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Ciclismo-2020

Published by Paroberto, 2020-11-23 23:04:37

Description: Ciclismo-2020

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O trajeto foi vencido com dificulda- Seguiríamos, agora, direto rumo à des. Fizemos uma breve parada em capital espanhola. Sabíamos que, a partir Salamanca, para uma visita à mais antiga de Madrid, as coisas tenderiam a melhorar, universidade do mundo. Chegamos em pois subiríamos um pouco nos aproxi- Ávila, dispostos a permanecer pelo menos mando dos Pirineus, e a temperatura, dois dias. seguramente, desceria a níveis mais suportáveis. Descansamos e aproveitamos O A.J. era excelente. Tínhamos um bastante nossa estada em Ávila. Fizemos quarto só para nós, café da manhã e jantar. inclusive diversas amizades no A.J. e foi aí A comida era ótima e o tratamento muito também que vendemos a um preço cordial. Um verdadeiro cinco estrelas, para simbólico nossa barraca, já que não a nós, que viajando de bicicleta tínhamos estávamos usando. Partimos então para necessidade de volta e meia ter um bom Madrid com cerca de quatro quilos a descanso e farta alimentação. menos em nossas bolsas, o que para nós era um estímulo a mais. Nossa estada em Ávila serviu para que recuperássemos as energias despendidas, Seguimos à tarde. Estávamos com um com o forte calor, pois já havíamos perdido belo bronzeado. Há dias vínhamos utilizando alguns quilos. algumas pomadas especiais para proteção, pois, além do sol, o ar era extremamente Avila é uma cidade medieval. Ainda seco. conserva os grandes muros que a envolvem, além de diversos monumentos Pedalamos durante toda a tarde. Eram históricos. aproximadamente vinte e duas horas 51

quando estacionamos nossas bicicletas em não tínhamos rumo, passamos por algumas frente ao A.J. de Madrid e recebemos a praças e monumentos que constavam em informação de que não havia vagas. nosso mapa como pontos turísticos. Sem Estávamos exaustos e pensar em procurar dificuldades chegamos a Plaza Mayor, o uma pensão era desanimador. A jovem que centro palpitante de Madrid. Seus dez arcos nos atendeu foi solícita e deu-nos levam a ruelas antigas, que não são poucas orientação para próximo dali acharmos o em toda a Europa. A seguir fomos à igreja abrigo de que precisávamos. Lá fomos... de San Nicolás de los Servitas, a mais antiga O cansaço era tanto que depois de da cidade. achar a pensão ótima, desmontar as Em Madrid, tínhamos o endereço de bicicletas e comer, nos estiramos em nossas um amigo, Almir Gentil, que fazia camas sem sequer tomar um banho. Que especialização em medicina. Ela já estava dia, pensei! em Madrid há algum tempo. Acordamos já com o sol alto e para Resolvemos, ao sair da igreja, procurar variar com um calor terrível. Rapidamente a sua casa. Pedalamos um bocado e após arrumamos tudo e seguimos para o A.J. algumas informações, chegamos ao local. com o objetivo de conseguir hospedagem. Fomos atendidos pelo zelador, que mais Ali tomamos um bom café e logo tarde viríamos a conhecer melhor, Sr. conseguimos nossa vaga. Tudo OK! Jerônimo. O mesmo nos disse que Almir Saímos, agora com as bicicletas livres não estava. Havia tirado férias e partido de carga, pelo centro da cidade. A princípio com a irmã para a Itália. Ficamos 52

decepcionados, pois contávamos com sem falar nos horários que tínhamos que Almir para festarmos um pouco na noite obedecer. Grande Almir. madrilenha. Paciência. Após uma rápida verificada no Agradecemos ao Sr. Jerônimo pelas apartamento para saber se o mesmo informações e, ao nos despedirmos, ele oferecia condições para que pudéssemos nos perguntou se éramos brasileiros e se cozinhar, retomamos ao A.J. para pegar estávanios dando um giro de bicicleta nossas bagagens. No apartamento, embora pela Europa. Respondemos que sim e pequeno, tínhamos condições de preparar logo perguntamos como sabia. Seu nossa alimentação e de passar as horas Jerônimo nos mandou entrar e a seguir mais quentes do dia, descansando. nos contou o que se passava. Ao ir viajar, Almir havia lhe dito que talvez As idas e vindas pela cidade com as aparecessem três malucos de bicicleta, bicicletas desprovidas das bagagens eram que eram brasileiros, seus amigos, e bastantes agradáveis. Volta e meia, tarefas deixou as chaves do seu apartamento de correio, noticiando para a família e para que ficássemos ali hospedados. amigos os feitos recentes. Em outros Ótimo, pensamos, pois, economiza- instantes, aproveitávamos o telefone que ríamos bastante e teríamos um clima havia no prédio para falar diretamente mais caseiro do qual já estávamos com com nossos pais. saudades. Nos albergues não tínhamos possibilidade de ficar mais à vontade, Foi exatamente ao atender um chamado do Brasil, feito por Claudia, prima de Hercílio, que saímos todos do 53

