já alagadas pelo empreendimento do De- herpetólogo Afrânio do Amaral (1894-1982),partamento de Água e Energia do Estado de São do Instituto Butantan. Muitas das característi-Paulo (DAEE), a nova espécie deverá ser incluída cas, como veneno e hábitos, são uma respostana lista dos animais em extinção. As próprias ca- adaptativa às condições ambientais na Queimadaracterísticas do animal, com aproximadamente 8 Grande. Ao contrário da maioria das jararacas dogramas, coloração acinzentada e pouca vocaliza- continente, cujos adultos caçam principalmenteção, permitiram que ele passasse desapercebido roedores, os adultos da ilhoa se alimentam so-frente a outras espécies mais vistosas e se adaptas- bretudo de aves. A nova dieta, necessária pelase às modificações comuns do ambiente de brejo inexistência de pequenos mamíferos terrestrescom taboais, um tipo de vegetação aquática. Ainda (roedores, marsupiais) na ilha, imprimiu à espécieassim, a espécie se encontra bastante reduzida e ainda outras características interessantes, comoo pesquisador da USP coletou o maior número a ação do veneno, cinco vezes mais potente parapossível de animais (cerca de 72 exemplares) para matar uma ave que o da jararaca comum.soltá-los em localidades próximas com ecossiste-mas semelhantes, antes do alagamento. Com o mesmo problema da jararaca ilhoa — falta de roedores na ilha —, a jararaca-de- As ameaças do desmatamento e da cons- alcatrazes encontrou solução diferente: passoutrução de grandes empreendimentos na região a caçar invertebrados (principalmente lacraiasafetam, principalmente, os mananciais que abas- e centopéias) e pequenos anfíbios, alimento dastecem a Grande São Paulo, já que ali se localizam jovens jararacas do continente. Talvez por esseas cabeceiras do Rio Tietê, cuja proteção reflete motivo, também ficou do tamanho das juvenis,na qualidade da água fornecida à metrópole. Para ou seja, virou anã. Um exemplar adulto atinge, noo analista ambiental do setor de Fauna do Ibama, máximo, 50 centímetros, enquanto a continentalCarlos Yamashita, a presença de animais como pode chegar a 2 metros. A jararaca ilhoa fica entreo bicudinho-do-brejo-paulista é um indicador da as duas, com até 1 metro de comprimento.saúde do ambiente e conseqüentemente da quali-dade de seus recursos hídricos. Embora tenha sido encontrada já na expe- dição do Museu de História Natural em 1920,Conheça mais: http://www.ibama.gov.br/sp/ a jararaca-de-alcatrazes foi descrita e batizadaindex.php?id menu-24&id arq=33 apenas em 2002 pelos pesquisadores Otávio A.V. Marques, do Instituto Butantan; Márcio Martins, Jararacas ilhoas da Universidade de São Paulo; e Ivan Sazima, da Universidade de Campinas. Desde a década de 20 do século passado,cientistas do Instituto Butantan fazem viagens à Além de ter sido descrita há mais tempo,Ilha da Queimada Grande. O principal foco de in- a observação da jararaca ilhoa é facilitada parateresse das pesquisas é a jararaca ilhoa (Bothrops os cientistas por contar com uma das maiores
Oportunidades e experiências densidades de serpentes conhecidas no mundo, Mata Atlântica delimitado pela Estação Bio- estimada em pelo menos 2.000 indivíduos. São lógica de Boracéia, Parque Estadual da Serra240 tantas cobras, que os pesquisadores chegam a do Mar – Núcleos Cunha e Picinguaba, Parque deparar até sessenta delas em um só dia, enquanto Estadual de Carlos Botelho, Tapiraí e Pariquera- da jararaca-de-alcatrazes encontram, em média, Açu, totalizando uma área aproximada de 28 mil três por dia, número semelhante ao revelado em quilômetros quadrados. A área de ocorrência den- estudos de jararacas do continente na Mata Atlân- tro de Unidades de Conservação já garante um grau tica nas últimas décadas. de proteção diferenciado para a espécie, mas para sua oficialização perante a comunidade científica O Butantan está testando a eficiência e as é necessária a publicação de um artigo em revista diferenças do veneno dessas espécies. Entre os internacional, com uma descrição em Latim. resultados já encontrados, está que o veneno da ilhoa jovem é mais ativo em invertebrados e me- A descoberta também revela a lacuna de nos em roedores. Quando adulta, a composição conhecimento sobre a diversidade florística dos muda e o veneno se torna muito ativo em aves. biomas paulistas. Nos