Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore Aconselhamento Pastoral

Aconselhamento Pastoral

Published by IEQ - Igreja do Evangelho Quadrangular, 2017-05-30 11:06:02

Description: Disciplina cujo conteúdo foi preparado para que o estudante SAIBA com base em fundamentos bíblicos da Palavra de Deus, procedimentos pastorais, partindo do estudo e análise dos conflitos que afligem a sociedade pós-moderna do Séc. XXI. Estes saberes levarão o estudante a SER um líder pastoral capacitado a FAZER acompanhamento e orientação das pessoas que buscam através da igreja, resposta, alívio e consolo para os seus conflitos, realizando encaminhamentos de forma multidisciplinar para a solução das situações de conflito.

Search

Read the Text Version

ACONSELHAMENTO PASTORALACONSELHAMENTO PASTORALPROF. DR. ALBERT FRIESENSecretaria Geral de Educação e Cultura – IEQ 2015 1

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR SGEC SECRETARIA GERAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA RUA CONSELHEIRO NÉBIAS, 1122 - CAMPOS ELÍSEOS - SP - FONE: (11) 3226-3131 DIRETOR EXECUTIVO Pr. Erivelton Tavares ELABORAÇÃO Prof. Dr. Albert Friesen PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS Prof. Pr. Marco Antonio Teixeira Lapa REVISÃO Prof. Roberto Carlos de Carvalho Gomes CAPA E PROJETO GRÁFICO Equipe SGEC DIAGRAMAÇÃO Antonio Dias PRODUÇÃO SGEC – Secretaria Geral de Educação e Cultura da Igreja do Evangelho Quadrangular Gestão: Pr. Erivelton Tavares EDIÇÃO: 2015TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a permissão escrita dosautores, por quaisquer meios, salvo em citações breves, com indicação da fonte. A violação dos direitos dos autores(Lei n.9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.2

ACONSELHAMENTO PASTORALSUMÁRIOPLANO DE ESTUDOS DA DISCIPLINA....................................................................................................... 7EMENTA ........................................................................................................................................................... 7OBJETIVO GERAL............................................................................................................................................. 7OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................................................................................. 7PROGRAMA DA DISCIPLINA............................................................................................................................ 7CAPÍTULO 1 – COMPREENDENDO DO QUE SE TRATA............................................................................. 91.1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................. 91.2 A QUEM ESTÁ DELEGADO ESTE MINISTÉRIO DA IGREJA?.................................................................... 101.3 PARA QUE ACONSELHAMENTO PASTORAL?.......................................................................................... 111.4 DEFINIÇÕES DE “ACONSELHAMENTO PASTORAL”................................................................................ 14LEITURA COMPLEMENTAR – UMA ANÁLISE DE MODELOS DE CUIDADOPASTORAL APLICADA À REALIDADE BRASILEIRA........................................................................................ 141.5 ENFIM, O QUE É ACONSELHAMENTO PASTORAL E O QUE NÃO É TAMBÉM?.................................... 18RESUMO DO CAPÍTULO 1.............................................................................................................................. 20AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 1................................................................................................................. 23CAPÍTULO 2 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO.................................................................................... 252.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 252.2 OS PRIMEIROS CONCEITOS E PRÁTICAS................................................................................................ 252.3 ACONSELHAMENTO NA MODERNIDADE............................................................................................... 282.4 POSICIONAMENTOS HISTÓRICOS.......................................................................................................... 292.4.1 REJEIÇÃO E EXCLUSÃO......................................................................................................................... 302.4.2 ASSIMILAÇÃO E INTERAÇÃO................................................................................................................ 302.4.3 ECLETISMO ........................................................................................................................................... 312.5 E O BRASIL, COMO VAI?.......................................................................................................................... 322.5.1 INFLUÊNCIA FUNDAMENTALISTA DE JAY ADAMS.............................................................................. 322.5.2 A ASSIMILAÇÃO E INTERAÇÃO NO MODELO EVANGELICAL DE GARY R. COLLINS......................... 332.5.3 A INFLUÊNCIA HOLÍSTICA DE LIBERTAÇÃO E CRESCIMENTO DE HOWARD CLINEBELL.................. 342.5.4 A ASSIMILAÇÃO PARCIAL DE MAPI-REVER......................................................................................... 342.5.5 A PROPOSTA PSICOTEOLÓGICA DO CPPC........................................................................................... 35RESUMO DO CAPÍTULO 2.............................................................................................................................. 36AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 2................................................................................................................. 39CAPÍTULO 3 – O(A) CONSELHEIRO(A) PASTORAL.................................................................................. 413.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 413.2 A NECESSIDADE DE DIFERENCIAÇÃO EMOCIONAL.............................................................................. 413.3 O PASTOR NÃO DORME COM AS SUAS OVELHAS................................................................................. 433.4 O SER DO CONSELHEIRO PASTORAL...................................................................................................... 443.5 ACONSELHAMENTO PASTORAL E PSICOTERAPIA................................................................................. 453.5.1 PSICOLOGIA.......................................................................................................................................... 453.5.2 ACONSELHAMENTO............................................................................................................................. 463.5.3 ACONSELHAMENTO PASTORAL........................................................................................................... 46RESUMO DO CAPÍTULO 3.............................................................................................................................. 48AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 3................................................................................................................. 49CAPÍTULO 4 – HABILIDADES NECESSÁRIAS NA VOCAÇÃO DO ACONSELHAMENTO PASTORAL.......... 514.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 514.2 ATITUDES POSTURAIS............................................................................................................................. 514.3 HABILIDADES TÉCNICAS, COMUNICACIONAIS E VERBAIS................................................................... 52 3

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR4.4 A ÉTICA DO ACONSELHAMENTO PASTORAL......................................................................................... 554.5 DETALHES DA ÉTICA PROFISSIONAL...................................................................................................... 57RESUMO DO CAPÍTULO 4.............................................................................................................................. 59AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 4................................................................................................................. 61CAPÍTULO 5 – A ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA....................................................................................... 635.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 635.2 ASPECTOS MAIS QUE PRÁTICOS QUE NÃO PODEM SER ESQUECIDOS............................................... 635.2.1 MARCAÇÃO DA ENTREVISTA............................................................................................................... 645.2.2 LOCAL DA ENTREVISTA......................................................................................................................... 655.2.3 DURAÇÃO DA ENTREVISTA.................................................................................................................. 665.3 CRITÉRIOS DO ACONSELHAMENTO COMO UM PROCESSO................................................................. 675.4 EM SINTONIA COM O ACONSELHANDO................................................................................................ 695.4.1 INÍCIO DA ENTREVISTA......................................................................................................................... 705.4.2 A CONCLUSÃO DA ENTREVISTA........................................................................................................... 705.4.3 AS TAREFAS........................................................................................................................................... 715.5 O BOM FECHAMENTO DE UM PROCESSO DE ACONSELHAMENTO.................................................... 725.5.1 COMPROMETIMENTO PARA O RETORNO.......................................................................................... 725.5.2 CONTRATO DO ACONSELHAMENTO PASTORAL................................................................................. 725.5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO ACONSELHAMENTO PASTORAL................ 73RESUMO DO CAPÍTULO 5.............................................................................................................................. 73AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 5................................................................................................................. 75CAPÍTULO 6 – ACONSELHAMENTO PASTORAL INTEGRAL.................................................................... 776.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 776.2 INTERFACES DA INTEGRALIDADE NO ACONSELHAMENTO PASTORAL............................................... 786.2.1 ANTROPOLOGIA.................................................................................................................................... 786.2.2 METODOLOGIA..................................................................................................................................... 796.2.3 ECLESIOLOGIA....................................................................................................................................... 796.2.4 RECURSOS SOCIAIS............................................................................................................................... 806.3 DEPARTAMENTO DE ACONSELHAMENTO PASTORAL........................................................................... 816.3.1 INTERVENÇÃO E APOIO EM CRISES.................................................................................................... 826.3.2 ORIENTAÇÃO ESPIRITUAL E RELIGIOSA.............................................................................................. 826.3.3 ESPAÇO PARA PSICOTERAPIA PROFISSIONAL.................................................................................... 826.3.4 ASSISTÊNCIA SOCIAL QUE ALCANÇA INCLUSIVE OS LARES.............................................................. 836.4 VISITAÇÃO E O ACONSELHAMENTO PASTORAL.................................................................................... 836.4.1 CAPELANIA HOSPITALAR...................................................................................................................... 846.4.2 VISITAÇÃO HOSPITALAR GERAL POR VOLUNTÁRIOSTREINADOS E ORIENTADOS PELA CAPELANIA HOSPITALAR...................................................................... 846.4.3 VISITA AOS FAMILIARES DE PESSOAS DOENTES E/OU HOSPITALIZADAS........................................ 856.5 QUEM ACONSELHA O CONSELHEIRO?................................................................................................... 866.5.1 AÇÕES PREVENTIVAS............................................................................................................................ 866.5.2 CUIDADOS COM AS REAÇÕES PESSOAIS DIANTE DO ACONSELHANDO.......................................... 876.5.3 O MARAVILHOSO CONSELHEIRO........................................................................................................ 876.5.4 FORMAS COMO O ACONSELHAMENTO DO CONSELHEIRO PODE OCORRER PROFICUAMENTE... 87RESUMO DO CAPÍTULO 6.............................................................................................................................. 88CRÉDITOS DO AUTOR............................................................................................................................ 90FINAL...................................................................................................................................................... 90REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 914

ACONSELHAMENTO PASTORALAPRESENTAÇÃO Prezados Alunos! As faculdades teológicas da atualidade concedem mais valor à praxis pastoral do aconselhamento. Éfundamental que todo pastor, obreiro e líder de igreja conheça profundamente a Bíblia. Porém, as pessoasesperam mais. Elas querem, pois necessitam, pastores e líderes com quem possam conversar profundamentesobre as suas vidas, seus problemas, sonhos e angústias. E não lhes basta que o pastor ouça, depoissimplesmente cite textos bíblicos a serem seguidos. O membro de igreja instruído quer um espaço em quepossa refletir assistidamente de maneira pessoal a sua vida. A demanda não se dá apenas a partir dos membros. Os próprios pastores, obreiros e líderes sabemque a luta espiritual é muito complexa e não basta o ensino generalizante do púlpito. É necessário analisarindividualmente caso a caso, é necessário ajudar para que os fiéis possam aprender a buscar a solução dosseus problemas e resolvê-los por si, caso contrário dependerão indefinidamente da ajuda pastoral. E todocrente, depois de ter sido instruído, deve difundir e passar adiante a ajuda que recebeu. Realizar esta comissãode ajudar depois de ter sido ajudado, não se ensina ou aprende apenas através de aulas e lições, antes sim,através de experiências vivas e pessoais. Depois, claro, também através de treinamento. Portanto, lídereseclesiásticos se aprimoram no aconselhamento pastoral. Nos últimos 20 anos os cursos de aconselhamentotêm proliferado em todo Brasil, especialmente a partir de faculdades teológicas. A oferta secular de ajuda através da Medicina e da Psicologia informa às pessoas que é possível obtermais ajuda através da interação profissional. Assim, membros e pastores buscam realizar o que veem quese realiza nos programas de saúde de países mais desenvolvidos adaptando seus esforços à realidade dascomunidades eclesiásticas. Este livro é material introdutório para essa missão complexa da Igreja, que é o ministério do aconselhamentopastoral. Este material, portanto, quer ajudar o estudante no aprendizado das noções básicas. Porém, desdejá deve ficar claro: uma apostila não faz de ninguém um conselheiro. Tal qual o piloto necessita de muitashoras de voo antes de transportar pessoas, o conselheiro necessita de cursos e treinamentos práticos antesque possa ajudar com eficácia a pessoas nas tramas complexas desta vida. Neste curso propõe-se assim a definição de aconselhamento pastoral, a diferenciação de outras práticassimilares como psicoterapia e/ou aconselhamento psicológico. Propõe-se apresentação e discussão dodesenvolvimento histórico desta missão, do ministério pastoral. O próprio agente do aconselhamento, oconselheiro e a conselheira, precisam ser tratados. Discute-se aspectos de preparo e crescimento pessoalpara que ao ajudar outros, não se seja ferido o ponto de desistir de cuidar de outros. Médicos que tratamde feridas também já se feriram, e quem cuida de outros pode precisar de ajuda também. Este livro partedo princípio que aconselhamento pastoral é apenas um ministério dentre muitos outros da praxis pastoral.Assim sendo, apresenta-se como pode acontecer a interação efetiva do aconselhamento pastoral no todo dasatividades da igreja. O autor desta apostila espera que todos os alunos sejam despertados para a beleza e necessidade doministério de aconselhamento, bem como da necessidade de permanecerem em constante treinamento eformação enquanto atuarem como conselheiros. O bom conselheiro se torna amante do estudo constante doser humano, seja por livros, seja por cursos de especialização. Você vai encontrar nesta apostila seis capítulos. Cada um quer lhe aproximar de um tema importantíssimodo aconselhamento pastoral. Assim, prepare-se para debater vários conceitos: aconselhamento, Psicologia, pastoral e igreja. Oaconselhamento pastoral é bíblico? Quem pode realizar aconselhamento? Pode a Psicologia contribuir paraum aconselhamento pastoral mais eficaz ou por sua natureza secular oferece perigo? De fato, historicamente oaconselhamento pastoral, tal qual o conhecemos em nossos días, teve sua estrutura e método implementadopelo surgimento da Psicologia. Assim, esta unidade diferencia entre aconselhamento pastoral, aconselhamentopsicológico, aconselhamento bíblico e psicoterapia. 5

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR Vamos estudar também a história do aconselhamento pastoral. Cuidar dos outros não é meramente uminstinto. É uma missão. E como tal se desenvolveu a partir da Filosofia, da Teologia cristã. Mas, preste atenção estimado estudante! Os métodos e os conteúdos não existiram da mesma maneiracomo na contemporaneidade. Cada época praticou o aconselhamento orientado pela Filosofia e Teologia vigentes. Igualmente as culturase os poderes institucionais definiram métodos e conteúdos do aconselhamento. Assim, esta unidade descreveo aconselhamento como se apresenta hoje. O estudo do Aconselhamento Pastoral não pode deixar de enfocar o agente do aconselhamento.Ser conselheiro significa ser preparado para tal. A unidade apresenta habilidades necessárias, cuidados eprevenções, especialmente a da ética do sigilo. Claro, muito aconselhamento é realizado distante de holofotes e dos olhos do público eclesiástico emgeral. Isso faz parte da própria natureza desta vocação. Porém, a igreja pode e deve organizar-se para, alémde ser eficiente neste ministério, tornar-se também eficaz. Assim, vamos estudar o aconselhamento pastoraltambém numa perspectiva do todo de missão da Igreja. Aconselhamento pastoral é pressuposto nesta apostilacomo praxis pastoral integral. Assim sendo, é necessário pensar o aconselhamento diante de e em conjuntocom todos os outros ministérios. Boas descobertas! Bons estudos! Prof. Dr. Albert FriesenOlá, Estudante!Eu também voucaminhar com vocêna sua aventuraacadêmica! Vouindicar outrasfontes bibliográficasa respeito deaconselhamentopastoral. Lheorientarei quandotiver que avaliar assuas conquistas jáfeitas. Quando vocêquase cansar, estareilá para lhe dar umchacoalhão! Vamos?6

ACONSELHAMENTO PASTORALPLANO DE ESTUDOS DADISCIPLINAEMENTA Esta disciplina apresenta uma perspectiva do que contemporaneamente se denomina aconselhamentopastoral como práxis religiosa em igrejas cristãs. A disciplina integra o tema interdisciplinarmente etransdisciplinarmente com outras ciências humanas afins.OBJETIVO GERAL Explanar o aconselhamento pastoral como missão, teoria e prática.OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Auxiliar a quem ajuda outros sem ser profissional em Psicologia ou Psiquiatria. • Facilitar o acesso a algumas informações básicas para uma ajuda eficiente. • Desenvolver habilidades em pessoas comuns para que possam detectar problemas antes que estes se tornem graves, para encaminhar a profissionais competentes e instituições recomendáveis e assim prevenir agravamento de problemas. • Preparar pessoas que sirvam como ponte entre a comunidade e os serviços profissionais de ajuda, sejam particulares, públicos ou filantrópicos.PROGRAMA DA DISCIPLINA CAPÍTULO 1 – COMPREENSÃO DO TEMA CAPÍTULO 2 – O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO CAPÌTULO 3 – O CONSELHEIRO ENQUANTO PESSOA CAPÍTULO 4 – HABILIDADES NECESSÁRIAS CAPÍTULO 5 – A ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA CAPÍTULO 6 – ACONSELHAMENTO PASTORAL INTEGRAL 7

