com Sarah Affonso no Hotel Vitó- Sarah Affonso e Almada Negrei- ria, 1934 ros, na Quinta de Bicesse, em finais dos anos 40
com Sarah Affonso e os filhos, Ana Paula e José Afonso, anos 40
a trabalhar na Gare Marítima de Alcântara, Lisboa, 1945
Em 1969, no 1º programa Zip Zip da RTP, com os apresentadores
Em frente ao Restaurante Irmãos Unidos, em Lisboa,
Algumas obras 1915 | Frisos, Orpheu vol. 1, pp. 51–59 (prosas) A Cena do Ódio (poesia) | A Engomadeira (novela) | O Sonho da Rosa (bailado, realização) | Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso 1916 | Manifesto em apoio à 1ª exposição de Amadeo de Souza Cardoso - Liga Naval de Lisboa | Litoral (poesia) | Mima Fataxa Sinfonia Cosmopolita (novela) | Saltimbancos (novela). 1917 | Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX (conferência, publicada na Revista Portugal Futurista) | K4, O Quadrado Azul (novela) 1918 | O Jardim da Pierrette (bailado) 1919 | Histoire du Portugal par Coeur (poema em prosa). 1921 | O Menino d’Olhos de Gigante (poesia) | A Invenção do Dia Claro 1924 | Pierrot e Arlequim (teatro). 1925 | Nome de Guerra (romance); editado em 1938 | Autorretrato num grupo (pintura). 1926 | A Questão dos Painéis; a história de um acaso de uma importante descoberta e do seu autor (ensaio) 1929 | Decorações murais, Cine San Carlos, Madrid | Deseja-se Mulher / SOS (teatro), 1928-29.
1932 | Direção Única (conferência). 1933 | Arte e Artistas (conferência). 1935 | Maternidade (pintura). 1936 | Duplo Retrato (pintura), 1934-36. 1938 | Vitrais para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, 1934-38. 1940 | Vitrais, Pavilhão da Colonização, Exposição do Mundo Português, Lisboa. 1942 | Homenagem a Luca Signorelli (pintura). 1947 | Pinturas murais na Gare Marítima de Alcântara, 1945-47. 1948 | Pinturas murais na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, 1946-48. 1950 | Theleon e a Arte Abstrata (palestra) | A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves (ensaio). 1954 | Retrato de Fernando Pessoa (pintura). 1961 | Decoração das fachadas de edifícios na Cidade Universitária de Lisboa: Faculdade de Direito; Faculdade de Letras; Reitoria, 1957-61. 1969 | Começar, desenho inciso na parede do átrio de entrada da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1968-69. Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Almada_Negreiros#Obra_Pl.C3.A1stica
o artista plástico
… Na realidade eu não entendia o espírito nem a alegria senão através da Arte, palavra da minha muita simpatia e a qual, por isso mesmo, sempre me mereceu um A gran- de. Desde pequeno e especialmente desde que terminei o liceu, tudo o que não fosse Arte não era comigo, era com os outros. O Comércio, a Ciência e todas essas coisas que também se escrevem começadas por maiúsculas, eram- me todas interditas. A Arte não, era para mim. De modo que diante das sete portas por onde se entra para a vida, eu enfiei sem hesi- tação por aquela que tinha em cima estas quatro letras A, R, T, E. Só depois de entrar é que reparei que, apesar de se nascer artista como se nasce com os cabelos encara- colados ou de olhos azuis, a Arte tinha ainda muito que se lhe dissesse, e sobretudo Ela, que dizer aos artistas na- tos. Modernismo, Excerto de conferência proferida em Lisboa ,em novembro de 1926