apartamento, sem atentar para o fato de Os palpites foram vários, até que que a chave estava do lado interno. Quando alguém lembrou do poço interno de a porta bateu, movida por uma rajada de ventilação existente entre os apartamentos. vento, percebemos que estávamos Talvez fosse possível, passar de um literalmente na rua. Que fazer? apartamento para o outro, atravessando o Após o papo no telefone, no qual poço por meio de uma escada. Fomos pegá- ratificamos o que já havíamos dito em la e ao mesmo tempo obtivemos licença do cartas, tratamos de resolver nosso morador vizinho, que fazia fundos com o problema. Afinal, já eram vinte e três apartamento de Almir. Colocamos a escada horas e tínhamos deixado nossa sopa no no poço, ligando a janela do banheiro do fogo. Chamamos o Seu Jerônimo para apartamento de Almir com a área de serviço saber setinha outra chave. Não tinha. do apartamento em que nos encontrá- Estudamos a situação. O apartamento vamos agora. Feito isto, a questão era saber estava no 4o andar com uma única e quem se arriscaria a fazer a travessia. Quatro grossa porta de entrada. Arrombar, andares abaixo, o poço era ocupado por chamar os bombeiros? Seu Jerônimo nos dezenas de engradados com garrafas vazias advertia que os mesmos estragariam a de um bar, instalado no térreo. Lugar feio. porta. O que diríamos a Almir, que Murilo olhou, acompanhado por Hercílio, chegaria em breve? O barulho que concluindo que a tarefa era para quem fosse fazíamos decorrente da aflição, chamou menos pesado. Sobrou para mim, a atenção de outros moradores. compreendi... 54



Os moradores do prédio estavam Brasil, pensamos, mas não! Era Almir que todos envolvidos no desafio. Sugeriam o estava chegando de viagem juntamente uso de cordas de segurança, teste de com seus irmãos Adir e Adione. Outra resistência na escada, calma... Mas também correria, pois tínhamos ocupado seu ninguém se oferecia para fazer a proeza ou quarto e provavelmente dormíamos em tampouco davam alternativas satisfatórias. sua cama. Almir entretanto se mostrou Depois de muita discussão, de verificar por extremamente gentil e de acordo com seu duas vezes as condições da escada, subi no próprio nome. Uma grande figura, sempre parapeito da janela e, sentado, atravessei sorrindo e contando piadas. os cinco metros que separavam a área de Esticamos nossos sacos de dormir na serviço, do apartamento do Almir. Ao sala. E, após um longo papo, dormimos. chegar do outro lado, a vibração dos No dia seguinte, saímos passeando sem moradores foi grande, mas a minha rumo certo, já que Almir e seus irmãos, sensação de alívio maior ainda. Ufa, que cansados da viagem, dormiam. Conversá- cagaço! vamos sobre o episódio do dia anterior e Nossa sopa, entretanto, foi para o os riscos que aparentemente tínhamos na brejo. Mas estávamos felizes, afinal tudo estrada. Falávamos também a respeito das acabou bem. coincidências que aconteciam durante as Já estávamos em nossas camas etapas, de nossas facilidades em encontrar conversando sobre o agito do dia quando o que procurávamos, enfim, estávamos toca o interfone. Outro telefonema do constantemente ultrapasssando barreiras 56

e mais barreiras sem que nos abatêssemos O apartamento, agora, com a chegada para tal. Creditávamos tal fato ao nosso dos donos, começava a ficar apertado e nós grande espírito de união, o que aliás foi já começávamos a pensar na partida. Nosso uma constante durante todo o giro e fator calendário de viagem estava começando principal de nosso sucesso. a ficar ameaçado. Enquanto isso, com Almir e seus irmãos, aproveitá- Nesse papo, chegamos pela Gran Via vamos para conhecer a noite de Madrid. ao escritório da Varig. Paramos. Apesar de Festamos bastante. fechado, por ser domingo, permane- cemos ali por alguns instantes. De repente, A partida de Madrid sem dúvida um grito ecoou no alto de um prédio. Um deixaria saudades, mas tínhamos um homem ameaçava saltar. Foi o tempo de objetivo a cumprir e não poderíamos nos movimentarmos as bicicletas e um corpo acomodar. Havíamos feito muitas logo se estatelou no chão, praticamente amizades com os moradores do prédio e onde estávamos segundos antes. Uma cena de todos nos despedimos recebendo horrível. Merda... manifestações de apoio e de sucesso no decorrer do giro. Em seguida uma infinidade de carros da polícia chegou e fecharam o local. Manhã do dia trinta e um de julho, Madrid estava muito policiada devido aos após efusivas despedidas de Almir, seus freqüentes atentados a bombas que vinha irmãos e seu Jerônimo, partimos em sofrendo por parte do grupo separatista direção a Guadalajara, a cerca de setenta Basco, ETA. quilômetros de distância. Um bom 57