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR8

ACONSELHAMENTO PASTORALCAPÍTULO 1COMPREENDENDO DO QUE SE TRATA CAPÍTULO01 FIG. 1: ACONSELHAMENTO PASTORAL; em metodista.br; em 06.set.20121.1 INTRODUÇÃO O desafio do Capítulo 1 de Aconselhamento Pastoral é definir os objetivosdo estudo; delimitar o Aconselhamento Pastoral como ministério de todos oscristãos e não apenas de pastores, ministros e líderes religiosos; compreendera finalidade do Aconselhamento Pastoral na missão da Igreja cristã. A definiçãodetalhada de Aconselhamento Pastoral quer ajudar na condução dos estudospara que o(a) estudante saiba com precisão do que se trata neste livro, alémdisso, que possa exercer criteriosamente este ministério. Como o Aconselhamento Pastoral tratado neste livro é pensado daperspectiva da metodologia contemporânea, é necessário discutir o tema emrelação à Bíblia. Por fim, o desafio será o de refletir o que o AconselhamentoPastoral tem a ver com a Psicologia e o que não tem a ver para não confundircom psicoterapia e abordagens terapêuticas advindas da ciência secular. Cuidado pastoral não é um tema novo no contexto da fé e práxis cristã.Ele é intrínseco à natureza da própria igreja: Atos 20.28. O povo de Deus édesafiado ao compromisso do cuidado mútuo e pastoral 2 Cor 1. 3-5; 2 Cor5. 18-19. Todas as pessoas são procuradas vez ou outra para aconselhamento,tanto líderes religiosos quanto leigos; pessoas que trabalham na igreja ouem profissões seculares. Este livro quer ajudar a ser um conselheiro melhor. Onde há comunidade, há pessoas com problemas: brigas, depressão,drogas, crises, conflitos, problemas familiares, matrimoniais e outros. Mas,onde há comunidade, também existem pessoas tentando ajudar. A iniciativade busca da ajuda pode ser de quem precisa de ajuda, a iniciativa pode ser dequem observa que alguém está precisando de ajuda (de terceiros). Esse espaçoe oportunidades na igreja e na comunidade, a priori, são inalcançáveis paraprofissionais da ajuda: médicos, psicólogos, neurologistas, assistentes sociais, 9

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARpsiquiatras e outros. A sua atuação é muito asséptica em consultórios, laboratórios, mediados por secretárias,telefones e salas de recepção. O processo da interação de ajuda na comunidade se desenvolve naturalmente. Um líder, uma pessoa maisexperiente, uma pessoa madura se torna um imã para quem sofre ou precisa discutir um conflito existencial. Atroca relacional e de ajuda a partir da perspectiva mais madura acontece na família, entre pessoas que formamgrupos de trabalho ou de interesses, também entre amigos. Nos relacionamentos primários existem poucasbarreiras para que uma pessoa interaja com outra numa busca sanadora. Os objetivos deste livro, portanto, ambicionam: • auxiliar a quem ajuda outros sem ser um profissional. • Facilitar o acesso a algumas informações básicas para uma ajuda eficiente. • Treinar a quem aconselha em sua comunidade e na sua família para que o esforço seja bem sucedido. • Desenvolver habilidades em pessoas comuns para que possam detectar problemas antes que estes se tornem graves, para encaminhar a profissionais competentes e instituições recomendáveis e assim prevenir agravamento de problemas. • Preparar pessoas que sirvam como ponte entre a comunidade e os serviços profissionais de ajuda, sejam particulares, públicos ou filantrópicos. O aconselhamento laico e o aconselhamento pastoral têm se apresentado muitas vezes como a primeiraoportunidade quando uma pessoa precisa de ajuda. Essa atividade existe, quer se queira, quer não. Não épossível eliminar essa atividade pelo receio do mal que pessoas não especializadas possam causar. A opçãomais sábia é treiná-las. Aliás, provavelmente é a única opção. Agregar informações e experiências que possamenriquecer a presença e a ação do/da conselheiro/a comunitário/a (algumas linhas de pensamento chamamestes conselheiros de “facilitadores”). Estudante, descubra mais informações a respeito em: ZANDRINO, Ricardo. Curar também é tarefa da Igreja. São Paulo: Nascente, 1986.1.2 A QUEM ESTÁ DELEGADO ESTE MINISTÉRIO DA IGREJA? O termo “aconselhamento pastoral” não é encontrado na Bíblia em nenhuma tradução. Mas, no originalgrego existem outras palavras que descrevem o mesmo processo que se entende por aconselhamento pastoral:paracalein, paraclesis. Aliás, estas palavras têm uma mesma raiz que vem de parácleto, que conceitua oEspírito Santo como consolador e orientador. Outra palavra na linguagem original da Bíblia é poimênica, e define “a ciência do agir do pastor”. Poimênicaé, portanto, o ministério de ajuda da igreja cristã para seus membros e outras pessoas que buscam ajudaespiritual, emocional, relacional e de saúde. E é dever de todo cristão, não somente do pastor. O Aconselhamento Pastoral procura ajudar, através da conversação pastoral, de conselhos baseados naBíblia e de uma metodologia que se desenvolveu a partir da Psicologia. Talvez a melhor definição bíblica que se tem para explicar o que é Aconselhamento Pastoral se encontra emSalmos 139.23-24: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos;vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”.10

ACONSELHAMENTO PASTORAL Vamos enfatizar, então, a questão: aconselhamento pastoral pode ser exercido somente por pastores? Não!!! Aconselhamento Pastoral pode ser exercido por todas as pessoas que tiveram um encontro pessoale transformador com Jesus Cristo, que estejam inseridas no trabalho de uma igreja, que conheçam a Bíblia eque tenham recebido de Deus a convocação de ajudar pessoas através do aconselhamento ou outras formas deapoio (ADAMS, 1977, p. 55ss). Assim, líderes de jovens, de grupos familiares, de união de senhoras ou mesmoporteiros poderão ser conselheiros pastorais, pois estando em contato com as pessoas serão solicitadas paraajudar, quer ela queiram isso, quer não. Além disto, o pastor muitas vezes está tão sobrecarregado que nãoconsegue atender todas as pessoas que necessitam de ajuda. Aconselhamento Pastoral não é simplesmente passar conselhos... Aconselhar é saber ouvir, entender e fazer-se entender, tendo em vista o fundamento bíblico e a estruturaemocional e psíquica do ser humano. Para muitas pessoas esta atividade parece ser difícil. Mesmo alguns pastores não a exercem por terem aimpressão que o Aconselhamento Pastoral não surte os efeitos esperados. Mas, o Aconselhamento Pastoralpode ser aprendido e aperfeiçoado. Existem excelentes livros que falam sobre este ministério no Reino deDeus. Surgem sempre mais cursos, oferecidos por pessoas preparadas, que podem facilitar o processo deaprendizagem da arte do aconselhamento.1.3 PARA QUE ACONSELHAMENTO PASTORAL? O evangelho é a anunciação das boas novas. “Aconselhar” poderia ser definido, portanto, comoproclamação do evangelho e proclamação do perdão dos pecados. Aconselhamento pastoral é, antes de tudo,a comunicação da Palavra de Deus. No aconselhamento pastoral se desenvolve um diálogo entre conselheiroe aconselhando que deve levar ao rompimento com a vida nas trevas. Para tanto, são utilizados os princípiosbíblicos de conduta e de decisões. Este é o aconselhamento em nome de Jesus Cristo. Não há nada de novoneste parágrafo. Mas aconselhamento pastoral não pode ter como único objetivo levar a pessoa a romper com satanáse buscar a comunhão completa com Deus, ainda que em termos teológicos este objetivo esteja correto ecompleto. O indivíduo que já possui a certeza de salvação deve ser ajudado a crescer na santificação, no viverbem, em “plenitude e abundância de vida” Jo 10. 10. O aconselhamento pastoral deve tratar das tensões interiores e dos diferentes complexos que interferemna qualidade de vida. Deve promover a libertação de atitudes inadequadas e distorções de percepção quantoà realidade. Deve favorecer a libertação dos medos, culpas e das iras inadequadas. Estas tarefas deverãoser efetuadas com os recursos da Palavra de Deus, somado aos recursos que o conselheiro poderá obter daPedagogia, Psicologia e Filosofia. Os recursos bíblicos devem permanecer básicos e preponderantes; estescomo diretrizes e aqueles como complementares e auxílios instrumentais do aconselhamento. No livro dos Atos dos Apóstolos se lê que a primeira igreja cristã tinha a missão de cuidar integralmente dosseus seguidores, levando em conta suas necessidades físicas, psíquicas e espirituais. Por vários séculos de fato 11

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARa Igreja manteve a perspectiva do cuidado integral. Porém, com o advento do racionalismo, das várias ciênciasespecialmente médicas depois do século XVI, as funções e o cargo de cuidar das pessoas foram distribuídassegundo as formações acadêmicas. O cuidado das pessoas se profissionalizou. À Medicina, foi entregue o corpo;à Psiquiatria e à Psicologia, a psique ou a chamada alma (emoções; mente; vontade; volição). Aos poucos ficouculturalmente definido que a Igreja cuidaria das coisas espirituais e do espírito. Assim sendo, a Igreja aperfeiçoou seus credos, sua Teologia, a liturgia, o evangelismo e o ensino da Bíblia.Porém, afastou-se do cuidado integral como inicialmente sucedia. É compreensível que um missionário ou umpastor não consiga desenvolver também habilidades médicas, psicológicas e/ou psiquiátricas. As áreas sãoextremamente amplas e profundas para uma só pessoa cumprir com todas as tarefas decorrentes. Porém, aIgreja perdeu a oportunidade de organizar todas essas áreas como uma função do Amor de Deus, permitindoassim que se profissionalizassem, com a decorrente elitização dos serviços. Quer dizer, apenas quem conseguepagar é que recebe os serviços. O professor von Weizäcker (1947, p. 29) descreve esta distribuição de atribuições dos cuidados com oser humano assim: Nos séculos XVI e XVII a ciência se separou da Teologia e da Igreja. Nos séculos XVIII e XIX a medicina e a ciência se separaram da Filosofia. Estes foram desdobramentos da razão com consequências indeléveis para a humanidade... que poderá nos ensinar que a Psicologia tem uma ajuda a oferecer ao aconselhamento pastoral, afastando as separações, reconciliando os irmãos inimigos. Este “esquartejamento” das áreas do saber que concernem ao cuidado humano tem recebido atençãono século XX por parte de filósofos, biólogos, sociólogos e epistemólogos, enfim, da sociedade científica quepercebe que ajuda real precisa ser sustentável, ecologicamente correta, especialmente depois da segundaguerra. Há um movimento de reconciliação entre as diferentes áreas científicas e uma tentativa profícua detrabalho conjunto. Entre as escolas psicológicas a aproximação é representada especialmente pela Terapia Familiar Sistêmica apartir das Teorias Sistêmicas. Busca-se entender e ajudar o ser humano, considerando seu todo social e familiar,não apenas individual. Enfatiza-se que este não é apenas fruto dos seus impulsos interiores, mas que ele estárelacionado antes de tudo com sua família e também com a sociedade em que vive. Assim sendo, quando oindivíduo se desequilibra e apresenta problemas, devem-se levar em conta as forças que vêm também do seumeio e de como este indivíduo interage com o mesmo. Ao tratar o ser humano na perspectiva do todo, evita-se dissecá-lo, como infelizmente muitas vezes se têmfeito inclusive a partir da prática pastoral. Por exemplo, muito facilmente qualquer problema tem sido rotuladode “espiritual”. Ou frequentemente pacientes esquizofrênicos em surto tem sofrido “expulsão de demônios”.Dependentes de drogas têm sido isolados para desintoxicação, sem que seus respectivos ambientes familiaressejam tratados, “desintoxicados”. Assim, quando o dependente retorna ao seio de sua família e sociedade,sua recaída é iminente. Ora, um trabalho conjunto é mais promissor. Portanto, concede-se importância a estefato do começo ao fim deste livro. Também na medicina se percebe esforço grandioso para tratar do ser humano e seus problemas dentroda perspectiva integral. A disciplina da psicossomática é a que mais nitidamente representa estes esforços.Os tratamentos hospitalares investem em profissionais da Psicologia e da assistência social, pois reconhecemo impacto que o paciente sofre quando é retirado de sua família, do ambiente profissional e da vizinhança,introduzido no ambiente hospitalar asséptico, onde é invadido por seringas e remédios, por procedimentoscirúrgicos e outras terapias. O paciente está à mercê de pessoas que não conhece e passivamente designadoao espaço de uma cama, praticamente sem autocontrole e sem autodeterminação. Pesquisadores hospitalares, tanto médicos quanto psicólogos, estão convictos de que o restabelecimentode pacientes acompanhados de seus familiares é consideravelmente melhor e mais rápido. Tanto que muitoshospitais, mesmo da rede pública, autorizam o acompanhamento nas 24 horas do dia das mães a seus filhosem caso de internamentos infantis. Instituições de ajuda e hospitais estão deixando de trabalhar apenasmultidisciplinarmente para abordar a doença interdisciplinarmente. Não basta que vários especialistas atendamo paciente em separado, é importante que vários especialistas o ajudem conjuntamente, que trabalhem juntos. Também a Igreja, em larga escala, está modificando a percepção de sua missão. Não basta atendê-lo12

ACONSELHAMENTO PASTORALespiritualmente. Manifestação desta mudança são as igrejas que buscam modelos eclesiásticos em queaproximam os seus serviços às pessoas, seja através de grupos de estudo bíblico, grupos familiares, igrejas emcélulas e outras formas. Estas não são tão importantes quanto o alcance integral do ser humano. A Igreja do presente e do futuro será sempre mais uma instituição social, no sentido de pregar a Palavraatravés da ação social. O pluralismo, o sincretismo, as muitíssimas divisões denominacionais põem a Igrejasob suspeita. A sociedade consumista não quer ouvir palavras, ela busca produtos. A modernidade líquidade Zygmunt Bauman (2001, p. 64-106) observa os resultados concretos. Portanto, a igreja que não olhar etratar o ser humano como um todo, será simplesmente substituída pela alta rotatividade que já caracteriza acristandade contemporânea. Em termos práticos, isso significa que igrejas não serão mais conduzidas por profissionais da religião. Umpastor sozinho não dará conta da demanda social que se apresenta. A Igreja precisará conceber-se novamentecomo Corpo de Cristo de fato, isto é, apenas todos os membros unidos poderão realizar a missão delegada porJesus Cristo. Mesmo que um grupo de diáconos e diaconisas se engajar, as necessidades irão muito além. Omesmo sucede ao aconselhamento pastoral. Os pastores não têm tempo para atender a todas as pessoas quegostariam de conversar sobre suas lutas e suas vidas. É necessário treinar quem demonstra talento natural. Épreciso desenvolver um network para encaminhar: psicólogos, médicos de todas as especialidades, instituiçõesde saúde, escolas e instituições de estudo. Verifique na internet ou em algum dicionário o significado de network. Nos dias de hoje a seguinte máxima não é mais aceita cegamente: “Se você tem Jesus, todos os teus problemas se resolvem”!!! A afirmação em si é verdadeira. Porém, ela falha na sua simplificação. Na contemporaneidade as pessoasquerem saber: como??? Quem encontrou Jesus não se livra automaticamente de problemas, atitudesinadequadas, conflitos ou transtornos psíquicos? O salmista era “homem segundo o coração de Deus”. Ainda assim ele tinha problemas. Por isto ele insisteem ser “sondado e conhecido” Sl 139.23. Ele deseja ir fundo na análise dos seus conflitos e da dinâmica desua alma. Ele deseja entender as causas e as motivações mais profundas dos movimentos de sua alma. Elegostaria que até o inconsciente fosse verificado Sl 19.12. Seu pensar, seu raciocinar devem ser examinados. Osalmista pede a Deus que lhe esclareça os efeitos das experiências do dia a dia sobre sua vida, que concedaclareza e domínio sobre suas emoções, de modo que estas lhe sejam úteis para “andar no caminho eterno”. Não é difícil perceber o processo do aconselhamento pastoral na busca intensa do salmista. Estudante, aprofunde o detalhamento do acima exposto em: LISBOA, Ageu Heringer (org.). Saúde pastoral e comunitária. São Paulo: CPPC, 1984. 13

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR1.4 DEFINIÇÕES DE “ACONSELHAMENTO PASTORAL” A definição de aconselhamento pastoral se torna complexa por vários motivos: • a palavra “aconselhamento” dá o sentido de “dar conselhos”. Porém, neste livro se rejeita tal noção. • A palavra “pastoral” indica que é uma atividade de pastores. Também esta noção é rejeitada neste livro. Pastoral neste texto é concebido segundo a função de cuidar, de acompanhar, de caminhar junto num processo de ajuda, como o pastor acompanha ovelhas enquanto pastam. • Aconselhamento pastoral é, muitas vezes, confundido como aconselhamento bíblico. Este se resume em ouvir uma queixa e aplicar tão logo que possível os princípios bíblicos à mesma, sem considerar mais profundamente as questões psicológicas, familiares, sociais e de saúde física. Aconselhamento pastoral nesta apostila se aproxima das ciências humanas da Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Assistência Social, Psiquiatria, Antropologia e Folosofia, evidentemente, também da Teologia. • Ao estudar livros lançados nas últimas décadas sobre este tema, verifica-se que aconselhamento pastoral é frequentemente confundido com Psicoterapia, técnicas psicológicas e Antropologia humanista. Neste livro pretende-se evitar estas sobreposições. • Concomitantemente, grande quantidade de material das pesquisas comportamentais se demonstra útil à prática do aconselhamento pastoral. Onde ficam as fronteiras? Como delimitar o subjetivo? Informações científicas podem ser propriedade exclusiva de uma ou outra área de atuação humana e profissional? Defende-se que o resultado da cultura e das pesquisas científicas não pode ser de propriedade exclusiva de indivíduos ou instituições. • Nas décadas passadas, alguns modelos de psicoterapia têm sido “adaptados” a práticas chamadas de aconselhamento pastoral. A adaptação tem sido realizada por leigos, não por profissionais; ou por profissionais que confundem fronteiras. Desta maneira, técnicas e práticas têm sido aplicadas de forma simplista e reducionista, produzindo alguns resultados bons, mas outros maléficos. Muito embora consciente desta complexidade na definição de aconselhamento pastoral, é necessáriotentar a mesma para que fique claro o objeto do qual trata a disciplina e este livro. Primeiro são apresentadasalgumas considerações sobre o que aconselhamento pastoral não é. A seguir se apresentam algumas definiçõesde autores conceituados para depois definir um conceito da própria disciplina. Estudante, a obra referenciada a seguir quer facilitar a possibilidade de aprofundamento do tema: HOFF, Paul. Pastor como conselheiro. São Paulo: Vida, 1996.LEITURA COMPLEMENTAR UMA ANÁLISE DE MODELOS DE CUIDADO PASTORAL APLICADA À REALIDADE BRASILEIRA Autor: Francisco Araújo Barretos Neto  Problemas é que não nos faltam nos dias atuais. E de toda ordem. Financeiros, políticos, emocionais, familiares, espirituais, de relacionamento, de saúde, de segurança, de moradia... Seu grau de agravamento decorre das influências das circunstâncias em que vivem ou trabalham as pessoas. E sobre eles ainda incide a pressão das mudanças éticas, morais, de costumes, de hábitos, deixando as pessoas confusas, a tal ponto que, na hora da angústia, não sabem qual é o melhor caminho a seguir. Assim, todos precisam de ajuda14