Artista multifacetado, a obra de Almada reparte-se por áreas muito diversas. De todas a mais constante foi o desenho, para o qual mostrou vocação ainda muito jovem, durante a frequência Colégio Jesuíta de Campolide. Datam desses anos os trabalhos apresentados na sua expo- sição individual de 1913. A evolução de Almada é rápida; a ingenuidade das primeiras produ- ções em breve evolui para uma \"consciência gráfica com possibilidades de originalidade\"; e em trabalhos dos anos imediatos começam a vis- lumbrar-se traços do seu grafismo futuro, \"firme e elegante\". Sem jamais se submeter (antes ou depois) às regras da representação académica ou ao gosto naturalista ainda dominantes em Portugal, a sua forma de desenhar personalizada, caracterizada através da \"clareza do poder expressivo da linha sinteticamente elástica e definitiva\" está presente em desenhos de 1917 onde regista impressões das atuações dos Ballets Russes em Lisboa. A partir da estadia em Madrid (1927-1932), o seu desenho atinge \"novos rigores de apontamento visual e estilização, quer pela linha quer pelo sombreado\". A estadia em Paris em 1919-1920 marca, neste aspeto, um ponto de viragem. Com a sua \"confessada admiração por Picasso\", a partir da década de 1920 Almada aproxima-se do neoclassicismo, em figuras femininas maciças ou arlequins, para depois assistirmos à utilização
frequente de deformações e deslocações anatómicas (evocativas da vertente surrealizante de Picasso) e, finalmente, à assimilação das desco- bertas do cubismo sintético. A sua produção pictórica culmina na dé- cada de 1940 com os murais para as ga- res marítimas projetadas por Pardal Monteiro, onde realiza \"grandes sínteses\" de toda a sua pesquisa plástica. Nas intervenções iniciais da colaboração com Pardal Monteiro (igreja de Nossa Senhora de Fátima e Edifício do Diário de Notícias), Almada insere- se em contextos arquitetónicos que enriquece cuidadosa e equilibrada- mente. Nas gares algo diferente acontece; \"a decoração sobrepôs-se e a arquitetura é estreito corpo para aquela imensa alma que adquire força não apenas pela capacidade de transposição mítica do destino e da histó- ria da cidade, mas, como teria que ser, pelo manejo da linguagem pictóri- ca que, no caso da Rocha, assume o pós-cubismo do momento europeu com um rigor de composição e de uso que lhe garante o estatuto de [nas palavras de José Augusto França] «obra-prima da pintura portuguesa da primeira metade do século»\" Fonte: Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Almada_Negreiros
Retrato de Fernando Pessoa, por encomenda do café Os Irmãos Unidos, 1954 (atualmente pertença do Museu da Cidade e em exposição na Casa Fernando Pessoa.)
Em 1913 publica o primeiro desenho n’A Sátira - é necessário agitar a menta- lidade artística portuguesa. No mesmo ano faz a primeira exposição individu- al. São cerca de 90 desenhos. Fernando Pessoa escreve uma crítica à exposição. Quando Almada o aborda, responde-lhe que não percebe nada de arte... Nasce a amizade. http://www.vidaslusofonas.pt/almada_negreiros.htm Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, por encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, 1964. (em exposição na Fundação)
Pormenores dos painéis nas Gare Marítima de Alcântara e Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos
(nas páginas seguintes:) (…) manifesto intervencionista da autoria de José de Almada Negreiros, intitulado “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”. O escrito foi levado pela primeira vez a público pelo próprio autor, numa actuação conferencis- ta que realizou no Teatro da República em 14 de Abril de 1917, trajando uma indumentária de operário para o apresentar na cerimónia cuja organização teve a colaboração de Santa-Rita Pintor, tido, aliás, como chefe do movimento futurista em Portugal Este acto público constituiu o mecanismo de lançamento e oficialização do futurismo portu- guês. (…) http://vibiusscribonius.blogspot.pt
