Ministério da Saúde Grupo Hospitalar Conceição Serviço de Saúde Comunitária Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos 3ª edição Maria Lucia Medeiros Lenz Rui Flores Organizadores Porto Alegre - RS Dezembro de 2018 Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos
Ministério da Saúde Grupo Hospitalar Conceição Serviço de Saúde Comunitária Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos 3ª edição Maria Lucia Medeiros Lenz Rui Flores Organizadores Porto Alegre - RS Dezembro de 2018 Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A
2018. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência de Saúde Comunitária. Serviço de Saúde Comunitária. È permitida a reprodução parcial ou total dessa obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é de responsabilidade dos autores de cada um dos capítulos. O livro poderá ser acessado na íntegra na página do Grupo Hospitalar Conceição. https://ensinoepesquisa.ghc.com.br/index.php/escolaghc/2013-06-05-18-36-26 Diretoria do Grupo Hospitalar Conceição Diretora-Superintendente - Adriana Denise Acker Diretor Administrativo e Financeiro - José Ricardo Agliardi Silveira Diretor Técnico - Mauro Fett Sparta de Souza Serviço de Saúde Comunitária Gerente do Serviço de Saúde Comunitária - Antônio Fernando Selistre Coordenador do Serviço de Saúde Comunitária - Simone Faoro Bertoni Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação de Ações de Saúde - Rui Flores Equipe do Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação de Ações de Saúde Carla Maria Pinto da Silva Daniela Montano Wilhelms Djalmo Sanzi Souza Fátima Delurjan Ferreira Neves Giane Seixas Biondani Maria Lúcia Medeiros Lenz Rui Flores Sandra Rejane Soares Ferreira Silvia Takeda Vera Terezinha Santos de Oliveira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B823a Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência de Saúde Comunitária Atenção à saúde da criança de 0 a 12 anos / organi- zação de Maria Lucia Medeiros Lenz, Rui Flores. – 3.ed. – Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição, da Conceição, 2018. 243 p.: il.: 30 cm. ISBN 978-85-61979-40-9 1.Medicina de família e comunidade. 2. Atenção pri- mária em saúde. 3. Saúde da criança. I.Lenz, Maria Lucia Medeiros. II.Flores, Rui. III.Título CDU 616-055.5/.7 Ficha catalográfica elaborada por Luciane Berto Benedetti, CRB 10/1458. Contato: Hospital Nossa Senhora da Conceição Serviço de Saúde Comunitária Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação das Ações de Saúde Telefone (51)3255-1735 Av Francisco Trein 596, Prédio Administrativo, 2º andar. Cristo Redentor Email: [email protected] Porto Alegre – RS – 91350-200
AGRADECIMENTOS Agradecemos a todas as mães, pais e avós de nosso território, com quem tanto aprendemos e a quem procuramos ensinar o cuidado com crianças. Às mães que nos guiaram na elaboração destas rotinas com seus depoimentos. Aos colegas do Serviço de Saúde Comunitária, do Hospital da Criança Conceição e da Secretaria Municipal de Saúde, com quem partilhamos a construção de uma rede de atenção. À bibliotecária Luciane Benedetti pela contínua, e paciente, parceria.
DEDICATÓRIA Aos pais, cuidadores e, especialmente, às crianças do nosso território, nossas recomendações mais pessoais: Conte histórias para seu filho. Reais e de ficção. Conte histórias de família, de lugares, de livros, de filmes. Conte SUAS histórias. Inunde a cabecinha dele de personagens, sentimentos, lugares, detalhes, aventuras e desventuras…algum dia, todos irão se tornar grandes companhias. Ouça música, cante, converse com seu filho. Brinque, pois brincar faz a criança imaginar, viver situações que nem sempre estão presentes e, assim, desenvolver a linguagem. Divirta-se com seu filho, pois esses momentos de interação são preciosos, importantes para a saúde física e mental. Os mais lembrados nem sempre são aqueles que a gente planeja, mas os que acontecem em situações simples do dia-a-dia. Ser mãe ninguém ensina, cada dia é uma nova lição na relação e vínculo com o bebê. Demonstre ao seu bebê como você gosta dele. Olhe nos olhos , sorria, converse com ele. Carinho e atenção nunca são demais. A dedicação e o comprometimento familiar são fundamentais para superar as adversidades e desafios encontradas no desenvolvimento infantil. A minha recomendação para as crianças crescerem saudáveis é de cercá-las de amor, protegê-las nas situações necessárias, insistir para que tenham acesso a melhor educação possível e dar limites. O médico é apenas um acessório nesta trajetória, um guia. Siga sua intuição! Gosto sempre de frisar que \"menos é mais\"! A prescrição e exames em excesso nem sempre provê o melhor cuidado. Queridos cuidadores, não se esqueçam de ler para nossas crianças. Não conheço quem não goste de uma boa história, em especial nossos pequenos. Leiam sempre. Sejam inspiração para nossos futuros leitores. Queridos cuidadores e profissionais da infância, sejam curiosos com os bebês! Eles estão ávidos por descobrir o mundo e precisam de quem os acompanhe nessa jornada! Estar junto e poder seguir o ritmo deles nas novas experiências é transformador para todo mundo! Diante do aumento da facilidade de acesso a diversos tipos de material a partir do advento da internet, sugiro que os pais estejam atentos aos conteúdos assistidos por seus filhos, restringindo programas que estejam fora da faixa etária recomendado e que conversem sobre as mensagens transmitidas na programação assistida pela criança.Usar situações vivenciadas pelos personagens pode ensejar um enriquecedor momento para conhecer a forma como a criança pensa e também transmitir valores. Nunca deixe e esqueça do brincar, do lúdico. Queridas mães, pais, cuidadores. Para cuidar de uma criança, de um bebê, cuidem, antes de tudo, de si mesmos. Sempre que sentirem necessidade, busquem apoio, peçam ajuda, procurem cercar-se de amor e cuidados tanto quanto possível. Na vida de uma criança, poder contar com adultos que escutem e acolham os mais diferentes tipos de sentimentos, faz muita diferença. Assim, sejam humanos, consigo mesmos, e com nossos pequenos . Esteja presente na vida do seu filho. Esteja disponível no aqui e agora. A vida agitada e as múltiplas funções que acumulamos, muitas vezes, nos tiram o foco. O tempo passa rápido. Eles crescem num piscar de olhos. Curta a infância junto com eles. Permita- se ser criança novamente. Aproveite cada momento com seu filho. Quando estiver com ele, esteja realmente com ele: sinta-o, perceba-o, observe seus avanços. Cada momento é único e passa muito rapidamente.
DEDICATÓRIA ESPECIAL A enfermeira Lisiane trabalhou no Serviço de Saúde Comunitária do GHC por 29 anos e, por quase todo este tempo, manteve-se na assistência - na Unidade Divina Providência - e no Monitoramento e Avaliação, coordenando o Programa de Imunizações do nosso serviço. Colega competente, querida por todos e que nos faz muita falta, pois este ano, concluiu suas atividades no GHC e, assim mesmo, participou mais uma vez deste trabalho e enviou a sua recomendação (e foto de quando pequena). Permita que animais façam parte da vida do seu filho desde a infância. O bom convívio com animais torna os seres humanos melhores. Saiba que nesse convívio eles vão dar e receber muito amor, essencial para uma vida saudável Você faz parte desta história, Lisi. Obrigada!
Organizadores Maria Lucia Medeiros Lenz Rui Flores Autores Assistente Social Médicas Pediatras Agda Henk (US Coinma) Cátia Rejane Soares de Soares (Hospital da Criança Letícia Della Méa Tagliapietra (US Barão de Bagé ) Conceição) Lúcia Rublescki Silveira (US Jardim Itú) Klegen Bastos (Secretaria Municipal da Saúde de Sapucaia Michele da Rocha Starosta (US Santíssima Trindade ) do Sul) Vera Trentin (US Floresta) Médico Psiquiatra Bacharel em Saúde Coletiva João Quadros (Apoio Matricial SSC) Carolina Marques Binacett (Secretaria Municipal de Saúde de Nutricionistas Porto Alegre) Bruna Franzoni (Apoio Matricial Nutrição-SSC) Enfermeiras Lena Azeredo de Lima (Apoio Matricial Nutrição-SSC) Karla Livi (Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre) Natália Miranda Jung (Apoio Matricial Nutrição-SSC) Lisiane Devinar Perico (US Divina Providência) Renata Escobar Coutinho (Apoio Matricial Nutrição-SSC) Farmacêuticas Ana Joseane D. Fernandes (Apoio Matricial Farmácia SSC) Odontólogos Elineide Camillo (Apoio Matricial Farmácia SSC) Daniel Demetrio Faustino Silva (US Sesc) Jaqueline Misturini (Apoio Matricial Farmácia SSC) Beatriz Colvara (UFRGS) Fonoaudiólogas Mariana Loch dos Reis (US Floresta) Letícia Wolff Garcez (Hospital da Criança Conceição) Psicólogas Maristela França (Hospital da Criança Conceição) Rafaela Rech (UFRGS) Camila Guedes Henn (US Barão de Bagé) Caroline Navari e Sá (Estagiária US Conceição) Gisele Milman Cervo (US Sesc) Médicos de Família e Comunidade Maria Amália Vidal (US Conceição) André Klafke de Lima (US Santíssima Trindade) Paula Xavier Machado (Us Jardim Itú) Carla Berger (US Jardim Itu) Lúcia Takimi (Secretaria Municipal da Saúde de Sapucaia do Terapeuta Ocupacional Sul) Francilene Nunes Rainone (Secretaria Municipal de Saúde de Maria Lucia M. Lenz (Monitoramento e Avaliação) Porto Alegre) Médica Neurologista Valéria Raymundo Fonteles Ritter (Hospital da Criança Conceição) Autor Convidado Celso Gutfreind – Médico e escritor. Médico psiquiatra e psiquiatra infantil, mestre e doutor em psicologia pela Universidade Paris 13. Foi também médico residente do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do SSC/GHC. Atualmente é analista com funções didáticas de adultos e crianças pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. Trabalha em consultório e é professor convidado no curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Como escritor, tem 33 livros publicados entre poemas, contos infantojuvenis e ensaios sobre humanidades e psicanálise. Revisão Bibliográfica e Ficha Catalográfica: Luciane Benedetti
APRESENTAÇÃO Há 10 anos, nos reunimos pela primeira vez para escrever esta rotina de atenção à saúde das crianças de zero a doze anos. Cada vez que a atualizamos, partimos de nossa prática, do olhar diferenciado de cada um e de cada categoria profissional, das falas de nossos usuários, das melhores evidências científicas e de nossa vivência como crianças, filhos e pais. Nos preocupamos em abordar aspectos fundamentais para a proteção da saúde da criança, entre eles, como preparar o “ninho” para melhor recebê-la, estimular o fortalecimento de vínculos – que serão importantes para toda a sua vida –, identificar situações que a coloquem em risco, identificar pessoas e serviços que representem rede de apoio em momentos suscetíveis. Desejamos que todas as crianças possam ouvir, ver, falar, sorrir, crescer e desenvolver toda a sua potencialidade para melhor conhecer o mundo e viver. Pensamos em prevenir doenças e começamos nos preocupando com aquelas passíveis de imunização. Se a criança vir a adoecer, precisamos agir rapidamente, evitar que a situação se agrave, escolher o tratamento adequado e o melhor jeito de administrá-lo. Abordamos também questões sobre violência, prevenção de lesões não intencionais e sugestões para a assistência coletiva de crianças. Nesta edição, nos preocupamos um pouco mais em abordar aspectos de saúde emocional e comportamental. Problemas comportamentais e emocionais durante a infância são comuns, muitas vezes não são detectados e frequentemente não são tratados, apesar de serem responsáveis por morbidade e mortalidade significativas. Nos preocupamos também em descrever melhor os aspectos preventivos e de manejo da obesidade. Crianças em desvantagem econômica, como a maioria em nosso território de atuação, são ainda de maior risco devido à permanente exposição a riscos ambientais, familiares e psicossociais. Desejamos que este trabalho seja útil na atenção à saúde das crianças sob nossa responsabilidade, mas que a individualidade de cada uma delas continue, de fato, sendo o grande guia. Maria Lucia Medeiros Lenz
REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA NO SSC Rede de Atenção à Saúde da Criança no SSC Criança em consulta de revisão nas US do SSC/GHC (CID Z 001) Preenche critérios para não avaliação/acom panhamento sim em outro serviço? Acom panhamento da não Necessita atendimento em serviço de emergência? criança no SSC seguindo Encam inhar recomendações de acordo via GERCON sim com a faixa etária Criança Criança em consulta encaminhada para em serviço de ATENÇÃO À SAÚDE DA emergência CRIA NÇA DE 0-12 A NOS ambulatório de especialidades Identificação 3a Edição das que (listagem no vers o) •Dar atenção à queixa consultaram principal Alta do ambulatório por asma •Revisar problemas já de especialidades? apresentados •Enfatizar prevenção e não promoção oportunas •Estimular mudança de hábito na busca por cuidado sim Segue no ambulatório de Necess ita especialidade e no SSC hospitalização? sim não Identificação diária da Criança criança hospitalizada e ho spita liz a da moradora do SSC – De volta pra casa
Listagem de especialidades pediátricas disponíveis no Sistema Gercon Especialidade Subespecialidade Cardiologia Pediátrica Cardiologia Cardio pré-transplante pediátrico Cirurgia Bucomaxilofacial Pediatrica Cirurgia Bucomaxilofacial Cirurgia Geral Pediátrica Cirurgia Geral Cirurgia Plástica Pediátrica Cirurgia Plastica Cirurgia Torácica Pediátrica Cirurgia Toracica Dermatologia Pediátrica Dermatologia Endocrinologia Endocrinologia Diabete Infanto Juvenil Endocrinologia Pediátrica Gastroenterologia Gastroenterologia Hepatites Pediatrica Gastroenterologia Pediatrica Genética Genética Médica Pediátrica Hematologia Hematologia Pediátrica Imunologia Imunologia Pediátrica Infectologia Infectologia Hiv Pediatrica Infectologia Pediatrica Nefrologia Nefrologia Pediatrica Neurocirurgia Neurologia Neurocirurgia Pediatrica Odonto Bebês Odonto Odontopediatria Neurologia Pediatrica Oftalmologia Odontologia para Bebês Odontopediatria Oftalmologia Pediátrica, Oftalmologia Catarata Congênita, Oftalmologia Estrabismo, Oftalmologia Retinopatia da Prematuridade Hematologia Avaliacao Pre-Transplante Pediatrico Alogenico Oncologia Oncologia Hematologia Pediatrica Oncologia Pediátrica Oncologia Cirúrgica Pediátrica Ortopedia Ortopedia Coluna Pediátrica Ortopedia Pediátrica Otorrinolaringologia Otorrinolaringologia Pediátrica Pediatria Pediatria Geral Pediatria Distúrbio do Desenvolvimento Pneumologia Pneumologia Pediatrica Proctologia Pneumologia Fibrose Cística Pediatrica Proctologia Pediatrica Psiquiatria Psiquiatria Pediátrica Psiquiatria Álcool e Drogas Pediátrica Reabilitacao Reabilitacao Auditiva Pediatrica Reumatologia Reumatologia Pediatrica Transplante Gastroenterologia Avaliacao Pre-Transplante Hepatico Pediatrico Hematologia Avaliacao Pre-Transplante Pediatrico Nefrologia Avaliacao Pre-Transplante Pediatrico Urologia Urologia Pediatrica Fonte: SMS - Central de Marcação de Consultas e Exames, informação fornecida por mensagem eletrônica em 24/10/2018.