últimos anos, já foram Todo esse interesse se justifica porque cada subs- descobertas outras três novas espécies da mesma tância identificada pode resultar em um remédio família Lauraceae, duas na Mata Atlântica do Es- importante. O veneno da jararaca do continente, pírito Santo e a outra em São Paulo, especialmente por exemplo, deu origem a medicamentos como no Parque Estadual da Serra do Mar. o anti-hipertensivo Captopril (ansiolítico), cujo nome foi patenteado por uma multinacional e o Conheça mais: www.iflorestsp.br Evasin, patenteado por pesquisadores do Instituto Butantan. Por meio de um contrato com a Fun- Sapo reencontrado dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Instituto Butantan mantém uma Um grupo de pesquisadores do Museu de equipe dedicada a isolar princípios ativos, na qual Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) o pesquisador fica com 30% da patente. redescobriu no interior do Estado o sapinho Para- telmatobius gaigeae, de apenas alguns centímetros, Conheça mais: www.butantan.gov.br considerado extinto desde a década de 1930. O trabalho faz parte de um levantamento da fauna de Nova espécie da família das canelas animais vertebrados que habita a Estação Ecológica de Bananal e descobriu também duas possíveis Um esforço comum entre diversas institui- novas espécies no local, um anfíbio e um réptil. ções de pesquisa do estado de São Paulo inten- sificou a coleta de materiais botânicos no Estado Morador da Mata Atlântica, o P. gaigeae foi e permitiu ao Instituto Florestal identificar uma retratado seis décadas atrás pelo médico brasileiro nova espécie de árvore da Mata Atlântica. Trata-se Adolpho Lutz, que recolheu dois espécimes em de uma árvore com até 17 metros de altura perten- 1931 na Fazenda do Bonito, na Serra da Bocaina, cente à família Lauraceae, a família das canelas, na divisa entre o Rio e São Paulo, e pintou retratos a qual pertence também a imbuia, o abacate, a de seu dorso e da barriga vermelha. Foi com base canela-preta, entre outras. nessas pranchas coloridas que a espécie foi descri- ta em 1938, mas depois os exemplares sumiram, Até o momento, os cientistas reconhecem assim como o sapo na natureza. a presença da nova espécie num polígono de
Reencontrada, a nova população da espécie Foto: Peter Mix Pesquisa da Embrapa Pantanal, com o apoio 241 já é considerada ameaçada de extinção, principal- da Companhia Energética de São Paulo (CESP) mente porque a Estação Ecológica é praticamente Oportunidades e experiênciase Fundação Dalmo Giacometti indicam que as uma ilha, com seus 884 hectares de Mata Atlântica últimas populações remanescentes do cervo, fora cercados, de um lado, por uma área plantada de do Pantanal Mato-grossense, são cerca de 103 pinus quatro vezes maior do que a unidade de indivíduos no Rio Correntes e tributários, em conservação e, do outro, por uma região devas- Goiás, 350 indivíduos na área de influência da tada, primeiro pela plantação de café, depois pela usina hidrelétrica de Porto Primavera, entre São exploração da madeira que alimentava com carvão Paulo e Mato Grosso do Sul, e 1.550 indivíduos a indústria siderúrgica. nas várzeas do Parque Estadual de Ivinheima e Parque Nacional de Ilha Grande, na divisa dos O trabalho é coordenado pelo curador da estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. coleção de Herpetologia do Museu, Hussam Zaher e já identificou mais de 70 espécies no Construção de barragens, drenagem de áreas local desde dezembro de 2003, lista que não pára úmidas, assoreamento de canais de rios e várzeas, de crescer. pastoreio de gado, queimadas, diques, estradas e Conheça mais: www.mz.usp.br extração de argila são apontados pelos pesquisa- dores como as principais causas da degradação de São Paulo e Mato Grosso hábitats dos cervos-do-pantanal. A pesquisa vai do Sul ajudar na elaboração de um plano de conservação da espécie na área de influência de Porto Prima- Cervo-da-mata-atlântica* vera, que teve mais de 1.000 indivíduos afetados com a construção da usina hidrelétrica Engenheiro A articulação entre Ministério Público, com- Sérgio Motta, no final dos anos 1990. panhia energética, ONG e instituições de pesquisa pode trazer de volta o cervo-do-pantanal (Blasto- Em São Paulo, onde na década de 1980, o cerus dichotomus) para