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Published by Papel da palavra, 2022-10-07 12:46:10

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desordenada. É somente exagerando a diferença entre dentro e fora, acima e abaixo, fêmea e macho, com e contra, que um semblante de ordem é criado. (DOUGLAS,1991, Pg.15) O ideal de pureza é um espírito que passa incansavelmente dito como um dos verdadeiros caminhos para se estar em paz consigo mesmo e com o Deus todo poderoso, assim o ideal de pureza passa a ser visto como uma norma que deve ser seguida, servindo nesse aspecto como uma barreira que separaria os “pastores” do “rebanho”, no qual os “pastores” estariam sendo representados pelos seres que mantinham a pureza como um caminho para o que seria sagrado, e eles seriam os marginalizados, ou seja, as ovelhas que precisariam de uma ajuda da representação de Deus na terra. Assim, vemos: “Um recipiente imperfeito que somente será perfeito se puder se tornar impermeável.” ou seja, todos que prezassem pelo o seu corpo espiritual e pela sua consciência para com Deus deveriam seguir as normatizações em prol do sagrado, assim os padres, que detinham e precisavam deter uma imagem brilhante, de um ser sem pecados, principalmente sexuais, desejos esses que seriam marginalizados constantemente pela Igreja Católica, deveriam se manter como um corpo impermeável, demonstrando a necessidade e preocupação de manter o corpo físico intacto. A Igreja se constrói gradualmente e vai institucionalizando a sua imagem, por meio de hierarquias, controle dos indivíduos, retaliando o que seria impuro ou as transgressões da sociedade na qual está inserida, assim consolidando a imagem de uma instituição clerical santificada, que preza e busca uma manutenção do estado de castidade. Dessa forma,

podemos retratar e problematizar a relação da pureza e do poder da Igreja, onde os dois eixos estão totalmente embrincados no discurso da mesma sobre o celibato, demonstrando o ideal de pureza e quem o praticava como o detentor de um poder, esse que seria abençoado pela Igreja e por Deus. A Santa Sé católica, a todo momento, tentava justificar a necessidade de permanência do voto de castidade, fazendo contraponto e dessa forma utilizando-se de passagens das Sagradas Escrituras, para dessa forma conseguir promover o ideal de castidade e valorizar o celibato como uma “joia preciosa” que necessita de cuidados, um ato de amor incondicional para os preceitos da Igreja Católica, para com Deus, uma romantização na transformação dos indivíduos como heróis para aqueles que decidiram atender ao que denominamos chamado divino. Dessa forma, Deus seria um jardineiro, cuidando do seu jardim e teria germinado em seus indivíduos a semente da pureza e castidade. Desde o pecado inicial, no qual Adão e Eva sucumbiram a serpente do pecado, a Igreja se prontificou a demonstrar como tal caimento pelos ditos, foi proporcionando outras transgressões, nas quais seriam altamente ligadas ao desejo sexual e seus malefícios, descriminando a sexualidade, transformando-a em um ato de fraqueza, e que detinha da impureza quem o fizesse antes do casamento e que serviria apenas para a procriação dos seres humanos. A narrativa litúrgica da Bíblia acerca do nascimento de Jesus Cristo também está ligada ao ideal de purificação e pureza do corpo físico e do espiritual, onde é demonstrada a imagem de

uma mulher pura, virgem, sem contato algum com o mundo sexual, que estaria trazendo ao mundo um ser, dando à luz a uma criança, sem nenhum um contato físico com o outro homem. Dessa forma, essa narrativa nos remete à perspectiva de mostrar o puro, desde o nascimento de Jesus Cristo, e de certa forma demonstrar a imagem da perpetuação do celibato, ou seja, da abstinência sexual. Como também remeter o corpo de Jesus Cristo como um corpo puro, nascido de uma pureza, permitida por seu pai (Deus), na qual podemos fazer uma ponte até a própria eucaristia, por meio da qual é demonstrada como o corpo e o sangue de Cristo, e para estabelecer e poder estar à frente da celebração da eucaristia, o indivíduo deveria deter de um corpo físico e espiritual puro, condizendo com o corpo de Jesus Cristo, sendo essencial devido ao caráter “perfeito” e completo da presença real de Cristo, assim, mais uma vez, é relacionada a necessidade de uma abstinência sexual pelos sacerdotes da Igreja Católica, para poder ministrar com veemência a eucaristia. Porém, foram datados e vistos muitos casos de deturpação de tal lei celibatária, quando as “joias” deixaram então de ser preciosas, casos de padres que não cumpriram tal lei fielmente, entrando em um relapso e em um ambiente transgressor para a Igreja Católica, cometendo crimes e atos torpes perante a sociedade e os filhos de fé, crime esse que será retratado com uma maior ênfase no tópico a seguir, tratando o que seria tal crime e como estaria sendo denominado, como também as suas diferentes formas.

“Solicitatio ad turpia” ou Solicitação. O termo “Solicitatio ad turpia” ou apenas solicitação, é justamente a quebra dos votos de um padre, religioso, servo designado para ser a imagem de Deus diante dos filhos de fé da Igreja Católica, em atentado ao sexto mandamento da Igreja: \"Não Cometerás Adultério\" (Êx 20:14), dessa forma provocando um mal-estar para a imagem do que seria Sagrado. A solicitação se dava por meio de vários aspectos, com intuito de consumação de atos torpes, ou seja, utilizando-se da iniciativa de manifestação de intuito pecaminoso, levando em muitos casos à consumação de um ato carnal, em desencontro com os preceitos que eram assiduamente pregados pela Igreja Católica. Dessa forma, vemos um início de “contaminação” na própria imagem paterna que a casa do Senhor queria deter e transpassar para os seus filhos, deturpando o verdadeiro significado dos sacramentos de penitência. O crime de solicitação, como se pensa não foi somente assimilado ao ato de consumação carnal, mas também por meio de outros atos lascivos, como o tocar, provocar, aliciar

ou incitar penitentes, ou até mesmo obrigar os penitentes a cometerem atos torpes de natureza sexual com os confessores, nos fazendo repensar o conceito de solicitação, o delito passa então a ser visto de forma objetiva ou subjetiva. Preocupados com os crimes de solicitação que começara a assolar a Igreja Católica, em 1585 a Inquisição de Lisboa mandou oficio Memorial para Roma, no qual era pedido que a inquisição pudesse deter o poder de julgar os casos de solicitatio ad turpia, ato que fora definido pelos mesmos como uma provocação aos preceitos religiosos, durante o processo de confissão e algumas vezes fora dele: O Papa Pio III mandou que o Inquisidor Geral dos Reinos de Castella procedesse contra todos e quaisquer sacerdotes que solicitassem suas filhas espirituais no ato da confissão provocando-as a atos ilícitos, e que os pudesse castigar conforme o direito como hereges, ou suspeitos de heresia. […]. Porém, só fora datado de 1599, o documento que daria direito de punir os delitos de solicitação pela Inquisição portuguesa, tratando-se do diploma de Muneris Nostri, produzido pelo Papa Clemente VIII em 22 de janeiro. Valendo ressaltar, como ainda era de uma estrutura fraca, o conteúdo do tal documento, pois não generaliza todos os tipos de ações do delito de solicitação, além de taxar unicamente como um delito de confessores com suas penitentes do sexo feminino. Apenas em outro momento que fora datado também o aspecto de penitentes masculinos que também viriam a sofrer com os delitos de solicitação dos padres confessores.