RESUMO DAS RECOMENDAÇÕES (Material para consulta rápida, disponível nas salas de atendimento do Serviço de Saúde Comunitária) Imagem 1: frente do material Imagem 2: verso do material
SUMÁRIO 1 PROMOÇÃO, NARRAÇÃO, BRINCADEIRA E IMAGINAÇÃO EM SAÚDE .................................. 19 2 A CHEGADA DA CRIANÇA NA FAMÍLIA....................................................................................... 25 2.1 A FAMÍLIA DE UMA CRIANÇA RECÉM-NASCIDA................................................................................... 26 2.2 A FORMAÇÃO DO VÍNCULO/APEGO...................................................................................................... 26 2.3 O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO PARENTAL.................................................................................. 27 2.4 DIFICULDADES COMUNS DESTA FASE ................................................................................................ 29 2.5 NASCIMENTO DE UM SEGUNDO FILHO................................................................................................ 30 2.6 ESTIMULANDO A FORMAÇÃO DE UMA REDE DE APOIO MAIS AMPLA .............................................. 30 2.7 CONCLUINDO SOBRE A ATENÇÃO À FAMÍLIA NESTE MOMENTO...................................................... 31 3 A PRIMEIRA CONSULTA DO RECÉM-NASCIDO......................................................................... 35 3.1 A ÉPOCA IDEAL PARA A PRIMEIRA CONSULTA ................................................................................... 35 3.2 A CONSULTA DE PUERICULTURA ......................................................................................................... 36 3.3 AVALIAÇÕES E ORIENTAÇÕES.............................................................................................................. 43 4 ANAMNESE, EXAME FÍSICO E ACONSELHAMENTO ANTECIPADO NAS CONSULTAS SUBSEQUENTES ...................................................................................................................................... 51 4.1 FREQUENCIA DE VISITAS AO MÉDICO POR FAIXA ETÁRIA E TEMPO DE CONSULTA ..................... 51 4.2 ANAMNESE .............................................................................................................................................. 52 4.3 EXAME FÍSICO......................................................................................................................................... 53 4.4 ACONSELHAMENTO ANTECIPADO........................................................................................................ 57 5 SOLICITAÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES...................................................................... 63 5.1 HEMOGRAMA .......................................................................................................................................... 64 5.2 PERFIL LIPÍDICO ..................................................................................................................................... 65 5.3 NÍVEL SÉRICO DE CHUMBO................................................................................................................... 68 5.4 DOSAGEM DE VITAMINA D (ViD)............................................................................................................ 69 6 IMUNIZAÇÕES ............................................................................................................................... 73 6.1 CALENDÁRIO DE VACINAÇÃO NO BRASIL............................................................................................ 73 6.2 VACINAÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS SOROPOSITIVOS ................................................................... 77 6.3 CONDUTA FRENTE A ALGUNS EVENTOS ADVERSOS COMUNS A VÁRIOS IMUNOBIOLÓGICOS.... 80 7 TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL E SUA IMPLICAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM .............................................................................................................................................. 83 7.1 INDICADORES DE RISCO PARA PERDAS AUDITIVAS CONGÊNITAS, DO PERÍODO NEONATAL OU PROGRESSIVAS NA INFÂNCIA .................................................................................................................................... 83 7.2 O TESTE DA ORELHINHA E A TÉCNICA DE REALIZAÇÃO ................................................................... 84 7.3 ROTINAS PARA A REALIZAÇÃO DA TANU OU TESTE DA ORELHINHA............................................... 84 7.4 SEGUIMENTO DA CRIANÇA A PARTIR DA TANU OU TESTE DA ORELHINHA .................................... 85 7.5 PERDA AUDITIVA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA – ÊNFASE NA LINGUAGEM ....................................................................................................................................................................................... 87 8 AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO EM ATENÇÃO PRIMÁRIA ............................................. 91 8.1 ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL ........................................... 91 8.2 TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO ............................................................................................ 93 8. 3 MANEJO DOS TRANSTORNOS DE DESENVOLVIMENTO.................................................................... 95 8.4 PADRÕES DE SONO E DIFICULDADE PARA DORMIR.......................................................................... 96 8. 5 PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: MARCOS DO DESENVOLVIMENTO ..................... 97 9 AMAMENTAÇÃO E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NOS PRIMEIROS DOIS ANOS DE VIDA..... 109 9.1 ALEITAMENTO MATERNO .................................................................................................................... 109
9.2 ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR ........................................................................................................ 119 9.3 ALERGIA À PROTEINA DO LEITE DE VACA (APLV)............................................................................. 124 10 SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR............................................................................................... 129 10.1 SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO ........................................................................................................... 130 10.2 SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D (ViD)........................................................................................... 133 10.3 SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA A (SVA) ......................................................................................... 135 10.4 SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA K AO NASCER .............................................................................. 138 10.5 SUPLEMENTAÇÃO DE ZINCO............................................................................................................. 138 10.6 SUPLEMENTAÇÃO DE ÔMEGA 3........................................................................................................ 139 11 MEDICAMENTOS: UM OLHAR SOBRE O USO E A SEGURANÇA NA INFÂNCIA................. 143 11.1 USO DE MEDICAMENTOS DURANTE A AMAMENTAÇÃO ................................................................. 143 11.2 MEDICAMENTOS E CRIANÇAS: È POSSÍVEL PREVENIR INGESTÃO ACIDENTAL?........................ 145 11.3 CUIDADOS COM OS MEDICAMENTOS............................................................................................... 146 12 ATENÇÃO À SAÚDE BUCAL NA INFÂNCIA ............................................................................. 151 12.1 VIGILÂNCIA EM SAÚDE BUCAL: AÇÃO PROGRAMÁTICA DA CRIANÇA .......................................... 152 12.2. AÇÕES COLETIVAS EM SAÚDE BUCAL INFANTIL ........................................................................... 154 12.3 ENTREVISTA MOTIVACIONAL NAS ORIENTAÇÕES DE CUIDADO BUCAL NA INFÂNCIA............... 154 12.4 CRONOLOGIA DE ERUPÇÃO DENTÁRIA E ASPECTOS RELACIONADOS ....................................... 155 12.5 CÁRIE ................................................................................................................................................... 156 12.6 DEFEITOS DE DESENVOLVIMENTO DO ESMALTE........................................................................... 158 12.7 ENDODONTIA EM DECÍDUOS............................................................................................................. 159 12.8 ENDODONTIA EM DENTES PERMANENTES COM RIZOGÊNESE INCOMPLETA ............................ 160 12.9 LESÕES E ALTERAÇÕES EM TECIDO MOLE..................................................................................... 161 12.10 TRAUMATISMO DENTAL ................................................................................................................... 163 12.11 ALTERAÇÕES PERIODONTAIS......................................................................................................... 167 12.12 MALOCLUSÃO E HÁBITOS DE SUCÇÃO .......................................................................................... 168 12.13 BRUXISMO INFANTIL......................................................................................................................... 169 12.14 ASPECTOS FONOAUDIOLÓGICOS DA SAÚDE BUCAL ................................................................... 169 13 PREVENÇÃO E MANEJO DO SOBREPESO E OBESIDADE................................................... 177 13.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E DETERMINANTES DE SOBREPESO E OBESIDADE................. 178 13.2 DIAGNÓSTICO E MANEJO DO SOBREPESO E OBESIDADE NA CRIANÇA...................................... 180 14 CONSULTAS COLETIVAS DE PUERICULTURA E INTERAÇÃO PAIS-BEBÊ ........................ 197 14.1 POR QUE REALIZAR CONSULTAS COLETIVAS?............................................................................... 197 14.2 COMO REALIZAR UMA CONSULTA COLETIVA DE PUERICULTURA................................................ 199 14.3 CONSULTAS COLETIVAS DE PUERICULTIRA E ASPECTOS DA INTERAÇÃO PAIS-BEBÊ ............. 201 14.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................... 204 15 VIOLÊNCIA: PREVENÇÃO, MANEJO E IDENTIFICAÇÃO DE VULNERABILIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ................................................................................................................ 207 15.1 VIOLÊNCIA ........................................................................................................................................... 208 15.2 SUSPEITANDO DE MAUS-TRATOS E VIOLÊNCIA ............................................................................. 210 15.3 MANEJO DOS CASOS ......................................................................................................................... 214 15.4 PREVENÇÃO DE VIOLÊNCIA .............................................................................................................. 216 16 REDE DE PROTEÇÃO E DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES ................... 223 16.1 CONSELHOS TUTELARES EM PORTO ALEGRE ............................................................................... 225 16.2 LOCAIS DE ATENDIMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PNAS) .............. 226 16.3 OUTROS RECURSOS IMPORTANTES DA REDE ............................................................................... 228 16.4 REDE ESPECIALIZADA EM SAÚDE MENTAL PARA CRIANÇA E ADOLESCENTE ........................... 231 17 TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA ................................................................................ 233
17.1 DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS................................................................................... 234 17.2 TRANSTORNOS ANSIOSOS ............................................................................................................... 235 17.3 DEPRESSÃO........................................................................................................................................ 237 17.4 TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR DO HUMOR (TAB) ...................................................................... 238 17.5 SINTOMAS COMPORTAMENTAIS....................................................................................................... 239 17.6 TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE - TDAH .......................................... 239 17.7 ALTERAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO............................................................................................ 240 17.8 PSICOSES NA INFÂNCIA..................................................................................................................... 242 17.9 RECURSOS NO SSC PARA O MANEJO DOS TRANSTORNOS MENTAIS......................................... 242