o bioma Mata Atlântica. cervo era encontrado nas regiões de Promissão e De ocorrência original em quase toda a América Pereira Barreto, no Rio Tietê, na Reserva Florestal do Sul, o maior cervídeo brasileiro está reduzido a da Lagoa São Paulo e nas planícies de inundação pequenas populações em alguns tributários e rios do Rio Paraná, a pesquisa ganhou aliados – são a da bacia do Rio Paraná, parte da qual incluída nos Procuradoria da República, o Ministério Público limites do Decreto 750/93 que define legalmente Estadual e a ONG Apoena, que propuseram a os domínios da Mata Atlântica. criação dos parques estaduais dos rios do Peixe e Aguapeí, onde sobrevivem as últimas populações Cervo- viáveis de cervo-do-pantanal no Estado.da-mata-atlântica No sudeste do Mato Grosso do Sul, onde a Mata Atlântica inicia a transição para o Cerrado, pesquisadores e ambientalistas estão defendendo a anexação de novas áreas protegidas à RPPN Cisalpina, com o aproveitamento das várzeas do Rio Verde, a criação de unidade de conservação na confluência dos rios Pardo e Inhanduí, além de recuperação de hábitats, manejo adequado
Oportunidades e experiências das unidades existentes e monitoramento da po- Sobre o aperfeiçoamento da legislação, pulação a longo prazo. Utilizando o cervo como o Ministério do Meio Ambiente vem há anos espécie-bandeira para a conservação das várzeas acompanhando e trabalhando junto ao Congresso da Mata Atlântica, esperam conseguir um mosaico Nacional pela aprovação do PL Mata Atlântica de áreas protegidas na bacia do Rio Paraná (PL 3285/92), de autoria do Deputado Fabio Feldmann, aprovado por unanimidade na Câ- * Djalma Weffort, jornalista, é presidente da mara Federal em 3 de dezembro de 2003 e que Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes atualmente tramita no Senado aguardando votação e Mata Ciliar (Apoena) daquela casa. Conheça mais: www.apoena.org.br; www.cesp.com.br; www.embrapa.gov.br242 Governos A situação crítica em que se encontram os Houve também avanços em Resoluções do Reunião do remanescentes das formações florestais e ecossis- Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), GT Mata temas associados e toda a rica biodiversidade da como a 278/01, que suspendeu temporariamen- Atlântica Mata Atlântica somente despertou a atenção dos te as autorizações para corte e exploração de setores públicos brasileiros, de forma mais efetiva espécies ameaçadas de extinção, constantes da e proativa, nas últimas duas décadas. lista oficial do Ibama (Portaria nº 37-N/92), em populações naturais no bioma. Ainda no âmbito No âmbito do Ministério do Meio Ambiente do MMA, a edição da Instrução Normativa MMA destacam-se iniciativas visando o aperfeiçoamento nº 8/04, sobre colheita e transporte de espécies da legislação, instituição de projetos e programas florestais nativas plantadas, estabelece a obrigação para apoiar ações de conservação e recuperação de vistoria de campo para comprovar o efetivo do bioma e ampliação do nível de parcerias e plantio, antes da concessão de autorização de participação das instituições da sociedade civil. corte e transporte. Mata Atlântica: ação do governo é necessária e A participação de setores governamentais e urgente não governamentais na discussão de ações, polí- ticas e programas para o bioma foi ampliada com a criação do Grupo de Trabalho (GT) da Mata Atlântica, instituído pela Portaria 221, de 9 de
maio de 2003, integrado pelas seguintes institui- Este GT tem exercido importante papel no Oportunidades e experiênciasções governamentais e da sociedade: sentido de contribuir com a discussão e proposição das prioridades a serem observadas pelo Ministé- 243“I – dois representantes dos seguintes órgãos e rio do Meio Ambiente.entidades:a) do Ministério do Meio Ambiente, que o coor- Sobre projetos e programas voltados a apoiardenará; ações de conservação e recuperação da Matab) da comunidade científica, indicados pela So- Atlântica é importante mencionar o pioneirismociedade Brasileira para o Progresso da Ciência do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA),(SBPC), sendo um da área das ciências biológicas criado pela Lei 7.797/89, e que, desde então, jáe um da área das ciências humanas; apoiou centenas de projetos descentralizados nac) do setor empresarial, sendo