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(Re)Pensando Direito - 1

Published by comunicacao, 2015-04-29 21:50:41

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Pesquisa Jurídica:uma reflexão paradigmática Vera Maria Werle1ResumoA crise de paradigma da ciência moderna e a abertura para novas tendências epistemológicas na áreada pesquisa social é o tema proposto para esta discussão, dando-se destaque as suas implicações nocampo da pesquisa acadêmica. A reflexão visa a contribuir para a superação da tradição positivistaou essencialmente representacionista do conhecimento, e situar o objeto da pesquisa jurídica numaperspectiva de construção que se constitui das e nas práticas discursivas. A discussão apresentadaleva a concluir que a abordagem qualitativa do objeto e uma postura investigativa hermenêuticadespontam como alternativas na área da pesquisa social e jurídica, mais especificamente. Infere-se,ainda, com base no estudo desenvolvido, que tal concepção de pesquisa articulada ao processoensino-aprendizagem no ensino superior abre espaço para a interdisciplinaridade, para o diálogo e aescuta do outro (texto, fato, linguagem, cultura, objeto, tradição). No lugar da simples transmissãode conhecimento, novas redes de significações e a singularização do sujeito aprendente. O estudofoi realizado com base em pesquisa bibliográfica.Palavras-chave: Pesquisa social. Paradigma. Processo ensino-aprendizagem.1 Licenciada em Letras, bacharel em Direito, especialista em Aprendizagens Psico- Lógicas, mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, professora do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo – Iesa. E-mail: verawerle@brturbo. com.br(RE) PENSANDO dIREITO • Editora Unijuí • ano 1 • n. 1 • jan./jun. • 2011 • p. 51-74

Juridical Research: a Paradigmatic ReflectionAbstractThe modern science crisis of paradigm and the opening for new epistemological tendencies in thefield of social research is the proposed theme under discussion focusing on the implications foracademic research. The aim of the reflection is to support overcoming the positivist or essentiallyrepresentationist tradition of knowledge and place the object of juridical research on a constructiveperspective that consists of and on discursive practices. The present discussion leads to the con-clusion that the qualitative object approach and a hermeneutical investigative posture appear as analternative in the field of juridical and social research, more specifically. It is also inferred, from thepresent study, that such research conception integrated to the teaching-learning process in highereducation opens space for interdisciplinarity, for dialogue and for listening to the other (text, fact,language, culture, object, tradition). In the place of simple knowledge transmission, new networksof meanings and sigularization of the learner object. The present study was carried out based on abibliographical research. Keywords: Social research. Paradigm. Teaching-learning process.

PESQUISA JURÍDICA Um olhar sobre a atividade docente e a experiência na orienta-ção de trabalhos de pesquisa acadêmica no curso de Direito possibili-tam tecer algumas considerações enquanto alternativas de reflexãosobre o processo de iniciação científica no ensino superior e a suarelação com a prática da pesquisa na área jurídica. O assunto proposto comporta inúmeras perspectivas de análise,a considerar, a relação escrita-pesquisa, a função social da pesquisa,as condições institucionais para a sua realização. O que se questiona,porém, são os pressupostos teórico-metodológicos que possibilitamcompreender, explicar e converter em discurso um objeto de pesquisano campo do Direito, num tempo de crise paradigmática do pensa-mento ocidental que resultou em incertezas metodológicas e abalouas verdades declaradas pela ciência moderna. O objetivo é trazer à discussão e contribuir para a problemati-zação da multiplicidade de fatores implicados nos trabalhos de pes-quisa acadêmica e que, na sua grande maioria, escapam à compre-ensão dos iniciantes em pesquisa e carecem de uma maior acuidadepor parte do corpo de professores que orienta o processo de iniciaçãocientífica. É que a pesquisa, seja ela das chamadas Ciências Sociaisou Ciências Naturais, impõe um conjunto de saberes que vai muitoalém do conhecimento técnico ou específico de determinada área. Um dos pressupostos básicos para esta discussão é delimitaro objeto de análise aqui proposto, ou seja, os trabalhos de pesquisaque se inserem na categoria de iniciação científica, distinguindo-os,assim, das atividades didáticas que o aluno desenvolve como parte doprocesso de formação acadêmica, não se tratando de uma investigaçãocientífica, mas de estudos sobre um determinado tema apresentadosem forma de resumos, sínteses, resenhas, fichamentos, entre outrasmodalidades de texto acadêmico.(RE) PENSANDO dIREITO     53

VERA MARIA WERLE Outra questão a ser considerada é a diferença entre pesquisa científica, aquela que resulta em conhecimento novo, original, fazen- do avançar a ciência, e a pesquisa acadêmica, realizada pelo aluno e os seus professores dentro das condições de que dispõem a maioria das universidades brasileiras. É sabido que a pesquisa que resulta na produção de conhecimento científico reconhecido pela comunida- de científica é rara e requer altos investimentos financeiros, pouco repercutindo na melhoria do processo ensino-aprendizagem na uni- versidade. O que se propõe, portanto, é analisar as implicações da pesqui- sa acadêmica no processo de compreensão2 dos fenômenos jurídicos. Tal perspectiva envolve tanto a representação da realidade já trans- formada em enunciados, discursos e teorias, o que significa compre- ender as próprias condições de produção das verdades científicas, bem como novos entendimentos que se formam da dialética entre senso comum, conhecimento científico e objeto empírico. Inicialmente serão apresentadas considerações acerca da pes- quisa acadêmica, para na sequência discutir a sua relação com os pressupostos teórico-metodológicos segundo um paradigma moderno de investigação científica e produção do conhecimento, assinalando a sua crise. Num terceiro momento aponta-se para algumas diretrizes 2 Importante esclarecer com que significado este vocábulo está sendo empregado neste texto. Para tanto, faz-se uso do sentido que lhe é atribuído por Hannnh Arendt, que o define como um processo complexo, que jamais produz resultados inequívocos. Segun- do a autora, conhecimento e compreensão não são a mesma coisa, mas interligam-se. A compreensão baseia-se no conhecimento e o conhecimento não pode se dar sem que haja uma compreensão inarticulada, preliminar. Assim como a compreensão preliminar precede o conhecimento a verdadeira compreensão o transcende, ou seja, confere significado ao conhecimento. Trata-se, portanto, de uma atividade intermi- nável, sem produzir resultados finais, por meio da qual, em constante mudança e variação, o homem aprende a lidar com a realidade e a se reconciliar com o mundo em que vive. Ler mais em Arendt, Hannah. A dignidade da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.54 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICAque norteiam o estudo e a compreensão dos fenômenos jurídicos naera contemporânea, a partir de novas perspectivas epistemológicasda pesquisa social.A Pesquisa Acadêmicae a Construção de um Objeto de Pesquisa A realização de uma pesquisa é um processo que exige a conju-gação de esforços de alunos e professores, refletindo o espaço ocupadopela atividade investigativa enquanto projeto institucional, pessoal,social e político. Impõe ao acadêmico um conjunto de exigências queremetem a sua trajetória acadêmica, maturidade intelectual e a suarelação com a escrita. Trata-se de eleger um tema, definir um problema, criar hipó-teses, decidir pelos procedimentos de coleta e análise de dados, optarpor um quadro metodológico e teórico de referências,3 ideias quecomeçam a tomar forma com a escrita do projeto de pesquisa. A pesquisa só se inicia com a escrita, defende Mario OsorioMarques (2002b), para quem é preciso escrever para pensar. É esteo maior objetivo do projeto de pesquisa, uma vez que possibilita colo-3 Situar a pesquisa num quadro teórico e metodológico diz da abordagem do objeto segundo um paradigma científico. Para Alfredo Veiga Neto (2002), várias são as acepções deste vocábulo. É uma palavra cuja polissemia é muito ampla, afirma Neto. Sem nenhuma pretensão de definir-lhe um sentido unívoco, o autor observa que apesar das possíveis críticas, é Thomas Kuhn quem oferece uma grande contribuição às ciências “quando mostra o caráter radicalmente social, não apenas da prática cien- tífica, como, também, do próprio conhecimento científico”, o que vai na contramão do positivismo científico. Para Thomas Kuhn, paradigma assume o significado de “uma constelação de realizações – concepções, valores, técnicas, etc. – compartilhada por uma comunidade científica e usada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos”. Mudanças de paradigmas, para Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas e revolucionárias. Neto, Alfredo Veiga. Paradigmas? Cuidado com eles! In: Costa, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.(RE) PENSANDO dIREITO     55