A preocupação em manter a imagem da Igreja Católica purificada, longe de toda imagem do que seria profano, mantinha o desejo de disciplinamento dos corpos, agora os corpos dos padres que seriam alvos de coerções. É visto então o processo da Sagrada Congregação, de modo a intervir diante de tais acontecimentos que deturpavam o verdadeiro significado de ser um servo de Deus, sugerindo que os Inquisidores deveriam intervir também em tais circunstâncias. Os padres deveriam se manter fiéis às normas da Igreja Católica, e ainda mais fiéis ao Deus todo poderoso, a quem prometeram usar seu nome e seus preceitos para fazer o bem e disseminar ainda mais a sua imagem de todo poderoso e detentor da verdade, além do papel de seguir os conselhos dos evangélicos, que tinham como votos mais conhecidos os de: pobreza, obediência e castidade. Diante dos preceitos de castidade, podemos ver na Bíblia, aspectos que condenam a quem não seguir tal orientação, pois ser casto, era estar em união com Deus, prezando a sua pureza e a pureza dos filhos de Deus, e quem fizesse o contrário estaria se condenando e condenando os preceitos religiosos, como podemos ver: O que adultera com uma mulher é falto de entendimento; destrói-se a si mesmo, quem assim procede. (Provérbios 6:27-32) ou seja, era necessário abandonar a descrença e as paixões mundanas, e viver neste mundo uma vida prudente, correta e dedicada a Deus. Os padres religiosos e solicitantes foram lascivamente em desencontro com a ideologia pregada pela Santa Madre Igreja em se manter um corpo puro, um corpo santo, ou seja, um

corpo disciplinado. Deteriorando as suas reais funções, que seriam justamente ter e crer no que crê e ensina a Igreja Católica de Roma, dar sua vida e ter bons costumes, bom exemplo, tratar com grande respeito e veneração os Sacramentos da mesma Igreja usando deles para o fim a que foram instituídos. Padres solicitantes fizeram o contrário, e de certo tempo esquecidos de sua obrigação com grande “atrevimento e ousadia”, demonstrando pouco temor a Deus e a justiça, com grande dano e prejuízo de sua alma, pondo deste modo na fonte da vida espiritual o veneno do pecado e no Sacramento da penitência a ocasião da ruína. As determinações apostólicas só foram evoluindo com o tempo e com as necessidades que eram vistas diante do que já fora dito, com a última alteração datada de 1741, na bula Sacramentum paenitentiae, que de certa forma estaria assolando todas possíveis formas de solicitação e designando que fosse passível de punição quem cometesse tal delito contra os preceitos da Santa Madre Igreja Católica. Com tal bula foi possível enquadrar ainda mais as ações dos padres solicitantes e os penitentes, e a partir de então os confessores estariam proibidos de absolverem os seus cúmplices no ato de solicitação. Em síntese, podemos retratar o termo “solicitação” ou “solicitatio ad turpia”, como qualquer situação em que o confessor, ou seja, o padre, utilizando-se de sua autoridade perante os filhos da fé, como da sua hierarquia perante a Igreja Católica, faz uso de um momento dito sagrado pela mesma, que no caso seria o sacramento da penitência como um

ambiente para estar demonstrando os seus desejos de luxúria, ou seja, seus desejos carnais, manifestando sua intenção perante seus confidentes, fossem eles do sexo feminino ou masculino, e até mesmo crianças, que estariam a depender do interesse que o confessor tivesse, e para isso fizesse utilização de vários meios, tentando conseguir o que lhe interessava, seja desde um simples gesto, a toques ou palavras de ato libidinoso. Dando-se por meio de inúmeras vertentes que o crime de solicitação se montou, faz necessário enfatizar e problematizar as várias configurações em que o delito poderia ter sido ocorrido. Uma das formas mais remotas e vistas perante essa concepção de configurações do crime de solicitação, podemos analisar o delito por meio de um curso utilizando-se de palavras sem o contato físico com a vítima. No qual o mesmo poderia ocorrer de diferentes formas, procedimento e técnicas distintas. Desde simples elogios, palavras amáveis, como meio indireto de tentar ludibriar as penitentes, entretanto muitas vezes eram asseguradas palavras de ênfase imprópria da dignidade. Entretanto, é preciso se remontar ao contexto a ser trabalhado, em muitos casos de palavras ditas pelos confessores, ou seja, padres, tinham cunho de romantização, quando é possível encontrar casos de padres que estariam realmente apaixonados pela sua confidente, mesmo que indo em direção oposta aos preceitos da Santa Sé, fazendo-se existir casos de romantização em vários desses delitos. Porém, como nem tudo são flores, foram vistos muitos casos

de cunho apenas de desejo sexual, nos quais os sacerdotes queriam apenas satisfazer seus desejos, seus pecados luxuriosos, perante a sua confidente ou o seu confidente. Registra-se exemplo comprovando a possibilidade e existência de tal meio que poderia se dar tal solicitação: Frei Libório de Assunção, de 47 anos, religioso de São Francisco da Província de Santo Antônio da Bahia, era morador no convento da Parahiba. Em 21 de fevereiro de 1758 ele entregana mesa da Inquisição, carta redigida com algumas acusações, entre elas a seguinte: “acuso-me que disse uma ou duas palavras de solicitação”. E em outro momento, o Frei Libório retrata: [...] “estando ele confidente na passagem na Freguesia de Santo Antônio da Ribeira de Queixarobim e Sertão de Pernambuco [...] chegou aos seus pés outra mulher preta cujo nome ignora e serva não sabe de quem e depois de se persignar e benzer dentro do mesmo ato sacramental de penitência lhe disse ele confidente algumas palavras amatórias de que bem se não lembra, posto que se certificou que de sua parte as disse com ânimo lascivo. Por meio de tais narrativas acusatórias que o mesmo fizera, é possível ver uma das formas que o crime de solicitação se fazia presente na colônia e tal veneno do pecado que estava se inserindo no corpo eclesiástico da Igreja Católica. Entretanto, outra oportunidade em que ocorria o delito de solicitação era revisto por meio de gestos, ou toques de cunho lascivos, como uma troca de olhares, um olhar indiscreto, movimentos indesejáveis, um tocar de mãos, que se tornara

um pouco habitual no delito em si. Justamente pelo fato de ser considerado um crime de solicitação a partir do momento em que o padre confessor demonstrasse algum interesse sexual, que transpasse de forma direta ou indireta o seu desejo para com (a) o penitente. Por meio de tal aspecto, segue-se mais um exemplo do mesmo processo do Frei Libório, no qual ele se acusa de solicitação: acuso-me que tive uma solicitação em confissão com outra mulher e tive toques com ela e ela comigo de mãos. O frei retrata que em um determinado dia, fazendo-se ele confidente na capela do padre Bento situada em uma localidade chamada Maraú que é Distrito da Freguesia de Tapuyo da mesma Ribeira da Parayba, bispado de Pernambuco e estando naquele local ouvindo confissões do povo daquela região, em um certo dia chegara para o mesmo uma outra mulher, solteira, moradora do mesmo local, ouvindo-a de confissão e depois da mesma a solicitou pegando-lhe as mãos, que segundo lhe parece pôs também nos peitos, provocando-a assim para atos torpes, e que não profanou mais por não haver comodidade. É possível ver assiduamente a quebra do voto de castidade, por meio da solicitação por gestos e toques, como a deterioração da imagem da casa de Deus, onde o mesmo afirma que não profanou mais por não haver comodidade no local que estava inserido, isto é, a capela, ou confessionário. Em um certo dia, uma jovem moça de 16 anos, moradora na freguesia da Vila de Icó, na Ribeira chamada dos Bastiões, morando na casa de seus pais, pois apesar da pouca idade que a mesma tinha, já teria provado da crueldade da vida e ficara