Promoção, narração, brincadeira e imaginação em saúde 1 PROMOÇÃO, NARRAÇÃO, BRINCADEIRA E IMAGINAÇÃO EM SAÚDE Celso Gutfreind Todos que são do ramo sabem que a promoção da saúde é um assunto muito sério. Não é nosso interesse minimizar essa máxima ou bagunçar um coreto tão difícil quanto frágil. Mas vamos sacudir a lógica, sim, ao propormos que imaginação e brincadeira podem ser fundamentais pra que essa seriedade dê certo. Para isso, somarei esforços. Primeiro, os de lembrar-me de meu aprendizado no tempo em que fiz a residência em Medicina de Família no Grupo Hospitalar Conceição. Depois, os de acrescentar as experiências recentes e atuais de pesquisador na área da psicanálise. A todas essas, um leitor de poesia estará sempre presente. Até pode ser juntar alhos com bugalhos, mas, em saúde, é o que tentamos fazer, sob a capa de um nome mais pomposo: integração. Se integrar é preciso, nosso texto defende a hipótese de que, na promoção de saúde na infância, brincar, imaginar e contar também é. Brincando e integrando, o primeiro desafio com que nos deparamos, na primeira infância, é o encontro com os pais. Os pais são os primeiros e maiores promotores de saúde mental. Pouco pensamos nisso em nossas cartilhas, mas a saúde de cada bebê que nasce depende das qualidades desses seus primeiros (e, ainda que indiretamente, eternos) cuidadores. Nesse sentido, a psicanálise também anda juntando bugalhos e alhos. No terreno, da infância, por exemplo, já sabe que não pode atuar (pensar, sentir) longe da parentalidade. Promover saúde em crianças, enfim, é promover a saúde de seus pais. Bastaria, então, pensar: é só pegar nossos conhecimentos científicos, nossos dados e evidências e repartir com os maiores em busca de que repartam com os menores. Ora, ora... Não esqueci que evoquei há pouco a experiência em Medicina de Família. Trabalhar em uma comunidade é, antes de tudo, aprender com ela, negociar sentidos com ela, encontrar dentro dela seus próprios recursos, interesses, possibilidades de parceria. Vale o mesmo para os pais, amostra Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 19
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos mínima do que é uma comunidade à prova de qualquer conselho ou mostra de sabedoria. Para eles vale a epifania do escritor Oscar Wilde: pior do que um conselho, é um conselho bom. Não há conselhos nem certezas, e agora estamos perdidos. Não há uma promoção de saúde, há tantas quantas forem as comunidades a que se destina: “descobri que é preciso/aprender a nascer todo dia”, cantou o poeta Chacal. Poetas são excelentes promotores de saúde, embora mal remunerados como todo bom promotor de saúde, vivemos em uma sociedade também doente. Mas há salvação, basta encontrar. Encontrar os pais em busca de reforçar suas funções (não inventá-las) e, nesse sentido, talvez a nossa principal função seja a de promover um encontro de qualidade com os cuidadores, mãe, pai, comunidade. A qualidade aqui evocada é a de reforçar positivamente o narcisismo desses protagonistas, sugerindo que perder tempo e brincar é ganhar imaginação e recursos em saúde mental. Estamos no terreno da saúde coletiva, mas a velha equação de Sigmund Freud, lapidada por Bernard Golse, pode nos ajudar. Somos também o resultado de uma equação onde entram a nossa saúde orgânica (genes, condições de parto etc.) e a qualidade de nossas interações ou encontros. Enfim, crescemos no cruzamento do biológico e do relacional, num misto bem dosado de presença e ausência. Presença demais nos sufoca. Ausência em demasia não nos deflagra. A psicanálise que abra espaço, e a saúde coletiva que aguarde. Nesse ponto, a psicologia do apego de John Bowlby é fundamental. Aqui nos deparamos com outro cruzamento, no caso o do intrapsíquico e do contexto. O que seremos, no final da partida, começaria, portanto, a se decidir nos primeiros minutos: seguros? Inseguros? Desorganizados? Hoje em dia, não pode haver promoção de saúde que não se detenha na primeira infância, na gestação, nos primeiros segundos de explosão da vida. É preciso começar de mãos dadas para seguir se sentindo de mãos dadas quando mãos não houver mais. E, como sempre, mais do que o cientista J. Bowlby, quem cantou melhor esse processo foi o poeta: \"Já não há mãos dadas no mundo./ Elas agora viajarão sozinhas...\" (Drummond, 1984). Desconfiamos de que viemos ao mundo prontinhos para nos apegarmos. Não há saúde física nem mental sem um vínculo de qualidade entre o bebê e sua mãe. O meio precisa garanti-lo, e o destino saudável disso tudo é abrir mão de tudo isso: o desapego – Foi meu destino amar e despedir-me, cantou o poeta Neruda, talvez pensando em crianças que vão bem. Quase tudo, enfim, se decide nos encontros e na qualidade das interações. Haveria, portanto, um encontro original com pai e mãe ou os cuidadores. Eles garantiriam a filiação que, em seguida, nos conduziria para a comunidade ou a afiliação. Aqui a psicanálise pode nos ajudar outra vez com a pista de que todos os encontros subseqüentes (escola, Posto de Saúde, consultório) são derivados (transferidos) desse primeiro. Promover saúde é trabalhar pelos menos com duas chances. Encontro, enfim, é tudo. Pleno de interações, que são, em primeiro lugar, concretas. Afinal, é preciso estar presente, e resta pouca saúde nas guerras, nas catástrofes, nas carências afetivas graves. Sobrevivemos, pois somos seres de resiliência, mas levaremos com a gente seqüelas na vida abstrata e nas possibilidades de vínculo. Saúde é poder inventar, imaginar, fazer laços. 20 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
Promoção, narração, brincadeira e imaginação em saúde Mas a presença pode não bastar, pois as interações também são afetivas e dependem da nossa capacidade de olhar, desejar, tocar, se importar. Olhei no teu olhar e me apaixonei, cantou Martinho da Vila, esse excelente promotor de saúde mental. Ser humano é mesmo enigmático, e os cuidadores podem estar presentes e afetivos sem que a saúde ocupe a cena. Porque somos seres fantasmáticos, expressivos, e aquilo que não podemos dizer torna-se barreira para o desenvolvimento de nossos filhos. Também, por isso, promover saúde pode ser bastante simples e barato. É abrir, no pré-natal, no puerpério, em qualquer canto de consulta ou visita domiciliar, um espaço pra que as pessoas falem, contem, digam justamente pra que não precisem jogar à força tais afetos represados nas gerações seguintes. É preciso sim saber o nível da glicemia e o valor da pressão sistólica. Mas também da dor que uma perda indelével pode ter causado. Outro poema aqui nos resume: Os olhos do bebê São brilhantes. A boca do bebê É sorridente, Os braços do bebê Abraçam o mundo. O bebê rejeita o engano, Não aceita mentira, Renega a ilusão. Ele resiste, sorri, Chora, supera, contente. O bebê tem sua missão. Destruir a decepção Que lhe deram De presente. Chama-se O Parto, e seu autor é Fausto Wolff. Suas metáforas sintetizam o que viemos pensando. Nascemos com competências de atrair os outros, mas os outros também precisam desfazer suas decepções em outro lugar que não seja o nosso nascimento. Facilitar tais processos também é promover saúde. Há outros aspectos das interações. Sabemos que a angústia do outro sempre nos contamina, num contexto evocativo presente. Sabemos que temos dificuldades de tolerar o que não sabemos. E que é preciso acolher para espargir tudo isso e criar um clima favorável para o desenvolvimento. Temos outro grande desafio como pais ou como comunidade: viajar do imprescindível ao prescindível, da ilusão à desilusão. Também aqui não há regras, mas, outra vez, as qualidades da interação ajudam: poder olhar, tocar e... sobretudo, poder narrar, contar. E, sobretudo outra vez, poder brincar. Brincar é encontrar sentidos, é reparar, ouçamos outro poeta: Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 21
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Andorinha lá fora está dizendo: - “Passei o dia à toa à toa!” Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa à toa... (Manuel Bandeira, Andorinha) O poeta nos ensina que promover saúde mental é abrir espaços familiares e comunitários de perda de tempo, de estar à toa. É o que gera poesia ou saúde. Promover saúde também é esquecer-se dela no bom sentido, brincar com ela em todos os sentidos. Não há saúde física nem mental que não seja acompanhada pelo crescimento da vida imaginária, do sonho, da fantasia. O estado ideal de uma agente de saúde (mãe, pai, cuidadora em creche ou agente mesmo) que cuida de uma criança foi bem sintetizado por outra poeta: Eu queria pentear o menino Como os anjinhos de caracóis. Mas ele quer cortar o cabelo, Porque é pescador e precisa de anzóis. Eu queria calçar o menino Com umas botinhas de cetim. Mas ele diz que agora é sapinho E mora nas águas do jardim. Eu queria dar ao menino Umas asinhas de arame e algodão. Mas ele diz que não pode ser anjo, Pois todos já sabem que ele é índio e leão. (Este menino está sempre brincando, Dizendo-me coisas assim. Mas eu bem sei que ele é um anjo escondido, Um anjo que troça de mim.) (Cecília Meireles, Cantiga da Babá) Em uma de nossas pesquisas, juntando psicanálise e saúde comunitária, oferecemos um tratamento em grupo para crianças maltratadas e separadas de seus pais. Junto à comunidade dos abrigos, ouvindo seus anseios, aproveitando suas possibilidades, abrimos um espaço de promoção de contação de histórias, seguidas de teatro, desenhos, expressões. Um menino, por exemplo, sonhou seu pai e sua mãe (ausentes) e, através desse sonho, falou de suas dores, ou seja, melhorou. Outro grupo de crianças colocou em cena, através dos Três Porquinhos, o desejo de não se separar da mãe. Na história verdadeira (?), os porquinhos despedem-se da mãe e vão ao mundo. Na reinventada, as crianças colocam em cena o seu desejo maior, reencontrar a mãe. Também melhoraram. 22 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
Promoção, narração, brincadeira e imaginação em saúde Pois é sempre nisso que dá – e que delícia – quando se abrem espaços lúdicos para uma criança: o incremento da possibilidade de que contem mais e melhor. Imaginem mais e melhor. Sejam mais saudáveis enfim. E alcancem aquela que é talvez a maior evidência – raramente evidenciada - da saúde de uma criança ou de um adulto: a possibilidade de imaginar uma outra história. A todas essas, observamos um aumento da capacidade de atenção e da resiliência (apego seguro). A capacidade de falar e ouvir. Promovemos muita saúde se podemos contar e ouvir o que os outros contam. Já está na hora de concluirmos, mas o que fazer se já não temos certeza... Vamos retomar nossas desconfianças. Saúde também é imaginação e capacidade simbólica, e tudo isso vem da qualidade de um encontro. Empatia gera metáforas, capacidade de criar, especialmente se os encontros foram suficientemente perto e longe, num equilíbrio de presença e ausência. Ao poeta a palavra novamente: A realidade é coisa delicada, De se pegar com as pontas dos dedos. Um gesto mais brutal, e pronto: o nada. A qualquer hora pode advir o fim, O mais terrível de todos os medos. Mas, felizmente, não é bem assim. Há uma saída – falar, falar muito. São as palavras que suportam o mundo, Não os ombros. Sem o “porquê”, o “sim”, Todos os ombros afundavam juntos. Basta uma boca aberta (ou um rabisco Num papel) para salvar o universo. Portanto, meus amigos, eu insisto: Falem sem parar. Mesmo sem assunto. (Paulo Henriques Brito, De Vulgari Eloquentia) Promover saúde é uma coisa muito séria e complexa. Mas pode ter seus atalhos e seus momentos simples, baratos. Como esses subjetivos e aqui evidenciados ao se fomentar espaços pra que se brinque, se fale, se conte. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 23