VERA MARIA WERLE car ordem nas ideias e, principalmente, delimitar o tema em estudo. Significa construir o objeto de pesquisa a partir dos significados que lhe são atribuídos pelo pesquisador, “resultado de um processo de objetivação teórico-conceitual de certos aspectos ou relações existen- tes no real”, argumenta Suely Ferreira Deslandes (2007, p. 33). Uma investigação sempre parte de uma indagação. “Ela se constitui na inquietação”, afirma Maria Isabel Edelweiss Bujes (2002, p. 14). É a insatisfação com respostas já dadas, com explicações das quais se passa a duvidar, com as crenças que geram desconfortos e incertezas, esclarece a autora. Mario Osorio Marques destaca que a pesquisa coloca o pes- quisador “sob o signo do desejo”, o que significa carência, falta, uma necessidade de conhecimento não suprida. Segundo este autor, “esta- belecer um tema de pesquisa é, assim, demarcar um campo específico de desejos e esforços por conhecer, por entender o nosso mundo e nele e sobre ele agir de maneira lúcida e conseqüente” (2002, p. 92). Esse processo sempre gera angústia e estranheza ao pesqui- sador, pois significa confrontar-se com o próprio não saber, com algo que falta. É a busca do saber no não saber, o “espanto” de Sócrates. Cabe ressaltar, entretanto, que realizar e comunicar uma pesquisa é um momento de autorrealização no processo de formação acadêmi- ca. “Thaumazein”, o espanto, em Platão, adquire o sentido de estar maravilhado com a possibilidade de chegar ao conhecimento. É a oportunidade de “reconstruir saberes prévios sob a forma de saberes outros” (Marques, 2002b, p. 230). Significa dar espaço à interlocução entre o fato social e o discurso já instituído sobre este, entre conheci- mento empírico e conhecimento científico, possibilitando a construção de renovados significados.56 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICA A construção de um objeto de pesquisa ocorre a partir dessarelação dialética, abrindo caminho para o surgimento de novas ideiasa partir das quais o pesquisador assume uma posição teórica, defendeuma atitude político-existencial. Trata-se, como argumenta HannahArendt (2002), da compreensão, que precede e sucede o conhecimento,atribuindo a este significado. Luc Ferry, filósofo francês, observa que “para conseguirmosrefletir e pensar por nós mesmos, precisamos ter primeiro a humil-dade de pensar pelos outros e graças a eles” (Laitano, 2007, p. 5).Significa dizer que todo pensar é sempre um repensar, é tomar nova-mente para si a tarefa de compreender o mundo e transformá-lo emdiscurso, observa Hannah Arendt (2002). É nesse contexto que se deve pensar o expressivo valor da pes-quisa no processo ensino-aprendizagem, pois ela sempre implica umato de conhecimento. Fazer uma pesquisa é mais do que dominartécnicas de escrita e procedimentos metodológicos de coleta de dados,é, como bem comenta Mario Osorio Marques (2002a), conhecer oscaminhos que a ciência percorre para formular teorias e leis, refa-zendo-os a partir de uma perspectiva própria, crítica e reflexiva, como intuito de, se não fazer avançar a ciência, construir a sua própriaciência, transformando-a em práticas sociais úteis sob a perspectivaprofissional e social. Um tema ou problema de pesquisa não existe em si mesmo,não é dado pela realidade, como se estivesse à espera de ser investi-gado, alerta Sandra Corazza (2007). Um problema de pesquisa, ouas questões feitas “àquilo que chamamos de realidade”, observa aautora, “são constituídas pela(s) perspectiva (s) teórica (s) de ondeolhamos e pensamos esta mesma realidade” (2007, p.112).(RE) PENSANDO dIREITO     57

VERA MARIA WERLE Essa perspectiva remete à ideia de paradigma mencionada anteriormente. São as concepções teóricas que orientam o pesquisa- dor na fase de levantamento, tratamento e interpretação dos dados da pesquisa. Significa contextualizar o objeto de pesquisa, situá-lo no seu devido contexto histórico. Conclamar uma comunidade argumentati- va, defende Marques (2002b), o que impõe considerar como este objeto foi e é tratado pela ciência dentro de um campo teórico de referência. Isso pressupõe considerar os modelos de conhecimento no interior de cada ordem científica, ou as revoluções científicas, como evidenciado por Thomas Kuhn (2000). Boaventura de Sousa Santos, citando Hegel e Heidegger, afir- ma que “a coerência global de nossas verdades físicas e metafísicas só se conhece retrospectivamente” (2006, p. 59). Outra contribuição relevante para esta reflexão é dada por Michel Foucault (1971), para quem sujeito e objeto estão inseridos numa sociedade revolucionada pela ciência e a sua representação é, em grande parte, resultado das condições teóricas, políticas e socio- lógicas em que se configura a ordem científica moderna. Segundo este autor, são as condições econômicas, sociais e políticas que fazem emergir um certo número de fatos ou fenômenos que poderão ser objeto da ciência e são também essas condições que determinam a posição do sujeito em relação ao objeto e a modalidade de formação dos conceitos. Para Foucault, os saberes constituídos sobre um tema, as verdades científicas (discursos) e os efeitos dessa verdade são resultados das práticas sociais, da microfísica do poder, compreendida como as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade, o que inclui a própria ciência e o próprio sujeito de conhecimento.58 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICA Alfredo Veiga Neto (2007, p. 31), ressalta que o que dissemossobre as coisas não são as próprias coisas, tampouco são uma repre-sentação fiel das coisas, ideal da ciência moderna; “ao falarmos sobreas coisas” diz o autor, “nós as constituímos”. Acrescenta ainda: “osenunciados fazem mais do que uma representação do mundo; elesproduzem o mundo”. Essa “produção do mundo” pela ciência ocorre segundo umparadigma científico dado como ideal num determinado espaço e tem-po. O espaço a seguir tem por objetivo apresentar uma breve reflexãoacerca do modelo científico forjado pela ciência moderna, assinalandosua crise, bem como as novas perspectivas que emergem desta crise eque despontam como novas possibilidades de abordagem e construçãode um objeto de pesquisa.A Crise de Paradigma da Ciência Moderna Os pressupostos epistemológicos da ciência moderna e quedeterminam a natureza teórica e metodológica do conhecimento cien-tífico emergem da revolução científica do século 16, “desenvolvendo-senos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais”,considera Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 21). Os princípios da teoria heliocêntrica de Copérnico, da órbitados planetas de Kepler, do método analítico de Descartes, do métodoempírico experimental de Bacon, do positivismo de Augusto Comtee, principalmente, da queda dos corpos de Galileu, relegaram a com-preensão do mundo e do homem a uma lógica matemática e meca-nicista. No entendimento de Thomas Hobbes (2005), até mesmo a éticae a política eram passíveis de demonstração geométrica. SegundoBoaventura de Sousa Santos “a matemática fornece à ciência moder-(RE) PENSANDO dIREITO     59

VERA MARIA WERLE na, não só um instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria” (2006, p. 26-27). Esse modelo de racionalidade científica estende-se às emer- gentes Ciências Sociais no século 19, tornando-se um modelo global, totalitário, hegemônico, ou um paradigma científico, considerando o conceito de paradigma de Thomas Kuhn. Esse modelo, ou essa nova racionalidade científica, observa Santos, “[...] nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e as suas regras metodológi- cas” (2006, p. 21). Na Sociologia de Durkheim o homem e as suas relações deve- riam ser estudados como “coisas”, ou, então, a partir do que fosse externo, perceptível pelos sentidos ou pela razão, o que poderia ser objeto da observação neutra e repetitiva, da experimentação e dos rigores da mensuração, o que pudesse, enfim, ser quantificável, prin- cípios que caracterizam a tradição positivista . Alfredo Veiga Neto observa que “[...] a razão das Ciências Humanas se desenvolveu a partir das Ciências Naturais e se ramifi- cou em variadas epistemologias que têm em comum a crença numa realidade exterior que se poderia acessar racionalmente, ou seja, pelo uso correto da razão” (2007, p. 26). Tratava-se de uma ciência que, para intervir eficazmente no mundo, precisava distanciar-se dele, acreditando que os seus enunciados eram uma representação fiel da realidade em estudo. É a verdade semântica comprovada pelo teste experimental cuja fundamentação está nas evidências mate- máticas. Para a ciência moderna o mundo exterior deixa de funcionar como um princípio de conhecimento, consideram Mauro Grun e Mari- sa Vorraber Costa. “O pensamento, metodicamente conduzido, encon-60 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICAtra em si mesmo os critérios que permitirão estabelecer a Verdade”(2007, p. 85). Observam os autores que o homocentrismo moderno“representa a hegemonia do sujeito cognoscente”. O sujeito pensantede Descartes é o próprio pensamento. Sujeito e objeto estão numarelação de domínio e apropriação. A tarefa de conhecer é também umato de dominar o objeto de conhecimento. O positivismo científico, fundado no racionalismo cartesiano eno empirismo baconiano, desqualifica sujeito e objeto, àquele, neutra-lidade e objetividade, a este, matéria, sem nenhuma qualidade intrín-seca, considera Santos (2006). Era a condição para que o campo socialalcançasse o tão desejado estatuto de ciência; era também requisitopara a construção de um saber científico utilitário e funcional quepossibilitasse a apropriação da natureza pelo homem, o desenvolvi-mento do Estado moderno e da economia de mercado, a ascensão daburguesia e a consolidação do sistema capitalista no Ocidente. Em oposição ao determinismo mecanicista das CiênciasNaturais nas Ciências Sociais surgem correntes de pensamentosque reivindicam para o estudo dos fenômenos sociais uma episte-mologia e metodologia próprias. É o antipositivismo, representado,principalmente, no pensamento fenomenológico e por outras ten-dências ou perspectivas pós-modernas, como o pós-estruturalimo, ahermenêutica crítica, o interacionismo, construtivismo, em metodo-logias como o estudo de caso, a pesquisa qualitativa, participante,a pesquisa/ação. Para essas correntes de pensamento, “o comporta-mento humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode serdescrito e muito menos explicado com base nas suas característicasexteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo acto externo podecorresponder a sentidos de acção muito diferentes” (Santos, 2006,p. 38).(RE) PENSANDO dIREITO     61