ACONSELHAMENTO PASTORAL para sobreviver, de auxílio para conseguir enxergar seus problemas e de cuidado para melhor solucioná-los. Aí está o campo para a atuação do conselheiro pastoral. Esse trabalho é normalmente desenvolvido pelos pastores, mas também pode ser feito pelos membros, desde que a liderança invista em cursos de especialização na área de Psicoteologia. Neste mês em que se comemora o Dia do Pastor, vamos fazer uma análise de alguns modelos de cuidado pastoral utilizados e aplicados à realidade brasileira. MÉTODO LIBERTADOR: LIBERDADE EM TEMPO OPORTUNO Libertar é uma sucessão de ações e reações com o objetivo de trabalhar com as pessoas para que sejam socorridas em tempo oportuno, tornem sabedoras das origens e desenvolvimentos da opressão e da dominação na sociedade em que vivem (1). Isso contribui para que entendam melhor sua vida profissional, financeira, social, psicológica e religiosa. Libertar não implica apenas em ações que tirem a pessoa da influência negativa do reino das trevas, mas também do reino dos seres humanos. Todo processo de cuidado pastoral é uma ação ou realização continuada e prolongada de alguma atividade que vise, ao final, o bem-estar daquele que necessita de cuidados (2). Porém, trilhar esse caminho de auxílio ao outro exige uma análise crítica dos fatores que envolvem a vida da pessoa em questão. Isso pode revelar as diversas origens do problema e, também, direcionar para os melhores caminhos a fim de solucioná-los. Os problemas de origens pessoais podem ser identificados na história de vida do aconselhado e têm muito a revelar sobre quem é a pessoa, como chegou ao ponto em que está. Identificadas as raízes das questões que a atormentam, ficará mais fácil desenvolver um trabalho de acompanhamento, de cuidado pastoral, até que haja libertação dos sentimentos negativos, dos pensamentos ruins e da forma de vida que prejudica a si mesmo e aos outros. Quando um indivíduo nasce, já encontra uma estrutura pronta para recebê-lo. No decorrer de seu crescimento, ele não se adaptará a muitas questões que são consideradas normais para outras pessoas. Isso lhe trará conflitos interiores entre aquilo que pensa ser o correto e aquilo que todos dizem ser o certo. A estrutura política, social, financeira, familiar e outras vigentes durante o tempo de existência de uma pessoa poderão trazer problemas que exigirão maiores cuidados pastorais. As relações, os processos e as estruturas sociais, enquanto formas de dominação política e apropriação econômica, produzem uma história de vida de muitas pessoas plena de diversidades, disparidades, desigualdades, antagonismos. As condições de sobrevivência, o trabalho das diversas categorias profissionais e as classes sociais são de fundamentais importâncias para uma análise e identificação dos problemas de origens sociais. A libertação social precisa fazer parte da visão de quem faz um trabalho de orientação, pois a raiz dos problemas poderá estar lá. Identificada a origem das dificuldades da pessoa que busca ajuda pastoral, é necessário avaliar as opções de soluções existentes que favoreçam uma mudança de vida por parte de quem precisa passar pelo processo de libertação. A militância política pode auxiliar na derrubada de sistemas que oprimem e destroem o ser humano. O cuidado pastoral orientado por este modelo pensa em uma Teologia da libertação que vise à melhoria de vida em todos os aspectos da população. É um grande caminho para cuidar daqueles que almejam uma libertação. MÉTODO EMPODERADOR: PODER PARA LUTAR E VENCER Empoderar significa admitir que cada cidadão tem dentro de si forças necessárias para encarar certos problemas. É encorajá-lo a colocar seu potencial, sua inteligência, sua força interior em prática de forma justa e útil para si mesmo e para os outros (3). Significa promover a iniciativa e a participação das pessoas na sociedade e na igreja. Constitui em tirar das mãos de poucos e colocar nas mãos de muitos o poder de decidir os rumos da sociedade. O cuidado pastoral orientado por este modelo é a base do processo de reestruturação psicológica, mobilização social e participação religiosa. 15

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR Não se podem atender pessoas eternamente, como se elas não tivessem as menores condições de assumir suas responsabilidades da vida e superar suas dificuldades. As pessoas precisam aprender que têm condições de resolver muitos problemas sozinhas, basta que passem a acreditar no potencial que têm. A vida é composta de problemas que precisam de auxílios para serem resolvidos e de situações difíceis que exigem uma ação particular por parte de quem está enfrentando a fase negativa. O conselheiro cristão pode empoderar seus aconselhados para que eles consigam caminhar sozinhos pelas estradas da vida. Os problemas e as coisas boas que existem na sociedade não são obras dos deuses. A vida em sociedade é o resultado da ação do ser humano que compõe essa sociedade. Isso significa que toda ação ou omissão faz do ser humano o sujeito da história e não um simples espectador. Por isso, o conselheiro não pode pensar apenas na fragilidade humana, mas em dar mais atenção à capacidade pré-existente nas pessoas. O conselheiro terá de promover a iniciativa das pessoas, acreditando que elas são capazes de resolver os problemas que afetam diretamente suas vidas. Quando Deus criou o homem, concedeu-lhe a capacidade de dominar e administrar. Isso implica em que a pessoa está dotada de meios para gerir sua vida e transformar o que for necessário para que tenha uma vida melhor. Essa capacidade administrativa é como uma chama que a pessoa carrega dentro de si. O cuidado pastoral orientado por esse modelo implica em dar vigor a essa chama, a essa energia que a história e as circunstâncias, às vezes, conseguem enfraquecer. Os processos de marginalização criam um forte sentimento de impotência, de franqueza, nas pessoas a tal ponto que elas se acomodam, não acreditam mais em si mesmas, não conseguem mais visualizar mudanças no presente e nem no futuro, pensam que a vida é assim mesmo e desistem de tudo. Mas “o cuidado pastoral orientado por este modelo ‘extrai e constrói’, a partir das forças e recursos amortecidos de indivíduos e de comunidades, estratégias e métodos que minimizem ou eliminem o sentimento de impotência política e incapacidade pessoal” (4). Assim, haverá pessoas e igrejas que construam a democracia e a participação; construam um país em que seus cidadãos promovam uma vida digna para todos. MÉTODO TERAPÊUTICO: A PRODUÇÃO DE CURA INTERIOR O curso da vida do ser humano o expõe as diversas perdas, a variados problemas e a muitas frustrações. O resultado é que muitos sentimentos negativos, em maior ou menor intensidade, ficam registrados no interior da pessoa. Esse arquivo mental contém registros negativos de problemas não resolvidos e isso acaba por colocar dificuldades, barreira na vivência diária. Isso acompanha o indivíduo e, com o tempo, produz uma desarmonia em muitas questões e desabam sobre as pessoas que estão à sua volta. Esse condicionamento mental negativo não permite que prossiga sua jornada diária, pelo contrário, cria diversos obstáculos psicológicos que acabam por refletir no comportamento (5). O cuidado pastoral orientado por este modelo tem como objetivo a produção de cura das doenças da alma a tal ponto que o indivíduo passe por mudanças e sua vida venha ter estabilidade, equilíbrio, alívio, descanso e paz em Deus. A Psicoteologia, através de terapia, será utilizada com um meio de elaboração e mudança interna na vida daquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus. Terapia é toda intervenção que visa tratar os problemas somáticos, psíquicos ou psicossomáticos, suas causas e seus sintomas, com o fim de obter um restabelecimento da saúde ou do bem-estar. MÉTODO MINISTERIAL: A UTILIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DA IGREJA O método ministerial envolve o dia a dia da vida cristã através das diversas atividades da igreja. A metáfora bíblica que mostra essa questão é a do pastor de ovelhas, que é uma pessoa que cuida do rebanho de Deus. Na prática, ele lidera, alimenta, consola, corrige e protege. Estas responsabilidades pertencem a todos os membros da igreja (6). Uma escola de treinamento fará com que as potencialidades das ovelhas sejam exercitadas para auxiliar o líder a cuidar do rebanho nas programações da igreja. O culto é o momento de adoração ao Senhor e pode ser aproveitado para cuidar das pessoas. A oração pode ser ferramenta para Deus trabalhar no interior dos ouvintes, o louvor pode entoar cânticos que tenham letras que falem do amor e da ação de Deus em prol daqueles que o buscam, a pregação pode desenvolver16

ACONSELHAMENTO PASTORAL temas na área de Psicoteologia. O culto pode servir de porta de entrada para que as pessoas problemáticas procurem ajuda pastoral. A pregação é o momento do culto em que a Palavra de Deus é explicada para os ouvintes. Muitos possuem problemas e não sabem como resolver e, pior, têm vergonha de procurar o gabinete pastoral para melhor ser atendido. A explanação de temas relevantes da atualidade apontará propostas de soluções de problemas. O sermão é um eficiente recurso eficaz de aconselhamento e de cuidado pastoral. O serviço cristão é um meio de fazer com que a ovelha perceba sua importância dentro da comunidade cristã, resgate sua autoestima, desenvolva um sentimento de utilidade, restabeleça o prazer de viver e de se relacionar com outras pessoas e aprenda a servir seu próximo. Há muitas atividades na igreja que podem ser delegadas para os membros executarem. O sentimento de utilidade fortalece a autoestima, autoaceitação e autoimagem. A comunhão exige que um grupo de pessoas tenha sintonia de sentimentos, de modo de pensar, agir ou sentir. Eles se identificam com alguma coisa e têm algo em comum. No caso do Cristianismo, o ponto central de tudo é Jesus Cristo. Muitas atividades podem ser criadas para proporcionar momentos de confraternização cristã, principalmente, com aqueles que estão chegando agora para o meio da comunidade cristã (7). Muitas estão com problemas de relacionamento e não sabem o que fazer. A aceitação pela igreja cria o sentimento de acolhimento, a idéia de que ela pertence a um grupo, de que está sendo recebida da forma como é. A administração local é liderada pelo pastor, mas muitas funções de apoio podem ser delegadas aos crentes que possuem formação naquela área. Por conhecerem melhor certas questões, trarão melhores resultados. Administrar é um conjunto de princípios, normas e funções que têm por fim ordenar a estrutura eclesiástica e o funcionamento da igreja. A definição das atividades semanais, dos horários em que elas acontecerão e a pré-fixação de todos os detalhes necessários para o bom funcionamento evitarão muitos problemas e muitas frustrações. MÉTODO DE INTERAÇÃO PESSOAL: A BÊNÇÃO DA COMUNHÃO CRISTÃ A sociedade atual conseguiu desenvolver uma comunicação superficial em que se fala muito e, às vezes, animadamente, mas sem interação pessoal, sem revelar quem realmente é o falante e quem é o ouvinte. Os relacionamentos atuais são úteis para a manutenção dos vínculos de amizades dentro de um grupo ou comunidade, mas pouco revelam da personalidade, do caráter, do jeito de ser dos indivíduos, porque eles se escondem nas mais diversas formas, não querem se expor. O cuidado pastoral orientado por este modelo desenvolve a “interação pessoal, em que as habilidades relacionais são utilizadas para facilitar o processo de exploração pessoal, esclarecimento e mudança em relação a comportamentos, sentimentos ou pensamentos indesejados. Aqui se focaliza mais o indivíduo. Valoriza-se a autocompreensão em termos de interpretação da causa das dificuldades, na perspectiva de escolas psicoterápicas especificas” (8). A pessoa não fica sozinha, isolada, mas descobre que seu envolvimento com a comunidade cristã pode lhe proporcionar momentos agradáveis em que seus traumas interiores sejam solucionados através do relacionamento, da comunhão e confraternização cristã. O fundamento da interação pessoal é a demonstração positiva da percepção da presença do outro. Para que exista interação pessoal efetiva é necessário que as pessoas se reconheçam enquanto sujeitos na relação comunicativa. Cada indivíduo possui suas características pessoais que devem ser respeitadas e aceitas pelo outro. As outras questões devem ser adaptadas. Uma pessoa que deixa o estilo de vida não- cristão adotado pela sociedade, inicialmente terá algumas dificuldades com o mundo evangélico e a igreja poderá ajudá-la nessa fase inicial através dos eventos internos que exijam o envolvimento pessoal. O conselheiro pode conscientizar as pessoas que um relacionamento só acontece e se desenvolve quando duas ou mais pessoas, cada uma com sua existência própria e necessidades pessoais, contatam uma a outra reconhecendo, respeitando e permitindo as diferenças entre elas. Nas confraternizações ou em qualquer outro momento de interação pessoal, cada um é responsável por si, por sua parte do diálogo, por sua parte no relacionamento. Isso significa que cada um é responsável por se permitir ser influenciado pelo outro, ou se permitir influenciar. Se ambos permitem, o encontro pode ser como uma dança, com um 17

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR ritmo de contato e afastamento. Então, é possível haver o conectar e o separar, em vez de isolamento (perda de contato) ou confluência (fusão ou perda da distinção).  CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática do aconselhamento pastoral é fundamental na sociedade em que vivemos. As pessoas continuam com problemas, mas a igreja pode ajudá-las a vencer a si mesmas, às dificuldades interiores e aos obstáculos que se formaram no decorrer de sua existência. As pessoas precisam ser cuidadas, necessitam de apoio para continuar sobrevivendo e há métodos que podem ser utilizados pelo conselheiro pastoral. Esse conselheiro não precisa ser necessariamente o pastor da igreja. Membros da igreja podem receber treinamento teórico e prático para auxiliar a liderança da igreja e ajudar aqueles que necessitam ser cuidados. Aceita esse desafio? Fonte: http://www.iprb.org.br/artigos/textos/art101_150/art103.htm NOTAS BIBLIOGRÁFICAS (1) SATHLER-ROSA, R. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança, p. 39. (2) COLLINS, G. R. Ajudando Uns aos Outros pelo Aconselhamento, p .15. (3) COLLINS Fary R. Aconselhamento Cristão, p. 58-59. (4) SATHLER-ROSA, R. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança, p. 39. (5) MAY, Rollo. A Arte do Aconselhamento Pastoral, p. 32. (6) MacARTHUR, John Jr. Redescobrindo o Ministério Pastoral..., p. 14. (7) ROSSI, Luiz Henrique Solano. A Vocação Terapêutica da Igreja, p. 120. (8) SATHLER-ROSA, R. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança, p. 40. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COLLINS, Gary R. Ajudando Uns aos Outro Pelo Aconselhamento. São Paulo: Vida Nova, 2002. ________. Aconselhamento Cristão. São Paulo: Vida Nova, 1984. MacARTHUR, John Jr. Redescobrindo o Ministério Pastoral: moldando o ministério contemporâneo aos preceitos bíblicos. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. MAY, Rollo. A Arte do Aconselhamento Psicológico. Petrópolis: Vozes, 1982. ROSSI, Luiz Henrique Solano. “A Vocação Terapêutica da Igreja”. IN: MANFRED, W. Kohl; BARRO, Antônio C. (Orgs). Aconselhamento Pastoral Transformador. Londrina: Descoberta, 2006. SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: uma hermenêutica teológico- pastoral. São Paulo: Aste, 2004.1.5 ENFIM, O QUE É ACONSELHAMENTO PASTORAL E O QUE NÃO ÉTAMBÉM? Aconselhamento não é psicoterapia. Porque a psicoterapia é construída e desenvolvida a partir docomportamento observável e mensurável. O aconselhamento nem sempre lida com coisas observáveis, comoa fé, por exemplo. Ao praticar a psicoterapia, o terapeuta trabalha com o comportamento observável e seesforça em ajudar a pessoa a partir do concreto. A psicoterapia não estuda a relação da pessoa com Deus.Embora já haja estudos de Psicologia da religião, o campo ainda é muito subjetivo para afirmar que as duas18