Às gerações portuguesas do século XX Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. Eu sou um poeta português que ama a sua pátria. Eu tenho a idolatria da minha profissão e peso-a. Eu resolvo com a minha existência o significado atual da palavra poeta com toda a intensidade do privilégio. Eu tenho vinte e dois anos fortes de saúde e de inteligência. Eu sou o resultado consciente da minha própria experiência: a experi- ência do que nasceu completo e aproveitou todas as vantagens dos atavismos. A experiência e a precocidade do meu organismo transbor- dante. A experiência daquele que tem vivido toda a intensidade de todos os instantes da sua própria viva. A experiência daquele que assistindo ao desenrolar sensacional da própria personalidade deduz a apoteose do homem completo. […]
Hoje é a geração portuguesa do século XX quem dispõe de toda a força criadora e construtiva para o nascimento de uma nova pátria inteiramen- te portuguesa e inteiramente atual prescindindo em absoluto de todas as épocas precedentes. Vós, oh portugueses da minha geração, nascidos como eu no ventre da sensibilidade europeia do século XX criai a pátria portuguesa do século XX. Portugal é um país de fracos. Portugal é um país decadente: 1 – Porque a indiferença absorveu o patriotismo. 2 – Porque aos não indiferentes interessa mais a política dos partidos do que a própria expressão da pátria (…) 3 – Porque os poetas portugueses só cantam a tradição histórica e não a sabem distinguir da tradição-pátria. Isto é: os poetas portugueses têm a inspiração na história e são portanto absolutamente insensíveis às ex- pressões do heroísmo moderno. 4 – Porque o sentimento-síntese do povo português é a saudade e a sau- dade é uma nostalgia mórbida dos temperamentos esgotados e doentes. O fado, manifestação popular da arte nacional, traduz apenas esse senti- mento-síntese. A saudade prejudica a raça tanto no seu sentido atávico porque é decadência, como pelo seu sentido adquirido definha e estiola.
5 – Porque Portugal não tem ódios, e uma raça sem ódios é uma raça desvirilizada porque sendo o ódio o mais humano dos sentimentos é ao mesmo tempo uma consequência do domínio da vontade, portanto uma virtude consciente. O ódio é um resultado da fé e sem fé não há força. […] Para criar a pátria portuguesa do século XX não são necessárias fórmulas nem teorias; existe apenas uma imposição urgente: Se sois homens sede Homens, se sois mulheres sede Mulheres da vossa época. O povo completo será aquele que tiver reuni- do no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades. É preciso criar o espírito da aventura contra o sentimentalismo literá- rio dos passadistas. É preciso criar as aptidões pró heroísmo moderno: o heroísmo quoti- diano. É preciso saber que sois Europeus e Europeus do século XX. (…) É preciso ter a consciência exata da Atualidade.
o escritor
ALMADA NEGREIROS – ESCRITOR Poeta Ensaísta Romancista Dramaturgo A sua criação literária compreende as seguintes obras: 1915 - novela A engomadeira (publicada em 1917); poema A cena do Ódio; Manifesto Anti-Dantas e por extenso. 1916 - Mima Fataxa (publicado em 1917 no Portugal Futurista). 1917 - Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, K4 O Quadrado Azul (novela) 1921 - Invenção do Dia Claro, (obra poética em prosa)
1925 - Nome de Guerra, (romance – publicado em 1938) 1935 - Deseja-se Mulher (drama publicado em 1935 e representado pela primeira vez em 1963 ) e SOS (2º ato publicado em 1935), que lhe completa o sentido. 1936 – Elogio da ingenuidade É no romance Nome de Guerra e na obra poética em prosa A In- venção do Dia Claro que melhor se paten- teiam os invulgares dons do Autor.
