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Ciclismo-2020

Published by Paroberto, 2020-11-23 23:04:37

Description: Ciclismo-2020

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região continha grande quantidade de Mais tarde saímos para jantar. O Sr. 101 celeiros de mísseis. A movimentação militar Paul era muito conhecido e benquisto na era uma constante nas cidades e nas cidade. Todos os que o encontravam, estradas. A impressão que tínhamos era de cumprimentavam-no com cordialidade. que o país entraria em guerra a qualquer No restaurante, todas as pessoas que lá momento. estavam falaram com ele. E pelo que entendemos, ele não cansou de informar Chegamos em Düsseldorf ao entarde- que éramos brasileiros, ciclistas e cer. Após algumas dificuldades, localizamos estudantes, fazendo um giro pela Europa. o endereço do tio de Murilo. Um pequeno Destacava também que Murilo era seu apartamento situado num prédio de quatro sobrinho-neto. Como ele nos disse que não andares, no centro da cidade. O encontro tinha filhos, logo compreendemos seu foi emocionante, especialmente para o entusiasmo para conosco. Murilo. Seu tio-avô, Paul Krüger, já nos esperava, pois sabia de nosso giro através de Bebemos diversos tipos de cerveja e cartas expedidas do Brasil. Dona Elza, sua comemos pratos típicos. Trocamos muitas mulher, tratou de nos alojar da melhor informações. O Sr. Paul queria saber coisas maneira no pequeno apartamento. A do Brasil, e nós da Alemanha. Discutimos cordialidade era grande. Apesar da barreira o perigo de uma guerra nuclear e sentimos da língua, logo todos se entenderam. O Sr. como se preocupam as pessoas com o seu Paul falava inglês comigo. Eu traduzia o que dia-a-dia e com o futuro, pois lá não há podia para Murilo e Hercílio. E ele fazia o muitas esperanças de tranqüilidade e paz, mesmo para Dona Elza, que só falava alemão. lamentavelmente.

Devido ao pequeno tamanho do consciência disso devido a sua avançada apartamento e a avançada idade de nossos idade; todos nos emocionamos. Sentimo- anfitriões, ainda durante o jantar trocamos nos como membros de uma única família. rapidamente opiniões sobre o que fazer. Não Foi duro, mas aquela era a nossa queríamos incomodar pessoas de idade que realidade. Chegávamos e tínhamos de tão bem nos recebiam, mas também não logo partir. Fomos para o A.J. que existia queríamos parecer descorteses. Murilo na cidade, mas não voltaríamos a ver o opinou que deveríamos mudar para o A.J. casal Krüger. Isto porque tínhamos pela Concordamos. Ele também explicou ao Sr. frente um dia cheio de atividades. Havia Paul a nossa decisão. Ele relutou um pouco também uma festa de aniversário da mas aceitou. cidade. E achávamos que não deveríamos prender o velho casal. Voltando ao apartamento, conversa- mos até tarde. O ambiente era muito No A.J. pudemos fazer uma revisão de acolhedor. Dona Elza ainda nos brindou todo nosso equipamento. Lavamos nossas com doces. Na pequena sala ajeitamos roupas. Deixamos tudo em ordem para nossos sacos de dormir. Descansamos. enfrentar mais uma etapa. Depois, fomos para a festa. Havia desde exposições de Manhã seguinte, após um bom e carros, motos e trens antigos, até comidas forte café da manhã, nos despedimos. Foi típicas e muito chopp. Diversas orquestras uma despedida comovente. Na verdade, animavam o público. Pudemos passear e todos sabiam que dificilmente iriam se nos divertir bastante. reencontrar. O velho casal tinha 102

Partimos para Aachen, na manhã Entramos em Aachen sem dificul- seguinte. Era uma etapa de 100 km. Aachen dades. Um motorista de táxi nos orientou está bem perto da fronteira com a Bélgica para localizarmos o A.J. No caminho nos e a Holanda. Começávamos a descer em atrapalhamos e acabamos perdendo o direção à Suíça e à Itália. A região é rumo. Foi então que vimos estacionada na totalmente plana e o tempo estava bom, calçada uma bicicleta com as mesmas com uma temperatura por volta de 15oC. cores (verde e amarela) que as nossas. E, incrível, pintadas do mesmo jeito. Ficamos Em Aachen tínhamos diversos surpresos, pois o projeto da pintura, feito compromissos. Desses, destacava-se a visita por Hercílio, era até então exclusivo e à Universidade. O setor de Mecânica da inédito. Paramos e ficamos olhando para UFSC mantém convênio com a a bicicleta com dificuldades para acreditar Universidade de Aachen há muitos anos. no que víamos, afinal, estávamos numa Vários professores da UFSC têm realizado cidade no interior da Alemanha. Lembra- cursos de pós-graduação em Aachen. mos do Della, nosso técnico, a dizer que o Éramos esperados lá pelo Prof. Almir Quites, layout que imaginara para nossas bicicletas que ali fazia doutorado, com ênfase na área permitiria identificá-las em qualquer ponto de soldagem. Nossos parentes tinham do mundo. mandado diversas correspondências para nós, através do Prof. Almir. Estávamos Nesse momento, aparece na janela da ansiosos para chegar. Também queríamos casa onde a bicicleta estava estacionada, conhecer o potencial da Universidade. uma senhora. Espontaneamente, fiz um 103

gesto indicando que queria falar-lhe. Ela uma ligação telefônica para o Brasil. Como acenou fazendo-me compreender para era domingo, dia de dar notícias para a aguardar. Em seguida, abriu a porta e falou família, a vez de chamar era do Hercílio. algo que não entendi. Peço-lhe desculpas Isto fazíamos com regularidade. Cada em inglês, dizendo-lhe que não falava domingo, alguém do grupo ligava para sua alemão. Ela então perguntou em inglês se casa, transmitia e recebia as notícias mais eu falava espanhol. Claro, respondi. A Sra. recentes. As demais famílias eram depois era espanhola e há alguns anos morava em cientificadas do contato. Dessa forma, Aachen. Perguntamos sobre a direção do conforme havíamos decidido ainda no A.J. e falamos de nossa surpresa com as Brasil, toda semana tínhamos um contato cores do Brasil pintadas na bicicleta de sua telefônico. filha. Rapidamente, dissemos o que fazíamos. Ela se entusiasmou. Indicou-nos O funcionário do A.J. informou, a direção ao albergue e nos convidou para entretanto, que não seria possível fazer uma mais tarde virmos tomar um café em sua ligação a cobrar para o Brasil. Alegou que o casa. Uma receptividade fora do comum. Brasil havia dado um calote – creio que se Aceitamos. referia ao não-pagamento dos compro- missos financeiros internacionais – e que Chegamos ao A.J. e ainda tivemos por isso só havia autorização para ligar a tempo para assistir pela televisão ao final cobrar do A.J. para os EUA. Inacreditável, do GP da Itália de Fórmula 1. Depois, agora sabíamos que nosso crédito particular pedimos informações sobre como fazer estava abalado. 104

Momentaneamente, deixamos de lado episódios mais marcantes, em especial o telefonema. Resolvemos ir para a casa aqueles acontecidos na Espanha. Depois, de nossa mais recente amiga espanhola. não sei como, comentamos a questão do telefonema para o Brasil. E perguntamos Era incrível o que nos acontecia no como poderíamos naquele dia efetivar a decorrer da viagem, pois na verdade ligação. Dona Magdalena, muito gentil, tínhamos a impressão de que cada etapa disse-nos para chamar dali, de seu telefone. que cumpríamos era uma viagem dentro Hesitamos um pouco a princípio, pois não da grande aventura que é a vida. A nossa queríamos abusar de sua boa vontade. Ela união era tão grande que já há alguns insistiu dizendo que não haveria meses, nos tratávamos naturalmente por problemas. Hercílio vibrou, ligou para seus irmãos. Pudemos, mais uma vez, sentir pais, informou-lhes a situação e deu o fortemente que nossa vida aqui é uma número de Dona Magdalena. Assim, breve passagem e que devemos, acima de rapidamente, inverteu-se a situação. Os tudo, viver em harmonia com nosso meio. pais de Hercílio, fizeram uma chamada para Dona Magdalena. Agora, não Ao chegarmos, Dona Magdalena, estávamos tão constrangidos, pois as como se chamava, nos brindou com uma ligações internacionais são caras. A seguir, mesa de café, tortas e salgadinhos. Estava meus pais também chamaram. Depois, a feliz por poder confraternizar com outros namorada do Murilo. Foi uma latinos. Seu filho, um garoto de 17 anos, confraternização geral. Dona Magdalena, estava curioso em saber de nossas andanças de bicicleta. Contamos os 105