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos REFERÊNCIAS ANDRADE, C. D. Corpo. Rio de Janeiro, Record, 1984. BRITTO, P. H. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. BOWLBY, J. Soins maternelles et santé mentale. Genève: OMS, 1951. BOWLBY, J. Attachement et perte. La separation, angoisse et colère. Paris: Puf, 1978. v. 2. CHACAL. Belvedere. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2007. GOLSE, B. Du corps à la pensée. Paris: Puf, 1999. GOLSE, B. O que nós aprendemos com os bebês? Observações sobre as novas configurações familiares. In: SOLIS-PONTON, L. (Org.). Ser pai, ser mãe - parentalidade: um desafio para o próximo milênio. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. GUTFREIND, C. O terapeuta e o lobo: a utilização do conto na psicoterapia da criança. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. LEBOVICI, S. Le bébé, le psychanalyste et la métaphore. Paris: Odile Jacob, 2002. MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. STERN, D. La constellation maternelle. Mesnil-sur-L’Estreée: Calmann-Lévy, 1997. WINNICOTT, D. W. Jeu et réalité: l’espace potentiel. Paris: Gallimard, 1975. WOLFF, F. O pacto de Wolffenbüttel e a recriação do homem. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 24 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A chegada da criança na família 2 A CHEGADA DA CRIANÇA NA FAMÍLIA Camila Guedes Henn Caroline Navarini e Sá Maria Amália Vidal “Pra mim a chegada da Mariah significa perfeição, amor. A gente planejou nossa gravidez, depois de 12 anos casados, é a nossa primeira filha, é o resumo daquilo que a gente pedia à Deus, até me emociono, a gente queria muito ela, muito mesmo. A gente foi atendido desde o início aqui, na preparação da gestação, no pré-natal, foi o planejando, fomos bem orientados dentro daquilo que a gente precisava. A gente está aí, se esforçando para sermos os melhores pais possíveis para ela. Eu, como mãe, para amamentar, para fazer tudo que realmente ela precisa. Eu me esforço, o Deivid se esforça. Mudou nosso dia-a-dia, de noite, depois de 12 anos juntos então, mudou nossa rotina e a gente têm se esforçado para ser o melhor para ela. É isso mesmo, no tempo certo, na hora certa” Graziela, 31 anos e Deivid, 29 anos, pais de Mariah, 22 dias. Moradores da área de atuação da US Barão de Bagé. A gravidez constitui um período de muitas expectativas, não só para a gestante, mas para toda a família, que se prepara para a chegada de um novo membro. Ainda que a gestação se dê concretamente no ventre materno, ela acontece, de maneira simbólica, no âmago de toda a família. Esse espaço tanto físico, quanto mental, a ser ocupado pelo bebê, faz necessário um aprimoramento de seus cuidadores, ao longo de seu desenvolvimento. Mesmo práticas adotivas reverberam um processo de simbolização, decorrente do desejo de serem pais, quanto a chegada da criança e a vivência familiar. Cada criança que chega à família é parte de um ambiente repleto de expectativas, crenças, valores e metas, que influenciarão na formação desse sujeito em desenvolvimento1. Por esse motivo, ao atender uma criança, o profissional de saúde não pode vê-la como um ser isolado, mas como parte de seu contexto, sobretudo familiar, com características e funcionamento próprios. É importante prestar atenção à relação que os membros da família estabelecem com a criança, à maneira como se dispõem a cuidar dela, seu percurso escolar desde os primeiros anos, enfim, a forma como ela é recebida e “endereçada” ao mundo2. A equipe de saúde deve ainda compreender e orientar os pais sobre a formação de vínculos e o fortalecimento da parentalidade3. O profissional precisa estar atento para possíveis e frequentes dificuldades que se apresentam e estimular a construção de uma rede, inclusive na equipe de saúde, que sirva de apoio à família3. Um instrumento útil e facilitador para uma melhor compreensão da família no ciclo de vida é o genograma. Além de proporcionar uma visão ampliada e sistematizada dos membros da família e de como se relacionam, retrata graficamente a história e o padrão familiar4. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 25
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Em revisão sobre influências ambientais na saúde mental da criança5 referiu estudo que acompanhou crianças desde o pré-natal até adolescência (Rochester Logitudinal Study). Os fatores encontrados como determinantes da saúde mental de crianças referem-se em sua maioria a fatores familiares: história de doença mental materna, níveis elevados de ansiedade materna, perspectivas parentais limitadas, interação limitada entre criança e mãe, chefe da família sem ocupação qualificada, baixa escolaridade materna, famílias de grupos étnicos minoritários, famílias monoparentais, presença de eventos estressantes e famílias com quatro ou mais filhos (SAMEROFF et al, 1987 apud HALPERN5). 2.1 A FAMÍLIA DE UMA CRIANÇA RECÉM-NASCIDA O profissional de saúde, desde o pré-natal, deve estar atento a que mudanças e necessidades de adaptação ocorrem nas famílias diante do nascimento de um novo ser. Adaptar-se não é uma tarefa fácil, especialmente quando se trata do primeiro filho. Neste caso, os pais necessitam ajustar seu sistema conjugal, criando um espaço para os filhos. Além disso, é preciso aprender a unir as tarefas financeiras e domésticas com a educação dos filhos. Em função destas mudanças, não é incomum que se manifestem conflitos conjugais durante o período pós-natal6, o que faz necessária a detecção precoce destes conflitos como forma de melhor assistir e intervir nestas situações7. Estudo realizado no território de atuação do Serviço de Saúde Comunitária evidencia que o bom relacionamento do casal está associado a um maior apoio do pai à lactação e uma maior participação dele nos cuidados com a criança8. Este mesmo estudo aponta ainda que a presença de um relacionamento disfuncional do casal aumenta a probabilidade de dificuldades na relação pai-filho. Por este motivo, são importantes a inclusão e o estímulo à participação paterna já durante o período pré-natal7 . Cabe ressaltar que a mudança com o nascimento da criança ocorre não apenas na família nuclear, mas também na família ampliada, que passa por uma alteração importante em seus papéis, avançando um grau em seu sistema de relacionamentos: irmãos tornam-se tios, sobrinhos tornam-se primos, pais tornam-se avós, dentre outros exemplos de alterações na configuração familiar4. E é dentro deste contexto familiar ou de seu substituto (instituições ou pessoas que exerçam a função de cuidadores) que acontecerão as primeiras relações da criança, tão importantes para seu desenvolvimento psicossocial. Os laços afetivos formados, em especial entre cuidadores e a criança, influenciam no desenvolvimento saudável do bebê e determinam modos de interação positivos que possibilitam o ajustamento do indivíduo aos diferentes ambientes de que ele irá participar9. 2.2 A FORMAÇÃO DO VÍNCULO/APEGO O apego, vínculo emocional recíproco entre um bebê e seu cuidador, constrói-se baseado em relacionamentos preliminares estabelecidos ainda na gestação, biológica ou simbólica, e com a criança imaginada pelos pais. A chegada dos filhos permite a retomada dos registros, muitos deles inconscientes, por parte dos cuidadores, oportunizando revisar e ressignificar, através deste filho, a própria experiência de cuidado. Após o nascimento, o bebê, para sobreviver, precisa de alguém que cuide dele e que assegure que suas necessidades físicas (alimentação, limpeza, cuidado, proteção, dentre outras) e psicossociais (sentir-se seguro, amado, protegido, valorizado) sejam atendidas. Qualquer atividade por parte do bebê que provoque uma resposta do adulto pode ser considerada um 26 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A chegada da criança na família comportamento de busca de apego: sorrir, chorar e olhar nos olhos. Por isso, é importante que o profissional de saúde, em contato com esta família observe atentamente como os cuidadores, sobretudo a mãe ou quem estiver exercendo a função materna, reagem a tais comportamentos: são afetuosos? Oferecem contato físico frequente ao bebê? Reagem de forma irritada ou agressiva ao choro10,11? Por vezes, o modo como se dão estas reações aos comportamentos do bebê podem ser indicativos se esta família precisa de auxílio para superar esse momento de crise. Cabe ressaltar que a relação entre o bebê e seu cuidador principal exerce um impacto significativo sobre seu desenvolvimento emocional e social. Por esse motivo, naqueles casos em que são identificadas dificuldades no desenvolvimento das relações de apego, faz-se necessária uma intervenção diferenciada como forma de auxiliar esta família. Visitas domiciliares frequentes e durante certo período de tempo (suficiente para estabelecer confiança e ajudar a fazer mudanças positivas) podem ser de grande ajuda12 . A prática da amamentação favorece a formação de vínculo entre mãe e filho e deve ser estimulada. Mais do que isso, estudo recente que acompanhou longitudinalmente famílias americanas apontou que uma duração mais longa do período de amamentação, avaliada até os três anos de idade da criança, pode contribuir positivamente para uma maior sensibilidade materna em longo prazo13. Entretanto, o aleitamento materno não é um comportamento inato, e sim um hábito. Essa prática depende de aprendizado e da interação positiva entre os fatores culturais e sociais, o que inclui o desejo da mãe de passar por este processo5. 2.3 O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO PARENTAL Considerando que a relação que se estabelece entre pais e filhos é fundamental para os futuros relacionamentos da criança, o profissional de saúde deve estar atento e estimular o desenvolvimento da parentalidade3, definida como o conjunto de remanejamentos psíquicos e afetivos que permitem ao adulto tornar-se pai ou mãe14. O termo parentalizar designa a influência positiva que exerce uma pessoa sobre o sentimento que tem um adulto de ser pai e mãe e refere-se à vivência da identidade parental e aos sentimentos de competência dos pais com relação aos cuidados que eles dispensam ao seu bebê. Quem pode exercer essa parentalização? O bebê, durante suas interações com os pais; os cônjuges podem parentalizar um ao outro e a família ampliada; e os profissionais que trabalham com pais e bebês14. Os profissionais de saúde podem auxiliar na formação da parentalidade oferecendo espaço para manifestação de sentimentos comuns durante esse processo: medo de não conseguir manter a vida e o crescimento de seu bebê, medo de não conseguir envolver-se emocionalmente com o seu bebê de modo autêntico e pessoal (e de que ele não se desenvolva emocionalmente), preocupação em como criar o bebê, se irá ou não permitir sistemas de apoio necessários e medo de não conseguir modificar-se ou reorganizar sua identidade15. Conhecendo e identificando a presença desses sentimentos, podemos estimular o pai, a mãe ou substitutos, evitando julgamentos e valorizando sempre as boas práticas em atender as necessidades de seu filho. Os profissionais devem disponibilizar aos pais, sempre que desejarem, grupos de apoio que promovam a aquisição de habilidades na formação da parentalidade3 . Alguns estudos internacionais sinalizam que intervenções em grupo para pais podem resultar em um melhor ajuste emocional e comportamental das crianças na primeira infância, bem como em Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 27
