Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e Interculturalidade Todavia, não se pense que o fato de os quadrinhos terem boa aceitaçãogeral e maior penetração entre as camadas menos instruídas implicaria emavaliá-los como uma mídia de menor valor. O público das organizações trazconsigo repertório e padrões de qualidade de comunicação construídos apartir da mídia exógena que lhes permitem medir o nível de qualidade eeficácia das mídias corporativas: Essa comunicação interna de massa revela uma faceta interessante que não pode ser desprezada pelos comu- nicadores empresariais e pelos dirigentes das empresas: o público das fábricas ou dos escritórios das empresas é hostil às formas artesanais de comunicação. A massa quer o luxo na sua comunicação interna. Isso porque o público interno confronta, o tempo todo, os padrões de criação e produção das mídias internas de massa com os das mídias externas tradicionais. Assim, seguir os padrões de criação e produção das mídias externas de massa é condição básica para assegurar a eficiência e a credibilidade da comunicação empresarial para o pú- blico interno. (FIGUEIREDO: NASSAR, 2007, p. 28). Por conta disso, não basta mais ao comunicador corporativo fazer apenasum simples quadro de avisos ou boletins em fotocópia, mas lançar mão dacriatividade e das formas de linguagem que consigam criar abertura da per-cepção do público e captar a sua atenção. Uma empresa brasileira pioneiranisso foi a Freios Vargas, da cidade de Limeira, no interior de São Paulo, queem julho de 1990 lançou uma campanha de segurança no trânsito interno daempresa, por conta no alto número de veículos industriais e de frota em mo-vimento e com potencial perigo principalmente para os pedestres. Foramproduzidos cartões ilustrados com cartuns bem-humorados sobre situaçõesde trânsito para serem pendurados nos espelhos retrovisores de cada veícu-lo circulante. Os cartões tinham uma mensagem diferente para cada dia dasemana, sempre enfatizando a preferência ao pedestre (Idem, p. 38). 101
Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e Interculturalidade A linguagem visual, e em grande parte o uso do humor das histórias em qua-drinhos, passa a ser uma ferramenta de comunicação pela sua grande capaci-dade de síntese e sua facilidade de penetração em todos os níveis hierárquicos12: O processo de compartilhamento de informações nas empresas brasileiras, no entanto, encontra frequen- temente barreiras de natureza sociocultural. [...] Os jornais internos de muitas empresas brasileiras, ilus- trados e com uma linguagem bastante simples, vêm servindo já há algum tempo como veículo de comu- nicação entre os funcionários, trazendo seções de “fofocas”, curiosidades, últimas notícias, tiras de hu- mor etc. Hoje, observa-se uma forte tendência da ge- rência utilizar cada vez mais este e outros recursos de comunicação de massa, como forma de disseminar e reforçar valores e diretrizes por toda a organização. (AIDAR; ALVES, 2006 p. 212b). Nos anos 90 do século passado, os quadrinhos (de humor ou não) já esta-vam fortemente identificados como parte da cultura brasileira, devido prin-cipalmente ao trabalho de artistas que se apropriaram do repertório nacionalem suas produções. No que tange à importância das histórias em quadrinhospara a formação de uma cultura visual contemporânea brasileira, é necessárioressaltar o papel representado por Maurício de Souza por meio da influênciados quadrinhos produzidos por ele e sua equipe. Rafael Cardoso afirma, falan-do sobre o trabalho de Maurício de Souza, que “[...] a produção de Mauriciotem se transformado em marco de toda uma época, formando a iniciação vi-sual de gerações de brasileiros” (CARDOSO,2004, p. 202).12 É importante lembrar que o fenômeno do desenho de humor em organizações surge tambémespontaneamente como instrumento de registro das relações interpessoais, na forma de caricaturase charges caseiras (casamentos, nascimentos, aniversários, fatos jocosos, críticas a desafetosetc.), feitas por indivíduos relativamente talentosos (ou não) e que funcionam como forma desocialização e válvula de escape para a competitividade interna do grupo imediato. De certa formatambém reproduzem o modelo social externo ao ambiente de trabalho.102
Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e InterculturalidadeOs Pioneiros Um dos pioneiros (se não o primeiro) no uso de quadrinhos e humorgráfico na comunicação de conteúdos sobre Qualidade Total no Brasil foio ilustrador e pedagogo empresarial Wagner Matias de Andrade, de BeloHorizonte. No final dos anos 1980, algumas organizações clientes do seuestúdio começaram a aplicar conceitos de qualidade à moda japonesa emseus processos e solicitaram a ele a produção de materiais instrucionais ilus-trados em quadrinhos. Em 1995 o consultor paulista Haroldo Ribeiro, juntamente com o ilus-trador baiano Rogério Rios, lançam o livreto ISO 9000 em Quadrinhos, pelaeditora Casa da Qualidade, de Salvador (Figura 1). Na capa já havia a pre-ocupação de informar que se tratava de uma forma simples de entender epraticar a ISO 9000.Figura 01: Capa do livro ISO 9000 em quadrinhos. Fonte: acervo do autor. 103
Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e Interculturalidade Figura 02: Capa da revista em quadrinhos ISO 9000: o Caminhos da Qualidade. Fonte: http://www.qualiblog.com.br.104
Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e Interculturalidade Em 1996, o mineiro de Araxá radicado em São Paulo, Alexandre Mon-tadon (ex-editora Abril e ex-Fundação Airton Senna) e Alexandre Diaslançam pela Montandon & Dias a revista em quadrinhos ISO 9000 – OCaminho para a Qualidade, onde são apresentados os 20 ítens da Norma pormeio do personagem Isolino que funcionava como uma facilitador (Figura8). O Isolino passaria a figurar em outras publicações lançadas pela EditoraQualidade em Quadrinhos, atual denominação do estúdio de Montandon. Nos anos seguintes, outros estúdios e ilustradores individualmente pas-saram a produzir material semelhante, com maior ou menor competênciaem termos de conteúdo e de arte. Apesar de as experiências de produção de quadrinhos para comunicaçãoorganizacional já contarem com alguns anos13, elas ainda são calcadas nopersonalismo tanto dos gestores da comunicação quanto do trabalho dos ar-tistas gráficos e de redatores que se especializaram neste segmento de acordocom o nível de interesse e afinidade pessoal com o assunto, com algumas ex-ceções. De fato, quando olhados de forma superficial, os quadrinhos de usocorporativo ainda parecem mimetizar o seu equivalente comum de entrete-nimento de acordo com o senso comum e com o estigma que a sociedadeainda confere ao gênero.Considerações Finais Concluímos esse texto não querendo de fato ser exaustivos em nossa aná-lise, ressaltando que ela visa dar visibilidade a um meio cuja compreensão evalorização ainda não estão totalmente claras para a academia. Como vimos, a globalização tem colocado lado a lado pessoas de cultu-ras por vezes muito diferentes entre si, em situações de interação visandoprodutividade e lucro. Essa interação pode gerar conflitos de ordem pesso-13 O uso de quadrinhos na comunicação organizacional no Brasil não é algo novo: desde os anos1960 a Volkswagen brasileira já incluía quadrinhos em suas publicações dirigidas aos empregados,primeiro como entretenimento (sempre com o objetivo de reforço da marca) e depois com umcaráter mais educativo, tratando de temas como Segurança e Saúde no trabalho e procedimentosinternos da Companhia. 105
Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e Interculturalidadeal, étnica, técnica e filosófica, sendo necessário o exercício do conhecimentomútuo por meio de uma aproximação intercultural. A comunicação é umaferramenta poderosa para diminuir o gap entre culturas por meio da ajuda dediversas disciplinas (comunicação, antropologia, linguística, sociologia etc.).Identificar rebatimentos entre elas é uma tendência na solução de conflitosinterculturais. Encontrar pontos de contato entre distintas manifestações cul-turais de modo a direcioná-las para um fim produtivo foi um resultado, ain-da que indireto (e talvez inconsciente) das primeiras iniciativas de combinarhumor gráfico e comunicação organizacional, na forma de quadrinhos de usocorporativo naqueles anos de mudança pelos quais o Brasil passou. Entretanto, o humor gráfico na comunicação organizacional (veiculadopolo suporte tradicional, impresso em papel) também tem sentido os efeitosde mudanças nos hábitos de leitura ocorridas em anos recentes, bem como aconcorrência com outros meios de informação no ambiente de trabalho, in-clusive com o advento dos smartphones, dos PDAs e dos dispositivos de lei-tura digital que incorporam novos recursos de interatividade e de interfacecom a rede mundial de computadores. Talvez o futuro do humor gráfico nacomunicação organizacional esteja em inserir-se na Revolução Tecnológicavigente (na forma de webcomics corporativas) passando ele mesmo por umaprofunda mudança cultural.ReferênciasAIDAR, Marcelo M.: ALVES, Mário A. Comunicação de Massa nas Organi-zações Brasileiras - explorando o uso de histórias em quadrinhos, literaturade cordel e outros recursos populares de linguagem nas empresas brasileiras.In: CALDAS, Miguel P; MOTTA, Fernando C. P. Cultura Organizacional eCultura Brasileira. São Paulo: Editora Atlas, 2006. Capítulo 12.CALDAS, Miguel P; MOTTA, Fernando C. P. Cultura e Organizações noBrasil. In CALDAS, Miguel P; MOTTA, Fernando C. P. Cultura Organiza-cional e Cultura Brasileira. São Paulo: Editora Atlas, 2006. Capítulo 1.CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. 2. ed. São Paulo:Editora Edgard Blucher, 2004.106