VERA MARIA WERLE Essa concepção se funda, porém, numa rigorosa dicotomia entre Ciências da Natureza e Ciências Sociais, critica Santos (2006), relegando às segundas um caráter pré-paradigmático e subsidiário na ordem científica moderna, além de reafirmar a concepção cartesiana em relação às primeiras. O paradigma emergente, iniciado por Einstein com a relati- vidade da simultaneidade, rompe com essa ordem. A distinção dico- tômica entre Ciências Sociais e Ciências da Natureza deixou de ter sentido, adverte Santos (2006). Trata-se de uma nova concepção de matéria e natureza, resgatando os princípios aristotélicos da interde- pendência entre cosmos, homem e natureza, uma vez que “os avanços recentes da física e da biologia põem em causa a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre humanos e não humanos” (Santos, 2006, p. 60). No lugar da causalidade estática, os sistemas, processos, a historicidade, a inter- disciplinaridade e a consciência no ato de conhecimento e no próprio objeto de conhecimento. O novo paradigma pode ser descrito como uma visão de mundo holística ou ecológica, o cosmos como um todo integrado e interde- pendente, e não como uma coleção de partes dissociadas. É a ideia de Fritjof Capra de que indivíduos e sociedades estão encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, são dependentes desses processos). Para Capra, “holístico” e “ecológico” diferem ligei- ramente em seus significados. Uma visão holística, de uma bicicleta, por exemplo, significa ver a bicicleta como um todo funcional e com- preender, em conformidade com isso, as interdependências das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, observa o autor, “mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social – de onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente62 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICAnatural e a comunidade pela qual ela é usada”. Essa distinção entre“holístico” e “ecológico” é ainda mais importante, evidencia Capra,quando se trata de sistemas vivos, para os quais as conexões com omeio ambiente são muito mais vitais (2006, p. 25). A abordagem de um objeto de pesquisa parte desses pressu-postos. Cabe ao pesquisador situá-lo nesse contexto. O saber hiperes-pecializado, observa Santos (2006), principalmente no domínio dasCiências Aplicadas, como a Medicina, o Direito, a Economia, Far-macologia e Psicologia, transformou o doente em matéria orgânica,elevou o teor destrutivo dos medicamentos, reduziu a complexidadeda vida jurídica à secura da dogmática, a economia ao reducionismoquantitativo e tecnocrático e a riqueza da personalidade às exigênciasfuncionais de instituições unidimensionais. Essa reflexão impõe que, qualquer objeto de estudo, seja daschamadas Ciências da Natureza ou Ciências Sociais,4 deve ser abor-dado à luz de um novo paradigma científico, ou do paradigma emer-gente, como evidencia Boaventura de Sousa Santos, pois “estamos nofim de um ciclo de hegemonia de uma certa ordem científica” (2006, p.19), ou na linha de pensamento de Thomas Kuhn, estamos na iminên-cia de uma nova Revolução Científica. Nessa nova ordem científica adicotomia entre homem/natureza, orgânico/inorgânico, sujeito/objeto,objetividade/subjetividade, mente/matéria assume outras proporções.Além de novos pressupostos teóricos, o modelo emergente sugere uma4 Numa classificação simples, as ciências podem ser divididas em Ciências Formais ou Exatas, compreendendo a Matemática e a Lógica; Ciências Naturais, a Física, Quími- ca e a Biologia e as chamadas Ciências Humanas ou Ciências Sociais, compreendendo todo rol de ciências relacionadas ao homem, seu comportamento, suas produções e vida grupal, como é o caso do Direito, da Antropologia, Sociologia, Economia, Psico- logia, etc.(RE) PENSANDO dIREITO     63

VERA MARIA WERLE nova relação entre conhecimento e sociedade, numa dimensão que visa a democratizar o acesso ao conhecimento científico, inserindo-o num projeto de sociedade. Alternativas para Abordagem dos Fenômenos Jurídicos Os fenômenos jurídicos situam-se na área das chamadas Ciên- cias Humanas, as quais têm por objeto o homem, a sua produção e as suas relações. “As ciências humanas lidam com material fundamen- talmente sócio-cultural, de um lado, e discursivo, de outro”, observa Eduardo Bittar (2002, p. 37). Assim a crise de paradigma no fazer científico e produção de conhecimento se estende com todo o ímpeto sobre as práticas jurídi- cas e sobre as atividades de pesquisa decorrentes desta área, atrela- das por muito tempo à tradição positivista, que ao estilo kelseniano, afirma Bittar, reduziram a essência do Direito a um “esquematismo mecânico de concatenação lógico-hierárquica de normas, derivadas que são, de uma norma fundamental” (2002, p. 43-44). Na busca pela neutralidade, objetividade e autonomia, a pro- posta kelseniana visa a isentar a ciência jurídica da variação de valo- res, tornando o fenômeno jurídico “[...] alheado, despido de qualquer fundamento social, político, sociológico, ético, psicológico, histórico”, acrescenta Bittar (p. 44). Como as demais Ciências Sociais, a Ciência do Direito solidifi- cou-se estudando os fenômenos jurídicos com métodos semelhantes às pesquisas realizadas nas Ciências Físicas e Naturais, seguindo uma abordagem de caráter quantitativo, própria da metodologia analíti- co-dedutiva ou empírico-indutiva, reduzindo o fenômeno ao exame das suas partes, numa relação linear de causalidade, com variáveis64 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICApassíveis de isolamento, além de se acreditar na total objetividade,neutralidade e imparcialidade entre o sujeito investigador e o objetoinvestigado. Considerando que as pesquisas na área das Ciências Huma-nas têm os fenômenos sociais por objeto de investigação, e que estesnão são universais ou similares, uma vez que se caracterizam pelasua dinamicidade e alteridade, segundo as diferenças culturais, his-tóricas, sociais e individuais, e que por essa singularidade, as suasmanifestações e ocorrências também são diferentes, as estratégias depesquisa segundo o modelo experimental mostram-se incompatíveispara a compreensão dos fenômenos no campo jurídico. A compreensão dos fenômenos sociais exige “incorporar emseus enfoques analíticos o universo interior dos indivíduos – e, sobre-tudo, a dimensão do sentido que os mesmos oferecem às suas ações”,consideram Paulo Freire Vieira e Sérgio Luís Boeira (2006, p. 35).Segundo os mesmos autores, os métodos qualitativos e interpretati-vos seriam, assim, preferíveis aos quantitativos, “visando-se obterconhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez deum padrão de conhecimento supostamente ‘objetivo’ e formulável emtermos quantitativos” (2006, p. 35). A ênfase da pesquisa qualitativa foca-se nos processos, signi-ficados e compreensões. Dados qualitativos são representações dosatos e das expressões humanas. No lugar do método empírico/experi-mental e da mensuração quantitativa, os dados são coletados em seuambiente natural e os significados que lhes são atribuídos dependem,em grande parte, da interpretação do pesquisador, tendo por suportea perspectiva dos participantes, o conjunto de variáveis que incidemsobre o fenômeno, bem como o contexto, mundo físico e social em que(RE) PENSANDO dIREITO     65

VERA MARIA WERLE se localiza o objeto. O estudo qualitativo, ou quantiqualitativo, se caracteriza pelo seu aspecto holístico, descritivo, dinâmico e inter- pretativo. Cabe observar que a pesquisa na área do Direito, mesmo consi- derando a diversidade de ciências jurídicas,5 é em grande parte um agir sobre o discurso jurídico. É um agir sobre textos, com textos e por meio de textos, ressalta Bittar (2002), sendo assim uma atividade essencial- mente exegética, tendo na interpretação ou na produção de sentido sobre normas, decisões, atos administrativos, enfim, sobre as práticas e fatos jurídicos, bem como sobre o próprio discurso científico-jurídico, a sua principal finalidade. É, afirma o autor, uma “[...] prática voltada para a interpretação e construção crítica dos sentidos jurídicos (2002, p. 54). Não se tem a pretensão de apresentar ou indicar, neste texto, um modelo para a pesquisa jurídica. As questões epistemológicas da pesquisa, a escolha do método, das fontes consultadas, dos “enun- ciados” considerados, são sempre aspectos que dizem do objeto em estudo, das convicções pessoais do pesquisador, da sua relação com a produção do conhecimento e do “fazer científico” em um dado momen- to histórico. É viável, porém, apontar para algumas perspectivas de pes- quisa a partir da problematização já apresentada neste texto. Afredo Veiga Neto (2007), ao discorrer sobre as possibilidades de pesquisa no campo social na pós-modernidade, lembra que se estamos hoje diante de um relativismo epistemológico, não é essa a grande novidade, pois parte do pensamento iluminista também é relacional. 5 Aqui cabe destacar a diversidade de objetos, a pluralidade de métodos e fontes da pes- quisa jurídica, conforme as pesquisas jurídicas setoriais, como a Sociologia jurídica, antropologia jurídica, economia política, psicologia forense, criminologia, Medicina legal, Filosofia do direito, direito constitucional, direito administrativo, entre outras. Assim, a “ciência do Direito” abrange tanto o campo da dogmática como o campo da zetética jurídica.66 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICA Segundo o autor, o novo é que o pensamento pós-moderno aban-dona a “esperança de haver um lugar privilegiado a partir do qual sepossa olhar e compreender as relações que circulam no mundo” (2007,p. 35). Veiga Neto cita Popkewitz, que aborda uma “epistemologiasocial”, sendo esta “necessariamente provisória e humilde em suaspretensões”. Volta-se aqui às especificidades da ciência jurídica e é a partirdestas especificidades que se pode pensar em algumas tendências depesquisa para esta área, seja no campo da zetética ou na esfera dadogmática jurídica. Além da perspectiva qualitativa tratada anterior-mente, cabe fazer referência à hermenêutica contemporânea comouma das mais fortes tendências no interior da declarada crise dopensamento ocidental, revelando-se como uma grande possibilidadepara a pesquisa social. Sem adentrar no complexo campo conceitual da hermenêutica,há uma vasta literatura que pode ser consultada pelo leitor6 para taisfins. O que se adianta é que a hermenêutica crítica desponta comouma alternativa para a pesquisa jurídica, uma vez que tem por focoo sentido da linguagem, a compreensão humana, a inteligibilidade,colocando em evidência a importância da interpretação. A hermenêutica possibilita pôr em xeque as verdades já decla-radas, trazendo para o discurso da ciência jurídica variáveis comoetnia, religião, gênero, idade, cultura, as relações de poder, ou as con-6 Segundo Alfredo Veiga Neto (2007), muitos foram os autores que se dedicaram ao desenvolvimento da hermenêutica contemporânea, mas é de Heidegger a principal contribuição, uma vez que redefine a própria Filosofia como hermenêutica e dá à compreensão um caráter histórico-existencial. Para Heidegger, toda compreensão é temporal, intencional e histórica. Tomando as bases da Filosofia hermenêutica de Heidegger, Hans Georg Gadamer, com sua obra Verdade e Método, é outra grande referência para o desenvolvimento da hermenêutica crítica.(RE) PENSANDO dIREITO     67