ACONSELHAMENTO PASTORALáreas se sobrepõem em alguns conceitos. A psicoterapia é precedida de um conjunto de técnicas psicológicasque podem ser utilizadas no aconselhamento para: diagnosticar, analisar e planejar. Mas, aconselhamentopastoral é mais amplo. Ele pressupõe ações espirituais e religiosas, liturgias e práticas místicas como oração,a ceia, os dons do Espírito. Aconselhamento também não é dar conselhos! Porque aconselhar pressupõe ouvir, e saber ouvir é umaarte Pv 10. 19 e Jó 16. 1-3. Aconselhamento não é evangelização. Jay Adams, um psicólogo, afirma que não se deve aconselhar nãocristãos (ADAMS, 1977, p. 64ss). Os conselhos para o não convertido podem ser vazios. Fred McKinney (1965) escreve assim: “Aconselhamento é um relacionamento interpessoal em que oconselheiro assiste ao indivíduo em sua totalidade no processo de ajustar-se melhor consigo mesmo e com seuambiente”. A ênfase do relacionamento interpessoal apresenta o aconselhamento como um encontro entreduas ou mais pessoas. Não, não qualquer tipo de encontro. Mas, um encontro com um propósito. O encontroterapêutico se define pela sua qualidade facilitadora do ajustamento, do crescimento, eventualmente até dacura. É um encontro muito diferente dos encontros sociais comuns, mesmo diferente dos encontros que serealizam em cultos ou grupos de estudo bíblico. Outro detalhe importante é a ênfase que McKinney (1958) dá, quando diz que o conselheiro “assiste aoindivíduo em sua totalidade”. De fato, somente quando se cuida do ser biopsicossocial é que um encontro épossível. Reducionismos e simplismos constrangem relacionamentos e dali não podem sair ajustamentos de vida. Outro autor que tem se destacado no cenário norte-americano e internacional é Clyde Narramore. Paraele “aconselhamento é o uso de várias técnicas para uma pessoa ajudar-se a resolver melhor seus conflitos eajustar a vida” (1960, p. 12). Esta definição, que com certeza não está completa, apresenta, no entanto duasênfases significativas. Primeiro, a consideração das técnicas. Quer dizer, práticas previamente pesquisadase avaliadas como eficazes no tratamento de determinadas questões de vida. Sejam técnicas que provém daPsicologia, da Sociologia ou da Pedagogia, elas foram submetidas à avaliação. Portanto, aplicadas adequadamente, podem facilitar o alcance de objetivos de crescimento. Todavia,convém chamar atenção que técnicas são aplicadas por técnicos. Assim sendo, é necessário que se tenhadesenvolvido habilidades de utilizá-las. Nos EUA os conselheiros recebem qualificação profissional. No Brasil,não. O que quer dizer: os brasileiros devem considerar essa limitação e eventualmente encaminhar o consulentepara um “técnico”. Segundo Narramore (1960), enfatiza a ação do próprio aconselhando. Nenhum terapeutaconsegue ajudar, se o próprio aconselhando não o quiser. Já foi dito neste livro que há pessoas que atraem naturalmente para o aconselhamento. Existe algo deintuitivo em seu ser e sua maneira de ajudar. L. W. Nichols (sem referência bibliográfica; conceito obtido emaula pelo referido professor) considera este fenômeno em sua definição quando diz “aconselhamento é a artede ajudar a indivíduos a alcançar objetivos específicos que satisfaçam as suas necessidades”. A arte de ajudarnão é, no entanto, uma ação ao acaso. Ela deve ser treinada como qualquer outra arte. Porém, há pessoasque apresentam naturalmente mais intuição e talento para o aconselhamento que outras. Um dos primeiros autores americanos traduzido para o português que escreve sobre aconselhamentopastoral sendo psicólogo é Lawrence Crabb Jr. Ele escreve: “aconselhamento é o processo que orienta a pessoana descoberta de suas necessidades supridas inadequadamente e no suprimento das mesmas por conceitosbásicos que sejam bíblicos”. Crabb (1984) parte do pressuposto teórico que a conduta humana é movida pelassuas necessidades. Que estas são supridas inadequadamente, quando o ser humano sofre. Portanto, o serhumano precisa corrigir seus conceitos básicos para suprir suas necessidades adequadamente, o que paraCrabb significa, biblicamente. Parece evidente que, num curso de Teologia, o referencial para o aconselhamento pastoral precisa ser aBíblia. Neste livro constrói-se o conceito sobre este fundamento. O que isso significa, será explicitado durantetodo o curso e neste livro. Sendo a Bíblia, o referencial para o aconselhamento pastoral, não se poderia deixar de citar o Salmo139.23–24: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vêse há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”. Os verbos “sondar, conhecer, provar e 19

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARconduzir por caminhos eternos” indicam o processo no aconselhamento pastoral. “Processo” quer ser açãocompleta, integral, detalhada, contínua até alcançar os objetivos para o qual foi instaurado. Com os pontos antes detalhados, pode-se agora compor a tentativa de definição de aconselhamentopastoral para este livro: aconselhamento é o processo que busca ajudar a pessoa por intermédio do encontro entre duas ou maispessoas, que se utiliza de algumas técnicas úteis e bíblicas na elaboração de problemas, sabendo que é umaarte, evitando os automatismos e mecanicismos, com o objetivo de suprir as necessidades das pessoas segundoconceitos básicos bíblicos e facilitar a descoberta do sentido de vida. Todo o processo de aconselhamento éfeito sob oração, busca de orientação na Palavra de Deus, busca de orientação do Espírito Santo e na sinceraintenção de obediência à vontade de Deus. Para concluir esta seção das definições, convém lembrar um grande conselheiro pastoral suíço que sendomédico, foi muito mais pastor para as pessoas do que profissional. Dr. Paul Tournier (1983) escreve: Quão bela, quão intensa e libertadora é a experiência de ajudar o outro. É impossível descrever-se a necessidade imensa que têm as pessoas de serem realmente ouvidas, levadas a sério, compreendidas. A Psicologia de nossos dias nos tem, cada vez mais, chamado a atenção para esse aspecto. Bem no cerne de toda psicoterapia permanece esse tipo de relacionamento em que alguém pode falar tudo a seu próprio respeito, como uma criança fala tudo à sua mãe. Ninguém pode se desenvolver livremente nesse mundo, nem encontrar uma vida plena, sem sentir-se compreendido por uma pessoa, pelo menos... Aquele que se quiser perceber com clareza deve se abrir com um confidente escolhido livremente e merecedor de tal confiança. Ouça todas as conversas desse mundo, tanto entre nações quanto entre casais. São, na maior parte, diálogos entre surdos (TOURNIER, 1983, p.7). Paul Tournier, M.D. (Médico Cristão que criou a Medicina da Pessoa, influenciado por sua mulher). Bem, o aconselhamento pastoral não é uma tarefa tão prazeirosa para todos. Algumas pessoas sofremdemais com o sofrimento dos outros. Há pessoas que não trataram seus próprios problemas e não se conhecempessoalmente em profundidade. Assim sendo, fica difícil ouvir o outro e se esquecer de si mesmo, o que énecessário. Com certeza, é necessário que para a missão do aconselhamento pastoral haja vocação, talento etreinamento, muito treinamento. Leituras, muitas leituras sobre o ser humano e todas as suas interfaces. Gostopela Psicologia, amor por Deus e seus pensamentos sobre o ser humano: antropologia bíblica. Aconselhar emtermos integrais demanda um esforço que pode desgastar pessoas por completo quando o fazem sem preparo,sem supervisão e sem crescimento pessoal constante. Esta disciplina quer contribuir um pouco na formaçãoe no preparo para um melhor atendimento pastoral no aconselhamento.RESUMO DO CAPÍTULO 1 A importância do aconselhamento pastoral na Igreja cristã reside entre outros nos seguintes fatores:esta é uma das missões da Igreja; Deus quer curar e aliviar o fardo das pessoas; Jesus delegou à sua Igreja aincumbência de ser “sal” e “luz”; na Igreja se encontram pessoas, tanto aquelas que buscam ajuda, quantoaquelas que podem oferecer ou indicar ajuda; o encontro é mais fácil e automático; quando as pessoasvivenciam crises graves, frequentemente buscam a Igreja e seus líderes. Outras razões podem ser lidas notexto ou ser criadas pelos próprios alunos. O aconselhamento pastoral é um ministério além dos líderes religiosos porque os cristãos estão onde aspessoas estão. O leigo treinado pode identificar a necessidade de ajuda onde outros não a vêem. Profissionaisda ajuda são menos acessíveis pelo isolamento da necessidade de marcar consultas, através de secretárias,telefones, email etc. Muitos problemas espirituais, emocionais e psicológicos não são considerados comotais pelas pessoas que as sofrem. Então, leigos informados podem facilitar a identificação de sofrimentos querequerem atendimento especializado, como aconselhamento pastoral ou mesmo psicoterapia. A finalidade do aconselhamento pastoral é a anunciação das Boas Novas de modo prático, além dapregação. Muitas pessoas compreenderão o amor de Deus apenas se o experimentarem através do cuidadodos seus filhos. • A definição de aconselhamento pastoral deste livro enfatiza os seguintes itens:20

ACONSELHAMENTO PASTORAL 99 aconselhamento pastoral é um processo. 99 Relacionamento interpessoal. 99 Assistência em totalidade e integralidade (corpo, alma e espírito). 99 Utilização de recursos específicos (técnicas e práticas). 99 Aconselhamento é uma arte. 99 Aprendizado de satisfação de necessidades. 99 Base e fundamentação bíblicas. 99 Sondar, conhecer, provar e conduzir por caminhos eternos. • Aconselhamento pastoral como processo é mais que aconselhamento bíblico ou simplesmente dar conselhos. Segundo o dicionário, processo é o ato de proceder sistematicamente em direção a um ou vários objetivos. Ação ou operação contínua ou série de ações ou alterações que ocorrem de uma maneira determinada. Ação de ser feito progressivamente em unidade. Definido assim, o aconselhamento pastoral é constituído como processo quando leva em conta uma sistemática de ação, um tempo de atividades com objetivos determinados. Aconselhamento pastoral como processo vai além do dar conselhos e orar. Acompanha, planeja, avalia, conduz e interfere até que tanto o conselheiro quanto o aconselhando decidam que os resultados desejados foram produzidos ou que não é mais necessário continuar.Chegou a hora da autoatividade. Você faráuma revisão do capítulo, responderá asquestões, destacará a folha da autoatividadee a entregará para o professor na próximaaula. Boa revisão e ótimos resultados! 21

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARANOTAÇÕES22

ACONSELHAMENTO PASTORALINSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTAACONSELHAMENTO PASTORALAUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 1 Série: Data: Nome:QUESTÕES1. Por que o aconselhamento pastoral é importante na Igreja cristã?2. Cite quatro argumentos que defendem a razão do aconselhamento pastoral ser um ministério de toda a Igreja cristã e não somente de pastores, teólogos e líderes religiosos.3. Sintetize nas linhas abaixo a finalidade do aconselhamento pastoral na Igreja cristã.4. Simplesmente liste os fenômenos considerados importantes na definição de aconselhamento pastoral nesta apostila.5. O que você entende por aconselhamento pastoral como processo? 23

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARANOTAÇÕES24

ACONSELHAMENTO PASTORALCAPÍTULO 2DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO CAPÍTULO02 FIG.2: ACONSELHAMENTO PASTORAL; em materiasdeTeologia.com; em 06.set.20122.1 INTRODUÇÃO O aconselhamento pastoral, descrito para a diversidade dos dias atuaise praticado com especificidade profissional, não surgiu juntamente com aideia pastoral da cristandade. Cada era representa seus respectivos métodose Filosofias fundamentais. Os valores fundamentais também são produto dasrespectivas Teologias. A virada da história do aconselhamento acontece com o surgimento daPsicologia secular. Juntamente com as novas concepções da psique humanadesenvolvem-se métodos e técnicas novas. Como não poderia deixar de ser,igualmente a Teologia e a Filosofia do aconselhamento pastoral se transformame se apresentam segundo a influência de cada tempo histórico. Para acompanhar esta metamorfose, segue o próximo tópico.2.2 OS PRIMEIROS CONCEITOS E PRÁTICAS Pode-se considerar a palavra cura d’almas de Platão (428 – 348 a.C.) comoa primeira referência histórica ao ato de aconselhar. O filósofo grego da era 25

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARsocrática exorta que cada cidadão se preocupe não somente com coisas materiais, mas que procure o melhorpara a sua alma através do conhecimento e da verdade (BONHOEFFER, 1985). O caminho é o permanenteexercício de autoconhecimento e autoexame. Evidentemente, o aconselhamento naquele tempo não erarealizado no encontro entre duas pessoas como na contemporaneidade. Além disso, deve-se lembrar que alma para Platão significa o racional, o sentimental e o pulsional.Portanto, a cura d’alma era um exercício constante de fuga das coisas físicas deste mundo e aproximaçãoperene das ideias filosóficas e profundas. No Antigo Testamento a concepção de alma é idêntica à vida (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p.294). O sopro de Deus nas narinas do ser humano modelado de terra e argila é nefesh. Este termo indica aidentidade do ser humano no seu relacionamento com Deus, consigo mesmo e com o próximo. A antropologiaveterotestamentária descreve o ser humano como um todo: mente + alma + corpo, sem que esses elementospossam ser separados. Assim, quando existem interferências (desobediência; pecado) na relação com Deus isso afeta o serhumano integralmente. Seu sofrimento é integral, sofre o coração, sofrem as emoções, a autopercepção,a autoconsciência, todo o organismo incluindo sua família, seu clã e seu povo. Distante de Deus, a nefeshsofre, adoece, enfraquece, peca, age mal e pode até morrer. Como no Novo Testamento, a morte da nefeshsignifica o rompimento do relacionamento com Deus e o definitivo distanciamento de sua presença, graça,misericórdia e proteção.1 O aconselhamento no Antigo Testamento pode ser descrito como um esforço constante de resgatar arelação do ser humano com o seu Deus, enquanto indivíduo, enquanto família e enquanto povo. Os conselheirossão os sacerdotes (Levíticos 12ss; 1 Sm 1. 9ss), os anciãos e os juízes (Rute 4), os profetas e os sábios. As açõespastorais consistem em lamentações e penitências (Salmos 13, 22, 51 e outros), a confissão de pecados, olouvor, além de cerimônias de sacrifício, de purificação e cura. Na sabedoria popular se praticava admoestaçãoe consolação (Jó 2. 11). Embora da sociedade multicultural e multirreligiosa do século do Novo Testamento, o aconselhamentomantém o mesmo foco, que é o relacionamento do ser humano com seu Deus. Porém, o recurso para esterelacionamento muda totalmente. Jesus Cristo se torna a ponte e a cruz do Calvário o elemento de ligação.Quem crer em Cristo e nele viver está relacionado com Deus. Não mais à Lei mosaica, sim à Graça cristã. A palavra grega que melhor define aconselhamento é paraclesis. O apóstolo Paulo a usa para indicar aoferta de salvação através da relação com Cristo pela pregação do Evangelho. Paraclesis pode ter dois sentidos:exortação e consolação. Ao identificar-se (converter-se; entregar-se) com Jesus Cristo o ser humano estárelacionado com Deus pela ação vicária do próprio Cristo. No entanto, sucede uma importante transformação conceitual que é antropológica. O Novo Testamentodesvaloriza a corporalidade e valoriza a espiritualização da vida, fruto da dominância da Filosofia grega entreos cristãos.2 Assim, pneuma é a verdadeira vida no Espírito Santo, enquanto psyche rege a vida neste mundode pecado e morte. Os conselheiros no Novo Testamento são todos os crentes, uma vez que o sacerdócio universal3 se instituidiante do grande sumo-sacerdote Jesus Cristo.4 Assim é, ao menos para os cristãos evangelicais. Os cristãoscatólicos reservam o aconselhamento ao clero através da confissão e do confessionário. A Igreja Antiga (século III até XVI) transformou as práticas pastorais de aconselhamento. Como a Filosofiagrega enfatizava o espírito e menosprezava o corpo, desenvolveram-se práticas de penitência, cartas de consolação,rituais autoinvestigativos e constantes exames espirituais para purificação da alma. Talvez o melhor exemplo sejao livro de Agostinho, Confissões.5 O Santo ausculta sua vida em forma de oração. Ele psicologiza seus pecados,sua culpa, o sofrimento, o luto, a conversão e a esperança (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p. 298). Na medida em que a Igreja se monarquiza através do papado e da hierarquia clerical, o aconselhamentopassa a ter caráter jurídico. Os bispos julgam, punem e/ou perdoam pecados, prescrevendo penitências,1 – Lembrar das sucessivas quedas do povo de Israel descritas no livro bíblico de Juízes.2 – A Filosofia grega teve a sua expressão entre os judeus através do chamado helenismo.3 – 1Pe 2. 5-94 – Hb 2. 17; 3. 1; 4. 145 – PASCAL, Blaise. Confissões – Agostinho de Hipona. Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.ngarcia.org); disponível em: http://www.monergismo.com/.26