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Comunicação Organizacional, Humor Gráfico e InterculturalidadeRAMOS, Paulo; VERGUEIRO, Waldomiro. (Org.) Muito além dos quadri-nhos: análises e reflexões sobre a 9ª arte. São Paulo: Editora Devir, 2009._________________________. Quadrinhos na educação – da rejeição àprática. 1ª reimpressão. São Paulo: Editora Contexto, 2013.RODRIGO ALSINA, Miquel. Elementos para una comunicación intercultu-ral. In Revista CIDOB d’Afers Internacionals Nº 36. Espacios de la intercul-turalidad. Barcelona: Fundació CIDOB, 1997.SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano – da cultura das mí-dias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.SCROFERNEKER, Cleusa M.A. Processos comunicacionais na implantaçãodos programas de qualidade e de certificações. In KUNSCH, Margarida M.Krohling. (Org.). Comunicação organizacional - histórico, fundamentose processos. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Vol. 1. Cap. 9.SCHULER, Maria Schuler. A cultura organizacional como manifestaçãoda multidimensionalidade humana. In KUNSCH, Margarida M. Krohling.(Org.). Comunicação organizacional - linguagem, gestão e perspectivas.São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Vol. 2. Cap. 10.TORQUATO, Gaudêncio. Tratado de comunicação organizacional e polí-tica. São Paulo: Cengage Learning, 2011.108
A textualização científica em dois discursos:jornalismo ou ciência?1 Cristiane de Lima BARBOSA2 Sérgio Augusto FREIRE de Souza3 Universidade Federal do Amazonas, Manaus-AMResumo O objetivo principal deste trabalho é analisar se e comoocorre o deslocamento do Discurso Científico para o Discursode Divulgação Científica em produtos de divulgação científicano Amazonas. É um estudo feito a partir da teoria da Análisedo Discurso de linha francesa, sobretudo a partir dos constru-tos trabalhados no Brasil por Eni Orlandi. O corpus da pes-quisa se consubstancia da análise discursiva do suplementode Ciência e Tecnologia do jornal Amazonas em Tempo e darevista Amazonas faz ciência, por serem, então, publicaçõesvoltadas exclusivamente para a ciência no Estado. A principalcontribuição pretendida é a formulação de diretrizes para aprática do jornalismo científico, considerando as marcas e ofuncionamento dos gêneros textuais inerentes a esse discurso.Os resultados apontam a direção para a articulação de estraté-gias linguísticas tanto para jornalistas quanto para cientistas.Palavras-chave: Análise do discurso;difusão científica; jornalismo científico;comunicação científica.1 Artigo extraído a partir de Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduaçãoem Ciências da Comunicação (PPGCCOM), defendida no ano de 2010.2 Autora do artigo. Doutoranda em Ciências da Informação pelaUniversidade Fernando Pessoa (UFP/Porto-Portugal); Mestra em Ciênciasda Comunicação pelo PPGCCOM da Universidade Federal do Amazonas(Ufam), email: [email protected]. 3 Orientador do trabalho. Doutor em Linguística. Docente da Ufam. 109
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?Introdução A redação da ciência é considerada ainda em evolução e em construção,em pleno século XXI. Burkett (1990) aponta que o escritor de ciência setorna parte de um sistema de educação e comunicação tão complexo comoa ciência moderna e a sociedade mais ampla. “Em seus alcances mais extre-mos, a redação científica ajuda a transpor a brecha entre cientistas e não--cientistas”. (idem, p.6). Pelos diagnósticos históricos do autor, o desenvolvimento da Ciência eTecnologia foi intensificado com o advento da primeira Guerra Mundial. Noentanto, na II Guerra Mundial, esse interesse ainda foi maior por conta dosacontecimentos da época. Já no Brasil, o marco inicial das pesquisas científi-cas ocorreu com a chegada da corte real portuguesa, em 1808, quando foramcriadas instituições de ensino superior. Já o jornalismo científico iniciou noPaís por meio do jornal O Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, o pri-meiro jornal brasileiro. A principal função do jornalismo científico é promover a divulgação daciência ao homem leigo, contextualizando os trabalhos desenvolvidos no âm-bito dos laboratórios e instituições de pesquisa, segundo o gênero jornalístico.Trata-se de uma ferramenta utilizada pelos pesquisadores com o objetivode retratar o que é pesquisado e analisado dentro dos laboratórios e nassalas das universidades de forma precisa, clara e coesa. Esse é o desafio. Mascomo fazer isso sem comprometer as informações corretas sobre pesquisastão complexas? Como deslocar a linguagem acadêmico-científica para osgêneros do discurso jornalístico? Busca-se aqui um caminho para a compreensão dos mecanismos de fun-cionamento da divulgação científica e com isso, busca-se igualmente enten-der o papel fundante na imagem de ciência que circula no imaginário social. Há uma estreita linha entre os dois discursos que falam da ciência emjornal e em revista. Esse cenário nos leva a seguinte pergunta de pesquisa: aciência divulgada no Amazonas é determinada pelos elementos caracteriza-dores do discurso de divulgação científica? 111
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? Como hipóteses para esta pergunta de pesquisa, temos que: a) As publicações especializadas em Ciência têm maneiras específicas deconstruir seus textos, mas ainda há a dificuldade na transição do Discur-so da Ciência (DC, doravante) para o Discurso de Divulgação Científica(DDC, doravante), com o uso de termos e formatos utilizados no discursode divulgação científica no jornal ou revista; b) O DDC funda um lugar para a ciência, que amplia sua importânciasocial, e a divulgação científica, por sua textualização, populariza a ciência,mas nem tudo o que trata a respeito de ciência e está escrito em jornais erevistas pode ser considerado como jornalismo científico ou ciência. As notícias relacionadas à ciência e à tecnologia passaram, nos últimosanos, a ocupar mais espaço na mídia nacional. Elas igualmente despertaraminteresse no grande público dadas a curiosidade e a necessidade de informa-ções sobre temas na agenda, como clonagem, aquecimento global, técnicasda medicina, nanotecnologia, fórmulas para a longevidade e outros das maisdiversas áreas do conhecimento. Assim, as informações e resultados de pesquisas que antes ficavam res-tritas a um seleto grupo de pessoas foram expandidas para a sociedade emgeral por meio de publicações, tanto em revistas, jornais e sites. Nesse con-texto, os passos da ciência passam a caminhar não mais distantes da realida-de cotidiana, mas como integrantes do dia-a-dia do cidadão comum. Por conta dessa proximidade, o turbilhão de informações relacionadasa descobertas e novidades científicas e tecnológicas que se produz dentrodas instituições de pesquisa precisa estar mais ao alcance das pessoas, per-mitindo que elas as relacionem com seu cotidiano. Um papel de mediaçãoé necessário. No entanto, a discussão acerca de como é feita a difusão cien-tífica no Brasil continua e ainda gera polêmica quando o assunto se refere àtransposição de uma linguagem especializada para uma mais acessível e aoalcance do grande público. Essa transposição é necessária porque se produz linguagem de forma di-ferenciada. Por um lado, cientistas desenvolvem o texto de uma pesquisaa médio e longo prazo, dotados de termos específicos que exigem conhe-cimento especialista sobre o tema e por isso é, grosso modo, somente dis-cutido entre pares. Por outro, os jornalistas, com um prazo reduzido para112
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?concluírem suas matérias, têm a missão de levar o conhecimento científicoao registro de linguagem acessível à população. Plural, o texto jornalístico é construído com várias vozes. Essa polifoniapode abranger desde fontes, jornalistas, articulista, além, é claro, o próprioleitor. É um discurso textualizadoFundamentos Teóricos Iniciamos pela necessária exposição teórica sobre os conceitos fundantesrelacionados a essa pesquisa. Dentre esses conceitos, estão os de discurso,ideologia, sujeito, linguagem, formações discursivas e também jornalismocientífico, discurso científico e discurso da divulgação científica. Os concei-tos são apropriados e ganham uma dimensão específica dentro do quadroconceitual da Análise do Discurso Francesa, principalmente pelos trabalhosde Orlandi (2001, 2003 e 2004). O entrelaçamento desses conceitos leva ao mapeamento necessário parao desenvolvimento da análise do corpus proposto neste trabalho. Para issoestaremos utilizando a AD francesa, que vem pôr em jogo a linguagem e aideologia, não em um processo somatório, mas em um fundamentalmentecontraditório. “A contradição aqui deve ser entendida não como algo inde-sejável, mas como princípio constitutivo da linguagem e da possibilidade dapolissemia, de outros sentidos”. (SOUZA, 2006, p.15). Assim, a AD assumeque essa contradição é constitutiva da língua.1.1 Discurso e linguagem O discurso não deve ser confundido com a noção de fala. Ele tem suaregularidade, tem seu funcionamento próprio. Na perspectiva da Análisedo Discurso, a noção desse conceito se distancia da forma como o esquemaelementar da comunicação dispõe seus elementos, composto por emissor,receptor, código, referente e mensagem. Discurso é efeito de sentidos entre locutores, segundo Orlandi (2003).Isso evidencia que para a AD não se trata apenas de transmissão de infor-mação e nem há linearidade na disposição dos elementos da comunicaçãoou algo serializado. 113