Almada para além da tela ou do Fabriano Almada, como ficcionista, revela-se um… bom artista plástico. A sua descrição do Porto, (a Ribeira) é feita com a justeza e a sobriedade de um olhar muito habituado a plasticamente ver. Almada podia não ter feito um desenho, pintado uma tela; nem por isso a sua olhadela seria menos revela- dora das suas aptidões plásticas. Há escritores em que isto não acontece. O ouvido deles é prevalentemente musical, por exemplo. Creio que é o que se dá com Aquilino. Será mesmo assim? Claro que estamos a falar de literatu- ra – e da boa – e só aproximativamente podemos aludir a música e a artes plásticas ao referirmo-nos a ela, mas a tentação sempre fica. (…) Almada era pintor e um desenhador, sobretudo um desenhador. Era também um escritor. A elegância nunca é nele um a mais. É mesmo elegância. Por isso o seu desenho e a sua frase com aquele ar definitivo e intocá- vel da coisa que encontrou (parece) a sua forma. (…)
Vamos ler Almada, a descrição que faz de Judite, a sua personagem de Nome de Guerra. Sem dúvida, a Judite era um achado raríssimo de cor e de forma. Desde o primeiro dia em que a vira até hoje, ia uma grande diferença. Eram mesmo duas Judites diferentes. A nova era mais justa do que a primeira. Tinha um pescoço horrível, sem ligação da nuca com as costas. Uma cova em triângulo entre as omoplatas e a falta do pes- coço. E aqui a cor era ordinária. Porém, a nuca perfeita de redondeza, nem saliente nem retraída. O tronco era uma verdadeira maravilha. Era todo o segredo da sua formusura. Os seios hediondos, partidos, duas excrescências inutilizadas. O busto curto mas sólido Os ombros gran- des, largos, levemente subidos. Os braços apertavam, desde o ombro até ao pulso, por uma forma ridícula e sem distância. As ancas cerra- das, entre menina e mulher. A linha dos ombros mais larga do que a das ancas, conforme a robustez do tronco. O ventre, bem posto, era contudo mais admirável do que formoso, mais escultural do que atra- ente. As coxas é que rompiam audaciosas. A cor das coxas era clara e a do ventre incomparavelmente menos clara. Via-se que era filha de uma pessoa muito branca e de outra bastante morena. Mas a mistura não estava bem feira: a sua pele ia desde o mármore rosa-pálido até ao tijolo sujo. As costas, genialmente bem divididas por um único vinco, firme, vertical, helénico, separando duas metades simétricas, amplas, até aos rins longos. Umas nádegas de rapaz. As pernas, se tinham
algum atractivo, não pertenciam contudo à maravilha daquele tron- co, esse acaso feliz da natureza. As barrigas das pernas grosseiras, saltimbancanescas. Os joelhos estropiados. Os pés horríveis, o pior de tudo juntamente com as mãos. Estas davam a impressão de não fecharem, desajeitadas, incompletas, mal terminadas, falhas de paciência. Os dedos não se punham direitos. As unhas roídas até para lá do meio. Enfim, as extremidades péssimas. Dir-se-ia que a desordem da sua vida ia dar cabo daquela obra-prima da natureza e começara a sua destruição pelas extremidades. A cabeça também era incompleta, mas tinha qualquer beleza que se ligava com o tronco. A testa pequeníssima ao alto e ao largo. Bons cabelos lisos, mal começados na frente, com remoi- nhos. As orelhas pobres, minúsculas engraçadas. Uma boca ingé- nua, sem a sua maldade, e um jeito pândego ao canto da direita. Autêntica boca de rua. Bons dentes, curtos, já separados, e as gengivas gastas. Os olhos míopes não davam o encanto que prome- tiam. O nariz pequeno e perfeito. O perfil desde o fim da testa, com a boca fechada, até ao busto, era formidável de inteireza e de ca- rácter meridional, peninsular, português. Bastante viril e sem por isso ser masculino. Parecido com os dos pagens do século XV. A diferença entre o perfil e a frente era esmagadora. Ela tinha escarrada num focinho animal a triste vida que levava. A fisionomia era canalha e grosseira, e o seu perfil, nobre e puro, não cabia ali. Alexandre O’Neill, in Uma coisa em forma de assim