ACONSELHAMENTO PASTORALcastigos, exclusão do grupo social dominante. Somente mediante cumprimento rigoroso de ascese se permitiao retorno à comunhão dos santos. O Livro de Pastoral do papa Gregório I (590 – 604) foi utilizado por séculos como manual deaconselhamento pastoral que tinha como base a confissão. O processo pastoral consistia em contritio cordis(contrição pelo pecado; arrependimento; contração do coração) – confessio oris (falar pela boca confessandocertos comportamentos; confissão e oração) – absolutio (absolvição dos pecados) – satisfactio operis (fazerboas obras; conduta correta). Desta consideração evidencia-se que a Igreja da Idade Média valorizava as boasobras como recurso de salvação, e não a recuperação efetiva do mal causado pelo pecado. As trevas medievais aos poucos se dissipavam diante do alvorecer da Filosofia renascentista (séculos XIV aXVI). O domínio institucional da Igreja e do Feudalismo pesava sobre os povos. As massas populares passavamgraves necessidades enquanto o poder eclesiástico mancomunado com o poder político viviam em ostentaçãoe devassidão. As classes operárias perceberam o seu potencial econômico e buscavam intensamente novoscaminhos para um mercado mais prolífero. Aqueles que alcançavam prosperidade pelo esforço de seu trabalhodesenvolveram um grupo social denominado burguesia. Em oposição aos senhores feudais, que mantinham seu poder por imposição violenta, os burguesesconquistavam seu poder através do mercado, inclusive intercontinental.6 Nesse espaço sociocultural surge aReforma. Entre outros, o conteúdo e a forma do aconselhamento medieval foi um dos motivos para a Reforma.Martinho Lutero observava que a penitência não lhe sossegava a alma. Apenas “a graça pura como dádiva deDeus por causa da vida e morte de Jesus Cristo é o fundamento para uma reconstrução e reestruturação daidentidade do indivíduo” (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p. 299). A identidade cristã é caracterizada por penitência como um todo, não apenas por determinadas condutas.Porém, o que determina a identidade cristã é a reconciliação do ser humano com Deus pela fé no ato vicáriode Jesus Cristo, e não atos de penitência. O aconselhamento objetivava afirmar a fé em Cristo como únicoato necessário para o aquietamento da alma humana e orientação da conduta humana a partir dos princípiosbíblicos e não tradicionais e eclesiásticos. Lutero define o aconselhamento como mutuum colloquium et consolatio fratrum.7 O processo doaconselhamento é muito simples. Todos os cristãos conversam uns com os outros sobre as suas dificuldadese lutas e todos ajudam uns aos outros na busca diante de Deus para as soluções necessárias. O aconselhamento não é mais função prerrogativa do corpo clerical. Passa a ser uma função do sacerdóciouniversal. Muito avante do seu tempo, Lutero não conseguiu evitar que se instituísse um exame de fé,8 impondoassim certo pastrocentrismo e controle ao aconselhamento. Schneider-Harpprecht afirma que “a execução dadisciplina eclesiástica tornou-se um sistema de controle moral e político dos cidadãos” (1998, p. 300). Embora desse retrocesso na prática da poimênica pastoral, como todas as mudanças realizadas naRenascença, a Reforma resultou em transformações da prática pastoral que valorizam mais o ser humanocomo indivíduo, destacando-o na coletividade. A Renascença que valorizou o indivíduo, também propiciou o livre pensamento do Racionalismo. Asciências, especialmente as matemáticas e a Medicina, se desenvolveram como promessas de transformação domundo e de ajuda ao ser humano. O efeito sobre o aconselhamento foi a dessacralização do processo pastoral.Além disso, fruto do livre pensar, surgiu ainda que um tanto tardio, a Psicologia no final do século XIX e iníciodo século XX e influenciou determinantemente o aconselhamento pastoral. A chamada Modernidade, comseu incluso iluminista, teve efeitos radicais sobre a ação pastoral do aconselhamento pastoral.6 – Lembre-se de que os séculos XV e XVI são os tempos das grandes descobertas marítimas.7 – LUTERO, Martinho. Os artigos de Esmalcalde, p. 332, 355. Escrito em dezembro de 1536 e assinado por um grupo de teólogos protestantes em 08.02.1537.8 – Livro de Concórdia. Coleção contém os credos ecumênicos e os documentos confessionais do Luteranismo, reunidos em 1580, entre eles o Catecismo Menor. SãoLeopoldo, RS: Sinodal, [ ]. 27

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR Duas obras que conceituam de modo moderno o aconselhamento seguem nessas referências bibliográficas. A primeira é uma obra secular e científica, a segunda sem deixar de ser científica, é construída a partir de visão cristã e bíblica. SCHEEFFER, Ruth. Aconselhamento psicológico – teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1980. Cap. II, p. 11. SCHIPANI, Daniel S. O caminho da sabedoria no aconselhamento pastoral. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2004.2.3 ACONSELHAMENTO NA MODERNIDADE Para tratar dos aspectos históricos do aconselhamento pastoral na modernidade encontram-se dificuldadesde generalizações pelas muitas, rápidas e profundas mudanças sucedidas na Europa e no continenteocidental. Nos séculos XIX e XX também o bloco oriental se transforma radicalmente. Assim, é necessário queprimeiramente se ordenem os momentos históricos para então analisar os aspectos poimênicos na práticapastoral. Talvez a Filosofia racionalista (Descartes; Leibniz; Spinoza; Pascal) tenha desferido o primeiro golpe fatalcontra a Teologia cristã. O racionalismo foi uma linha de pensamento que se baseia no princípio de que épossível chegar às verdades absolutas através da razão, evitando a possível ilusão dos sentidos.  O racionalismo buscava alcançar a verdade pura, tendo-se por base que os sentidos humanos podemser iludidos ou enganados pelos diversos fatos externos. Não é difícil imaginar como a Filosofia metafísica deSanto Agostinho e São Tomas perderam crédito junto aos eruditos, estudiosos e cientistas. A Filosofia estava em confusão, a ciência brigava com a religião, a igreja estava dividida e muitos afirmavamter autoridade. Diante de tanta subjetividade somente o modelo matemático de pensar a existência pareciaoferecer soluções. Embora o empirismo (Locke; Bacon) tenha se oposto às ideias racionalistas, estas vigorarampor séculos e desenvolveram a base da tecnologia industrial que veio a transformar toda a sociedade dosúltimos dois séculos. O grande movimento antropocentrista da modernidade foi o Iluminismo (considerado em torno dos anos1650 a 1790). Com expressão máxima na França, foi construído através da Enciclopédie, escrito por filósofose cientistas como Diderot, Voltaire, Montesquieu e na Alemanha, por Kant. Estimulava o conhecimento críticopara erradicação e superação da tirania (da Igreja e do Estado) e da superstição, legado da Idade Média. Suasideias eram de progresso científico, tecnológico e humano, com o idealismo da perfectibilidade humana.Inicialmente procurou-se incorporar os princípios de fenômenos físicos descobertos pela ciência para explicarfenômenos culturais e humanos (mecanicismo), mas no final dessa era o esforço era vitalista (ciências da vida). O século XIX é marcado pela migração de massas populares rurais para as cidades com a finalidade deatender às demandas da indústria florescente. A mecanização da agricultura dispensava a mão de obra humanano campo, empobrecendo pessoas sem formação acadêmica e tecnológica, inchando assim os bolsões depobreza nas megalópoles industriais. Esta aglomeração populacional possibilitou os grandes avivamentos nosEUA e na Inglaterra (Wesley; Whitefield; Finney; Edwards; Moody e outros). Porém, a metodologia pastoralnão era o aconselhamento, antes sim, as grandes campanhas de evangelização. O ingresso em uma igreja e apregação deveria ajudar as pessoas a viver melhor. O final da era moderna é recente. Alguns pensadores marcam o pós-modernismo a partir do fim daSegunda Guerra Mundial. Tratado brevemente o desenvolvimento filosófico, científico e sociocultural na era da modernidade, pode-se agora abordar o aconselhamento pastoral. Depois do enrijecimento da prática pastoral no luteranismo, o28

ACONSELHAMENTO PASTORALpietismo se opôs ao controle eclesiástico promovendo o aconselhamento pastoral pela livre conversação, semconsequente penitência. “O enfoque na fé pessoal, nas experiências de conversão e na santificação caracterizavao aconselhamento pastoral pietista” (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p. 301). Capelães hospitalares visitavam doentes com o propósito de promover sua conversão independentementeda situação física, familiar e social. Os princípios racionalistas/iluministas alteraram o aconselhamento,entendendo a conversação pastoral como diálogo entre amigos em que o pastor tinha a tarefa de animar aspessoas, procurar melhorá-las moralmente, consolá-las e fornecer ajuda concreta através de conhecimentosda Medicina e da Psicologia. Também como produto do racionalismo, o aconselhamento fomentouengajamento social e cunho pedagógico, especialmente entre os metodistas (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998).O aconselhamento tornou-se orientação prática através de princípios bíblicos e suas de tentativas de aplicaçãoàs situações reais e problemáticas das pessoas. O surgimento da Psicologia como ciência, especialmente a construção do modelo antropológicopsicanalítico, realçaram as concepções de caráter liberal e racional, diminuindo o valor e o significado daatividade pastoral mística constituída por oração, leitura da Palavra de Deus, a ênfase no testemunho e naprática da vida cristã santificada. Evidentemente, como em todas as mudanças históricas, a crise gerada pelaascensão da Psicologia desenvolveu esforços na prática do aconselhamento pastoral: alguns se aproximaramdos recursos da ciência psicológica, outros se afastaram radicalmente e terceiros em busca de um diálogocomplementar. Roger Hurding (1995) considera que o zelo pastoral da Igreja sempre esteve sujeito à Psicologia desua época. Mas, que as Psicologias seculares oriundas do iluminismo ameaçaram e rivalizaram a posiçãodo aconselhamento pastoral firmada de longa data na prática da orientação e do consolo dos necessitados.Com o pragmático William James, a Psicologia retornou seu olhar para a igreja e a sua prática. A religião e asua práxis tornaram-se objeto de estudos da Psicologia mesmo por pesquisadores ateístas e naturalistas. Aaproximação entre Psicologia e práxis teológica agora era explícita. Os cristãos precisaram posicionar-se e ofizeram de diferentes maneiras. O tópico seguinte apresenta os vários posicionamentos, seus resultados e alcances. Mas, antes veja esta remissão a um livro que influenciou algumas faculdades teológicas brasileiras quando o tema Aconselhamento Pastoral começou a ser tratado com disciplina acadêmica: CLINEBELL, Howard. Aconselhamento pastoral. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1987. Capítulo 2, p. 23ss.2.4 POSICIONAMENTOS HISTÓRICOS O aconselhamento pastoral, tal qual se pratica hoje, evoluiu no decorrer de dois milênios de Cristianismo ePsicologia. A Teologia cristã vem primeiro. Ela firmou-se especialmente a partir de 353 d.C. quando o imperadorromano Constantino instituiu o Cristianismo religião oficial do seu império. Mas, a Teologia cristã foi sempreinfluenciada pelas circunstâncias sociais, filosóficas e científicas, passando, assim, por constantes transformaçõesculturais. Com certeza, o Cristianismo por sua vez também influenciou a cultura, a Filosofia e as ciências emtodos os tempos. Na história, nada é absolutamente neutro, nada também é absolutamente poderoso. OCristianismo influencia a cultura e a cultura influencia a Teologia cristã. Neste livro parte-se desta premissa. A Psicologia científica e acadêmica que no século XX obteve amplo espaço de influência no aconselhamentopastoral apenas há um século e meio. Como discutido anteriormente, ainda está um tanto confusa e incompletaem meio às muitas teorias e técnicas. Visto nesta perspectiva simplista, a Psicologia deveria submeter-se àTeologia cristã na prática do aconselhamento pastoral e pronto. Porém, a práxis cristã demonstra que tambémentre Teologia e Psicologia as influências são mútuas. Aliás, em alguns espaços denominacionais do Cristianismo, 29

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARa Psicologia parece ditar as normas da práxis pastoral. A Psicologia apresenta um aspecto sedutor justamenteporque coloca presumido “poder” nas mãos do conselheiro. As teorias e técnicas, isoladamente, parecem“garantir” a eficácia das abordagens. Isso é sedutor. Introduzida a reflexão sobre quem influencia quem no aconselhamento pastoral, serão apresentados aseguir posicionamentos históricos da Igreja cristã. O que se quer dizer com posicionamentos? São as posturasadotadas por conselheiros cristãos diante das informações oriundas da Teologia e da Psicologia para o exercíciode seus ministérios de ajuda. Os dados a seguir se constituem numa síntese de Roger Hurding (1995) a respeito,mesclados com posicionamentos pessoais do autor deste livro.2.4.1 REJEIÇÃO E EXCLUSÃO Esta foi a postura adotada na maior parte do tempo histórico da Igreja. Adotavam-se para ação pastoralde ajuda apenas os conceitos bíblicos, dogmas e tradições. Informações produzidas pela Filosofia ou qualquerciência humana eram rejeitadas. Mesmo no século XX, muitos estudiosos e teólogos rejeitavam e excluíam de sua práxis pastoral produtosdo trabalho secular. Hobart Mowrer repudiava o freudismo, Paul Vitz o “selfismo” humanístico. William Kilpatrickposicionava-se contra a “força social” de qualquer Psicologia que extrapolava a Teologia. Já Jay Adams e ocasal Martin e Deirdre Bobgan rejeitam completamente qualquer aproximação do aconselhamento pastoralcom a Psicologia (HURDING, 1995). Por partir da premissa que Teologia e Psicologia se influenciam mutuamente, é preciso refletir um poucoa respeito desta abordagem exclusivista. Os defensores da rejeição da Psicologia se fundamentam nas palavrasde 1Jo 2. 15-17: “Não ameis o mundo nem as cousas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor doPai não está nele...” A palavra grega para “mundo” é kosmos. Quem a interpreta apenas negativamente, rejeitatodo o conhecimento que provém da cultura (Filosofia; Psicologia). O apóstolo João certamente se refere aomundo negativo, mas não afirma que todo o kosmos é negativo. Exclusivistas frequentemente compreendem que a Revelação de Deus é concedida apenas ao seu povo.Equivocam-se, no entanto, pois toda verdade tem de ser verdade de Deus. Portanto, a revelação geral (natureza;ciência; descobertas) também é verdade e se transforma em conhecimento para a transformação do mundo. Para melhor compreensão, estude: Revelação especial de Deus (Bíblia) e revelação geral (ciências e conhecimento comum). A polarização na Revelação pode levar ao anti-intelectualismo. Baseado exclusivamente em dogmas,conceitos bíblicos e tradição cristã, todo sofrimento humano será interpretado como sendo fruto apenas dopecado e levará à práxis pastoral ao legalismo infrutífero. Porque,então,aindaassimmuitosconselheirospreferemrejeitareexcluirconhecimento secularútil ao ministériodo aconselhamento pastoral? Essa postura tem algo de atraente por sua simplicidade e sinceridade. Basta compreendero pecado, confessá-lo, e o restante do sofrimento humano supostamente se resolverá como consequência da fé.2.4.2 ASSIMILAÇÃO E INTERAÇÃO Como já dito, no século XX muitos conselheiros cristãos assimilaram aspectos da Psicologia, da Sociologia,da Pedagogia, da Antropologia para a realização dos seus ministérios. Fundamentam-se na premissa queDeus pode utilizar a cultura para realizar a sua Obra. A Teologia do século XX é uma “Teologia popular” e do“evangelho social” que compreende Deus como Pai e a Humanidade como fraterna (NIEBUHR, 1967). Aindaassim, a assimilação e a interação podem suceder em vários níveis. Alguns conselheiros assumem um sistema teórico completo para incluir tanto as pressuposições, quantoos objetivos, as técnicas e os métodos em sua práxis. Evidentemente, a metodologia deve dar espaço para o30