começo, para nosso objetivo seguinte: homens, tanto no campo, como nas Paris. cidades, bem o indicavam. As ações de guerra dos integrantes do grupo armado Nos cinco dias seguintes, passamos por ETA – que traduz terra basca e liberdade – Medinaceli, Sória, Alfaro e Pamplona. À e das quais já tínhamos tido diversas medida que nos aproximávamos da notícias em Madrid, agora eram mais fronteira com a França, íamos subindo em visíveis, em particular pela presença de direção ao norte e conseqüentememe a tropas militares, nas estradas e cidades. temperatura ia caindo. Tanto que a partir de Sória a mesma já era de 20 oC, ótima Sem problemas, atravessamos os para pedalar. Pirineus em sua parte mais suave, próximo ao litoral, no Golfo de Vizcaya. Chegamos Livres do terrível calor, agora à capital do país basco, San Sebastian. Uma rendíamos muito mais e sem que nos cidade encantadora, praias lindas, muita desgastássemos tanto para cumprir as gente veraneando, e top less! Não etapas. Estávamos entrando em território resistimos, ficamos aí um dia inteiro Basco e tivemos uma boa prova disso já descansando e apreciando. em Pamplona. Pois, no dia seguinte à nossa passagem por lá, soubemos, através de O alojamento entretanto não foi fácil jornais, que houvera um atentado durante de achar. O A.J. estava lotado e ao os festejos da cidade, causando a morte de recorrermos ao consulado brasileiro, lá 35 pessoas. Escapamos por pouco. As existente, não fomos atendidos. Felizmente boinas pretas utilizadas pela maioria dos contávamos com algumas cartas de 58

apresentação da Federação Espanhola de cidade. Depois convidou-nos para Ciclismo, obtidas durante nossa estada em participar de uma ceia com seus familiares. Madrid. De posse das mesmas, nos Aceitamos. Era uma festa de família, dirigimos à federação de ciclismo local. Ao comemorando um aniversário. Vários chegarmos, fomos recebidos por uma parentes haviam vindo de localidades jovem que ali trabalhava como secretária. vizinhas e da própria cidade. Participamos Marian, como se chamava, mostrou-se de uma discussão sobre a guerrilha basca. muito cordial ao tomar conhecimento de Alguns dos presentes nos tomavam por nossa situação, porém nos disse que pela franceses, foi preciso esclarecer diversas Federação seria muito difícil nos alojar. vezes que éramos brasileiros e que nada Entretanto, marcamos um encontro para tínhamos a ver com o conflito existente, o final de seu expediente, pois talvez ela pois os bascos não gostam dos franceses. pudesse encontrar uma solução. Vários conflitos têm ocorrido. Tudo isto em decorrência de luta pela independência Passaram-se as horas. Retomamos ao basca que muitos defendem ou repudiam. A.J. e lá conseguimos deixar nossas bagagens, tomar um banho e comer Conversamos muito e, já tarde da alguma coisa. Ao anoitecer, tomamos um noite, acho até que em função de nosso ônibus até o centro da cidade, indo ao local estado – literalmente pregados –, Marian indicado do encontro. Lá conversa- nos levou de táxi para dormirmos na casa mos um pouco e em seguida Marian nos de seu namorado, que coincidentemente levou para uma volta pelas imediações da ficava próxima ao A.J. Nos despedimos de 59

todos, agradecendo a excelente ceia estrada bastante movimentada. Ainda era oferecida. período de férias, e os franceses aproveitavam as praias do norte do país, Dia seguinte, por volta do meio-dia entre elas Biarritz, um famoso balneário. após nos despedirmos de Marian, agradecendo-lhe a hospitalidade, Nesse dia, passamos por diversas partimos. Deixamos-lhe a esperança de que praias, todas muito movimentadas. algum dia retomaríamos. Estranhamos, pois estava até certo ponto frio para um banho de mar. Pelo menos Voltando ao A.J., pegamos nossas para nós, que estamos acostumados a um coisas e em seguida retomamos nosso clima de verão mais quente. A recepti- roteiro em direção à França. vidade dos franceses para conosco era ótima. Percebemos durante essa etapa A fronteira estava a apenas vinte várias manifestações de incentivo, dos que quilômetros dali. O dia estava lindo e a passavam de carro. temperatura ótima, na faixa de 18 oC. Durante o percurso, treinávamos o nosso Nesse dia chegamos a Bayone ao francês, que até então estava um pouco anoitecer. Fomos direto para uma pensão. esquecido. Na fronteira, as atenções dos A seguir tocamos para Laharie. funcionários foram muitas. Não tivemos dificuldades em explicar o que fazíamos, Em nossas cabeças, agora, um só nosso folder também se mostrou muito objetivo: a chegada a Paris. Pois além dos útil. Liberados e felizes por estarmos muitos contatos que esperávamos ter nessa entrando em outro país, seguimos por uma cidade, estava prevista uma estada mais 60

larga para descanso. Também em Paris, sabíamos que nos esperava toda a correspondência de nossos parentes e amigos, além de equipamentos sobressa- lentes e recursos financeiros. A canalização de tudo isso tinha sido feita com antecedência para a casa do Prof. Rabah Benakouche, que se encontrava em Paris com sua família em estudos de pós- doutoramento. Paris também nos atraía como ponto fundamental de afirmação do nosso giro. Chegar a Paris, entendíamos, era ter garantido o êxito de nosso empreendimento. Enquanto sonhávamos também com algumas aventuras em Paris, pedalávamos, pedalávamos... 61