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? Na língua, não há essa distinção entre emissor e receptor e nem eles atuamnuma sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica. É comodiz Orlandi (2003, p.15): “O discurso é assim palavra em movimento, práticade linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”. Com constituição nos anos 60 do século passado, a AD é permeada portrês regiões do conhecimento: a Psicanálise (Freud), a Linguística (Saussure) eo Materialismo histórico (Marx). No entanto, essa linha não se limita apenasao objeto da linguística, nem apenas à teoria marxista e tampouco se relacionaao que teoriza a psicanálise. Orlandi destaca que a AD trabalha a confluênciadesses campos de conhecimento, ultrapassando suas barreiras e produzindoum novo recorte de disciplinas que tem como principal objeto: o discurso. Para compreender um texto jornalístico científico, deve-se iniciar semprea análise a partir do próprio texto, no movimento de identificação das Forma-ções Discursivas (FD). Dessa forma, a FD é considerada como uma região desentidos, circunscrita por um limite interpretativo que exclui o que invalidariaaquee sentido. De acordo com Benetti (2008, p.112), no mapeamento dos sen-tidos, é preciso limitar o campo de interpretação dos sentidos nucleares. Noção concebida por Foucault (1971a) ao se interrogar sobre as condiçõeshistóricas e discursivas, nas quais se constituem o discurso, Pêcheux (1995,p.160) reinscreve “formação discursiva” no âmbito do discurso como aquiloque a partir de uma dada conjuntura, é determinada pela luta de classes, “de-termina o que pode ser e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)”. Para compreender um texto jornalístico científico, deve-se iniciar semprea análise a partir do próprio texto, no movimento de identificação das Forma-ções Discursivas (FD). Dessa forma, a FD é considerada como uma região desentidos, circunscrita por um limite interpretativo que exclui o que invalidariaaquele sentido. De acordo com Benetti (2008, p.112), no mapeamento dossentidos, é preciso limitar o campo de interpretação dos sentidos nucleares. Noção concebida por Foucault (1971a) ao se interrogar sobre as condi-ções históricas e discursivas, nas quais se constituem o discurso, Pêcheux(1995, p.160) reinscreve “formação discursiva” no âmbito do discurso comoaquilo que a partir de uma dada conjuntura, é determinada pela luta de clas-ses, “determina o que pode ser e deve ser dito (articulado sob a forma de114
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um pro-grama, etc.)”. De maneira formal, a FD abrange dois tipos de funcionamento: a pará-frase (uma FD é constituída por um sistema de paráfrase, em que um enun-ciado é retomado e reformulado como forma de manter sua identidade) e opré-construído (um dos pontos fundamentais na articulação da teoria dosdiscursos com a linguística, segundo Pêcheux (1995). No caso da paráfrase, a noção se opõe ao que diz Orlandi (1984) com apolissemia. Enquanto a paráfrase é um mecanismo de delimitação, de fecha-mento, a polissemia rompe com essas fronteiras de uma formação discursi-va, “embaralhando” os limites e implantando a pluralidade de sentidos. Assim, o conceito de FD regula a referência interpelação-assujeitamentodo indivíduo em sujeito do seu discurso, determinando “o que deve e podeser dito” a seus falantes para uma homogeneidade discursiva e indicando osefeitos das contradições ideológicas. Então, cabe à AD trabalhar o discurso(objeto) relacionando-o à história e à ideologia, em busca das contradiçõesideológicas na materialidade discursiva. No processo de produção do discurso, destaca-se a existência de aspec-tos, que se entrecruzam, em que sujeitos e sentidos se constituem e se con-figuram. Orlandi (2001) afirma que estes ocorrem em três momentos igual-mente relevantes: 1- Sua constituição, a partir da memória do dizer, fazendo intervir ocontexto histórico-ideológico mais amplo; 2- Sua formulação, em condições de produção e circunstâncias de enun-ciação específicas e; 3- Sua circulação que se dá em certa conjuntura e segundo certas con-dições. Orlandi diz que a linguagem ganha vida na formulação, que a memóriase atualiza, que os sentidos se decidem, que o sujeito se mostra (e se escon-de). Orlandi (2001, p.9) entende que há um confronto do simbólico com opolítico. O corpo do sujeito e o corpo da linguagem não são transparentes, masatravessados de discursividade, isto é, de efeitos desse confronto, em pro-cessos da memória que têm sua forma e funcionam ideologicamente. Na 115
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?formulação, há um investimento do corpo do sujeito presente no corpo daspalavras. O momento em que o sujeito diz o que diz. O discurso não é composto pelo enunciado, mas é um objeto teórico quepossibilita compreender a interpretação presente nos textos. Desse modo,a base para a análise dos processos discursivos é a língua, que é dotada deautonomia e afetada pela história.1.2 Comunicador: produzindo notícia sobre ciência A imparcialidade e objetividade da imprensa e do jornalista não se sus-tentam, segundo Rossi (1986, p.10), porque entre o fato e a versão que épublicada em qualquer veículo de comunicação há a mediação de váriosjornalistas e também a alta direção da empresa, assim, todos são envolvidosna preparação do produto notícia. O primeiro mediador é o jornalista que faz a entrevista e escreve a ma-téria. Ele é quem deve verificar, investigar e elucidar todas as dúvidas nomomento da constituição e da formulação do texto jornalístico que se ori-gina no Discurso Científico e será reformulado para o Discurso de Divulga-ção Científica. O primeiro mediador é conhecido pelo público, geralmente,porque assina a matéria, já o editor e os outros que intervieram de algumaforma no texto não são explicitados no texto jornalístico. A questão da neutralidade e objetividade jornalística é muito complexapara ser abordada nesse tópico, mas é fato que qualquer jornalista carregaconsigo toda uma formação cultural, política e ideológica. “É realmente in-viável exigir dos jornalistas que deixem em casa todos esses condicionamen-tos[...]”. (ROSSI, op. cit). Ao desenvolver qualquer pauta jornalística, o profissional tem o preceitobásico de ouvir as partes envolvidas no tema. Da mesma forma, o divulga-dor de ciência deve não só buscar ouvir o especialista/pesquisador da área,mas também integrar alguém da sociedade que esteja ligado de alguma for-ma ao estudo. Como destaca Erbolato: Nenhum jornalista duvida que interpretar objeti- vamente é mais difícil do que informar, já que, no116
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? processo de pesquisa, de investigação e de análise dos acontecimentos, os fatores subjetivos têm mais oportunidade de se manifestar do que simplesmente são descritos os fatos. Contudo, a simples informa- ção, às vezes, também é difícil de ser redigida, dentro de rigorosa objetividade (ERBOLATO, 1991, p. 35). Um exemplo: Uma pesquisa no Amazonas está sendo desenvolvida paraimplante de células-tronco para o tratamento de cardiopatia isquêmica.Além de enunciar a pesquisa, com a explicação dos termos especializadose técnicos de maneira clara para o mais simples leitor, é interessante ouviralgum paciente envolvido no processo da pesquisa. Isso levará ao leitor refletir na questão das ciências aplicáveis no dia-a--dia, ultrapassando as fronteiras da academia. Esse aspecto não se aplicaapenas às ditas ciências biológicas, que tem alta performatividade na agendasetting da mídia, mas também às ciências humanas e sociais, que possuemestudos de grande interesse da sociedade. Além disso, é importante o divulgador escolher um assunto e delimitá-lo(tal como no discurso científico), porque se for falar sobre Amazônia, porexemplo, há uma imensidade de pautas atreladas a esse assunto, em todos oscampos de investigação. Dessa forma, escrever um texto de divulgação nãose restringe a resumir em palavras/termos simples e coloquiais os aspectosde uma pesquisa (desenvolvida por anos). Ele deve se deter a um tema, de-senvolvido e circunscrito da melhor maneira possível para captar a atençãodo leitor, que deve ser conquistada desde o início do texto (lide).1.3 Cientista: agente da divulgação científica Difundir suas ideias entre os pares já é uma prática que ocorre há bas-tante tempo entre os pesquisadores, no âmbito acadêmico. Retomando umpouco de história, há relatos que a partir do século XVII, houve a criaçãode uma linguagem e um modo de pensar próprios da ciência moderna, que 117
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?estava fora da linguagem coloquial e do senso comum das pessoas leigas. A produção desse discurso próprio da ciência está, desse modo, atreladaa própria produção do conhecimento científico e tecnológico. No entanto,nos séculos XIX e XX essa difusão passou a ocorrer também por meio doensino formal e dos museus, formando pesquisadores e divulgando o co-nhecimento científico e tecnológico. No processo de produção da notícia/matéria jornalística científica, o pes-quisador/cientista é a principal fonte de informação, é quem municia o jor-nalista de todos os dados básicos a uma publicação. Os cientistas devem contribuir com a divulgação verificando o principal re-sultado que pode ser divulgado para o grande público. Ao contrário da produçãocientífica, o texto jornalístico tem produção imediata, em curto prazo e tem es-paço reduzido, delimitado pelo espaço no jornal, revista, site, televisão, rádio, etc. Chama atenção de jornalistas dados consolidados, pesquisas (em andamen-to ou inéditas), inovações tecnológicas, opiniões especializadas, informaçõesinéditas sobre estudos nas mais diversas áreas de atuação. Tudo depende dorecorte que é feito pelo pesquisador, pois pesquisas/trabalhos científicos seminformações bem definidas e claras não atraem os profissionais de comunica-ção e não despertam interesse para publicações nas diversas mídias. As informações corretas e devidamente confirmadas devem ser premissafundamental dos cientistas ao concederem entrevistas, pois também (assimcomo os jornalistas) estão passíveis de erros.DDC ou DC: exemplos de variação discursiva nas revistas Para sistematizar a análise, foram selecionadas a primeira revista, a 7ª(que representa o meio do tempo de circulação da publicação) e a 11ª edi-ção, que não contou com a participação desta pesquisadora no desenvolvi-mento editorial da mesma, na época desta pesquisa em 2009/2010. A partirdesse número, tivemos a participação no desenvolvimento de matérias paraa Amazonas faz Ciência. Como o conteúdo da revista é composto por 64 páginas editoriais, de-finiu-se que fossem analisadas duas matérias principais da edição, sendo acapa (por ser a matéria de maior destaque e com maior conteúdo) e a pri-meira matéria em evidência na revista.118