um indicado pela Mata Atlântica e também nos demais biomasConfederação Nacional da Indústria e um pela brasileiros.Confederação Nacional da Agricultura. No âmbito dos estados, uma das principaisII – um representante de cada órgão e entidades iniciativas são os projetos bilaterais, desenvolvi-abaixo indicados: dos pelos estados de São Paulo, Paraná, Santa Ca-a) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos tarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e MinasRecursos Naturais Renováveis (Ibama); Gerais, que contam com a cooperação financeirab) do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do e técnica do governo da Alemanha, através doRio de Janeiro (JBRJ); Banco KfW e da Agência de Cooperação Alemãc) do Ministério da Agricultura e do Abasteci- (GTZ). Esses projetos têm como foco principal amento; implantação de unidades de conservação estaduaisd) do Ministério da Ciência e Tecnologia; e o monitoramento e fiscalização dessas unidadese) do Ministério do Desenvolvimento Agrário; e do seu entorno.f) da Associação Brasileira de Entidades de MeioAmbiente (Abema); Projetos federaisg) da Associação Nacional dos Municípios e MeioAmbiente (Anamma); Projetos Demonstrativos do PPG7h) do Conselho Nacional da Reserva da Biosferada Mata Atlântica (CNBRMA); Uma das primeiras iniciativas do Ministérioi) de organizações indígenas da Mata Atlântica; do Meio Ambiente visando a proteção e recupera-j) de comunidades de pescadores artesanais da ção da Mata Atlântica ocorreu em 1992, quando,Mata Atlântica; no âmbito das negociações com o G7 (Grupo dosl) de organizações de comunidades quilombolas sete países mais ricos do Planeta), o Governoda Mata Atlântica. brasileiro, atendendo reivindicação da sociedade civil, incluiu a Mata Atlântica no Programa PilotoIII – três representantes ambientalistas indicados para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasilpela Rede de ONGs da Mata Atlântica, sendo: (PPG7). O Programa Piloto, iniciado efetivamen-a) um da Região Nordeste; te em 1995, teve seu foco maior na Amazônia,b) um da Região Sudeste; reservando, no entanto, parte dos recursos doc) um da Região Sul/Centro Oeste.” Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA) para a Mata Atlântica. Em sua primeira fase, o PDA apoiou 47 projetos descentralizados na Mata Atlântica,
Oportunidades e experiências executados por organizações da sociedade civil, Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e investindo um total aproximado de 6 milhões de coordenador do Núcleo Mata Atlântica, Wigold244 dólares do subprograma e 3,2 milhões de dólares Schäffer de contrapartida dos executores. processo de consulta e participação, envolvendo Esses projetos geraram importantes resul- os setores governamentais e não governamentais, tados e licões de conservação e recuperação da acadêmico, empresarial, doadores internacionais Mata Atlântica. Um dos principais legados dessa e Banco Mundial, em três seminários: Brasília primeira fase do PDA foi o fortalecimento insti- (DF) – 28 de julho de 2000; Salvador (BA) – 11 tucional das organizações executoras e o aumento e 12 de setembro de 2000; e São Paulo (SP) – 25 da massa crítica e capacidade executora de pro- e 26 de setembro de 2000. jetos por parte dessas organizações da sociedade civil. O PDA também proporcionou uma maior A proposta, no valor global de 115 milhões articulação e parcerias entre as instituições da so- de dólares, foi aprovada pela Comissão de Co- ciedade civil organizada e entre estas e os órgãos ordenação Brasileira do PPG7 (CCB) em 26 de governamentais. O Governo Alemão através do janeiro de 2001 e pela Comissão de Coordenação Banco KfW é o principal doador do PDA, que Conjunta (CCC) em 8 de fevereiro de 2001. Com conta ainda com a cooperação técnica da Agência a aprovação na CCB e CCC, o Subprograma Mata de Cooperação Técnica Alemã (GTZ). Atlântica tornou-se a referência para o MMA iniciar a captação dos recursos necessários à sua Plano de Ação da Mata Atlântica implementação. Desde o início das negociações do PPG7, a O Subprograma Mata Atlântica tem como sociedade civil reivindicou, principalmente atra- base estruturadora as Diretrizes para a Política de vés da Rede de ONGs da Mata Atlântica, maior Conservação e Desenvolvimento Sustentável da