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos comportamentos mais positivos das crianças durante a interação com pais16. As intervenções pesquisadas têm por objetivo auxiliar no processo de transição para a parentalidade, fortalecer as interações entre pais e filhos, reduzir a disciplina severa e estimular a capacidade dos pais em promover o desenvolvimento social, emocional e de linguagem das crianças17-18. O Capítulo 14 aborda o tema Consultas coletivas de puericultura realizadas no Serviço de Saúde Comunitária. Além de intervenções grupais, alguns programas de promoção para a parentalidade positiva indicam visitas domiciliares e atendimento às famílias em serviços de saúde. No quadro abaixo estão sistematizadas as principais técnicas utilizadas nestas intervenções: Quadro 1 - Principais técnicas para promoção de práticas parentais positivas Modalidades Técnicas utilizadas Grupos com pais - Treinamento instrucional realizado por facilitador/coordenador - Role playing (dramatizações) - Vinhetas de vídeos - Discussões entre participantes - Disponibilização de literatura - Tarefas para casa - Telefonemas no período de tempo compreendido entre as sessões Visitas Domiciliares - Suporte emocional ao participante - Aconselhamento - Vinhetas de vídeos - Treinamento de massagem afetiva para bebês - Estímulo à vinculação com a rede de apoio social e institucional - Oferta de livros e brinquedos para interação com a criança - Disponibilização de calendário com informações sobre o desenvolvimento - Entrega de cartões que descreviam comportamentos parentais adequados - Telefonemas no período de tempo compreendido entre as visitas Atendimento exclusivo à - Suporte emocional ao participante família em Serviço de - Aconselhamento Saúde - Oferta de instruções com base nas particularidades da família atendida - Leitura e disponibilização de livros infantis com conteúdos atinentes a práticas parentais positivas, para que pais e filhos, juntos, pudessem lê-los Fonte: SCHMIDT; STAUDT; WAGNER, 2016.19 Uma situação, porém, tende a ser particularmente sofrida: quando um casal gera um bebê não desejado e/ou com alguma deficiência qualquer. O grupo socioafetivo tende a se retrair, assim como o próprio casal procura se isolar. Situações desta circunstância geram sofrimento psíquico, dor infinita, e necessitam de um maior apoio. Sentimentos que evocam um processo de luto, presente nessas situações, são recorrentes e devem ser estimulados pela equipe de saúde, para que os cuidadores possam expressar suas decepções, esperanças e desenvolver o vínculo, importante tanto para família, quanto para a criança, na prevenção de danos emocionais20. Assim, cabe ao profissional da saúde aprimorar seus estudos acerca da parentalidade, o que inclui discussões coletivas sobre estigmas no que se refere a colocação de papéis conforme o gênero, questões relativas à homoparentalidade, ou barreiras relativas ao próprio racismo. A partir disto, caberá a este profissional auxiliar aos cuidadores no processo de elaboração das dificuldades impressas na legitimação do exercício do cuidado e viabilizar uma atenção em saúde integralizada e não moralizante21. 28 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A chegada da criança na família Além disso, é importante ressaltar o processo de desmitificação da maternidade que, como apontado por Bandinter (1985) é algo a ser construído e não existente de forma “instintiva” ou “natural”. Assim como todo sentimento, a maternidade passa a ser aprendida e compreendida entre seus desafios diários, altos e baixos, que são enfrentados conforme as especificidades de cada mãe e que devem ser levadas em conta pelos profissionais que a acompanharão22. 2.4 DIFICULDADES COMUNS DESTA FASE O nascimento de um bebê, em especial quando se trata do primeiro filho, pode ser considerado como um evento propício ao surgimento de problemas emocionais nos pais, tais como depressão e manifestações psicossomáticas23, os quais podem afetar o modo como se relacionam com seu filho. O “baby blues” refere-se a uma manifestação transitória do humor, frequente e que aparece no decorrer dos primeiros dias pós parto (com intensidade maior em torno do 3º e 6º dia após parto). A puérpera apresenta um estado de fragilidade e de hiperemotividade transitória (choro fácil, irritabilidade, tristeza ou hipersenbilidade) e não é considerado uma depressão pós-parto. O manejo adequado inclui uma orientação sobre a sua frequência e transitoriedade, estímulo à manifestação de sentimentos e a aceitação de apoio14. A depressão pós-parto, cuja incidência varia entre 12 e 19%24, pode constituir um problema que afeta não apenas a mãe, mas também o bebê e até mesmo o próprio pai. Estudo brasileiros evidenciam que mães com depressão puerperal têm maior risco para desmame precoce nos primeiros dois meses24, ou para ausência de aleitamento materno exclusivo nos primeiros três meses25. Sabe-se ainda que os bebês, por dependerem muito da qualidade dos cuidados e do modo como a mãe responde às suas demandas, tornam-se especialmente vulneráveis à depressão pós-parto. Tendo em vista a influência deste quadro no contexto familiar e na relação mãe-bebê26, o profissional de saúde deve estar atento à presença de sintomas compatíveis com depressão3, principalmente em relação à época de início (mais tardio que o “baby blues”, em torno da 5ª e 6ª semana puerperal), intensidade e duração: irritabilidade ou choro frequente, sentimentos de desamparo, desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, incapacidade de lidar com novas situações e queixas psicossomáticas. Uma vez detectados estes sintomas, a puérpera deve ser melhor avaliada pela equipe de saúde. Dentre os principais fatores de risco para depressão pós-parto estão: história prévia de transtorno mental, como depressão ou ansiedade; relações conjugais empobrecidas, pouca rede de apoio, e eventos de vida estressantes27. Assim, sugere-se que o rastreamento para depressão pós-parto materna nas consultas de 1, 2, 4 e 6 meses do bebê28. No entanto, alguns autores sinalizam que episódios depressivos possam ser diagnosticados do nascimento até o final do primeiro ano de vida da criança29. Dentre os principais instrumentos utilizados para a realização do rastreamento estão a Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS), seguida pela Beck Depression Inventory (BDI-II), e pela Patient Health Questionnaire - 9 (PHQ - 9)29. Algumas intervenções psicológicas e psicossociais, tais como visitas domiciliares de profissionais de saúde no período pós-parto, suporte através de contatos telefônicos e psicoterapia Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 29
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos interpessoal, parecem reduzir significativamente o número de mulheres que desenvolvem depressão pós-parto30 , bem como diminuir, em curto prazo, os sintomas depressivos no puerpério31 . É importante ressaltar que a depressão materna parece exercer um impacto negativo para a saúde mental das crianças em idade escolar, favorecendo o surgimento de problemas comportamentais, psicopatologias (como depressão, ansiedade e problemas de conduta), além de prejuízos cognitivos e de desempenho social, configurando-se, desta forma, como um fator de risco ao desenvolvimento infantil32 . 2.5 NASCIMENTO DE UM SEGUNDO FILHO O nascimento de um segundo filho é também um acontecimento que altera a dinâmica familiar, muitas vezes gerando ansiedade, sendo diferente do nascimento do primeiro em função das mudanças dele decorrentes. O nascimento de um irmão é algo que exerce impacto sobre o comportamento do primogênito, o qual tem que aprender a lidar com a divisão do amor e da atenção dos pais, que antes eram dirigidos exclusivamente a ele. É comum, no primogênito, o aparecimento de sintomas físicos, tais como febre e alergia, bem como retrocessos na linguagem e na alimentação, propensão ao choro, aumento de birra e manifestações de agressividade33. E este acontecimento, muitas vezes, gera sofrimento não apenas para a criança, mas também para as mães, por perceberem a vulnerabilidade do primogênito, o qual necessitaria de cuidados especiais para se adaptar, e pelas dificuldades dele em lidar com a chegada do bebê. Por esse motivo, é importante que o profissional esteja atento às mudanças decorrentes deste acontecimento, tranquilizando, apoiando e orientando a família para que esta consiga superar, da melhor maneira, este momento de crise. Algumas pequenas orientações podem ser muito importantes para auxiliar a família neste processo. Desde a gestação do segundo filho, os pais devem conversar com o primogênito sobre o irmãozinho, estimulando-o a compartilhar pequenas responsabilidades e a participar da preparação para a chegada do novo bebê. Já após o nascimento, em alguns casos, as disputas entre os irmãos originam- se na busca de atenção dos pais, sendo o irmão visto como um rival na busca pelo afeto e pelo tempo deles. Por esse motivo, é importante que os pais consigam organizar um tempo especial para passar com cada um dos filhos, dando atenção exclusiva a ele e propondo atividades do seu interesse34. Entretanto, não se pode esquecer que a criança precisa de espaço para expressar sua raiva e seu ciúme, aprendendo a fazer isso de forma não violenta. A existência desse espaço é fundamental também para que ela consiga, por outro lado, expressar seu carinho e amor pelo irmão34. 2.6 ESTIMULANDO A FORMAÇÃO DE UMA REDE DE APOIO MAIS AMPLA Os desafios enfrentados pela família neste momento de chegada de um novo ser traduzem a importância de uma rede de apoio social que promova a superação do estresse, a resolução de conflitos e o restabelecimento de uma dinâmica familiar saudável, para que esta família não venha inclusive a desenvolver padrões de relacionamento disfuncionais, tais como: maus tratos à criança, violência intrafamiliar, abuso de substâncias, conflitos, dentre outros9. As mães devem ser estimuladas a ampliar redes sociais de apoio, uma vez que isso resulta em interação positiva na relação mãe-bebê3 . 30 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A chegada da criança na família Cabe aos profissionais de saúde identificar pessoas que possam oferecer suporte à família, destacando-se os próprios membros familiares, como avós, tios, primos e também amigos, companheiros, vizinhos e profissionais. Essa rede poderá oferecer suporte de diversas formas: apoio material ou financeiro, executando pequenas tarefas domésticas, cuidando dos outros filhos, orientando, prestando informações e oferecendo suporte emocional35. O profissional deve estar atento também às novas configurações familiares e ao papel ocupado pelas avós, que têm sido, em muitas famílias, as principais cuidadoras. Em alguns casos, o papel desempenhado pelas avós ultrapassa o de apoiadoras no cuidado, sendo elas as responsáveis pelos cuidados físicos e afetivos destas crianças36. Percebe-se que este fenômeno de distribuição de papéis, que na família tradicional eram fortemente delimitados, hoje encontra-se flexibilizado, principalmente nas classes mais populares4. 2.7 CONCLUINDO SOBRE A ATENÇÃO À FAMÍLIA NESTE MOMENTO Considerando todos os aspectos mencionados até então, ressalta-se a importância da família em proporcionar ambiente social e psicológico favorável ao desenvolvimento da criança e à promoção de sua saúde mental, uma vez que esses fatores influenciam mais do que as características intrínsecas do individuo5. A família desempenha também papel primordial na transmissão de cultura, tradições espirituais e manutenção dos ritos e costumes e segundo Dessen e Polonia9: ela é a matriz da aprendizagem humana, com significados e práticas culturais próprias que geram modelos de relação interpessoal e de construção individual e coletiva. Os acontecimentos e as experiências familiares propiciam a formação de repertórios comportamentais, de ações e resoluções de problemas com significados universais e particulares. Sugestão de filmes sobre as temáticas abordadas neste capítulo: ”O começo da vida”37 e “O Estranho em mim”38. REFERÊNCIAS 1. DE BEM, L. A.; WAGNER, A. Reflexões sobre a construção da parentalidade e o uso de estratégias educativas em famílias de baixo nível sócio-econômico. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 63-71, 2006. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília, DF: Ed. Ministério da Saúde, 2005. 3. DEMOTT, K. et al. Clinical guidelines and evidence. Review for post natal care: routine post natal care of recently delivered women and their babies. London: National Collaborating Center For Primary Care And Royal College of General Practitioners, 2006. 4. CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. (Org.). As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. 5. HALPERN, R.; FIGUEIRAS, A. Influências ambientais na saúde mental da criança. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80, n. 2, p. S104-S110, abr. 2004. Suplemento. 6. HERNANDEZ, J. A. E.; HUTZ, C. S. Transição para a parentalidade: ajustamento conjugal e emocional. Psico, Porto Alegre, v. 40, n. 4, p. 414-421, 2009. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 31