ACONSELHAMENTO PASTORALteísmo, caso contrário conselheiros cristãos dificilmente se utilizarão dos recursos completos de uma teoriapsicológica. Karen Hellen Kepler Wondracek (2002) psicóloga brasileira, pesquisadora e autora que assimila einteraciona a Psicanálise com a Teologia. Há outros psicólogos e pastores brasileiros que buscam integrar asmetodologias da teoria sistêmica familiar, da logoterapia e da análise transacional nas suas propostas teológicas. Outros conselheiros rejeitam a maioria das pressuposições (premissas filosóficas) de uma escolapsicológica, porém assimilam os objetivos e os métodos. Filosoficamente, a Teologia cristã tem suas dificuldadescom o humanismo, com o existencialismo e os produtos recentes destes, o pluralismo, o consumismo, oindividualismo. Porém, superadas as incongruências de alvo do aconselhamento em Teologias mais liberais,conselheiros trabalham a autorrealização, a autonomia, a individuação de Jung, a busca de sentido de Franklaproximando os objetivos destas metodologias à dogmática cristã. Este segundo nível de assimilação se expõe a críticas mais filosóficas que metodológicas, isto é, parecea este autor que a Filosofia cristã em vários aspectos não é compatível com a Filosofia subjacente às teoriaspsicológicas utilizadas. O resultado é a confusão do que é bíblico e do que é psicológico. Como resultado, aPsicologia simplesmente se sobrepõe à Teologia. Considerando que a Teologia em si já é uma área do conhecimento impossível de ser abarcada por apenasuma pessoa e igualmente a Psicologia, pode-se apenas estimular ao trabalho interdisciplinar e transdisciplinarno aconselhamento pastoral. Para os assimilistas e os interacionistas é fundamental que reconheçam seuslimites e encaminhem profissionalmente. Se possível, que trabalhem em pareceria com os profissionais. No terceiro nível de assimilação e interação existem aqueles conselheiros que apenas se apropriam dedeterminadas técnicas produzidas pela Psicologia. Considerando a ferramenta coerente e precisa, entendemesses conselheiros, a técnica pode ser utilizada mesmo que as premissas sejam questionáveis. Isso acontece,por exemplo, quando conselheiros adotam técnicas da Gestalt-terapia e da Análise Transacional, de fundoessencialmente humanista. Provavelmente a maioria dos conselheiros que assimilam e interacionam Teologia e Psicologia adotaesta postura.2.4.3 ECLETISMO “Ecletismo é essencialmente um empréstimo de ideias e formas de entendimento com base em umavariedade de fontes” (HURDING, 1995). É uma forma de assimilação parcial. Para Jones e Butman ecletismo é“a seleção e combinação ordenada de constructos compatíveis oriundas de diferentes fontes, às vezes até deteorias e sistemas incompatíveis; é o esforço de encontrar elementos válidos em todas as doutrinas e teoriaspara combiná-las num harmonioso todo” (1991). Certamente todos os conselheiros pastorais contemporâneos adotam postura eclética, ainda que nãotenham a intenção, uma vez que o mundo ocidental é psicologizado. Quer dizer, mesmo que se queira produzirajuda pastoral exclusivista, a influência da Psicologia no dia a dia das pessoas é tão expressiva que dificilmentealguém vive sem considerar princípios psicológicos (ainda que muitas vezes distorcidos pelo senso comum). Assim sendo, porque discutir posturas em aconselhamento a partir da Teologia e da Psicologia? É necessárioque o conselheiro pastoral esteja consciente de suas possibilidades e de seus limites. A consideração da metodologiapsicológica aumenta as possibilidades da práxis pastoral, o conhecimento da Teologia aumenta o espectro reflexivodas possibilidades hermenêuticas do sofrimento humano. Ao considerar seus limites em qualquer área, o conselheiroevita aumentar o sofrimento humano e pode empenhar-se orientadamente na busca de recursos necessários. Fato é que, independentemente das escolas psicológicas e das linhas teológicas de pensamento doconselheiro, pesquisas indicam que a eficácia no aconselhamento pastoral depende muito mais da experiênciae da maturidade do conselheiro do que dos constructos teóricos. Outro fenômeno que é decisivo no alcancede objetivos de cura e terapêuticos é a humanidade do conselheiro. Isto é, a sua disposição de aproximar-seenquanto ser humano do outro ser humano que sofre e a quem pretende prestar ajuda.9 Embora a literatura especializada estude, apresente e discuta ainda outros posicionamentos históricos,considera-se que estas três posturas realizam os objetivos acadêmicos desta disciplina e livro: rejeição e9 – Considerando o objetivo deste livro, não se fundamenta teoricamente e bibliograficamente estas afirmações. 31

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARexclusão; assimilação e interação; ecletismo. O aluno que pretende obter informações mais detalhadas podeseguir a sugestão do “saiba mais” a seguir. Não é possível tratar nos devidos detalhes os posicionamentos históricos nesta apostila. Mas, você estudante interessado pode se aprofundar na obra a seguir que é de qualidade e nível superior: HURDING, Roger F. A árvore da cura – modelos de aconselhamento e de psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995. Para aprofundar a seção três, ver capítulo 11, p. 281 – 314.2.5 E O BRASIL, COMO VAI? A Igreja cristã no Brasil também transformou sua práxis pastoral no aconselhamento. Desde que surgiramos primeiros cursos universitários de Psicologia, jovens cristãos têm se dedicado ao estudo. Evidentemente,o produto voltou para as respectivas igrejas com seus efeitos controversos. Os antigos seminários teológicos e as atuais faculdades de Teologia oferecem em seus currículos a disciplinade aconselhamento. Logo adaptaram o conteúdo curricular desta disciplina a um ou outro posicionamentopsicológico. Algumas instituições teológicas adotaram o treinamento e a especialização em aconselhamentopastoral como sua bandeira diferencial. Atualmente o termo “aconselhamento pastoral” não é mais novidade na Igreja do Brasil, tanto nas igrejasevangélicas, quanto nas católicas. Até por sua natureza teológica, é evidente que as igrejas evangélicas históricas(metodista; presbiteriana; luterana; batista) estejam mais abertas a novas metodologias de práxis pastoral queas pentecostais e/ou neopentecostais e derivantes. As posturas (interação Teologia-Psicologia), no entanto, divergem tanto quanto em outros espaçosgeográficos do mundo. Existem alguns enfoques específicos que são apresentados muito sinteticamente aseguir para que o estudante tenha noção do aspecto histórico e prático do aconselhamento pastoral no Brasil.2.5.1 INFLUÊNCIA FUNDAMENTALISTA DE JAY ADAMS A primeira edição de Conselheiro Capaz de Jay Adams foi lançada em 1977 pela Editora FIEL. Pelo sucessodo primeiro livro, no ano seguinte seguiu o Manual do Conselheiro Capaz. Em 1989 o próprio autor compareceunum congresso brasileiro em Águas de Lindoia, SP com audiência numerosa. Adams desenvolveu o que ele chama de “aconselhamento noutético”. Do grego clássico nouthétesis querdizer “confrontação noutética”, cujo propósito básico é o de “efetuar mudança de conduta e de personalidade”(1977, p. 58). Os elementos do aconselhamento noutético são: • ensino com confrontação do pecado; • esta confrontação deve suceder por meios verbais com o objetivo de mudar o comportamento e o caráter (1997, p. 59); • o objetivo é de enfrentar “diretamente os obstáculo e vencê-los verbalmente, não com o fim de puni-lo, mas, sim, de ajudá-lo, e tudo para a Glória de Deus” (1997, p. 63). O estudante que quiser ler uma apresentação sintetizada e análise crítica a respeito do aconselhamento noutético de Jay Adams poderá encontrar um posicionamento equilibrado em Hurding, 1991, p. 317-332.32

ACONSELHAMENTO PASTORAL Aqui seguem apenas alguns comentários do autor deste livro. Primeiro, os livros de Adams vieram num momento de grande carência da igreja brasileira na área doaconselhamento pastoral. A busca de ajuda pelos ajudadores/conselheiros era motivada pela incapacidadeprópria no aconselhamento. Segundo, Adams afirma a mesma coisa que os líderes das igrejas cristãs: toda responsabilidade é dopecado e da pessoa que peca. Esta mensagem é sintônica e, portanto, fascina e afirma o público em seusministérios pastorais. Terceiro, a Psicologia passou a ocupar o espaço que a práxis pastoral não estava habilitada. Ela erauma ameaça, ela delatava a incapacitação dos líderes religiosos. A relação entre Teologia e Psicologia estavadesconfortável. Outro aspecto que truncava a aproximação Teologia-Psicologia surgia do esforço dos psicólogosrecém-formados em não misturar as áreas por questões de ética profissional. Portanto, não saíam dos seusconsultórios e mantinham certa distância de práticas religiosas até por interpretações controversas do Códigode Ética do Conselho Federal de Psicologia. Assim, com os livros de Adams, os pastores não necessitavam maisse preocupar com a Psicologia. Quarto, o aconselhamento noutético delega poder de intervenção, análise e julgamento ao conselheiro.Enfim, é ele quem detecta os pecados, julga o que é pecado e o que fazer com os pecados. Esta abordagem éatraente para pessoas que buscam visibilidade e têm necessidade de autoafirmação. No fundo, não se fazia nada diferente do que sempre tinha sido feito. Só que agora, com as orientaçõesde Adams, havia uma organização teórica mais esclarecedora. O fundamentalismo persistia. No embalo do aconselhamento fundamentalista a Editora Refúgio de Brasília lançou Princípios deAconselhamento Bíblico (1984) e Aconselhamento Bíblico Efetivo (1985) de Lawrence J. Crabb Jr. Embora oautor tenha ousado uma aproximação à Psicologia, no final o resultado é essencialmente fundamentalista queutiliza alguns princípios psicológicos como pretexto. Os livros citados não conquistaram o público brasileiro;quem sabe até por essa aproximação leve à Psicologia, ou por falta de poder de marketing. Outros livrostraduzidos do mesmo autor, agora denominado Larry Crabb Jr., por outras editoras, são essencialmente deautoajuda e conquistam um respeito considerável do público brasileiro.2.5.2 A ASSIMILAÇÃO E INTERAÇÃO NO MODELO EVANGELICAL DE GARY R.COLLINS Gary Collins é um grande hermeneuta da relação Teologia-Psicologia. Ele pertence ao segundoposicionamento histórico, os assimilistas e interacionistas. Também o seu principal livro foi traduzido elançado pela Editora Vida Nova em 2004, com o título “Aconselhamento Cristão”. Há uma reedição ampliadae melhorada para a virada do milênio. Neste livro o autor apresenta o aconselhamento pastoral, seu método através do discipulado e entãopassa a apresentar problemas comuns, descrevendo as respostas bíblicas e psicológicas para cada situação.Embora haja outros livros de Collins traduzidos, o Aconselhamento Cristão mudou a história do aconselhamentopastoral no Brasil. No início do século XXI a Psicologia já não estava mais tão distante do povo cristão. Collinsesteve em alguns congressos brasileiros onde conquistou o público pela sua maneira singela e inteligente de ser. Segundo Collins, o “alvo ulterior e abrangente” do aconselhamento é “a evangelização e o discipulado”, queos indivíduos tenham “vida em abundância” na terra e “a vida eterna prometida aos crentes” (2004, p. 15). Ele visaautocompreensão, comunicação, aprendizado e modificação do comportamento, autorrealização e apoio, integradona visão de uma comunidade terapêutica de obreiros e leigos engajados (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p. 305). Este livro vale a pena ser estudado. Ele pode servir de manual de consulta a respeito de problemas específicos. Não deveria faltar na biblioteca de nenhum conselheiro pastoral. 33

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR2.5.3 A INFLUÊNCIA HOLÍSTICA DE LIBERTAÇÃO E CRESCIMENTO DEHOWARD CLINEBELL Outro autor que teve influência considerável no aconselhamento pastoral da igreja brasileira foi Howard J.Clinebell. Seu livro lançado numa parceria da Editora Paulus e da Editora Sinodal com o título AconselhamentoPastoral – modelo centrado em libertação e crescimento (1987) foi utilizado especialmente em cursos deTeologia, nas disciplinas de aconselhamento pastoral, aconselhamento ministerial e capelania. Clinebell procura dar uma visão holística do ser humano. Fundamentando-se na antropologia bíblicadescreve o ser humano segundo a imago Dei de acordo com as afirmações de Gn 1.24-26. Também esteautor propõe que a ação terapêutica se dê num ministério amplo que integra pastores, teólogos e a grandecongregação como comunidade propiciadora de cura e crescimento. O autor propõe que mediante esforços de todos seja alcançada a integralidade humana através de seisdimensões: Avivar a mente; Revitalizar o corpo; Renovar e enriquecer os relacionamentos íntimos de uma pessoa; Aprofundar a sua relação com a natureza e a biosfera; Crescer em relação às instituições significativas em sua vida; Aprofundar e vitalizar seu relacionamento com Deus; O método do aconselhamento sugerido é construído ecleticamente, portanto assimilista/interacionista.A Filosofia subjacente é fortemente humanística, embora o autor tenha tentado fundamentar a mesmabiblicamente. O pluralismo religioso evidencia que a fundamentação não foi bem sucedida. Talvez tambémpor esses motivos o livro e a abordagem pastoral apresentados por Clinebell não tenham obtido alcance alémdas instituições acadêmicas no Brasil. Outra razão por que o modelo de libertação e crescimento não prosperou pode ser sua concepção holística.2.5.4 A ASSIMILAÇÃO PARCIAL DE MAPI-REVER Outro movimento que contribuiu extensivamente com o debate do aconselhamento pastoral no nívelnacional é o ministério MAPI-REVER. MAPI – Ministério de Apoio a Pastores e a Igrejas é um fruto da SEPAL –Servindo Pastores e Líderes, que por sua vez se origina da OC International – One Challenge; Overseas Cruzade.REVER – Restaurando Vidas e Equipando Restauradores é um braço de ação do MAPI. Sem entrar em detalhes,seja descrito apenas a ação de MAPI-REVER. Este ministério tem como seu idealizador o pastor Dr. David Kornfield. Ele desenvolveu uma abordagemchamada “cura interior”. Realizada através de leigos treinados, a técnica consistia em reunir pessoas feridas,analisar seu passado e orar por cura e crescimento. Como houve muitas críticas, especialmente por psicólogos,Kornfield aperfeiçoou a técnica no nível de um método. De modo bem sintetizado (portanto incompleto em sua apresentação), o método ainda consistia emtrabalhar com grupos (grupo a ser ajudado; e grupo de ajudadores), mas agora de modo tecnologicamentemais refletido. Em grupos de três conselheiros, analisa-se a história de uma pessoa, entra-se num processo deoração e cura, desenvolve-se um processo de acompanhamento da pessoa e, quando necessário, encaminha-se a pessoa necessitada para as devidas especialidades profissionais. Uma vez desenvolvido e praticado o método pelo próprio autor, ele treinou pessoas que pudessemcontinuar o modelo e assim o ministério redundou no REVER. Este trabalho tem alcançado o Brasil inteiro porintermédio de muitas igrejas. A abordagem é considerada pelo autor deste livro como de aconselhamento bíblico e assimilista parcial(apenas algumas técnicas da Psicologia). Pelo fato do pastor ter escrito uma vasta obra literária sobre cura,aconselhamento e práticas de ajuda para a igreja brasileira, seu trabalho tornou-se conhecido e reconhecido.34

ACONSELHAMENTO PASTORAL Embora o autor sugerido a seguir tenha um sobrenome que não parece ser brasileiro, o conteúdo das duas obras a seguir foi desenvolvido no contexto brasileiro e tem muito a acrescentar ao posicionamento assimilado. Veja duas bibliografias: KORNFIELD, David. Introdução à restauração da alma. São Paulo: SEPAL, [ ]. _____. Aprofundando a restauração da alma. São Paulo: SEPAL, [ ].2.5.5 A PROPOSTA PSICOTEOLÓGICA DO CPPC De modo similar aos esforços de Gary Collins, Harold Ellens e Jorge León, o Corpo de Psicólogos e PsiquiatrasCristãos (CPPC) trabalha há 35 anos com uma abordagem denominada psicoteológica. Organização que temsuas raízes no movimento da antiga ABU – Aliança Brasileira Universitária (hoje ABUB), reúne profissionais dasaúde de qualquer área, mas de fato é composto por profissionais das áreas psi. O CPPC agrupa em torno de700 membros. Em biênios organiza congressos nacionais e, intercalados, congressos regionais. Os integrantes do CPPCpublicam a Revista indexada chamada Psicoteologia. Também publicaram vários livretos, traduziram livros,publicaram livros em parceria com a editora Ultimatum, se fizeram presentes em catástrofes naturais emconjunto com a Defesa Civil para ajudar de fato. Como um grande grupo de membros é composto de pastorese líderes religiosos com formação psi, o CPPC tornou a Psicologia presente na igreja brasileira, especialmenteem igrejas do ramo histórico. Schneider-Harpprecht elenca algumas críticas a este movimento, que tem as suas razões de ser. Friesendiz que o CPPC tenta integrar a Psicologia moderna e o Cristianismo bíblico numa visão psicoteológica do ser humano que leva, por um lado, a uma prática psicologicamente bem refletida, porém, por outro lado, deixa fora a parte da crítica psicológica da religião (...) leva assim (...) a uma psicologização da fé e a uma teologização da Psicologia (...) (FRIESEN, 1998, p. 305). O autor detecta bem o conflito ainda vivenciado entre Teologia-Psicologia quando afirma que se tentanuma “postura apologética identificar as verdades da Psicologia também na Teologia e da Teologia tambémna Psicologia” (1998, p. 305), subordinando de fato à Psicologia à Teologia em seus resultados finais. Na opinião do autor deste livro, o CPPC realizou muito mais benefícios que equívocos, facilitou aaproximação Teologia-Psicologia nas igrejas brasileiras e esforçou-se em ler a realidade brasileira não somente apartir da Teologia cristã, nem tão somente a partir de alguma escola psicológica, mas segundo a cultura latino-americana. Esta leitura vai muito além da Teologia e da Psicologia, ela é antropológica, sociológica e histórica. O autor deste livro não se propõe a uma apresentação exaustiva. Talvez haja outras atividades de relevânciaao aconselhamento pastoral. O que resulta positivamente é que a segunda década do novo milênio disponibilizacomo nunca antes as possibilidades das várias especialidades da saúde. Igrejas, pastores e conselheiros querealizarem atividades integradas oferecerão aconselhamento pastoral mais eficiente à comunidade. Um autor que influenciou os fundadores do CPPC foi o argentino Jorge León. Sua obra de valor internacional é: LEÓN, Jorge A. Psicologia pastoral para todos los cristianos. Buenos Aires: Caribe, 1986. 35