VERA MARIA WERLE dições históricas de produção do conhecimento, como fizeram Gada- mer, Foucault e Derrida, referências no movimento antifundacional7 que rejeita a busca da verdade unitária e estática. Mauro Grün e Marisa Vorraber Costa entendem que a herme- nêutica moderna oferece as possibilidades para confrontar o princípio cartesiano do “sujeito como sede e fundação de toda certeza” e, ainda, “o domínio total dos objetos de conhecimento por esse sujeito” (2007, p. 89). Cabe lembrar que toda fundamentação do método científico moderno encontra-se nessa certeza, constituindo a verdade uma simples correspondência entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido, o que, segundo Grün e Costa (2007), Heidegger veio a denominar, séculos após, de “síndrome do subjetivismo moderno”. A tarefa de conhecer se traduz em posse e domínio dos objetos, sendo esta uma condição da objetividade científica. A hermenêutica, não como método científico, mas enquanto uma postura investigativa do pesquisar, traz para o campo da pes- quisa jurídica a evidência de um objeto de conhecimento construído a partir de uma relação entre sujeito e objeto, possibilitando o que Gadamer denominou de “abertura da experiência”, resgatando, a exemplo da Filosofia grega, o caráter dinâmico do compreender, de um sujeito e objeto mergulhados na linguagem, na cultura, na política e na história. É o que Gadamer chama de “encontro com o Outro”, ou encontro com a tradição. É um “eu” pertencente à tradição, inserido na linguagem (Grün; Costa, 2007). 7 Antifundacionalismo, pós-estruturalismo ou pós-modernismo são movimentos que, com algumas particulares, designam tendências de pensamento que se opõem aos cânones da modernidade (Grün; Costa, 2007, p. 84).68 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICA A hermenêutica, nas palavras de Grün e Costa (2007, p. 97),situa o “lócus do significado na linguagem e no texto e não no sujeito”,estando o foco de atenção não no autor, “mas na capacidade do sujeitode se entregar aos objetos e deixar que estes o redefinam”. É neste aspecto que se acredita residir a principal contribuiçãoda hermenêutica contemporânea à pesquisa acadêmica no campojurídico, lembrando que esta vem sendo tomada a partir de sua rela-ção com o processo ensino-aprendizagem. Uma postura investigativa hermenêutica, com base no caráterinterpretativo e exegético do texto jurídico, possibilita ao sujeito deconhecimento novas redes de significações. Permite que este produzanovas compreensões, interpretações, convicções e asserções a partirdo diálogo com o sentido da tradição. Isto significa estar aberto paranovas possibilidades presentes nos discursos e fatos jurídicos, é estardisposto a ouvir as vozes do “outro” e dialogar consigo. Uma atitude hermenêutica implica um processo autocorretivono qual as pessoas envolvidas se transformam, argumentam Grün eCosta (2007). É esta modificação que possibilita o processo de cons-trução e produção de conhecimento, enquanto uma experiência trans-formadora do sujeito de conhecimento.Considerações Finais A discussão apresentada trouxe à luz a multiplicidade de fato-res implicados no processo de pesquisa, evidenciando que a pesquisaacadêmica não ocorre à margem dos pressupostos epistemológicosque orientam a investigação científica num sentido mais amplo.(RE) PENSANDO dIREITO     69

VERA MARIA WERLE O espaço de iniciação científica deve, antes de mais nada, possibilitar ao acadêmico a compreensão das condições de produção do conhecimento científico, suas implicações teórico-metodológicas, enquanto parte de sua experiência de pesquisa e construção de conhe- cimento sobre o objeto investigado. Quanto às opções epistemológicas e metodológicas, o pensa- mento pós-moderno dá conta de que não há uma perspectiva privile- giada a partir da qual se possa melhor conhecer a realidade social, cultural ou jurídica. As alternativas apontadas, como a pesquisa qualitativa, a hermenêutica crítica, o pensamento fenomenológico, sistêmico, construtivista ou interacionista, têm em comum a ideia de que a ciência é compreensão, interpretação, discurso que se constitui a partir de uma construção lógico-intelectual e experimental, sendo sempre uma versão aproximada do real. Além da abordagem qualitativa, no campo jurídico a hermenêu- tica crítica ou hermenêutica contemporânea é uma fecunda tendên- cia. A pesquisa jurídica se caracteriza como uma prática textual sobre práticas textuais. Isso coloca em evidência a linguagem, o discurso, a exegese, a interpretação, a intersubjetividade textual, a negociação de sentidos no lugar da assepsia dos conceitos e da lógica dedutiva. A hermenêutica abre espaço para uma compreensão que não prescinde da escuta da tradição, da capacidade produtiva e criadora da linguagem como forma de não apenas representar o mundo, mas de produzir a realidade e transformá-la. Cabe considerar, ainda, que a crise do paradigma moderno de ciência se insurge, também, sobre o modelo disciplinar, hiperespe- cializado, sobre a educação técnico-científica do ensino universitário, reivindicando outras propostas e metodologias em que o processo de iniciação científica, na sua dimensão propedêutica e pedagógica, assume potencial de formação e transformação.70 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICA Possibilitar ao acadêmico a experiência com a pesquisa signi-fica abrir espaço para a interlocução de uma pluralidade de vozes,ampliando perspectivas, abrindo horizontes, enquanto experiênciatransformadora em direção a si mesmo. É o conhecimento, não comoalgo exterior ao sujeito, como consumo ou mercadoria, mas como algoque o modifica.ReferênciasARENDT, Hannah. A dignidade da política. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2002.BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa jurídica. São Paulo:Saraiva, 2002.BUJES, Maria Isabel E. Descaminhos. In: COSTA, Marisa Vorraber(Org.). Caminhos Investigativos II: outros modos de pensar e fazerpesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova concepção científica dossistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. 6. ed. SãoPaulo: Cultrix, 2006.CORAZZA, Sandra Maria. Labirintos da pesquisa, diante dos ferro-lhos. In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos I. 3. ed.Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2007.DELANDES, Suely Ferreira. O projeto de pesquisa como exercíciocientífico e artesanato intelectual. In: MINAYO, Maria Cecília deSouza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26. ed.Petrópolis: Vozes, 2007.FOUCAULT, Michel. O homem e o discurso. A arqueologia de MichelFoucault. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971.(RE) PENSANDO dIREITO     71

VERA MARIA WERLE GRÜN, Mauro; COSTA, Marisa Vorraber. A aventura de retomar a conversação: hermenêutica e pesquisa social. In: COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos investigativos I. 3. ed. Rio de Janeiro: Lampa- rina Editora, 2007. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2005. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. LAITANO, Claudio. A sagração do humano. Zero Hora, Porto Alegre, 11 mar. 2007. MARQUES, Mario Osorio. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. 5. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002a. MARQUES, Mario Osorio. A orientação da pesquisa nos programas de pós-graduação. In: BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana Maria Netto (Org.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações. Florianópolis, São Paulo: UFSC, Cortez, 2002b. NETO, Alfredo Veiga. Olhares. In: COSTA, Marisa Vorraber. Cami- nhos investigativos I. 3 ed. Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2007. NETO, Alfredo Veiga. Paradigmas? Cuidado com eles! In: COSTA, Marisa Vorraber (Org). Caminhos Investigativos II: Outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-mo- derna. 4. ed. São Paulo: Graal, 1989. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.72 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

PESQUISA JURÍDICAVIEIRA, Paulo Freire; BOEIRA, Sérgio Luís. Estudos organizacio-nais: dilemas paradigmáticos e abertura interdisciplinar. In: GODOI,Christiane Kleinübing; MELLO, Rodrigo Bandeira de; SILVA, Aniel-son Barbosa da. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacio-nais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.Recebido em: 20/12/2010     73Aprovado em: 25/3/2011(RE) PENSANDO dIREITO



O Direito à Igualdadena Lei Fundamental Alemã Hed Orozimbo Soares Brittes1ResumoO presente artigo faz um estudo sobre o direito à igualdade, com base na Lei Fundamental Alemã.Ressalta a distinção entre um direito geral de igualdade dos direitos especiais de igualdade, a garantiada igualdade jurídica formal e da igualdade material, além de destacar a importância dos direitos fun-damentais no estabelecimento do conteúdo da ordem jurídica estatal e na efetivação da democraciae do Estado Democrático de Direito.Palavras-chave: Constituição. Direitos fundamentais. Direito à igualdade. The Right to Equality in the German Basic LawAbstractThe present article analyses the right to equality, based on the German Fundamental Law. It empha-sizes the distinction between the general right of equality and the special rights of equality, theguarantee of formal juridical equality and the material equality. It also stresses the importance offundamental rights in the content establishment of the public juridical order, the accomplishment ofdemocracy and the Democratic State of the Law.Keywords: Constitution. Fundamental rights. Right to equality.1 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor da Facul- dade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito do Iesa – Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo.(RE) PENSANDO dIREITO • Editora Unijuí • ano 1 • n. 1 • jan./jun. • 2011 • p. 75-108