participação do bioma no Programa Piloto. Em Mata Atlântica, aprovadas pelo Conselho Nacio- 1998, o Ministério do Meio Ambiente promo- nal do Meio Ambiente (Conama) em dezembro veu um Seminário Nacional onde foi discutido de 1998, o Plano de Ação para a Mata Atlântica o “Plano de Ação da Mata Atlântica”, o qual foi (1998) e as Ações Prioritárias para a Conservação aprovado em outubro de 1999 pelos seus partici- da Biodiversidade da Mata Atlântica e Campos pantes (doadores, Governo brasileiro, sociedade Sulinos (Probio/Pronabio, 1999). civil e Banco Mundial), como subsídio para a elaboração do Subprograma Mata Atlântica no Os objetivos do Subprograma Mata Atlântica âmbito do PPG7. visam: a) assegurar a conservação da biodiver- Subprograma Mata Atlântica Tendo como base de discussão o Plano de Ação da Mata Atlântica, o Subprograma Mata Atlântica do PPG7 foi elaborado sob a coorde- nação do Núcleo dos Biomas Mata Atlântica e Pampa da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, num amplo
sidade da Mata Atlântica, reduzindo significa- Santa Catarina e Paraná; f) apoio aos estudos para Oportunidades e experiênciastivamente o seu processo de empobrecimento, criação e ampliação de unidades de conservaçãoatravés da ampliação das unidades de conservação no Sul, Baixo Sul e Extremo Sul da Bahia e noe redução drástica do desmatamento ilegal; b) Nordeste de Minas Gerais; g) apoio ao estudo parapromover o desenvolvimento sustentável, assegu- implementação de corredor ecológico no Vale dorando a utilização dos recursos naturais de forma Rio Pelotas, visando manter o fluxo gênico entreecologicamente sustentável e socialmente justa, a calha do Rio Pelotas, seus principais afluentes econtribuindo significativamente para a redução os Parques Nacionais de São Joaquim e Aparadosdo processo de empobrecimento cultural na Mata da Serra; h) elaboração de uma proposta de moni-Atlântica; c) promover a recuperação de áreas toramento participativo da Mata Atlântica.degradadas da Mata Atlântica. Projeto Mata Atlântica PDA Mata Atlântica 245 O PDA Mata Atlântica é o primeiro compo- O Projeto Mata Atlântica, iniciado em 2004 nente do Subprograma Mata Atlântica a iniciarcom o apoio financeiro do Banco Mundial e sua execução. Estará investindo em três anos, acooperação técnica da Organização das Nações partir de 2005, 17,69 milhões de euros de doa-Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), ção do Governo da Alemanha através do Bancotem como objetivo apoiar ações de planejamento, KfW e aproximadamente 10 milhões de reais deimplementação e acompanhamento das políticas contrapartida do Ministério do Meio Ambiente,para a Mata Atlântica em nível nacional no âmbito em projetos de conservação da Mata Atlântica. Odo Ministério do Meio Ambiente. PDA Mata Atlântica está dividido em Ações de Conservação de Nível Nacional e Ações de Nível As principais ações em execução são: a) ela- Local ou Regional.boração, tendo como base o Subprograma MataAtlântica do PPG7, de um Programa Nacional Força-tarefa de estudos para criação de UCspara a Mata Atlântica e promoção de atividadesde captação de recursos para projetos e ações nosbiomas Mata Atlântica e Pampa. Esse Programadeverá potencializar as iniciativas federais, esta-duais e da sociedade em todo o bioma; b) atuali-zação e complementação das informações sobreáreas prioritárias para a conservação, utilizaçãosustentável e repartição dos benefícios da biodi-versidade dos biomas Mata Atlântica e Pampa; c)apoio a organização de eventos e campanhas pelaconservação dos biomas Mata Atlântica e Pampa,em parceria com organizações de sociedade civil;d) acompanhamento da tramitação do Projeto deLei da Mata Atlântica (PL 3.285/92) no SenadoFederal; e) apoio aos estudos para criação de oitonovas unidades de conservação na floresta om-brófila mista nos estados do Rio Grande do Sul,
Oportunidades e experiências Ações de conservação de nível nacional des de conservaçãos ou zonas de amortecimento, visando fortalecer a implantação e gestão dessas246 Essas ações visam alcançar resultados com UCs de acordo com o previsto no Sistema Nacio- efeito em âmbito nacional, contribuindo para a nal de Unidades de Conservação (SNUC), que conservação e recuperação de todo o bioma: uniformizou a base conceitual referente às áreas protegidas, especialmente no que concerne às a) Implantação de um sistema de monitoramento categorias de unidades de conservação nas três es- participativo da Mata Atlântica em âmbito nacio- feras de governo (federal, estadual e municipal). nal - Visa fornecer informações e subsídios para o estabelecimento de planos de ação de prevenção, c) Campanha de conscientização e mobilização controle e combate a desmatamentos ilegais; con- nacional sobre preservação e conservação da Mata trole e combate a queimadas e incêndios florestais; Atlântica - Pretende trabalhar com a percepção intensificação das ações de monitoramento, con- das pessoas no sentido de difundir a importância trole e fiscalização, reforçando as iniciativas dos da preservação, recuperação e desenvolvimento órgãos públicos federais, estaduais e municipais sustentável e a necessidade da participação dos de meio ambiente e das organizações da socie- cidadãos nessas ações de conservação e recupe- dade civil; e atualização das informações sobre ração do bioma Mata Atlântica. as áreas de risco potencial para desmatamentos e queimadas, bem como áreas para a criação de Estudos para identificação, valoração e re- unidades de conservação. gulamentação dos serviços ambientais da Mata Atlântica e desenvolvimento de mecanismos O Ministério do Meio Ambiente iniciou um financeiros inovadores. mapeamento do histórico de uso e ocupação da terra em áreas propostas para criação de novas Esses estudos pretendem identificar e valo- unidades de conservação, em áreas críticas e em rar os serviços ambientais dos remanescentes de outras áreas de grande importância para a con- Mata Atlântica, essenciais para a conservação da servação da biodiversidade. Para o mapeamento biodiversidade, manutenção dos recursos hídricos, inicial dessas áreas são utilizadas imagens de conservação do solo, recreação e lazer, retenção satélite de alta resolução, as quais são posterior- de sedimentos e regulação do clima. A Mata mente comparadas com imagens de diferentes Atlântica, por estar localizada em área de maior datas visando obter a evolução histórica do uso densidade demográfica do País e ter sofrido forte do solo dessas áreas. Esse trabalho, que conta conversão das florestas para outros usos do solo, com a parceria do Instituto Nacional de Pesquisas faz com que seus pequenos e fragmentados rema- Espaciais (INPE), visa implementar um monito- nescentes florestais exerçam papel fundamental ramento periódico e sistemático dessas áreas e, no fornecimento de serviços ambientais. assim, possibilitar a intervenção sempre que os desmatamentos estiverem no início e não apenas d) Elaboração de planos e implantação de corredo- quando o estrago já estiver feito. res ecológicos em áreas prioritárias estabelecendo conectividade com áreas de preservação perma- b) Capacitação em gestão de Unidades de Con- nente e reserva legal em nível local e regional servação - Pretende preparar representantes de - Essa ação pretende apoiar a realização de planos entidades governamentais e da sociedade civil de implantação de corredores ecológicos em áreas organizada, com atuação relevante junto à unida- críticas da Mata Atlântica e apoiar a implementa- ção de um ou mais corredores que possam servir de exemplo demonstrativo sobre a viabilidade
e) Restauração e recuperação da cobertura vegetal nativa e outras medidas mitigadoras do efeito da fragmentação de habitats em áreas prioritárias e em áreas de mananciais e recarga de aqüíferos. f) Uso sustentável dos recursos naturais através do ecoturismo em áreas de relevância ambiental.Reunião de constituição dos mesmos. Nos biomas onde Corredor Ecológico Oportunidades e experiências do GT as formações vegetais naturais apresentem alto O Projeto Corredores Ecológicos, voltadoAraucária para o desenvolvimento de ações de proteção e índice de fragmentação devido à ação antrópica, recuperação dos remanescentes da Mata Atlântica do Sul da Bahia e do Espírito Santo, envolve uma como é o caso da Mata Atlântica, os corredores parceria do governo federal, governos estaduais e organizações da sociedade civil desses estados. ecológicos são considerados atualmente uma ini- O projeto tem como principais ações a proteção e implementação de unidades de conservação, ciativa de grande importância para a