Se a Judite fosse uma estátua, podia ser aproveitada como exem- plo de beleza depois de sofrer algumas mutilações. Estas seriam correspon- dentes aos estragos que a vida fizera sobre aquela natureza formosa e robus- ta. Por exemplo: destruir-lhe os seios. Não cortá-los: destruí-los completa- mente e deixar-lhes os vestígios de terem sido retirados. Cortar-lhe os braços como os da Vénus de Milo, isto é, conservando apenas a capa dos ombros e os sovacos. Aproveitar-lhe a cabeça, tanto quanto possível, apenas o perfil, e não deixar continuar as costas desde as omoplatas para cima. Fazer terminar a escultura uma mão travessa a cima dos joelhos. Respeitar sobretudo aquele tronco genial, feito de uma só peça. O corpo todo valia menos do que só o tronco. E conservar intacto o maior valor da estátua, o qual era a qualidade da matéria natural, infabricável, irrepetível, única na própria natureza que o criou, essa natureza que cria tudo independente de tudo! In Almada Negreiros, Nome de Guerra
“O idioma é a maior fortuna dum povo. Diz Tolstoi que “o idioma serve para os indivíduos comunicarem entre si os seus pensamentos”. Mas logo a seguir, ele próprio sente a neces- sidade de completar isto mesmo e continua: “A arte serve para os indivíduos comunicarem entre si os seus sentimentos e transmitir as suas emoções”. Faltava efetivamente os sentimentos e as emo- ções nos pensamentos. Deduz-se imediatamente que o idioma não pode prescindir da Arte enquanto que esta pode servir-se doutra linguagem que não seja o idioma, por exemplo, o desenho, a pintura, a música. Mas é isto mesmo: o idioma que é a maior fortuna de um povo não pode viver sem a arte. O idioma é a instrução dum povo. A Arte a sua educação.” Almada Negreiros, Arte e Artistas, 1993
«A Flor», poema de Almada Negreiros «– Je travaille tant que je peux et le mieux que je peux, toute la journée. Je donne toute ma mesure, tous mes moyens. Et après, si ce que j’ai fait n’est pas bon, je n’en suis plus responsable; c’est que je ne peux vraiment pas faire mieux.» (MATISSE) Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus luga- res, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor! ALMADA NEGREIROS, A Invenção do Dia Claro
Trecho de “O CÁGADO” Havia um homem que era muito senhor da sua von- tade. Andava às vezes sozi- nho pelas estradas a passe- ar. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um ani- mal que parecia não vir a propósito - um cágado. O homem era muito senhor da sua vontade, nun- ca tinha visto um cágado; contudo, agora estava a acreditar. Acercou-se mais e viu com os olhos da cara que aquilo era, na verdade, o tal cágado da zoologia.
O homem que era muito senhor da sua vontade ficou radiante, já tinha novidades para contar ao almoço, e deitou a correr para casa. A meio caminho pensou que a família era capaz de não aceitar a novidade por não trazer o cágado com ele, e parou de repente. Como era muito senhor da sua vonta- de, não poderia suportar que (…) Com base no conto \"O Cágado\" de Almada Negreiros, publicado na revista ABC em Junho de 1921, surgiram estas ilustrações.
as artes de palco
Almada Negreiros é, ainda, bailarino, actor, coreógrafo, cenógrafo, figurinista
TEATRO As primeiras peças de Almada datam de 1912, e a última de 1965. Na totalidade da sua produção nesta área, o destaque vai para “Deseja-se Mulher” (1928) e “Pierrot e Arlequim” (1924), que marcam uma rutura com a narrativa teatral naturalista, através de uma escrita fragmentária e profundamente poética. 1924 – Pierrot e Arlequim 1949 – Aquela Noite e O Mito de Psique
1949 – Antes de Começar “Só não entende o coração quem não sabe escutá-lo”. (Boneco) Num teatro de marionetas, um boneco e uma boneca, fora do olhar do Homem (o manipulador, o bonecreiro), ganham vida própria, falam da amizade, do amor, da vida, das relações humanas porque é precisamente esse o teatro de Almada – o dos sentimentos, das emoções e estados de alma. 1959 – Deseja-se Mulher (escrita em 1928) distingue-se pelo seu excelente diálogo vivo de uma transbor- dante oralidade e lírica apaixonada. 1963 – Aqui, Cáucaso 1965 – Galileu, Leonardo e Eu
BAILADO 1916 - O Sonho da Princesa na Rosa 1918 – A Princesa dos Sapatos de Ferro Bailado coreografado por José de Almada Negreiros, também autor dos figurinos, e levado a palco no Teatro de São Carlos em 1918. Figurino para o bailado “A Princesa dos Sapatos de Ferro”, 1918
A Princesa dos Sapatos de Ferro é o nome do bailado coreografado por José de Almada Negreiros, também autor dos figurinos, e levado a palco no Teatro de São Carlos em 1918, graças ao financiamento da condessa Helena de Castelo Melhor, em cuja residência Almada havia já apresentado o bailado, também de sua autoria, O Sonho da Princesa na Rosa, em 1916. A Princesa dos Sapatos de Ferro contou com música de Ruy Coelho e cenogra- fia de José Pacheko, tendo sido anunciado na edição de Portugal Futurista em 1917. Foi representado no teatro de São Carlos, pouco tempo depois dos Ballets Russes de Sergei Diaghilev terem também ali actuado. A presença da compa- nhia de Diaghilev foi um acontecimento marcante, e Almada contactou com o coreógrafo russo durante a sua estadia em Lisboa, entre Dezembro de 1917 e fim de Março de 1918. O bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro não deixa de ser fruto do impacto que provocara a companhia russa no ambiente artístico parisiense, que José Pacheko vivenciou nas largas temporadas passadas em Paris, onde teve opor- tunidade de assistir a espectáculos quer dos Bailados Russos, quer da compa- nhia de Isadora Duncan. O encontro com Diaghilev em Lisboa e os espectáculos por ele aí apresentados são de enorme importância para o projecto de mo- dernidade deste conjunto de artistas de que Almada Negreiros fazia parte. De lembrar que, em 1917, o bailado Parade levado a cena pela companhia de Diaghilev, com música de Erik Satie, tinha figurinos de Picasso. Os espectácu- los em Lisboa, dois no coliseu e um no S. Carlos, terão sido de peças diferen- tes, O Espectro da
Rosa e Thamar*. Mas a vontade subjacente de conjugar artes plásticas e artes de palco, de extravasar para todas as áreas de expressão artística uma concepção de arte activa e tão transformadora do real e construtora da modernidade quanto fruto, ela própria, da modernida- de, ou de transmitir uma «compreensão feliz da arte moderna»**, é a que também informa a proposta de bailado de Almada Negreiros. O figurino aqui representado está, pois, na esteira das propostas revolucionárias na cenografia e figurinos dos Ballets Russes, apresen- tando uma figura diabólica cujo fato é rigorosamente geometrizado e com uma relação de cores a que não será alheio o conhecimento dos contrastes simultâneos nos círculos órficos de Sonia e Robert Delau- nay. Sonia Delaunay, aliás, desenvolveu amplamente a sua pesquisa pictórica também em vestuário e figurinos, e na correspondência que lhe enviou Almada em 1915-16 fala-se de um projecto de “poèmes en coleurs” e “ballets simultanistes” entre ambos, nunca concretiza- do***. O desenho colorido a gouache, com cornos recurvos e garras triangu- lares, é do figurino da personagem do diabo desempenhada pelo pró- prio Almada, que foi também bailarino da coreografia que concebeu. Além do diabo, representava ainda o papel da bruxa. Existem fotogra- fias**** de Almada com este traje de demo, onde se podem ver algu- mas semelhanças com o figurino desenhado, embora sem as curiosas andas e com um padrão aparentemente menos complexo, talvez pela dificuldade em reproduzir o desenho original de forma fidedigna. Mariana Pinto dos Santos Junho de 2013
1918 - O Jardim de Pierrette
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