HED OROZIMBO SOARES BRITTES Inicialmente aborda-se a evolução experimentada pelos direi- tos fundamentais. Arrolam-se as primeiras Declarações de Direitos: a Magna Carta, de 1215, o Acta de Habeas Corpus, de 1679, e o Bill of Rights, de 1688. Acrescentam-se, ainda, no rol, as Declarações formuladas pelos Estados americanos, no século 18, como a do Estado de Virgínia, de 1776. Verifica-se que, no século 16, com o surgimento de vários Esta- dos soberanos, formula-se uma nova estruturação religiosa, com a criação das igrejas nacionais. A partir daí a religião deixa de ser a base da unidade do Estado, concentrando-se, então, na prática políti- ca. Ocorre uma privatização de toda religião, convertendo-se em algo que interessa ao indivíduo. Nesse sentido, Igreja e Estado passam a ser vistos com relatividade, mas com a incumbência de promoverem o indivíduo, tornando-se a liberdade religiosa o primeiro dos direitos fundamentais. Aborda-se aspectos do conteúdo das Declarações de Direitos, como os direitos fundamentais proclamados pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os direitos elencados pela Assem- bleia Nacional de Frankfurt, de 1848, que proclamou uma série de direitos, qualificados de fundamentais. Esses direitos se transforma- ram em princípios que asseguram a unidade estatal. Na Alemanha destacaram-se a Revolução de 1848, a Constituição de Bismarck, de 1871, e a Constituição de Weimar, de 1919. Aponta-se o entendimento de Konrad Hesse sobre o caráter duplo dos direitos fundamentais, em que num sentido são direitos subjetivos, noutro são elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade. Deles, segundo Hesse, emerge o efeito fundamentador de status, derivando para o status jurídico-constitucional e o status cívico geral. Além disso, os direitos fundamentais determinam o con- teúdo da ordem jurídica da coletividade, para, em decorrência, ser-76 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃvirem de apoio para a formação das ordens democráticas e do estadode direito. De igual forma, os direitos fundamentais são os principaiscomponentes estruturadores da ordem estatal-jurídica. Quanto ao direito à igualdade, destaca-se o posicionamento deRobert Alexy, que evidencia um direito geral de igualdade e direitosespeciais de igualdade. Verifica-se o princípio exponencial da igual-dade de todas as pessoas perante a lei. A Lei Fundamental Alemãgarante a igualdade jurídica formal e a garantia da igualdade antea lei. A igualdade jurídica material não significa que deva ocorrerum tratamento igual sem que se dê a distinção dos integrantes dasrelações. Destaca-se, por fim, que a jurisprudência do Tribunal Consti-tucional Alemão repele a arbitrariedade, estabelecendo a concepçãode justiça, no âmbito do sistema, como parâmetro para efetivação doprincípio da igualdade.A Evolução Dos Direitos Fundamentais Parte dos doutrinadores defende que as primeiras Declara-ções de Direitos Fundamentais foram: a Magna Carta, de 1215, oActa de Habeas Corpus, de 1679, e o Bill of Rights, de 1688. Outraparte entende que estes importantes documentos não tiveram, nasua origem, o sentido inerente dos direitos fundamentais. Schmittpondera que “La historia de los derechos fundamentales comienzapropriamente con las declaraciones formuladas por los Estados ame-ricanos en el siglo XVIII, al fundar su independência respecto deInglaterra”.22 Schmitt, Carl. Teoria de la Constitución. Traduzido do alemão por Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 164.(RE) PENSANDO dIREITO     77

HED OROZIMBO SOARES BRITTES Aqui, en verdad, se indica el comienzo – según una frase de Ranke – de la Era democrática – más exacto: liberal – y del moderno Estado de Derecho liberal-burgués, si bien aquellas declaraciones americanas estaban, como “Bills of Rights”, en la línea de la tradi- ción inglesa. La primera declaración [...] fue emitida por el Estado de Virginia en 12 de junio de 1776, siguiéndole Pensylvania (11 de noviembre de 1776) y otros; pero no todos los trece Estados de la Unión emitieron tales declaraciones. La Constitución Federal de 1787 no contenía ninguna de esas declaraciones de derechos fundamentales, habiéndolos incorporado en algunos apêndices [...]. Los más importantes derechos fundamentales de esas decla- raciones son: libertad, propiedad privada, seguridad, derecho de resistencia y libertades de conciencia y de religión. Como finalidad del Estado aparece el aseguramiento de tales derechos.3 No moderno Estado de Direito, os direitos fundamentais con-têm o princípio da distribuição. Para Schmitt, esse princípio, que éa base do Estado de Direito liberal-burguês, “Significa que la esferade libertad del individuo es ilimitada en principio, mientras que lasfacultades del Estado son limitadas en principio”.4 No Estado daAntiguidade, porém, não se praticava a liberdade, tendo em vista quea esfera pública suplantava a privada, pois os antigos não conheciame não praticavam a liberdade individual, sendo, inclusive, considera-da um absurdo e imoral diante da comunidade política. No século 16 o surgimento de vários Estados soberanos, queinfluenciaram na organização de uma nova estruturação religiosa,principalmente mediante a criação das igrejas nacionais, faz comque a religião deixe de ser o grande suporte da unidade do Estado,tarefa que passou a ser exercida pela prática política, fixando-se nelaa sustentação da unidade política do Estado. Conforme Schmitt, “Los 3 Idem, p. 164-165. Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011 4 Idem, p. 165.78

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃrebautizados y puritanos dieron una respuesta completamente nue-va. La consecuencia de su actitud frente al Estado y frente a todavinculación social, es una privatización de toda religión”.5 Essa novasituação, porém, não significou o arrefecimento da importância dareligião e o desaparecimento do seu valor para o indivíduo e a socie-dade, “sino al contrario, una relativización e incluso desvaloracióndel Estado y de la vida pública”.6 A religião converte-se em algo que interessa ao indivíduo, norespeito da sua liberdade individual, assim como os demais entessociais, e com destacada abrangência Igreja e Estado passam a servistos com relatividade, mas com a incumbência de promoverem oindivíduo. Desta forma, “cierto en un sentido sistemático, y pres-cindiendo de los detalles históricos, que la libertad de religión es elprimero de todos los derechos fundamentales”.7 Pues con el se establece el principio fundamental de distribución, el individuo como tal es portador de su valor absoluto, y permanece con este valor en su esfera privada: su libertad privada es, pues, algo limitado en principio: el Estado no es más que un médio, y por eso, relativo, derivado, limitado en cada una de sus facultades y controlable por los particulares.8 Segundo Schmitt, a Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão, de 26 de agosto de 1789, “proclama como derechos funda-mentales más importantes: libertad, propiedad, seguridad y derecho5 Schmitt, Carl. Teoria de la Constitución. Traduzido do alemão por Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 165.6 Idem, ibidem.7 Idem, ibidem.8 Schmitt, Carl. Teoria de la Constitución. Traduzido do alemão por Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 165.(RE) PENSANDO dIREITO     79

HED OROZIMBO SOARES BRITTESde resistência, pero no libertad de religión ni libertad de asociación”.9Em que pese a Declaração Francesa ter como modelos as Declaraçõesde Direito Americanas, apresenta no seu conteúdo uma profundadistinção em relação àquelas, pois na Declaração Francesa “se da porsupuesto el concepto de ciudadano, y se continúa un Estado nacionalya existente; no se erige, como en las colonias americanas, un nuevoEstado sobre unas nuevas bases”.10 Na Alemanha, a Assembleia Nacional de Frankfurt, em 1848,proclamou uma “serie de ‘derechos’ bajo el epígrafe: ‘Los derechosfundamentales del pueblo alemán’: libertad de residencia y de tras-lación, igualdad ante la Ley, libertad de la persona, de creencias y deconciencia, libertad de reunión y de asociación, propiedad privada,derecho al juez legal”.11 La Constitución prusiana de 30 de enero de 1850 – muy influída en esto por la Constitución belga de 7 de febrero de 1831 – con- tenía el catálogo de derechos, tal como se había ido formando en el curso del siglo XIX: igualdad ante la Ley, libertad personal, inviolabilidad del domicilio, derecho al juez legal y prohibición de Tribunales de excepción, libertad de religión (sin embargo de lo cual, la religion cristiana se daba como base a las instituciones estatales, puestas en conexión con el ejercicio de la religión), dere- cho a la libre manifestación de las opiniones y libertad de Prensa, libertad de reunión, libertad de asociación. La Constitución de Bismarck de 16 de abril de 1871 no contiene catálogo ninguno de “derechos fundamentales”. 9 Idem, p. 166. Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011 10 Idem, ibidem. 11 Idem, ibidem.80

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃ La Constitución de Weimar de 11 de agosto de 1919 titula su segunda parte “Derechos y deberes fundamentales de los alema- nes”. Bajo este epígrafe se encuentran, en parte, los derechos que se solían enumerar: igualdad ante la Ley, artículo 109; libertad personal, artículo 111; inviolabilidad del domicilio artículo 115; secreto de la correspondência, artículo 117; derecho a la libre manifestación de las opiniones, artículo 118; libertad de reunión, artículo 123; libertad de asociación, artículo 124; propiedad pri- vada, artículo 153, y, en parte, prescripciones diversas, postula- dos programáticos, etc. El derecho al juez legal y la prohibición de Tribunales de excepción se encuentran en la primera parte, artículo 105.12 Para Schmitt, a declaração solene de direitos fundamentaissignifica “el establecimiento de princípios sobre los cuales se apoyala unidad política de un pueblo y cuya vigência se reconoce como elsupuesto más importante del surgimiento y formación incesante deesa unidad; el supuesto que – según la expresión de Rodolfo Smend– da lugar a la integración de la unidad estatal”13. Quando ocorre afundação de um novo Estado ou, então, em razão de uma revoluçãose altera as bases da sustentação estatal, “entonces una declara-ción solemne es la expresión natural de la conciencia de que, en unmomento decisivo, de una cierta dirección al próprio destino político.Es el caso de las Declaraciones de los Estados americanos de 1776,de la Declaración francesa de 1789 y la rusa de 1918”.14 Na sequência, complementa Schmitt, afirmando que “Aqui setrata de la ‘proclamación de un nuevo ethos político’, que ‘anuncia enforma solemne’ la ‘finalidad total constituyente’ del Derecho consti-12 Schmitt, Carl. Teoria de la Constitución. Traduzido do alemão por Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. Tradução de: Verfassungslehre. p. 166.13 Idem, p. 167.14 Idem, p. 167-168.(RE) PENSANDO dIREITO     81

HED OROZIMBO SOARES BRITTES tucional [...]. En Alemania se malogro el intento que la revolución de 1848 hizo en este sentido”15. Na Alemanha, a Revolução de 1848 não significou um rompimento total com o sistema político anterior, tendo em vista que a Constituição de Bismarck, de 1871, “recibe su ethos político [...] de los Estados monárquicos que formaban la Federación. Estos tenían, en general, un catálogo de ‘derechos fundamentales’ en sus Constituciones; así que también desaparecia la finalidad práctica de una nueva proclamación”.16 Situação diferente ocorre com a Cons- tituição de Weimar, de 1919. La significación política histórica de los “Derechos y deberes fun- damentales de los alemanes” de 1919 es, pues, distinta de la de aquellas proclamaciones de 1789 a 1918. Pero, no obstante, los princípios establecidos en la segunda parte de la Constitución de Weimar tienen una significación fundamental para el Derecho constitucional y político del Reich alemán. Envuelven una deci- sión política de conjunto del pueblo alemán sobre el modo de su existencia, y dan al Reich alemán en su forma actual el carácter de una Democracia constitucional, es decir, de un Estado consti- tucional basado en el princípio democrático, pero modificado por los princípios del Estado burgués de Derecho. Legislación, Justicia y Administración reciben de aqui sus líneas directrices adecua- das. Ninguna ley alemana puede ser interpretada o aplicada en contradicción con ellas; ninguna ley alemana puede aniquilar un auténtico derecho fundamental. Estos princípios fundamentales no pueden ser suprimidos, ni por una ley ordinária, ni por una ley de reforma de la Constitución según el art. 76, sino solo por un nuevo acto del Poder constituyente del pueblo alemán.17 15 Idem, p. 168. 16 Schmitt, Carl. Teoria de la Constitución. Traduzido do alemão por Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 168. 17 Idem, p. 168-169.82 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃ Explica Hesse que os direitos fundamentais possuem um cará-ter duplo. Num sentido, eles “são direitos subjetivos, direitos do par-ticular, e precisamente, não só nos direitos do homem e do cidadãono sentido restrito [...], mas também lá onde eles, simultaneamente,garantem um instituto jurídico ou a liberdade de um âmbito de vida[...]”.18 Noutro sentido, eles são “elementos fundamentais da ordemobjetiva da coletividade. Isso é reconhecido para garantias, que nãocontêm, em primeiro lugar, direitos individuais, ou, que em absoluto,garantem direitos individuais, não obstante estão, porém, incorpora-das no catálogo de direitos fundamentais da Constituição [...]”.19 Em razão do caráter duplo dos direitos fundamentais, delesemerge o efeito fundamentador de status, que segundo Hesse se cons-titui no seguinte: [...] como direitos subjetivos, eles determinam e asseguram a situa- ção jurídica do particular em seus fundamentos; como elementos fundamentais (objetivos) da ordem democrática e estatal-jurídica, eles o inserem nessa ordem que, por sua vez, pode ganhar realida- de primeiro pela atualização daqueles direitos subjetivos. O status jurídico-constitucional do particular, fundamentado e garantido pelos direitos fundamentais da Lei Fundamental, é um status jurí- dico material, isto é, um status de conteúdo concretamente deter- minado que, nem para o particular, nem para os poderes estatais, está ilimitadamente disponível.2018 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 228.19 Idem, p. 228-229.20 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 230.(RE) PENSANDO dIREITO     83

HED OROZIMBO SOARES BRITTES O status jurídico-constitucional “forma o núcleo do status cívicogeral que, ao lado dos direitos fundamentais – naturalmente sempreno quadro dos direitos fundamentais –, é determinado pelas leis”.21Segundo Hesse, o status cívico geral “é um status jurídico material:ele compreende direitos e deveres concretos, determinados e limi-tados materialmente, em cuja atualização e cumprimento a ordemjurídica da coletividade ganha realidade”.22 Cumpre observar queo status jurídico-constitucional, “fundamentado e garantido pelosdireitos fundamentais, distingue-se, fundamentalmente, do statusjurídico-fundamental da, hoje, ainda prosseguida doutrina do statusde G. Jellinek”.23 Pois o “status negativus”, ao qual G. Jellinek atribui, no essen- cial, os direitos fundamentais, é um meramente formal, secundá- rio diante da forma básica do “status subjectionis”: a “pessoa, à qual cabe o “status negativus”, não é o homem ou cidadão em sua realidade da vida, senão o indivíduo abstrato na redução à sua capacidade de ser titular de direitos e deveres – motivo pelo qual para G. Jellinek também não pode haver personalidade natural, senão somente jurídica, e a personalidade é criada pelo Estado. A liberdade que o “status negativus” garante não está relaciona- da com condições de vida concretas determinadas, senão com um estar livre geral e abstrato de coação não-legal. E o destinatário das pretensões do “status negativus”, o poder estatal, não está limitado de antemão justamente por aquela liberdade, senão é, em princípio, poder ilimitado, que simplesmente obrigou-se mesmo por concessão daquela liberdade que, porém, nem está obrigado à concessão de determinadas liberdades, nem pode ser juridica- mente impedido de eliminar novamente essa autovinculação, a não ser que o Estado deva perder seu caráter como sujeito de 21 Idem, ibidem. Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011 22 Idem, ibidem. 23 Idem, p.230-231.84

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃ vontade onipotente e, com isso, como Estado, ser abolido. Até onde o – potencialmente ilimitado – “status subjectionis” se estende, ele exclui autodeterminação e, por conseguinte, a personalidade.24 Observe-se que o status jurídico-constitucional tutelado pelosdireitos fundamentais não traduz o reconhecimento de um “sta-tus de liberdade e igualdade ‘natural’, pré-estatal e pré-jurídico e,por causa disso, independente do Estado e direito positivo. Porquetambém nessa compreensão ele seria –, outra vez, prescindindo detodas as objeções contra suas bases – não mais do que uma abstraçãoanti-histórica”.25 Na realidade concreta da vida humana, “liberda-de e igualdade do particular nunca são dadas ‘naturalmente’, senãoelas existem somente se elas são atualizadas na atividade humana.De todo, direitos fundamentais não são ‘naturalmente’, isto é, pré-juridicamente e pré-estatalmente assegurados, senão só lá onde elesfazem parte da ordem jurídica positiva estatal”.26 Sem garantia, organização e limitação jurídica pelo Estado e sem proteção jurídica, os direitos fundamentais não estariam em con- dições de proporcionar ao particular um status concreto, real de liberdade e igualdade, e de cumprir sua função na vida da coleti- vidade, e sem a conexão com as partes restantes da ordem cons- titucional, eles não poderiam tornar-se reais: primeiro na insta- lação na ordem total democrática e estatal-jurídica, constituída pela Constituição, e como seu elemento essencial, não como status “natural”, pode o status do particular, garantido pelos direitos fun- damentais, ganhar configuração e realidade.2724 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 231.25 Idem, p. 232.26 Idem, ibidem.27 Idem, ibidem.(RE) PENSANDO dIREITO     85

HED OROZIMBO SOARES BRITTES Como categoria de direitos subjetivos, os direitos fundamentais são direitos básicos do indivíduo, compreendendo suas condições como cidadão e como homem. São direitos que se incorporaram na tradição jurídica e nas Constituições dos Estados ocidentais, alcançando o patamar de princípios de direito, posicionando-se acima do Direito positivado; “diante do seu foro, nenhuma ordem pode pretender legi- timidade, que não incorpore em si as liberdades e direitos de igual- dade garantidos pelos direitos do homem e do cidadão”.28 Os direitos fundamentais são caracterizados como direitos de defesa do cidadão contra o Estado. No Estado liberal-constitucional são indispensáveis os direitos de defesa, não só em favor do cidadão, mas também em defesa da democracia, uma vez que a democracia “é domínio de pes- soas sobre pessoas, que está sujeito às tentações do abuso de poder, e porque poderes estatais, também no estado de direito, podem fazer injustiças”.29 Ao lado do conteúdo negativo que os direitos fundamentais encerram – de defesa do cidadão contra o Estado –, existe um conte- údo positivo “ao qual corresponde um lado positivo não menos impor- tante: a Constituição garante direitos fundamentais por causa da atua- lização das liberdades neles garantidas”.30 Nesse sentido, os direitos fundamentais não devem ser concebidos pelos cidadãos apenas como meio de se protegerem contra o Estado, “mas que devem, livre e auto-responsavelmente, configurar sua vida e cooperar nos assuntos 28 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 233. 29 Idem, p. 235. 30 Idem, ibidem.86 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃda coletividade”.31 Segundo Hesse, essa é a “liberdade positiva”,32 noentanto referida liberdade “é, naturalmente, mal entendida se dela éderivada a obrigação para uma determinada utilização da liberdade,com a conseqüência que toda outra utilização não é mais protegidapelos direitos fundamentais”.33 O conteúdo positivo dos direitos fun-damentais pressupõe a liberdade de escolher, que se exerce quandonão está dada apenas uma única alternativa. Por isso, é sempre não só garantida a liberdade positiva, de confes- sar uma fé, de manifestar uma opinião, de formar uma associação, e assim por diante, mas do mesmo modo, a liberdade negativa, de não confessar uma fé, de não manifestar uma opinião, de não ade- rir a uma associação, e assim por diante; de todo, é inadmissível pôr debaixo da liberdade jurídico-fundamental determinados ide- ais e restringir a liberdade do particular à apropriação “positiva” desses ideais. Com essa medida, nomeadamente alguns direitos de liberdade são, em um sentido mais amplo, direitos de cooperação, direitos de cooperação na vida espiritual, social e política, na “for- mação preliminar da vontade política” e na formação da vontade política direta do povo, isto é, porém, na vida da coletividade, na qual suas ordens ganham realidade e na qual se forma unidade política.34 Cumpre registrar que a Lei Fundamental alemã “não conhecedireitos fundamentais que se deixam qualificar de [...] direitos de terparte no sentido de direitos individuais à participação em prestações31 Idem, p. 236.32 Idem, ibidem.33 Idem, ibidem.34 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 236.(RE) PENSANDO dIREITO     87

HED OROZIMBO SOARES BRITTES estatais”.35 A Lei limita-se, essencialmente, a assegurar os direitos tradicionais do homem e do cidadão, “renuncia a direitos fundamen- tais sociais e toma, em vez disso, o caminho da normalização da fór- mula do ‘estado de direito social’, que não fundamenta diretamente pretensões individuais [...]”.36 A conversão dos direitos fundamentais em direitos de ter parte se tornou uma exigência do desenvolvimento da sociedade moderna, em que a liberdade real depende da criação, garantia e efetivação dos mesmos pelo Estado. Como direitos de liberdade, sem os pressupostos reais de sua utilização, seriam sem valor, o tribunal reconheceu a possibili- dade fundamental de uma compreensão de direitos de liberdade da Lei Fundamental como direitos de ter parte, naturalmente, com a reserva do possível no sentido daquilo que o particular razoavelmente pode exigir da sociedade. Significado prático, esse reconhecimento até agora ainda não obteve na jurisprudência do tribunal.37 Na condição de integrantes da ordem objetiva, formadora do status, os direitos fundamentais proporcionam a inserção do indiví- duo na coletividade, ao mesmo tempo, que fundamentam a ordem jurídica coletiva. Nesse sentido, à significação dos direitos funda- mentais “como direitos de defesa subjetivos do particular corresponde seu significado jurídico-objetivo como determinações de competências negativas para os poderes estatais”.38 35 Idem, p. 237. 36 Idem, ibidem. 37 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 237. 38 Idem, p. 239.88 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃ Sem dúvida, é sua função proteger os direitos fundamentais, podem eles ser obrigados a concretizar direitos fundamentais, e podem eles ser autorizados a limitar direitos fundamentais; mas o status individual da liberdade e igualdade garantido com essa medida pelos direitos fundamentais está subtraída à sua com- petência e ele é protegido por essa subtração contra os poderes estatais.39 A liberdade do cidadão garantida pelos direitos fundamentaisnão corresponde àquela ideia de liberdade natural, praticamente ili-mitada, como também exclui a concepção de um poder estatal onipo-tente. A ideia de poder estatal ilimitado não corresponde à concep-ção de Estado Democrático de Direito. Afirma Hesse: “Poder estatalconstitucional é, como poder juridicamente constituído, de antemãodeterminado e limitado por determinações de competências positivase negativas, e só na proporção, com isso dada, autorizado para exer-cício do poder jurídico”.40 Aos direitos fundamentais como direitossubjetivos corresponde seu significado jurídico-objetivo ao integrarema ordem jurídica total da coletividade e, nessa condição, determinamos conteúdos fundamentais dessa ordem. Os direitos fundamentais ao determinarem o conteúdo daordem jurídica total da coletividade, em decorrência funcionam comosuporte para formarem duas outras ordens: a da democracia e doEstado de Direito. Se a ordem democrática da Lei Fundamental consiste na participa- ção livre e igual na formação da vontade política direta por eleições e “formação preliminar da vontade política”, na legitimação livre dos politicamente condutores, na oportunidade igual da minoria de converter-se em maioria um dia, e na garantia de um processo39 Idem, ibidem.     8940 Idem, p. 240(RE) PENSANDO dIREITO

HED OROZIMBO SOARES BRITTES político livre e aberto, então esse conteúdo resulta, em grande medida, das normalizações dos direitos fundamentais. Eleições livres e iguais e legitimação dos politicamente condutores, como condições fundamentais da democracia moderna, assentam sobre a garantia dos princípios de Direito Eleitoral [...], formação da opinião pública e “formação preliminar da vontade política”, sobre a liberdade de opinião, associação e reunião; a oportunidade igual da minoria é garantida pelos princípios de Direito Eleitoral [...], pela igualdade de oportunidades dos partidos políticos [...], assim como pela liberdade de opinião, associação e reunião, e, do mesmo modo, a liberdade do processo político é possibilitada e assegurada pelas normalizações jurídico-fundamentais dos artigos 4º, 5º, 8º e 9º, da Lei Fundamental. Ao todo, a democracia da Lei Funda- mental assenta sobre a função dos direitos fundamentais como elementos da ordem objetiva do processo de formação da unidade política e da atividade estatal [...].41 Da mesma forma, os direitos fundamentais são os principais componentes e estruturadores da ordem estatal-jurídica. Assim, “nor- malizam princípios da estatalidade jurídica [...]. Eles determinam, como partes integrantes dessa ordem, o objetivo, os limites e o modo de cumprimento das tarefas estatal-sociais [...]”.42 Na condição de princípios da estatalidade jurídica, “eles são vinculativos para todos os poderes estatais [...] e nisso, igualmente, elementos fundamentais da ordem objetivo-jurídica da atividade estatal, cujo conteúdo é por ele determinado”.43 Os direitos fundamentais estendem sua importân- cia à ordem estatal-federal da Lei Fundamental alemã. Como estão acima da ordem jurídica dos Estados-federados e estes não possuem 41 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 240-241. 42 Idem, p. 241. 43 Idem, ibidem.90 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃcompetência para legislarem sobre eles, fundamentam a uniformi-dade jurídico-constitucional e se apresentam como indispensáveis à“configuração da ordem democrática e estatal-jurídica na federaçãoe estados, eles produzem efeito, no sentido da estatalidade federalmoderna, unificador, isso tanto mais quanto à federação é atribuídaa tarefa de assegurar essa uniformidade [...].44 Além do seu significado para o Estado e a sociedade, os direitosfundamentais constituem alicerce para outras esferas de direitos daordem coletiva. Servem de garantia do matrimônio e da família, dapropriedade e do direito de sucessão, “eles garantem bases da ordemjurídica privada”.45 Igualmente, os direitos fundamentais protegemoutros âmbitos da vida privada dos cidadãos, como a vida religiosa eespiritual, a arte, a ciência e grupos sociais. Coordenam espaços devida não estatais, considerados essenciais à coletividade, enquantopara o ensino é assegurado o direito de sua previsão estatal. Quanto ao relacionar segmentos dos direitos fundamentais, nacondição de componentes da ordem objetiva, com o estabelecimen-to de uma ordem de valores objetiva ou de um sistema de valores,resulta no questionamento do significado jurídico-constitucional des-se entendimento. Nesse sentido, Hesse destaca a crítica manifesta-da pela jurisprudência em relação ao delineamento anteriormenteindicado: “[...] não possibilita uma interpretação dos direitos funda-mentais segundo regras claras e visíveis, conduz a uma confluência44 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 242.45 Idem, ibidem.(RE) PENSANDO dIREITO     91

HED OROZIMBO SOARES BRITTES de valorações subjetivas do juiz, não necessariamente cobertas pelo conteúdo normativo dos direitos fundamentais e, com isso, também a perdas para a certeza jurídica”.46 Os direitos fundamentais não formam um sistema próprio, isolado. Aparecem reunidos num catálogo na Constituição, visando a “assegurar ou proteger âmbitos de vida individuais, especialmente importantes ou especialmente postos em perigo. Eles, por isso, não podem ser entendidos como ‘sem lacunas’. Isso também vale para a Lei Fundamental”.47 A Lei Fundamental aponta a conexão dos direitos fundamentais com todo o sistema jurídico-constitucional, em que o princípio supremo da dignidade humana “é desenvolvido nos ‘direitos fundamentais subseqüentes’ em direitos de liberdade e igualdade mais gerais e mais especiais”.48 Desta forma, “o entre- laçamento estreito de direitos fundamentais com a ordem objetiva da Constituição torna impossível entender os direitos fundamentais como um sistema próprio, fechado em si”.49 Direitos de Igualdade Com relação aos direitos de igualdade, Alexy destaca que é preciso “distinguir entre un derecho general de igualdad y derechos especiales de igualdad”.50 O artigo 3º, parágrafo 1, da Lei Fundamen- 46 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 243. 47 Idem, p. 244. 48 Idem, 244-245. 49 Idem, 245. 50 Alexy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p. 381.92 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃtal, dispõe: “Todas las personas son iguales ante la ley”.51 Levando-seem conta o texto do citado artigo, esta disposição foi durante muitotempo “interpretada exclusivamente en el sentido de un mandatode igualdad en la aplicación del derecho. Así pues, por definición, elmandato de igualdad en la aplicación del derecho puede vincular sóloa los órganos que aplican el derecho pero no al legislador”.52 Na realidade, a determinação de igualdade na aplicação dodireito apresenta “una estructura complicada, por ejemplo, cuandopara la precisión de conceptos vagos, ambíguos y valorativamenteabiertos, como así también para el ejercicio de autorizaciones de libredecisión, exige reglas referidas a casos concretos”.53 As normas jurí-dicas devem ser aplicadas nos casos que refletem sua previsão e nãonaqueles em que tal não ocorre, no entanto “que las normas jurídi-cas deben ser obedecidas ya los dicen ellas mismas al expresar undeber ser. En esta medida, el mandato de igualdad en la aplicacióndel derecho exige tan sólo aquello que, de todas maneras, vale si lasnormas jurídicas son válidas”.54 A regra anteriormente referida vincula os órgãos aplicadoresdo Direito às normas estabelecidas pelo poder Legislativo, sem con-traporem objeções “con respecto al contenido de estas normas, esdecir, sin vincular al legislador”.55 Nesse sentido, o legislador “puede51 Idem, ibidem.52 Idem, p. 382.53 Idem, ibidem.54 Idem, ibidem.55 Alexy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p. 383.(RE) PENSANDO dIREITO     93

HED OROZIMBO SOARES BRITTESdiscriminar como quiera y en la medida en que sus normas discrimi-nantes son aplicadas en todos los casos se cumple con el mandato deigualdad en la aplicación del derecho”. En contra de la limitación del significado del artículo 3 párrafo 1 LF al mandato de igualdad en la aplicación del derecho pue- den aducirse argumentos fuertes. El artículo 3 párrafo 1 LF sería una disposición de derecho fundamental que no podría vincular al legislador y, por lo tanto, tampoco lo vincularia. Esto contradiria, primero, el artículo 1 párrafo 3 LF que vincula a los três pode- res, es decir, también al legislador, a los “derechos fundamentales subsiguientes”. Segundo, contradiria la voluntad del legislador constitucional que, por lo pronto, habría formulado la vinculación del legislador justamente al principio de igualdad y que habría renunciado a uma formulación tal sólo porque ella era supérflua en vista del artículo 1 párrafo 3 LF. Tercero, contradiria la idea de los derechos fundamentales que expresan una desconfianza frente al legislador, lo que implica que las leyes por el dictadas – cuando ello es posible de manera racional – deben ser sometidas a un control racional sobre la base del principio de igualdad. Totalmente en este sentido, el Tribunal Constitucional Federal partió ya en sus primeras decisiones como de algo evidente, de la vinculación del legislador al principio de igualdad, es decir, de la interpretación del artículo 3 párrafo 1 LF no sólo como mandato de igualdad en la aplicación del derecho sino también de la igualdad en la formulación del derecho.56 A Lei Fundamental alemã garante a igualdade jurídica for-mal como, também, a igualdade no sentido material. A igualdadejurídica formal é a garantia diante da lei. Segundo Hesse, ela buscaa realização, sem exclusões ou discriminações, “do direito existente,sem consideração da pessoa: cada um é, em forma igual, obrigado e 56 Idem, ibidem. Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 201194

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃautorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário, é proibido atodas as autoridades estatais, não aplicar direito existente a favor ouà custa de algumas pessoas”.57 A igualdade jurídica formal constitui-se num dos fundamentos do Estado de Direito. Quanto à igualdade jurídica material, não significa que devaocorrer um tratamento igual sem que ocorra a distinção dos integran-tes das relações. A regra é de que tudo que é igual deve ser tratadode forma igual. Esclarece Hesse que o princípio da igualdade “proíbeuma regulação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrarregra igual. A questão é, quais fatos são iguais e, por isso, não devemser regulados desigualmente”.58 Com efeito, numa determinada situa-ção pode ocorrer a igualdade de um ou vários elementos, enquantopodem ser diferentes em outras. Em consequência, a “Concordânciaabsoluta em todos os característicos, inclusive da precisão temporale espacial, está logicamente excluída; ela significaria identidade”.59 A questão de se concluir e de se comprovar que determinadosfatos são iguais ou desiguais “refere-se, portanto, à essencialidade ounão-essencialidade dos característicos próprios dos fatos comparados;ela depende do ponto de vista sob o qual a comparação é feita”.60Nesse sentido, Hesse apresenta o seguinte exemplo: “Se, por exem-plo, o característico ‘pessoa’ for considerado como essencial, então57 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 330.58 Idem, ibidem.59 Idem, p. 331.60 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 331.(RE) PENSANDO dIREITO     95

HED OROZIMBO SOARES BRITTESalemães e estrangeiros devem ser tratados igualmente; se aparece ocaracterístico ‘nacionalidade’ como essencial, então um tratamentodesigual é admissível”.61 Por essas razões, a questão decisiva da igualdade jurídica material é sempre aquela sobre os característicos a ser considerados como essenciais, que fundamentam a igualdade de vários fatos e, com isso, o mandamento do tratamento igual, ou seja, a proibição de um tratamento desigual ou, convertendo em negativo: sobre os característicos que devem ser considerados como não-essenciais e não devem ser feitos base de uma diferenciação jurídica.62 A Lei Fundamental alemã prevê os direitos de igualdadeespeciais. Entre esses direitos está o de igualdade eleitoral, previs-to no artigo 38 da Lei Fundamental, o qual “refere-se somente aocaracterístico ‘alemães’ e a uma idade mínima, enquanto todas asdiferenças de sexo, de proveniência, de posse, de formação ou dacapacidade de compreender são considerados como não-essenciais”.63Como decorrência da igualdade eleitoral, apresenta-se a “igualdadede oportunidades dos partidos políticos, para os quais o importante é,fundamentalmente, só se um grupo é partido ou não, ao contrário, oimportante não é se ele é partido governista ou oposicionista, partidogrande ou pequeno”.64 A igualdade de oportunidades para os parti-dos políticos, independentemente da sua abrangência ou posição em 61 Idem, ibidem. Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011 62 Idem, ibidem. 63 Idem, p. 332. 64 Idem, ibidem.96

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃrelação ao governo, a Lei Fundamental alemã consagra “o princípiodemocrático mais amplo da proibição de uma diferenciação jurídicaentre maioria e minoria [...]”.65 Ainda com relação aos direitos especiais de igualdade, a LeiFundamental proíbe diferenciações entre homens e mulheres, inclu-sive na família, garantindo-lhes os mesmos direitos. Acrescenta a Leique “ninguém deve, por causa de seu sexo, sua linhagem, sua raça,sua língua, sua pátria e proveniência, sua fé, suas opiniões religiosasou políticas, ser prejudicado ou privilegiado”.66 A Lei Fundamentalproíbe a discriminação, determinando a efetivação da igualdade.Desta forma, a frase “‘homens e mulheres gozam dos mesmos direi-tos’, quer não só eliminar normas jurídicas, que unem vantagense desvantagens a caracteres sexuais, mas, para o futuro, realizarigualdade de direitos dos sexos. Ela visa à adaptação das condiçõesde vida”.67 Como direitos (de defesa) subjetivos, o artigo 3º, alíneas 2 e 3, da Lei Fundamental, opõem-se também a um tratamento desigual jurídico, pelo qual, à custa de um outro titular de direitos funda- mentais, igualdade geral efetiva de homens e mulheres deve ser produzida. Disso resulta a problemática jurídico-constitucional da introdução de “regulações de quotas”. Na medida em que estas afetam o acesso a cargos públicos, devem somente aptidão, habi- litação e rendimento ser considerados como critérios essenciais (artigo 33, alínea 2, da Lei Fundamental); uma preferência por causa do sexo é proibida, da mesma forma como um prejuízo.6865 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 332.66 Idem, ibidem.67 Idem, p. 333.68 Idem, p. 334.(RE) PENSANDO dIREITO     97

HED OROZIMBO SOARES BRITTES Fazem parte dos direitos de igualdade especiais as previsões do artigo 33, alíneas 1 e 2 da Lei Fundamental, “que garantem a igual- dade cívica de todos os alemães em cada estado e o acesso igual a cargos públicos, assim como as proibições de discriminação do artigo 33, alínea 3, e 140, da Lei Fundamental, em união com o artigo 136, alíneas 1 e 2, da Constituição do Império de Weimar”.69 Ocorrendo a falta de concretização da efetivação jurídico-cons- titucional do princípio da igualdade, “a questão sobre os caracterís- ticos da equiparação jurídica a ser considerados como essenciais, ou não-essenciais, converte-se em uma questão do princípio da igualdade geral. Este proíbe tratar o essencialmente igual desigualmente (e o essencialmente desigual igualmente)”.70 O princípio da igualdade geral, fundamento do Estado Social de Direito, exige dos poderes do Estado e, em especial, do legislador, a incumbência de levar em consideração para uma “equiparação ou diferenciação, cada vez, cri- térios justos para, assim, no sentido do princípio da justiça clássico, conceder a cada um o seu; qual desses critérios deve ser não se deixa determinar geral e abstratamente, mas sempre só com vista ao fato concreto que deve ser regulado”.71 É natural se projetarem entendimentos diferentes, a cada momento histórico, sobre a ideia de justo, apesar de se propugnar por uma unificação de entendimentos. É importante observar que, para se concretizar tal intento, não se pode, por causa das diferentes concepções, deixar de se obedecer ao princípio da igualdade geral. Quando “não se deixa achar um motivo razoável, resultante da razão 69 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 334. 70 Idem, p. 335. 71 Idem, ibidem.98 Ano 1 • n. 1 • Jan./Jun. • 2011

O DIREITO À IGUALDADE NA LEI FUNDAMENTAL ALEMÃda matéria ou, de outro modo, materialmente evidente, quando, por-tanto, para um modo de ver orientado pela idéia de justiça, a regula-ção deve ser qualificada de arbitrária”.72 Com essa fórmula, o Tribunal Constitucional Federal circunscre- veu, em jurisprudência constante, os pressupostos de uma violação do princípio da igualdade geral. Isso é exato, sob o aspecto do poder de controle judicial; o juiz se poria no lugar do legislador se ele mesmo quisesse decidir positivamente o que, cada vez, deve ser considerado como essencialmente igual e, por causa disso, não deve ser tratado desigualmente. Contudo, isso não muda nada na tarefa constitucional posta a todos os poderes estatais, especialmente ao legislador. O legislador não só tem de adotar regulações para as quais deve ser achado algum motivo materialmente evidente e que se mantém no quadro amplo do não-arbitrário, mas ele deve criar leis que, em todos os pontos de vista, são apropriadas e justas – mesmo que ele, somente nos limites extremos da proibição de arbitrariedade, esteja sujeito ao controle judicial. Aqui, como em outros casos, o conteúdo das normalizações jurídico-constitucionais não é equivalente à extensão do controle judicial-constitucional, a Constituição não só está posta na responsabilidade do Tribunal Constitucional Federal, mas também naquela do legislador que, conforme o artigo 20, alínea 3, e 1º, alínea 3, da Lei Fundamental, está vinculado à Constituição.73 A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal mostraque o órgão rechaça a arbitrariedade, contando, inclusive, com ocontrole jurídico-constitucional das leis. No exame de questões queatingem o princípio da igualdade, o Tribunal “se restringe, funda-mentalmente, ao sistema de ordem respectivo, examinando, portanto,72 Idem, ibidem.73 Hesse, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Ale- manha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 336.(RE) PENSANDO dIREITO     99


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