Capítulo 4 Paris, a chegada triunfante



Paramos. A placa nos indicava: Paris Além disso, pensar em rever Paris era para a 50 km. Estávamos chegando. mim um objetivo particular. Tínhamos também pela frente muitas correspon- A temperatura era de aproximada- dências a receber, contatos com a imprensa, mente quinze graus. Após darmos uma embaixada, visitas aos muitos pontos mijada à beira da estrada deserta, turísticos e a expectativa de um contato continuamos. mais intenso com as francesas... Havíamos passado por maus bocados, Sem dúvida, a vontade de chegar era afinal nos últimos sete dias estávamos enorme e comparável somente ao nosso pedalando uma média superior a cem cansaço. Redobramos as forças e peda- quilômetros diários. Demos apenas um “alô” lamos. às cidades de Bayone, Laharie, Bordeux, Saintes, Poitiers, Tour e Orleans. Foi uma Era ainda cedo, por volta de catorze semana duríssima e estávamos dando tudo horas, porém o céu começava a escurecer de nós para cumprirmos essas etapas. rapidamente. Vai chover! Ainda faltavam uns vinte quilômetros, quando desabou o Agora, a menos de cinqüenta maior “cacau”. Novamente paramos, desta quilômetros de Paris, sentíamos uma vez para tirar da bagagem as capas sensação ótima. Segundo nosso calendário, amarelas que Juan, nosso colaborador e teríamos pelo menos duas semanas para responsável pela confecção de boa parte ficar em Paris. Poderíamos descansar, dando do equipamento de viagem, havia feito em um tempo à vida de nômade e de acorda- material leve e impermeável. Protegidos, pedala-dorme-acorda, que já nos esgotava. 65

continuamos. A chuva era forte e tinha pela emoção. Permanecemos ali por alguns vindo para ficar. Os caminhões e automó- instantes somente contemplando-a. No veis trafegavam agora de faróis acesos. caminho, começamos a perceber que as Estávamos chegando. A cidade aos poucos pessoas nas marquises e nas portas dos bares ia se desenhando a nossa frente, o nos diziam algo que a princípio não movimento de veículos aumentava e nosso entendíamos. À medida em que cansaço também. As bicicletas pareciam avançávamos pelo centro da cidade, que estavam cada vez mais pesadas. algumas pessoas começaram a bater palmas Ao entrarmos no perímetro urbano da sob as marquises. Agradecemos e em cidade, pedimos algumas informações para seguida alguns franceses gritaram: Bresil, localizarmos a Casa do Brasil, que se situava Bresil... Ficamos arrepiados de emoção e na cidade universitária e em fila indiana nos alegria. dirigimos naquela direção. De repente A chuva parecia abençoar nossa Hercílio gritou: Olhem lá, à direita! A torre! chegada e os franceses com seus aplausos Olhamos rapidamente na direção indicada ratificavam essa intenção. Foi uma e meio encoberta pelas nuvens, lá estava ela, chegada marcante. Esquecemos o cansaço a marca registrada de Paris, La Tour Eifell. e curtimos o momento. Éramos vence- Ficamos emocionados e não resistimos, dores. Os aplausos imprevistos pareciam paramos para registrar o momento. A torre uma nova fonte de energia e tinham muito encoberta ao fundo e nós com as capas significado para nós, pois, na realidade, ensopadas de chuva e as caras molhadas eram o reconhecimento anônimo de nosso 66

esforço, de nossa tenacidade e garra. casa, ou melhor, o apartamento, por tudo Inesquecível! que representava e remetia ao nosso país, parecia um oásis, que se tivesse classifica- Finalmente chegamos à Casa do Brasil. ção certamente merecia cinco estrelas. Ali, após termos mostrado nossas creden- ciais e cartas de apresentação, não tivemos Estávamos felizes por termos problemas em conseguir um apartamento. cumprido o mais longo trecho do roteiro. Estávamos tão cansados que não sei se Afinal, foram desde Madrid 1.400 km em teríamos condições de sair procurando que pedalamos quase diariamente. Agora outro local para ficar, caso não houvesse devidamente alojados só pensáva- vagas. Apesar de mal conservado, o prédio mos num banho e numa generosa janta. que abriga a Casa do Brasil em Paris tem Logo nos familiarizamos com os esquemas imponência. O projeto é de Oscar da cidade universitária, que por sinal eram Niemeyer. São quatro andares em meio à ótimos. Tínhamos a nossa disposição um cidade universitária, onde se respira e se restaurante e uma cantina com preços cheira Brasil. muito convenientes para uma capital como Paris. O apartamento em que ficamos era muito espaçoso, com uma pequena sacada No primeiro dia tratamos de entrar em que logo apelidamos de geladeira, pois ali contato com a Embaixada Brasileira, para deixávamos as coisas que normalmente a partir de lá contatar com os diversos em casa colocamos no local de mesmo correspondentes de jornais brasileiros. nome: leite, iogurte, frutas, etc. Para nós a Saímos a pé e logo em seguida tomamos 67

um metrô, principal meio de transporte rodamos por toda Paris. Sempre dos parisienses. No caminho, sem pressa, voltávamos nas horas de almoço e janta pudemos observar a rotina da grande para a cidade universitária, onde tínhamos cidade. Uma rotina à qual já estávamos um farto bandejão, isso sem falar no café desacostumados, pois viajando pelo da manhã, que nos fazia acordar cedo interior passávamos por tranqüilas e calmas todos os dias. Todos esses privilégios vilas, e o movimento da cidade grande; tínhamos acesso graças à carteira agora, nos era estranho. internacional de estudante que fizemos no Ao chegarmos à Embaixada, fomos Brasil, através do nosso DCE. muito bem recebidos. Novamente vimos Visitando o Prof. Rabah Benakouche, nosso folder funcionar. Conseguimos recebemos diversas correspondências. entrevistas, inclusive com revistas Pegamos também um pacote de francesas, além de alguns correspondentes tubuladores sobressalentes, algumas caixas brasileiros. Isso permitiu uma boa de vitaminas, que nossos pais preocupados divulgação do giro. haviam mandado e uma certa quantidade Nos dias que se seguiram, começamos em dólares. Tudo havia sido previamente a visitar os principais pontos turísticos da organizado com Rabah, pois contávamos cidade: Museu do Louvre, Torre Eifell, com a ajuda de amigos que em viagem a Catedral de Notre Dame, Museu do Paris levaram antecipadamente nossas Homem, Quartier Latin, Centro George coisas. Aproveitamos para fazer algumas Pompidou, etc. Enfim, de bicicleta chamadas ao Brasil. Como agora tínhamos 68