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARRESUMO DO CAPÍTULO 2 • A palavra nefesh do Antigo Testamento indica a identidade do ser humano no seu relacionamento com Deus, consigo mesmo e com o próximo. A antropologia veterotestamentária descreve o ser humano como um todo: mente + alma + corpo, sem que esses elementos possam ser separados. Por sua vez, no Novo Testamento, a morte da nefesh significa o rompimento do relacionamento com Deus e o definitivo distanciamento de sua presença, graça, misericórdia e proteção. Assim, aconselhamento pastoral trata das questões da mente, da alma, do corpo, do relacionamento com Deus e a presença espiritual da graça, da misericórdia e vida sob a proteção de Deus e dos relacionamentos interpessoais. • O termo paraclesis é muito importante na concepção pastoral do aconselhamento a partir do Novo Testamento. O apóstolo Paulo indica através deste termo a oferta de salvação na relação com Cristo pela pregação do Evangelho. Paraclesis pode ter dois sentidos: exortação e consolação. Ao identificar- se (converter-se; entregar-se) com Jesus Cristo o ser humano está relacionado com Deus pela ação vicária do próprio Cristo. Paraclesis é, portanto, a ação do Espírito Santo na vida do crente. O Espírito Santo é o próprio parácleto. • A Teologia cristã sempre foi influenciada pelas circunstâncias sociais, filosóficas e científicas, passa assim por constantes transformações culturais. Com certeza, o Cristianismo por sua vez também influenciou a cultura, a Filosofia e as ciências em todos os tempos. Na História, nada é absolutamente neutro, nada também é absolutamente poderoso. O Cristianismo influencia a cultura e a cultura influencia a Teologia cristã. • Posicionamentos em aconselhamento pastoral são as posturas adotadas por conselheiros cristãos diante das informações oriundas da Teologia e da Psicologia para o exercício de seus ministérios de ajuda. A disposição de aceitar ou rejeitar informações quando estas entram em conflitos axiológicos e/ou teológicos da ação pastoral. • O posicionamento “rejeição e exclusão” é a adoção exclusiva de conceitos bíblicos, dogmas e tradições para ajudar pessoas através da ação pastoral. Informações produzidas pela Filosofia ou qualquer ciência humana são rejeitadas. • A crítica necessária ao posicionamento, à postura “rejeição e exclusão” é a seguinte: toda verdade tem de ser verdade de Deus. Portanto, a revelação geral (natureza; ciência; descobertas) também é verdade e pode se transformar em conhecimento para a transformação do mundo. • O posicionamento “assimilação e interação” assume a inclusão de aspectos da Psicologia, da Sociologia, da Pedagogia, da Antropologia para a realização do seu ministério do aconselhamento. Fundamenta- se na premissa que Deus pode utilizar a cultura para realizar a sua Obra. • A crítica necessária ao posicionamento da postura “assimilação e interação” é que este posicionamento se torna ameaçador à práxis pastoral quando se assume um sistema teórico completo para incluir tanto as pressuposições, quanto os objetivos, as técnicas e os métodos em sua práxis sem refletir se estas não interferem nos valores da Teologia que a ação pastoral representa. • Ecletismo é essencialmente um empréstimo de ideias e formas de entendimento com base em uma variedade de fontes. É uma forma de assimilação parcial e a seleção e combinação ordenada de constructos compatíveis oriundos de diferentes fontes, às vezes até de teorias e sistemas incompatíveis. É o esforço de encontrar elementos válidos em todas as doutrinas e teorias para combiná-las num harmonioso todo na tentativa de ajudar pastoralmente na ação conselheira. • A eficácia no aconselhamento pastoral depende muito mais da experiência e da maturidade do conselheiro do que dos constructos teóricos. Outro fenômeno que é decisivo no alcance de objetivos de cura e terapêuticos é a humanidade do conselheiro. Isto é, a sua disposição de aproximar-se enquanto ser humano do outro ser humano que sofre e a quem pretende prestar ajuda.36

ACONSELHAMENTO PASTORALANOTAÇÕESChegou a hora da autoatividade. Você faráuma revisão do capítulo, responderá asquestões, destacará a folha da autoatividadee a entregará para o professor na próximaaula. Boa revisão e ótimos resultados! 37

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARANOTAÇÕES38

ACONSELHAMENTO PASTORALINSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTAACONSELHAMENTO PASTORALAUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 2 Série: Data: Nome:QUESTÕES1. O que significa nefesh (alma) no Antigo Testamento para o aconselhamento pastoral?2. O que significa paraclesis no Novo Testamento para o aconselhamento pastoral?3. Quais são algumas concepções teóricas que influenciaram a Teologia em todos os tempos?4. O que é considerado um posicionamento do aconselhamento pastoral?5. Sintetize o posicionamento “rejeição e exclusão”.6. Cite uma crítica à postura “rejeição e exclusão”.7. Sintetize o posicionamento “assimilação e interação”.8. Cite uma crítica à postura “assimilação e interação”.9. Sintetize o posicionamento “ecletismo”.10. O que de fato determina a eficácia do aconselhamento pastoral, bem como as abordagens psicoterapêuticas? 39

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARANOTAÇÕES40

ACONSELHAMENTO PASTORALCAPÍTULO 3O(A) CONSELHEIRO(A) PASTORAL FIG. 3: ACONSELHAMENTO: em denverseminary.edu; em 06.set.2012 CAPÍTULO033.1 INTRODUÇÃO Como o instrumento do aconselhamento pastoral é o próprio conselheiroe a conselheira, é necessário enfatizar que o mesmo esteja em boas condiçõesação e prática. Nesta unidade, o aluno estudará a necessidade da diferenciaçãoemocional para não se envolver de maneira ineficaz com os problemas doaconselhando. Enfatiza-se os cuidados que todo conselheiro deve ter consigomesmo para ser benção na Obra de Deus. De maneira mais concreta, sãocitadas habilidades necessárias a serem desenvolvidas para o aconselhamentoeficaz. Por fim, toda a capacitação para o aconselhamento pode significar muitopouco se o conselheiro não cuidar da ética do sigilo. Portanto, coragem para olhar no espelho!!! Você vai enxergar a si mesmo! Não desanime!3.2 A NECESSIDADE DE DIFERENCIAÇÃO EMOCIONAL Em Gálatas 2. 11–21 é relatado um episódio interessante do apóstoloPaulo que repreende o apóstolo Pedro. Este em várias ocasiões pregou, batizoue comungou com gentios. Mas, em certa ocasião, Pedro estava com gentios,quando se aproximaram os judeus ele se afastou “dissimulando” que não osconhecia. Que conflito! Pedro tinha convicção que o Evangelho também era para osgentios, mas, de repente ele se sente inseguro quanto à opinião dos cristãosjudaizantes e reage com dissimulação. A isso se chama não diferenciação(FRIEDMAN, p. 45-51), isto é, uma reação da pessoa que não consegue agirpela razão, vencido pelo poder dos sentimentos, temendo a opinião alheia. Diferenciação é a capacidade de definir as metas e valores pessoais desua própria vida sem ceder às pressões das pessoas e instituições com as quaisconvive. É também a capacidade de dizer “eu” enquanto os outros exigem que 41

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARse diga “você” ou “nós”, enquanto houver convicção para tanto. A pessoa diferenciada mantém uma presençarelativamente tranquila e serena em meio a crises e inseguranças, assumindo a máxima responsabilidade porsi mesmo, seu destino e seu ser emocional. Quanto mais respostas úteis e solucionadoras uma pessoa produzdiante e/ou em meio às crises, tanto mais diferenciada ela pode ser considerada. No entanto, não se deveconfundir diferenciação com autonomia e/ou narcisismo. A autonomia pode ser vista como independência,o narcisismo como contradependência e a diferenciação como interdependência (KOHLBERG, 1981). A pessoadiferenciada permanece responsavelmente conectada com o seu meio, ela não é indiferente às pessoas quepressionam. Ela é como o baluarte que sustenta toda a casa: ainda que as paredes caiam, ela permanece,mesmo que isso a machuque também. Uma pessoa diferenciada não diz: “Você me irritou!”, ela antes diria: “Eu me sinto irritada diante do queouço/vejo!” Ela assume a responsabilidade pelas suas emoções, é capaz de empatizar e de diferenciar entreo estado emocional da outra pessoa e de sua própria pessoa. Assim sendo, diferenciação é a capacidade de discernir o que é um pensamento, um acontecimento e/ou uma ação de fantasias, sentimentos e intuições.10 Em outras palavras, a pessoa madura diferencia ações ecoisas concretas de sentimentos e imaginações. Pessoas imaturas confundem os fatos com seus sentimentos. Alguns exemplos de não diferenciação no pastorado: • depois de uma sessão de aconselhamento o conselheiro fica tão aflito que não consegue dormir. • O pastor está angustiado porque discordou da opinião de um irmão fundador e pioneiro da igreja. • Alguém conta ao pastor que uma irmã foi vista numa balada e ele entende que logo tem que fazer algo a respeito, não conseguindo esperar uma oportunidade adequada do kairós de Deus. • Quando duas famílias da igreja estão em conflito, o pastor não consegue manter-se neutro. Assume o partido das pessoas com quem conversa; quando conversar com o outro grupo, faz o mesmo com este. Como todos sabem, o ser humano é um ser social. Ele está conectado aos seus semelhantes a partirde seu nascimento. Para nascer e sobreviver precisa ser assim. A conexão gregária pode ser considerada uminstinto e como tal é poderoso. Fazer parte de um sistema, mas, ao mesmo tempo desafiá-lo, pode significarque se seja afastado do mesmo. A angústia de separação e o medo de ser rejeitado são duas emoções fortesque mobilizam as pessoas para evitar sofrimento. Elas são frequentes também na vida de líderes eclesiásticos. O pastor vivencia algumas tensões próprias no trabalho ministerial que demandam que se autodiferencieemocionalmente: • quem foi chamado por Deus para servir em seu Reino normalmente sente necessidade e gosto de estar com gente. Portanto, há um esforço importante para manter bons relacionamentos. • Além disso, o pastor trabalha com voluntários; a dinâmica eclesiástica sucede com voluntários. Ninguém é obrigado a participar de uma igreja, ninguém pode ser coagido como o empregado numa empresa quando comete algum equívoco (aliás, nem o funcionário pode ser coagido). Portanto, se o pastor não agradar a sua ovelha, esta pode procurar outra igreja. Isso é muito fácil numa sociedade em que mesmo a igreja para muitos se tornou um produto descartável no mercado da religião. Zygmunt Bauman chama essa sociedade de “modernidade líquida”, quer dizer, ela muda de forma constantemente na medida em que se move.11 • As igrejas de governo congregacional são regidas por princípios democráticos em que, pretensamente, a maioria determina quem entra e quem sai. Há poderes que regem as relações: o poder formal e contextual (estatutos, conselhos, assembleias) e poder informal (pessoas de liderança natural, que tem posses materiais ou capacidades intelectivas para conduzir processos). O processo de poder na igreja não é muito previsível. Isso gera insegurança. • O pastor e a sua família dependem do sustento financeiro de seu rebanho. O pagamento de dividendos concede direitos, acham alguns membros da igreja. Então tentam realizar os seus desejos através da10 – CABRAL, Álvaro. Dicionário de psicologia e Psicanálise. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1979. p. 82.11 – PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garica. “A sociedade líquida” entrevista com Zygmunt Bauman. Em Folha de São Paulo, SP, domingo, 19.10.2003. Disponivel emhttp://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ upload/chamadas/4_Encontro_Entrevista_A_Sociedade_Liquida_1263224949.pdf42

ACONSELHAMENTO PASTORAL pessoa e do cargo do pastor. Se o pastor não for claramente diferenciado, poderá entrar no jogo de querer agradar. O resultado pode ser que ele tenha tantos patrões quanto membros no rol.3.3 O PASTOR NÃO DORME COM AS SUAS OVELHAS O pastor sabe muito bem que faz parte de um todo e precisa estar integrado para poder servir a Deus eao mesmo tempo sobreviver. Essas forças ambíguas se transformam num campo de forças dentro do qual opastor busca agir conforme a vontade de Deus mantendo o equilíbrio, e não conforme os ventos, as tradições,os sentimentos pessoais e as opiniões de pessoas que acham que sabem tudo. Somente o pastor autodiferenciado pode conviver na comunidade religiosa sem ônus excessivo para si esua família. O pastor saudável aprende a diferenciar-se. A diferenciação é uma capacidade da maturidade vital. Quando Jesus afirma: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”12 ele fala dele mesmo como Filhode Deus. Mas, ao mesmo tempo deve-se considerar esta afirmação como um estímulo de autodiferenciação.O que alguém, diante da Palavra de Deus, considerar verdade tem o poder de libertar a pessoa de sofrimentodesnecessário. Como se desenvolve uma postura diferenciada? A criança que aprende a escolher considerando asimplicações de sua escolha, o jovem que busca alegria na vida avaliando os efeitos para si e para outros, oadulto que consegue escolher sem ter que pensar “O que os outros vão dizer?” são diferenciados. Pais queafirmam os pensamentos e desejos de seus filhos sem menosprezá-los em sua imaturidade, afirmam os filhoscomo seres diferenciados. Quando o líder de jovens conversa com um jovem fazendo a diferença entre “o ato de roubar” da “pessoaque roubou”, transmite a mensagem que o “jovem está OK”, mas, “roubar não está OK”. Todas as dinâmicassociais e familiares que afirmam uma pessoa, que enfatizam as suas capacidades e suas potencialidades,sem deixar de apontar fragilidades e falhas, facilitam a diferenciação de uma pessoa. A pessoa não precisaenvergonhar-se de si mesma basta que ela mude de atitude e de ação. Sinais de pessoas não diferenciadas: complexos de inferioridade e incapacidade; autoimagem negativaou distorcida; insegurança social; timidez; deferência;13 compulsão de agradar a todos; esgotamento físico,mental e espiritual no trabalho desmesurado pelos outros; incapacidade de negar um pedido, de definir eaceitar seus próprios limites; sorrisos incontinentes, mesmo em meio ao sofrimento. Nos estudos de Psicologiado desenvolvimento os elementos citados são chamados de “crenças autorreferenciadas”, que na pessoa nãodiferenciada são negativas. A não diferenciação é especialmente comprometedora em situações de conflitos e crises. O pastor quenão consegue permanecer relativamente neutro em meio às brigas de seus membros, terá dificuldades dedescansar no Senhor depois que fez a sua parte para a conciliação. Outra área em que a não diferenciaçãopode ser comprometedora é o aconselhamento pastoral. Pode faltar firmeza ao conselheiro diante de atitudesinadequadas do aconselhando; o conselheiro pode se tornar manipulável; os limites de horários podem serdesrespeitados. O conselheiro não diferenciado perde o sono e se ocupa obsessivamente com o caso difícil quetrata. Assim, pode-se dizer que dorme com o caso. Pessoas não diferenciadas também sofrem expressivamentequando submetidas a avaliações de rendimento, avaliações do ministério. Todos temem, mais ou menos, adesqualificação. Mas, nem sempre o número de conversões e batismos é um critério adequado de um bomministério pastoral. O que se pode fazer para aprender a diferenciação? Antes de tudo é preciso viver aquilo que se prega.A Obra é de Deus, não de seres humanos. A tarefa é dada, mas, o trabalho é do Criador; e o trabalho nosso édescansar em Deus.14 Além disso, ajuda muito quando se tem um verdadeiro amigo que ouve e que ajuda apensar as coisas que se vivencia. Para pastores mais jovens a vivência de um discipulado se torna imprescindível.Talvez até seja útil que se entre num processo psicoterapêutico com um psicólogo que conheça a dinâmicadas comunidades eclesiásticas e famílias de pastores.12 – João 8. 32.13 – Consideração, acatamento, atenção com excessiva ênfase; condescendência e complacência sem conside-rar a si mesmo. Respeito e reverência a pessoas que naverdade são iguais.14 – Autora e Cantora Ludmila Ferber. Canção: “O teu trabalho é descansar em mim”. 43