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? Dividimos então a análise em tópicos e em localizadores para três edi-ções. Para este artigo, dada à restrição do espaço, apresentamos a análiseapenas da primeira matéria da revista nº 1, cujo título é ‘Iniciação Científica’,das páginas 22 a 24, da Edição 1 – Ano 1, de agosto de 2005.2.1 Amazonas faz Ciência: características Antes de iniciar as análises das revistas, é importante fazer uma descriçãodas características da revista Amazonas faz Ciência. Criada pela Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em 2005, comouma ferramenta para suprir a lacuna na divulgação científica local, a revistafoi lançada com outra denominação: Amazonas Ciência, com textos de pre-dominância institucional e voltados para a divulgação de projetos desenvol-vidos com fomento da fundação. A publicação é desenvolvida pelo Departamento de Difusão do Conhe-cimento (Decon) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Ama-zonas (Fapeam), com o apoio do Programa de Comunicação Científica, fo-mentado pela fundação. A revista é produzida em papel couchê e colorida,sendo distribuída gratuitamente para órgãos públicos, escolas, instituiçõesde ensino e pesquisa, no âmbito local e nacional. A revista é composta porvárias matérias que mostram a produção do conhecimento desenvolvida nocontexto local.2.1.1 Análise da matéria O texto analisado mostra como ocorrem as atividades de um grupo depesquisa de iniciação científica que desenvolve projeto de aproveitamento deresíduos madeireiros, na zona leste de Manaus. Para analisá-la foram empre-gados os aspectos já anteriormente descritos dentro do quadro de proprieda-des discursivas delimitado. A matéria de capa é ilustrada com uma fotografiaque tomou uma página inteira, que mostra bolsista do PIBIC Jr. em atividade. O título da matéria é formulado sem apoio de verbo e é sustentado pelosubtítulo: “A criatividade é o ponto forte dos estudantes da rede pública deensino. Eles fazem arte a partir dos restos de produtos que seriam jogadosno lixo”. Logo acima, no que se convém chamar retranca ou como mais co- 119
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?nhecido pelos jornalistas, como “chapéu”, titulou-se “Inclusão social”, o queideologicamente remete o trabalho desenvolvido pelo Programa como açãoconjugada entre ciência e sociedade. Dentro do quadro de propriedades discursivas, verificou-se que a cons-tituição do texto “Iniciação Científica” é pré-construído buscando a objeti-vidade e neutralidade, inerentes tanto ao Discurso Científico (DC), quantoao Discurso de Divulgação Científica (DDC). Como foi abordado anterior-mente, há a busca por essa objetividade e neutralidade, pois ainda que osubjetivo (o eu) não esteja presente dada a linguagem impessoal impostapelas regras inerentes à produção jornalística, não há a eliminação do autordo processo enunciativo do discurso jornalístico, determinando com isso aprodução de efeitos de sentidos. Diz-se da objetividade quando estão expressos os aspectos próprios doobjeto, ou seja, o fato e não referente ao sujeito, ou seja, sobre o autor dorelato (o jornalista). Tanto o DC quanto o DDC são pré-construídos como pressuposto da objetividade, apesar de esse ponto ser complexo, porqueambos são construídos por sujeitos dotados de ideologia, história e aspectosculturais inerentes a cada indivíduo. Há contido nesse texto a explicitação do sujeito legitimado, aqui repre-sentado pela pesquisadora Claudete Catanhede, que é coordenadora do pro-jeto de aproveitamento de resíduos, que dá o tom da matéria, com a inclusãodo discurso direto. A inclusão do nome da pesquisadora legitima o fato des-crito no texto, conforme o trecho: “Uma das nossas grandes preocupaçõesfoi não deixar que o grupo manipulasse sozinho os equipamentos”, afirmaClaudete Catanhede. (grifo nosso). Além desse trecho, o segundo parágrafo da matéria dá indícios de queo projeto em si é legitimado por uma pesquisadora, conforme a seguinteconstrução na voz ativa: Coordenados pela professora doutora Claudete Cata- nhede, eles participam e são a primeira turma do pro- jeto „Aproveitamento de Resíduos Madeireiros como Alternativa de Fonte de Renda para a Zona Leste de Manaus. (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22)120
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? Desse modo, a explicitação do sujeito indica características discursivasde texto de divulgação científica. O texto jornalístico normalmente utilizade paráfrases para sustentar ideias e constituir a matéria. Orlandi (2005)nos leva a reflexão sobre o efeito-leitor, destacando que ao produzir um tex-to, “o autor faz gestos de interpretação que prendem o leitor nessa textuali-dade constituindo assim ao mesmo tempo uma gama de efeitos-leitor cor-respondente”. (p.151). Assim a noção de efeito-leitor permite a compreensãoque um texto prevê e por quais mecanismos ele o antecipa e propicia novoselementos para as práticas de leitura da ciência. No texto da revista, há ainda referências a alguns participantes do proje-to, atendendo ao princípio jornalístico de ouvir mais de uma fonte. [...] “nós queremos mostrar nas serrarias, nas esco- las, na vizinhança e no bairro que o que seria quei- mado pode ser reaproveitado”, afirma Simoneta Sil- va de Silva, 20. “Tive que convencer a minha mãe, disse que eu não poderia perder essa oportunidade. Em Santa Izabel não tem universidade, a mais próxima é em Barce- los”, completa Gisele [...] (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 24) Desse modo, a análise do efeito-leitor está relacionada à materialidadetextual, à análise da função-autor que lhe corresponde e às direções de senti-dos que os textos contribuem para que se constituam no processo de leitura.Nesse texto em análise, percebeu-se uma relação assimétrica, ou seja, o textoé direcionado para o público mais amplo, com as devidas explicações sobreos termos e siglas. Inclusive, o texto é iniciado com a descrição do cenárioem que a pesquisa é desenvolvida, quebrando o paradigma do lide4 formadopelas informações básicas: O ruído das serras, tornos e furadeiras ou a poei- ra da serragem em suspensão no ar parecem não exercer alteração alguma na concentração do grupo 121
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? de jovens que se reúne numa oficina de carpinta- ria quase todas manhãs. (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22) Verifica-se que a descrição do local e do ambiente em que a pesquisa estásendo desenvolvida, tem a intenção de levar o leitor para dentro do cenárioonde foi feita a entrevista. Essa é uma estratégia linguística do jornalista paraque haja desde o primeiro contato com o texto. Como aponta Malavoy (2005,p.19): “A abertura representa a vitrine de seus argumentos. Assim como umavitrine, ela deve conter os elementos capazes de chamar a atenção”. E mais adiante, o texto explica do que se trata, indicando a qual grupo serefere: O grupo faz parte do Programa Institucional de Ini- ciação Científica – PIBIC Júnior, fruto do convênio entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fape- am). (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22) O uso de adjetivo no texto também soa como uma técnica que leva o lei-tor a uma visão mais atrativa da pesquisa para o grande público, daí mostraque não há tanta neutralidade na discursividade inerente ao jornalismo: Nas mãos criativas dos jovens cientistas, resíduos de madeira que seriam queimados e usados como adubo se transformam em carrinhos, conjuntos de escritório, bandejas, vasos, porta-jóias, mesa mar- chetada, cadeira, castiçais, abajures e porta-retratos, perfazendo um total de 100 peças. (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22). Ainda nesse contexto, a matéria apresenta a ciência como informação aodetalhar aspectos do projeto em questão, não transmitindo a ciência como122
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?conhecimento. Um dos pontos que mostra isso consiste na explicação dosobjetivos do projeto e a relação dele com a comunidade: Tem como objetivos contribuir para a capacitação de estudantes em ciência e tecnologia; possibilitar maior interação entre o ensino médio e pós-médio das instituições de pesquisa ou ensino médio e pós- médio científico e tecnológico. (Ibidem). Ainda que não esteja assinada por nenhum jornalista, a matéria tem aversão de um outro autor (Versão B de x) sobre o projeto desenvolvido sobcoordenação de uma pesquisadora, mediante toda análise de constituiçãoacima citada (o sujeito fica explícito e efeito-leitor assimétrico). Quanto ao nível de formulação, o texto apresenta características de Di-vulgação Científica, ao apresentar uma formatação mais didática e de com-preensão razoável: Depois das aulas, na oficina do Inpa, os adolescen- tes começaram a trabalhar nas peças, baseados em revistas de decoração e de design. Isac de Oliveira, 21, não abre mão de desenhar os objetos que con- fecciona. Como sempre gostou de desenho e grafite, agora usa os conhecimentos estéticos para planejar mesas, cadeiras, armários e cômodas de brinquedo. (AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22) Nesse mesmo parágrafo é possível identificar a formulação do sujeito,inclusive no decorrer de todo o texto os personagens/atores da pesquisa sãoincluídos com aspas, onde descrevem alguma relação com a pesquisa emfoco. Aqui, a formulação passa por um trabalho mais imediato, visto que atextualização desse projeto é expressa em duas páginas de texto, enquantoque o trabalho científico se estende por anos, neste caso, desde 2003, comoaponta o próprio texto. Na matéria não constam termos muito específicos da área, mas algumasterminologias como resíduos madeireiros e desenvolvimento sustentável fi- 123
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?cam dotados de fácil compreensão pela maneira que o autor descreveu asatividades, tal como: [...] resíduos de madeiras que seriam queimados eusados como adubo se transformam em carrinhos, conjuntos de escritório.(AMAZONAS CIÊNCIA, 2005, p. 22) Um ponto importante a ser destacado neste aspecto da análise é de queno nível da formulação reside a institucionalização do que é dito, com a cita-ção de instituições fomentadoras da pesquisa, isso deverá ser observado emquase todas as matérias da revista em análise, já que está ligada a um órgãopúblico do governo estadual. Quanto à circulação, o projeto de cunho científico é divulgado no meio re-vista, com distribuição voltada para um público ainda seleto, dentro do circui-to de universidades, escolas e instituições de pesquisa do Amazonas. Dentroda esfera cronotópica, o texto se enquadra com funcionamento coincidente,de gênero jornalístico e discurso polifônico composto por várias vozes. Diante da análise pontual, avaliando os níveis das propriedades discursi-vas, o material em questão é considerado como divulgação científica, aindaque institucionalizada. Percebe-se uma influência de outros discursos, talcomo o científico, o político e o jornalístico, formando um discurso dotadode variabilidade textual, percebido nas camadas além da superfície textual.Dessa forma, não se trata de um texto puramente de divulgação científica,mas construído com elementos formadores de outros processos discursivos.Intermais: Suplemento de Ciência e Tecnologia Para analisar como ocorre a divulgação científica no meio jornal, foramselecionados três exemplares do suplemento InterMais de Ciência e Tecno-logia, produzido semanalmente pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Ci-ência da Comunicação, Informação, Design e Artes da Ufam, por meio doJornal Amazonas Em Tempo. Para este artigo, apresentamos somente umaanálise, dada à limitação do espaço para descrição de todos analisados. Otexto verificado foi o que teve destaque em capa, pelo nível de importânciaeditorial dentro da publicação em análise. O texto intitulado ‘Software detecta tuberculose automaticamente’, publi-cado em setembro de 2007, não é assinado por nenhum autor e se reporta à124
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?divulgação de pesquisas voltadas para a mudança no método de diagnósticoda tuberculose, por meio de um software desenvolvido pelo Centro de Pes-quisa e Desenvolvimento em Tecnologia Eletrônica e da Informação (Ceteli)da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A abertura do texto leva oleitor a uma previsão do que a pesquisa em si pode proporcionar: Em aproximadamente um ano e meio o nome da Uni- versidade Federal do Amazonas (Ufam), por meio do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnolo- gia Eletrônica e da Informação (Ceteli), poderá ser citado nas revistas científicas nacionais e internacio- nais como a primeira universidade a desenvolver um sistema capaz de fazer o diagnóstico automático da tuberculose. (INTERMAIS, 2007, p. 4). Posterior ao lide, há uma contextualização de como é feito o diagnósticoda tuberculose: Atualmente, a detecção da tuberculose é feita por meio de uma lâmina preparada com o escarro hu- mano (catarro). Essa lâmina é posta em um micros- cópio e um operador (laboratorista) faz a contagem do número de Mycobacterium tuberculosis (bacilo da tuberculose). (INTERMAIS, 2007, p. 4) Verifica-se com os trechos em negrito que, nos parágrafos iniciais destetexto, existe a textualização da ciência para a divulgação científica, com aexplicação de termos específicos/científicos. A explicitação do sujeito é identificada com a inclusão do discurso de pes-quisadores envolvidos no trabalho, o que indica característica de DDC (sujei-to formulado). As paráfrases na constituição textual também dão indicadoresde que o texto será formulado textualmente dentro das propriedades do DDC. O professor doutor Cícero Ferreira Fernandes da Costa Filho, diretor doCetelli e co-orientador do trabalho de Juliana Ferreguete, diz que o método 125
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?de reconhecimento e contagem está desenvolvido e que a dissertação serádefendida em novembro. O objetivo da dissertação de Juliana, a ser defendida em novembro des-te ano, é minimizar esses erros e aumentar a confiabilidade dos resultados.“Com um método automático que auxilie o profissional nessa tarefa, os er-ros com respeito à variabilidade intra e inter-observador serão eliminados”,garante Ferreguete. (INTERMAIS, 2007, p. 4) Tanto na constituição quanto na formulação desse texto, observa-se quehá a relação assimétrica, com versão B de x, ou seja, do divulgador sobre ocientista para o público, mas que ainda deixa transparecer marcas muitopróprias do discurso científico, conforme o trecho grifado a seguir: A tuberculose é uma doença ocasionada por um bacilo álcool-ácido re-sistente (BAAR) denominado Mycobacterium tuberculosis. Esse problemade saúde pública mundial de proporções incomensuráveis. Para se ter umaideia da gravidade, morrem, anualmente, no mundo interior, aproximada-mente de três milhões de pessoas vítimas da doença. (sic). Na formulação dessa matéria, há a textualização jornalística sobre o temapesquisado dentro da academia e destaca a importância de acionar empresasa desenvolverem o experimento científico em escala industrial. A matériamostra ainda a importância ideológica do capital e de recursos financeirospara o desenvolvimento da ciência. As universidades precisam “achar” empresas interessadas em produzir osprodutos que podem ser gerados a partir das pesquisas (e das patentes). “Ofato de realizarmos uma pesquisa não significa que, de imediato, a sociedadeserá beneficiada com um produto resultante dessa pesquisa, explica o dire-tor do Cetelli, que completa: “Por isso precisamos constantemente de recur-sos financeiros para que a sociedade possa efetivamente ser beneficiada comos resultados das nossas pesquisas”. (INTERMAIS, 2007, p. 4) [...] “Se tivéssemos verdadeiramente uma equipe de desenvolvimento de produtos, com profissionais contratados e não apenas com bolsistas, com muito otimismo, poderíamos dizer que o trabalho da Julia- na seria transformado em um produto em um ano, a partir da defesa, que ocorre em novembro”. (ibidem)126
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência? Além desses exemplos, o texto ainda mostra uma característica infor-mativa (mostra o que a ciência faz e não faz ciência), destacando dados daOrganização Mundial de Saúde (OMS) e apresentando detalhes do métododo diagnóstico: A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou, em 2005, que no período entre 2000 e 2020, um mi- lhão de pessoas serão infectadas e, dessas pessoas, 200 milhões ficarão doentes. Estimativas apresenta- das no projeto de Juliana Ferreguette apontam que, no Brasil, ocorrem anualmente 100 mil novos casos de tuberculose. (INTERMAIS, 2007, p. 4) Como a grande maioria das doenças infecto-contagiosas, o diagnósticoe acompanhamento dos casos de tuberculose pulmonar positiva é a bacilos-copia. Nesse método tradicional de contagem dos bacilos, o operador é umhumano. Com isso há uma imensa variação de interpretações. (ibidem) Quanto à circulação deste material, pode ser considerado amplo, já queestá em um suplemento distribuído em um jornal de grande circulação.Atualmente não circula mais. Por ter formulação como produto imediato(poucas páginas produzidas em curto espaço de tempo), o texto tem umefeito de assimetria de interlocução e circula com a formulação baseadaprincipalmente em dois discursos: o da ciência e o jornalístico. No entanto,sobrepõe-se, neste caso, o Discurso de Divulgação Científica, mas há marcasdo discurso científico, que é o primeiro de onde foram originadas as infor-mações e ainda se mostram muito evidentes mesmo em um novo discurso(após ser reformulado). Observando o que diz Orlandi, “o discurso de divulgação científica não éuma soma de discursos: ciência mais jornalismo científico (C+J=DC). Ele é umaarticulação específica com efeitos particulares [...]”. (ORLANDI, 2001, p.151).Assim, o discurso de divulgação científica é textualização do discurso científico,é uma reformulação, com as informações científicas ditas pelo jornalista. 127
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?DDC: Diretrizes para uma prática jornalística Ao desenvolver esta análise do discurso e verificar o funcionamento doDC e do DDC, busca-se neste trabalho apontar algumas estratégias paraos atores envolvidos no processo da divulgação científica, sejam jornalistas/divulgadores, sejam pesquisadores. É sabido que a informação qualificada é peça fundamental no jogo de po-der entre os vários campos de produção do conhecimento, já que a relaçãoda ciência e política passa ser mediada fortemente pelo campo midiático. Neste sentido, mais do que informar a mídia por meio dos seus diversosveículos (impresso, eletrônico, digital, etc.) a DC assume o intercâmbio deinteração entre os atores e as instituições sociais. Assim, a difusão científicanão é mais uma ferramenta complementar na produção da ciência e tecno-logia, não respeitada por cientistas/pesquisadores, mas passa a ser funda-mental para o ciclo da pesquisa estar concluído: chegar ao povo, ser compre-endida e ter o funcionamento coincidente. É como aponta Kreinz (2009,p. 24): “não há muitos trabalhos que dis-cutem a divulgação científica pela sua função [...]”, mas mesmo assim, navisão da autora, “é preciso elucidar aspectos da pesquisa, e divulgar ao quese chegou. Nem que seja para discutir”. Kreinz nos ajuda nessa reflexão ao destacar o prêmio Nobel de Química,Ilya Prigogine, que questiona o conceito de uma ciência portadora de certe-zas definitivas, discutindo o fim dos metarrelatos da ciência e quebrando oconceito de um discurso científico acabado, com “evidência absoluta” e úni-ca. Daí a necessidade, de elucidar sempre os aspectos da pesquisa e divulgarao que se chegou. Esse é o papel final do texto de divulgação científica, for-mulado com o DDC.128
A textualização científica em dois discursos: jornalismo ou ciência?Conclusão Diante do exposto, concluímos que as incompreensões entre quem faz ci-ência e quem a divulga ainda são marcantes, já que se trata de dois processosde produção bem distintos, um voltado para a ciência e tecnologia e o outropara o jornalismo em si, cada um com suas peculiaridades. No entanto, essas arestas podem ser minimizadas quando há uma buscapelo entendimento de ambos os papeis na sociedade, o da produção e oda democratização do conhecimento. O desafio é grande, pois levar temascomplexos sobre feitos na ciência e inovação tecnológica para o cotidianodas pessoas não consiste em tarefa fácil. Apesar disso, sabe-se que a comunicação, tal como nenhuma outra área,não é absoluta na complexidade da estruturação da sociedade contemporâ-nea, portanto é preciso mais do que retórica, abrir as práticas teóricas paraoutros campos de estudo. Nesse sentido, a interlocução crítica entre áreaspermite outros olhares e por isso, permite o levantamento de outras ques-tões tocadas neste trabalho, tal como a textualidade da produção científica eda produção jornalística. Assim, na conclusão deste trabalho, concordamos com Morin (2002)quando ele diz que não há interrupção no processo de conhecimento. “Nãosó nos restam muitas trevas na compreensão humana, como também o mis-tério se aprofunda na medida em que avançamos no conhecimento” (MO-RIN, 2002, p. 29). A pretensão com esta pesquisa é de alçar outros horizontes e prosseguirpensando a comunicação e a linguagem por suas diversas formas. É o desa-fio de quem faz ciência. 129
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Rádio: um sistema autopoiético dacontemporaneidade Manoela Mendes MOURA1 Walmir de Albuquerque BARBOSA2 Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AMResumo Com o surgimento da internet, vários meios de co-municação tradicionais convergiram para o ambientevirtual, inclusive o rádio. De sua forma hertziana pas-sou a ter concepções on-line, que se apropriam de várioselementos para sobreviver em um novo lugar e com no-vos elementos. Todas essas mudanças trouxeram a ne-cessidade de se conhecer melhor como está o rádio nacontemporaneidade sob uma visão ecossistêmica, com aTeoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. A partirda revisão de bibliografia, observação e do método indu-tivo, o resultado abrange aos acoplamentos e autopoiesesque o meio radiofônico se submete no mundo em rede, etambém nas características gerais do rádio on-line.Palavras-chave: Rádio. Rádio na Internet.Web rádio. Autopoiese.1 Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-graduaçãoem Ciências da Comunicação (PPGCCOM) da Universidade Federal doAmazonas (Ufam), email: [email protected] Doutor em Ciência da Comunicação pela Universidade de São Paulo.Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação(PPGCCOM) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), email:[email protected]. 135
Rádio: Um Sistema Autopoiético da ContemporaneidadeIntrodução O Rádio é um meio de comunicação que atinge as pessoas de forma sim-ples, direta e bastante pessoal. Por sua força está atrelada, principalmente, nasua linguagem por meio da voz, música, efeitos sonoros e silêncio, consegueconquistar seus ouvintes em seus aspectos mais profundos e subliminares.Seja por meio do entretenimento ou informação é utilizado por todos emsuas diversas áreas e singularidades. Com o desenvolvimento tecnológico, o meio radiofônico, assim comooutros meios de comunicações passaram por várias mudanças a fim de seadaptar as novidades e transformações pelas quais as pessoas, a sociedade eo mundo viviam. Um dos destaques foi a internet, que impactou bastante amaneira de se comunicar, com novos recursos e elementos capazes de man-ter todo mundo em rede. A rede mundial de computadores permitiu também com que texto, vídeo eáudio convergissem para o ambiente virtual, possibilitando assim que a men-sagem fosse potencializada a partir de uma postura multimidiática. No caso daprogramação radiofônica, passou a ganhar outros recursos que antes não pos-suía em sua forma tradicional. Além de ser também transmitida via web com asrádios on-line, e não apenas pelas ondas eletromagnéticas ou hertzianas. E para se compreender melhor todas essas vicissitudes pela qual o rádiopassa, com objetivo de manter-se vivo, utiliza-se a Teoria dos Sistemas Sociaisde Niklas Luhmann. A ideia é conceber o rádio como um sistema autopoiéticodentro do ecossistema da Internet, investigando as autopoieses e acoplamen-tos pela qual sofre dentro de um novo ambiente. A visão ecossistêmica ajuda aobservar da melhor maneira o rádio em tempos contemporâneos.A Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann Niklas Luhmann produziu uma teoria que não fosse apenas específica, esim que abrangesse tudo, fosse universal, uma teoria geral da sociedade. Apartir dos sistemas autopoiéticos, o processo pelo qual sofre para adaptar-se surge com a própria irritação do sistema (TAVARES; BARBOSA, 2011, 137
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadep. 171). Ao passo que, “um sistema pode ser chamado de complexo quan-do contém mais possibilidades do que pode realizar num dado momento”(KUNZLER, 2004, p. 224). As possibilidades são inúmeras, fazendo comque o sistema tenha que escolher apenas algumas delas, ele não consegueresponder a todas as relações possíveis entre elementos no seu interior, poisquanto mais elementos, mais relações possíveis terá. O ambiente onde o sistema está inserido é ainda mais complexo por con-ter mais elementos, ele gera para o sistema inúmeras possibilidades, quedesencadeiam outras, o que faz aumentar a desordem. O sistema então se-leciona algumas delas, porque se aceitasse todas, ela se anularia, em vez deser sistema se tornaria ambiente. O sistema então seleciona aquelas que lheconvém e tornam o ambiente menos complexo, ao mesmo tempo em queaumenta essa complexidade internamente. Para dar conta disso, ele se au-torreferencia. Ao transformar-se internamente, o sistema cria subsistemas,deixando de ser simples para tornar-se complexo, e por isso, evolui. Cada um desses subsistemas criados dentro do sis- tema tem seu próprio entorno. A diferenciação do sistema não significa, por tanto, a decomposição de um todo em partes, mas na diferenciação de di- ferença sistema/entorno Não existe um agente ex- terno que o modifica, é ele mesmo que o faz para sobreviver no ambiente (KUNZLER, 2004, p. 125). Mas a transformação do sistema depende das irritações que o ambienteprovoca o leva a mudar as suas estruturas. E esse produzir a si mesmo é oque se chama autopoiese. Isso acontece para que o sistema sobreviva no am-biente complexo do ambiente, e por fim evolua, formando uma nova estru-tura com as inúmeras possibilidades que não foram tolerados pelo sistema.Na visão de Luhmann, o sistema e ambiente devem ser compreendidos emsua diferença, não isoladamente cada um. E a forma da diferença possuidois lados, sendo o lado interno, o sistema e o lado externo, o ambiente. Emse tratando de sistema social, a comunicação é o seu operador central e estáem seu interior, e da sociedade que é formada por todos os sistemas sociais.138
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidade No plano exclusivamente operacional, o sistema da sociedade está obrigado a observar suas próprias comunicações: nesse sentido, deve realizar uma au- to-observação contínua. Em relação a essa atividade do sistema, desenvolve-se a distinção entre autorefe- rência e hetero-referência. Tal distinção faz com que o sistema reaja ante o fato de que, por meio de sua operação, ele mesmo produz sua própria forma, ou seja, produz a diferença sistema/entorno (VIEIRA, 2005, p. 5). Ao tratar dos sistemas autopoiéticos, eles operam fechados, produzindoelementos a partir das operações anteriores do próprio sistema e que servirãopara futuras. Essa condição de fechamento lhe confere a situação de autono-mia, na qual o sistema não pode funcionar fora das suas fronteiras. Isso nãoquer dizer que o meio é descartado, pelo contrário, o sistema existe porque háum meio onde pode ser inserido. Na sociedade, as pessoas não estariam den-tro dela e sim no entorno e dentro a comunicação operando por meio de redescomunicacionais. E como ponte para esse relacionamento há o acoplamentoestrutural que estimula o sistema a irritações, e configura a relação de doissistemas autopoiéticos que precisam da presença de outros para funcionar. A relação sistema meio caraterizada por um acopla- mento estrutural significa que sistemas autopoiéti- cos - isto é, sistemas de estrutura determinada e au- toregulativos - não podem ser determinados através de acontecimentos do meio, esses acontecimentos somente podem estimular operações internas pró- prias do sistema, cujo resultado, na maneira como ele se mostra para o meio, não é previsível, mas con- tingente (MATHIS, 1998 p. 4). Assim, as estruturas, operações e comunicações internas do sistema seorganizam nelas mesmas se autorreferenciando, e na sua concepção autôno-ma, mantém relações com ambiente guiado pela diferenciação e o modo de 139
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadeoperar. Isso significa que o sistema é independente na sua composição bási-ca interna, mas dependente do meio em relação aos dados que são utilizadoscomo apoio para o sistema (MATHIS, 1998). Luhmann (2005), ao analisar as áreas da comunicação, afirma que podetratá-las individualmente, mas destaca também que isso não impede comque elas se relacionem e façam empréstimos para si mesmos. Os setores queexistem dentro do campo comunicacional podem fazer acoplamentos estru-turais nas quais podem se beneficiar dessa relação.O Rádio como um Sistema Autopoiético A comunicação quando observa a si mesma como um sistema, mostraum importante passo, visto que nos dias atuais, o ato comunicacional nãose revela de um para todos, ou de um para um; mas também de muitos paramuitos, e em vez de uma ligação de frente única, torna-se não linear. Cadacomponente da mesma se relaciona e se conecta promovendo conhecimen-to entre todos os envolvidos. (...) a comunicação, numa perspectiva ecossistêmica, deve ser entendida não a partir do isolamento e da atomização de seus elementos, mas das relações que interferem e possibilitam a construção, a circulação e a significação das mensagens na vida social (PEREI- RA, 2011, p.13). E dentro do ecossistema comunicacional há vários sistemas, entre eles o rá-dio, um sistema autopoiético por reproduzir seus elementos e suas estruturasdentro de um processo operacionalmente fechado por meio dos seus próprioselementos. Não se trata aqui do aparelho e sim da concepção do mesmo, poisem se tratando do objeto radiofônico, se quebrar, ele não irá se recompor, masdentro do conceito, o mesmo se auto-gera e autorreferencia. Anteriormente, omesmo era concebido por meio da transmissão, mas agora o que o define é sãoas coisas exclusivamente humanas, psicológicas, culturais, sociais que usam as140
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadetecnologias dos meios de comunicação para compor o sistema. Isso porque o rádio precisou se transformar conforme as diversidadesapareceram, como advento da TV e o surgimento da internet. Agora precisareinventar-se perante o novo público exigente que surge (MAFRA, 2011).Como sistema vivo autopoiético, o rádio manteve sua autonomia se recon-figurando nos ambientes que fora colocado, o objetivo era se manter vivoa partir das irritações do seu entorno. Mas esse processo não foi simples,como todo sistema autopoiético complexo, os processos de autorreferên-cia se deram a partir dos contextos ainda mais complexos nos quais seuselementos internos tinham inúmeras possibilidades. Mas para sobreviver atudo isso passou a juntamente com outros sistemas, a ter irritações interna-mente provenientes das irritações dos outros sistemas que resultaram nosacoplamentos estruturais. O processo aconteceu desde sempre, porém em tempos contemporâneos,percebe-se mais uma vez uma transformação do rádio. Hoje, o cotidiano éinfluenciado diretamente pela relação entre as pessoas e os meios de comu-nicação que utilizam e esta troca deve ser vista como reflexo do fenômenocontemporâneo da mídia. A recepção dos produtos da mídia deveria ser vista, além disso, como uma atividade de rotina, no sentido de que é uma parte integrante das atividades constitu- tivas da vida diária. A recepção dos produtos da mídia se sobrepõe e imbrica a outras atividades nas formas mais complexas, e parte da importância que tipos par- ticulares de recepção tem para indivíduos deriva das maneiras com que eles os relacionam a outros aspec- tos de suas vidas (THOMPSON, 1998, p. 43). Essa assimilação sobre o tema se reflete também na forma de se lidarcom os estudos voltados para o rádio. “A busca de novos caminhos não seapresenta como uma tarefa simples, pois requer, antes, abandonar a segu-rança dos caminhos já conhecidos e percorridos” (MONTEIRO; COLFE-RAI, 2011, p. 40). Ao quebrar-se uma concepção antiquada, e colocar-se 141
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadeem prática um olhar diferenciado para o que acontece com o rádio pode-secompreender melhor as transformações e mudanças que ocorrem com estemeio na atualidade. A convergência tecnológica é uma realidade que afeta atodos os níveis, dos meios de comunicação às pessoas que consomem todosesses elementos. O importante é considerar as possibilidades e entender demaneira ecossistêmica todos esses processos, especialmente no rádio quevê-se profundas alterações.Autopoieses e Acoplamentos do Rádio Ao se resgatar a história da comunicação, percebemos que uma série defatores foi responsável pelo surgimento dos meios de comunicação. Des-de a organização da sociedade, passando pelo exercício político, o empregoda economia até o desenvolvimento tecnológico. Utilizando-se o conceitode sistemas sociais de Luhmann, cada sistema sofreu irritações devido aoambiente mais complexo ainda, e que fez com que os elementos internosse auto gerassem e autorreferenciassem para que pudessem sobreviver àsimplicações submetidas. Meios de comunicação desenvolvem-se em torno de complexos sistemas de práticas sociais, hábitos, crenças e códigos culturais, regidos por processos dinâmicos, que abrangem a criação de conteúdos/ discursos/mensagens, sua produção, transmissão, distribuição, circulação e consumo. Todos mediados tecnologicamente (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 2). O entorno desses sistemas se fazem presentes por meio do entorno dosoutros sistemas ao redor. E é por meio do acoplamento estrutural, que épossibilitado pelas irritações de um sistema para outro, que faz com que umsistema se transforme com seus próprios elementos para sua sobrevivência.Um exemplo é o acoplamento da comunicação e da tecnologia, o sistematecnológico gera as tecnologias da informação e o sistema comunicacional,gera os meios de comunicação, entre eles o rádio.142
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidade O rádio como sistema é composto por elementos que o confirmam en-quanto sistema, entre os principais, a linguagem radiofônica que o caracte-riza como rádio. É por meio deles que, durante os anos, se transformaramconforme mudou o ambiente, e fizeram com que se autorreferenciasse, ouseja, o mesmo é um sistema autopoiético. A comunicação e a tecnologia conforme estava o mundo na qual estavaminseridos vez ou outra continuaram se auto-gerando e por meio do aco-plamento formando novos sistemas, entre eles, a internet. Ela foi formadaa partir da Arpanet uma rede de computadores em 1969, com objetivo dealcançar superioridade militar em relação à União Soviética. Seria uma ma-neira também de permitir os centros e grupos da agência (Advanced Resear-ch Projects Agency - Arpa) compartilhassem tempo de computação on-line.E uma tecnologia de transmissão de telecomunicação, a comutação, foi umadas bases dessa criação (CASTELLS, 2003, p.14). Ou seja, comunicação etecnologia deram origem à rede mundial de computadores. 143
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidade Com a internet, os meios de comunicação acabam por convergir para oambiente digital que ela proporciona. Dentro da internet um dos elementosconstituintes é a web que é a simplificação do World Wilde Web (www) “umconjunto de documentos na internet que são livremente entrelaçados pormeio de um conceito chamado hipertexto (SEPAC, 2004). A internet entãoreúne em um único local imagens, vídeos, texto e som, proveniente inclusivedos meios de comunicação já existentes. A hipertextualidade da internet permite que o usu- ário, ao navegar, faça a interligação e o aprofunda- mento de assuntos, com o uso dos hiper-vínculos (links). Dessa forma, a estrutura dos textos e das mensagens audiovisuais da rede deixa de ser line- ar e passa a ser rizomática. Ou seja, o interesse e a percepção do próprio usuário organizam uma teia particular de informações. (ALMEIA, MAGNONI, 2009, p. 2). Ao se considerar o rádio no ambiente da internet, enquanto rádio na web, ouseja, as rádios hertzianas com presença na internet, elas apenas são colocadasem outo lugar. Mas ao se tratar das web rádios, um novo rádio é configurado.Por meio da autopoiese ele se transforma para sobreviver no mundo em rede.144
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidade Enquanto no ambiente da internet, a web rádio está juntamente com ou-tros sistemas além da web, como sistema político, sistema econômico, siste-ma tecnológico que da mesma forma que o rádio, se acoplaram à internet.Essa relação entre sistemas se dá a medida que irritações são provocadaspelos mesmos que contribuem para as mudanças internas. Os limites dos sistemas são semipermeáveis. Isto permite sua auto-organização, na medida em que sua interpelação adapta-se ao entorno. Os limites se- mipermeáveis conduzem a processos autorreferen- ciais e, conseqüentemente, à aquisição evolutiva de sentido por parte dos sistemas (VIEIRA, 2005, p. 9) Para o melhor funcionamento da rádio on-line, ela se acopla aos diver-sos sistemas, como no caso da economia, quando um novo mercado virtualsurge ou quando se passa a lucrar por meio dos negócios na web. A assinatu-ra de podcasts; publicidade on-line, entre outros também são exemplos. Nocaso do sistema político, quando as regulações passam a valer também noambiente para que as pessoas possam se utilizar como referência para utili-zação, criação e transmissão de mensagens na internet. E no caso da tecno-logia, quando um meio analógico não é capaz de transmitir o conteúdo daweb rádio e surgem aplicativos próprios das emissoras, ou como TuneIn, quepossibilita com que se escute a programação por meio de celulares, tablets, enotebooks o entorno de um sistema é o entorno dos outros. Curran e Seaton (1997, p. 153) definem a importância do rádio a partirda visão social e explicam que a radiodifusão é “a transmissão de progra-mas a serem ouvidos simultaneamente por um grande número indefinidode pessoas é uma invenção social, não técnica”. Justamente por ser um sis-tema social, a comunicação é seu motor, na perspectiva que comunicaçãogera comunicação, seja na concepção tradicional que se tem do rádio, comona digital com o rádio on-line. Junto com os outros sistemas sociais quemovimentam a sociedade, na qual o seu entorno é formado pelos sistemas 145
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadecognitivos que são as pessoas, ou seja, o público-alvo nas suas várias confi-gurações, internauta, ouvinte, ouvinte-interagente, que dá sentido a comu-nicação que é realizada assim como o contrário. O sentido é o medium que permite a criação seleti- va de todas as formas sociais e psíquicas. Possui uma forma específica cujos dois lados são realidade e pos- sibilidade, ou também atualidade e potencialidade. O sentido é uma conquista obtida no processo de co-e- volução dos sistemas sociais e dos sistemas psíquicos: permite dar forma à autoreferência e à construção da complexidade de tais sistemas (VIEIRA, 2005, p. 6). E o sistema web rádio possui vários elementos os quais se transformaramao se acoplar na internet. Os meios de interação, por exemplo, na concepçãotradicional eram feito por meio de cartas, telefonemas ou recados por meiode bilhetes. Hoje a comunicação é realizada também pelas redes sociais, e--mails, blogs, formulários, mural de recado (on-line). Há uma reorganização146
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadedos componentes dos rádios que se configuram por meio de outros aspectosna internet. Serviços como loteria, INSS, horóscopo entre outros tambémsão encontrados no site, não apenas na programação radiofônica. A publicidade por meio dos comerciais se apresenta agora de forma vi-sual, na mesma concepção do acoplamento da economia e com as rádioson-line, os anúncios passam a se acoplar na internet, por meio do site radio-fônico como uma forma também de divulgação dos produtos ou serviços.Texto, fotografia e vídeo passaram pela autopoiese e se tornaram sinais di-gitais presentes nesse caso como complementos a mensagem radiofônica. Oacoplamento deles resulta numa mensagem potencializada. E a linguagemem sua essência, voz, efeitos sonoros, música e silêncios em sua reorgani-zação dentro do sistema rádio é o que gera o que chamamos de web rádio. E para não deixar de apresentar, o podcast é outro sistema que se origi-nou da ação autopoiética do rádio em acoplamento estrutural com a web, naqual o arquivo disponibilizado se baseia na linguagem radiofônica, mas comaspectos e características próprias da internet. As mesmas relações com osoutros sistemas sociais também acontecem, ocasionados pelas irritações queo ambiente provoca. Diante dessa nova realidade, o rádio se reconfigurou na internet, perma-necendo vivo, dividindo o ambiente e a audiência com outros meios, apóspassar pelo que chamamos de convergência e trazendo novas propostas sem 147
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadeperder sua essência que é a oralidade a presença do ser humano em meio àtecnologia (MAFRA, 2011, p. 57). A concepção do rádio como sistema au-topoiético na contemporaneidade nos faz perceber as relações pelas quais sesubmete e que por meio dos acoplamentos estruturais faz com que evolua esobreviva ao novo ambiente que está inserido.O rádio contemporâneo O estudo ecossistêmico possibilita a percepção das interações que há entreo sistema e ele mesmo, com os outros sistemas e com o meio que faz parte.Esse fato ajuda na compreensão da vida enquanto ser biológico, assim comotambém o ser social e as suas várias aplicações. No caso do rádio, contribuipara que se tenha um novo olhar sobre os fatos que acontecem atualmente, queimpactam diretamente na sua concepção e também em suas características. Por muito anos se associou a definição de rádio pela sua forma tradicio-nal de ser transmitido via ondas hertzianas, contudo, com o surgimento dainternet e as inúmeras possibilidades na plataforma, isso mudou. De acordocom a Enciclopédia Intercom de Comunicação hoje devemos “é aceitar orádio como uma linguagem comunicacional específica, que usa a voz (emespecial, na forma da fala), a música, os efeitos sonoros e o silêncio, inde-pendentemente do suporte tecnológico ao qual está vinculada” (FERRA-RETTO, KISCHINHEVSKY, 2010, p. 1010). Com base nessa assimilação, há uma categorização contemporânea dorádio (FERRARETTO, 2014) que compreende em rádio antena ou hert-ziano e rádio on-line. ARádio antena ou hertziano: são as formas tradicio-nais de transmissão por ondas eletromagnéticas; a Rádio on-line: são todasas emissoras que operam via internet (englobando desde as de antenas ouhertzianas aos de produtores independentes de conteúdo disponibilizadotambém na rede mundial de computadores). Esta última modalidade, sub-divide-se em: 1. Rádio na web: são as estações hertzianas que transmitemos seus sinais também pela internet; 2. Web rádio: são as emissoras quedisponibilizam suas transmissões exclusivamente na rede mundial de com-putadores; e 3. Práticas como o podcasting: é uma forma de difusão, viarede, de arquivos ou série de arquivo, nesse caso específico de áudio comlinguagem radiofônica.148
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidade Em termos de transmissão, na qual as rádios hertzianas transmitem o si-nal via ondas eletromagnéticas, a difusão via web se submete a outras abor-dagens. Com fundamento em Hausman et. al (2010) e Bufarah (2010) elas sedestacam de três maneiras: streaming, que quando a fonte sonora envia umsinal digital em tempo real, ou seja, simultaneamente à produção/veiculação;podcasting, quando se distribui um arquivo no formato mp3 ou em outro, eque, o conteúdo disponibilizado é gravado. O arquivo pode ser baixado ouacessado no local de disponibilização; e on demand, quando o arquivo é pro-duzido e é disponível por demanda, atualmente com as tecnologias disponí-veis, já pode ser feito com base nos interesses de quem o acessa. Sobre o conteúdo, resgata-se Marshall Mcluhan (2007) quando ele afirmaque o meio é a mensagem, porque com as novas tecnologias, há consequên-cias sociais e pessoais ao serem inseridas em qualquer meio. E que no casodas rádios on-line, os elementos do mundo virtual contribuem para poten-cializar ainda mais o que já é transmitido por áudio. Imagens, textos e vídeospassam a ser outros elementos que estão no mesmo universo do sistemaradiofônico na rede mundial de computadores. Com a internet, o ouvinte torna-se também internauta, que além de ouvira programação radiofônica, acessa os sites vinculados às emissoras, se uti-liza das redes sociais disponíveis, resolve outros assuntos on-line enquantoescuta o rádio. “Assim, o “internauta” traça o próprio caminho durante anavegação em busca dos conteúdos que lhe sejam úteis ou mais agradáveis”(ALMEIDA; MAGNONI, 2009, p. 2). A convergência tecnológica traz uma nova postura em relação ao rádio,como também aos outros meio de comunicação on-line são notados e, por-tanto, outros fatores são considerados para se conhecer o público alvo dessesmeios agora multimídiáticos. Bufarah (2015) ao refletir o impacto das tec-nologias no rádio, destaca a importância de se considerar os perfis dos tiposde gerações que marcaram ou ainda marcam determinada época. As pessoasprovenientes das gerações X e Y são as que estão mais envolvidos nessesprocessos contemporâneos, pois acompanharam as mudanças tecnológicasou já nasceram com essas novas possibilidades. A partir dessa dimensão, as características das últimas gerações seguema linha de pensamento que envolve a definição do atual internauta da inter- 149
Rádio: Um Sistema Autopoiético da Contemporaneidadenet. Em vez de ser tratado como usuário que na prática acessa conteúdo e nadamais, passa a compartilhar informação, a ser ativo nas ações, e colaborar dentroda rede. Ele ganha o novo perfil de interagente, que passa a colaborar (PRIMO,2005), nesse caso por meio de opiniões, mensagens e até mesmo como fonte denotícias. No caso rádio, em muitas situações se configurará o ouvinte-interagente. No caso do mercado para esse rádio contemporâneo, Bufarah (2015)reflete o que se deve fazer para tornar as corporações mais eficientes e com-petitivas para que se atenda da melhor maneira aos clientes. Ele aponta aresposta com o que afirma Tapscott (1997) que “o sucesso na nova econo-mia exige invenção de novos processos, novos negócios, novas indústrias,novos clientes, e não a reorganização dos antigos”. A nova economia estaria baseada em conhecimento e a mesma seriaresponsável por se adequar as possibilidades que o mercado disponibiliza.Não se deve utilizar velhas estratégias para algo que é novo, é preciso seadequar as novas especificidades. Em tempos em que as empresas cada vezmais tem acesso as informações de navegabilidade on-line dos seus intera-gentes, todos são potenciais consumidores e geradores de renda, basta seadaptarem as realidades atuais. E enfim, ao se tratar de regulamento, o primeiro pensamento que se fazao considerar o ambiente em rede é que não há nenhuma regra, que é umlocal livre de jurisdição. Porém, não é assim que acontece na prática. Emrelação às rádios hertzianas, elas atuam sob o Código Brasileiro de Teleco-municações da lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, e enquanto presente naweb, também continua respondendo as mesmas leis. Já a criação das web rádios está mais livre no sentido de criação, qualquerpessoa pode fazer uma se quiser, contudo há outras considerações que develevar em conta, porque mesmo rede elas continuam submetidas à Consti-tuição Brasileira de 1988. A web não possui regras oficialmente estabeleci-das, porque mesmo o Marco Civil da Internet está baseado nas mesmas leisconstitucionais preexistentes. A ética nesses ambientes não é apenas uma questão de se lidar moralmente com um dado mundo, mas, sobretudo, uma questão de construção ininterrup-150
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