sem querer, nos brindou com notícias Murilo, como o mais velho do grupo, quase frescas e um calor humano indescritível. sempre agia como mediador nos momentos de maior divergência; todavia Nesse meio tempo havia chegado a união era uma constante. Carlota, a outra filha de Dona Magdalena. Era uma espanholinha invocada, com 18 Pode parecer para o leitor que a anos, e que se assustou ao nos ver. Mas logo integração plena do grupo é um fato sem depois se enturmou e participou de nossa maior importância. Mas lembro que a alegria quando dos contatos telefônicos partir do momento em que se passa a com o Brasil. conviver em regime integral com outras pessoas, enfrentando dificuldades de toda Anoitecia quando deixamos a casa de ordem e convivendo com pessoas Dona Magdalena para irmos comer num estranhas, as coisas mudam bastante. restaurantezinho próximo dali, que ela Principalmente nos momentos críticos em indicou. Comemos bem e barato. Aliás, em que exaustos e famintos temos de tomar todo o giro não me recordo de termos decisões importantes ou dividir o quarto, comido mal. Pelo menos no que se refere o banheiro, a cama, etc. à qualidade. O problema era quantidade, que quase sempre deixava a desejar. A realidade é que nós três havíamos tomado consciência de que o sucesso, o Como equipe, estávamos muito bem. êxito do giro, estava intimamente ligado ao Apesar da diferença de temperamento, o nosso bom relacionamento, com a nossa relacionamento era muito bom. Já harmonia, com a manutenção de um aprendêramos a ceder na hora certa. 106

verdadeiro espírito de equipe. Aqui, mais Laboratório em que ele trabalhava, onde a de uma vez, valeram-nos os conselhos de aparelhagem utilizada é moderníssima. O nosso técnico e amigo Della Giustina. Prof. Almir trabalha em soldagem. Informou-nos sobre alguns projetos que Dia seguinte, pela manhã passamos estavam em andamento, dentre eles um pela casa de Dona Magdalena para um alô tipo de soldagem totalmente automática a e um telefonema ao Prof. Almir Quites. Arco-Voltaico, controlada por computador Não tivemos dificuldades para localizá-lo, através de um sensor ótico, uma tecnologia já que contamos com a colaboração da de ponta. nossa amiga espanhola para a ligação inicial, ou seja, o papo em alemão com a Depois, visitamos outras instalações da telefonista. Marcamos um encontro na Universidade. Tínhamos um encontro com Universidade. o professor responsável pelos convênios internacionais, que estava avisado de nossa A Universidade de Aachen não é muito chegada. Porém, ele encontrava-se grande. Sua área mais forte é a de ausente, em razão de doença em sua engenharia mecânica. Lá, diversos família. Almoçamos na Universidade. professores do Departamento de Mecânica Depois saímos com o Prof. Quites, da UFSC têm feito cursos de especialização passeando pela cidade. e doutorado. Há uma antiga colaboração entre as duas universidades. Aachen é uma cidade pequena. As marcas deixadas pela Segunda Guerra Quando chegamos, o Prof. Almir já Mundial ainda são visíveis em vários lugares. nos esperava. Começamos visitando o 107

Há ruínas e abrigos anti-aéreos espalhados Paião. Caminhamos por mais de meia hora por toda a cidade, que funcionam como atrás do restaurante que ele indicara, sem monumentos. Conhecemos também, com êxito. Então nos lembramos que perto dali o Prof. Quites, um pouco da história de estava a casa de nossa amiga espanhola e Aachen. o restaurante onde jantamos na véspera. Fomos para lá, comemos e conversamos À tardinha, resolvemos pegar nossos até tarde. equipamentos e bagagens no A.J. O Prof. Quites nos havia convidado para No dia seguinte, acordamos cedo e jantarmos. Como havia um rígido horário fizemos um pequeno desjejum no de chegada à noite no A.J., aceitamos apartamento. Montamos nosso equipa- também seu convite para pernoitar no mento, despedimo-nos agradecidos e pequeno apartamento que ele ocupava, partimos. Antes de sair da cidade, próximo à Universidade. Aproveitamos passamos ainda na casa de nossa amiga ainda para ler a correspondência recebida espanhola, também para agradecimentos através do Prof. Quites. e despedidas. Ela se emocionou nos vendo partir e acenando murmurou: que Dio À noite, jantamos no pequeno acompañe vosotros! Buena suerte! restaurante que Dona Magdalena nos havia indicado. Apesar de sermos novatos na Nosso destino, agora era Luxemburgo, cidade, fizemos a indicação do restaurante com um pernoite em Clervaux. Um novo com maior precisão que a feita por um país, uma nova aventura... amigo brasileiro do Prof. Quites, o baiano 108

Capítulo 7 Suíça, uma cômoda passagem



C hegamos a Luxemburgo ainda vistos de entrada. Acontece que, ao sairmos cedo. Foram setenta quilômetros da França, uma onda de atentados desde Clervaux, subindo e terroristas assolou o país. Diversas descendo montanhas. Uma região explosões de bombas ocorreram em vários belíssima. Localizamos fácil o A.J. e nos pontos da capital e no interior. As fronteiras instalamos. Depois fizemos um primeiro agora estavam fortemente vigiadas, e reconhecimento da cidade e achamos um inclusive se chegou a cogitar que não bom local para comer. A localização da poderíamos entrar naquele país. Perdemos cidade é num vale, com íngremes descidas um tempão na Embaixada. Tivemos que nas ruas principais da cidade. explicar diversas vezes nosso projeto. Mostramos nossas licenças de ciclistas Luxemburgo é um pequeno país, expedidas pela CBC, nossas credenciais remanescente ainda do sistema feudal que universitárias, passaportes, etc. Mandaram- predominou na Europa na Idade Média. Sua nos preencher diversos formulários e população é pequena. Há um forte finalmente concederam-nos os vistos comércio baseado no turismo e nota-se que gratuitamente, já que, a princípio, ainda é um lugar razoavelmente rico. As ruas são queriam cobrá-los. Na manhã seguinte, muito limpas, e a sinalização também é com um belo dia de sol, seguimos viagem. muito boa. As pessoas são coradas e alegres, Nossa próxima etapa era Metz, já na França. o idioma predominante é o francês. Ao chegarmos na fronteira permanecemos por algum tempo aguardando a Fizemos aí uma visita à Embaixada da França, com o objetivo de obtermos os 111

autorização de passagem. Isto apesar de já porém o que eles nos falavam era que termos sido autorizados pela Embaixada. aquela região sempre vivera assim, pois os Chegamos a Metz ao entardecer, cansados vazamentos eram uma constante. Incrível! e estarrecidos com o que vimos pelo caminho. Mais de oito Centrais Nucleares, No dia seguinte partimos. Após intensa movimentação militar, ar pesado e pedalarmos 120 quilômetros, nos afastando muita poluição. Uma região terrível e pelo menos visualmente daquela região, deprimente. Pernoitamos no A.J. e nos chegamos a Nancy. Já tínhamos um novo alimentamos na Universidade que por sorte contato com uma Universidade. O Instituto era próxima. Ali, conversando com alguns Nacional Politécnico de Lorraine, INPL, que estudantes, ficamos sabendo das suas mantém convênio com o Departamento de realidades. A comida servida no próprio Engenharia de Produção da UFSC. Éramos restaurante, principalmente as saladas e esperados. Contatamos com a Profa. frutas, estavam contaminadas por radiação Clodine Guidart que já por várias vezes proveniente das referidas usinas nucleares esteve em Florianópolis. Ela foi da região ou dos efeitos do desastre de extremamente amável e não nos deixou Chernobyl. Ficamos chocados e permanecer no A.J. em que estávamos começamos a perceber o porquê das instalados. Hospedou-nos num hotel no constantes promoções de leite e derivados centro da cidade. nos supermercados. Lógico que tínhamos conhecimento do desastre de Chernobyl, Durante os dois dias em que permanecemos ali, a Profa. Clodine 112 mostrou-nos todas as instalações do INPL,



além de projetos de pesquisa em perspectivas de termos mais dias desenvolvimento nas localidades vizinhas. disponíveis em Roma. Mas essa possibilidade Contamos a ela sobre nossa preocupação não foi logo tomada como a melhor, pois com o problema em relação ao grande também se considerava a oportunidade de número de centrais nucleares naquela ver de perto os Alpes Suíços. região. Ela apenas lamentou, dizendo que algumas providências estavam sendo Ainda indecisos, chegamos a Basel, tomadas por parte do governo francês. cidade vizinha a St. Louis. Tratamos logo de ir a uma casa de câmbio para trocarmos Após uma boa noite de sono, dinheiro. Depois fomos a uma agência de agradecemos a cortesia da Profa. Clodine informações turísticas para saber das e partimos de Nancy. condições de tráfego até Berna, capital da Suíça, em bicicleta. Até então, tínhamos Seguíamos agora para Epinal e praticamente circulado em estradas Mulhouse, descendo pela França até St. secundárias, quase sempre paralelas às Louis, já na fronteira com a Suíça. Essa auto-estradas. Nessas, o tráfego de região é bastante montanhosa. Nosso bicicletas é simplesmente proibido. Ao desgaste físico era enorme. Começamos a chegarmos, informaram-nos que de Basel considerar a possibilidade de fazer uma para Berna havia somente uma estrada e parte do trajeto de trem. Considerávamos que normalmente era proibida a circulação também que os custos de hospedagem e de bicicletas. Haveria apenas como alimentação na Suíça eram bastante caros. alternativa obter uma autorização da Lembrávamos de nosso calendário e das 114