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos 7. FALCETO, O. G.; GIUGLIANI, E. R.; FERNANDES, C. L. Problematic parent-infant relationships in two-parent families: prevalence and risk factors in a Brazilian neighborhood. Trends in Psychiatry and Psychotherapy, Porto Alegre, v. 34, n. 3, p. 139-146, 2012. 8. FALCETO, O. G.; GIUGLIANI, E. R. J.; FERNANDES, C. L. Couples relationship and breastfeeding: is there an association? Journal of Human Lactation, Charlottesville, v. 19, n. 10, 2004. 9. DESSEN, M. A.; POLONIA, A. C. A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 17, n. 36, p. 21-32, jan./abr. 2007. 10.PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 11.BRAZELTON, T. B.; CRAMER, B. G. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 12.NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CLINICAL EXCELLENCE. Social and emotional wellbeing: early years: Public Health Guidance, PH40. London, Oct. 2012. Disponível em: <http://guidance.nice.org.uk/PH40>. Acesso em: 20 ago. 2018. 13.WEAVER, J. M.; SCHOFIELD, T. J.; PAPP L. M. Breastfeeding duration predicts greater maternal sensitivity over the next decade. Developmental Psychology, Washington, DC, v. 54, n. 2, p. 220- 227, fev. 2018. 14.CORRÊA FILHO, L.; CORRÊA, M. H. G.; FRANÇA, P. S. Novos olhares sobre a gestação e a criança até os três anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília, DF: L.G.E, 2002. 15.STERN, D. A constelação da maternidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 16.BARLOW, J. et al. Group based parent training programmes for improving emotional and behavioural adjustment in young children. Cochrane Database of Systematic Reviews, Oxford, n. 8, 2016. 17.THE INCREDIBLE YEARS. Incredible years parenting programs. 2018. Disponível em: <www.incredibleyears.com>. Acesso em: 3 out. 2018. 18.GLASGOW CALEDONIAN UNIVERSITY - GCU.Triple P for Baby Project. 2018. Disponível em: <https://www.gcu.ac.uk/triplepbaby>. Acesso em: 15 out. 2018. 19.SCHMIDT, Beatriz; STAUDT, Ana Cristina Pontello; WAGNER, Adriana. Intervenções para promoção de práticas parentais positivas: uma revisão integrativa. Contextos Clínicos, São Leopoldo, v. 9, n. 1, p. 1-18, jun. 2016. 20.ANTON, M. C. Quando a criança adoece. In: ANTON, I. L. C. (Ed.). Cegonha à vista: e agora, o que vai ser de mim? Porto Alegre: Est, 2006. p. 165-174. 21.RIBEIRO, C. R.; GOMES, R.; MOREIRA, M. C. N. A paternidade e a parentalidade como questões de saúde frente aos rearranjos de gênero. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 11, p. 3589-3598, nov. 2015. 22.BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 23.SCHWENGBER, D. D. S.; PICCININI, C. A. O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe- bebê. Estudos em Psicologia, Natal, v. 8, n. 3, p. 403-411, set./dez. 2003. 24.RUSCHI, G. E. C. et al. Aspectos epidemiológicos da depressão pós-parto em amostra brasileira. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 29, n. 3, p. 274-280, set./dez. 2007. 25.HASSELMANN, M. L; WERNECK, G. L;. SILVA, C. V. C. Symptoms of postpartum depression and early interruption of exclusive breastfeeding in the first two months of life. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, p. S341-S352, 2008. Suplemento n. 2. 26.FRIZZO, G. B.; PICCININI, C. A. Interação mãe-bebê em contexto de depressão materna: aspectos teóricos e empíricos. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 47-55, jan./abr. 2005. 27.O’HARA M.W., SWAIN A.M. Rates and risk of postpartum depression: a meta-analysis. Internal Review of Psychiatry, Abingdon, v. 8, n. 1, p.37-54, 1996. 32 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A chegada da criança na família 28.BRIGHT FUTURES. Recommendations for preventive pediatric health care. 2017. Disponível em: <https://www.aap.org/en-us/Documents/periodicity_schedule.pdf>. Acesso em: 30 set. 2018. 29.MORAES, Gustavo Paranhos de Albuquerque et al . Screening and diagnosing postpartum depression: when and how?. Trends in Psychiatry Psychotherapy, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 54- 61, mar. 2017. 30.CINDY-LEE, D.; DOWSWELL, T. Psychosocial and psychological interventions for preventing postpartum depression. Cochrane Database of Systematic Reviews, Oxford, v. 11, 2013. 31.CINDY-LEE, D; HODNETT, E. D. Psychosocial and psychological interventions for treating postpartum depression. Cochrane Database of Systematic Reviews, Oxford, v. 11, 2013. 32.MENDES, A. V.; LOUREIRO, S. R.; CRIPPA, J. A. S. Depressão materna e a saúde mental de escolares. Revista de Psiquiatria Clínica,São Paulo, v. 35, n. 5, 2008. 33.PICCININI, C. A. et al. O nascimento do segundo filho e as relações familiares. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, DF, v. 23, n. 3, p. 253-262, jul./set. 2007. 34.PEREIRA, C. R. R. Acordo de paz: saiba como estimular a boa convivência entre irmãos. Zero Hora, Porto Alegre, p. 2, 28 abr. 2008. 35.DESSEN, M. A.; BRAZ, M. P. Rede social de apoio durante transições familiares decorrentes do nascimento de filhos. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, DF, v. 16, n. 3, p. 221-231, set./dez. 2000. 36.AZEVEDO, G. C. B. O papel que avós exercem na criação dos netos na sociedade contemporânea. 2007. Trabalho de Conclusão de Curso-Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, 2007. 37.O COMEÇO da vida. Direção: Estela Renner, Produção: Estela Renner, Marcos Nisti, Luana Lobo. Brasil (BR): Maria Farinha Filmes, 2016, 1 DVD. 38.O ESTRANHO em mim. Direção: Emily Atef, Produção: Hanneke Van der Tas, Nicole Gerhards. Alemanha (DE): Imovision, 2008, 1 DVD. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 33
A primeira consulta do recém-nascido 3 A PRIMEIRA CONSULTA DO RECÉM-NASCIDO Maria Lucia Medeiros Lenz “O que eu mais queria dessa primeira consulta é que o médico a examinasse bem. Queria ter certeza que estava tudo bem com ela. Essa consulta não pode ser apressada. Acho importante receber orientação sobre a amamentação. A primeira consulta da minha filha foi muito importante pra mim, mesmo não sendo mãe de primeira viagem” Luciana, 36 anos, mãe de Marina, 1 ano. Moradora da área de atuação da US Floresta A possibilidade de acompanhar famílias ao longo do tempo mantém os profissionais da atenção primária em uma situação privilegiada no reconhecimento de situações que necessitam ser mais bem entendidas e acompanhadas.1 Em serviços de atenção primária, como o Serviço de Saúde Comunitária, o profissional que realiza o pré-natal frequentemente é o que seguirá acompanhando a família durante a puericultura. Sendo assim, o fundamental vínculo entre equipe de saúde e a família do recém-nascido para o acompanhamento da criança vem ocorrendo pelo menos desde o pré-natal. O nascimento de um bebê é um momento de transição-chave do ciclo de vida da família, e o surgimento de dúvidas, inseguranças e questionamentos são extremamente comuns. A família deverá reconhecer a equipe de saúde como um ponto de apoio para a superação desta etapa, que se constitui na necessidade de adaptação à presença de um novo ser no sistema familiar, da representação de novos papéis e do realinhamento de relacionamentos.2 3.1 A ÉPOCA IDEAL PARA A PRIMEIRA CONSULTA A primeira consulta do recém-nascido, segundo recomendação do Ministério da Saúde3 e dos principais consensos4,5 deverá acontecer, via de regra, na primeira semana de vida, momento propício para estimular e auxiliar nas dificuldades do aleitamento materno exclusivo, detectar problemas de saúde de forma precoce e para estabelecer ou reforçar rede de apoio à família. Os bebês que estiveram internados por um período inferior a 48h deveriam ser vistos nas próximas 48 horas após alta, enquanto que os que tiveram mais tempo internados, um reconsulta dentro de três a cinco dias após alta seria adequado. Esta recomendação está apoiada por um estudo que usou dados de um grande sistema de saúde, que mostrou que visitas de acompanhamento precoce reduziram a taxa de reinternação. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 35
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Crianças prematuras tardias, crianças a termo, recém-nascidos com perda de peso >8%, com fatores de risco para hiperbilirrubinemia, e recém-nascidos tratados com fototerapia, estão entre as crianças que, independentemente do tempo que ficaram internadas, se beneficiaram de consulta precoce, dentro de 24-48h.6 Independente do tempo, o acompanhamento rigoroso e a melhor coordenação do cuidado no pós-alta foram fatores importantes na diminuição das taxas de readmissão hospitalar, que são mais comumente relacionadas a icterícia, desidratação e dificuldades alimentares. Entre outras situações de risco para reinternação, destacam-se a primiparidade, morbidades maternas associadas, gestação mais curta ou menor peso ao nascer.4 3.2 A CONSULTA DE PUERICULTURA Os cuidados com a saúde do bebê e sua família devem ser sempre individualizados. No entanto, algumas situações/patologias merecem ser rastreadas na infância por suas características, tais como: alta prevalência, fase pré-clínica detectável e tratamento precoce resultando em benefício. As recomendações devem resultar de um equilíbrio entre os riscos e benefícios e variam de acordo com a condição, as circunstâncias clínicas da criança e da família, a disponibilidade de recursos e os valores que os pacientes (ou cuidadores dos pacientes) atribuem aos potenciais benefícios e danos. 7 A primeira consulta, em termos de tempo/duração, deve ser adaptada às necessidades e ao ritmo da família e do profissional. Habitualmente no Serviço de saúde Comunitária, dois horários de consultas normais contínuos devem ser reservados para a primeira consulta de puericultura. É indispensável que, especialmente neste momento, a família possa expressar-se livremente e que o profissional esteja atento à comunicação não verbal que se estabelece durante o atendimento. Recomendamos o preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança8,9, que pode e deve ter seu uso estimulado como fonte de informação da família. 3.2.1 ANAMNESE Procura-se avaliar principalmente as condições do nascimento (tipo de parto, local do parto, peso ao nascer, idade gestacional, índice de Apgar, sorologias maternas, intercorrências clínicas e outros acontecimentos relevantes na gestação, parto, período neonatal e tratamentos realizados)8,9 e os antecedentes familiares (condições de saúde dos pais e irmãos, número de gestações anteriores, número de irmãos). É importante enfatizar a questão da sorologia materna para sífilis, devido ao incremento de casos de sífilis congênita, especialmente na cidade de Porto Alegre, capital brasileira com o maior número de casos diagnosticados.10 São sugeridas também questões abertas para facilitar e encorajar as manifestações dos pais. Alguns exemplos são “Como têm sido as coisas para você e sua família desde que chegaram em casa?” e “Quais dúvidas ou preocupações você tem hoje? O profissional de saúde deve observar e avaliar como a mãe/pai/cuidador(a) demais familiares se relacionam com o bebê: como respondem às suas manifestações, como interagem com o bebê e se lhe proporcionam situações variadas de estímulo, afeto e conforto. Da mesma forma, o profissional da atenção primária, deve estar atento a fatores de risco familiares, ambientais e sociais que por si só merecem atenção diferenciada, tais como: abuso de drogas; história de violência ou negligência infantil; 36 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A primeira consulta do recém-nascido doença mental em algum familiar da casa; falta de apoio social, particularmente para mães solteiras e de primeira viagem; mães que vivem em um abrigo, ou na rua; história de violência doméstica, particularmente durante esta gravidez; doença transmissível em um dos pais ou em outros membros do domicílio, e mãe adolescente, particularmente se outras condições também forem identificadas. Nas consultas subsequentes, conforme será descrito no próximo capítulo, recomenda-se o rastreamento de depressão materna, devido a alta prevalência, impacto na saúde da criança e bons resultados ao reconhecer e tratar em tempo hábil.4 3.2.2 EXAME FÍSICO COMPLETO Um exame físico completo deve ser realizado na primeira consulta de puericultura, não havendo evidência científica que isto deva ser repetido em todas as consultas, embora recomendado, empiricamente, em muitos protocolos. É consenso que o exame físico e seus achados devem ser descritos, registrados e compartilhados com os pais, como forma de facilitar-lhes a percepção das necessidades do bebê.4,5 O exame físico, descrito a seguir, refere-se a um compilado de recomendações descritas pelos principais consensos.3,4,5 3.2.2.1 Estado geral Avaliar a aparência, atividade, postura normal do recém-nascido – extremidades fletidas, mãos fechadas e o rosto, geralmente, dirigido a um dos lados. Observar padrão respiratório – presença de anormalidades como batimentos de asas do nariz, tiragem intercostal ou diafragmática, taquipnéia (a FR normal encontre-se entre 30 a 60 mov/min) e sons emitidos. Avaliar estado de vigília do recém-nascido – avaliar o estado de alerta, sono leve ou profundo e o choro. Identificar sinais de desidratação e/ou hipoglicemia: pouca diurese, má ingestão (não consegue mamar ou vomita tudo que mama), hipoatividade e letargia. A temperatura axilar normal situa-se entre 36oC e 37,5oC, medida na criança com roupas apropriadas para a temperatura do ambiente. Não necessita ser medida rotineiramente em crianças assintomáticas, exceto na presença de fatores de risco, como hipertermia materna durante o parto. Crianças com temperatura axilar de 38º ou mais, devem ser avaliadas prontamente. 3.2.2.2 Peso, comprimento e perímetro cefálico Avaliar o peso em relação ao peso ao nascer. Considera-se normal uma perda de peso de 10% ao nascer, relacionada a ajustes de fluidos corporais e a sua recuperação até o 15º - 21º dia de vida. Caso uma perda maior que 10% do peso ao nascer ocorra nestes primeiros dias, é importante realizar uma avaliação clínica procurando sinais de desidratação ou de alguma patologia, e avaliar a prática de amamentação (inclusive com observação direta). Outras investigações ou encaminhamentos serão necessários, conforme suspeita de doença clínica. Se ficar evidente alguma dificuldade na amamentação, dar suporte, orientar e agendar uma revisão mais precoce, inclusive para tranquilizar os pais em relação ao peso. É possível prescrever suplementação a criança com perda de peso > 10%, mas levando sempre em consideração o maior risco de desmame e dando preferência para suplementar com leite materno, antes de prescrever fórmula infantil.11 Avaliar comprimento e perímetro cefálico ajustados para a idade gestacional. O perímetro cefálico com medidas acima ou abaixo a dois desvios Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 37
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos padrões, pode estar relacionado a neuropatologias como microcefalia (de causa genética ou ambiental) e hidrocefalia, necessitando desta forma melhor avaliação e encaminhamento. 3.2.2.3 Crânio e face Examinar fontanelas - a fontanela anterior mede de 1-4cm, tem forma losangular, fecha-se do 9º ao 18º mês e não deve estar fechada ao nascimento. A fontanela posterior é triangular, mede cerca de 0,5 cm e fecha-se até o segundo mês. Não devem estar túrgidas, abauladas ou deprimidas. Bossa serossanguínea e cefalohematomas (mais delimitado que a bossa e involui mais lentamente) desaparecem espontaneamente. Pesquisar assimetria de face, malformação, deformidade ou aparência sindrômica. Avaliar presença de secreção nasal (uma das manifestações de sífilis congênita). Na boca, observar a ausência de alterações morfológicas que possam representar dificuldade para a pega durante a amamentação, necessitando suporte e acompanhamento adequado. Observar úvula, tamanho da língua (macroglossia), palato, freio lingual, coloração dos lábios. Se houver candidíase e os sintomas estiverem causando dor à mulher ou ao bebê, ou se houver problemas para ser alimentada, deve ser tratada com uma medicação antifúngica apropriada. Se assintomático, o tratamento não é necessário.11 3.2.2.4 Olhos e visão O sistema visual (retina, nervos ópticos e córtex visual) é imaturo ao nascimento, começa a amadurecer durante as primeiras semanas de vida, sendo o período mais crítico os primeiros 18 meses. Cerca de 80% das causas de cegueira infantil são preveníveis ou tratáveis.12 O desenvolvimento das vias visuais no sistema nervoso central requer que o cérebro receba imagens igualmente claras e focadas de ambos os olhos. Processos oculares (por exemplo, erro de refração, estrabismo, catarata) que interferem ou inibem o desenvolvimento das vias visuais podem resultar em ambliopia. Os exames recomendados a todos os recém-nascidos na primeira consulta são: avaliação da visão (fixa o olhar e segue uma fonte de luz movida horizontalmente e, em torno de 6-8 semanas, já faz contato visual), reflexo pupilar, reflexo vermelho simultâneo e exame ocular externo (pálpebra, órbita, conjuntiva, córnea, íris).13 Reflexo pupilar - projeta-se um feixe de luz em posição ligeiramente lateral a um olho. Os reflexos fotomotor direto (constrição pupilar por estímulo luminoso direto) e consensual (constrição pupilar por estímulo luminoso no olho contralateral) devem ser avaliados quanto a sua presença, além da simetria de localização e diâmetro das pupilas. Avalia basicamente a estrutura anátomo-funcional.12 Teste do reflexo vermelho (TRV) simultâneo (Teste do Olhinho) - O teste do reflexo vermelho é uma ferramenta de rastreamento de alterações que causam perda da transparência dos meios oculares, tais como catarata (alteração da transparência do cristalino), glaucoma (pode causar alteração da transparência da córnea), toxoplasmose (alteração da transparência do vítreo pela inflamação), retinoblastoma (alteração da coloração da retina pelo tumor intraocular), descolamentos de retina tardios. Vale ressaltar que o TRV não é a forma adequada de identificação precoce dos descolamentos de retina. O TRV deve ser realizado utilizando um oftalmoscópio direto, a 30 cm do olho do paciente, em sala escurecida. Quando o foco de luz do oftalmoscópio estiver diretamente alinhado à pupila da criança, esse refletirá um brilho de cor laranja–avermelhado. Quando há opacidades de meios (doença ocular), não é possivel observar o reflexo, ou sua qualidade é ruim. Deve-se fazer um olho de cada vez, comparando os reflexos de ambos os olhos. Não há necessidade de colírios para dilatar ou anestesiar os 38 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A primeira consulta do recém-nascido olhos. Em caso de reflexo ausente, assimétrico (um olho diferente do outro), alterado ou suspeito, o paciente deve ser encaminhado ao serviço de oftalmologia com urgência. Todos os recém-nascidos devem ser submetidos ao TRV antes da alta da maternidade e pelo menos 2-3 vezes/ano nos 3 primeiros anos de vida. Se nessa fase for detectada qualquer alteração, o neonato precisa ser encaminhado para esclarecimento diagnóstico e conduta precoce em unidade especializada. O TRV pode ser realizado por qualquer profissional de saúde bem treinado.12 É importante lembrar que todos os prematuros nascidos com peso de nascimento (PN) < 1.500 g e/ou idade gestacional (IG) < 35 semanas e admitidos em uma unidade de tratamento intensivo e intermediário neonatal devem ser examinados por um oftalmologista com oftalmoscópio indireto, com lente de 20 ou 28 dioptrias, sob midríase medicamentosa, a partir da 4ª semana de vida e que o oftalmologista seja, idealmente, capacitado para o exame de mapeamento de retina em prematuros.12 Crianças que apresentarem reflexo branco (leucocoria) devem ser encaminhados imediatamente; o médico de referência deve se comunicar diretamente com o oftalmologista e confirmar que a consulta realmente ocorreu e de preferência dentro da primeira semana.13 A leucocoria pode significar anormalidades no cristalino, no vítreo ou na retina e pode ser a manifestação inicial de um amplo espectro de processos de doenças intra-oculares e sistêmicas.14 Conjuntivites: as pálpebras podem estar edemaciadas (reação ao nitrato de prata a 1% - Credé - utilizado para prevenção da oftalmia neonatal) e a regressão é espontânea em 24-48h. A presença de secreção purulenta evidencia uma conjuntivite e, principalmente no RN, é importante descartar infecção por agentes como o gonococo, clamídia e herpes vírus. Os lactentes com doença oftálmica gonocócica devem ser hospitalizados e observados para resposta à terapia e para doença disseminada. O tratamento presuntivo deve ser iniciado após a obtenção de culturas em lactentes com organismos observados na coloração de Gram ou naqueles com coloração negativa de Gram, mas considerados de alto risco (por exemplo, mãe sem pré-natal, história de IST ou abuso de substâncias).15 A conjuntivite por clamídia trachomatis tem um período de incubação de 5-14 dias após o parto. Os achados clínicos variam de edema leve com secreção aquosa, que se torna mucopurulenta, a inchaço acentuado das pálpebras com conjuntiva vermelha e espessa. O tratamento da conjuntivite deve ser baseado em um teste diagnóstico positivo e geralmente resulta em cura sem complicações. Recomenda-se o uso de eritromicina VO por 14 dias. A terapia tópica não é considerada eficaz. A infecção não tratada pode persistir por meses e causar cicatrizes na córnea e na conjuntiva.16 A conjuntivite por herpes no recém- nascido, pode manifestar-se por lacrimejamento excessivo do olho, choro por aparente dor ocular e eritema conjuntival. Vesículas na pele periorbital podem ou não estar presentes no momento da apresentação. A ceratoconjuntivite pelo vírus herpes pode progredir para catarata e coriorretinite e resultar em comprometimento permanente da visão. Criança com suspeita de conjuntivite por herpes deve ser encaminhada para uma avaliação abrangente para determinar o grau de envolvimento de outros órgãos e excluir outras doenças que possam causar sintomas semelhantes. 17 Obstrução congênita do ducto lacrimal é frequente e o tratamento é geralmente não cirúrgico e consiste em massagem do saco lacrimal e observação. Casos que não se resolvam aos 6-7meses, devem ser melhor avaliados. A dacriocistite ou inflamação do ducto nasolacrimal (eritema, inchaço, calor, sensibilidade do saco lacrimal e / ou secreção purulenta) requer, contudo, acompanhamento cuidadoso e encaminhamento.18 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 39
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos Estrabismo (ou esotropia) e nistagmo lateral são comuns nesta fase, devendo ser reavaliados posteriormente. Os recém-nascidos podem apresentar eventualmente algum tipo de desvio ocular, pois a visão binocular só estará bem desenvolvida entre 3 e 7 meses. Raramente o estrabismo congênito tem seu diagnóstico feito antes dos 6 meses de vida. O exame para seu diagnóstico está descrito no Capítulo 4. A idade ideal para encaminhamento é a partir dos 4 meses (estrabismo intermitente), mas pode ser antes se o estrabismo for constante, pois esse último apresenta maior risco para ambliopia.19 Alguns outros critérios para avaliação com oftalmologista: Reflexo vermelho anormal ou leucocoria; prematuros, presença de doenças metabólica ou genética com implicações oftalmológicas; história familiar de catarata infantil, retinoblastoma, displasia retiniana ou glaucoma; criança não fixa o olhar; suspeita de estrabismo; assimetria pupilar (acima de 1mm de diâmetro); assimetria da córnea (sugestivo de glaucoma); ptose unilateral ou bilateral ou outras lesões obstruindo o eixo visual (por exemplo, hemangioma palpebral), que podem causar ambliopia; nistagmo.19 3.2.2.5 Orelhas e audição Orientar para a Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU) ou “Teste da Orelhinha”, caso já não tenha sido feito ou agendado. As justificativas para triagem universal, o teste e as situações de risco para deficiência auditiva estão descritas no capítulo 7. Observar também implantação, tamanho e simetria das orelhas. 3.2.2.6 Pescoço Avaliar presença de assimetria facial e posição viciosa da cabeça. O torcicolo congênito pode se resolver espontaneamente, mas a incidência de resolução espontânea é desconhecida. Torcicolo muscular congênito persistente não tratado pode levar a uma assimetria craniofacial. Recomenda-se encaminhar para um fisioterapeuta, pois o tratamento de primeira linha compreende alterações de posicionamento e manuseio, adaptações ambientais e intervenções fisioterapêuticas para facilitar a amplitude passiva de movimento do pescoço, amplitude ativa de movimento do pescoço e tronco, e desenvolvimento de postura simétrica, função e movimento. Crianças com torcicolo muscular congênito que não melhora após seis meses de intervenções de primeira linha, outras causas de torcicolo devem ser consideradas.20 3.2.2.7 Pele Esclarecer a família quanto à benignidade do eritema tóxico, que acomete 30 a 72% dos recém- nascidos a termo, de etiologia desconhecida, relacionado à imaturidade dos folículos pilossebáceos. As manifestações típicas são múltiplas máculas e pápulas eritematosas (1 a 3 mm de diâmetro) que progridem rapidamente para pústulas em uma base eritematosa, distribuídas sobre o tronco e extremidades proximais, poupando as palmas das mãos e solas dos pés. Eles podem estar presentes no nascimento, mas geralmente aparecem dentro de 24 a 48 horas. A erupção geralmente se resolve em cinco a sete dias, embora possa aumentar e diminuir antes da resolução completa e não necessita tratamento.21 A assadura da região das fraldas (dermatite das fraldas) normalmente acontece devido a higiene e cuidados com a pele, sensibilidade a detergentes, amaciadores de tecidos ou produtos externos que tenham contato com a pele. Na maioria dos casos, o manejo da dermatite das fraldas envolve medidas 40 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A primeira consulta do recém-nascido gerais (por exemplo, troca frequente de fraldas, exposição ao ar, limpeza suave), escolha de fraldas e uso de preparações de barreira tópica. Se a erupção (dermatite das fraldas) for dolorosa e persistir, tratamento com antifúngico deve ser considerado, pois a infecção secundária por Cândida albicans é comum.22 3.2.2.8 Avaliar a presença de icterícia A hiperbilirrubina neonatal grave está associada a possibilidade de disfunção neurológica e o seu rastreio através de avaliação clínica da icterícia e identificação de fatores de risco é recomendado. A Academia Americana de Pediatria recomenda uma dosagem de bilirrubina de forma universal antes da alta do recém-nascido, mas alguns serviços optam pelo rastreamento seletivo, ou seja, dependendo dos achados clínicos e critérios de risco para hiperbilirrubinemia. Independentemente se realizada ou não dosagem de bilirrubina antes da alta, a criança de deve ser avaliada na consulta de revisão, especialmente com o advento da