endereço certo, não foi fácil também a demos com um funcionário da Prefeitura nossos parentes aprazarem horários para de Paris limpando a calçada de eventuais nos chamarem pelo telefone. Para dejetos de cachorro. O singular é que o completar, Tamara, esposa de Rabah, nos mesmo montava uma moto equipada com brindou num sábado com uma farta um braço mecânico, que simultaneamente feijoada. Comemos a valer. sugava a merdaça e aspergia água sobre o local a limpar. Dez dias já se haviam passado e Paris aos poucos ia para nós se tornando A organização da cidade também familiar. Com suas ruas estreitas e seus impressiona. O sistema de transporte se amplos bulevares, com seus prédios de baseia no metrô. Várias vezes o utilizamos poucos andares; modernos centros de arte para ir de um lugar para outro, quando não e antigos e requintados museus. É uma saíamos de bicicleta. Numa dessas vezes, cidade impressionante. São cerca de 4,5 vivenciamos um exemplo da organização milhões de pessoas que ali vivem. A da cidade. Por medida de economia presença de estrangeiros, turistas ou não, havíamos ultrapassado a borboleta do é grande. A limpeza da cidade chega a metrô em dupla, ou seja, pegando uma chamar a atenção. Aliás, sobre limpeza “carona” com parisienses que depositavam presenciamos algo para nós inusitado. normalmente os tikets que abriam a Estávamos numa manhã em frente à Notre passagem na borboleta. Surpreendidos Dame, observando a imensa movimen- pela segurança do metrô, eu e Hercílio tação de turistas, quando nos surpreen- fomos multados em cerca de 160 francos, 69

equivalentes a 22 dólares. Não adiantou Depois do jantar, saímos para uma explicar que éramos estrangeiros, última volta nas imediações do Moulin desavisados, sem dinheiro, ciclistas, Rouge... Todos os nossos compromissos estudantes. Ou pagávamos ou éramos haviam sido cumpridos e já começávamos sumariamente presos. No início ficamos a sentir saudades da estrada e de novas revoltados e até abatidos por termos que aventuras. desembolsar toda aquela grana. Depois compreendemos que havíamos errado e A meta agora era Amsterdam, ponto que lidávamos com um sistema de mais extremo de nosso giro. Na noite que administração pública bem diferente antecedia a nossa partida, gravamos uma daquele que conhecíamos no Brasil. fita para nossas famílias. Apesar da desarticulação com que foi gravada, Fizemos muitas amizades, principal- tentamos contar os principais lances da mente na cidade universitária, onde viagem vividos de Lisboa até Paris. comíamos. Lá muitos brasileiros que estão em Paris estudando, tentando um emprego ou mesmo em busca de aventuras, também se alimentavam. Muitos deles cantam no metrô. Aliás, vimos ali verdadeiros shows, alguns até com conjuntos e equipamentos pesados. Tudo viração e luta pela sobrevivência. 70

EUROPE





No local de chegada da maior prova de ciclismo do mundo, a mítica Tour de France

As estradas secundárias so interior de Portugal... No início do giro, sentindo os efeitos do peso de nossa bagagem ... inteiramente à nossa disposição

No caminho certo, a 50 km de Rotterdam Testando as capas de chuva

Em Aachen (Alemanha) com Magdalena Valdavida Viajando... O emocionante contato com o Papa João Paulo II, no Vaticano

Chegada no A.J. de Roma Na embaixada do Brasil em Roma, recebendo o convite para visitar a Federação Italiana de Ciclismo

Visita à Federação Italiana de Ciclismo Novamente na estrada... Em Cambiago (Itália), com Ernesto Colnago, fabricante das melhores bicicletas de competição do mundo

Com o Pe. Sérgio, conhecendo os mistérios das catacumbas romanas Na cidade natal de Galileu Galilei

Recebendo as boas vindas na fronteira com a França Campos franceses Chegada à costa do Mar Adriático (Rimini – Itália)

Curva do circuito da Fórmula 1 em Mônaco Nossa rotina todas as manhãs na porta dos A.Js.

Com Piero, na Praça de São Marcos (Veneza – Itália) Comemoração e sucesso do giro

Finalizando nossa odisseia... ... a apenas 235 km de Lisboa!

Capítulo 5 Novamente na estrada



Acordamos cedo. Após um bom café nossos uniformes. Ultrapassamos toda uma na cantina do campus universitário, região de planície, com facilidade cumprimos preparamos o equipamento para a as duas etapas. Dormíamos agora em pensão, partida. Tudo pronto, começamos as pois não havia A.J. nas pequenas cidades que despedidas. estávamos atravessando. No terceiro dia, após a saída de Paris, chegamos a Valencianes Na Casa do Brasil não estavam (Anzien), último pernoite na França, antes de hospedados somente estudantes. Diversos cruzar a fronteira da Bélgica. Pernoitamos no músicos e artistas plásticos também lá se A.J. e aí conhecemos duas garotas, Silke e encontravam. A todos deixamos nosso Sussane, que também de bicicleta faziam um abraço e nossa saudade. Após todas as tour entre a Bélgica, Alemanha e França. despedidas, verificamos que, segundo Trocamos várias impressões e experiências nosso roteiro, a primeira etapa seria até de viagem, durante a noite. Elas eram Compiegne e de lá seguiríamos para realmente duas garotas corajosas e Peronne. O tempo estava bom. A tempera- determinadas. No dia seguinte nos tura se mantinha constante em 15 °C. despedimos, pois nós íamos para o norte e Ótima para pedalar. as garotas para o sul. Um azar! Nessa altura uma companhia feminina era mais do que Saímos de Paris sem maiores bem-vinda. dificuldades. Ainda no perímetro urbano, chamávamos a atenção dos transeuntes e Manhã cinzenta e chuvosa. A volta e meia alguém gritava Les Bresiliens. temperatura caíra para 10 °C. O vento era A identificação fácil decorria das cores de 87

forte. Após as ciclistas alemãs partirem, Ficamos surpresos com as ciclovias e tomamos coragem e saímos em direção à a sinalização especial para ciclistas. Bélgica, sem saber se naquele dia A cidadezinha que antes parecera sem atingiríamos Bruxelas, a capital. Chegamos interesse mostrava-se bastante atraente. em seguida à fronteira. A chuva aliviara um Limpa, bem sinalizada e calma. pouco, mas a temperatura continuava O albergue estava localizado numa área baixa. Seguimos em direção a Mons, onde muito aprazível, perto de um camping e um almoçamos e trocamos nossos francos minizoológico. Conseguimos vagas e agora franceses por francos belgas. Consultando só pensávamos em revisar o equipamento, nosso livro de albergues vimos a existência secar as roupas molhadas, tomar banho, de uma alternativa de pernoite numa comer e descansar. As bolsas impermeáveis cidade próxima a Bruxelas, Huizingen. Era e as capas resguardavam nossas roupas e uma boa opção, já que a mesma era equipamentos, bem como nossos corpos. Era pequena. E com isso as chances de inevitável, porém, que alguma coisa se conseguirmos vagas no A.J. eram maiores. molhasse, pois num trajeto de dia inteiro, Além disso, seria fácil localizá-lo. Tudo isso volta e meia tínhamos que abrir as bolsas evitava chegar a Bruxelas num final de para pegar algo. Os aquecedores existentes tarde, exaustos. Optamos por essa no albergue, porém, logo possibilitaram a alternativa. Lá chegamos, enfrentando secagem das peças molhadas. fortes ventos. O desgaste físico foi grande, Em seguida, fomos à procura de embora a região fosse plana. comida. Aí as dificuldades começaram, 88

pois o comércio já havia fechado e estavam certamente devido às experiências de guerras abertas somente as casas que vendiam vividas por essas populações, bem como pela alimentos para cães e gatos. Sem enormidade de bombas nucleares que alternativa, compramos leite e um protéíco existem nos diversos países europeus. Deles destinado, segundo o vendedor, para próprios ou dos americanos, que usam seus aqueles animais, porém sem problemas territórios para este fim. Esse medo também para uso humano. Como nossa fome era está ligado à ameaça permanente de uma grande, arriscamos. No albergue prepara- guerra com a URSS. mos o rango canino e, saciados, fomos dormir. Ainda pela manhã chegamos a Bruxelas, lá procuramos o Albergue mais Aos poucos, entrando na Bélgica, barato. Logo após fizemos uma visita à fomos entendendo por que nas várias Embaixada do Brasil onde articulamos casas de comércio havia muito destaque uma entrevista para o Jornal Le Soir. para os alimentos destinados a cães e Visitamos também a Universidade. gatos. A população em regra tem poucos Percorremos ainda os diversos pontos ou nenhum filho. Porém, toda casa tem turísticos da cidade. Mas Bruxelas não nos um cachorro, um gato, ou ambos. Na agradou muito, pois o número de Holanda e na Alemanha a situação é cachorros nas ruas, devidamente semelhante. acompanhados por seus donos, adultos ou crianças, era impressionante. Por todo Notamos também uma preocupação lugar, merdaça de cachorro. Isso enfeiava incrível com guerras nucleares. Isto 89

a cidade. Por isso, abreviamos nossa estada Tratamos logo de trocar parte de e partimos em direção a Amsterdam, nossos francos por florins. Tendo em vista passando por Antuérpia, Bergen, a experiência anterior, logo tratamos de Rotterdam e Den Haag. comprar os alimentos de que necessitá- É incrível o uso da bicicleta nessa vamos. Os preços dos alimentos na região. A infra-estrutura para a sua Holanda eram mais altos que na Bélgica. utilização não deixa qualquer margem para Tínhamos permanente preocupação com críticas. Qualquer estrada é bem sinalizada. os gastos diários, porém quanto à As ciclovias estão sempre presentes ao lado alimentação pouco podíamos economizar. das rodovias. Uma beleza! Afinal, de uma boa alimentação dependia, Chegamos à Holanda, pernoitamos em desde o início, nosso projeto. Costumá- Bergen Op Zoom. Esta é uma pequena vamos, por isso, freqüentar supermercados cidade, muito limpa e organizada. A onde comprávamos leite, iogurte, pão, maioria da população anda de bicicleta; as queijo, fruta, chocolate, mais baratos, que pessoas vão e vêm para o trabalho, para o serviam como lanche durante os percursos cinema, para a igreja, de bicicletas. Nunca que cumpríamos. À noite quase sempre vimos coisa igual. Não raro vimos senhores jantávamos. de terno e gravata pedalando em direção Não houve problemas para obter vagas ao centro da cidade. Aqui pode-se dizer que no A..J. Lá fora a temperatura baixava ainda a bicicleta é o veículo utilizado como meio mais. Resolvemos comer algo por nós de transporte. Raramente, via-se um carro. preparado na cozinha do alojamento. 90

Depois, nos enfiamos nos sacos de dormir então explicou que seus filhos estavam em e conversamos um pouco sobre o dia sua casa e que ele telefonaria para eles, vencido. avisando de nossa chegada. Trocamos cartões de endereço, renovamos o convite Na manhã seguinte, a temperatura para que ele um dia nos visitasse no Brasil caíra para 8 oC. Após o café, começamos a e nos despedimos agradecidos. Ainda mal montar nosso equipamento para seguir acreditávamos. Um contato tão rápido e viagem em direção a Rotterdam. logo uma oferta de hospedagem e, mais Observamos que próximo, um senhor de que isso, de sincera amizade. aproximadamente 60 anos também preparava sua bicicleta para viajar. Tivemos algumas dificuldades para Aproximamo-nos e começamos a chegar a Rotterdam. O idioma holandês conversar. Sua bicicleta era especial para para nós era terrível, já que não cicloturismo. Falamos de nosso giro e ele entendíamos uma palavra. Pior no interior, nos disse que tinha muita vontade de onde as pessoas só falavam holandês. As conhecer o Brasil. Depois, sabendo de nossa estradas, apesar de bem sinalizadas, direção, ofereceu sua casa para ficarmos também só tinham indicação na língua do em Rotterdam. De início, não entendemos. país. Ainda assim, pelas cinco horas da Conversávamos em inglês e como ele havia tarde estávamos entrando em Rotterdam. dito que estava fazendo um tour em direção E com a ajuda de um providencial carteiro, à Alemanha, em férias, não compreende- localizamos a casa de nosso mais recente mos seu oferecimento de hospedagem. Ele amigo ciclista, Sr. Johan Redert. 91

Toda a nossa ansiedade desapareceu para jantar na casa do filho mais velho do quando fomos atendidos pelo filho do Sr. Sr. Johan. Foi uma nova experiência. Ro e Johan, Richard, que fora realmente avisado sua esposa Lilian nos recepcionaram como de nossa chegada. Outro fato que nos velhos amigos. Conversamos muito. causou surpresa foi que ele falava Éramos os primeiros brasileiros que eles espanhol. Isso foi ótimo, pois Hercílio e conheciam. Trocamos várias impressões Murilo tinham dificuldades para se sobre nossos países. Somente tarde da comunicar em inglês. noite, após termos aceito o convite de A casa tinha dois pavimentos. Não era Lilian para nos mostrar Rotterdam, grande, mas muito acolhedora. Nela despedimo-nos agradecidos e retomamos moravam apenas o Sr. Johan, seu filho a casa para dormir. Richard e sua irmã, Chartal. A recepção foi Rotterdam é conhecida como o porto calorosa. Logo fomos instalados num da Europa. Durante parte do dia passeamos amplo quarto. Estávamos um pouco pela cidade a bordo do BMW, agora dirigido atrapalhados, pois em regra os europeus por Lilian. O lugar mais interessante que são fechados e pouco hospitaleiros. visitamos foi um museu instalado estrategi- Falamos um pouco de nosso projeto, do camente num navio que havia sido Brasil, de nossas famílias. Depois, de banho desativado. Após um lanche, já que Lilian tomado, com roupas limpas, saímos em tinha um compromisso na parte da tarde, companhia de Richard e Chartal, num fomos para a zona do comércio. Aí BMW de fazer inveja a qualquer mortal, aproveitamos para enviar alguns cartões 92

postais para nossos parentes e amigos do Ilha, a cidade de Florianópolis. A seguir Brasil. À tardinha, voltamos para a casa de montamos as bicicletas e mais algumas nossos anfitriões e à noite estivemos mais fotos foram tiradas defronte à casa. uma vez com Ro e Lilian. Com eles Abraçamo-nos agradecidos e partimos. visitamos ainda um amigo da família, Redert, que tinha uma larga experiência Novamente estávamos na estrada, em viagens internacionais. Conversamos rumo ao desconhecido... bastante tempo e, por volta das 11 horas da noite, regressamos. No dia seguinte, logo cedo, pretendíamos partir e era necessário descansar. Nossa mordomia acabaria. De manhã cedo, quando acordamos, fomos surpreendidos por uma farta mesa de café. Chartal e Richard estavam agora equipados com uma filmadora e registra- vam os momentos finais de nossa estada em sua casa. Gravamos uma mensagem de agradecimento ao Sr. Redert e sua família pela extraordinária acolhida e renovamos o convite para chegarem ao Brasil e a nossa 93