Polícia rodoviária, juntamente com um perto tão bonitas paisagens. À medida que batedor. Achamos que essa possibilidade era nos aproximávamos de Berna podíamos inviável, já que perderíamos, segundo a ver perfeitamente os picos gelados ao agência de turismo, um bom tempo para longe, um visual lindo. conseguirmos a autorização. Fomos, então, direto para a estação. Eram poucos Ao entardecer, chegamos em Berna. quilômetros até Berna e queríamos, pelo Retomamos nossas bicicletas e partimos menos, ver os Alpes ainda em dia claro. em busca do A.J. Não tivemos problemas para encontrá-lo e logo nos instalamos. Não tivemos dificuldades para despachar as bicicletas. O problema foi o Berna é uma cidade pequena, como o desembolso de uma quantidade razoável próprio país. Suas ruas são limpas, as de francos suíços, mas tudo aconteceu construções são antigas. Um rio corta a muito rápido, e em poucos minutos cidade, formando um conjunto muito estávamos instalados no trem e esse partia bonito. A cidade e a região onde está a caminho de Berna. localizada são muito tranqüilas, comparadas com as imediações de Metz, Era uma sensação gostosa ver as na França. A paisagem era completamente paisagens passarem tão depressa, sem diferente, com dias azuis e ar puro. termos que despender energias para isso. Permanecemos todo o dia seguinte em Mas, ao mesmo tempo, sentíamos certa Berna. De bicicleta percorremos seus decepção por não podermos cobrir aquele pontos mais significativos. Num mirante, belo trecho mais devagar e vendo mais de ficamos algumas horas observando a 115

imponente cordilheira gelada, que são os proibições. Agora não valia o arrepen- Alpes. Era incrível, já que estávamos a mais dimento. de 100 km de distância e a montanha se mostrava tão alta. Os picos mais elevados A chegada a Chiasso aconteceu ao que víamos tinham mais de 4.000 metros entardecer de um lindo dia. Aliás, bom de altura. Brancos, brilhantes, fabulosos! tempo era uma constante desde a partida de Amsterdam. O frio, entretanto, era forte. No A.J. estudando nosso mapa de As temperaturas estavam por volta de 10 a viagem, decidimos partir no dia seguinte 20oC. em direção a Chiasso, já na fronteira com a Itália. Novamente, iríamos de trem. Atravessamos a fronteira da Suíça com a Itália de bicicleta. Fomos muito bem A viagem para Chiasso foi um recebidos pelos funcionários da fronteira espetáculo. A região por onde passamos, italiana. Fizeram algumas brincadeiras os lagos Lugano e Lucarno, o Passo de San conosco. Contaram algumas piadas. Rimos Gotardo, onde atravessamos o maior túnel muito e já começávamos a sentir a ferroviário do mundo, a própria tecnologia diferença. Os italianos nos faziam sentir de construção da rodovia paralela à mais próximos do Brasil. Sentíamos a ferrovia, enfim, a paisagem, sem dúvida alegria dos latinos. A Europa mais fria, mais nos entusiasmaram demais. Chegamos a estranha, embora bem organizada e rica, pensar se não teria sido conveniente estava ficando para trás. enfrentar a burocracia e fazer esse trecho também em bicicleta, vencendo as A apenas 8 km da fronteira estava Como. Uma pequena cidade italiana. Linda 116

e hospitaleira. Fomos muito bem recebi- A vibração entre os freqüentadores da dos. A população parava para nos olhar, pizzaria foi grande. Havia respeito e havia muito calor humano. No A.J., o reconhecimento para com os ciclistas, já administrador nos perguntou sobre o que na Itália o ciclismo é um dos principais futebol brasileiro, quis saber também esportes, juntamente com o futebol. detalhes de nosso giro ciclístico. De onde havíamos partido, para onde íamos, como No dia seguinte, com uma temperatura estávamos agüentando o esforço, etc. ... bastante agradável e um belo dia de sol, Enfim, uns tipos legais. saímos passeando a pé. O lago de Como, que banha a cidade, lhe dá um toque muito Nessa mesma noite, com a orientação especial. Havia muitos barcos ancorados. do administrador do A.J., saímos para Acontecia também na cidade a largada de saborear nossa primeira pizza italiana. Uma uma das etapas do campeonato italiano de delícia. Comemos numa pequena cantina, rally. Uma Ferrari GTO que servia como instalada num velho porão. Tudo muito pace-car deixou-nos tontos de entusiasmo, bem ajeitado, com fogão a lenha e mas os Lancia e Audi também não ambiente ótimo. Foi aí que assistimos pela deixavam nada a desejar. Logo após o TV, Francesco Moser estabelecer um novo passeio, já de noite, voltamos ao A.J. recorde mundial da hora: 49.802 km. O Seguiríamos no dia seguinte para Milão, já feito foi no velódromo Vigorelli, em Milão. pensando em nosso último contato Moser já era um dos mitos do ciclismo universitário em Veneza. mundial. À noite, assistindo TV no A.J., tivemos conhecimento de que no dia seguinte, 117

domingo, haveria um grande jogo de para o estádio. Pudemos sentir a zoeira e futebol em Milão, no estádio de San Siro, os gritos de guerra dados pelos fanáticos entre o Internazionalle e o Roma. Sendo torcedores italianos. uma etapa curta, cerca de 60 km, decidimos partir mais cedo para assistirmos Estávamos cansados, porém ansiosos ao jogo. Era uma oportunidade de ver as para também chegar ao estádio. Desmon- feras do futebol italiano e mundial, dentre tamos as bicicletas rapidamente, eles Rumenig, Altobelli e Boniek. Motivados, colocamos as bolsas nos sacos de viagem, cortamos parte dos programas noturnos e fechamos tudo com cadeados e partimos. fomos dormir cedo. Próximo ao estádio a movimentação era grande e ingressos só no câmbio negro. Saímos cedo e imprimindo um bom Cerca de 15.000 liras cada, bastante caro, ritmo, por volta do meio-dia estávamos mas a ocasião era única. Negociamos com chegando a Milão. A cidade é grande, cheia o cambista, alegando nossa condição de de indústrias, poluída e bastante ciclistas e obtivemos um pequeno desconto. movimentada. Pelo nosso livro de Finalmente entramos no estádio, que já Albergue, por coincidência, o A.J. ficava estava lotado. Uma barulheira infernal. nas imediações do estádio San Siro. Escolhemos ficar entre os torcedores do Tivemos alguma dificuldade de encontrá- time da casa, o lnternazionalle, para ter lo, visto que o mesmo se situava numa rua maior segurança. com sinalização bem precária. Nas imediações, encontramos grupos de Logo sentimos uma diferença de comportamento entre o torcedor brasileiro 118 torcedores entusiasmados que se dirigiam

e o italiano. Os italianos não levavam senhora. Ela nos criou problemas para bandeiras e faixas para o estádio. A guardar as bicicletas e não aceitou xingação, porém, era bem mais forte que nenhuma de nossas reivindicações. Mesmo aquela realizada pelos brasileiros. O clima assim, ali ficamos, jantamos e fomos das torcidas era de guerra. A partida foi dormir. belíssima. O Internazionalle logrou uma vitória por 4 a 1. A festa do estádio Pretendíamos passar o dia seguinte em rapidamente se espalhou pela cidade. Milão. Por isso, logo depois do café fomos Regressamos ao A.J. exaustos, porém renovar nossa diária. A velha senhora, satisfeitos. entretanto, não foi nada com a nossa cara. Disse de imediato que tínhamos de sair e Ao chegarmos, tivemos que enfrentar que o alojamento já estava lotado para uma fila para efetivar nosso registro. Devido aquele novo dia. Impossível. Os quartos à hora do jogo, tínhamos deixado para estavam todos vazios. Aí não agüentamos fazer isso depois. Enquanto aguardávamos, e em português acabamos lhe soltando o falávamos a respeito do jogo. De repente, verbo. Foi o único momento em que a senhora que fazia os registros, sem tivemos atrito no âmbito dos A.Js. nenhum motivo aparente, nos disse para Normalmente, esses alojamentos têm calarmos a boca! Não compreendemos. normas rígidas, como horários de ingresso, Ficamos aborrecidos e chegamos a pensar uso da cozinha, para banho, etc. ... Alguns em pegar nossos equipamentos e partir. Não são exclusivos para pernoite. Outros tínhamos, parece, sido simpáticos à oferecem refeições. Em todos a 119

amistosidade dos funcionários era regra. O e o brasileiro com esse “papa” das bicicletas. de Milão destoou... Ao nos despedirmos, fomos presenteados com um livro autografado, com toda a Mudamos os planos. Montamos os evolução de suas bicicletas. equipamentos e partimos. Primeiro, entretanto, fomos conhecer o velódromo Prosseguimos em direção a Bérgamo. Vigorelli, onde Moser havia batido seu Estávamos agora acompanhados por um próprio recorde. Depois, seguimos para ciclista veterano que se encontrava Bérgamo, a 60 km de distância. visitando o Sr. Colnago e que se oferecera para nos orientar, visto que seguia na A caminho de Bérgamo entramos em mesma direção que a nossa. Pelo caminho, Combiago, uma pequena vila onde mora e mantivemos um bom papo. O pouco trabalha um dos mais famosos construtores domínio da língua italiana não era barreira de bicicletas de competição do mundo, Sr. para o entendimento. Pernoitamos no A.J. Ernesto Colnago. Suas bicicletas são de Bérgamo. utilizadas pelas feras do ciclismo mundial nas grandes competições e nas olimpíadas. Como nossa meta agora era Veneza, já Foi um contato muito bom. O Sr. Colnago cedo, no dia seguinte, partimos em direção foi muito amável em nos receber e mostrar a Verona. Essa é uma cidade pequena, sua oficina. Murilo inclusive fez ali um antiga, com muitos castelos e ruínas reparo na sua bicicleta, que estava com romanas. Ali conhecemos o balcão de problemas na roda traseira. Trocamos Giulietta, local de onde, segundo a lenda, algumas impressões sobre o ciclismo italiano ela esperava por Romeu. Tais personagens 120

foram imortalizados por Shakespeare. De últimos dias nossas paradas eram bicicleta circulamos por toda a cidade. Ao praticamente só para pernoite. final da tarde, mantivemos um contato telefônico com o Prof. Piero Brunello, que Chegamos a Veneza no início da tarde, nos aguardava em Veneza. Demos nossa isto é, chegamos na estação ferroviária. posição e previsão para a chegada. Ele disse- Dali para frente, teríamos que seguir de nos que estava a nossa espera. barco, pois Veneza é uma cidade cheia de canais e ilhas. Informaram-nos que os De Verona, seguimos para Padóva. Foi barcos não permitiam o ingresso com uma estada rápida, somente para pernoite, bicicletas. Resolvemos deixá-las guardadas mas não deixamos de visitar a Igreja de na própria estação e seguimos em busca Santo Antonio de Pádua. Pedalamos daí do A.J. Quarenta minutos depois, para Veneza. estávamos chegando. Havíamos cruzado boa parte dos canais da cidade. A vista era A expectativa de chegar era grande. impressionante, muitos barcos e intensa Como tínhamos programado um contato movimentação de turistas. com o Prof. Piero Brunello, foi possível canalizar para seu endereço diversas cartas Estávamos a bordo do “ônibus”, na de familiares e amigos. Também com ele realidade uma barca com capacidade para haviam ficado um pouco de dinheiro e cerca de uma centena de pessoas. uma nova reserva de pneus, trazidos do Brasil por um amigo. Queríamos também Após nos instalarmos no A.J., por conhecer Veneza com calma, já que nos telefone, contatamos o Prof. Piero Brunello. 121

Ele morava numa cidade vizinha, cerca de ônibus-barco e lanchas-táxi, além das 15 km de Veneza, chamada Favaro Veneto. românticas, porém caríssimas gôndolas. É Na verdade, esta pequena cidade mais uma cidade única e sem dúvida muito parece um bairro de Veneza, já que a bonita. mesma não comporta mais sua população e o crescente fluxo de turistas. Obtivemos Pouco antes de 19:30 horas, pegamos uma informação de como chegar até sua o ônibus indicado por Piero. Chegamos ao casa e marcamos nosso encontro para as ponto final, desembarcamos e aguardamos 20 horas, numa praça localizada no final um pouco. Em seguida ele chegou, da linha de ônibus. cumprimentamo-nos e seguimos de carro para seu apartamento. Aproveitamos para descansar um pouco. Depois do banho tomado, roupas Chegando, fomos apresentados a Jana, trocadas, pegamos o “ônibus” em direção sua mulher, e a uma linda italianinha de 7 a Piazalli Roma, ponto principal de anos, Giulia, sua filha. Logo nos enturma- desembarque de moradores e turistas. Dali mos. Conversamos muito sobre nossas seguiríamos para a casa de Piero, de ônibus impressões a respeito da Europa e as propriamente dito. Em Veneza não é principais dificuldades enfrentadas. Piero possível o tráfego de carros ou outros falava português perfeitamente, pois ele veículos. As poucas ruas existentes são havia estado no Brasil em 1984, fazendo estreitas e sempre cheias de gente. O que pesquisas sobre imigrantes italianos. Esteve existe são ruas-canais, por onde circulam na UFSC e lá conheceu meu pai. Sendo professor da Universidade de Veneza, que 122

tem também convênio de cooperação com correspondências já foram lidas no “ônibus”, a UFSC, ele tem interesse em continuar tal nossa saudade e fome de notícias. estudando questões históricas e sociais sobre o Brasil. Isto facilitou muito nosso A melhor das cartas era a de Ana, a contato. namorada do Murilo, que chegava a lhe lembrar para tomar somente água mineral, Jantamos em sua casa, depois ele nos escovar os dentes e se alimentar bem. convidou para ficarmos lá. Falamos que não havia necessidade, pois estávamos Aproveitamos muito nossa estada em instalados no A.J. Tanto ele, como Jana, Veneza. Visitamos toda a cidade e com insistiram e acabamos aceitando. Piero conhecemos também as localidades Combinamos vir no final da tarde do dia vizinhas. Estivemos visitando a Universi- seguinte. Como o A.J. fechava às 11 horas, dade e fomos recebidos pelo reitor. Dele tratamos de nos despedir. Pegamos as ganhamos três LPs da Orquestra Sinfônica cartas que nos haviam sido remetidas e daquela Universidade. Mais tarde, ao nos partimos com Piero, que ainda nos trouxe despedirmos de Piero e sua família, lhes em seu carro até a Piazalli Roma. Daí, presenteamos com o brinde recebido do pegamos o “ônibus” para o alojamento. reitor, pois era impossível para nós transportar os discos em nossas bagagens. Tínhamos, agora, uma outra tarefa Acho que o reitor esqueceu que viajávamos urgente. Ler as cartas que haviam sido para de bicicleta. nós endereçadas através de Piero. Estávamos ansiosos pelas notícias. Algumas dessas Foi uma excelente estada. Piero, sua mulher e a filha, Giulia, nos cativaram 123

totalmente. O tempo passado em sua casa menos tão cedo, não reveríamos nossos foi ótimo e recuperamos um pouco o amigos. convívio de família. Ele se preocupou tanto conosco que acabou telefonando para um O objetivo agora era Roma. amigo seu que morava em Pisa, de nome Francisco, a fim de acertar também apoio para nós naquela cidade. Tivemos oportu- nidade de, por telefone, atendendo à insistência de Piero, explicar a Francisco nosso roteiro para as semanas seguintes e estabelecer uma data aproximada para a chegada em Pisa. Pegamos seu endereço, telefone e ficamos de chamar logo que chegássemos. Depois de uma estada de cinco dias em Veneza, numa bela manhã, partimos. A despedida de nossos amigos Piero, Jana e Giulia foi comovente. A cada partida, as amizades que fazíamos eram tão fortes que parecíamos nos despedir de nossa própria família. Tínhamos consciência de que, pelo 124

Capítulo 8 Em Roma, um encontro com o Papa



Fizemos uma parada mais prolongada tínhamos nenhum contato oficial e muito em Rimini, na Costa Adriática, onde menos alguém que nos apresentasse a permanecemos por três dias para qualquer autoridade no Vaticano. No uma visita à República de San Marino. Uma cartão entregue a nós por D. Afonso região belíssima. A seguir, passamos pelas Niehues no Brasil, constavam apenas o cidades de Ancona, Fabriano, Foligno e endereço e o nome de um padre que não Temi, apenas para pernoite. A região é conhecíamos. Mas mesmo assim seguía- muito bonita e montanhosa. É aí que se mos confiantes. localizam os Apeninos. Chegamos à tardinha em Roma. Com a nossa aproximação de Roma, Tivemos algumas dificuldades para concluíram-se também nossos últimos atravessar a cidade e chegar até o albergue. objetivos, já que a partir de Roma não Por sorte, havia vagas. Dividíamos o quarto tínhamos qualquer outro grande compro- com outros vinte rapazes. Devido ao nosso misso a não ser a própria conclusão do cansaço, jantamos no próprio A.J. e fomos giro, com a chegada em Lisboa. Entretanto, dormir. tínhamos em Roma nosso sonho mais ousado. Vínhamos, desde Paris, mentali- Na manhã seguinte, domingo, durante zando um contato com o Papa João Paulo o café, começamos a discutir nossos planos II. Tínhamos consciência das dificuldades para a permanência em Roma. Necessitá- que seguramente encontraríamos e mal vamos de um local onde pudéssemos ter fazíamos idéia de como consegui-lo. Não acesso durante todo o dia, para facilitar nosso descanso, guardar as bicicletas 127

quando desejássemos andar a pé, trocar de geral, pois tínhamos informações sobre as roupas em caso de algum contato com a concentrações de turistas e peregrinos na imprensa ou autoridades. No A.J. isto era praça de São Pedro, aos domingos e impossível, pois durante o dia o mesmo era quartas-feiras, devido à bênção papal. inacessível para os hóspedes por razão de estatuto interno. Após o café da manhã Um imprevisto. O pneu traseiro da todo mundo tinha que sair. Reingresso bicicleta de Hercilio estourou no momento somente às 17 horas. Além disso, o mesmo em que entrávamos na Praça de São Pedro. se localizava na periferia da cidade. Isto quase nos criou grande embaraço, pois com o estouro, provocado pela calibragem Mesmo chovendo, resolvemos errada, aliada ao excesso de peso e levantar acampamento. Encerramos a trepidação provocada pelos paralelepí- conta, calibramos os pneus das bicicletas, pedos do calçamento, houve até um corre- montamos as bolsas e saímos em direção corre da guarda suíça do Vaticano. Afinal, ao centro da cidade com o objetivo de o barulho parecia de tiro. Mas logo tudo arrumar uma pensão barata. foi entendido. Éramos três rapazes que chamavam a atenção, porém era difícil nos No percurso começamos a nos confundir com terroristas. orientar melhor. A distância, avistamos a cúpula da Basílica de São Pedro; Junto ao colunado que circunda a resolvemos adiar momentaneamente a praça, trocamos o pneu estourado. A chuva procura da pensão e nos dirigimos em tinha aumentado bastante. Estávamos direção ao Vaticano. A expectativa era impressionados com as dimensões da 128

Basílica e da praça e com a imponência das perguntas, cumprimentavam, faziam votos 129 instalações de todo o Vaticano. Aprovei- de sucesso. Foi ótimo! Circulamos um tamos para circular um pouco. Murilo se pouco mais e depois seguimos em busca afastou para melhor ver a Basílica e eu da pensão. aproveitei para tirar algumas fotos, enquanto Hercilio regulava sua bicicleta. Visitamos mais de dez pensões. Preços e localização eram os indicativos básicos. Ao voltar para junto dele, outro Decidimos por uma pequena pensão episódio inesperado. Quatro rapazes se próxima à estação Termini, que associa o aproximaram e perguntaram em terminal ferroviário com o rodoviário. português: – vocês não são três? Cadê o Logo fizemos amizade com os italianos que outro? Em seguida, tudo se esclarece. Eram ali moravam. quatro catarinenses do interior, fazendo um tour de carro pela Europa. Sabiam de nosso Alojados, descansamos um pouco. giro pelos jornais. Batemos um papo, mas Fazia frio e à noite saímos para jantar. o contato foi rápido, pois eles estavam de partida. Conversamos bastante, discutindo os planos para Roma: imprensa, Confederação Agora, já não chovia e resolvemos ir de Ciclismo e o contato com o Papa. até o centro da praça para, com a Basílica ao fundo, registrarmos o momento. Para Acordamos cedo naquela segunda- nossa surpresa, de repente, estávamos feira. O sol estava radiante. Por isso rodeados de brasileiros. Todos nos faziam resolvemos circular de ônibus. Nosso destino era o Colégio Pio-Brasileiro, para encontrar o Pe. Nelson Westrup. Tínhamos

um cartão de apresentação do Arcebispo entramos. O prédio era imponente. Um D. Afonso Niehues de Florianópolis. jardim enorme e muito bem arranjado o Pretendíamos, com a interferência do Pe. rodeava. A construção tinha quatro andares Nelson, obter o apoio do reitor do Colégio e estava bem conservada. Era incrível a para manter uma audiência com o Papa sensação de paz dentro do Colégio, em João Paulo II. No ônibus, utilizando muito pleno centro de Roma. A tranqüilidade e o mal a língua italiana, tentamos obter silêncio eram uma constante. informações sobre a localização do Colégio. Diversas senhoras que estavam Atendidos por um italiano, que não sentadas próximas a nós se prontificaram sabíamos se era padre ou não, pedimos a responder. Entretanto, a confusão foi para falar com algum padre brasileiro. Se geral. As italianas falavam rápido e pouco é que ali tinha algum, apesar do Colégio entendíamos o que diziam. Mesmo assim ser denominado Pio-Brasileiro. Achávamos descemos, dando a entender que tínhamos vantajoso explicar para alguém que compreendido. Acabamos tendo de andar dominasse o português nosso intento de mais de um quilômetro para chegarmos ao sermos recebidos pelo Papa. Não demorou Colégio. muito e chegou até nós o Pe. Sebastião Pitz, que por coincidência era catarinense. Nos No portão do Colégio havia um apresentamos, fazendo a entrega do cartão porteiro eletrônico. Tocamos a campainha de D. Afonso. Pe. Pitz, muito cordial, logo e tivemos de responder diversas perguntas, nos levou para o refeitório, onde nos foi antes de ter o acesso liberado. Finalmente servido café. Mantivemos uma animada 130

conversa, contando-lhe as peripécias da Vaticano para o acerto de detalhes. viagem e as dificuldades para chegar ao Perguntamos se não havia possibilidade de Colégio Pio Brasileiro. Nesse momento, ele ficarmos alojados no Colégio. Pe. Pitz ficou retrucou dizendo que aquele Colégio um pouco assustado a princípio com chamava-se Leone Dehon. O Pio Brasileiro nossas pretensões e começou a falar sobre ficava a uma quadra adiante, era menor e o funcionamento do Colégio. Ele nos disse destinava-se apenas a padres brasileiros que ali só ficavam padres e que havia que realizavam complementação de somente um quarto vago, reservado para estudos em Roma. O Leone Dehon padres africanos que chegariam em três abrigava padres de todo o mundo. Aí dias e complementou dizendo não ser entendemos melhor o rolo das nossas muito fácil a audiência com o Papa. “eficientes” informantes italianas no Respondemos dizendo que se fosse ônibus. possível alojar-nos até a chegada dos padres africanos, já seria ótimo. Ciente de nosso interesse em encontrar o Pe. Nelson, a quem havíamos Toda a insistência em permanecer no sido recomendados por D. Afonso, disse- Colégio relacionava-se com a intenção da nos que ele estava ausente de Roma e que audiência papal. Entendíamos que o só chegaria ao final da semana. A seguir convívio mais estreito com os padres explicamos nosso interesse em ter uma certamente abriria o caminho para chegar audiência com o Papa e a necessidade que ao Papa. Além disso, aliviávamos o tínhamos de estar mais próximos do orçamento, já bastante curto. 131

O padre Pitz ainda refletiu um pouco, estudos são realizados fora, em instituições mas logo acabou dizendo que teríamos de quase sempre pertencentes à Igreja. Aos falar com o reitor do Colégio. Em seguida, poucos fomos nos enturmando. Pe. Pitz ia encaminhou-nos ao mesmo. Pe. Pitz servia fazendo as apresentações. Sentamos numa de intérprete. Explicamos primeiro nosso mesa reservada aos padres brasileiros. Todos giro europeu. Entregamos um exemplar do foram muito corteses e simpáticos. Algumas “folder”, indicando a versão italiana de brincadeiras foram feitas e não cansamos nossos propósitos. Sabíamos que de responder perguntas sobre o giro. estávamos forçando a barra e a indecisão do reitor levava a crer que a resposta seria Após o almoço, fomos convidados para negativa, mas continuamos conversando. jogar bocha. Era um joguinho para fazer a Como era horário de almoço, fomos digestão. Fizemos duplas: eu e o Pe. Pitz; convidados para almoçar. A decisão sobre Murilo e o Pe. Sérgio Hercílio e o Pe. Wilson. ficar ou não no Colégio foi assim adiada. Entremeando as jogadas, muita conversa. Agradecemos, efusivamente, as atenções Pe. Sérgio, logo nos cativou. Um verdadeiro do reitor e saímos com o Pe. Pitz em padre moderno. Interessou-se por nossos direção ao refeitório. planos de visita ao Papa e intercedeu junto ao Pe. Pitz para resolver a questão do Tivemos de aguardar a chegada de alojamento. Aguardamos um pouco o Pe. uma centena de padres que estudavam em Pitz que havia ido conversar novamente diversos institutos, espalhados por Roma. com o reitor, junto com o Pe. Sérgio. Em O Colégio serve como alojamento; os seguida, a boa notícia. Tínhamos aloja- 132