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR Pode ser de grande ajuda quando a pessoa imagina a vida como um palco sobre o qual se encena aexistência. Enquanto se está no palco, ação e emoção se misturam. É necessário sair vez ou outra do palco,sentar numa cadeira da plateia e observar a si mesmo a partir de fora. Há de se enxergar uma série de coisinhasque podem mudar, que a vida não é tão trágica, que as outras pessoas não estão tão preocupadas com a gentecomo se imaginava. Alguém chamou esta reflexão de “perspectiva de passarinho”. Tal qual o pássaro conseguever o mundo de cima, o pastor pode e deve ver as coisas de cima e de longe. Por que não dizer que o pastordeve ver as coisas na perspectiva de Deus? Isto sim, é autodiferenciar-se. Enquanto estiver emaranhado, opastor não saberá como sair de algumas confusões. Segundo os relatos dos Evangelhos, o temperamento impulsivo de Pedro não lhe ajudava muito a sediferenciar. O temperamento sanguíneo almeja agradar sempre. Quando Jesus lhe pergunta quem as pessoasdizem quem ele é, Pedro responde tentando agradar.15 O mesmo acontece quando repreende a Jesus porque este diz que deve morrer16 e quando nega aJesus antes da crucificação.17 Mas, quando o Espírito Santo preenche os vazios de seu coração ele conseguediferenciar-se. Assim consegue enfrentar uma multidão e exortar que se convertam,18 consegue dizer que,antes importa obedecer a Deus do que aos homens. Ainda que sob ameaça de prisão e de morte, ele temcoragem de obedecer a Deus, e não aos homens.19 Pedro diferenciou-se. Pode-se dizer: Pedro não foi maispara a cama com as pessoas a quem pastoreava depois que se diferenciou emocionalmente. Isto é, depois quecumprira o seu dever que recebera de Deus, ele deitava sua cabeça tranquilamente no travesseiro e dormia. Poucos escritores, psicólogos e cristãos, contribuíram mais para o Aconselhamento Pastoral que Collins. Veja a sua obra. Vale a pena tê-la na biblioteca pastoral como manual de pesquisa rápida: COLLINS, Gary R. Aconselhamento Cristão – edição século 21. São Paulo: Vida Nova, 2004.3.4 O SER DO CONSELHEIRO PASTORAL C. H. Patterson escreve que um conselheiro eficiente deve ser “um ser humano de verdade” que oferece aoportunidade de um “relacionamento humano de verdade” aos aconselhandos. “É um tipo de relacionamentocaracterizado não tanto pelas técnicas que o terapeuta usa, mas pelo que ele é como pessoa; não tanto peloque ele fez, mas pelo modo como o faz” (PATTERSON, 1973). O autor evidencia que as habilidades e técnicas são importantes no aconselhamento, porém se tornammais eficazes quando o indivíduo que cuida “é afetuoso, sensível, compreensivo, demonstra interesse sinceroe tem disposição para confrontar as pessoas, mantendo uma atitude de amor” (COLLINS, 2004, p. 19). O aconselhamento pastoral é diferencialmente caracterizado pela disponibilidade. Enquanto profissionaisda saúde existem e atuam atrás de convênios, clínicas, secretárias, consultórios e números de telefones,tornando-se quase inacessíveis, o pastor/líder religioso está onde o povo está. Isso é importante, mas implicaem cuidados específicos também. O profissional aguarda ser procurado, o pastor procura sua ovelha quandoesta se perde. Mas, convém que o pastor tome a iniciativa e vá à procura? Ou em algumas situações deveráaguardar também que o aconselhando o procure? Uma compreensão refinada das necessidades por parte do conselheiro irá definir a busca ativa ou aespera ativa. Esta capacitação diferencial depende muito da maturidade do conselheiro, do seu ser. Em outraspalavras, o conselheiro deve se conhecer tão profundamente que consiga definir as suas motivações pessoaispara ir à busca de alguém ou para o próprio ministério do aconselhamento.15 – Mateus 16. 17: Pedro tenta agradar, mas, é elogiado por Jesus.16 – Mateus 16. 22 – 23.17 – Mateus 26. 69 – 75.18 – Atos 3. 19.19 – Atos 5. 29.44

ACONSELHAMENTO PASTORAL Há muito tempo se investiga o que realmente ajuda as pessoas na terapia ou no aconselhamento. Alémdas características de personalidade e disposição citadas acima, outro aspecto que pode produzir ou dificultarum pronto crescimento é a maneira como o próprio conselheiro vive e lida com as coisas da vida. Nestesentido, especialmente o conselheiro pastoral é observado constantemente, pois convive com as pessoas. Oser muitas vezes comunica muito mais do que as palavras mais inteligentes e bem fundamentadas. Assim, oaconselhamento pastoral acaba sendo a projeção do próprio conselheiro (FRIESEN, 2000, p. 82). Portanto, é fundamental que o conselheiro conheça a si mesmo, tenha uma autopercepção aguçadade seus sentimentos, e que seja uma pessoa madura e equilibrada. Para tanto, o conselheiro necessita deseu próprio conselheiro (ou supervisor). Dificilmente alguém, que não tenha passado por um processo deaconselhamento, seja um conselheiro eficaz. Diz Tiago: “A sabedoria, porém, lá do alto, é primeiramentepura; depois pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento”Tg 3. 17. É como se Tiago tratasse a sabedoria do alto como pessoa. De fato, ele fala de características do serdo cristão. O cristão maduro é uma pessoa tratada, amadurecida, equilibrada e saudável. Isso impacta muitomais que muitas palavras e conselhos. Para compreender as necessidades dos outros é preciso conhecer e tratar as próprias necessidades. Quemconhece a si mesmo conhece suas potencialidades e seus limites, seus pontos fortes e fracos. Quem conhecea si mesmo consegue diferenciar a dor do outro de sua própria. Vários seminários brasileiros utilizam o livro do autor a seguir para aprofundar o tema tratado: MANNOIA, James V. Aconselhamento Pastoral. A dinâmica no desenvolvimento da personalidade. Atibaia, SP: Redijo, 1986.3.5 ACONSELHAMENTO PASTORAL E PSICOTERAPIA A análise comparativa destas áreas se justifica por que o aconselhamento pastoral na contemporaneidadese utiliza de conceitos psicológicos. Porém, como já visto anteriormente, propõe ser algo diferente que osprodutos da Psicologia em suas várias formas de psicoterapia.3.5.1 PSICOLOGIA Costa lembra bem que a Psicologia tem suas raízes primeiras na Teologia (2006, p. 16). Igualmenteverdadeiro é que a Filosofia e a Teologia até o final do século XIX se imbricavam e sobrepunham, a ponto dese não notar a diferença. Ao estudar Platão (428/427 – 348/347 a.C.) e Aristóteles (384 – 322 a.C.), conclui-se que ambas eram gêmeas, isto é, não é possível identificar quem veio primeiro. Em “Confissões” de SantoAgostinho (354 – 430) se observa que a mescla de vivência espiritual e comportamento observável sobrepõeconceitos religiosos (teológicos) e descrições de estados mentais (psicológicos) sem diferenciações. É deAgostinho a conclusão “que nas profundezas da alma individual deixa de existir o hiato entre a subjetividadee objetividade” (MAY, 2003, p. 183). A partir da Filosofia grega (Platão e filósofos pós-socráticos) o ser humano é analisado e descrito em suaspartes pelos gregos, diferenciando-se com mais ênfase corpo e mente. Na visão judaico-cristã a diferenciaçãodos elementos segundo os quais o ser humano é composto surge com o apóstolo Paulo. Ele afirma: “e o vossoespírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis...” 1Ts 5. 23, e a Antropologia hebraicaunitarista/integralista é diluída. Dicotomia e tricotomia tentam aprofundar a antropologia, a Psicologia e aexperiência espiritual do ser humano. Neste livro assemelham-se os conceitos alma e mente, embora aquela tenha conotações metafísicas,enquanto esta evoca as imagens mentais representáveis pela consciência humana. A Psicologia se ocupa damente. O aconselhamento pastoral enfoca a alma. 45

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR É com o surgimento do método científico que as muitas áreas do saber e do conhecimento humano sediferenciam. A Psicologia acadêmica surge com a tentativa de produzir conhecimento com os métodos dasciências naturais. Drakeford (1964, p. 3) considera que a Psicologia “tenta imitar” as ciências naturais: pesa,conta e analisa em laboratórios o comportamento observável. É isso que a Psicologia se propunha fazer emseus primórdios: conhecimento do comportamento observável. A Psicologia contemporânea foi confrontada desde os seus primórdios com os conteúdos inconscientessubjetivos – ainda que observáveis – através dos sonhos, atos falhos e psicossomatizações. Atualmente, a ciênciapsicológica ultrapassa os limites do observável, utilizando-se de metodologia indutiva, da fenomenologia ede reflexões integralistas (inter e transdisciplinares). É aí que as áreas de interesse da presente disciplina seinterconectam.3.5.2 ACONSELHAMENTO O aconselhamento pastoral ainda se diferencia do aconselhamento. Este em princípio não tem pretensõesideológicas (isto é, se a neutralidade de fato for possível). Aquele é evidentemente ação com princípiosteológicos e/ou religiosos. Assim, Hurding (1995, p. 36) define “aconselhamento como uma atividade com o objetivo de ajudar aosoutros em todo e qualquer aspecto da vida, dentro de um relacionamento de cuidado”. Nesta perspectiva aPsicologia se torna aliada. Os princípios psicológicos evidentemente podem e devem ser utilizados por pessoasadequadamente treinadas. Porém, deve ficar claro que existem gradações nos “tipos específicos de influência pessoal” (SZASZ,1979, p. 9). Mesmo o pastoralista Lawrence J. Crabb sugere que se diferencie entre encorajamento, exortaçãoe ensino/esclarecimento (CRABB, 1984). Estimular, exortar/orientar e esclarecer são funções importantes,mesmo fora do ambiente religioso. Porém, não podem ser consideradas “psicoterapia”, antes, permanecemno espaço do aconselhamento. Mas, quais são as diferenças? Por serem muitas, opta-se por apresentar neste livro apenas uma: adiretividade da intervenção/abordagem. Tanto a psicoterapia quanto o aconselhamento de qualquer natureza sepropõe influenciar pessoas. Evidentemente, neste sentido para ajudá-las a superar problemas, ao crescimento,no autoconhecimento e na qualificação da vida subjetiva. Fato é que essa ajuda pode ser realizada com maisou menos diretividade. Quer dizer, pode-se prescrever (forte diretividade) e pode-se facilitar para que a pessoadescubra (menor diretividade) o como. Tanto as psicoterapias, quanto os tipos de aconselhamento podem serdiferenciadas segundo a sua diretividade: a responsabilidade que o agente transformador assume nas escolhase decisões da pessoa que é ajudada. Depura-se destas definições uma aplicação imediata que, pela sua importância, não pode ser relegadaa espaços posteriores: quanto menos treinamento o facilitador tiver, menor deverá ser a sua diretividade.Infelizmente, na prática, acontece justamente o oposto.3.5.3 ACONSELHAMENTO PASTORAL Collins (2004, p. 17) sobre o aconselhamento pastoral escreve: (...) área especializada do cuidado pastoral, que se dedica a ajudar indivíduos, famílias ou grupos a lidarem com as pressões e crises da vida. O aconselhamento pastoral emprega vários métodos de cura para ajudar as pessoas a enfrentarem seus problemas de uma forma coerente com os ensinamentos bíblicos. O objetivo final é que os aconselhandos cheguem à cura, aprendam a lidar com situações semelhantes e experimentem crescimento espiritual. Este autor de renome internacional trata da necessidade do aconselhamento pastoral nas “pressões ecrises da vida”. Ele não sugere o tratamento subjetivo da psique ou da personalidade, o que em princípio éárea da psicoterapia. “Os vários métodos” de ajuda requerem treinamento, mas não podem ser exclusividadede nenhuma abordagem específica. A base estrutural psicológica e antropológica que deve dirigir o foco dashipóteses a respeito dos problemas, as suas análises e sínteses/conclusões estão nos “ensinamentos bíblicos”.Aí sim, a exclusividade é do aconselhamento pastoral. A Psicologia não se propõe analisar problemas segundouma perspectiva antropológica previamente estabelecida. Cada psicoterapia se fundamenta na sua linha teóricade estudos, tendo desenvolvido assim a sua própria antropologia.46

ACONSELHAMENTO PASTORAL Então, a partir de uma antropologia bíblica prévia à escuta do conselheiro será dirigida por focosdiferenciados, igualmente as análises e a busca de soluções. Mesmo o acompanhamento do aconselhandoem seus processos de cura ou crescimento manterão vivas as prescrições bíblicas, bem como a avaliação dosresultados. Enfim, o que diferencia a psicoterapia do aconselhamento pastoral é a sua estrutura filosófica eantropológica. O que diferencia o aconselhamento pastoral da psicoterapia é a sua estrutura teológica. A Psicologia pode ajudar? De modo sintético, Collins (2004) compreende que a Psicologia é um campo de estudos bastantecomplexo, com enormidade de dados estatísticos, termos técnicos e fatos científicos sobre uma legião dequestões aparentemente de pouco significado. E o conselheiro pastoral pode facilmente perder-se no labirintode teorias e técnicas que não ajudam muito quando se está diante de um problema prático e real, de pessoasferidas e confusas. Por sua vez, a Bíblia não se define um manual de aconselhamento. Ela trata de questões práticas comotristeza, desânimo, solidão, problemas familiares, financeiros e de vários níveis de relacionamento. Mas, semestar precisamente organizada como manual. Assim, Collins conclui: “Aceitemos o fato de que a Psicologia podeprestar uma grande ajuda ao conselheiro cristão. A questão agora é: como vamos atravessar o emaranhadode técnicas, teorias e termos técnicos para encontrar as noções que são realmente úteis?” (2004, p. 24). Diante da dimensão da tarefa pastoral, diante da grandiosidade do próprio ser humano e o que ele é,diante quantidade imensurável de informações e dados, Friesen concebe o aconselhamento pastoral comouma missão integralista, holística. Ele escreve: A tarefa do aconselhamento pastoral na perspectiva holística é a de ver o ser humano sempre dentro do seu todo. Isto torna a prática árdua. É preciso permanecer em constante aprimoramento no entendimento a respeito do homem, sua estrutura, seu desenvolvimento, sua dinâmica e funcionamento. Creio que uma só pessoa nunca poderá se informar completamente... Cada um deve se aprimorar em determinadas facetas, reconhecer seus limites, e buscar auxílio quando a demanda extrapolar seus próprios conhecimentos (FRIESEN, 2000, p. 25). A dimensão espiritual do ser humano, de modo geral, não é considerada pelos cientistas do comportamento,especialmente aqueles que não creem em Deus. Para estes, Deus é considerado uma criação da mente humana,uma projeção da figura paterna, talvez. Neste sentido, Deus seria apenas uma dimensão psicológica, e nãouma realidade concreta. Cientistas que creem em Deus analisam sua existência e atuação a partir de dados empíricos, baseadosapenas nas experiências das pessoas. O conhecimento que provém das diversas perspectivas da experiêncianão é considerado científico por pesquisadores não cristãos, uma vez que a mensuração dos dados é difícil deser realizada pela subjetividade dos mesmos. O conselheiro cristão, no entanto, sabe que precisa levar em consideração as três dimensões básicas(espírito, alma e corpo) do ser humano para poder realmente ajudá-lo, para não aplicar apenas emplastrosàs suas dificuldades. O conselheiro não baseia a sua convicção a respeito das dimensões integrantes do serhumano primeiramente em experiências laboratoriais e científicas. Ele firma a sua convicção na Bíblia, escritasob inspiração e “para que, crendo tenhais vida em seu (Jesus) nome” Jo 20. 31. Dois autores que conhecem bem a dinâmica e os conteúdos acima descritos podem ajudar em mais esclarecimentos: McARTHUR, John F. & MACK, Wayne A. Introdução ao aconselhamento bíblico. Um guia básico de princípios e práticas de aconselhamento. São Paulo: HAGNOS, 2004. 47

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARRESUMO DO CAPÍTULO 3 • Diferenciação emocional é a capacidade de definir as metas e valores pessoais de sua própria vida sem ceder às pressões das pessoas e instituições com as quais convive. É também a capacidade de dizer “eu” enquanto os outros exigem que se diga “você” ou “nós”, enquanto houver convicção para tanto. • São sinais de pessoas não diferenciadas: complexos de inferioridade e incapacidade; autoimagem negativa ou distorcida; insegurança social; timidez; deferência; compulsão de agradar a todos; esgotamento físico, mental e espiritual por causa de trabalho desmesurado com/pelos outros; incapacidade de negar um pedido, de definir e aceitar seus próprios limites; sorrisos incontinentes, mesmo em meio ao sofrimento; narcisismo; dependência emocional; deixar-se manipular por outros; perder o controle emocional em situações comuns etc. • Algumas dicas para desenvolver autodiferenciação são: antes de tudo é preciso viver aquilo que se prega. A Obra é de Deus, não de seres humanos. A tarefa é dada, mas o trabalho é do Criador; e o trabalho nosso é descansar em Deus. Além disso, ajuda muito quando se tem um verdadeiro amigo que ouve e que ajuda a pensar as coisas que se vivencia. Para pastores mais jovens a vivência de um discipulado se torna imprescindível. Talvez até seja útil que se entre num processo psicoterapêutico com um psicólogo que conheça a dinâmica das comunidades eclesiásticas e famílias de pastores/ líderes. • Características importantes de um conselheiro pastoral são: disponibilidade; autoconhecimento; ligar bem consigo mesmo e com as coisas da vida. • Aconselhamento pastoral propõe-se o trabalho com fenômenos espirituais e religiosos, enquanto a psicoterapia, em principio, se atém ao comportamento observável e mensurável. Aconselhamento pastoral se propõe atender o ser humano como um todo (bio-psico-sócio-espiritual); dependendo da escola psicológica, não existem objetivos tão amplos. Aconselhamento pastoral tem como base teórica e epistemológica a Teologia cristã, enquanto as psicoterapias se fundamentam em Filosofias e Antropologias seculares como o humanismo e o existencialismo. Chegou a hora da autoatividade. Você fará uma revisão do capítulo, responderá as questões, destacará a folha da autoatividade e a entregará para o professor na próxima aula. Boa revisão e ótimos resultados!48

ACONSELHAMENTO PASTORALINSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTAACONSELHAMENTO PASTORALAUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 3 Série: Data: Nome:QUESTÕES1. Escreva o que você compreendeu sobre diferenciação emocional.2. Liste sinais de prováveis pessoas não diferenciadas.3. Como aprender e desenvolver autodiferenciação?4. Cite as três características do ser conselheiro e descreva-as.5. Diferencie aconselhamento pastoral e psicoterapia. 49

ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULARANOTAÇÕES50


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook