Última obra—começar
“Começar: esta cer- teza é a minha ce- gueira com a qual parto para toda a parte. Para a luz. Para a plenitude.” Almada
Tudo começava lá, ao princípio, num ponto: um simples ponto sem dimensões, e do qual partiam depois todas as linhas todos os ângulos, cones e sectores de uma esfera infinita da qual a terra era uma pequena reprodução e eu uma pequena reprodução da terra. Desde o ponto inicial até mim a linha era única e não pertence hoje senão a mim. No ponto inicial nasceram todos os destinos sem dono. jamais perdi o tempo com os mistérios dos outros ainda mesmo que as nossas vidas se cruzem. Não são as nossas vidas actuais que se comunicam já sei mas sim os nossos mistérios que dialogam. e eu acabo de chegar apenas ao limiar do meu mistério. eu tive d’inventar-me um génio discretíssimo para escapar através dos séculos à mecânica das actualidades. Para chegar até aos meus próprios pensamentos, aos meus pensamentos, só meus, eu tive muitas vezes de dar voltas ignóbeis! Mas até que cheguei aqui a isto que eu buscava, e que é o principiar em mim. Desde o ponto inicial já tudo começou para mim e passados séculos e séculos eu hoje vou exactamente em mim. Almada Negreiros, As quatro manhãs
“Começar…” “Tudo está, alfim, naquela parede incisa que faz a glória da Gulbenkian, começo do que era o artista, como menino da sua flor, dese- nhou, inventando o Dia Claro, para a ele vol- tar humildemente ao fim da vida, em testa- mento de sageza – que o traçado da desven- dada geometria é feito de leis assim afirma- tivamente inventadas, por equivalência gráfi- ca dos aforismos escritos, em outra espécie de gramática. Mas na mesma espécie de poe- sia”. José-Augusto França, in Um Prefácio - Almada Dixit de João Furtado Coelho
A obra mais importante da sua última fase, o painel em pedra gravada intitulado Começar, 1968-69, para o átrio do edifí- cio-sede da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
“…Vou simplesmente dizer o título da obra que eu concluí, que é uma obra síntese de tudo o que eu fiz na minha vida: é a Geometria. O título é COMEÇAR…” (A.N., 12/2/1969) Neste grande «muro», \"Almada reúne, nas quatro zonas solidárias da sua composição: a) um esquema gráfico da «relação 9/10» com o pentagrama inscrito na circunferência e um jogo de retângulos em que o «número de ouro» se representa; b) a «Figura Superflua Exerrore» de Leonardo da Vinci, a circunferência dividida por estrela de dezasseis pontas, ou por metade dela em razão do corte a que a parede força a composição; c) as tábuas de Pitágoras, centro ao mesmo tempo exato e emblemático de toda a composição gravada; d) o desenvolvimento de uma rede complexa de traçados que culmina na determinação do «ponto de Bahutte», ponto «colocado no círculo e en- contrado no quadrado e no triângulo», que já fora motivo de um dos quadros da série exposta em 1957\" A Arte em Portugal no século XX, José Augusto França , 1991
Painel “COMEÇAR” Um ponto que está no círculo E que se põe no quadrado e no triângulo. Conheces o ponto? tudo vai bem. Não o conheces? tudo está perdido. quadra popular corrente entre os entalhadores de pedra para a construção de catedrais no Sacro Império Romano
orientações de busca e criação de Almada Negreiros : \"a beleza não pode ser ignorante e idiota tal como a sabedoria não pode ser feia e triste\" temas principais: o número, a geometria (sagrada) e os seus significa- dos “a sabedoria poética e a sabedoria refletida têm entre elas uma fron- teira irredutível: o Número” http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/Almada.htm preocupação central: a determinação do enigmático Ponto de Bauhütte:
COMEÇAR… As duas orientações de busca e criação de Al- mada Negreiros foram a beleza e a sabedoria. Para ele \"a beleza não podia ser ignorante e idiota tal como a sabedoria não podia ser feia e tris- te\" (Freitas, 1985). Almada Negreiros foi um pintor- pensador. Foi praticante de uma arte elaborada que pressupõe uma aprendizagem que não se esgota nas escolas de arte; bem pelo contrário, uma aprendizagem que implica um percurso introspecti- vo e universal. O tema principal de Almada foi o número, a geome- tria (sagrada) e os seus significados, declarando que a sabedoria poética e a sabedoria reflectida têm entre elas a fronteira irredutível do número.
Almada revela-se assim um neopitagórico sendo este seu lado a fonte mais profunda da sua inspiração e da sua criatividade e, se- gundo Lima de Freitas, a sua “loucura” central. Vulto cimeiro da vida cultural portuguesa durante quase meio século, contribuiu mais que ninguém para a criação, prestígio e triunfo do modernismo artístico em Portugal. Na sua evolução como pintor, Almada passou do figurativismo e da representação convencional dos primeiros tempos, para a abstracção geométrica, matemática e numérica que caracteriza as suas últimas obras. A sua preocupação central foi a determinação do enigmático Ponto de Bauhütte. Essa procura ficou registada por vários textos, por numerosos traçados geométricos e por algumas pinturas a preto e branco que Almada foi acumulando, mas sem tornar público o fundo do seu pensamento. Antes de romper o quase segredo da sua busca, Almada realiza, para o Tribunal de Contas de Lisboa, um dos cartões para tapeçaria intitulado «O Número»
O motivo central é uma figura de um homem de braços e pernas aber- tos em cruz, como no célebre desenho de Leonardo da Vinci, inscrito num quadrado e num círculo, o qual se inscreve num segundo quadra- do, tudo sobre uma tela quadriculada. Em baixo desta podemos ler, um pensamento de Ésquilo : «Prometeu: dei-lhes o belo achado do núme- ro», e coroando toda a composição, uma legenda de Raimundo Lúlio: «Ah Numerante que estabeleces o Número!/Ah Espírito Santo que aperfeiçoas o Número!» No lado esquerdo podemos observar as «descobertas» de Almada que marcaram a sua vocação aritmológica: o vaso de Suse, o pormenor do friso do palácio de Cnossos (ao qual se refere em Mito, Alegoria e Símbolo), a Tetracktis pitagórica, o traçado com que Almada procura determinar o Ponto de Baühutte e a Figura superflua ex-errore de Leonardo da Vinci. Podemos ainda observar a figura de um grego emoldurada por dois pentágonos regulares entrelaçados.
Outro exemplo da tendência abstraccionista da segunda fase da obra de Almada, fruto das pesquisas ligadas à sua obsessão pelo número, é o painel «Começar». Esta obra é o grande testamento espiritual do Mestre Almada Negreiros, o documento fundamental do seu neopitagorismo. Pela primeira e última vez desvendou as suas intenções e pesquisas desenvolvendo no mural os motivos geométricos enumerados em « O Número». O painel, gravado em pedra no átrio de entrada do edifício principal da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, foi uma das últimas obras de Almada Negreiros. O painel consiste na sobreposição de alguns traçados geométri- cos resultando numa construção geométrica intrincada, onde linhas rectas e linhas curvas se cruzam por um processo elaborado e criati- vo.
Representação da razão 9/10 (da qual publicara o enunciado em «A Chave Diz» demonstrada num traçado que entrelaça o pentágono e o hexágono inscritos no círculo). A razão 9/10 é uma ideia muito própria de Almada Negreiros, constituindo para ele o ideal da harmonia, mais do que a razão de ouro. A Figura superflua ex-errore - motivo desenvolvido num desenho de Leonardo da Vinci, que divide o círculo em dezasseis partes iguais re- correndo à diagonal do quadrado de prata.
A estrela pitagórica ou pentágono regular estrelado, equivalente à divina proporção de Leonardo da Vinci. Parte do painel que corresponde à primeira tentativa do artista traçar o Ponto de Bauhütte. Talvez daí o nome «Começar» O seu testamento espiritual data de 1968 mas foi inaugurado apenas em 1969. Em 1970 Almada morre. Não se sabe se Almada Negreiros atingiu o traçado do Ponto de Bauhütte na sua totalidade, mas morreu \"pleno da certeza de que há uma ratio hermetica, de que existe uma «chave» que os homens esqueceram e cuja procura é urgente «começar : esta certeza - escre- veu já perto do fim - é a minha cegueira com a qual parto para toda a parte. Para Luz. Para plenitude»\" (Freitas, 1985). http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/Almada2.htm
Começar por Almada Negreiros
ou Ode à Geometria Luís Reis In Educação e Matemática | número 92 Março | Abril || 2007
Começar por Almada Negreiros ou Ode à Geometria O cânone O painel Começar (figura 1) é a derradeira grande obra de Almada Negreiros (São Tomé, 1893 – Lisboa,1970). Está no átrio da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. É uma obra extensa, gravada em calcário polido, com 12,87m de comprimento e 2,31 m de largura. Almada projectou a obra em 1968 e acompanhou de perto a sua execução no ano seguinte, por uma equipa de operários especializados. A obra foi inaugurada em Outubro de 1969. À primeira vista trata-se de uma sucessão de traçados geométricos, com profusão vertiginosa de linhas e arcos (secundados por texto, números e relações matemáticas mais discretas) que valem pelo equilíbrio estético e pelo jogo de cores. Em 12 de Fevereiro de 1969, Jorge de Sena proferiu uma conferência sobre Almada Negreiros Poeta. Almada, presente, pediu a palavra no fim, tendo a certa altura dito: “Eu acabei agora de fazer um trabalho de vários meses, oito meses consecutivos, trabalho obcecante, a ter de fazer. Em pormenor, basta dizer que o médico todos os dias me dizia: Você está-se a matar! e eu respon- dia-lhe: Mas se não fizer isto, morro! […] Vou simplesmente dizer o título da obra que eu concluí, que é uma obra síntese de tudo o que eu fiz na minha vida: é a Geometria. O título é Começar…” (1) Este painel aperfeiçoa e aprofunda a mensagem já transmitida na tapeçaria O Número, executada por Almada para o Tribunal de Contas de Lisboa (1958). É uma viagem às raízes da cultura, na procura do cânone, o conjunto de regras- que atravessa tempos e civilizações.
Declarou Almada numa entrevista ao Diário de Notícias (16.06.1960): Nós não pretendemos senão encontrar o cânone e não supuse- mos nunca que determinada época fosse a exclusiva. E assim é que, hoje, uma vez terminado o trabalho, uma vez chegado ao resultado, assim acontece. O cânone não está exclusivamente nos exemplos da Idade Média, não está só nos exemplos da Sumé- ria, não está só nos de Creta, Gregos, Bizantinos, Árabes, Hebrai- cos, Romanos ou Góticos. Ele está sempre e é por isso mesmo que ele é cânone. E cada época tira do cânone as suas regras. As leituras feitas de documentos antigos confirmam o que eu digo. O estudo deste cânone absorveu Almada. Desde 1916, quando se interessou pela primeira vez pela tábua quatrocentista Ecce Homo, (da Escola) de Nuno Gonçalves, nunca mais abandonou o desenvolvimento das intuições e descobertas que então lhe ocor- reram. O painel Começar é, pois, o seu legado espiritual às gera- ções vindouras. O título escolhido foi como se nos quisesse dizer que o seu último esforço não era mais do que um ponto de parti- da nesta demanda cósmico-filosófico-artística. (…) Disse Almada ao Diário de Notícias (07.06.1960): Ao arquitecto Prof. Ernest Mössel, para a reconstituição do anti- go conhecimento que é o mesmo dos nossos estudos para os painéis, na impossibilidade de encontrar os documentos históri- cos eruditos que parecia ficarem afinal enterrados para sempre
no resultado de estratagemas epocais do sigilo, serviu-lhe uma quadra popular corrente entre os entalhadores de pedra para a construção de catedrais no Sacro Império Romano. A quadra é esta: Um ponto que está no círculo E que se põe no quadrado e no triângulo. Conheces o ponto? Tudo vai bem. Não conheces? Tudo está perdido. Esta quadra era a ligação reconhecida por quantos colaboravam na construção e edificação de uma obra. O seu grémio de construtores chamava-se Bahütte […] Ora acontece que o ponto a que a quadra se refere é precisamente um que de- termina ʘ/7. Esse ponto e o extremo ʘ/7 determinam-se reciprocamente. E esse ponto e o extremo ʘ/7 dividem o diâmetro respectivamente em dez e nove partes iguais, e também em cinco e em três partes iguais. Na configuração de Almada (ver figura) encontramos o círculo, o quadrado e o triângulo. Este último não é equilátero, mas sim pitagórico, ou seja, triângulo rectângulo nas proporções 3:4:5. (…)
(…) Recorde-se que o tema do Ponto de Bauhütte tinha já sido tratado por Almada numa bela composição a preto e branco, de 1957 (figura 4).
(:::) Observações finais As questões sobre (im)possibilidade de divisão exacta do círculo eram do conhecimento de Almada, mesmo que não o fossem os pormenores teóricos. Mas, como artista, ele parte da sabedoria visual para a geometria, a qual precede a aritmética. Escreveu Almada, “a arte precede a ciência, a perfeição precede a exacti- dão” (5) afirmação que reforça dizendo, “A perfeição contém e cor- rige a exactidão.” (Diário de Notícias, 16.06.1960). O painel Começar é uma impressionante obra de arte abstracta, que o tempo e a localização tornaram um clássico. Além de revelar o interesse do autor pelas questões da geometria secreta dos artistas antigos, é paradigmático de um espírito sedento de verda- de e beleza, qualidades intemporais.
Almada Negreiros — O Artista Total aforismos e caricaturas
“A alegria é para os vivos, a coisa mais séria da vida! Alegria é saber muito bem por onde se vai, é ter a cer- teza de que o caminho é bom, que a direcção é a úni- ca.” Direcção única,1932 “Há tanta diferença entre o riso e a alegria, como en- tre a alegria e a tristeza. De uma maneira geral a dife- rença está em que o que é alegre não faz rir, nem entristece: faz bem!” Alegria e Tristeza, 1925 Queremos que o homem não fique um acréscimo da sua profissão, queremos que o homem caiba inteiro na inimitável forma da sua vocação pessoal. Aqui Cáucaso, 1965
Autocaricatura de Almada Negreiros Para criar a pátria portuguesa do século XX não são necessárias fórmulas nem teorias; existe apenas uma imposição urgente: Se sois homens sede Homens, se sois mulheres sede Mulheres da vossa época. Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, 1917
A Sabedoria e a Verdade são Únicas e o Homem diTverso. Isto é, a humanidade com todas as suas raças, religiões e civilizações diferentes, tem uma únicaT Verdade e uma única Sabedoria para to- dos. E precisamente a garantia da Verdade e da Sabedoria únicas, está na completa diversidade entre os homens e na sua desigualdade, e na rari- dade excepcional de cada um deles. Pierrot e Arlequim, Personagens de Teatro, 1924 Autocaricatura de Almada Negreiros
.O verdadeiro profundo é simples porque o simples nasce na profundidade. Só no simples o profundo se completa e não termina. Se é profundo, é simples; se é simples é profundo. Mas há o terror do simples! E o desdém do simples Ver, 1943 Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir, mas sim uma maneira de ser. Depoimento para catálogo do Salão dos Independen- tes,SNBA,1930 Uma época não é apenas uma questão de tempo mas essencialmente um sentido do novo no eterno. O Desenho, 1927
Autocaricatura de Almada Negreiros
.O verdadeiro profundo é simples porque o simples nasce na profundidade. Só no simples o profundo se completa e não termina. Se é profundo, é sim- ples; se é simples é profundo. Mas há o terror do simples! E o desdém do simples Ver, 1943 Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir, mas sim uma maneira de ser. Depoimento para catálogo do Salão dos Independentes,SNBA,1930
Mas quem não tiver sido antigo ainda não pode ser novo hoje. Ver, 1943 Autocaricatura de Almada Negreiros
Autocaricatura de Almada Negreiros Aqueles que não forem capazes de criar ou, pelo menos, verificar o novo no seu próprio tempo, es- tão tragicamente apartados do seu verdadeiro compromisso humano. São os maiores ignorantes do mundo: ignoram a Novidade, a Única! Ver, 1943
Ora, há duas espécies de novidades: a do que foi esquecido e a do que nunca foi conhecido. Nascer é vir a este mundo Não é ainda chegar a ser. As quatro manhãs, publicado em 1935 Autorretrato de Almada Negreiros
Autocaricatura de Almada Negreiros Estou sempre às portas da vida! A minha sombra segue-me, s.d. O destino de cada indivíduo neste mundo está por cima do seu próprio caso pessoal. Direcção única, 1932
Autorretrato de Almada Negreiros Mas eu não tenho medo de viver. O meu medo é incomparavelmente maior do que esse: tenho medo de não viver! Nome de Guerra, 1925
[…]a única morte, a vida que não foi vivida […] O Mundo Sensível, Ver, 1943 A Sabedoria e a Verdade são Únicas e o Homem diverso. Isto é, a humanidade com todas as suas raças, religiões e civilizações diferentes, tem uma única Verdade e uma única Sabedoria para to- dos. E precisamente a garantia da verdade e da sabedoria únicas está na completa diversidade entre os homens e na sua desigualdade, e na raridade excepcional de cada um deles. Pierrot e Arlequim, Personagens de teatro. 1924
A nova geração surge impassível com um único grito: Viver! Isso mesmo que os governos nunca pensaram que fosse o único desejo da nova ge- ração: Viver! A nova geração está farta das trevas provoca- das por azuis e encarnados e quer unanime- mente que Portugal seja uma nação respeitada em todo o mundo e, de maneira nenhuma, um terreno de apostas. Apostas dos de dentro e apostas dos de fora. A Nova Geração é contra Azuis e contra Encarnados, 1927 Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia – se é que a sua cegueira não é incurável – e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado. Manifesto Anti-Dantas e por Extenso, 1915
O respeito pela humanidade começa exactamente em cada um de nós. As 5 unidades de Portugal, 1935 Precisamente o difícil não é chegar aos Grandes, mas a si próprio!... Ser o próprio é uma arte onde existe toda a gente e em que raros assinaram a obra-prima. Pierrot e Arlequim, Personagens de Teatro, 1924 Autocaricatura de Almada Negreiros
O que está fora de dúvida é que cada um deve ser como toda a gente, mas de maneira que a humanidade tenha efectivamente um belo re- presentante em cada um de Nós. Pierrot e Arlequim, Personagens de Teatro, 1924 Na humanidade há pelo menos todas as ma- neiras de ser, de modo que o humanamente lógico é deixar viver todas as maneiras de ser. Respeitemos a própria realidade. Não racioci- nemos contra o próprio raciocínio. Direcção Única, 1932 Queremos que o homem não fique um acrésci- mo da sua profissão, queremos que o homem caiba inteiro na inimitável forma da sua voca- ção pessoal. Aqui Cáucaso, 1965
Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do sé- culo de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas. A Invenção do Dia Claro, 1921 Caricatura por Stuart Carvalhais
Todos os dias faz anos que foram inventadas as palavras. É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras. Uma palavra posta certeiramente no seu legítimo lugar é a sua melhor definição. E fora do seu lugar é apenas uma palavra. Arte e Artistas, 1993 Perguntaram-me se o teatro não era a mais fácil das artes. Respondi: não há artes fáceis, qualquer delas é fa- cilidade. Teatro é facilidade ali, à vista de todos. Arte é tornar fácil o difícil. O difícil é o espontâneo. Este vem no fim. Pois quando foi primeiro não esta- va lá o próprio. O meu Teatro, s. d.