mento garantido por alguns dias e apoio foi ali que conhecemos o Pe. Bechetti, para acertar o contato com o Papa. italiano, que entretanto falava muito bem o português. Ele era bem mais velho que o Agradecemos a colaboração de nossos Pe. Sérgio, porém extremamente cordial. novos amigos e voltamos à pensão Marsala. Foi do Pe. Bechetti que recebemos o Encerramos nossa conta, pegamos nossas primeiro convite para visitar as dependên- bicicletas e equipagens e rumamos para o cias do Vaticano. Isso foi marcado para Colégio. E, mais importante, estávamos ao quinta-feira, pela manhã. Comprometeu- lado do Vaticano, onde teríamos de obter se também em obter o tão cobiçado um convite especial para concretizar a convite para a audiência, pois o Pe. audiência com o Papa, um sonho até então Bechetti por coincidência e para nossa impossível. sorte trabalhava na Secretaria Papal. Estávamos contentíssimos e emocionados, Chegamos ao Colégio ao anoitecer, e pois pela manhã parávamos numa pensão, Pe. Sérgio já nos aguardava. Fomos para o sem conhecer ninguém e à noite já nos quarto que nos destinaram. Três camas, encontrávamos alojados num colégio de banheiro completo, excelente. Arrumamos padres, com todos nos dedicando atenção nossas tralhas da melhor maneira possível, e querendo ajudar. tomamos um banho e depois fomos jantar. A comida servida era excelente. Depois do A expectativa da audiência, segundo jantar fomos para a sala de recreação e aí o Pe. Bechetti, era para a quarta-feira da retomamos os contatos com a TV, jornais semana seguinte. Isto porque para a quarta- e revistas. Também conversamos muito e 133

feira da semana que estávamos iniciando brasileiro, que nos mostrou o Pantheon e já não havia mais tempo de inclusão na lista as imediações. Dele recebemos diversos de convidados especiais. Dissemos que informes históricos sobre o Pantheon e estava ótimo, pois assim teríamos tempo também sobre Roma. Aproveitamos ainda para também visitar Roma. Por fim, fomos para passar na Embaixada do Brasil e convidados para a missa na manhã marcar uma entrevista para o período da seguinte, às 6:45 horas. Dormimos muito tarde. Voltamos ao Colégio para o almoço. bem. As camas eram boas e o silêncio era total. À tarde, após o tradicional jogo de bocha, ficamos livres para novas excursões Acordamos cedo, seguimos direto pela cidade. Primeiro, tratamos de cumprir para a capela. A missa foi toda rezada em a entrevista com o pessoal da Embaixada. italiano. Para nós, claro, de difícil Pretendíamos obter contatos com os compreensão, mas participamos. Ocupa- correspondentes de jornais brasileiros em mos um lugar designado pelo Pe. Sérgio e Roma, bem como apoio para contatar por à hora da celebração, uma surpresa. Junto telefone com a sucursal da Rede Globo, em com os padres, nós também celebramos. Londres. Pois pretendíamos concretizar Uma experiência inesquecível. A celebra- uma reportagem sobre nosso giro. Na ção é o momento em que o pão e o vinho Embaixada, tivemos apoio e cordialidade e tornam-se corpo e sangue de Jesus Cristo. vimos que nosso giro estava bem divulgado. É a hora da comunhão, da Eucaristia. Através do Ministério de Relações Exteriores, ainda no Brasil, havíamos obtido Tomamos café com os padres. Depois 134 saímos junto com o Pe. Antônio, outro

a garantia de envio de um telex esclarecedor áreas que são proibidas para o acesso de nossos propósitos às Embaixadas público. Estivemos no Colégio Pio Brasileiro existentes nos diversos países que iríamos onde inclusive almoçamos. Na manhã de visitar. Isto foi uma boa providência, pois quarta-feira participamos como turistas logo ao chegarmos, um dos secretários da comuns da bênção na Praça de São Pedro. Embaixada brasileira em Roma colocou a Tivemos assim idéia do que era esta nossa disposição todas as facilidades, para solenidade. Ficamos eufóricos quando o que pudéssemos cumprir nossos objetivos Papa circulando entre a multidão, a bordo com a imprensa. Foi assim que encontra- do “papa móvel”, passou perto de nós e mos Fátima, uma jornalista brasileira que Murilo conseguiu lhe dar um aperto de estava atuando como free lancer para mão. Marcamos também um encontro revistas italianas especializadas em ciclismo. com Maurizio Rossi, um italiano que havia Jovem e muito simpática, Fátima logo se guardado para nós uma remessa de dólares interessou por nossas aventuras. Marcamos e pneus, trazidos para Roma pelo Prof. uma entrevista para o final da semana. Ao Selvino Assmann da UFSC. Maurizio é mesmo tempo, fizemos diversas ligações interessado em cultura portuguesa, fala para a imprensa local e para correspon- muito bem português e costuma passar dentes sediados em Roma. Falamos também suas férias em Portugal. Ele nos esperava, da Embaixada com Londres. Esta foi uma pois havia trocado diversas cartas com tarde de divulgação, de “mídia”. meu pai, sabendo assim da época de nossa chegada. Nos dias seguintes, visitamos com o Pe. Bechetti o interior do Vaticano. Vimos 135

No Colégio tínhamos tudo, além de Federação Italiana de Ciclismo e Fátima carinho e amizade. A participação como havia se prontificado a nos apresentar ao convidados especiais na bênção papal da seu presidente. Encontramo-nos por volta semana seguinte, foi confirmada pelo Pe. de 9:30 da manhã. Seguimos a pé até a Bechetti, dia da festa. Mas nossa Piazza Venezia. De lá tomamos um táxi para permanência como hóspedes ocorrera até a Vila Olímpica, onde está sediada a FIC. a chegada dos padres africanos. Eles chegariam na sexta-feira. Por esta razão, na Fomos recebidos pelo Secretário Geral quinta-feira à noite, depois do jantar, da FIC. Graças a Fátima, que havia voltamos para a pensão Marsala. inclusive marcado a entrevista, tivemos Agradecemos aos nossos mais novos facilidades para explicar os objetivos de amigos a hospitalidade e a amizade que nos nosso giro e também trocar lembranças. dedicaram. Ainda combinamos com o Pe. O Presidente da FIC estava em viagem para Sérgio um passeio pela cidade, no domingo. Milão, razão de sua ausência no encontro. Entregamos ao Secretário nossas Nosso amigo italiano, dono da pensão credenciais da Confederação Brasileira de Marsala, ao nos ver chegar, brincou: – De Ciclismo e imaginamos que o encontro novo? – Sim, voltamos, – falei. Rápido, terminaria ali. Mas qual, o Secretário acertamos o alojamento e fomos descansar. tomou o telefone e rapidamente deu algumas ordens. A seguir passou para Na manhã de sexta-feira tínhamos um Fátima um endereço e nos brindou num encontro com Fátima, a repórter brasileira. italiano mais lento com palavras de Pretendíamos manter um contato com a 136

estímulo e de boa estada em Roma. e uma poluição de lascar, devido ao intenso Agradecemos e saímos. Somente fora do tráfego de veículos na cidade. prédio é que Fátima nos explicou que o Secretário havia autorizado nossa Chegamos à casa de Maurizio sem hospedagem num hotel, por conta da dificuldades. O encontro foi caloroso, Federação. Excelente, não esperávamos nosso anfitrião foi extremamente gentil. por isto. Mas não deixamos por menos, já Sua esposa, Tânia, estava preparando o que estávamos autorizados, fomos diretos jantar. Um fundo musical dava um toque para o hotel. Era hora de almoço, e não brasileiro a tudo, através do violão de havia por que perdê-lo. À tarde providen- Toquinho. A conversa foi animada. ciamos o transporte de nossa tralha da Contamos nossas aventuras e destacamos pensão. as peripécias que vivemos em Roma. Maurizio e Tânia ficaram surpresos. À noite, tínhamos um jantar na casa do Maurizio Rossi. Além disso, recebe- Em seguida, ele nos repassou as cartas ríamos nossos dólares e uma remessa de recebidas. Para nós, era sempre uma cartas, mandadas por nossos familiares grande alegria recebê-las de nossos para o endereço de Maurizio. Pegamos dois parentes e amigos mais chegados, já que ônibus e um bonde para chegar à casa de apesar de estarmos vivendo uma nosso anfitrião. Atravessamos pratica- experiência que mal nos dava tempo de mente toda Roma. Isto no início da noite, pensar em nossos pais, tínhamos sempre enfrentando forte movimento de veículos um pontinho de nossos corações ligado ao nosso “mundo”, no Brasil. 137

Maurizio é um admirador da cultura porém, logo nos explicou: na manhã portuguesa. Conhece muito bem Portugal, seguinte deveríamos deixar o hotel. Não mas ainda não teve ocasião de visitar o estávamos sendo colocados para fora. Por Brasil. Tem interesse a respeito de tudo o orientação da Federação de Ciclismo que se refere ao nosso país. Isto facilitou estávamos sendo transferidos. Maurizio se demais nosso entrosamento. ofereceu para passar pela manhã e transportar nossas bagagens. Não rejeita- Após o jantar, Maurizio e Tânia mos. Despedimo-nos e tratamos de ir convidaram-nos para dar uma volta de descansar. carro pela cidade. Foi um belo passeio. À noite, as ruínas do Coliseo ficam ainda Após um farto café da manhã, mais imponentes, pelos jogos de luzes. As preparamos toda nossa bagagem e ficamos praças romanas também são lindas, mas a à espera de Maurizio. Tínhamos algumas poluição está por toda a parte, principal- dúvidas sobre os motivos da transferência. mente devido ao intenso tráfego de Todas, entretanto, tinham como justifica- veículos. Segundo Maurizio é a mais alta tiva o custo do hotel em que nos taxa da Europa e com isso os monumentos encontrávamos. Com a chegada de históricos são os que mais sofrem. Maurizio e nosso translado para o novo hotel, tudo se esclareceu. A categoria de Madrugada alta chegamos ao Hotel, e nosso novo lar era inferior, é claro. Maurizio entrou conosco até a portaria. O recepcionista nos comunicou algo que não Nesse dia fomos almoçar com Fátima. entendemos bem a princípio. Maurizio, Alguns italianos e brasileiros chegaram 138

para participar do almoço, todos telefônico com sua família sábado pela convidados de Fátima. O papo rolou solto, manhã. A euforia de Murilo foi tão grande coisas do Brasil e da Europa, tudo regado que nos tirou da cama. As notícias do Brasil a caipirinha, que nós não tomávamos. Mais eram boas, por isso resolvemos acabar a tarde chegaram outros amigos, entre eles noite, ou melhor, iniciar o dia, assistindo à Tereza, uma carioca muito bem dotada que última etapa do campeonato de Fórmula logo se entendeu muito bem com Murilo. I, onde Alain Prost conseguiu o A tarde se emendou com a noite, e a festa bicampeonato. continuou. Fátima foi uma excelente anfitriã. Já de madrugada, e cansadíssimos, Dormimos até antes do almoço. À regressamos ao hotel, que por sorte era tarde tínhamos marcado com o Pe. Sérgio próximo. para visitar o Coliseo, as catacumbas e outros monumentos históricos. Mal havíamos conciliado o sono, toca o telefone. Ninguém se entusiasmou para Pe. Sérgio foi incansável; além de nos atender. Murilo, afinal, resolve sair da cama mostrar os pontos principais da área velha e ao atendê-lo a surpresa foi grande. Era da cidade, deu-nos longas explicações Ana, sua namorada que ligava direto do sobre a história de Roma e sobre os Brasil. Eram cinco horas da manhã em romanos e cristãos. Visitando as catacum- Roma e no Brasil, cerca de meia-noite. Ana bas ficamos impressionados: são mais de havia pego o número do hotel com os pais vinte quilômetros de galerias em quatro do Hercílio, que havia feito um contato níveis distintos. As marcas do Império Romano estavam ali. A monumental 139

estrutura do Coliseo, as ruínas dos Fóruns A estada em Roma estava chegando ao fim, de Trajano, Cesar e Augusto, a basílica de e o nosso sonho estava quase se realizando. Constantino. Roma é uma cidade que conta Nossa ansiedade era grande. Conversando muito da história da Europa ocidental e do a respeito do futuro encontro, combinamos cristianismo. Por fim, demos um passeio à presentear o Papa com uma camisa de Praça de Espanha, com seus jardins nosso uniforme. Afinal, era uma oportuni- belíssimos, e uma visita à Igreja de La Trinitá dade única e queríamos deixar-lhe uma dei Monti. Foi uma tarde inesquecível. Mas lembrança nossa. não deixamos de visitar a impressionante escultura de Moisés, de Michelangelo, que Voltamos mais de uma vez ao Colégio está na Basílica de San Pedro in Vinculis. dos Padres. Tivemos um novo contato com Pe. Sérgio, querendo ressaltar a perfeição o Maurizio Rossi, agradecendo sua gentileza da escultura modelada em mármore de e mantivemos vários contatos com Fátima. Carrara, bateu dizendo: Fala Moisés! Quarta-feira, dia da audiência geral e A noite chegou e como todo bom de nosso encontro, acordamos muito cedo. padre, chegara a hora do recolhimento. Pe. Depois de um bom café, chamamos Fátima Sérgio se despediu para regressar ao por telefone e acertamos que ela passaria Colégio. E nós estávamos tão cansados que pelo Hotel e nos ajudaria com parte de resolvemos voltar ao hotel. nossa tralha. Havíamos combinado filmar nosso encontro, para uma reporta- Os dois dias seguintes foram dedicados gem independente, passível de ser a novos contatos com a imprensa e acertos difundida no Brasil. Fátima articulou toda 140 para a tão esperada audiência com o Papa.

a equipe para registrar o evento. Exigiu, Nas vizinhanças, peregrinos, religiosos de porém, que fôssemos para o Vaticano com alta posição, algumas autoridades de países as bicicletas e equipamentos, pois diversos e nós, três ciclistas brasileiros. Uma pretendia tomar algumas cenas, dando ponta de orgulho e outra de emoção. idéia de como estávamos fazendo o giro. Ansiosos, aguardávamos o início da Com sua chegada, despachamos o solenidade. Uma banda tocava músicas conjunto de bolsas em seu carro e religiosas e clássicas. Várias tomadas de seguimos pedalando para o Vaticano. cena foram feitas nesse meio tempo por Estávamos um pouco nervosos, pois no Fátima e sua equipe. Dali a pouco, um Vaticano tínhamos ainda de encontrar o silêncio geral: eis que entra na Praça o Pe. Sérgio, que estava de posse de nossos papa-móvel. Nele, João Paulo II distribuía convites especiais, liberados somente na sorrisos e bênçãos para os milhares de fiéis noite anterior. Ao chegar, tivemos um que se apertavam na Praça de São Pedro. pequeno desentendimento com a Guarda O dia estava lindo, a temperatura era do Vaticano, que pretendia impedir que amena. O cenário estava completo. O deixássemos as bicicletas na parte interna veículo percorreu os vários corredores dos portões, mas Pe. Sérgio chegou e formados entre a multidão por uma arranjou tudo. Em seguida, fomos estratégica disposição de grades e conduzidos por um guia auxiliar que nos cavaletes e se dirigiu ao altar principal, indicou o lugar onde ficaríamos. Quarta onde próximos estávamos. Podíamos vê- fila, defronte ao altar. Melhor, impossível. lo perfeitamente. Uma figura singular, 141 a equipe para registrar o evento. Exigiu, Nas vizinhanças, peregrinos, religiosos de porém, que fôssemos para o Vaticano com alta posição, algumas autoridades de países as bicicletas e equipamentos, pois diversos e nós, três ciclistas brasileiros. Uma pretendia tomar algumas cenas, dando ponta de orgulho e outra de emoção. idéia de como estávamos fazendo o giro. Ansiosos, aguardávamos o início da Com sua chegada, despachamos o solenidade. Uma banda tocava músicas conjunto de bolsas em seu carro e religiosas e clássicas. Várias tomadas de seguimos pedalando para o Vaticano. cena foram feitas nesse meio tempo por Estávamos um pouco nervosos, pois no Fátima e sua equipe. Dali a pouco, um Vaticano tínhamos ainda de encontrar o silêncio geral: eis que entra na Praça o Pe. Sérgio, que estava de posse de nossos papa-móvel. Nele, João Paulo II distribuía convites especiais, liberados somente na sorrisos e bênçãos para os milhares de fiéis noite anterior. Ao chegar, tivemos um que se apertavam na Praça de São Pedro. pequeno desentendimento com a Guarda O dia estava lindo, a temperatura era do Vaticano, que pretendia impedir que amena. O cenário estava completo. O deixássemos as bicicletas na parte interna veículo percorreu os vários corredores dos portões, mas Pe. Sérgio chegou e formados entre a multidão por uma arranjou tudo. Em seguida, fomos estratégica disposição de grades e conduzidos por um guia auxiliar que nos cavaletes e se dirigiu ao altar principal, indicou o lugar onde ficaríamos. Quarta onde próximos estávamos. Podíamos vê- fila, defronte ao altar. Melhor, impossível. lo perfeitamente. Uma figura singular, 141

carismática, irradiante, de uma grande perguntava de que parte do Brasil nós paz interior. vínhamos. Respondemos dizendo que éramos do Estado de Santa Catarina, e com A cerimônia começou em italiano e, um sorriso ele nos disse que sentia saudades pouco a pouco, o Papa ia repetindo em do Brasil e que tinha vontade de rever o país. vários idiomas, inclusive em português, as Rapidamente, expliquei-lhe o que fazíamos bênçãos que distribuía. Passada uma hora, e os motivos de nosso giro. Enquanto isso, João Paulo II se dirigiu cercado de cardeais Murilo lhe presenteava com a camisa de e bispos para o local reservado aos nosso uniforme. Ele abençoou-nos e convidados especiais, onde nos presenteou a cada um de nós com um encontrávamos. Cumprimentava um a um rosário. Agradecemos, emocionados. Ele e a todos dizia algumas palavras. Quando seguiu seu caminho, atendendo outros João Paulo II parou na nossa frente apertou convidados especiais com a mesma nossas mãos, sentíamos em nosso corpo solicitude. que aquela figura que estava em nossa frente, não era uma pessoa comum. Sua Mal acreditávamos no que havia fisionomia nos transmitia um profundo acontecido. Havíamos falado com João estado de espírito, uma paz inigualável. Paulo II. Isto era a concretização de um de Realmente, João Paulo II era um grande nossos mais difíceis objetivos e, sem homem. Falamos, Murilo, Hercílio e eu ao dúvida, aquele que nos deixaria a melhor mesmo tempo. Custamos a entender o que das lembranças. ele dizia, mas percebemos que ele 142

Felizmente, tudo havia sido registrado. Voltamos ao hotel, preparamos nossas Um fotógrafo autorizado pelo Vaticano fez tralhas para a partida no dia seguinte. uma cobertura especial. Acertamos com o Iniciávamos a última etapa de nosso giro. Pe. Sérgio, que ele supervisionaria o envio Estávamos alegres, com a moral elevada das fotos para o Brasil. Demos uma e, conscientes de nosso êxito. Roma, o entrevista para Fátima e ampliamos o Vaticano, o Papa, além dos muitos amigos registro em filme que havia sido feito por que ali fizemos, estavam em nossas mentes sua equipe. Para tanto, desfilamos um e em nossos corações. Com esse estado de pouco com o equipamento pelas ruas espírito, dormimos nossa última noite em vizinhas ao Vaticano. Roma, sabendo que no dia seguinte teríamos uma nova etapa a cumprir. Cansados e famintos regressamos ao Tínhamos certeza de que, com o encontro, hotel. Comemos algo e logo, eufóricos, havíamos renovado nossa esperança de ligamos para o Brasil contando o aconte- vencer. As imagens que guardávamos em cido para nossos familiares. Todos nossas mentes, certamente eram mais vibraram conosco. bonitas do que as que haviam sido tiradas e filmadas. A noite foi reservada para agradeci- mentos e despedidas. Primeiro fomos à casa 143 de Fátima e logo após para a de Maurizio. Nas duas a emoção de deixar amigos e ter que partir era grande. Pela manhã já nos havíamos despedido de Pe. Sérgio.



Capítulo 9 Cruzando a Riviera com Yasuaki



A estrada era uma beleza, o dia lindo fechados e abandonados naquela época do e apenas cinqüenta quilômetros nos ano. Também, pudera, a temperatura já separavam do Mar Mediterrâneo. não era nada agradável para um mergulho Íamos para Civitavéchia, uma pequena e já podíamos sentir o inverno chegando. cidade no litoral. Era uma etapa curta, pois Observamos nessa região uma grande além da perda de tempo na saída de Roma, quantidade de casamatas nas encostas das devido principalmente ao trânsito, estávamos montanhas, além de destroços de aviões e também há muitos dias sem pedalar. bases militares, o que nos fez pensar nas barbaridades cometidas ali pelo homem Em Civitavéchia, faríamos um contato durante a Segunda Guerra Mundial. telefônico com Francisco Cortez Pinto, o Chico, amigo de Piero Brunello. Havíamos Dormimos em Grosseto, após a breve falado com ele da última vez em Veneza. passagem por Civitavéchia. Durante as Confirmamos então nossa chegada para o noites fazíamos um balanço do que fim de semana. acontecia, dos êxitos no alcance de nossos objetivos, visitas, novas amizades. Tínhamos Agora, seguiríamos nosso roteiro, consciência de que éramos privilegiados em margeando o Mediterrâneo. A partir de estar viajando, em ver paisagens tão belas, Civitavéchia, tomamos a Via Aurélia, nome em vivenciar aventuras, até então dado à rodovia que segue contornando o impossíveis para nós. Também sabíamos mar. A região é tomada por balneários, que que ao voltarmos teríamos que nos adaptar já nos faziam sentir saudades de nossas novamente à velha rotina. praias. A diferença é que todos estavam 147

Estávamos agora entrando na última direto para a praça onde estava a famosa etapa de nossa viagem. Restava-nos apenas Torre, juntamente com a Catedral e o cumprir os 2.000 km, que nos separavam Batistério. Além da beleza dessas cons- de Lisboa. Sem dúvida, essa distância em truções medievais e da singularidade da nada nos assustava. Apesar de já estarmos inclinação da torre, foi ali que, segundo a desgastados com a vida de nômades, tradição, Galileu elaborou uma de suas conseguiríamos completar o giro. teorias, provando que corpos de massas Tínhamos convicção disso e lembrávamos diferentes estão sujeitos à mesma força agora de todas as dificuldades ultrapas- gravitacional. sadas durante todo um ano, desde a montagem do projeto até a obtenção de Batemos algumas fotos e em seguida colaboradores; do descrédito de alguns pedimos informações para encontrarmos amigos quanto à realização do mesmo. a casa de Chico. Sem dificuldades, Foram tempos difíceis. Um ano de lutas, localizamos seu apartamento e, ao para permitir pouco mais de cinco meses chegarmos, fomos informados de que o de viagem. Entretanto, estes cinco meses mesmo não se encontrava. Mesmo assim estavam sendo os melhores de nossas entramos, convidados por um amigo seu vidas. Tempos dos quais, tínhamos certeza, que sabia de nossa chegada. Era um teríamos saudades. apartamento grande e só mais tarde compreendemos que se tratava de uma Chegamos em Pisa ao entardecer. “república”. Como existia um quarto vago Como crianças, apesar do cansaço, fomos e estávamos de passagem, não haveria 148

problemas em ficarmos ali alojados. Após Renascimento e um dos pólos mais um merecido banho, nos instalamos. Chico importantes do turismo na Itália. Ali está chegou juntamente com sua mulher, Ana. uma das maiores coleções de arte de toda Ele tinha aproximadamente 30 anos, a Europa, com obras de Michelangelo, mostrava-se muito jovial e simpático e logo Leonardo da Vinci, Rafael e Boticelli. fizemos uma grande amizade. Veio de Portugal para estudar e ali conheceu Ana. Saímos cedo, a viagem de trem era Nunca mais voltou, coisas do amor. rápida e barata. Andamos o dia todo pelas ruelas estreitas e à tardinha retomamos a Por sugestões de Chico e Ana, Pisa. Foi um belo passeio e um dia de folga juntamente com outro casal amigo, saímos para as bicicletas. Ao chegarmos, ao à noite. Fomos em alguns barzinhos típicos anoitecer, ainda pudemos dar uma última e conversamos muito, para variar. volta pela agradável cidade, já que Aproveitamos o final de semana. Aceita- partiríamos na manhã seguinte. mos o convite para darmos um passeio de carro pelas cidades de Lucca e Viareggio. Nosso jantar com o casal Chico e Ana Passamos todo o dia seguinte conhecendo foi ótimo. Saboreamos uma bela esses belos lugares com nossos novos macarronada bem ao estilo italiano. Antes amigos. de dormir, organizamos a bagagem, pois não podíamos sair muito tarde no dia Por indicação de Chico, resolvemos ir seguinte. a Florença, famosa por suas ruas estreitas e bela Catedral. Florença é a capital do As festas e as mordomias haviam acabado. Mas no fundo gostávamos 149

mesmo era de estar com o pé na estrada, atravessamos os Apeninos até Roma; e pedalando. agora subíamos a costa mediterrânea até a cidade Ventimiglia, que faz fronteira com O dia amanheceu escuro, com fortes a França. Tínhamos permanecido trinta ventos e chuva fina. Por pouco não dias na Itália. discutimos com Chico, que insistente- mente pedia que ficássemos. Perdemos Seguimos para Gênova, cidade algum tempo até convencê-lo de que portuária na qual permanecemos apenas deveríamos partir assim mesmo. Enfim, dois dias. Depois rumamos para Menton, nos despedimos. já na França. Seguindo nosso fiel e já bastante malhado livro dos albergues, Éramos três malucos, pois acabáramos chegamos sem dificuldades ao A.J. de de recusar cama e comida quentinhas para Menton, que se localiza num platô com um sair com aquele tempo e dormir sabe lá belíssimo visual de toda a costa azul da Deus onde. Conseguimos, após muito França. esforço, chegar em La Spezia, cerca de oitenta quilômetros de Pisa. Exaustos, Estávamos preenchendo os cadastros paramos direto na primeira pensão que dos A.Js., quando um japonês se aproximou encontramos. e, em inglês, perguntou-nos se as bicicletas estacionadas em frente eram nossas. Faríamos agora nossa última etapa na Itália, país em que nos demoramos por – Sim, são nossas – respondi. Ele disse- mais tempo. Desde quando contornamos me que também estava viajando de toda a costa Adriática até Ancona, daí bicicleta, porém sozinho. Após um breve 150


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