Capítulo 6 Em Amsterdam, um contato inesperado



Debaixo de uma fina e persistente pontes de pedra. Como todas as cidades chuva, seguimos em direção a da Europa, é antiga e escura. Dispõe de dois Amsterdam. Foi um trecho difícil, A.Js; um, onde estávamos hospedados, pois, além da chuva e do frio, tivemos localiza-se quase à porta de entrada da inúmeros problemas ou talvez azares. Zona Roxa ou “The Red Lights” como lá Furamos seis tubulares e, faltando ainda chamam. Nessa famosa região em que cinqüenta quilômetros para chegarmos, casualmente nos encontrávamos, há total Murilo teve a caixa do movimento central liberação de drogas, diversos sex shops e quebrada. Tivemos eu e Hercílio que muitas mulheres que posam seminuas nas empurrá-lo até a chegada ao A.J. de vitrines e convidam a todos os que por ali Amsterdam. Nos revezávamos durante o passam para um programa. A região é percurso. Foi terrível, mas felizmente todo extremamente movimentada e os tipos o trajeto era plano, sem sequer uma humanos são singulares. lombada. Chegamos ao anoitecer. Havia vagas. No dia seguinte, providenciamos o reparo da bicicleta de Murilo e saímos Estávamos felizes em alcançar o ponto passeando: Museu Van Gogh, Risk mais extremo de nosso giro. Amsterdam é Museum, Praça Dam e como não poderia conhecida como a Veneza do norte, pela deixar de ser, a própria Zona Roxa. O clima quantidade de canais que corta a cidade, era frio e por isso permanecemos bastante mais de cem. A capital da Holanda é um tempo no A.J. Este já com outras normas lugar repleto de construções estreitas e devido ao frio, não fechava durante o dia. 97

Fizemos diversas amizades com meninas e amigos o endereço do A.J. de Amsterdam portuguesas, italianas e suíças, que lá para o envio de correspondências. Agora estavam hospedadas. começávamos a recebê-las. Murilo era o Volta e meia cruzávamos a zona roxa, maior felizardo, pois batia a todos no pois além de nossa natural curiosidade, era número de cartas recebidas, e não era para o caminho mais rápido para o centro da menos já que contava com a apaixonada cidade. Numa dessas idas e vindas, vendo Ana no Brasil. tantas mulheres, resolvemos estabelecer Nosso último dia em Amsterdam. A um ranking na base da gozação, para, por escolhida na zona roxa era uma bela votação, elegermos a melhor garota morena de olhos verdes e belos contornos. daquela “zona”. Uma gata de fazer inveja a qualquer musa Começamos a conhecer as “meninas”. de Ipanema. Paramos em frente a sua Entrávamos, falávamos alguma coisa e em vitrine e ficamos contemplando-a. Ao seguida saíamos. Ficávamos, quase sempre, anoitecer, com uma chuva fina, saímos eu apenas num breve alô, já que os preços não e Murilo. Fomos comprar perto dali num estavam ao nosso alcance. Porém nem pequeno supermercado, algumas frutas e todas nos deixavam entrar, pois em chocolates para comermos durante a etapa algumas só se entra se for realmente para do dia seguinte, além de queijo, pão e leite, transar. nossa janta. No caminho, não resistimos e Havia sido também, quando de nossa resolvemos fazer mais uma visita à referida estada em Paris, mandado por nossos pais morena. Ao chegarmos, ficamos por 98



alguns minutos apreciando da rua e em essa etapa com facilidade. Pernoitamos seguida através de gestos insistimos para numa pequena, porém asseada, pensão. falar-lhe. A mesma concordou. Entramos. Ia já começando a soltar o meu humilde Dia seguinte, atingimos Venlo já na inglês quando ela me interrompe e com o fronteira com a Alemanha. Foram mais 80 maior sotaque carioca, diz: pode falar em km. Estávamos muito animados, pois na português mesmo garoto, eu sou do Rio. Alemanha, em Düsseldorf, faríamos uma Falamos, e... esquecemos as compras. visita ao tio-avô do Murilo, que ali residia. Havia expectativas de receber cartas da Partimos cedo de Amsterdam em família e também de muito calor humano. direção a Hertogenbosch, um trecho de A família do Murilo, por parte do pai, é de cerca de 90 km, tudo plano. Tempo Joinville (SC). Seu avô paterno migrou da cinzento e temperatura baixa, por volta de Alemanha para Santa Catarina, na década 10oC. Enquanto pedalávamos, observáva- de quarenta. A família mantinha pouco mos com mais cuidado a paisagem. As contato com seus parentes na Alemanha. cidadezinhas em que passamos eram muito Agora, haveria um grande reencontro. bem limpas e organizadas. Ao longe, pareciam cidades de brinquedo. Também Ao entrarmos na Alemanha, os canais nos impressionaram. Todos começamos a perceber uma forte acima do nível do solo, o que justifica a movimentação militar, tal a quantidade de afirmação de que os holandeses fizeram a veículos de combate nas estradas. O clima Holanda. Com o vento a favor, vencemos era de tensão, pessoas fechadas e preocupadas. Soubemos, depois, que essa 100


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