Perguntaram-me se tinha modo meu para julgar o teatro. Respondi que sim: tapo os ouvidos e se no fim do espectáculo fico a saber contar a história, bate certo. O meu Teatro, s. d. Caricatura por Baltazar
Nenhuma arte tem de falar para todos a não ser o teatro. Grandes e pequenos, instruídos e analfabetos, sábios e ignorantes, no teatro todos são Um e, por conseguinte, só o que interessa o Único pode ser agradável a to- dos. A origem da palavra teatro refere-se À dispo- sição em hemiciclo dos lugares dos especta- dores de maneira que de qualquer lado cada um possa seguir a cerimónia pública. Por isso o teatro não pode desculpar-se com nenhuma espécie de ignorância, seja a que molesta os sábios, seja a que não ensine os ignorantes. Pierrot e Arlequim, Personagens de Teatro, 1924
Não é eventualmente hoje e neste lugar que eu ponho a Poesia primeiro do que a Arte. A Poesia, livre de toda e qualquer arte, onde ainda ou já não se sinta a ex- pressão da arte que a serviu, faz parte ín- tegra do recôndito mais puro da pessoa humana. A Arte é um estratagema para a Poesia. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936 É este precisamente o fenómeno que se dá com a Poesia e Arte. O que se deseja dizer é a Poesia; a maneira que se empre- ga para dizer é a Arte. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936
Mas em primeiro lugar estão precisamente os poetas, esses que têm o dom de descobrir os próprios fundamentos da vida, e ainda antes mesmo que a vida tenha podido assentar na rea- lidade. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936 Antes de ver no dicionário o significado da palavra “ingénuo” escrevi o título “Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia”, isto é, tinha intuitivamente encontrado uma força vital de puro sentido poético, origem e sangue da própria luz, terrível e bela como tudo o que vive. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936
A história da palavra “ingénuo” faz aparecer pela primeira vez esta palavra no direito roma- no para designar a condição do que não tenha sido nunca escravo. Foi buscar-se no latim a palavra que formasse o sentido exacto desta condição e nasceu então a palavra “ingenuus” que quer dizer nascido livre. Elogio da Ingenuidade ou Antigamente quem nascia livre, livre morria, e quem nascia escravo podia ganhar ou mere- cer a sua liberdade. Hoje todos nascemos in- génuos e quase todos morremos envenena- dos. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da
Autocaricatura de Almada Negreiros Vós que me ouvis sois testemunhas de que eu não faço o elogio dos ingénuos mas sim da ingenuidade. É só a ingenuidade que representa em si o estado de pureza em que é possível a vida do poeta. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936
Pelo menos tão tremendo como ficar-se um sim- ples ingénuo por toda a vida, é perder a ingenui- dade para o resto da vida. Elogio da Ingenuidade ou As Desventuras da Esperteza Saloia, 1936 Caricatura por Vasco
A arte não pode generalizar soluções, ou seja, não pode uniformizar uma. Única solução não há em arte. A não ser quando única seja a individual. O meu teatro, s. d. A pintura, a escultura, a arquitectura, a música, a literatura e o teatro necessitam constantemente de novos autores que as não deixem repetir-se nas personalidades já passadas. A Arte é criação, e a criação é originalidade, e a originalidade é iné- dita no mundo. Não é novidade que houve muito mais pintores, escultores, arquitectos, músicos, literatos e dramaturgos do que artistas. Isto é, as Belas-Artes e as Belas-Letras não são sistemas infalíveis para fazer artistas. A Arte tem outras leis íntimas que não sabem ser redigidas em lingua- gem oficial. Atingir a unidade que a Arte supõe, não é um mistério para alguns, mas é um segredo que fica no segredo de cada artista. Encorajamento à Juventude Portuguesa para o Cinema e para o Teatro, 1935
A arte é a própria linguagem do homem, do seu conhecimento do homem, a sua ciência do Ho- mem, mas apenas o artista soube ver e expres- sar diante da natureza. Duas palavras de um Colaborador na Homenagem ao Arquitecto Professor Pardal Monteiro, 1938 A Arte não vive sem a Pátria do artista, aprendi eu isto para sempre no estrangeiro. Conferência de encerramento do II Salão do Outono na Sociedade Nacional de Belas Artes, novembro de 1926. O desenho é o nosso entendimento a fixar o instante. O Desenho, 1927
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