alta precoce dos bebês e de suas mães. A necessidade de dosagem de bilirrubina e reavaliação do bebê baseia-se na aparência do lactente e na presença de fatores de risco de hiperbilirrubinemia: nível alto de bilirrubina pré-alta ou icterícia cutânea em zona risco intermediário ou alto, icterícia nas primeiras 24h (ou observada antes da alta), incompatibilidade sanguínea (ABO ou Rh) ou outra doença hemolítica, prematuro (especialmente entre 35-36 semanas), história de irmão com icterícia ou de ter feito fototerapia, cefalohematoma significativo, aleitamento materno exclusivo (especialmente se a amamentação não está indo bem e a perda de peso for excessiva), raça oriental, lactente macrossômico de mãe diabética, sexo masculino, idade materna maior ou igual 25 anos. Entre as condições que diminuem o risco para apresentar hiperbilirrubinemia severa, encontram-se (em ordem decrescente): nível de bilirrubina ou icterícia cutânea na zona de baixo risco, idade gestacional maior ou igual 41 semanas, uso exclusivo de fórmula infantil, raça negra e ter tido alta após 72h de vida.7 Alerta deve ser dado para a icterícia iniciada nas primeiras 24h, ou em qualquer período se percebida abaixo do nível do umbigo.7 Se ocorrer icterícia em bebês com idade igual ou superior a 24 horas, sua intensidade deve ser monitorada e sistematicamente registrada, juntamente com o bem-estar geral do bebê, com atenção especial à hidratação e ao estado de alerta. A mãe de um bebê amamentado que tenha sinais de icterícia deve ser ativamente encorajada a amamentar com maior frequência e o bebê deve ser acordado para se alimentar, se necessário. Se um bebê apresentar icterícia significativa ou se não estiver bem, a avaliação do nível sérico de bilirrubina deve ser realizada. Se a icterícia se desenvolver após 7 dias ou se a icterícia persistir após 14 dias em um bebê saudável e a causa ainda não tiver sido identificada, ele deve ser encaminhado e avaliado.5 3.2.2.9 Tórax Avaliar assimetria – sugere malformações cardíacas, pulmonares, coluna ou arcabouço costal. Palpar clavículas, avaliando se há fraturas que poderiam acarretar diminuição ou ausência de movimentos do braço. A fratura de clavícula é manejada prendendo o braço ao tórax (cotovelo em 90 graus de flexão) para proporcionar conforto ao bebê; tem caráter benigno e ocorre formação de calo ósseo em 2-3 semanas.23 Orientar involução espontânea de mamas, que podem estar ingurgitadas ou com presença de secreção leitosa (passagem de hormônios maternos). Observar sinais de sofrimento respiratório (tiragens, batimentos de asas do nariz, gemidos, estridor, contar a frequência respiratória - Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 41
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos normal entre 30 e 60 mrpm). Contar frequência cardíaca, que normalmente varia entre 120 a 160 bpm. Observar cianose, abaulamento pré-cordial, turgência jugular, ictus cordis, sopros cardíacos e verificar pulsos. Os sopros ditos inocentes de ejeção são frequentemente em tom vibratório, nunca com frêmito e mais audíveis em área pulmonar. O Teste do coraçãozinho, para rastreamento de cardiopatias congênitas, será melhor descrito no item 3.3.8. 3.2.2.10 Abdômen Observar respiração, que é basicamente abdominal. Observar a forma do abdômen – se aumentado pode sugerir presença de líquido, distensão gasosa, visceromegalias, obstrução ou perfuração abdominal; se escavado, pode indicar hérnia diafragmática. Cabe lembrar que o fígado pode ser palpável, até o sexto mês, na linha hemiclavicular. Diagnosticar a presença de hérnias inguinal e umbilical (no caso de hérnia inguinal, o bebê deve ser encaminhado devido ao risco de encarceramento ou estrangulamento e, no caso de hérnia umbilical, aguarda-se regressão espontânea até 12-24 meses, dependendo do tamanho da hérnia). Avaliar a região umbilical e orientar mantê-la limpa e seca. O umbigo é colonizado por uma flora diversa de microorganismos e, os tecidos desvitalizados do coto do cordão umbilical são um excelente meio de crescimento para as bactérias. Verificar a presença de granuloma umbilical após a queda do coto – lesão friável, macia, úmida, rosada, geralmente pediculada, de tecido de granulação que varia em tamanho de 3 a 10 mm de comprimento - resolvido com uso de nitrato de prata a 75% (cuidar pele ao redor, pela possibilidade de causar manchas e queimaduras). Se a região umbilical estiver vermelha, edemaciada e com secreção fétida, indica onfalite e neste caso a criança deve ser encaminhada para a emergência, pois os vasos sanguíneos trombosados dentro do coto do cordão umbilical fornecem uma entrada para microorganismos na corrente sanguínea dos recém-nascidos, levando potencialmente à septicemia.24 3.2.2.11 Genitália Palpar bolsa escrotal para identificar a presença dos testículos. Quando os testículos não forem palpáveis na bolsa escrotal na primeira consulta do recém-nascido, a mãe pode ser orientada que trata- se de uma situação comum, especialmente em prematuros (9,2 a 30%) e que na maioria das vezes os testículos “descem” até os três/quatro meses de vida, quando deverá ser reavaliado. Se aos quatro meses não forem palpados na bolsa escrotal, a criança deve ser encaminhada para melhor avaliação e tratamento. A descida espontânea raramente, ou nunca, ocorre após os seis meses de idade. O tratamento antes de dois anos (idealmente antes de um ano) de idade está associado a um melhor crescimento testicular e potencial de fertilidade. O acúmulo de líquido peritoneal ao redor do testículo caracteriza hidrocele, que em geral tem regressão lenta com resolução espontânea até os dois anos. A fimose é fisiológica ao nascimento. Deve-se observar a localização do meato urinário para excluir hipospádia ou epispádia. Na genitália feminina, os pequenos lábios e clitóris estão mais proeminentes. Pode haver secreção esbranquiçada, às vezes hemorrágica, devido à passagem de hormônios maternos, que se resolve espontaneamente.25 3.2.2.12 Ânus e reto Verificar a permeabilidade anal, bem como a posição do orifício e a presença de fissuras. 3.2.2.13 Sistema osteoarticular 42 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
A primeira consulta do recém-nascido Examinar membros superiores e inferiores, a resistência à extensão ou flexão dos membros ou flacidez excessiva e a presença de paralisia, como, por exemplo, a que acontece por lesão do plexo braquial por tocotraumatismo. Identificar presença de pé torto, que pode ser desde posicional (corrige espontaneamente ou com imobilização) até um pé torto congênito grave, associado inclusive a outras anormalidades congênitas. O exame da flexibilidade do pé ajuda na diferenciação, mas o mais adequado é encaminhar para o ortopedista para melhor avaliação e escolha do tratamento. Verificar a presença de displasia congênita de quadril através do teste de Ortolani e Barlow 26, descritos no capítulo 4. A displasia congênita do quadril abrange um espectro de condições relacionadas ao desenvolvimento do quadril em bebês e crianças pequenas, onde ocorre um desenvolvimento anormal do acetábulo e do fêmur proximal e instabilidade mecânica da articulação do quadril. Com a avaliação dos fatores de risco, exame físico em série dos quadris e uso apropriado de exames de imagem, a maioria das crianças com a patologia pode ser diagnosticada e tratada corretamente sem sequelas de longo prazo.27 3.2.2.14 Coluna vertebral Examinar toda a coluna, em especial a área lombo-sacra, percorrendo a linha média. A presença de espinha bífida pode ser reconhecida. 3.2.2.15 Avaliação neurológica e de desenvolvimento psico-motor Observar reflexos primitivos (Sucção, Preensão palmo-plantar e Moro) que são próprios do recém-nascido a termo. Observar postura de flexão generalizada e lateralização da cabeça até o final do primeiro mês. Observar presença de movimentos normais e espontâneos de flexão/extensão dos membros. O tônus normal é de semiflexão generalizada. Observar se o bebê fica alerta para se alimentar, chora, se vira ao chamado dos pais, fixa o olhar brevemente em faces e objetos, suga e engole. 3.3 AVALIAÇÕES E ORIENTAÇÕES Além de responder e valorizar - sempre - as dúvidas dos pais e cuidadores, algumas orientações são reconhecidas como importantes de serem abordadas: promover a apoiar o aleitamento materno exclusivo; orientar sobre cuidados gerais do recém-nascido; ensinar a identificar sinais de doença - especialmente icterícia - , sinais de maior perigo e também problemas infantis comuns; orientar sobre os malefícios do tabagismo passivo e fornecer orientações sobre segurança.4 3.3.1 PROMOVER E APOIAR O ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO E AUXILIAR NA FORMAÇÃO/FORTALECIMENTO DO VÍNCULO PAIS-BEBÊ. Estudos evidenciam que orientar sobre a amamentação durante a gestação e após o nascimento do bebê interfere no tempo de amamentação. Os profissionais de saúde devem dar prioridade para dar apoio a mãe e ao bebê durante o início e a continuação da amamentação.5 A criança que é alimentada somente com leite materno até os seis meses de vida apresenta menor morbidade e maiores são os efeitos benéficos à sua saúde. Estimular a amamentação, orientando a livre demanda (frequência e duração) e não prescrevendo desnecessária complementação com outros leites são algumas das orientações que serão melhor abordadas no capítulo 9. Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição 43
Atenção à Saúde da Criança de 0 a 12 anos A formação ou fortalecimento do vínculo pais-bebê é importante (auxiliar os pais na percepção das necessidades do bebê e estimulá-los a prover os cuidados necessários). Os profissionais devem ainda propiciar espaço para o esclarecimento de dúvidas e manifestações de sentimentos do cuidador em relação ao bebê. Orientar os pais sobre o desenvolvimento social do bebê pode promover maior vínculo entre eles. Os pais devem ser orientados, se estiverem interessados, em como participar de atividades educativas que ofereçam suporte emocional e auxiliem na formação da parentalidade. A participação em consultas coletivas, descritas no capítulo 14, também deve ser estimulada. 3.3.2 ORIENTAÇÕES GERAIS SOBRE CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO A lavagem de mãos por todas as pessoas que têm contato com o nenê deve ser orientada em todas as visitas de puericultura, assim como evitar lugares mal ventilados e aglomerados de pessoas (shoppings, supermercados, eventos), com o objetivo de evitar a propagação de vírus causadores de doenças respiratórias. Orientar o banho, cuidado com o coto umbilical (mantendo-o limpo e seco), troca de fraldas, prevenção de assaduras, hábitos de sono. Orientar a posição supina (deitá-lo de costas ou de “barriga pra cima”) para dormir (posição de menor risco de morte súbita) e a não dormir com o bebê em sofás ou poltronas (maior risco para morte súbita), principalmente crianças menores de 4 meses e na presença de situações agravantes (bebês de baixo peso ou prematuros; pais têm hábito de ingerir bebida alcoólica, usam medicação para dormir, estão muito cansados ou são fumantes).5 Orientar sobre prevenção de lesões não intencionais, como cair da cama, ser prensado ou sufocado por um dos pais. Existem também boas evidências para o aconselhamento antecipado do choro noturno e os diferentes significados do choro: fome, desconforto, dor. Durante a avaliação de uma criança cujos pais queixam-se de choro excessivo, os seguintes aspectos devem ser avaliados: estado geral da criança, história pré-natal e perinatal, momento de início e duração do choro, hábitos de alimentação, diurese, evacuação, dieta da mãe (se amamentando), história familiar de alergias, resposta dos pais frente ao choro e fatores que aliviam ou agravam o choro.5 Em relação ao bico (chupeta), recomenda-se que, se um bebê já acostumou-se a usá-lo enquanto dorme, não deve ser interrompido repentinamente durante as primeiras 26 semanas.5 Os profissionais de saúde devem sempre estar atentos aos fatores de risco e sinais e sintomas de abuso infantil, conforme descritos no capítulo 15. 3.3.3 AVALIAR E ORIENTAR AOS PAIS OS SINAIS DE PERIGO NA CRIANÇA MENOR DE 2 MESES E A NECESSIDADE DE PROCURAR ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA As crianças menores de 2 meses podem adoecer e morrer em um curto espaço de tempo por infecções bacterianas graves. Sinais e sintomas suspeitos de doença grave em menores de 2 meses e que estão descritos na Caderneta da Criança:8,9 • “Não vai bem”, está irritada; • Não consegue mamar; • Vomita tudo que ingere; • Temperatura axilar < 36°C ou >ou= 37,5°C; • Convulsões; • Letargia/inconsciência ou flacidez; • Tiragem subcostal grave; 44 Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição
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