viúva logo cedo, diante de tais sofrimentos que a mesma passara é necessário fazer uma análise mais humanista, na qual podemos receptar que a moça via na Igreja Católica e nos padres, um ambiente para estar em sintonia com Deus e estar em paz com o seu coração, devido às adversidades da vida. Em um momento fez-se presente a um padre espiritual, fazendo dele seu confidente, começara a se lastimar com muitas lágrimas e soluços, e naquele momento de agonia, sem saber depor o que sentia, e o que teria vivido, afirma que no ano de 1748 chegara ali um religioso que o fizera seu confidente, vindo da cidade da Parahiba de São Francisco, chamado Frei Libório de Assunção, e via nele mais um padre espiritual. Porém não foi o que aconteceu, enquanto a jovem moça estava ali aos seus pés, no sacramento da confissão, o religioso Libório em um momento de fraqueza espiritual, solicitara a menina, pegando-lhe em seus peitos, e com o devido respeito (como assim afirma, por estar dizendo palavras que seriam inibidas para o momento), o tal frei, ignorando o ambiente e a sua comunhão com Deus, meteu- lhe o seu membro nas mãos da pobre moça, que diz se chamar Ignes Trindade, e fazendo-lhe outras coisas incapazes. A jovem começou a chorar e gritar, por medo, por tal espanto em estar passando por determinada situação, principalmente por ter vivido tal experiência com um ser que de certa forma a mesma via como a imagem e representação de Deus na Terra, responsável por transmitir a paz para as suas ovelhas. O padre, talvez por medo da retaliação que poderia o seguir pela Inquisição e a sociedade na qual estava inserido, devido

aos gritos e choros da jovem, começou a afagar que o não fizesse tal escândalo, dizendo que a absolvia. Dessa forma, com o desenrolar da narrativa que pôde ser retirada do processo do Frei Libório de Assunção, faz-se perceptível mais uma das formas de solicitação que seria encontrada dentre vários outros meios do delito. Uma solicitação por meio de gestos e de toques, toques esses que transformaram lascivamente tanto o próprio padre, como a jovem moça que passará por tal momento. Diante de várias outras que passaram pelo mesmo delito em vários outros mundos, regiões, que podem ser vistos em vários processos inquisitoriais. Do mesmo modo que o crime de solicitação é logo assimilado à consumação de um ato carnal, e no desabrochar do trabalho demonstramos as várias formas em que poderiam ocorrer tal delito, não se pode deixar de retratar a sua assimilação, pois era um fato que se mantinha presente, um crime que levaria ao desejo carnal e a sua consumação, como podemos perceber na narrativa a seguir: Havia uma capela de São Francisco de Xavier, situada na ribeira da Parahiba e do Bispado de Pernambuco, freguesia de Nossa Senhora das Neves. Em uma determinada noite, a capela foi testemunha de um crime de solicitação contra uma mulher, cujo nome não se sabe e moradora do mesmo sítio. Ela pedira que um religioso a fizesse sua confidente, porém algo acontecera, o tal padre espiritual cometera um delito, este que fora cometido pelo sacerdote Frei Libório de Assunção. Ele a tomou como sua penitente e no mesmo ato sacramental, a solicitou para atos torpes e naquele mesmo

lugar, naquela mesma noite, que seria mais uma como outra qualquer, o tal religioso consumou um ato carnal com a dita mulher, e quando acabara de ouvir de confissão, a absolveu. Tal narrativa irá nos demonstrar a existência e exemplo do delito de solicitação por meio de atos que venham a levar à consumação carnal, acontecida em um local religioso e justamente por um símbolo hierarquizado da Igreja Católica, o padre. Podemos ver também outro aspecto do termo “solicitatio ad turpia”, sobre o qual Gouveia (2010), irá mostrar outro meio de como poderia estabelecer o delito, ou seja, utilizando-se da solicitação de ameaças várias: A ameaça de injúria foi, não raro, uma arma de que os confessores se utilizaram também para concretizar os seus intentos lascivos. Ameaçavam tornar público o que lhes tinha sido confidenciado durante as confissões das suas dirigidas espirituais, e inclusive lançar boatos ofensivos. (GOUVEIA, 2010, p.48.) Um poderio relacionado ao desejo, à luxúria, fazendo os confessores cometerem mais pecados, acerca do que já estariam vindo a cometer, provocando seus penitentes e muitas vezes os obrigando a compactuar com os crimes que estavam a cometer, fazendo ameaças a eles e aos seus familiares, prometendo lançar boatos ofensivos, desonrando a família do penitente, obrigando-os a manter segredos, para que não fosse feita denúncia à Inquisição. Os penitentes retraídos pela sua, muitas vezes, baixa condição social, havendo uma afronta pelo solicitante, e por medo de

represálias, o (a) penitente que fora solicitado(a) resignava- se, mantendo-se em silêncio. E em muitos casos, devido à baixa renda dos filhos da fé, foi possível avistar fatos em que o solicitante, oferecera bens materiais para facilitar a consumação do delito em troca de tais bens materiais, dinheiro ou algo de valor, fator que dependia da posse de cada solicitante. Uma das formas, na qual mais vemos a capacidade ofensiva que os religiosos passaram a ter em determinado momento de sua doutrina, priorizando não mais a Deus ou a Igreja Católica, mas os desejos do seu corpo, dilacerando a verdadeira função à qual deveriam estar submetidos. Como também, Gouveia (2010) vem nos demonstrar uma outra variedade do delito de solicitação, aquela que é feita sobre as penitentes enfermas na cama: Outro dos meios utilizados pelos confessores solicitantes foi o abuso do sacramento quando ele era ministrado em casa das penitentes, quando estas estavam enfermas. (GOUVEIA, 2010). Utilizando-se da fragilidade da pessoa enferma, e usufruindo da confiabilidade de estar presente na casa do indivíduo doente, o confessor religioso se faz presente no meio inserido com outro intuito, um intuito lascivo,que apodrece a sua espiritualidade, como também a do indivíduo, enquanto filhos da fé. São notados casos em que se faz uma maior romantização acerca do crime de solicitação, aqueles delitos em que os padres estão realmente apaixonados por seus confessores,

mesmo por um cunho amoroso, este estaria da mesma forma quebrando os seus votos perante a Igreja Católica, sendo passiveis de punições. Em tal aspecto, foi possível captar cartas trocadas entre os confessores e as penitentes, em um momento do sacramento da confissão, cartas de amor, por meio das quais expressavam os seus desejos e sentimentos, utilizando-se das mesmas para marcar encontros. Porém, não podemos deixar de retratar a proposição em que as mulheres ou homens penitentes, também tentavam os padres religiosos a cometerem crimes de solicitação no ato sacramental, falando palavras de cunho lascivo, quando os padres com a carne fraca e o espírito tentado pelo desejo, deixavam-se serem conquistados, e atribuíam atos torpes a um momento que deveria ser sagrado. Diante de tais questões, faz-se necessário deixar explícito que o Tribunal da Inquisição considerava crime de solicitação, a partir do momento em que o confessor materializava a sua intenção de desejos de cunho sexual, seja por meio de toques, gestos, oralidade, cartas ou uma das formas que foram citada no decorrer do texto, circunstâncias essas suficientes para a delação dos mesmos, independentemente do momento em que a intenção se fazia jus. A partir disto, veremos em um próximo tópico, quais seriam os processos de vigilância e disciplinamentos, utilizando-se de métodos coercitivos e punitivos, que poderiam estar se fazendo presente no processo incriminatório dos padres solicitantes, do mesmo modo como poderia desenrolar tais meios de coerções e punições, levando em consideração os preceitos da Inquisição como uma identidade e autoridade

que viria a punir tais religiosos, do pecado da luxúria, ou seja, crime de solicitação. É valido ressaltar e assegurar que os solicitantes se tornaram réus privilegiados no tribunal da teia inquisitorial, pois é sabido que nem todos eram mantidos em cárceres privados e secretos, não recebiam o mesmo tratamento que os demais acusados de heresias, ou seja, as torturas, ou muito menos participariam de um auto-de-fé público. Manter os seus limpos e a sua imagem mais linda ainda, essa uma das maiores preocupações da Inquisição. Diante de tais questões que foram tratadas no desabrochar dessa análise, e nos entendimentos que foram propostos e vistos, é de grande valia estabelecer uma problematização sobre o que seria o ato de se confessar, o sacramento espiritual, um dos preceitos da Igreja Católica, lugar esse que se tornou ambiente para a procrastinação de religiosos, um choque estabelecido entre o puro e o impuro, ou em outras palavras, entre o sagrado e o profano. Fonte: IANTT – Inquisição de Lisboa, processo 10119 de Frei Libório de Assunção religioso de São Francisco da Província de Santo Antônio da Bahia, morador no convento da Paraíba. 21 de fevereiro de 1758.

Referências Bibliográficas DOUGLAS, M. Pureza e perigo: ensaio sobre as noções de poluição e Tabu, Lisboa: Edições 70, 1991. FOUCAULT, M. História da sexualidade 1. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985. JANUÁRIO, A. M.. Dos clérigos que se casam, tendo ordens sacras”: O Santo Ofício Português e os padres bígamos no Brasil Setecentista. São João del- Rei 2013 LIMA, L. L. da G. A Confissão pelo Avesso: o crime de solicitação no Brasil Colonial. Dissertação de doutoramento apresentada à Universidade de S. Paulo, 3 vols., 1990, (versão policopiada) LIMA, L. L. da G. Ajoelhou tem que rezar. Revista de História da Biblioteca Nacional, v. 69, p. 58-61, 2011. SILVA, E. O. Entre a Batina e a Aliança: das mulheres de Padres ao movimento de Padres casados no Brasil. Tese apresentada ao PPGH-UNB, Brasília, 2008.

SOUZA, J. P. de. Um Frei solicitante denunciado às vésperas do encerramento do santo tribunal da inquisição: prova da permanência das atitudes. Anais do IV Encontro estadual de História ANPUH-BAHIA, Salvador, 2013.

NAS TESSITURAS DO PODER A CONSTRUÇÃO DA “BOA IMPRENSA” ATRAVÉS DAS CARTAS PASTORAIS DE DOM ADAUCTO DE MIRANDA NA PARAÍBA- (1890-1928) BRUNA CRISTINA LIMA NASCIMENTO Licenciatura Plena em História- UEPB. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFCG/PPGH. cris.histó[email protected]

A Imprensa e o Catolicismo no Brasil A imprensa surgia no Brasil em 1706, em Pernambuco, sempre suprimida pelo poder da coroa, cujo objetivo era manter a colônia atada ao seu domínio, nas trevas e na ignorância. Manter as colônias fechadas à cultura era uma característica própria da dominação. A mesma se iniciou no país de forma definitiva, sob a proteção oficial somente a partir de 1808. Inicialmente se chamava imprensa Régia, com a vinda de D. João ao Brasil. No decorrer da história, a imprensa brasileira desenvolvia-se à medida em que a política nacional ia tomando o rumo pós- independência. Eram comuns na época os chamados pasquins, jornais de caráter satírico e difamatório. Após a Proclamação da República a imprensa manteve seu crescimento, com mais prestígio, força e combatividade. Até então, com a censura da corte, os jornais tinham um controle a partir de sua criação, Sodré ressalta que, mesmo ostentando uma certa independência, os jornais brasileiros optavam por ocupar suas páginas com publicidade, a “empregar sua influência na orientação da opinião pública” (SODRÉ, 1999, p. 252).

É relevante lembrar que a reconstrução de uma época e de uma sociedade por intermédio dos jornais, é feita a partir do registro dos acontecimentos, reportagens, editoriais, artigos opinativos, anúncios e outras modalidades de matérias jornalísticas nas quais o pesquisador encontra subsídios para a compreensão dos aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais e ideológicos (MORAES, 1992). Segundo Pereira (2011), a imprensa foi um veículo utilizado, bem ou mal, pela hierarquia eclesiástica e pelos católicos “para defender a fé e os costumes, para reivindicar direitos, para lutar contra os adversários e em uma palavra, para informar e formar”. No final do século XIX e início do século XX, a imprensa católica estava se consolidando e sua meta era se fortalecer, pois a Igreja Católica passara por difíceis questões religiosas. Sendo assim, os periódicos católicos que circulavam durante esses anos firmaram relações com o movimento de turbulência e transformação da sociedade brasileira. Afirma Sousa Junior, Como sabemos, os jornais constituem uma fonte de extrema importância para a captação dos significados e jogos de interesses que se entrecruzavam naquele momento de divergências e acordos entre Igreja Católica e Estado, uma vez que a imprensa reproduz, em suas páginas, o cotidiano dos indivíduos em seu tempo, além de buscar fortalecer os dogmas e as práticas católicas (SOUSA JUNIOR,2015, p.2). Lutosa (1991) afirma que a proliferação de jornais católicos, acompanhou uma tomada de consciência da importância da

imprensa num meio social aberto aos problemas e às novas conjunturas de transição, diante das quais a Igreja precisa se posicionar e agir. No século XIX e no início do século XX, preocupou-se primeiramente em reformar as práticas religiosas da população, que eram tidas como bastante externalizadas, costumeiras, cotidianas, pouco sacramentais e de junções condenáveis entre elementos sagrados e profanos. E posteriormente, preocupou-se em reforçar o prestígio da Igreja com a reforma do clero nacional, em reafirmar o escolasticismo por meio de uma série de bulas e encíclicas, e em combater as tendências consideradas perigosas à sociedade civil, como a Maçonaria, os ideais de modernidade e as associações religiosas (GOMES, 2009, p. 22-23). Vale ressaltar que os periódicos, desde os primórdios da instauração dos ideais republicanos no país, estavam passando por modificações. A monarquia tornou-se obsoleta e foi extinta, e consequentemente perde seu lugar nas páginas dos periódicos, a não ser por um ou outro periódico que publicava alguma charge, mostrando a atual situação em que se encontrava a monarquia. O lugar de destaque da monarquia, agora é prontamente ocupado pelos ideais republicanos e os anúncios da modernização, e o com duplo papel de seduzir e recrutar seu público, como nos afirma Martins: Isto porque neste momento ensaiava-se a indústria do ‘reclame’, veiculado com uma impressão mais sofisticada, com maiores tiragens, recurso das modernas máquinas de impressão Alauzet. Por meio de extensas listas de artigos

importados, anúncios dos últimos modelos de Paris, reprodução de vitrines repletas de novidades das famosas Casas de Armarinhos, que anunciavam da casimira inglesa ao romance de Eugene Sue – Os Mistérios de Paris -, passando pelas notáveis máquinas de costura New Home ou Singer, introduzia-se o leitor no ‘Maravilhoso mundo do consumo’ (MARTINS,1997, p.57). Com a chegada da República no Brasil, proclamada em 15 de novembro de 1889, a Igreja se depara com um dos seus mais relevantes combates, no qual ela teria que batalhar, uma vez que estava certa de que a República se aparelhava contra ela. Pois o progresso dominava as camadas cultas do país e os ideais republicanos eram propagados com mais intensidade. Os ideais republicanos que mais causaram atordoamento à Igreja foram a secularização e o laicismo. Para o Dom Adacto (1903) “logo, com todo rigor da lógica, os legisladores, magistrados e quaisquer depositários do poder que prohibem o ensino religioso, mui longe de serem bemfeitores e amigos da sua pátria e dos seus súbditos, são seus verdadeiros malfeitores e inimigos da ordem e da liberdade pública, cavando assim sua própria ruina [...].” (CARTA PASTORAL, 1903, p.19). Porquanto a proposta da República consistia em segregação entre a Igreja e o Estado, que iriam a partir de então executar suas atribuições dentro dos seus próprios domínios. A Cúria Romana estava preocupada com essas mudanças no Brasil e observou que se fazia necessário tomar algumas medidas para manter seu poder pastoral no país.

Dom Adaucto combatendo o bom combate A História da arquidiocese da Paraíba remota ao dia 27 de abril de 1892, quando o Papa Leão XIII, pela Bula Ad Universas Orbis Ecclesias desmembrou a então Diocese de Olinda, o território que compreende os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, constituindo assim uma nova diocese com sede na capital, instalada em 4 de março de 1894, com a chegada do seu primeiro Bispo Dom Adaucto de Miranda Henriques, nascido em Areia, em 1855, filho de coronel, sua família fora muito importante nos atuais estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, estas ainda sendo no século XVII capitanias. Vale salientar que o Dom Adaucto acompanhou todo o revigoramento que o pensamento católico no Brasil passará desde meados do século XIX, com o ultramontismo romano, movimento conservador da Igreja, que ocorria no centro de sua instituição. Portanto, entende-se por ultramontano aquele que segue a orientação de Roma, ou seja do Papa em exercício. Esse movimento nasceu da necessidade em que as raízes conservadoras encontravam em rebater o impacto das

revoluções liberais europeias e o desenvolvimento filosófico e científico que agitaram Roma e o trono pontifício. Esse catolicismo sobre a perspectiva ultramontana foi marcado pelo centralismo institucional e por um fechamento da Igreja sobre si mesma, rejeitando contato com o mundo moderno. Portanto, foi nesse ambiente de tradicionalismo que Dom Adaucto teve suas influências como líder pastoral, e não é de estranhar suas posições firmes diante de alguns assuntos que avançava para a modernidade de uma sociedade. Logo com sua chegada fundou o seminário e o colégio diocesano. Instalando o Seminário, Dom Adaucto visava a capacitação de novo clero, com formação moral mais rigorosa nas bases doutrinárias da Igreja Católica, tudo isso demonstra a preocupação do bispo em ocupar seu lugar de autoridade na sociedade paraibana. Notabilizando-se pelas pastorais em que condenava o liberalismo, ateísmo, socialismo, maçonaria, comunismo, emancipação da mulher e o relaxamento de costumes trazido pelo urbanismo e a industrialização. O bispo tornou-se símbolo de poder tanto eclesiástico como socialmente, em defesa da moralidade, e em breve se tornou arcebispo. Segundo Lima (2007, p. 16), “(...) foi filho, neto e bisneto de senhores de engenho”, o que deixou marcas profundas em sua personalidade, podemos então nos apropriar do pensamento de Levi (2000) e dizer que o prestígio familiar de Dom Adaucto como uma espécie de transmissão de seu modo de pensar o poder, seria, portanto, uma herança imaterial, assim Dom Adaucto teria herdado o autoritarismo de seu pai,

dentro de um campo de poder o qual seria agora a Arquidiocese da Parayba. Dom Adaucto sempre demonstra sua devoção ao Papa Leão XIII, e ao mesmo tempo conclama a população a ler publicações católicas que defendam a moral de origem da religião em uma carta pastoral publicada no jornal A Imprensa: O immortal pontifice Leão XIII que resolveu, com aprumo e tacto social, as grandes questões de seu tempo, resumiu nestas palavras o ambito de nossos deveres para com a imprensa: cumpre aos catholicos, escreveu elle, sustentar, de uma maneira e caz, a bôa imprensa..., concorrendo directamente para faze-la viver e prosperar, o que pensamos se não há feito bastante até agora (JORNAL A IMPRENSA, 1918, p.3). Nessas cartas apostólicas ele sempre mencionava trechos, das cartas pastorais vindas de Roma, publicadas pelo Papa, onde o Dom Adaucto fazia questão de comentá-las, para então divulgá-las fazendo uma espécie de resumo dos ideais papais Podemos assim compreender que o mesmo verticalizava esse poder eclesiástico se colocando como intérprete da vontade papal na Parayba. Observarmos que as multifaces políticas do Arcebispo por meio de um poder simbólico, obtinham força sobre boa parte dos segmentos sociais, formando uma teia que aumentava cada vez mais esse poder. Portanto, mais uma vez se apropriando da fala de Levi (2000), o poder não está separado da organização de um campo onde agem forças instáveis e

que estão sempre sendo reclassificadas, assim o poder ou certas formas de poder é a recompensa daqueles que sabem explorar os recursos de uma situação, tirar partido das ambiguidades e das tensões que caracterizam o jogo social. Percebemos que a relação do arcebispo com o jornal da diocese faz com que aumente cada vez mais sua imagem de homem poderoso, digno de admiração pela população da Paraíba a qual iria colocá-lo como uma autoridade acima dos políticos. Sua influência na romanização do clero também aumentaria ainda mais seu poder, como afirma Barreto (2011). Esse processo de romanização levou a emergência de uma classe sacerdotal renovada, que tentava adequar a Igreja brasileira à nova realidade republicana, a Igreja se estruturava quase toda voltada para os tempos imperiais, e com a presença da República deveria passar por modificações. A Igreja mantinha seu estado de atenção para conservar seu poder patriarcal sob a comunidade paraibana, porém nesse momento a sociedade está sendo aburguesada e os eventos sociais assumemnovas formas, deixando o velho espaço de socialização e fiscalização (a Igreja), para inserir-se em outros onde pudessem interagir com maior liberalização dos costumes. A partir da década de 1920, a Igreja Católica organizou-se efetivamente para uma atuação mais decisiva, apresentando reivindicações mais amplas no cenário sócio-cultural brasileiro e republicano, tanto nas esferas de sua legitimação de seus direitos e tradição, quanto nas esferas de difusão dos

ideários católicos. Inicia-se uma luta dos católicos, a partir dessa década, com o objetivo de alterar as bases laicas e agnósticas do regime, e para revitalizar o catolicismo brasileiro. Na carta pastoral de 1923, por título “A volta do homem e da sociedade para Deus”, Dom Adaucto faz várias menções sobre o afastamento dos políticos da religião católica: Deveis pois saber bem, homens da ordem e da conservação: se a desordem e a corrupção de costumes acabarem por triumfhar na nossa mui querida Parayba, no nosso tão caro Brazil; se vier um dia de completa ruina para todos os interesses da fé e da moral cristã, sereis os responsáveis no tribunal da história, por haverdes preferido todos esses males sociais a voltar a pratica da verdadeira religião (CARTA PASTORAL, 1923. p.56). Em sua próxima carta no ano de 1926 o arcebispo da Parayba , impulsiona seus fiéis a ter bom senso e por meio das leituras pastorais e das práticas religiosas se defenderem contra “a infernal propaganda protestante, espírita e marçonina.” (CARTA PASTORAL,1926, p. 33) no ano de 1928, Dom Adaucto (1928) faz um alerta em suas cartas sobre o “radicalismo socialista” sobre tal ponto de vista o mesmo assegura que: [...] o radicalismo socialista, em virtude do tal princípio de independência, proclamado pelos mais responsáveis do bem social, para logo reivindica a perfeita inalienável igualdade de todos, destróe todo direito de comando, toda obrigação de obedecer, sendo cada um soberano de si mesmo... assegurando aos cidadões a posse e a transmissão dos bens

dos bens adquiridos pelo talento, pelo trabalho e pela economia, por aquilo que eles chamam de direito de partilha igual, e que não é mais do que a espoliação dos proprietários. Esse pretenso tornou-se thema do comunismo, que não recuou nem mesmo diante da destruição da família, pela abolição das leis sagradas do matrimônio. Nenhum dos elementos de ordem pública escapa das excommungadas seitas que, para melhor segurarem sua preza, terminam pelo nihilismo (CARTA PASTORAL, 1928. p.5). Não se conformando com os dogmas da República, o arcebispo se refere a mesma como um “espírito de desordem e da falta de submissão às leis naturais subiu ao mais alto grau do thermometro social” (CARTA PASTORAL, 1928, p.6). Os embates entre a Igreja e os novos ideais republicanos não ficaram apenas nos espaços de socialização, eles adentraram também pelos sermões e discursos proferidos por ambas as partes, eles – a Igreja e a Maçonaria -, almejavam o espaço e o poder do outro. Este teor e forma de discurso nos remete a exposição de Michel Foucault em seu livro “A ordem do discurso”, onde profere que, Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a Psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também aquilo que é objeto do desejo; visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder no qual queremos nos apoderar (FOUCAULT, 2013, p.10). Além dos púlpitos e altares, os combatentes para propagar seus conceitos, utilizaram outros instrumentos, tais como os periódicos que circulavam na Paraíba naquele tempo. Como afirmação, citamos Melo (2013, p.154b) que escreveu: “(...) Para periodistas católicos, o progresso social tornava-se perigoso, porque implicava no afrouxamento dos antigos laços de controle patriarcal”. É perceptível a preocupação da Igreja Católica com o fim do sistema de padroado, que a mantinha unida ao Estado. O controle exercido pela Igreja por meio do patriarcalismo e de sua ação pastoral, serviam como sustentáculo para que a Igreja mantivesse o seu lugar de imponência e de única instituição detentora da verdade.

A “Boa Imprensa” A UTILIZAÇÃO DA IMPRENSA PELA IGREJA A Arquidiocese da Paraíba, além dos sermões ministrados por meio da oralidade em suas missas, agora possuía em suas mãos um meio de vigilância dentro dos lares paraibanos, com o objetivo de manter suas ovelhas em seu aprisco evitando que bebessem em outras fontes. O periódico ‘A Imprensa’ tinha como principal característica um discurso doutrinador, e magistral em críticas ao que ele define de progresso sem Deus. Enfim, ‘A Imprensa’ significava a oposição aos novos ideais propagados por periódicos não católicos. Para Ferreira (2013), o jornal A Imprensa, foi criado como estratégia de ação para a romanização, já que além de porta voz dos interesses católicos, também atendeu aos interesses da oligarquia agrária, que era o grupo social mais representativo do clero paraibano. A mesma autora nos mostra que Essas publicações estavam como defesa da divulgação dos ideais republicanos, na Paraíba , expressaram se através da

maçonaria e do jornal O Commercio, pois afirma que este periódico abria espaço em suas colunas para divulgar o Positivismo, a Maçonaria, o Protestantismo, o Espiritismo, além de representar a voz que clamava pela laicização do Estado[...] passou a ser o principal interlocutor do Estado e da Igreja na polêmica que se instalou no período de implantação da República e da Diocese na Paraíba ( FERREIRA, 2013, p.14). Dom Adauto, preocupado com esta modernidade que tomara o lugar das notícias da então derrotada monarquia nas páginas dos periódicos, e que colocava em risco a moral daqueles que os consumiam, viu-se na obrigação de proteger seu rebanho dos males apresentados pela imprensa não católica. O bispo passa a redigir seguidas cartas pastorais com o objetivo de imunizar seu rebanho contra a ‘má imprensa’, e é justamente a Carta Pastoral intitulada ‘Nosso dever para com a imprensa’. Nesta Carta Pastoral Dom Adauto reprime seu rebanho quanto à leitura de livros, jornais e folhetos que disseminavam os ideais políticos republicanos vigentes na época. [...] A má imprensa é a causa da perda de nosso tempo, da nossa Patria. Que vêm a ser os periodicos ao serviço dos que só espalham a mentira e a immoralidade? Uma tal imprensa mata a alma, corrompe os espiritos e serve de estimulo às paixões. Esta imprensa é uma fonte impia e envenenada em que bebem quotidianamente milhares de indivíduos, perdendo o seu coração e corrompendo a sua alma [...] (CARTA PASTORAL, 1918, p.13).

É perceptível o quanto Dom Adauto foi movido pelas concepções religiosas e dogmáticas, herdadas por seus mestres Leão XIII e Pio X, ao utilizar o jornal ‘A Imprensa’ para propagar suas ideias. Identificamos na carta pastoral um discurso de reprovação, à secularização da imprensa na época, essa reprovação foi cada vez mais em ascensão efetivada pela Igreja Católica. No corpo da Carta Pastoral percebe-se um discurso maniqueísta/dualista equipado de elementos tais como: vida e morte, boa e má, moral e amoral. Dom Adauto vê-se com a responsabilidade de batalhar contra os seus opositores para assegurar que os fiéis da Santa Igreja, a ele confiados, permaneçam no caminho da vida. [...] A razão é porque a imprensa constitui hoje, mais que nunca, o principal alimento do espirito, assim para a vida como para a morte, tanto para o bem como para o mal. Bôa, transmite aos indivíduos e á família a vida moral, trazendo concomitantemente a segurança das instituições, o bem- estar da sociedade e o verdadeiro progresso dos povos. Má, arrasta consigo a decadencia, amontoa destroços sobre destroços: gera a morte (CARTA PASTORAL, 1918, p. 4). Observamos que em todo o transcorrer do corpo da Carta Pastoral há elementos que propõem dois caminhos, sendo que apenas uma deve ser a opção escolhida, que consiste em: estar a favor da ‘boa imprensa’ ou contra ela. Aqueles que optassem por acolher os princípios difundidos pela ‘boa imprensa’ seriam recompensados com uma educação de excelência que resultaria em mudança intelectual e moral.

Enquanto que os optassem por uma imprensa que não fosse a ‘boa’, não passariam de seres infelizes que [...] vão corrompendo, aos poucos, insensivelmente sua inteligência, seu coração com a leitura de mãos livros, péssimas revistas, ruins folhetos e jornaes, todos impregnados, tanto ou quanto, de erros modernos, de mentiras e calumnias que logo se lhes pegam na alma e passam ás famílias e amigos (CARTA PASTORAL, 1918, p. 5). Dom Adaucto dá continuidade ao seu sermão exortando o público de ‘A Imprensa’, para comprar material impresso daqueles que, segundo ele, não passam de inimigos da Pátria. Menciona que tem ouvido por parte de seus fiéis, reclamações a respeito dos maus exemplos propagados por periódicos de cunho não católico, que tem lançado temíveis venenos principalmente entre os jovens, e estes, têm se desviado do caminho do bem. Dentro dos adros da igreja imperava a apostasia, que segundo Dom Adaucto isto acontecera devido às leituras de literaturas, classificadas por ele como prejudiciais à fé e os bons costumes. O discurso de Dom Adaucto na tentativa de persuadir e trazer de volta àqueles que haviam se afastado do seu aprisco, exorta-os mostrando-lhes suas obrigações, enquanto ovelhas de seu rebanho, “é dever de todos os catholicos sustentar, conforme suas posses, a bôa imprensa, avigorar, na medida de suas forças, o jornalismo catholico” (CARTA PASTORAL, 1918, p. 7). Ele segue sua Carta Pastoral quanto à postura adequada e em conformidade com os bons costumes, e que a ‘má imprensa’

usava seus impressos para afrontar a religião e a Pátria, como a exemplo da citação abaixo: Não faltam, certamente, no meio de vós, impressos cheios de espirito irreligioso, nos quaes, mui frequentemente, se combate de uma maneira directa a Igreja Catholica nos seus dogmas, sua moral, sua divina instituição e constituição e nos seus ritos; a impiedade é, ás vezes, ali espalhada tão copiosamente e por modos tão repugnantes que o ânimo de quem não tenha de todo perdido a fé, fica profundamente horrorizado! E andam, todavia, essas publicações pelas mãos de todas e oxalá muitíssimos daqueles que são e querem permanecer catholicos e exercitam ainda as práticas religiosas não nas lessem todos os dias e não lhes dessem entrada livre e pacifica morada em suas casas, oferecendo, assim, ensejo a que jovens inexperientes, donzelas inocentes encontrem tão abundantemente preparado o mais perigoso veneno que depressa lhes corromperá a mente e o coração (CARTA PASTORAL, 1918, p.12-13). O discurso doutrinário de Dom Adaucto ao seu rebanho, se estende até o final da Carta Pastoral, onde antes das saudações finais o mesmo faz sua última exortação, está com teor de convocação, “trabalhemos todos, fieis e clero, Veneraveis Irmaos e Filhos muito amados, pela Bôa Impresa, para trazer supplantada sempre a cabeça da serpe seductôra, quer dizer, os erros e vícios, obstando, por todos os meios, a que dominem sobre a família e a sociedade” (CARTA PASTORAL, 1918, p.20). Os discursos são práticas sociais historicamente datadas, ou seja, são compreendidos dentro do contexto sociocultural em

que se dão. Pois dentro disso, os discursos de Dom Adaucto que por meio de seus mecanismos, atuam como uma força coagindo, disciplinando e controlando os indivíduos. Para Foucault, na modernidade, à medida em que foram mudando as relações sócio-políticas e econômicas, também foram sendo produzidas novas relações de poder, mais adequadas às necessidades do poder dominante.

Considerações Finais C om base na formulação de algumas questões e por meio de modelos teóricos, a partir de um primeiro contato com as fontes, foi possível estabelecer até esta fase da pesquisa, que as cartas publicadas por Dom Adaucto Aurelio de Miranda Henriques, se valeu de estratégias , usando da linguagem oficial da Igreja, direcionada aos clérigos e fiéis , na tentativa de modificar os costumes dos mesmos, fortalecendo portanto seus ideais, nosso objetivo seria mostrar como a “Boa Imprensa”, expressão sempre utilizada pelo Arcebispo da Parayba do Norte ao se pronunciar sobre os jornais, utilizou-se da palavra escrita, usando os periódicos e jornais, para a propagação dos objetivos da Igreja Católica no século XX. A presente abordagem nos permitiu uma reflexão de que não existem sociedades livres de relações de poder. Os indivíduos são resultados imediatos e constantes dessas relações. Desse modo, a Igreja Católica Apostólica Romana, acabara de intervir, conduzir e orientar diversos setores da vida social, reforçando assim sua estratégia de permanência e atuação no decorrer da história. Pois para Dom Adaucto a fé contribui

para o reinado da paz, da justiça, da boa moral entre as pessoas, sendo Deus e a sua Igreja, a Católica Romana. Constatamos nessa pesquisa que a criação da diocese na Parayba, fez parte de um plano maior do movimento ultramontano no Brasil, e que não foi por acaso que o Dom Adaucto foi escolhido como o primeiro bispo, e posteriormente arcebispo, pois o mesmo trazia entalhado em sua personalidade conceitos fortes sobre a moral e os bons costumes ,provavelmente pela sua tradição familiar , esse simbolismo patriarcal de poder e autoridade advindos de uma herança familiar imaterial, fez com que o mesmo se destaca- se a ponto de se tornar alvo até os dias de hoje de várias pesquisas. Enfim trata-se de relações de poder que constituem um sistema de poder, a partir de instituições que mantêm uma ligação social, política entre si com base no Estado. Dom Adauto como um bispo reformador, sua relação com o Estado foi de cordialidade e cooperação mútua, favorecendo as duas instituições: Igreja que consolidava o projeto de romanização e o Estado que, por meio das oligarquias incontestáveis pela Igreja, assegurava o novo regime na Paraíba.

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CRISTÃOS HÍBRIDOS? A CONSTITUIÇÃO DE UMA NOVA DOUTRINA NO BRASIL JESSICA KALINE VIEIRA SANTOS Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Mestre em História pelo Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE.