interligação desenvolvimento de novos modelos de uso e ocupação do solo no entorno das unidades de entre fragmentos isolados através da recuperação conservação, incentivo ao ecoturismo e criação de 247 Reservas Particulares do Patrimônio Natural. de áreas degradadas entre eles. Atualização das prioridades de conservação Ações de nível local e regional As áreas prioritárias para a conservação, uti- Essas ações apoiam projetos descentraliza- lização sustentável e reparticão de benefícios da dos, elaborados e executados por organizações da biodiversidade da Mata Atlântica foram definidas sociedade civil, sem fins lucrativos, em parceria através do Projeto de Conservação e Utilização com instituições públicas ou acadêmicas: Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), em 1999. Essas áreas, juntamente com a) Apoio à criação, elaboração de planos de ma- as áreas prioritárias dos demais biomas brasilei- nejo e implantação de unidades de conservação ros, foram reconhecidas pelo Decreto Federal estaduais, municipais e privadas. 5.092/04, que definiu regras para identificação de áreas prioritárias para a conservação, utili- b) Estudos para ampliação e/ou criação de unida- zação sustentável e repartição dos benefícios da des de conservação e outras medidas mitigadoras biodiversidade, no âmbito do Ministério do Meio de impactos sobre a Mata Atlântica, em áreas Ambiente. críticas de expansão urbana, de fronteira agrícola e fragmentos florestais. O Decreto estabeleceu ainda que essas áreas serão consideradas para fins de instituição de c) Elaboração de planos e implantação de mi- unidades de conservação, no âmbito do Sistema cro-corredores ecológicos em áreas prioritárias, Nacional de Unidades de Conservação da Natu- estabelecendo conectividade com áreas de preser- reza (SNUC), pesquisa e inventário da biodiversi- vação permanente e reserva legal em nível local e regional. d) Apoio a estratégias de recuperação de áreas de preservação permanente e da reserva legal.
Oportunidades e experiências dade, utilização, recuperação de áreas degradadas ao reforçar apenas os instrumentos de proteção e de espécies sobreexplotadas ou ameaçadas de legal já consagrados em nível local. Mas pro-248 extinção e repartição de benefícios derivados do porcionam estímulos de natureza variada, como acesso a recursos genéticos e ao conhecimento transferências de tecnologias ‘amigáveis’ ou de tradicional associado. baixo impacto ambiental e recursos financeiros. Desde 1999, houve significativos avanços no A Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de conhecimento sobre a biodiversidade do bioma São Paulo ocupa uma área de 17.603 Km2 em 73 tanto por parte de instituições governamentais, municípios, abrigando reservas biológicas e par- quanto acadêmicas e organizações da sociedade ques, como o Parque Estadual da Serra do Mar. civil e também alterações das condições ambien- Especificamente para a Região Metropolitana de tais em algumas regiões. Neste sentido e visando São Paulo, o Cinturão Verde é responsável por ser- atualizar e refinar as prioridades, a Comissão viços ambientais como a proteção de mananciais Nacional de Biodiversidade (Conabio), com apoio que abastecem a cidade e as cabeceiras e afluentes da Secretaria de Biodiversidade e Florestas está de rios que cortam a área urbana; estabilização realizando o processo de revisão das áreas prio- do clima, impedindo o avanço de ilhas de calor ritárias em todo o País, trabalho que deverá estar em direção à periferia e filtragem do ar poluído; concluído até meados de 2006. proteção de áreas vulneráveis onde se produzem chuvas torrenciais, evitando enchentes na malha Conheça mais: http://www.mma.gov.br/ urbana, além de suporte à grande parte da produção de hortifrutigranjeiros que a cidade consome. São Paulo Sob administração do Estado, as áreas Cinturão Verde do Estado de São Paulo “coração” da Reserva da Biosfera que fecham o cinturão estão bem estabelecidas pelas seguintes Originada de uma campanha cívica liderada unidades: Parque Estadual Alberto Löfgren e da por diferentes organizações do País e do exterior, a Cantareira, Parque do Jaraguá, Reserva Florestal criação da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de Morro Grande, Parque Estadual de Jurupa- do Estado de São Paulo deu-se em 1994, após rá, Parque Estadual da Serra do Mar e Estação encaminhamento da proposta do governo de São Ecológica de Itapeti. Os serviços prestados pelo Paulo, por meio do Instituto Florestal, ao Comitê cinturão verde foram analisados pelo comitê da Brasileiro do Programa Homem e a Biosfera, Avaliação Ecossistêmica do Milênio – um esforço da Unesco. A proposta de criação da reserva foi que tem envolvido 2 mil cientistas de 95 países aprovada por unanimidade por estar localizada no para realização de um diagnóstico da saúde dos entorno da segunda maior cidade do planeta, com ecossistemas da Terra, até 2007. Eles apuraram, cerca de 10% da população brasileira e baixíssimo por exemplo, que reflorestar as margens de rios e nível de área verde por habitante. reverter o desmatamento do cinturão pode repre- sentar uma economia de milhões de reais em tra- Como áreas sob responsabilidade da Unesco, tamento de água, obras de controle de enchentes as Reservas da Biosfera apresentam relevante e internações hospitalares. valor ambiental para a humanidade e representam um compromisso do governo local em realizar os Estudos sobre o principal serviço ambiental esforços e atos de gestão necessários para pre- do Cinturão Verde – a capacidade de fornecer água servar essas áreas e estimular o desenvolvimento à região metropolitana – mostraram que se a taxa sustentável. Não interferem na soberania do país
de remoção de florestas permanecer constante, a rio, simplesmente abrindo gaiolas. Para que isso Oportunidades e experiênciasCompanhia de Saneamento Básico de São Paulo não ocorra, os animais deveriam ser encaminha-(Sabesp) gastará 30% a mais só com carvão ati- dos para centros de triagem, para serem avaliados 249vado para tratar a água. e depois decidido o melhor destino: cativeiro, vida livre ou até o sacrifício (para bichos muito debi-Conheça mais: http://www.rbma.org.br/mab/ litados ou mutilados). No entanto, esses centrosunesco 03 rb cinturao.asp são raros. Na ausência de locais de soltura, todosVeja também: Reserva da Biosfera, pág. 274 esses animais estão condenados ao cativeiro. E é para resolver este problema que o Ibama-SP Protocolo de soltura de animais está cadastrando áreas de soltura, através de um protocolo criado no ano de 2004. A gerência do Ibama em São Paulo produziuum protocolo estadual de orientações para soltura Para se cadastrar, o interessado deve informarde animais silvestres, que muitas vezes era feita desde porque tem interesse em receber os animais,sem muito critério. Outro problema é a dificulda- até fazer um levantamento com um mapeamentode de destinação do animal, já que a maior parte completo da propriedade e do entorno, incluindoacaba sendo realocada em um local diferente de foto aérea, levantamento da fauna e da flora eonde foi retirada. Para tanto, um outro protocolo grau de preservação e pressões na área, como afoi elaborado, desta vez para cadastrar áreas de vizinhança e ocorrência de caça, por exemplo.soltura no Estado. Conheça mais: www.ibama.gov.br O protocolo de soltura consiste em uma série Iniciativa privadade perguntas a serem respondidas, que determina-rão os procedimentos a serem adotados. A primei- Bahiara delas é o tipo de soltura que será feita. Depoisdisso, as perguntas básicas são: será que o animal Cacau orgânico da Cabrucapode ser solto no local? Será que essa espécieocorre ali? Há alimento ou abrigo suficiente? Ele Por um amplo programa de apoio à recupera-pode estar levando uma doença para o local? O ção do cacau, cujas lavouras foram contaminadaslocal é uma área de conservação? Além disso, deve-se saber o perfil ecológicodo animal, ou seja, conhecer a história natural daespécie: o que come, em que tipo de floresta ocor-re, se é uma espécie maleável à adaptação, quaissão seus inimigos. Por outro lado, deve-se avaliaro tamanho da população dessa espécie residenteno local de soltura, para saber se tem muito oupouco. No caso da Mata Atlântica, como a maiorparte dos fragmentos está isolada, a populaçãopode estar em franca proliferação, por não ter maisinimigos naturais, como onças, por exemplo, e onovo animal estará em desvantagem. Hoje, 78% dos animais apreendidos no Brasiltêm sido soltos, a maior parte sem nenhum crité-Cacau
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