Vale do Amanhecer O QUE É O MOVIMENTO? COMO SURGIU? A BRASÍLIA MÍSTICA, TIA NEIVA E O HIBRIDISMO CULTURAL E RELIGIOSO. O Vale do Amanhecer é um movimento espiritualista doutrinário e religioso cristão concebido no Brasil no fim da década de 1950 e início da década de 1960. Que combina em sua formação aspectos híbridos com outras religiões, traz em sua formação influências do catolicismo clássico e popular, do espiritismo e espiritualismo, influências das religiões de matriz africana, traços judaicos cristãos, além de influências culturais, como egípcias, andinas, afro-ameríndias e asiáticas. Vale salientar aqui a diferença entre o Espiritualismo e o Espiritismo, o espiritualismo admite a crença no dualismo corpo/alma, a alma está para além da matéria, nesse sentido o espiritualismo admite a existência da alma e de Deus, é o oposto do materialismo. Assim como a definição que nos é dada a partir do dicionário: “Filosofia religiosa que prega a existência de um ser ou realidade distinto da matéria. Este ser pode ser chamado mente ou espírito. Algumas pessoas acreditam que a mente, ou espírito, é a única realidade. Esta crença é conhecida como

idealismo espiritualista”. (Dicionário on-line acessado em 31/07/2014) Já o espiritismo é uma doutrina que tem como preceitos fundamentais a crença na alma, na reencarnação e na comunicação com os espíritos, assim como também define o dicionário on-line de Português: “Doutrina de teor religioso e filosófico que busca o aprimoramento moral do indivíduo, através dos ensinamentos passados pelos espíritos, almas desencarnadas, cuja comunicação com os vivos é realizada pelos médiuns”. (Dicionário on-line acessado em 31/07/2014) Sendo assim, o que podemos observar é que o espiritualismo também pode ser aplicado ao espiritismo, e a outras religiões que admitem a crença em Deus e na alma, porém, os que seguem os preceitos kardecistas preferem ser chamados de espíritas, e no caso de Tia Neiva e do Vale do Amanhecer que adotam além do kardecismo práticas afro-brasileiras, cristãs e orientais, existe esse tipo de diferenciação. Todas essas influências que formam o movimento parecem funcionar a partir de pequenas engrenagens de sentido, na qual toda essa mistura cultural e religiosa consegue ter uma ligação muito peculiar e íntima dentro do movimento. Sobre a formação do Vale do Amanhecer, Reis (2008) afirma: “Trata-se de um grupo sócio-religioso sob a denominação de Ordem Espiritualista Cristã, cujo registro em cartório responde por Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã (OSOEC) mas que popularmente é conhecido pelo nome Vale

do Amanhecer, expressão que, a partir de agora, passa também a identificar o movimento doutrinário principiado por Tia Neiva”.(Reis 2008 p.16) Assim como também afirma Raul Oscar Zelaya Chaves, Presidente da Ordem Espiritualista, para o Livro do Inventário Nacional de Referências Culturais, no ano de 2010: “O Vale do Amanhecer é uma doutrina espiritualista cristã fundada em 1959 pela médium clarividente Neiva Chaves Zelaya, mundialmente conhecida como “Tia Neiva”. (Chaves, 2010 p.9 apud INRC) Nos dias atuais, o Vale possui um número que ultrapassa a marca de 650 templos espalhados pelo Brasil e pelo mundo, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Portugal, dentre outros. Com sua sede situada na cidade-satélite de Brasília, Planaltina.

Área Templária e Aspecto Físico da Doutrina. A ssim como nas religiões, seitas e doutrinas religiosas e filosóficas, o espaço físico do Vale do Amanhecer é bastante característico. O templo físico, as pinturas, as esculturas, as imediações, todos os espaços que compõem o espaço templário caracterizam o movimento, fazendo com que o lugar onde está situado seja facilmente identificado Sendo assim, com relação à utilização dos espaços e do lugar, para as experiências religiosas, Holzer afirma: “É sempre um centro de significados e, por extensão um forte elemento de comunicação, de linguagem, mas que nunca seja reduzido a um símbolo despido de sua essência espacial, sem a qual torna-se outra coisa, para o qual a palavra “lugar” é, no mínimo, inadequado” (p. 27. Apud INRC) Para além do espaço do templo formou-se em seu entorno uma “cidade” que conta com casas de famílias dos mestres da doutrina, lanchonetes, lojas de artigos, dentre outros. Também conta com toda infraestrutura: as ruas têm esgotamento sanitário, calçamento, linhas de ônibus que

interligam o templo a cidade de Planaltina, já que se localiza na parte rural da cidade-satélite de Brasília. A arquitetura, no que diz respeito aos templos físicos, é bastante variável no que compreende à sua formação predial, pois existem estágios de evolução desses templos que variam de 1 a 373. E que, de acordo com a quantidade de “mestres”, recebem trabalhos espirituais mais complexos. A quantidade de “mestres”, ou seja, de praticantes da doutrina, é de aproximadamente 800 mil pessoas no total de templos espalhados em todos os estados brasileiros e no exterior. Os templos variam conforme o tempo de sua fundação, o número de integrantes ativos, bem como a evolução e autorização para que mude de estágio. Esses estágios variam de 1 a 3. Nos templos de primeiro estágio realizam-se trabalhos comuns a todos os templos e que precisam de um número menor de mestres para executá-los, os templos de segundo estágio possuem em sua configuração um espaço maior e dispõem de um número maior de trabalhos espirituais e contam com um número maior de mestres para executá-los. Os templos de terceiro estágio, são templos iniciáticos, que possuem a maioria dos trabalhos realizados dentro do movimento, que somam de cerca de 70 trabalhos espirituais, é também nos templos de terceiro estágio que os mestres realizam as suas conquistas hierárquicas dentro da doutrina. “Atualmente, a doutrina do Vale do Amanhecer, tem cerca de 800 mil médiuns ativos no Templo-Mãe e em mais de 600 templos localizados em todos os estados da Federação e em

outros países, como Estados Unidos, Portugal, Espanha, Alemanha, Japão e Bolívia.” (INRC P.6) Assim afirma essa citação extraída do Inventário Nacional de Referências Culturais, elaborado no ano de 2010.

Tia Neiva e o Vale do Amanhecer P ara a formação e constituição do movimento, a figura de uma mulher é totalmente importante, Neiva Chaves Zelaya ou Tia Neiva como é conhecida pelos adeptos, cidadã comum, viúva, com quatro filhos, não frequentava nenhuma religião apesar de ter sofrido influência do catolicismo durante toda vida. Aos 33 anos de idade, entre os anos de 1958 e 1959, começa a ter visões e experiências em outros planos espirituais, a princípio confundidos com traços de loucura e sem explicação pela ciência. Neiva era clarividente, que para os espíritas é uma capacidade que permitia o seu desdobramento em vários planos, saía do seu corpo e passava a integrar outros mundos, no momento em que esse fato acontecia, era como se estivesse dormindo. Após dominar a sua capacidade de desdobramento seria então preparada para receber a doutrina. Como no descrito abaixo: “A clarividente então foi informada pelos mentores que após seu pleno domínio das técnicas de Transporte e Desdobramento um Mestre iria prepará-la. Estava também encarnado, vivia em um mosteiro de Lhasa no Tibet, tinha as


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