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JPO64_AXIV_R84_NOV_DEZ_2018

Published by gustavo, 2018-11-09 06:15:12

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ISSN 1807-6017 PlenJuurmis Doutrina - Jurisprudência Classificação Qualis Capes B1 Repositório autorizado/credenciado de jurisprudênciaSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (inscrição sob nº 036/05, em 20.10.2005).SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA nº 55 (Portaria nº 5, de 28.11.2013, da Exma.Sra. Ministra Diretora da Revista do STJ, publicada no Diário da Justiça eletrônicode 29.11.2013).TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (Portaria COJUD nº 4, de08.08.2005, do Exmo. Sr. Des. Fed. Diretor da Revista do TRF da 1ª Região,publicada no Diário da Justiça de 12.08.2005, Seção 2, p. 2).TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO nº 34 (Portaria nº 1, de10.03.2008, do Exmo. Sr. Des. Fed. Diretor da Escola da Magistratura do TRF da4ª Região, publicada no Diário Eletrônico nº 64, de 25.03.2008).TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO nº 13 (Despacho do Exmo. Sr.Des. Fed. Diretor da Revista do TRF da 5ª Região, publicado no Diário da Justiçade 05.09.2005, Seção 2, p. 612).



Juris Plenum Ano XIV - número 84 - Novembro de 2018 EditorFlávio AugustinConselho EditorialAccácio Cambi José Augusto DelgadoAda Pellegrini Grinover (in memoriam) José Carlos Barbosa Moreira (in memoriam)Álvaro Villaça Azevedo José Renato NaliniEduardo Arruda Alvim Maria Berenice DiasFábio da Silva Veiga Romeu Felipe Bacellar FilhoFredie Didier Jr. Rui StocoHugo de Brito Machado Sacha Calmon Navarro CoêlhoHumberto Theodoro Júnior Sérgio AugustinIves Gandra da Silva Martins Teori Albino Zavascki (in memoriam)J. Cretella Júnior (in memoriam) Teresa Arruda AlvimJorge Miranda Editora Plenum Ltda. Av. Itália, 460 - 1º andarCEP 95010-040 - Caxias do Sul/RS [email protected] www.plenum.com.br

© JURIS PLENUMEDITORA PLENUM LTDACaxias do Sul - RS - BrasilPublicação bimestral de doutrina e jurisprudência. Todos os direitos reservados à EditoraPlenum Ltda. É vedada a reprodução parcial ou total sem citação da fonte.Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de responsabilidade dos autores.E-mail para remessa de artigos: [email protected] Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)J95 Juris Plenum / Editora Plenum . Ano XIV, n. 84 (nov./dez. 2018). - Caxias do Sul, RS: Editora Plenum, 2018. 192p. ; 23cm.BimestralISSN 1807-6017 1. Direito. 2. Ciências jurídicas. 3. Direito Civil.I. Editora Plenum. CDU: 340 Índice para o catálogo sistemático: 3401. Direito 3402. Ciências jurídicas 3473. Direito Civil Catalogação na fonte elaborada pelo Bibliotecário Marcos Leandro Freitas Hübner – CRB 10/1253Editoração eletrônica: Editora Plenum Ltda.Tiragem: 5.000 exemplaresDistribuída em todo território nacionalOs acórdãos selecionados correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretariasdos tribunaisServiço de atendimento ao cliente: 54-3733-7447

SUMÁRIO DESTAQUE: ESTUDOS EM DIREITO PENAL E PROCESSO PENALDoutrinaRelativização da presunção de inocência sobre o prisma da integridade e coerên- cia de Ronald Dworkin HAMILTON DA CUNHA IRIBURE JÚNIOR, MOISÉS DOS SANTOS ROSA...............7As ilegalidades identificadas nos estabelecimentos prisionais do Brasil e a flexibilização da pena privativa de liberdade HENRIQUE VIANA PEREIRA, LUIZ HENRIQUE NOGUEIRA ARAÚJO MIRANDA.....25Pena prisional e pena de multa HUGO DE BRITO MACHADO....................................................................................37Revisão criminal: novas e importantes questões MARCELLUS POLASTRI LIMA, MARIANA SOARES DE REZENDE.......................41 ASSUNTOS DIVERSOSDoutrinaO companheiro e a união estável no novo Código de Processo Civil CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA, HEBERT TORQUATO SILVA..................................59Fundamentação das decisões judiciais e a menor onerosidade ao executado: uma análise dos deveres, sanções e coerções cabíveis ao executado, e os perigos da má aplicação das medidas atípicas do artigo 139, inciso IV, do CPC/2015 DANIEL MARQUES DE CAMARGO, JOÃO VICTOR NARDO ANDREASSA...........71As astreintes e o novo Código de Processo Civil DANIEL ROBERTO HERTEL.....................................................................................89A justiça que merecemos JOSÉ RENATO NALINI............................................................................................103

Conflito entre precedentes, processo administrativo tributário e reclamação sustentável MAGNO FEDERICI GOMES, LORENA MACHADO ROGEDO BASTIANETTO..... 115A lei sobre a guarda compartilhada RENATA LOURO COSTAL, ELIANE DE ALCÂNTARA TEIXEIRA...........................131PalestraPrecedentes obrigatórios como um caminho para a redução de processos tributários no Brasil RENATO LOPES BECHO........................................................................................147ACÓRDÃOS STF - Ag. Reg. no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 157.321/SP...............153 STJ - Recurso Especial nº 1.752.883/GO (2014/0323870-2)...................................162 TRF1 - Apelação Criminal nº 0029763-35.2011.4.01.3900/PA.................................172 TRF4 - Apelação Cível nº 5076495-32.2016.4.04.7100/RS.....................................181 TRF5 - Apelação Criminal nº 0809169-44.2017.4.05.8200......................................185NORMAS PARA ENVIO DE ARTIGOS DOUTRINÁRIOS.............................................191

DESTAQUE: ESTUDOS EM DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA SOBRE O PRISMA DA INTEGRIDADE E COERÊNCIA DE RONALD DWORKIN* RELATIVIZATION OF PRESUMPTION OF INNOCENCE ON THE PRISM OF INTEGRITY AND COHERENCE OF RONALD DWORKIN HAMILTON DA CUNHA IRIBURE JÚNIOR Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Professor da Graduação e do Mestrado da Faculdade do Sul de Minas - FDSM. Advogado. E-mail: [email protected]. MOISÉS DOS SANTOS ROSA Aluno do Curso de Mestrado da Faculdade do Sul de Minas - FDSM. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. Análise da construção jurisprudencial no STF - 2. Leitura da oscilação jurisprudencial do STF sob o prisma da coerência e da integridade de Ronald Dworkin - 3. Da (in)coerência dos recursos especial e extraordinário na esfera penal e a (in)constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal - 4. Dos institutos da Lei de Execução Provisória - Considerações finais - Referências. RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma análise críticasobre a decisão do HC 126.292 pelo Supremo Tribunal Federal que relativizou o princípioconstitucional da presunção de inocência e rompeu com entendimento que se encontravajá sedimentado desde o ano de 2009. Partindo do posicionamento da análise dos HabeasCorpus de nºs 84.078/SP e 126.292/SP, pretende-se verificar se há algum ponto de* Data de recebimento do artigo: 06.08.2018. Datas de pareceres de aprovação: 31.08.2018 e 13.09.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 26.09.2018.

8 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaqueintegração, coerência e uniformidade entre essas duas decisões sob o prisma interpreta-tivo proposto por Ronald Dworkin, assim como se busca analisar de forma crítica se essadecisão foi meramente política ou casuística. PALAVRAS-CHAVE: presunção; relativização; integridade; coerência; inocência. ABSTRACT: The purpose of the present work is to establish a critical analysis ofthe decision of HC 126.292 by the Federal Supreme Court, which relativized the constitu-tional principle of the presumption of innocence and broke with the understanding that hadalready been settled since 2009. Starting from the position of the analysis of the HabeasCorpus nº 84.078/SP and 126.292 / SP, it is sought to verify if there is any point of integra-tion, coherence and uniformity between these two decisions under the interpretive prismproposed by Ronald Dworkin, as well as the critical analysis if this decision was purelypolitical or casuistic. KEYWORDS: presumption; relativization; integrity; coherence; innocence.INTRODUÇÃO No ano de 2009, o Supremo Tribunal Federal revisou sua jurisprudência e decidiuquando do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078-7/MG pela impossibilidade da execuçãoprovisória da pena, uma vez que, por força da norma contida na Constituição Federal de1988 (art. 5º, LVII), a presunção de inocência vigoraria até o momento anterior ao trânsitoem julgado da sentença penal condenatória, não se admitindo, assim, a prisão do acusado,salvo se presentes os pressupostos de prisão cautelar. Recentemente, porém, a mesma Suprema Corte, no julgamento do Habeas Corpusnº 126.292/SP, rompeu com esse entendimento que já estava sedimentado desde o anode 2009 e decidiu que a execução provisória de acórdão prolatado em recurso de apela-ção, ainda que pendente recurso especial ou extraordinário, não afrontaria o princípio dapresunção de inocência previsto constitucionalmente. O presente artigo analisa essas duas decisões sob o prisma interpretativo da coe-rência e integridade do sistema proposto por Ronald Dworkin, tendo como parâmetro oromance em cadeia, ilustrado em sua obra. Nesse sentido, para o autor: O ato de decidir não pode ser visto como a possibilidade de os julgadores escreverem uma série de contos independentes, sem qualquer correlação entre si, mas, ao contrário, antes, devem ter o compromisso com um romance único, cujo enredo se mostre integrado (DWORKIN, 2007, p. 275). Partindo dos pressupostos utilizados para o julgamento dessas duas decisões,pretende-se analisar se alguns dos institutos inseridos em nosso ordenamento jurídicoautorizam de alguma forma a relativização do princípio da presunção de inocência. Noprimeiro capítulo, o artigo traz de forma sumária a construção histórica e jurisprudencialdo Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Relativização Da Presunção De Inocência 9 No segundo capítulo faz-se uma análise dessa oscilação jurisprudencial sob oprisma teórico de Ronald Dworkin, verificando se há algum ponto de integração e coerên-cia que permita considerar essas decisões como apenas mais um capítulo decorrente deoutras decisões tomadas anteriormente ou se houve, ao contrário, uma absoluta rupturade interpretação por parte do Supremo Tribunal Federal. No terceiro e quarto capítulos está descrita a previsão normativa infraconstitucionalque trata da questão da execução provisória da sentença, permitindo verificar que tantoa fundamentação da ausência de efeito suspensivo dos recursos extremos, quanto àprevisão ordinária da Lei de execução Penal são obstáculos que impediriam a mudançadessa ruptura do princípio constitucional da presunção de inocência. Para serem alcançados tais resultados, a partir da metodologia analítica, vale-sedos aportes teóricos da hermenêutica política de Ronald Dworkin, em especial a ideia dodireito como integridade, que exige por parte do Poder Judiciário uma análise voltada àavaliação do passado, do presente e do futuro, na qual cada juiz passa a ser parte de umcomplexo empreendimento. Desse modo, espera-se que o presente trabalho possa colaborar, ainda que demodo modesto, para análise e reflexão sobre os limites interpretativos que possam existirna extração das normas contidas na Constituição da República pela Suprema Corte.1. ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL NO STF Historicamente, a presunção de inocência nos moldes embrionários de um EstadoDemocrático de Direito surgiu no iluminismo, traço distintivo das preocupações penais edas mazelas prisionais com que se deparavam os condenados da época, consideradosinclusive hereges diante daquele modelo estatal. Desde a época de Cesare Becaria, em sua clássica obra publicada em 1764, já sepontuava a preocupação no processo de expiação das penas sob o enfoque da presun-ção de inocência. Segundo o Marquês: “um homem não pode ser considerado culpadoantes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois queseja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida”(BECARIA, 2010, p. 35). Nesse mesmo sentido, Becaria qualificou de tirânica a prática de se condenar umacusado sem se ter cumprido uma “carga” de demonstrar com certeza sua culpabilida-de, sustentando que “ainda nos delitos de difícil comprovação, que são recebidos pelosprincípios admitem hipóteses tirânicas, as quase evidências, as semiprovas (como se umhomem pudesse ser semi-inocente ou semiculpado, e sendo, ser semipunível, ou semia-bsolvido)” (BECARIA, 2010, p. 50). Assim, segundo o citado autor, não se pode imputar aculpabilidade a alguém antes da sentença judicial. O reconhecimento de forma expressa da presunção de inocência se deu na De-claração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que registrava que todo homem

10 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquedeveria ser presumidamente inocente até que fosse declarado culpado e, se julgadoindispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário para detê-lo deveria ser severamentereprimido pela lei (art. 9º). A partir disso, outros diplomas legislativos, inclusive na ordem internacional, incor-poraram a presunção de inocência, como a Declaração Universal de Direitos Humanosde 1948, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, e a ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969. Por fim, em 1988, foi assegurado na Constituição da República, no seu art. 5º,LVII, com status de direito fundamental, o princípio da presunção de inocência, ao afirmarque ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penalcondenatória. No entanto, apesar de a Constituição afirmar expressamente a necessidade de seaguardar o trânsito em julgado da decisão judicial para que a referida garantia deixe deser presumida, sempre se questionou a respeito da possibilidade de execução provisóriada pena a partir da decisão proferida por um Tribunal em segunda instância, na medidaem que os recursos extremos - extraordinário e especial - não possuem efeito suspensivo(conforme o já revogado § 2º do art. 27 da Lei 8.038/90), além de não haver a análise deprovas. É bem verdade que mesmo com a previsão literal da presunção de inocência,também sob a égide da Constituição da República de 1988, o Supremo Tribunal Federal jáhavia de alguma forma, se manifestado favorável à execução provisória antes do trânsitoem julgado. Nesse diapasão, no julgamento do Habeas Corpus 68.726/DF, ocorrido em28.06.1991, da relatoria do ministro Néri da Silveira, firmou-se inicialmente um entendimentono sentido de que a execução provisória da pena não conflitaria com a norma do art. 5º,inciso LVII, da Carta Constitucional, a ordem para que se expedisse mandado de prisãodo réu, cuja condenação à pena privativa de liberdade se confirmasse, unanimemente,no julgamento de sua apelação contra a sentença desfavorável, ainda que pendente ojulgamento de recurso especial ou extraordinário nas instâncias superiores, uma vez que oartigo 618 do CPP, bem como o § 2º do art. 27 da Lei 8.038/90, que afirmavam a ausênciade efeito suspensivo nos recursos extraordinário e especial. Da mesma forma, no julgamento do Habeas Corpus nº 74.983/DF, de relatoriado ministro Carlos Velloso, ocorrido em 30.06.1997, o STF decidiu que, por não teremefeito suspensivo, os recursos especial e extraordinário não impediriam o cumprimentode mandado de prisão. Nessa mesma trilha, no âmbito das turmas do STF, até o ano de 2009, prevaleciao entendimento de que era possível a execução provisória da condenação, depois deconfirmada a sentença condenatória pelo órgão Judiciário de segundo grau, visto queos recursos eventualmente enviados, especial e extraordinário, não eram e se mantêmnão sendo dotados de efeito suspensivo, nos termos do art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90.

Relativização Da Presunção De Inocência 11 Aliás, com base nesse entendimento, até então predominante, foi editada a Súmulanº 716, do STF, a qual admite a progressão de regime de cumprimento da pena ou a apli-cação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgadoda sentença condenatória. No entanto, a fundamentação da Suprema Corte estava amparada no sentido deque a execução provisória dos julgados poderia ser realizada porque os recursos aosTribunais Superiores não eram dotados de efeito suspensivo, todavia, a finalidade dessaexceção era completamente diversa. Disso verifica-se que o entendimento pela conformidade da execução provisória dapena com o princípio constitucional da presunção de inocência foi no sentido de que, comoos recursos extremos - extraordinário e especial - não possuem efeito suspensivo, far-se-iapossível o cumprimento antecipado de pena, uma vez que os dispositivos processuais (emespecial o § 2º do art. 27 da Lei 8.038/90 e o art. 637 do CPP) autorizariam tal conclusão. Esse entendimento perdurou até fevereiro de 2009, quando no julgamento doHabeas Corpus nº 84.078/MG, de relatoria do ministro Eros Grau, quando a SupremaCorte reformulou o seu entendimento sob o argumento de que o fato de existirem recursossem efeitos suspensivos (especial e extraordinário) não autorizaria cumprimento de prisãoantes do trânsito em julgado, já que a presunção de inocência acompanha o agente emtodas as instâncias processuais, de modo que a restrição a tal garantia representaria,ainda, afronta à ampla defesa, além de fazer a distinção entre condenados definitivamentee aqueles não o foram por decisão transitada em julgado. Desse modo, por maioria (07 votos a 04) e nos termos do voto do relator, assentou--se que a execução provisória da pena, sem que se operasse o trânsito em julgado dasentença penal condenatória, implicava em afronta ao princípio da presunção de inocência,plasmado no art. 5º, inciso LVII, da Carta da República. Estava, portanto, sedimentada a jurisprudência da Suprema Corte com a proibiçãoda execução provisória sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, alinhando-seao que preconizavam tanto os institutos internacionais1 quanto a norma interna previstana Constituição da República. Todavia, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HabeasCorpus nº 126.292/SP ocorrido em 17.02.2016, da relatoria do ministro Teori Zavascki,alterou radicalmente a sua jurisprudência acerca do princípio da presunção de inocência,rompendo um sistema progressivo de garantias que ocorria na Constituição da República.2. LEITURA DA OSCILAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STF SOB O PRISMA DACOERÊNCIA E DA INTEGRIDADE DE RONALD DWORKIN A ideia do Direito como Integridade encontra suporte na figura do chain novel deRonald Dworkin. Ela exige que a decisão jurídica justifique os princípios utilizados nas1 Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969.

12 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquedecisões passadas como uma história digna de ser contada (SIMIONI, 2014, p. 382) ejustificada por princípios. Além disso, a coerência exigida pela integridade traz o desafio à decisão judicialde interpretar o caso concreto de modo a reconstruir os motivos passados no “sentido deencontrar a melhor justificação dessa prática” (SIMIONI, 2014, p. 384). Nesse contexto, cada juiz assume a posição de um romancista na corrente, devendoler tudo o que já foi escrito por outros juízes, no passado, para que se possa chegar a umaopinião sobre a obra coletiva desses mesmos juízes, uma vez que: Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inú- meras decisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em uma nova direção (DWORKIN, 2005, p. 238). Nesse sentido, conforme Lenio Streck (2014, p. 529), a integridade e a coerênciaenglobam métodos de interpretação construídos ao longo dos anos pela teoria constitucio-nal, como a unidade da Constituição, concordância prática, efeito integrador e proporciona-lidade. A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integradaao conjunto do direito. O respeito à tradição é antirrelativista e supera subjetivismos. Analisando a decisão da relativização da presunção de inocência sob o prismainterpretativo de Ronald Dworkin, o ato de decidir não pode ser realizado sem levar emconta outras decisões a respeito ou sem se considerar a coerência e integridade do sistemaa que estão inseridas, eis que se deve haver uma correlação entre uma decisão presenteque fatalmente será decorrente de outra anteriormente decidida. Isso significa dizer que asdecisões políticas ou judiciais futuras devem respeitar o sistema a que estão inseridas deforma íntegra e coerente. A integridade, ainda, exige que o direito seja visto como totalidade. Ao proceder à reconstrução histórico-institucional dos princípios que justificarama mudança de entendimento, faz-se pertinente dedicar-se ao estudo dos argumentos deprincípio e de política trabalhada por Dworkin. Conforme Francisco José Borges Motta: Dworkin ensina que argumentos de princípio são argumentos em favor de um direito, e que argumentos de política são argumentos em favor de algum objetivo de cariz coletivo, geralmente relacionado ao bem comum (noutras palavras: os princípios são proposições que prescrevem direito; as políticas são proposições que prescrevem objetivos). Dworkin defende a tese - e com ele concordamos - de que as decisões judiciais devem ser geradas por princípios, e não por políticas. Isso decorre da promessa de um Estado Democrático (que tenha igual interesse por seus cidadãos) de que seus conflitos mais profundos entre indivíduos e sociedade irão, algum dia, em

Relativização Da Presunção De Inocência 13 algum lugar, tornar-se finalmente questões de justiça. Em todo caso, os argumentos de princípios somente justificarão uma decisão quando for possível mostrar que o princípio citado é compatível com decisões anteriores que não foram rejeitadas, e com decisões que a instituição está preparada para tomar em circunstâncias hipotéticas (universalização da argumentação) (MOTTA, 2010, p. 217-218). Nesse aspecto, percebe-se que os argumentos de princípio dizem respeito a umdireito do cidadão, ao passo que os de política vão dizer geralmente acerca de um ob-jetivo ou de algum resultado que tal escolha possa ocasionar. No caso da presunção deinocência, importante a análise de trecho do voto do ministro Barroso no julgamento doHabeas Corpus nº 126.292: Com o esgotamento das instâncias ordinárias, a execução da pena passa a constituir exigência de ordem pública (art. 312, CPP), necessária para assegurar a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal. Nessa hipótese, dispensa-se motivação específica do magistrado da necessidade de “garantia da ordem publica” e do não cabimento das medidas cautelares alternativas (grifos acrescidos). Além deste voto não estar baseado em argumentos de princípio, também houvemenção à credibilidade do Judiciário e do sistema penal (argumentos de política), além denão estar em consonância com decisões anteriores baseadas em princípios. Nesse aspecto, como sustenta Dworkin “um precedente é um relato de uma decisãopolítica anterior; o próprio fato dessa decisão, enquanto fragmento da história política,oferece alguma razão para se decidir outros casos de maneira similar no futuro”. Alémdisso, válido mencionar que a força gravitacional de um precedente, conforme Dworkin,só deve levar em consideração os argumentos de princípio que justificam esse precedente(DWORKIN, 2010, p. 176). Registre-se, ainda, que, de 2009 a 2016, o Supremo Tribunal Federal se manteve fielao entendimento esposado no Habeas Corpus 84.078-7/MG, no sentido de que a prisão deuma pessoa deve estar fundamentada nos requisitos que autorizam a segregação cautelar,haja vista que a execução provisória da pena viola o princípio constitucional da presunçãode inocência. No entanto, em fevereiro de 2016, ao julgar o Habeas Corpus nº 126.292/SP,a Corte Suprema rompeu com entendimento outrora consagrado no sentido de que, antea ausência de efeito suspensivo nos recursos extremos e do esgotamento das instânciasordinárias - o que impediria a análise de provas - far-se-ia possível a execução provisóriade um acórdão condenatório, ainda que ausentes os requisitos da segregação cautelar. Ronald Dworkin (2007, p. 221), analisando o direito como interpretação, emborareconheça as peculiaridades dessa área do conhecimento, afirma que a intepretação ju-rídica não pode ser vista como se fosse uma atividade sui generis, devendo ser estudadacomo uma atividade geral de interpretação.

14 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Dito de outro modo, as relações conflituosas entre garantias e eficácia no processopenal reclamam uma hermenêutica que, sem a pretensão de conter a última palavra, busqueo necessário “estranhamento” à luz das ideias de romance em cadeia, sobretudo porquemeras razões utilitaristas ou imediatistas não se sobrepõem a argumentos de princípio,pautados na coerência e na integridade do Direito. Partindo dessa ideia, o autor sugere um exercício interpretativo do direito funda-mentado na literatura, propondo um gênero artificial por ele denominado “romance emcadeia”, no qual um grupo de romancistas escreve um único romance em série, devendocada romancista dessa cadeia, interpretar os capítulos precedentes do romance para quese possa escrever um novo capítulo, que vai sendo acrescentado ao anterior. Os romancistas posteriores da cadeia hão de adotar esse mesmo procedimento,levando a sério suas responsabilidades de dar continuidade, para que criem em conjuntoum único romance, da melhor qualidade possível (DWORKIN, 2007, p. 276). Dworkin (2005, p. 238) observa que a similaridade da atuação judicial no decidircasos difíceis com o estranho exercício literário por ele proposto, com diversos autores,mostra-se mais nítida no sistema da common law, em que inexiste lei ocupando posiçãocentral capaz de orientar o percurso decisório, fazendo com que os fundamentos da decisãojudicial sejam buscados em regras ou princípios, subordinados nas decisões pretéritas deoutros juízes, sobre questões semelhantes. Dworkin não pretendia considerar como inaplicável a sua ideia interpretativa aosistema da civil law, como é o caso brasileiro, possuidor, ainda, de uma Constituiçãoclassificada como analítica. Ao contrário, no sistema jurídico brasileiro, o desenrolar doromance em cadeia é uma tarefa mais complexa, pelo simples fato de existir um textolegal a definir o roteiro do romance. Analisado sob o prisma da civil law, o romancista primeiro é sempre o constituinte,que abre as páginas de um novo romance, escrevendo seu capítulo inaugural, no queserá seguido pelos intérpretes da Constituição, dentre os quais se encontra, por óbvio, afunção do Poder Judiciário. Dworkin (2005, p. 251) observa ainda que a tarefa de interpretar não se confundecom a tarefa de inventar. O autor esclarece que não pretende, de modo algum, com essaafirmação, fazer crer que todo o significado de um texto encontra-se “simplesmente ali”. Contudo, enfatiza que o que distingue a interpretação da criação é que naquela otexto interpretado exerce alguma restrição sobre o resultado da interpretação, o que nãoexiste na criação (2005, p. 253). Não existe, desse modo, a possibilidade de que os romancistas leiam a intepretaçãocorreta de maneira mecânica, como se todo o sentido do texto se encontrasse nele próprio. Todavia, é preciso que se tenha como ponto de partida interpretativo o fato de que,à exceção do primeiro romancista (que no caso brasileiro é o constituinte originário), todosos demais devem ter consciência de que interpretar corretamente o texto não se confundecom iniciar um novo romance deles próprios (DWORKIN, 2005, p. 236-237). Nas palavras

Relativização Da Presunção De Inocência 15do autor, “o dever de um juiz é interpretar a história jurídica que encontra, não inventaruma história melhor” (2005, p. 240). A ideia do “romance em cadeia”, associada à coerência narrativa, brota como ele-mento fundamental da Teoria Hermenêutica da Responsabilidade, inserindo o intérpretena cadeia da interpretação em prol do reconhecimento da história institucional do Direito,a partir das dimensões do ajuste e da finalidade, além do limite interpretativo decorrenteda concepção de integridade do sistema, o que implica em rejeitar apreciações pautadasno subjetivismo decisório, à luz de um dever de responsabilidade política. Cada juiz é como um “romancista na corrente. Ao decidir o novo caso, cada juizdeve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qualessas inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalhocontinuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o queaconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que temem mãos e não partir em alguma nova direção (DWORKIN, 2001, p. 236). Nesse contexto, qualquer dos sistemas utilizados em que se analise a decisão doSupremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 126.292, verifica-se que houve uma rupturatotal do entendimento adotado anteriormente no Habeas Corpus nº 84.078-7/MG, julgadoem 5 de fevereiro de 2009, quando ficou assentado que somente para a conveniência dosjuízes e não do processo penal, se poderia admitir a antecipação da execução penal, masmais do que isso, verificou-se a falta de comprometimento do Poder Judiciário ao afrontaro texto literal da Constituição Federal. Partindo da premissa de que a Constituição assegura que ninguém será consideradoculpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bem como que a execu-ção de uma pena somente pode ser legitimamente imposta a quem é tido como culpado,não há como negar a ruptura da nova intepretação exarada pelo Supremo Tribunal Federalcom o romance pelo Constituinte no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República. O texto interpretado deve impor limites ao resultado da interpretação, o que, evi-dentemente, com o devido respeito às opiniões contrárias, inexistiu quando do julgamentodo Habeas Corpus nº 126292/SP pelo Supremo Tribunal Federal, por melhores que sejamos argumentos a favor desta decisão, até porque é preciso que no processo hermenêuticoo texto seja levado a sério (STRECK, 2014, p. 437). Observa-se ainda que nas duas decisões analisadas pela Suprema Corte, enquantono Habeas Corpus nº 84.078-7/MG o Ministro Marco Aurélio posicionou-se contrário àpossibilidade da execução provisória da pena, por entender que não poderia haver umesvaziamento progressivo da presunção de inocência, eis que na medida, em que vão sesucedendo os graus de jurisdição, presunção só poderia sucumbir em face do preconizadono texto Constitucional com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ao passo que o Ministro Luís Roberto Barroso, ao discorrer, nos autos do HabeasCorpus nº 126.292, sobre a necessidade de ponderação e sua efetiva concretização, as-severou não existir dúvida de que o peso do princípio da presunção de inocência torna-se

16 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque“gradativamente menor na medida em que o processo avança, em que as provas sãoproduzidas e as condenações ocorrem”. Percebe-se que a contrariedade é manifesta entreos dois entendimentos num espaço de sete anos. Ao se verificar que o princípio da presunção de inocência é a baliza mestra da apli-cação do direito de punir do Estado, sob uma ótica estritamente constitucional e garantista,fica evidente que esse atual entendimento afrontou a literalidade do art. 5º, inciso LVII,da Constituição da República de 1988, pois, da leitura do aludido enunciado normativo,extrai-se, claramente e sem maiores elucubrações, que ninguém poderá ser consideradoculpado até que haja o trânsito em julgado de édito penal condenatório. Assim, ao tentar reescrever o postulado constitucional da presunção de inocência,a Corte Suprema se sub-rogou no papel do legislador constituinte, e mais, rompeu a in-tegridade do sistema até então vigente, e sob a perspectiva “dworkiana” não foi coerentecom as decisões anteriormente proferidas e já pacificadas. Além disso, sob a perspectiva do acusado presumidamente inocente seria difícilexplicar com o voto do Ministro Luís Roberto Barroso: como uma pessoa acusada de umcrime é menos ou mais inocente à medida que seu processo avance? Em seu voto, o argumento evidentemente ilustra a relativização de princípios fun-damentais e indica um alto grau de seletividade em ponderar, pois, ao analisar a questãoda possibilidade de cumprimento da pena em segunda instância, ainda que pendentejulgamento pelas instâncias especial e extraordinária, vislumbra-se que, à medida que apretensão acusatória vai avançando e tem êxito, o princípio da presunção em relação aoacusado vai perdendo seu peso em relação a outros bens jurídicos fundamentais tutelados. Cabe aqui ainda mais uma ressalva. Por esse raciocínio da diminuição gradativada inocência de alguém, é preciso verificar ainda que por uma questão de lógica e decoerência, o contraditório, ampla defesa e duplo grau de jurisdição por essa decisão,também não o são? Poderia ser aventado que em 2009, ao julgar o Habeas Corpus nº 84.078-7/MG,teria o Supremo Tribunal Federal também provocado um desencadeamento do romanceque vinha sendo escrito, ao mudar o entendimento que se encontrava sedimentado naCorte até então, no sentido de ser admissível a execução provisória da pena, ainda quependentes de julgamento recurso especial ou extraordinário. Há que se observar dois fundamentos: primeiro, o dogmático, no sentido de que,conforme já dito, embora houvesse a possibilidade do réu poder cumprir provisoriamentea pena, não se ponderava a questão da relativização da presunção de inocência. A Corte Suprema sempre vislumbrou naquela decisão permissiva da execuçãoprovisória, antes de tudo, um benefício ao réu que poderia, mesmo que preso provisoria-mente, cumprir a pena antes do trânsito em julgado, para progredir de regime. E segundo que, teoricamente, em relação à teoria de Ronald Dworkin naquelaocasião não houve uma ruptura, mas uma adequação dos rumos do romance em cadeia,pois o capítulo precedente escrito pelo romancista, o constituinte, já era o enredo que vinha

Relativização Da Presunção De Inocência 17sendo desenvolvido em inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal e não se mostravaadequada a ideia original do romance, prevista no inciso LVII do art. 5º da Constituiçãoda República, tal como observado pelo Ministro Eros Graus, relator do Habeas Corpusnº 84.078-7/MG. Registre-se que adequar à ideia principal, permitindo que o enredo fique a elasubordinado, é muito diferente de iniciar- se uma nova história. Ademais, o Brasil é umEstado Democrático de Direito e como tal somente se legitima quando reconhece direitos àspessoas, dentre os quais o direito a de ser reconhecido como inocente até que sobrevenhao trânsito em julgado da sentença penal condenatória (DEZEN, 2008, p. 36).3. DA (IN)COERÊNCIA DOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO NAESFERA PENAL E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 283 DO CÓDIGO DEPROCESSO PENAL O argumento que também é invocado na relativização do princípio da presunção deinocência é o de que a ausência de efeito suspensivo dos recursos especial e extraordináriojustificaria a tese da execução antecipada da pena. Trata-se de mais uma visão equivocada da Teoria Geral do Processo que volta paraatormentar o já fragilizado processo penal brasileiro. O revogado § 2º do art. 27 da Lei nº8.038/1990, assim como o caput do art. 995 do novo Código de Processo Civil, não podeser aplicado ao processo penal, por desconsiderar suas categorias jurídicas próprias, estru-turas completamente diferentes e, ainda, não manter a coerência com o sistema punitivo. É importante sempre frisar que o problema de se prender antes do trânsito emjulgado e sem caráter cautelar, não se reduz ao mero problema de “efeito recursal”. É daliberdade de alguém que se está tratando e, portanto, da esfera de compreensão dos direitose liberdades individuais, tutelados - entre outros princípios - pela presunção de inocência. É preciso retomar, ainda, o que disse o então Ministro Eros Grau no acórdão doHabeas Corpus nº 94.408, julgado no dia 10 de fevereiro de 2009, também oportunidadeem que afirmou categoricamente a “inconstitucionalidade da chamada execução anteci-pada da pena”. O art. 637 do CPP estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoado pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Daí que os preceitos veiculados pela Lei nº 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. A ampla

18 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque defesa não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracte- rizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hedion- dos” exprimem muito bem o sentimento que Evandro Lins sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente. A antecipação da execução pe- nal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados - não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais (leia-se STJ e STF) serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apon- tado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. Carnelutti dizia que há uma diferença insuperável entre o processo civil e o processopenal, qual seja: enquanto o processo civil se ocupa do “ter”, o processo penal lida com o“ser” (CARNELUTTI, 2009, p. 28). Portanto, é de outra situação - que não mero efeito recursal - que estamos tratan-do ao discutir a eficácia temporal da garantia constitucional da presunção de inocência.E, para finalizar, uma vez mais é preciso recordar que a Constituição expressamenteestabelece a proibição de se tratar como culpado - e, portanto, há uma inconstitucionalequiparação ao mandá-lo para a “mesma” prisão - aquele que ainda é simples acusado,antes do trânsito em julgado. Enfim, o conceito de trânsito em julgado não tem absolutamente nenhuma relaçãocom o efeito recursal e, portanto, qualquer aplicação nesse sentido estaria fora do âmbitoda coerência e integridade do sistema constitucional vigente em nosso país. Há que se observar que, do ponto de vista lógico, a conclusão de que a presunçãode inocência só teria aplicação até o julgamento em segundo grau de jurisdição e, conse-quentemente, depois do julgamento do mérito pelo tribunal local, mesmo que houvesse ainterposição de recurso especial ou extraordinário, seria possível a expedição de mandadode prisão, com o início de execução provisória da penal, deveria implicar consequentementeno reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. O art. 283 do Código de Processo Penal, com a redação dada apela Lei nº 12.403,assegura:

Relativização Da Presunção De Inocência 19 Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Na presente decisão não há qualquer menção ao art. 283 e tampouco uma decla-ração fundamentada de sua inconstitucionalidade, pois ele é completamente incompatívelcom a decisão proferida pelo STF. Como simplesmente diante de inúmeros casos “não aplicar” o art. 283 sem declararpreviamente sua inconstitucionalidade? A problemática foi tratada por Streck,2 quando anali-sando a decisão proferida pelo Min. Teori Zavascki, ainda no Superior Tribunal de Justiça, novoto na Recl. 2.645, afirma que não se admite que seja negada aplicação, pura e simples-mente, a preceito normativo “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”. Ou seja, não se pode deixar de aplicar um texto normativo sem lhe declarar for-malmente a inconstitucionalidade. Consequentemente, segue questionando Streck: seesse dispositivo não foi declarado inconstitucional, então o que houve? “Interpretação doinstituto da prisão provisória à luz da CF”? Esse novo entendimento não deu azo a uma súmula vinculante, e nem poderia,mesmo que tivesse oito votos, porque a CF é clara em seus limites semânticos, no sentidode que são necessárias reiteradas decisões. Portanto, na medida em que não é cabível a tese da abstração ou objetivação docontrole difuso porque, no caso, nem declaração de inconstitucionalidade houve, não caberáreclamação da decisão de um tribunal que resolva não aplicar a nova posição do STF. Portanto, se chega à seguinte conclusão: de duas uma, ou o acórdão violou di-reta e frontalmente o disposto no caput do art. 283 do Código de Processo Penal, e issoprecisa ser reformado, suprindo-se tal omissão do v. acórdão; ou o referido dispositivo éinconstitucional e assim precisa ser expressamente declarado. O que não pode ocorrer é simplesmente não enfrentar a (in)constitucionalidade doreferido dispositivo sobre tema de tamanha relevância prática, com imenso prejuízo paraa liberdade dos acusados.4. DOS INSTITUTOS DA LEI DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA Além dos regramentos normativos previstos do enunciado no art. 283 do Código deProcesso Penal (CPP), pelo qual se condiciona a imposição de prisão-pena ao trânsito ejulgado de sentença penal condenatória, a Lei de Execuções Penais, também contemploua presunção de inocência ao erigir como conditio sine qua non à execução penal, querse cuide de imposição de pena corporal ou restritiva de direitos diferentes da liberdade, aformação da coisa julgada material oriunda de sentença penal condenatória.2 STRECK, Lenio. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teoriprender-transito-julgado>. Acesso em: 20 maio 2016.

20 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Atente-se, pois, ao que se estabelece nos artigos 105 e 147 do referido documentonormativo, verbis: “Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativade liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia derecolhimento para a execução”; e “Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicoua pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do MinistérioPúblico, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, acolaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares”. Assim, mostra-se conteste a positivação explícita da presunção de inocência nosistema normativo brasileiro. Não significa dizer, todavia, que inexiste controvérsia quantoà atividade interpretativa que se lhe busca imprimir nos ambientes doutrinário e jurispru-dencial, sobretudo no que concerne a seus limites e diálogos normativos. A persecução penal revela-se um caminho procedimental-processual que secompõe, em regra, de três fases, a saber: a investigativa, com o inquérito policial ou outroprocedimento equivalente; a cognitiva (processo de conhecimento), em que o titular da açãopenal deduz a um órgão jurisdicional competente sua pretensão condenatória; e, sendo essapretensão acolhida e ocorrida a preclusão máxima, abre-se a última fase, a executória (pro-cesso de execução), na qual se visa a impor ao réu as sanções decretadas na fase anterior. À evidência, o que se está a destacar é a terceira fase da execução penal, concei-tuada por Guilherme Souza Nucci (2016, p. 781) como a “fase do processo penal, em quese faz valer o comando contido na sentença condenatória penal, impondo-se, efetivamente,a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos ou a pecuniária”. Visto isso, pode-se verificar claramente que a execução penal antecipada (ou provi-sória), qual seja: a imposição ao réu, a título definitivo, em momento processual anterior aotrânsito em julgado da decisão judicial condenatória (sentença ou acórdão), das sançõespenais aplicadas por essa, independentemente da análise dos fundamentos e requisitospara a segregação cautelar só poderá ser realizada para possibilitar ao réu a progressãode regime prisional e em seu favor. O ponto principal diz respeito à execução penal provisória contrária aos interessesdo réu (contra reo), os quais, numa palavra, correspondem à preservação de sua liberdade,por isso, fácil deduzir que tal acepção se contrapõe à antecipação da execução penal quelhe favorece (execução penal provisória pro reo). Essa distinção mostra-se pertinente haja vista não ser incomum no processo penalbrasileiro que o acusado possa gozar, durante o período em que cumpre prisão processual(sobretudo a prisão preventiva), de benefícios próprios da fase processual executória, aexemplo da progressão de regime prisional e da aplicação imediata de regime menosgravoso, conforme autorizam os Enunciados nºs 716 e 717 da súmula da jurisprudênciadominante do Supremo Tribunal Federal. Ainda, a própria Lei de Execução Penal, no pa-rágrafo único de seu art. 2º, permite que suas regras sejam aplicadas ao preso provisório. Almeja-se com isso demonstrar que, diferentemente da relação entre execuçãopenal provisória contra reo e presunção de inocência, a harmonia entre a execução penalantecipada em favor do réu e a referida garantia é constatada por um simples esforçointerpretativo, qual seja, a compreensão de que garantias constitucionais não podem serutilizadas contra seus destinatários.

Relativização Da Presunção De Inocência 21 É como se manifesta Dezem (2017, p. 321), ao dissertar que em tais casos aplica-se“a ideia de que direito fundamental não pode ser utilizado contra seu titular. Daí porque,estando o acusado preso, não pode ser utilizada a presunção de inocência contra o titulardo direito”. Nesse mesmo tom, Nucci (2016, p. 678) defende a consonância entre execuçãopenal provisória em favor do réu e a presunção de inocência, pois os “direitos e garantiasfundamentais [...] servem para a proteção do indivíduo, e não para prejudicá-lo, o queaconteceria caso fosse utilizado como causa impeditiva da execução provisória”. Expôs-se que, diferentemente das prisões processuais, a imposição da prisão penalfaz-se mediante cognição exauriente. Daí que se condiciona a prisão-pena, nos termosdos artigos 5º, LVII, da Constituição Federal, 283 do Código de Processo Penal e 105 daLei de Execução Penal à formação da coisa julgada material. A coisa julgada encontra-se definida no art. 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Nor-mas do Direito Brasileiro e, com mais tecnicidade jurídico-processual, no art. 502, caput,da Lei nº 13.105, de 2015 (Código de Processo Civil), a prever que se denomina “coisajulgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito nãomais sujeita a recurso”. Nesse prisma, Aury Lopes Jr. (2016, p. 742), com base nas lições de Enrico TullioLiebman, explica que: A coisa julgada não é o efeito ou um efeito da sentença, mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestar-se de seus efeitos. É algo que se agrega a tais efeitos para qualificá-los e reforçá-los em um sentido bem determinado. Não há que se confundir uma qualidade dos efeitos da sentença com um efeito autônomo dela, e nisto consiste a autoridade da coisa julgada, que se pode precisa- mente definir como a imutabilidade do mandamento proveniente da sentença. Não se identifica com a definitividade ou intangibilidade do ato que pronuncia o mandamento; é, em câmbio, uma qualidade especial, mais intensa e mais profunda, que afeta o ato e inclusive seu conteúdo, e o torna, desse modo, imutável, não só no seu aspecto formal, mas também dos efeitos desse mesmo ato. Assim, sem olvidar as características e peculiaridades que diferenciam a coisa jul-gada penal da coisa julgada cível, sobretudo em virtude da vocação garantista da primeira,percebe-se que a legislação ordinária em nenhum momento deixa evidente a possibilidadede execução provisória no sentido de relativização da presunção de inocência.CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas democracias, os principais limites ao poder são os direitos e garantias fun-damentais. Cada vez que um limite é afastado, cada vez que um direito ou uma garantiafundamental é relativizado, o Estado caminha em direção ao autoritarismo.

22 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Os motivos expostos pelos defensores da relativização da presunção de inocêncianão são novos, independente do Poder que emanam. Aliás, em todo momento autoritá-rio, essa linha argumentativa se faz presente. Basta lembrar dos argumentos contráriosà presunção de inocência presentes na obra de Vincenzo Manzini, marco legislativo dofascismo clássico italiano (MANZINI, 2010, p. 1931). No fascismo clássico Italiano e no sistema de justiça penal nazista, a presunçãode inocência de alguma forma foi excluída ou relativizada. Aliás, a expressão “presunçãode não culpabilidade”, utilizada ainda hoje por parcela da doutrina brasileira, surgiu e foidefendida por teóricos ligados por esse mesmo fascismo italiano, como forma de enfra-quecer no plano linguístico a garantia do estado de inocência. Note-se que, ao contrário do que pretendem alguns dos defensores da relativizaçãoda presunção de inocência, não é possível ponderar, de um lado, o interesse abstrato àsegurança pública ou o interesse de coletividade, e, de outro, o interesse concreto relativo àliberdade de um indivíduo, isso porque, como demonstrou Ronald Dworkin, não é legítimo osopesamento de interesses de densidade distinta, sob pena de se tornar possível a violaçãode qualquer interesse individual mediante a desculpa retórica de se estar protegendo ointeresse público, a segurança de todos ou mesmo combatendo a corrupção. Aliás, essa ponderação entre interesses de densidades distintas era normal naAlemanha nazista, onde os discursos de proteção dos valores do povo alemão ou “combateà corrupção” foram utilizados para aniquilar os direitos individuais de parcela da população. No Brasil, a importância da Constituição, dos limites impostos pelos direitos fun-damentais e do caráter contramajoritário do Poder Judiciário não integra a compreensãodo cidadão. A falta de uma cultura materialmente democrática faz com que os direitosfundamentais sejam percebidos como obstáculos à eficiência repressiva do Estado. Realizadas essas considerações, é possível concluir que as decisões proferidasnos autos dos Habeas Corpus nº 84.078-7/MG e 126.292/SP não passam pelo crivointerpretativo do romance em cadeia proposto por Ronald Dworkin, uma vez que, nesteúltimo julgado, o Supremo Tribunal Federal deu início a uma nova história, sem qualquercorrespondência ou correlação com o entendimento anterior adotado, e, mais do que isso,sem qualquer correspondência também com o capítulo inaugural do romance, qual seja,o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República. Impossível admitir-se, à luz da atual ordem constitucional brasileira, a viabilidadeda execução provisória da pena, vale dizer, o início do cumprimento da pena antes quesobrevenha o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, execução esta que,justamente por ser provisória, mostra-se incompatível com a exigência constitucional daimutabilidade do julgado condenatório para que a presunção de inocência deixe de existir. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SPpromoveu um desencadeamento total do romance iniciado em 1988, com o constituinteoriginário, eis que a decisão tomada em 2009 estava no rumo certo do romance originalna Carta da República.

Relativização Da Presunção De Inocência 23 Sendo assim, decidiu-se de maneira contrária ao princípio da presunção de ino-cência e referida decisão não tem o menor grau de coerência ou integridade dentro donosso sistema. Houve um retrocesso injustificável numa garantia constitucional previstaque não contém relativização, ou seja, o Pretório Excelso interpretou de forma política aquestão, gerando uma enorme insegurança jurídica. Por ora, fácil concluir que a decisão tomada em relação ao princípio da presunçãode inocência foi nitidamente casuística e causa grande preocupação a postura da Supre-ma Corte em relativizar garantias tão caras da nossa Constituição, que vem se tornandocomum atualmente. No Brasil, os princípios fundamentais na ordem constitucional ultimamente sãovistos sob a ótica política e podem ser suprimidos na calada da noite. Não há respeitoà integridade do sistema, não há respeito aos fundamentos da República Federativa doBrasil, pois a estrutura lógica dos julgamentos realizados pela Suprema Corte leva emconta o momento político vigente. Analisando as hipóteses apresentadas, chega-se à conclusão de que não há nodireito brasileiro uma espinha dorsal ou um norte seguro, coerente e íntegro a ser seguido,eis que a própria Constituição não tem servido de parâmetro para as questões essenciaisgarantidoras de toda a sociedade. Ainda que alguns entendam que esse nova orientação do STF, guardião da nossaConstituição constitua um avanço no combate à impunidade e sirva como instrumento paraa redução da criminalidade, percebe-se que a modificação do paradigma até então preva-lente constitui um verdadeiro ataque à garantia fundamental da presunção de inocência,sendo, assim, um retrocesso lamentável no sistema jurídico brasileiro. De fato, o texto constitucional é claro no sentido de que a sentença condenatóriasó pode ser executada depois do seu trânsito em julgado, ou seja, quando não exista maispossibilidade de recurso. Assim, se há recurso pendente de julgamento, independente da análise das questõesde fato ou de direito, a decisão, ainda que confirmada em segunda instância, não transitouem julgado e, portanto, não há possibilidade de punição do autor de um fato criminoso,que ainda deve ser presumido inocente. A referida mudança de entendimento se trata de verdadeiro “malabarismo her-menêutico” do Supremo Tribunal Federal, que, lamentavelmente, parece ter deixado delado a defesa da Constituição Federal da República de 1988 e do Estado Democrático deDireito para atender os conclames das ruas, proferindo decisões com nítido fundamentopolítico e casuístico. Claramente trata-se de um retumbante erro histórico do Supremo Tribunal Federalcujos impactos poderão ser severos como o aumento da população carcerária que fatal-mente será um deles.

24 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - DestaqueREFERÊNCIASALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.______. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo:Malheiros, 2012.BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentaise a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra:Livraria Almedina.CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução versão espanhola do originalitaliano por Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Pillares, 2009.DEZEN, Guilherme Madeira. Presunção de inocência: efeito suspensivo dos recursos extraordinárioe especial e execução provisória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 70/208, p. 269-290,jan./fev. 2008.DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: MartinsFontes, 2010.______. O direito de liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: MartinsFontes, 2006.______. O império do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.______. Uma questão de princípio.Tradução Luiz Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.Tradução Enio Paulo Giachini. 7. ed. Rio de janeiro: Vozes, 2005.GELLATELY, Robert. Apoiando Hitler: consentimento e coerção na Alemanha nazista. Rio de Janeiro:Record, 2012.GRAU, Eros Roberto. La doble desestructuración y la interpretación de derecho. Barcelona: LibreríaBosh, 1998.LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processual e penal. Torino, 2010.MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012.MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismojudicial. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2016.ROSA, Alexandre Morais da. A teoria dos jogos aplicada ao processo penal. 2. ed. Empório doDireito, 2016.STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.______. Verdade e consenso: Constituição e teorias discursivas: da possibilidade à necessidadede respostas corretas em direito. 3. ed. rev e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2013.

AS ILEGALIDADES IDENTIFICADAS NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS DO BRASIL E A FLEXIBILIZAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE*THE ILLEGALITIES IDENTIFIED IN PRISONS IN BRAZIL AND THE RELAXATION OF THE CUSTODIAL SENTENCE HENRIQUE VIANA PEREIRA Doutor e Mestre em Direito pela PUC/MG. Pós-Graduado em Ciências Penais pelo CAD/UGF. Professor de Direito Penal da PUC/MG. Conselheiro do Instituto de Ciências Penais - ICP. Advogado Criminalista sócio do escritório Ariosvaldo Campos Pires Advogados. E-mail: [email protected]. LUIZ HENRIQUE NOGUEIRA ARAÚJO MIRANDA Mestre em Direito Penal pela PUC/MG. Pós-Graduado em Ciências Penais pela PUC/MG. Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. A prisão como principal forma de punição - 2. A flexibilização das penas privativas de liberdade - 3. A caótica situação carcerária do Brasil - 4. A flexibilização da sanção penal em face da evidente situação de ilegalidade das prisões - Conclusão - Referências. RESUMO: O presente artigo tem por objetivo estudar a prisão como principalforma punitiva do Estado, trazendo uma análise da atual situação carcerária brasileira eas alternativas existentes para minorar as ilegalidades cometidas no interior delas. Paraisso, será utilizada pesquisa bibliográfica, constituída por livros e artigos científicos e pes-quisa documental, por intermédio de análise de relatórios e estatísticas. A prisão, apesarde muito criticada pela política criminal contemporânea, por anos tem se mantido como* O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil. Data de recebimento do artigo: 03.09.2018. Datas de pareceres de aprovação: 25.09.2018 e 01.10.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 09.10.2018.

26 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquea principal forma de punição utilizada pelos Estados. A verdade é que não se pode abolira pena restritiva de liberdade quando se trata de graves crimes. A aplicação da pena deprisão, pelo menos no Brasil, tem excedido, e muito, seus limites punitivos, porquanto atribuidiariamente aos condenados situações de lesão à dignidade. Pensando nisso, ao longodos anos, diversas formas alternativas de sanções foram elaboradas para tentar diminuira incidência e aplicação da pena, visando minorar o número de presos no país. Contudo,em que pese uma política criminal aparentemente desencarceradora, o quadro de lesãoa direitos e garantias individuais não diminuiu, assim como a utilização da pena privativade liberdade também não. Dessa forma, o presente artigo trará uma análise sobre a atualsituação carcerária brasileira, os direitos e garantias diariamente lesados e as alternativasà prisão. Por fim, busca propor, por meio do princípio da flexibilização e de uma análisepolítica criminal contemporânea, diante da caótica situação carcerária brasileira, uma formade minorar o estado de ilegalidade vivenciado pelos presidiários. PALAVRAS-CHAVE: pena; dignidade; ilegalidade; flexibilização. ABSTRACT: This article aims to study imprisonment as the main punitive form of theState, bringing an analysis of the current Brazilian imprisonment situation and the alterna-tives available to alleviate the illegalities committed inside prisons. For this, it will be usedbibliographic research, consisting of books and scientific articles and documentary research,through analysis of reports and statistics. Imprisonment, though much criticized by contem-porary criminal policy, has been for years the main form of punishment used by the State. Thetruth is that you cannot abolish the prison when it comes to serious crimes. The applicationof the prison sentence, at least in Brazil, has exceeded the punitive limits, because it causesharassment and damage to one’s dignity. Considering that, over the years, alternativeforms of sanctions have been developed to try to reduce the incidence and application ofpunishment, in order to diminish the number of prisoners in the country. However, despite aseemingly disincentive criminal policy, the picture of lesion to individual rights and guaranteeshas not diminished, just as the use of the custodial sentence has neither. Thus, this article willpresent an analysis of the current Brazilian imprisonment situation, the rights and guaranteesand alternatives to prison. Finally, the goal of this paper is, through the principle of flexibi-lization and a contemporary criminal political analysis, in the face of the chaotic Brazilianprison situation, expose a way to reduce the state of illegality experienced by inmates. KEYWORDS: punishment; dignity; illegality; flexibilization.INTRODUÇÃO A pena privativa de liberdade, apesar de muito criticada na atualidade, por anostem se mantido como a principal forma de punição utilizada pelos Estados por intermédiodo Direito Penal. A verdade é que ainda não se conhece algo melhor que a restrição daliberdade quando o assunto é a punição por crimes graves. Porém, a aplicação da pena de prisão, pelo menos no Brasil, tem excedido e muitoseus limites punitivos, porquanto atribui diariamente aos condenados, situações extremasde lesão à dignidade da pessoa humana.

As Ilegalidades Identificadas Nos Estabelecimentos Prisionais Do Brasil 27 Diante disso, ao longo dos anos, diversas formas alternativas de sanções foramelaboradas e desenvolvidas, para, em tese, diminuir a incidência e aplicação dessa pena. Contudo, o quadro de lesão a direitos e garantias individuais dos condenados nãotem diminuído, assim como a utilização da pena privativa de liberdade também não. Dessa forma, o presente artigo trará uma análise sobre a atual situação carceráriabrasileira, os direitos e garantias diariamente lesados, as alternativas à prisão e, por fim, bus-cará propor, por intermédio do princípio da flexibilização, diante da caótica situação carce-rária brasileira, uma forma de minorar o estado de ilegalidade vivenciado pelos presidiários.1. A PRISÃO COMO PRINCIPAL FORMA DE PUNIÇÃO A prisão como é conhecida atualmente, como forma de aplicação de pena, é uminstituto recente, datado do final do século XVIII e início do século XIX. Até então, haviaprisões como forma de segregação para controle e dominação dos corpos, para torná-losúteis e produtivos, conforme exposto brilhantemente por Michel Foucault.1 A punição, até o final do século XVIII, era composta basicamente de penas cruéis evoltadas diretamente para os corpos dos condenados.2 Tratava-se dos famosos suplícios,punições físicas exemplares e absolutamente cruéis.3 O “espetáculo” dos suplícios perdurou por longos períodos até desencadear protestosda sociedade, que já não mais suportava a crueldade daquela sanção. Os suplícios que à épo-ca tinham a intenção de intimidar os cidadãos a praticar delitos e demonizar os criminosos, aofinal começaram a desencadear um efeito contrário. A pena era tão cruel e tão desumana queos condenados se tornavam mártires, heróis, e a função da pena já não era mais alcançada.1 A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir indivíduos, fixá-los e distribuí-los especialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2013. p. 217).2 Seria impossível fornecer um inventário, ainda que sumário, das atrocidades no passado concebidas e praticadas sob o nome de “penas”. Pode-se dizer que não tem havido aflição, desde os sofrimentos mais refinados até as violências mais brutais, que não se tenha experimentado como pena no curso da história. Sem voltar à crueldade dos antigos ordenamentos, do Egito à Assíria, da Índia à China, bastará recordar a longa relação das penas capitais - gladius, securis, crux, furca, calleum (cum cane et gallo et vipera et símia), saxum tarpeium, crematio, bestiis obiectio, fames, decollatio, fustuarium - previstas e praticadas em Roma; o incremento incontrolado do número das execuções capitais e de suas técnicas de execução - o afogamento, a asfixia na lama, a lapidação, a roda, o desmembramento, a incineração de pessoa viva, a caldeira, a grelha, o empalhamento, o enclausuramento, a morte por fome, ferro quente e outras - nos ordenamentos da Alta Idade Média, as fogueiras erguidas para os hereges e as bruxas pela intolerância e pela superstição religiosa; as torturas, a forca e os suplícios que martirizaram a Europa, principalmente na Idade Moderna até o fim do século XVIII. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 311).3 A Idade Média foi um período dominado por penas cruéis e desproporcionais, seja na imposição, seja na execução. A morte na roda, na guilhotina, no fogo, eram práticas rotineiras. (BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 94).

28 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Diante dessa situação, “a punição vai se tornando, pois, a parte mais velada doprocesso penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quasediária e entra no da consciência abstrata” (FOUCAULT, 2013, p. 14). Aos poucos, a pena de prisão foi se tornando protagonista, até se transformar naprincipal forma de punição dos desviantes: Desde os primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda consciência de sua novidade; e, entretanto ela surgiu tão ligada, e em profundi- dade, com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou ao esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam imaginado (FOUCAULT, 2013, p. 218). A princípio, a pena privativa de liberdade tinha caráter apenas corretivo, umaretributividade pela lesão causada pela prática do crime,4 posteriormente, foram sendoelaboradas outras funções que caberiam a ela cumprir. A prisão, até então, era eminentemente disciplinar. As disciplinas “eram todosaqueles procedimentos pelos quais se assegurava a distribuição espacial dos corposindividuais (sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e em vigilância) ea organização, em torno desses corpos individuais, de todo um campo de visibilidade”(FOUCAULT, 2010, p. 203). Foi apenas no século XIX que a pena privativa de liberdade se converteu efetiva-mente na principal forma de punição, assumindo funções penitenciais e correcionalistas: Mas somente no século passado a pena carcerária chegou a se converter na principal das penas, estendendo-se progressivamente a todas as demais [...]. Tanto na sua forma privativa de liberdade como na patrimonial, a pena moderna configura-se como técnica de privação de bens diante do pressuposto, especificamente moderno, da valoração qualitativa e quantitativa dos bens também na perspectiva penal: da liberda- de, tomada em abstrato como “tempo de liberdade” e subtraída pelas penas privativas de liberdade; da propriedade, tomada em abstrato como “dinheiro” e subtraída pelas penas pecuniárias; da capacidade de trabalhar ou do direito de cidadania subtraída pelas penas privativas de direitos. Estes três bens e as privações penais correspondentes são quantificáveis e mensuráveis (FERRAJOLI, 2002, p. 314-315). Certo é que a prisão sempre carregou consigo diversos problemas, porquantopor si só já representa uma lesão ao segundo bem jurídico mais importante: a liberdade. Contudo, com o passar dos anos, o nível e a frequência de lesões a outras garantiasindividuais aumentaram, ultrapassando o direito supracitado. Principalmente no Brasil, a pena privativa de liberdade se tornou mais cruel do quese imaginava, porém, como não se conhece nada que possa substituí-la, no que tange àpunição de delitos graves, ela deve ser mantida no ordenamento.4 FOUCAULT, op. cit., p. 219.

As Ilegalidades Identificadas Nos Estabelecimentos Prisionais Do Brasil 29 Como bem afirma Foucault, “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, esabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seulugar. Ela é a detestável solução de que não se pode abrir mão”.5 Porém, apesar de não conhecer nada que possa substituí-la definitivamente, não sepode ficar inerte assistindo diariamente os direitos e as garantias dos presos serem lesados. É preciso buscar soluções ou ao menos formas que ajudem a minorar a atual si-tuação de ilegalidade em que vive a grande maioria dos presidiários brasileiros. É nessesentido que o texto será desenvolvido nos próximos itens.2. A FLEXIBILIZAÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE Evidenciado o fracasso da pena privativa de liberdade, ao menos sob a ótica daressocialização ou reeducação do condenado, as penas alternativas se tornaram umaopção no trato dos crimes menos ofensivos. Apesar de serem institutos recentes constantes nos códigos penais, principalmenteno Brasil, em outros países as penas alternativas já começavam aparecer como opçãopara substituir o cárcere desde o início do século XX. A título exemplificativo, em 1929 a Rússia já adotava a pena de serviços à comu-nidade, igualmente a Inglaterra em 1948, a Alemanha em 1953 e a Bélgica em 1963.6 Políticas de desprisionalização já estavam em curso na Austrália, em 1972, em Luxemburgo, em 1976, no Canadá, em 1977, na Dinamarca e em Portugal, em 1982, e na França, em 1983, portanto bem antes de o Brasil infletir nessa direção. (BOSCHI, 2006, p. 368). Para não se prolongar muito no contexto histórico, pode-se indicar como marco dainstituição de alternativas à prisão o 8º Congresso da Organização das Nações Unidasocorrido em 1990, no qual se elaborou um acordo internacional acerca da implementaçãode penas substitutivas à prisão, deixando, a partir desse acordo, a cargo dos Estados--Membros introduzi-las em seus países.7 Já em 1955, a Organização das Nações Unidas, preocupada com os sérios problemas verificados na execução das penas privativas de liberdade, aprovou regras mínimas para o tratamento dos presos e, na década de 1970, passou a recomendar a adoção de formas de penas não privativas de liberdade a serem cumpridas na comu- nidade. Em 14.12.1990, a ONU aprovou a Resolução 45/110, que estabeleceu regras mínimas das Nações Unidas para elaboração de medidas não privativas de liberdade, a partir de então conhecidas como “Regras de Tóquio” (BISCAIA; SOUZA, 2004, p. 9). No Brasil, as penas alternativas, mais especificamente as restritivas de direitos,surgiram quando da reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984. À época, as penasalternativas pouco foram aplicadas.5 FOUCAULT, op. cit., p. 218.6 BOSCHI, op. cit.. p. 367-368.7 CARVALHO, Salo. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth Maria Chittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídicos penais contemporâneos II. Porto Alegre: Edipucrs, 2010. p. 152.

30 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Segundo dados do Ministério da Justiça, em 1987, três anos após a vigência da lei7.210/84, apenas 197 condenados cumpriam penas alternativas no Brasil. As espécies de pena substitutivas previstas àquela época eram apenas a prestaçãode serviços à comunidade, a limitação do fim de semana e a interdição de direitos. Somente em 1998, a partir da entrada em vigor da Lei 9.714/98, que o rol de penasalternativas se ampliou e, consequentemente, sua aplicação nos casos práticos. Conforme preceitua Salo de Carvalho, “o grande giro na concepção de comojulgar e como punir na tradição nacional ocorreu na década de 90, com a elaboração dedois instrumentos legislativos distintos: a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) e Lei9.714/98 (Lei das Penas Alternativas)” (CARVALHO, 2010, p. 152). Após essas mudanças legislativas, as penas alternativas passaram a ser mais utili-zadas. Assim, de 1987 a 2008, registrou-se um aumento significativo no número de pessoascondenadas à prestação de penas alternativas à prisão. De 197 em 1987, aumentou-separa 97.674 cumprimentos.8 Por outro lado, apesar da aplicação das penas alternativas ter aumentando, a penaprivativa de liberdade também cresceu. Segundo dados do INFOPEN de 2014, de 1990a 2014 houve um aumento de 575% de números de presos que ingressaram no sistemacarcerário do Brasil.9 Por esses dados percebemos que a instituição das penas alternativas no direitopenal brasileiro não mudou sua face punitivista, mas tão somente a incrementou. Assim, vê-se claramente que as penas alternativas não se prestaram, pelo menosno Brasil, como instrumento para diminuir a incidência da pena de prisão. A previsão das penas restritivas de direito no Código Penal brasileiro, apesar debem intencionada, reforça a punição, porquanto deixa de fomentar um processo de des-criminalização de condutas pouco ofensivas a bem jurídicos, priorizando a sua punição,mesmo que de forma mais leve. Conforme preceitua Salo de Carvalho: A hipótese central comungada pelas vertentes da criminologia crítica é a de que a política dos substitutivos penais não rompe com a estrutura punitivista e, ao contrário do divulgado pelo discurso oficial reformador, atua como elemento de reprodução e de relegitimação da lógica do encarceramento (CARVALHO, 2010, p. 153). As penas alternativas não podem servir como um aditivo da punição, elas devemcompor um sistema para forçar a diminuição da incidência de pena privativa de liberdade. Nesse sentido preceitua Rodrigo Duque: Concebidas como meio de contenção da expansão penitenciária, as penas restritivas de direitos na prática não logram reduzir a explosão encarceradora em nosso país. Pelo contrário: tiveram seu propósito desvirtuado para a ampliação da malha penal, trazendo para a esfera criminal fatos e condutas até então intangíveis. Como8 Departamento penitenciário Nacional - Ministério da Justiça.9 Ministério da Justiça. INFOPEN, 2014, p. 15.

As Ilegalidades Identificadas Nos Estabelecimentos Prisionais Do Brasil 31 fruto desta ampliação da malha penal, sabe-se hoje que a aplicação de penas e medidas alternativas já superou o número de pessoas presas (ROIG, 2014, p. 354). Assim, é de suma importância que as penas alternativas, de fato, funcionem comoalternativas, ou seja, que sejam utilizadas para substituir a prisão, e não como uma formaa mais de se punir.3. A CAÓTICA SITUAÇÃO CARCERÁRIA DO BRASIL Como se viu, mesmo após a inserção das penas alternativas na legislação penalbrasileira, o encarceramento no país não diminuiu. Até 2016, contabilizou-se 726.712 pessoas presas, distribuídas em 1.424 unidadesprisionais pelo país. São mais de 700 mil presidiários, sendo que no sistema prisionalbrasileiro só existem 368.049 vagas “disponíveis”.10 Um dado interessante é que entre 2000 a 2016 a taxa de aprisionamento aumentou157% no Brasil!11 Isso demonstra a tradição punitivista do Estado, e sua ineficácia na solução dosconflitos sociais. Mostra também a ineficácia na aplicação de penas alternativas e a am-pliação do poder punitivo Estatal. O pior de tudo é ver o Estado tentando colocar panos quentes no problema, criandomais penitenciárias e vagas, e deixando todo o resto de lado. Busca-se a solução maiscômoda, porém totalmente equivocada. Aumentar o número de vagas em presídios ou construir mais presídios não é solu-ção. Essa atitude tão somente amplia o punitivismo e as mazelas do sistema carcerário. Em Minas Gerais, das 189 Unidades prisionais averiguadas, 159 possuem déficit devagas, são mais de 59.560 pessoas privadas de liberdade em situação de superlotação.12 Por esse panorama, verificamos uma imensa lesão ao princípio da humanidade daspenas. Segundo dados do Infopen, 89% da população carcerária do Brasil encontra-seem situação de superlotação carcerária. Assim, “52% da população prisional encontra-se em estabelecimentos penais quecustodiam mais de duas pessoas por vaga e apenas 7% da população (51.235 pessoas)encontra-se em unidades sem superlotação”.13 Não obstante tamanha irregularidade, há que se dizer ainda que 40% das pessoasque se encontravam presas no Brasil em 2016 eram presos provisórios, ou seja, pessoasque tiveram sua liberdade restringida sem sequer terem sido condenadas. Importa ressaltar que estes são números de 2016! Não seria pretensioso dizer queeles, atualmente, já estejam maiores, principalmente se considerarmos que a populaçãocarcerária brasileira cresce 7,3% anualmente.1410 Ministério da Justiça. INFOPEN, 2016, p. 08.11 Ministério da Justiça. INFOPEN, 2016, p. 12.12 Idem, p. 25.13 Idem, p. 27.14 Idem, p. 20.

32 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Não bastasse a superlotação, há ainda diversos outros problemas internos queagravam a situação do preso no Brasil, como por exemplo, a escassez de recursos paraalimentação, saúde, higiene, etc. Como forma de elucidação, aponta-se que apenas 12% da população prisionalestá envolvida com algum tipo de atividade educacional, 15% envolvida com algum tipode atividade laboral e 85% das pessoas custodiadas contam com estrutura prevista nomódulo de saúde. A situação carcerária brasileira é caótica! Não há como falar em efetividade dedireitos individuais dentro dos presídios brasileiros. O que se percebe é que não existesequer movimentação política nesse sentido. Se dependêssemos da população em geral e dos políticos que os representam, ospresídios se tornariam masmorras, funcionando tão somente como um ritual de passagempara a morte daqueles que outrora foram condenados, assim como eram nos primórdiosde sua criação. A conclusão que se tira dessa análise estatística é que o Brasil pune muito e puneerrado. Prende-se por qualquer razão, e depois que se prende não se sabe o que fazer comos presos. Vê-se também que as penas alternativas, ao longo dos anos, não se prestarama reduzir o grande encarceramento. As penas alternativas acabaram por se transformarem mais um instrumento punitivo, e nada mais. A verdade é que a maior parte da população carcerária do país encontra-se emsituação de ilegalidade, e não há solução para acabar com esse grave problema.4. A FLEXIBILIZAÇÃO DA SANÇÃO PENAL EM FACE DA EVIDENTE SITUAÇÃO DEILEGALIDADE DAS PRISÕES Diante do que foi exposto no tópico anterior, viu-se que a população carceráriabrasileira, em sua maioria, convive em situação de ilegalidade extrema, tendo em vista avasta e recorrente lesão a direitos e garantias individuais da pessoa presa. Para começar, não há vagas no sistema prisional do país. Consequentemente,faltam condições de higiene, saúde, módulos de trabalho e educação. Só a superlotaçãocarcerária por si já constitui uma grave violação ao tratamento digno do preso. Nesse contexto, o juiz deveria agir como protetor da dignidade humana, buscandoaplicar uma pena que não configure “a violência de um ou de muitos contra o cidadãoparticular” (BECCARIA, 1999, p. 139), mas sim a “mínima dentre as possíveis, nas dascircunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei” (BECCARIA, 1999, p. 139). Conforme preceitua Juarez Tavares, no atual panorama brasileiro, há que se falarna existência de duas formas de penas. A pena ficta e a pena real. A pena ficta é aquela cominada em concreto pelo Poder Judiciário. A pena ficta, conforme se pode inferir, possui um valor numérico, o qual reflete, primariamente, um valor abstrato decorrente da avaliação discricionária do Poder Legislativo e, secundariamente, uma medida da intensidade lesiva - na melhor das hipóteses - da conduta realizada (TAVARES, 2015, p. 41).

As Ilegalidades Identificadas Nos Estabelecimentos Prisionais Do Brasil 33 Já a pena real é aquela em que se considera na sua execução todas as situaçõesde ilegalidade vividas pelo condenado, do qual a aflitividade esperada pela a aplicação dapena privativa de liberdade supera àquela prevista pela pena ficta cominada. Tal conceito deve assimilar realisticamente as condições locais de cumprimento da privação de liberdade, tais quais a superlotação, as deficiências infraestruturais, a escassez de recursos, a falta de pessoal especializado, etc. (TAVARES, 2015, p. 42). Como o sistema carcerário brasileiro não respeita os direitos e garantias individuaisda pessoa humana, dever-se-ia considerar para efeito de imposição e cumprimento depena, a pena real, ou seja, aquela que aprecia todas as condições de ilegalidade queacometem o condenado no cumprimento da pena privativa de liberdade. As propostas concretas de superação do grave problema da superlotação carcerária - agravado pela sistemática violação da dignidade da pessoa humana e de direitos correlatos - passam necessariamente, ao menos na quadra atual, pela adoção de um princípio geral de flexibilidade da pena (TAVARES, 2015, p. 45). Adotando-se a pena real como um fato a ser verificado, poderia o Magistrado, nafase de dosimetria da pena, sopesar, com base na culpabilidade, na proporcionalidade ena aflitividade excessiva da pena privativa de liberdade cumprida nos presídios brasileiros,o quantum a ser aplicado ao condenado, de forma a diminuir o tempo de recolhimento aocárcere ou até mesmo suspender a sua aplicação, conforme exposto por Tavares em suaanálise da ADPF-347. Já no âmbito da execução penal, os benefícios existentes como a progressão deregime e o livramento condicional, por exemplo, poderiam ter seus requisitos relativizadosa favor do condenado, como uma tentativa de minorar também a ilegalidade no cumpri-mento da pena: Nessa esteira, não seria incorreto considerar uma relativização - em virtude das condições precárias de sobrevivência no sistema carcerário - dos requisitos objetivos para a progressão de regime, livramento condicional, indulto ou comutação de penas ou saídas temporárias (TAVARES, 2015, p. 46). Isso porque não deve o preso suportar as mazelas da execução penal, os excessose as ilegalidades como um indevido plus punitivista, esquecendo-se, pois da proporciona-lidade que deveria ter sido observada também na condenação penal. Trata-se, pois, de uma forma de incorporação de dados da realidade para realizarum processo de desconstrução interna do sistema carcerário defasado: Si la legalización es importante para contener, en un primer mo- mento, las ansias punitivas del poder, deberá también someterse a un procedimiento de verificación de su legitimidad, que no puede confundirse con la legalidad y tampoco con la racionalidad. Ese procedimiento de verificación puede darse por medio de una

34 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque confrontación empírica con el mundo vital o por un proceso de desconstrucción interna (TAVARES, 2014, p. 34). Assim, diante da evidente lesão aos direitos do preso, necessário se faz redimen-sionar o valor ficto da pena cominada, com base na proporcionalidade e a culpabilidadeatribuída ao condenado, levando-se em conta a sua aflitividade intrínseca: Para todos os efeitos, seja redimensionando a pena-base nos conceitos de punição real e punição ficta, seja considerando a prevenção especial para fins de redução da pena-base, é imperio- so considerar a vivência concreta no cárcere como dado empírico deslegitimante. Em relação aos presos definitivos, não há outra solução, senão atribuir ao juiz da execução penal a competência para manter o estado de legalidade e constitucionalidade da pena aplicada (TAVARES, 2015, p. 44). A relativização teria como objetivo explícito o “redimensionamento do valor nominalda pena, ou seja, uma redução proporcional desse valor, de forma a equiparar a afliçãoficta à aflição real” (TAVARES, 2015, p. 51). Importa dizer que a abolição da pena privativa de liberdade, pelo menos por ora,não pode ser tratada como solução.15 A pena, por pior que seja, ainda cumpre uma funçãoimportante na sociedade. Para Ferrajoli, por exemplo, a pena é imprescindível para evitara aplicação de sanções estranhas ao direito, ou que firam ainda mais garantias individuaisdo cidadão, alcançando, assim, o mínimo mal-estar dos desviados. Nesse sentido: [...] más allá del máximo bienestar posible para los no desviados, hay que alcanzar también el mínimo malestar necesario de los des- viados. Este segundo parámetro señala un segundo fin justificador, cual es: el de la prevención, más que de los delitos, de otro tipo de mal, antitético al delito que habitualmente es olvidado tanto por las doctrinas justificacionistas como por las abolicionistas. Se alude aquí a la mayor reacción (informal, salvaje, espontánea, arbitraria, punitiva pero no penal) que en ausencia de penas manifestaría la parte ofendida o ciertas fuerzas sociales e institucionales con ella solidarias (FERRAJOLI, 1995, p. 37). Além disso, conceder a liberdade a mais de 700 mil pessoas que hoje se encontramencarceradas no Brasil, por mais louvável e correto que seja, - pois cessaria de imediatoas ilegalidades da prisão - não seria uma atitude prudente. Pelo contrário, tal condutacontribuiria para um verdadeiro caos na sociedade.15 Para que aquí tampoco haya malentendidos, debo señalar que no abogo por la abolición de la pena priva- tiva de libertad. Ella es inevitable para los delitos capitales y siempre para los autores que reinciden una y otra vez. Pero no debe trabajar para lograr su incremento sino para conseguir una reducción de las penas privativas de libertad. Con ello se disminuirán sus efectos nocivos y será un medio restrictivo de libertad que pueda combinarse con intensivas terapias sociales para los infractores que deben cumplir largas condenas. (ROXIN, Claus. Problemas actuales de la política criminal. In: Puntos de discusión de vanguardia en las ciencias penales. Organizado por la PGR y el INACIPE, 2000, 87-105. p. 94).

As Ilegalidades Identificadas Nos Estabelecimentos Prisionais Do Brasil 35 Nesse viés, seria interessante considerar como medida paliativa de cessaçãode ilegalidades, a adoção de uma atenção maior aos institutos da execução penal, bemcomo a ampliação de benefícios, como por exemplo, a progressão de regime, livramentocondicional, indulto, saídas temporárias e expansão das formas de remição. Dessa forma, a adequada expansão desses institutos daria início a um processode desencarceramento mais contido e responsável, baseado no mérito e disciplina dorecuperando, o que contribuiria para reduzir a incidência da pena privativa de liberdade,privilegiando formas menos onerosas de sanção. Assim, tais medidas seriam adequadasà concepção de um Direito Penal de ultima ratio.CONCLUSÃO A pena privativa de liberdade, apesar de suas inegáveis deficiências, é a principalforma de punição utilizada no Brasil e no mundo. Embora bastante popular, a pena deprisão merece suas críticas, porquanto atribui, principalmente em nosso país, um tratamentoaltamente desumano aos encarcerados. Os dados são alarmantes! São mais de 700.000 (setecentas mil) pessoas presaspara apenas 368.049 vagas “disponíveis” no sistema penitenciário nacional. A ilegalidade da prisão é patente. Não bastasse a superlotação, faltam nos presídioscondições mínimas de higiene, alimentação, lazer, infraestrutura, educação, saúde, etc. Diante disso, percebe-se que no Brasil a pena real diverge, e muito, da pena ficta.A pena aplicada em sentença penal condenatória não corresponde de fato à pena que écumprida nas penitenciárias brasileiras. Os benefícios da execução penal não são aplicadosde forma eficaz e não há estabelecimentos adequados para atender ao sistema progressivode cumprimento de pena. Há constantes ofensas ao princípio da individualização da penae ao princípio da dignidade da pessoa humana. O nível de aflição da sanção real é muito maior do que aquele esperado pelaimposição da pena em juízo. Assim, tem-se na atualidade uma violação da proporcionalidade da pena imposta,uma vez que para a sua cominação não se analisa a aflitividade intrínseca existente nasprisões. Para tanto, resta ao judiciário brasileiro, no momento da aplicação da sanção penal,sopesar, já levando em consideração as ilegalidades e abusos ocorridos no interior dasprisões, o quantum aplicável de pena privativa de liberdade, respeitando a proporciona-lidade, a culpabilidade, a individualização das penas, a dignidade das pessoas humanase a vedação das penas cruéis. Quanto aos que já se encontram presos e se submetem ao tratamento degradantedas prisões, necessária se faz a verificação de uma plena aplicação dos benefícios daexecução penal, como por exemplo, progressão de regime, livramento condicional, indultoe remição, com o intuito de se ver sanadas, mesmo que de forma paliativa, as ilegalidadesdecorrentes do encarceramento.

36 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - DestaqueREFERÊNCIASALEIXO, Klelia Canabrava; PEREIRA, Henrique Viana. Para além das ambivalências: por umapolítica criminal desencarceradora. Duc in Altum Cadernos de Direito, v. 7, n. 13, p. 253-273,set./dez. 2015. Disponível em <http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/cihjur/article/download/21/21>. Acesso em: 24 maio 2018.BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.______. ______. 7. ed. 3. reimp. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2012.BISCAIA, Larissa Suzane; SOUZA, Maria Antônia. Penas alternativas: implicações jurídicas esociológicas. In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS: A QUES-TÃO SOCIAL NO NOVO MILÊNIO, 8., 2004, Coimbra: Centro de Estudos Sociais, Faculdade deEconomia, Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/LarissaBiscaia_MariadeSouza.pdf>. Acesso em: 24 maio 2018.BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed. rev. e atual. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2006.CARNELUTTI, Francesco. O problema da pena. Tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte:Líder, 2003.CARVALHO, Salo. Substitutivos penais na era do grande encarceramento. In: GAUER, Ruth MariaChittó (Org.). Criminologia e sistemas jurídicos penais contemporâneos II. Porto Alegre: Edipucrs,2010.FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,2002.______. El derecho penal mínimo. En: Prevención y teoría de la pena, p. 25-48. Santiago de Chile:Editorial Jurídica ConoSur Ltda., 1995.FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975/1976). TraduçãoMaria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis, RJ:Vozes, 2013.MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento de informações penitenciárias INFOPEN - junho de2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen--nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 24 maio 2018.MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento de informações penitenciárias INFOPEN - junho de2016. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/rela-torio_2016_junho.pdf>. Acesso em: 24 maio 2018.ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014.ROXIN, Claus. Problemas actuales de la política criminal. In: Puntos de discusión de vanguardiaen las ciencias penales. Organizado por la PGR y el INACIPE, 2000, 87-105.TAVARES, Juarez. Los objetos simbólicos de la prohibición: lo que se devela a partir de la presunciónde evidencia. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014.______. Parecer sobre a ADPF-347. [2015].ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistemapenal. 5. ed. 3 reimp. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

PENA PRISIONAL E PENA DE MULTA* PRISON SENTENCE AND FINE PENALTY HUGO DE BRITO MACHADO Doutor em Direito pela UFPE. Desembargador Federal aposentado do TRF da 5ª Região. Professor Titular de Direito Tributário da UFC. Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários. E-mail: [email protected]. SUMÁRIO: Introdução - 1. Os problemas a serem superados - 2. Os males do excesso de população carcerária - 3. Críticas à pena de prisão - 4. Nossa proposta - Referências. RESUMO: Este artigo trata da prisão e da pena de multa, analisando os problemasdo elevado gasto público e do excesso de população carcerária, bem como tece algumascríticas à pena de prisão. PALAVRAS-CHAVE: prisão; multa; população carcerária. ABSTRACT: This paper is about the prison and the fine penalty, analyzing theproblems of high public spending and the excess of prison population, as well as makingsome criticism of the prison sentence. KEYWORDS: prison; fine; prison population.INTRODUÇÃO Temos afirmado que a nossa lei penal é muito benevolente e inadequada à realidade.Benevolente ao estabelecer penas muito brandas, e especialmente ao instituir o regimede prisão aberta, que é uma verdadeira aberração, porque prisão aberta na verdade não éprisão. Extremamente inadequada quando estabelece pena prisional para os condenadospelo cometimento de crimes financeiros, vale dizer, crimes nos quais não há nenhum perigopara a integridade física das pessoas. Como exemplo de crimes para os quais, em vez de pena prisional, deve ser co-minada somente pena de multa, podemos citar os de violação de direito autoral, moedafalsa, falsificação de papéis públicos, peculato, além de muitos outros, cujo cometimentonão envolve nenhum perigo para a integridade física das pessoas. A pena de multa,razoavelmente elevada, alcança perfeitamente a finalidade essencial das sanções penaisao desestimular o cometimento dos crimes, além de reduzir significativamente a populaçãocarcerária, com a consequente redução do gasto público.* Data de recebimento do artigo: 23.08.2018. Datas de pareceres de aprovação: 31.08.2018 e 21.09.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 01.10.2018.

38 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque É incontestável a adequação da pena de multa para os crimes que não envolvamrisco para a integridade física das pessoas. As penas de multa, as mais elevadas pos-síveis, além de desestimularem o cometimento desses crimes, propiciariam significativaarrecadação e nenhuma despesa para os cofres públicos. Existem, é certo, crimes que não envolvem perigo para a integridade física daspessoas, mas estimulam o cometimento de outros crimes que, este sim, envolvem sériosperigos para a integridade física das pessoas, como é o caso do estelionato. O crime dereceptação também não envolve perigo para a integridade física das pessoas, mas indireta-mente envolve, sim, pois estimula o cometimento de assaltos e roubos, com enorme perigopara a integridade física e até para a vida das pessoas. Para esses crimes certamente éadequada a pena prisional. Seja como for, ninguém pode negar que a pena de multa, sendo bastante elevada,seria um desestímulo ao cometimento dos denominados crimes financeiros, como é ocaso, por exemplo, de supressão ou redução de tributos, a remessa ilegal de recursosfinanceiros para o exterior. Além disto, a opção pela pena de multa em tais casos, além depropiciar arrecadação de recursos financeiros para o Tesouro Nacional, evitaria o aumentoda população prisional que onera os cofres públicos. Assim, é indiscutivelmente maisadequada para punir os crimes que envolvem patrimônio e de nenhum modo implicamperigo para a integridade física das pessoas.1. OS PROBLEMAS A SEREM SUPERADOS Entre os problemas mais sérios a serem enfrentados atualmente em nosso país,podem ser colocados o elevado gasto público e o excesso de população carcerária. Naverdade, parece que as mais importantes autoridades de nosso país não se preocupam como excesso de gastos públicos, como foi demonstrado com a deliberação de importantes ór-gãos do Poder Público nacional a respeito da elevação dos vencimentos de seus membros. Cada autoridade, ao que nos parece, preocupa-se apenas com os seus interessesindividuais e não com o interesse público. E os cofres públicos sofrem com isso, pois acada dia cresce o gasto público. A única coisa que te sido feita para suprir o déficit público em nosso país é o aumentode tributos, mas nossa carga tributária atualmente já é exageradamente elevada, de sorteque novos aumentos se mostram impraticáveis. Aliás, é importante ressaltarmos que o aumento de tributos, embora seja feito como intuito de aumentar a arrecadação, na verdade termina por produzir o efeito contrário,na medida em que implica redução da atividade econômica, fazendo com que muitosempresários deixem de vir instalar empresas no Brasil, e muitos empresários brasileirosprefiram instalar empresas no exterior. Por outro lado, todos sabem da superpopulação carcerária, que a cada dia aumen-ta, pois a criminalidade tem crescido assustadoramente, com insuportável insegurançapública, que apenas favorece os empresários que prestam serviços de segurança privada,entre os quais estão importantes políticos que obviamente não têm interesse em reduziro mercado de suas empresas.

Pena Prisional E Pena De Multa 392. OS MALES DO EXCESSO DE POPULAÇÃO CARCERÁRIA Entre os males decorrentes do excesso de população carcerária podemos citar oelevado gasto público e o aumento da criminalidade. Elevado gasto público porque emnosso país, infelizmente, os presídios ainda são mantidos e administrados pelo PoderPúblico. Muitos pelos Estados e alguns pela União Federal. E o aumento da criminalidade,pois as prisões são verdadeiras escolas do crime. Realmente, sabemos que nas prisões em nosso país existem presos que, além seextremamente perigosos, são verdadeiros formadores de novos criminosos. E quando chegaao presídio o autor de um crime comum, é logo assediado pelos líderes daquele presídio, queo obrigam a escolher de que lado vai ficar e a qual segmento de criminosos se vai associar. Como atualmente a pena de prisão é aplicada a criminosos que não oferecemperigo para a integridade física da comunidade, muitos presos, que não eram perigosos,transformam-se em criminosos altamente perigosos para a sociedade, e quando postosem liberdade passam a atuar sob o comando de seus chefes, que lhes dão ordens eorientações de dentro dos presídios, pondo a comunidade em risco e aumentando acriminalidade em todo o território nacional.3. CRÍTICAS À PENA DE PRISÃO A substituição da pena de prisão por outras espécies de sanção justifica-se plena-mente. A pena de prisão tem sido severamente criticada por juristas que conhecem muitobem o assunto. A esse respeito merece transcrição a doutrina de César Barros Leal, queescreve: Ao longo de sua história, a pena de prisão tem sido objeto de se- veras críticas, especialmente dirigidas à falência de sua meta de intimidação, assim como de ressocialização do condenado. Em todo o mundo, a aplicação da lei custodial, mesmo nos países onde se constata uma política favorável à expansão do parque prisional, não conseguiu conter a onda de crimes, cada vez mais avassaladora. Longe de ser uma agência terapêutica, constitui o cárcere um núcleo de aperfeiçoamento de criminosos, a ressocialização tornando-se absolutamente ilusória num universo hermético, no qual fatores de toda ordem lhe anulam as esperanças, tanto mais porque, como registra Augusto Thompson, citando Rupert Cross e Thomas M. Osborne, “treinar homens para a vida livre, submetendo-os a condi- ções de cativeiro, afigura-se tão absurdo como alguém se preparar para uma corrida ficando na cama por semanas”.1 O convencimento de que a prisão, sobre não intimidar, é a estufa onde “o micróbio do mal se desenvolve, se multiplica e rebaixa”, na descrição de Teolindo Castiglione, citado por Licínio Barbosa2 ou “uma jaula reprodutora de delinquentes”, na linguagem de Evandro1 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 44.2 BARBOSA, Licínio. Direito penal e direito de execução penal. Brasília: Zamenhof, 1993. p. 236.

40 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Lins e Silva,3 há sido, aliás, um estímulo à defesa de outras sanções penais, destinadas àquelas categorias de sentenciados, para os quais o encarceramento, mormente de curta duração, deve evitar- -se a todo custo.4 Na verdade, a prática tem demonstrado que a pena de prisão não intimida, nãocontém a onda de crimes que tem provocado a superpopulação dos presídios e o seucumprimento não ressocializa. Muito ao contrário, torna o criminoso comum, que comete umcrime menos grave, um especialista em crimes da maior gravidade que se possa imaginar. Tanto é assim que Marcelo Leal, oficial superior da Polícia Militar do Maranhão,questionado sobre se o atual sistema prisional está contribuindo para a recuperação dosdetentos, respondeu: Salvo melhor juízo, NÃO! É possível que, atualmente, muitos presidiários ingressem nos pre- sídios como ladrões de bicicletas e saiam como ladrões de aviões. Por outro lado, a manutenção de presídios tem um elevado custo, que pode serevitado com a substituição da pena prisional por outras espécies de pena.4. NOSSA PROPOSTA Em face das considerações acima expostas, propomos a alteração de dispositivoslegais que prescrevem a pena prisional para autores de crimes que não implicam perigofísico para a comunidade, com a substituição da pena prisional por penas diversas, quepodem ser a multa ou trabalhos forçados. Entre os dispositivos do Código Penal que devem ser alterados, com a substituiçãoda pena prisional por pena de multa ou de trabalhos forçados, podemos citar os artigos 60,75, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 168, 168-A, 171, 172, 175, 176, 178, 179, 180, 184, 185,205, 206, 207, 226, 227, entre outros, que definem crimes cujo cometimento não envolveperigo para a integridade física das pessoas. Outras leis ordinárias também devem ser alteradas, entre as quais podemos citara Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, a Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991 e aLei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. A alteração de dispositivos legais que sugerimos implica, indiscutivelmente, duasvantagens, a saber, reduz o gasto público e a população carcerária. E não implica, ao quenos consta, nenhuma desvantagem.REFERÊNCIASBARBOSA, Licínio. Direito penal e direito de execução penal. Brasília: Zamenhof, 1993.LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.SILVA, Evandro Lins e. O saldo dos passos perdidos: depoimento no CPDOC. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1997.THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Petrópolis: Vozes, 1976.3 SILVA, Evandro Lins e. O saldo dos passos perdidos: depoimento no CPDOC. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 271.4 LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 113-114.

REVISÃO CRIMINAL: NOVAS E IMPORTANTES QUESTÕES* ACTION TO VACATE AN UNAPPEALABLE CRIMINAL CONVICTION: NEW AND PERTINENT QUESTIONS MARCELLUS POLASTRI LIMA Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador visitante em Processo Penal Comparado no Instituto de Ciências Criminais do Departamento de Direito Penal Estrangeiro e Internacional na Georg-August Universität de Göttingen, Alemanha. Professor-Doutor da UFES - Graduação e Mestrado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]. MARIANA SOARES DE REZENDE Mestranda em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. Advogada. SUMÁRIO: Introdução - 1. Revisão criminal - 2. O modelo de precedentes e o processo penal - 3. Execução provisória da pena e a revisão criminal - Conclusão - Referências. RESUMO: O presente artigo analisa a impugnação processual penal denominadade revisão criminal. O estudo aborda novos temas que podem gerar indagações, comoa possibilidade da revisão criminal com o surgimento de um novo precedente, já queessa fonte do direito foi adotada pelo CPC/2015, e uma situação que gera perplexidade,criada pelo recente precedente do STF, que passou a admitir a execução provisória dapena quando interposto recurso excepcional, o que faz com que o acusado já possa estarcumprindo a pena e, mesmo assim, ficar impedido de propor a revisão criminal quandoestiver em posse de prova nova. PALAVRAS-CHAVE: revisão criminal; precedentes; Supremo Tribunal Federal; exe-cução provisória.* Data de recebimento do artigo: 20.09.2018. Datas de pareceres de aprovação: 26.09.2018 e 02.10.2018. Data de aprovação pelo Conselho Editorial: 11.10.2018.

42 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque ABSTRACT: This article analyzes the criminal procedural objection called “action tovacate an unappealable criminal conviction”. This study also addresses new issues that canraise inquiries, such as the possibility of filing an action to vacate an unappealable criminalconviction with the emergence of a new precedent, since this source of law has been adoptedby the Code of Civil Procedure/2015 and a situation that creates perplexity, created by therecent precedent of the Federal Supreme Court that allowed to admit provisory execution ofthe sentence when an exceptional appeal has been filed, which means that the defendantmay already be serving his sentence and, even so, be prevented from proposing an actionto vacate an unappealable criminal conviction when having new evidence. KEYWORDS: action to vacate an unappealable criminal conviction; precedents;Federal Supreme Court; provisory execution.INTRODUÇÃO O advento do atual Código de Processo Civil - CPC/15 - introduziu, no ordenamentobrasileiro, novas regras ao processo. Adotou-se um modelo de precedentes. Tal modelofoi recepcionado pelos demais ramos de direito processual, dentre os quais o processopenal, em consonância com o art. 3º do Código de Processo Penal - CPP. Desta forma, o presente artigo aborda como se daria a adoção do modelo de pre-cedentes ao processo penal e, principalmente, se uma decisão contrária a um precedentepoderia ser revista criminalmente, após se dar o trânsito em julgado. Por outro lado, demonstrando que na área processual penal já está vigorando omodelo de precedentes, por meio do Habeas Corpus nº 126.292/SP e do ARE nº 964246RG/SP foi erigido o precedente pelo Supremo Tribunal Federal de se iniciar a execução doacusado que for condenado em segunda instância, ainda que pendente de interposição, oumesmo se interposto, eventual recurso excepcional para o STJ ou STF, o que a doutrinaantes não admitia, sob o fundamento de que essa forma de proceder resultaria em umaexecução provisória da sentença penal, por princípio inaplicável ao processo penal. Asreferidas decisões, por estarem contidas no modelo de precedentes adotado pelo CPCde 2015, devem ser observadas e aplicadas também aos casos de condenação em se-gunda instância posteriores ao julgamento do STF, mesmo que o processo seja anterior aeste, pois, sendo norma (precedente) de processo penal, vigora o princípio tempus regitactum. A decisão apresenta uma perigosa inovação no ordenamento processual penal: acontingência da privação da liberdade do acusado, antes mesmo do trânsito em julgadoda decisão condenatória, ainda que ausentes os requisitos de uma medida cautelar quesão previstos no art. 312 do CPP. Acontece que, ao proferir uma decisão, o julgador não está livre de prolatar injustaou errônea decisão. Para sanar tais vícios, o legislador dispôs, no art. 621 e seguintes doCPP, a possibilidade de se desconstituir, findo o processo, a sentença penal condenatóriaou absolutória imprópria, a qualquer tempo, por meio da revisão criminal. Neste ponto, o artigo investiga se os presos, condenados em segundo grau dejurisdição, por sentença da qual se interpôs um recurso excepcional e estando submetidos

Revisão Criminal 43à execução penal, poderiam valer-se da revisão criminal para desfazer a sentença penalinjusta ou errônea que o condenou enquanto preso em execução provisória, ou se teriaoutro instrumento eficaz para o retorno da dignidade do condenado, mormente quandosurgir nova prova que possa beneficiá-lo e o processo ainda está para ser julgado emrecurso excepcional, no STF ou STJ, e não obstante é reconhecido como findo para finsde execução da pena, consoante o precedente do STF, sem que houvesse um trânsito emjulgado, condição que, em regra, se exige na utilização da revisão criminal.1. REVISÃO CRIMINAL Os erros humanos não podem se tornar eternos, imutáveis e inquestionáveis. Emum escorço histórico, vê-se que, já no Direito Romano, existia a restitutio in integrum,considerada por Ceroni “o marco inicial patente da atual revisão, pois seu objetivo principalera o de afastar a eternidade casual das lesões e injustiças oriundas das decisões dostribunais romanos” (CERONI, 2005, p. 5). A restitutio se tratava de uma graça, conferidapelo soberano ao seu súdito, em conformidade com o corpus iuris, em duas hipóteses:I) casos de condenação decorrente de falso testemunho e corrupção; e II) casos de con-denação com ulterior descoberta da inocência. No ordenamento francês houve a admissão de instituto análogo à revisão criminalpor meio das ordennances de 1539 e 1667, que regulamentaram as chamadas proposi-tions d’erreur (proposições de erros) (OLIVEIRA, 1967, p. 67), definidas por João Vieirade Araújo (2008) como “o embrião renascente do famoso instituto”. No ordenamentofrancês da época, o requerimento revisional ainda era dirigido ao rei e seu Conselho, apósjulgamento findo, mas inquinado de injusto. Entendendo a viabilidade do pleito, o reexameera remetido ao Tribunal que tinha proferido a decisão condenatória, de forma que nesteperíodo a revisão ainda dependia da autorização do soberano, representante do PoderExecutivo (ARAÚJO, 2018). Quanto ao direito lusitano, por influência do direito romano, o instituto foi carac-terizado, a priori, como uma dádiva do príncipe em benefício do inocente condenado(MÉDICI, 2000, p. 73), sendo previsto, inicialmente na Lei das Sete Partidas e, posterior-mente no Livro das Leis e Posturas, nas Ordenações e na Constituição Portuguesa de1822. Percebe-se, portanto, que, desde os primórdios, a depender da sociedade na qualera regulamentada em determinado tempo, a revisão criminal assumia papel de graça dosoberano ou de remédio jurídico. No Brasil colônia, as Ordenações Filipinas foram o primeiro ordenamento jurídicode fato aplicado, já que nos primeiros anos do descobrimento vigoravam as OrdenaçõesManuelinas em Portugal, mas no Brasil inexistia povoamento que propiciasse aplicaçãoregular de uma legislação. Nas Ordenações Filipinas já se possibilitava a revisão dosprocessos findos. Logo, é possível afirmar que o instituto revisional no Brasil teve suaorigem no período colonial (MOSSIM, 1994, p. 37). Na época, há de se observar que asexpressões “revista” e “revisão” eram utilizadas como sinônimos (LOBÃO, 1827, p. 133). Com o advento da República, instituiu-se a revisão criminal no ordenamento bra-sileiro pelo Decreto nº 847, de 11 de novembro de 1890, que foi mantido pela Lei nº 221,

44 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaquede 20 de novembro de 1894 e, a partir do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, foiprevista, em seu art. 9º, III, a competência originária de um tribunal para proceder à revisãodos processos criminais, nos casos de haver sentença condenatória definitiva com decisãoproferida por qualquer juiz ou tribunal julgador.1 Atualmente, a revisão criminal está regulamentada nos arts. 621 e seguintes doCódigo de Processo Penal - CPP de 1940, assim como na Constituição Federal de 1988,que a prevê nos arts. 103, inciso I, alínea “j”; 105, inciso I, alínea “e”; e art. 108, inciso I,alínea “b”. Além disso, é ação exclusiva da defesa, na forma do art. 626 do CPP, sendomanejada para desconstituir sentença penal transitada em julgado. Assim, na esfera criminal, a sentença penal condenatória transitada em julgadoé desconstituída por meio da revisão criminal, cuja finalidade é o reconhecimento e areparação do erro judiciário, já que, no Processo Penal, a condenação definitiva errônea“significa uma gravíssima injustiça, que indevidamente priva um indivíduo de um de seusdireitos mais relevantes: a liberdade” (BADARÓ, 2016, p. 433).2. O MODELO DE PRECEDENTES E O PROCESSO PENAL O ordenamento brasileiro viu-se em período de grandes mudanças com a entradaem vigor do Código de Processo Civil/2015. O codex, que inaugura uma nova fase meto-dológica processual - do formalismo valorativo - (MADUREIRA, 2017, p. 64), objetiva umprocesso cuja finalidade é a Justiça, entendida como a pretensão de correção conforme ospreceitos constitucionais, sendo o modelo adequado ao Estado Democrático Constitucional(BADARÓ, 2016, p. 433). Atrelada a essa nova perspectiva, encontra-se o modelo de precedentes, quedetermina que os tribunais uniformizem sua jurisprudência, mantendo-a “estável, íntegrae coerente” e impõe a necessidade de que juízes e tribunais obedeçam aos precedentesque advenham: (I) das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentradode constitucionalidade; (II) dos enunciados de súmula vinculante; (III) dos acórdãos emincidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e emjulgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (IV) dos enunciados das sú-mulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal deJustiça em matéria infraconstitucional; e (V) da orientação do plenário ou do órgão especialaos quais estiverem vinculados, em conformidade com os arts. 926 e 927 do CPC/15. Atente-se que precedentes e jurisprudência não são institutos sinônimos, eis que asegunda constitui apenas a reiteração de decisões que apontam para uma tendência deum resultado, tornando-se útil somente para uma melhor apreciação da lei diante de umcaso concreto. Diferentemente dos precedentes, a jurisprudência possuiria apenas valorpersuasivo (ZANETI JR., 2016, p. 98). Portanto, as decisões só geram um efeito vinculantequando se tratam de precedentes nas formas previamente indicadas no CPC de 2015.1 “Art. 9º Compete ao Tribunal: [...] III - Proceder à revisão dos processos criminaes em que houver sentença condemnatoria definitiva, qualquer que tenha sido o juiz ou tribunal julgador”. BRASIL. Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. Rio de Janeiro, 1890. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/ decreto-848-11-outubro-1890-499488-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 01 mar. 2018.

Revisão Criminal 45 O sistema de precedentes que surge com as regras do CPC de 2015, na forma doart. 3º do CPP, se aplica ao processo penal de forma subsidiária. O referido dispositivodo Código de Processo Penal dispõe que “a lei processual penal admitirá interpretaçãoextensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”e, assim, importa observar que a aplicação do CPC ao CPP depende (I) das normas doCPC não conflitarem com os princípios e a lógica própria do processo penal; (II) que ocorraa “conformação constitucional no resultado obtido com a aplicação do CPC” (ZANETI JR.,2016, p. 460). Quanto à aplicação do modelo de precedentes aos demais ramos processuais,temos uma aplicação supletiva, de modo que uma lei - CPC, Lei nº 13.105/2015 - com-pleta a outra - o Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.689/41 - concluindo ZanetiJr. que, em se tratando de norma (o precedente é norma!) processual penal, a aplicaçãoserá imediata, mesmo para os casos já em andamento, uma vez que se aplica o princípiotempus regit actum. Diante disto, advindo nova norma, ou novo precedente, esta se aplicaaos casos em curso (ZANETI JR., 2016, p. 460). O mesmo não ocorre com precedentes acerca de normas penais materiais, já que“confiar em precedentes para harmonizar a lei penal é, não somente um equívoco grave,mas um enorme risco para os fundamentos iluministas deste ramo do direito” (ZANETI JR.,2016, p. 458). Assim, na esfera processual penal deve ser respeitada a irretroatividade denovas normas in malam partem para crimes praticados antes da fixação do precedente, jáque este último, na forma do CPC de 2015, é também uma norma jurídica. Conclui-se que para a adoção do sistema de precedentes do CPC ao CPP, quandose tratar de norma penal material deve-se observar que: I - em malam partem, aplicar-se-ásomente em casos futuros (nullum crimen, nulla poena, sine lege), não havendo efeitovinculante para casos pretéritos; II - em bonam partem, aplicar-se-á de modo retroativo,abrangendo, inclusive, os processos findos, e no último caso deve se indagar se poderáser admitida a revisão criminal. É que a primeira hipótese de cabimento do pedido revisional se dá quando a sen-tença for contrária ao texto expresso de lei. E, segundo Hélio Tornaghi: “o que se leva em conta, neste caso, não é a boa ou amá interpretação da lei, e sim a afronta ao mandamento nela contido: a lei diz sim e o juizdiz não; a lei diz agora e o juiz depois; a lei diz aqui e o juiz, ali” (TORNAGHI, 1995, p. 365). Já se discutiu a possibilidade de se utilizar da jurisprudência mais benéfica para seadequar à hipótese de cabimento da revisão prevista no inciso I do art. 621. Mas, sobreo tema, o Superior Tribunal de Justiça adotou a posição de que o dispositivo faria alusãosomente ao texto expresso da lei penal e não à jurisprudência. In verbis: O art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal determina que caberá revisão criminal “quando a sentença condenatória for con- trária a texto expresso da lei”, o que não pode ser confundido com mudança de orientação jurisprudencial a respeito da interpretação de determinado dispositivo legal (STJ, REsp nº 706.042 RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 07.11.2005).

46 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Assim, para o STJ, a interpretação do dispositivo não abrangeria a mudança deorientação jurisprudencial. Em sentido oposto, Eugênio Pacelli de Oliveira defendia que “a mudança nainterpretação do direito é fato de alta relevância e significado” (PACELLI, 2011, p. 917).Por conseguinte, segundo o autor, se a modificação acerca de determinada interpretaçãojurisprudencial emanasse do Supremo Tribunal Federal, última instância do Poder Judiciário,deveria, então, ser abrangida pelo tipo. O certo é que antes da adoção do sistema de precedentes como fonte primáriado direito pelo CPC/2015, tendo em vista o sistema da civil law que era adotado quanto àquestão, a razão estava com o STJ. Mas, agora, foi adotado no processo penal o sistema deprecedentes pelo CPC de 2015, dada a influência que recebeu essa legislação do sistemada common law e considerando que o CPC se aplica subsidiariamente ao processo penal. Com a entrada em vigor do CPC/15, que adota o sistema de precedentes comofonte primária do direito, passam estes a ter status de norma e, assim, deverá haver umavinculação dos casos futuros aos precedentes firmados pelos Tribunais, de forma vertical,ou seja, a “observância obrigatória do precedente por todos os tribunais inferiores que estãosubmetidos à decisão do tribunal de hierarquia institucional superior” (ZANETI JR., 2017,p. 308) e, horizontalmente (o stare decisis que assegura a existência de uma estabilidade)deve-se ter uma vinculação no próprio tribunal (considerando seus órgãos decisórios) aospróprios precedentes desse tribunal (resultado obtido com o stare decisis). Portanto, quando se tratar de um precedente penal in bonam partem, ou maisbenéfico, poderá se dar a retroatividade e, destarte, como norma jurídica que é, poderáser defendida a possibilidade de se autorizar uma revisão do julgado passado em julgado,consoante a conclusão de Zaneti Jr.: [...] caso o precedente seja favorável ao réu, deve ser aplicado imediatamente, inclusive possibilitando a revisão criminal com base no art. 621 (“quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos”). Isso porque, uma vez definida norma mais benéfica no direito penal, esta retroage para beneficiar o réu. Assim, no direito brasileiro, mesmo após o trânsito em julgado, caberá revisão criminal, nestes casos (ZANETI JR., 2017, p. 463). Desta forma, em se tratando de aplicação de norma penal in bonam partem, poderáo precedente ser aplicado para casos passados, retroativamente, quando houver processofindo, autorizando-se a revisão do julgado. Neste sentido, também, Fabiano Cavalcante Pimentel, que assegura que a normacontida no art. 621, I, do CPP deve ser interpretada da seguinte maneira: “caberá revisãocriminal quando a sentença condenatória mostrar-se contrária à norma jurídica”. Destemodo, amplia-se o termo “texto expresso da lei”, para nele se incluir, também, os preceden-tes, entendendo-se a lei como norma. Para o autor, seria possível, ainda, “o retrospectiveoverruling in mellius como fundamento para a revisão criminal”, uma vez que, sendo amudança do sistema mais benéfica ao condenado, ela deverá ter efeitos retroativos,

Revisão Criminal 47independentemente de ser oriunda da lei ou do precedente, ensejando a rescisória penale afirma que “a mudança da ratio decidendi de um precedente, equivale à mudança nor-mativa sistemática”. Isto posto, se a mudança normativa for mais benéfica ao condenado,como no caso do overruling in mellius, servirá de fundamento para a revisão criminal comefeitos retroativos (PIMENTEL, 2015, p. 184). Porém, o que ocorre é que o STF já fixou ser impossível o conhecimento da revisãocriminal quando fundamentada na aplicação de lei nova mais benigna, sob o fundamento deque esta hipótese seria matéria afeta ao juízo de execução.2 Existe, inclusive, o enunciadode Súmula 611, que versa que “transitada em julgado a sentença condenatória, competeao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. Sérgio de Oliveira Médici também sustenta que qualquer lei nova que beneficie ocondenado deverá ser apreciada pelo juízo das execuções. O autor afirma que o pedido daaplicação da lei favorável deve ser dirigido, originariamente, ao juízo da execução. Caso hajao indeferimento transitado em julgado deste pedido, “nada impede o requerimento de revi-são, com o objetivo de demonstrar que a improcedência do pedido de aplicação da lex mitiorconfigura sentença contrária ao texto expresso da lei penal” (MÉDICI, 2000, p. 186-187). Portanto, é evidente que, em sendo adotado o precedente no processo penal, porinterpretação extensiva do processo civil (CPC de 2015), no caso de um precedente queimplique em tratamento melhor ao réu ou abolitio criminis, será possível a aplicação doprecedente benéfico ao apenado em processo que tenha trânsito em julgado. Isso, em sentido lato, nada mais é do que uma “revisão criminal”, pois o julgadotransitado em julgado será revisto, mas o caminho previsto em lei é aquele do art. 66,inciso I, da Lei de Execução Penal - LEP, que estabelece ser competência do juízo daexecução a aplicação, aos casos já julgados, de lei posterior que de qualquer modo be-neficie o condenado.3 Assim, na hipótese de um novo precedente mais favorável ao réu, que agora éfonte primária do Direito, mesmo que passe a se amoldar à hipótese do art. 621, I, do CPP,que trata da contrariedade a texto expresso da lei (e que deve se entender agora tambémcomo precedente, pois este também é norma), quando houver benefício ao réu em vistade um novo precedente em matéria de direito penal, em primeiro plano a hipótese nãoserá resolvida pela revisão criminal, do mesmo modo que uma lei nova mais benéfica aocondenado não é, já que a resolução se dá diretamente via o juízo da execução penal.2 EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. FATO NOVO: LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA. SÚMULA 611 DO STF. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENIGNA: JUÍZO DAS EXECUÇÕES. A hipótese de aplicação de lei nova mais benigna não figura no elenco do artigo 621 do Código de Processo. Cuida-se de matéria afeta ao juízo de execução, à vista do que dispõem os incisos I-a e III do artigo 66 da Lei de Execuções Penais. Aplicação do verbete 611 da súmula de jurisprudência do STF. Revisão criminal não conhecida. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Revisão Criminal nº 5010/SP, de 11 de novembro de 1994. Severino Souza e Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1994. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RvC%24%2ESCLA%2E+E+5010%2ENUME%2E%29+OU- +%28RvC%2EACMS%2E+ADJ2+5010%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ yc2jzkaq>. Acesso em: 06 ago. 2018).3 Art. 66 do CPP: Compete ao Juiz da execução: “I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”.

48 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque De outra parte, é de se considerar que há uma diferença de uma nova lei (cujomandamento é claro) e um novo precedente, pois este se dá a partir do overruling, ouseja, da superação da ratio decidendi originária, sendo firmada uma nova tese sobre amatéria. É necessário, assim, o exame das razões de decidir o que demanda atençãomais detida e complexa. Uma coisa é se aplicar uma lei nova, outra é ter o juízo da execução que apreciaruma nova interpretação de razões de decidir, ou seja, fundamentos de uma decisão que,em muitos casos, em juízos colegiados, não é unânime, o que pode ser complexo e re-sultar em não ser obtida a pretensão do réu pela via do pedido ao juiz da execução penale, nesta hipótese, ainda não havendo eventual recurso a alterar a decisão do juízo daexecução penal, não há dúvidas da possibilidade de incidência da ação revisional, já quepresente uma decisão que contraria um precedente firmado que beneficie o réu. A normamais benéfica oriunda do precedente tem que retroagir. Assim, ante uma negativa do juiz da execução e mesmo em casos mais complexos,poderá ser admitida a revisão criminal, com fundamento do artigo 621, I, do CPP. Pensamos que a questão é muito nova, e o caminho a ser seguido seria a futuramodificação legislativa do inciso I do art. 621 do CPP, para abranger também a hipótesedo precedente novo mais benéfico ao réu. Assim se ficaria com as duas vias, a do juízoda execução, que é mais célere, e a da revisão para casos mais complexos com detidoexame da ratio decidendi.3. A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E A REVISÃO CRIMINAL A execução de sentença penal antes de seu trânsito em julgado tem sido nas duasúltimas décadas alvo de grandes debates, sendo que, em 05.02.2009, o Pleno do SupremoTribunal Federal, no Habeas Corpus nº 84.078-7/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau,decidiu pela inconstitucionalidade do que se chamava, na época, de “execução antecipadada pena” por patente violação ao art. 5º, LVII, da CF, que dispõe acerca da impossibilidadede considerar alguém culpado em momento anterior ao do trânsito em julgado de sentençapenal condenatória e, ainda, que a impossibilidade de suspensão da condenação criminalem segundo grau, cujo mandamento já se encontrava no art. 637 do CPP, importaria,também, violação da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativado Brasil, conforme art. 1º, III, da Carta Magna. No acórdão ficou determinado que “a prisão antes do trânsito em julgado da con-denação somente pode ser decretada a título cautelar” e que a antecipação da execuçãopenal era incompatível com o texto Constitucional, pois só se dava por “conveniência dosmagistrados e não do processo penal”, eis que, prestigiando-se o princípio constitucional,é certo que o número de recursos excepcionais e de agravos e embargos aumentariam,mas isso não poderia justificar, por outro lado, uma execução provisória da penal, pois,como foi advertido no acórdão, “a melhor operacionalidade de funcionamento do STF nãopode ser lograda a esse preço”.44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078-7/MG. Omar Coelho Vitor e Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 05 de fev. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/ arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ementa84078.pdf >. Acesso em: 28 fev. 2018.

Revisão Criminal 49 Porém, em 17.02.2016, o Pleno do STF, julgando o HC 126.292/SP, entendeu queapós a decisão condenatória em segunda instância, que ratifica a sentença condenatória,o réu poderia ser recolhido para iniciar o cumprimento da pena aplicada, mesmo que aindapossa interpor recurso excepcional, seja o especial ou o extraordinário. Desta forma, anova orientação do STF é no sentido de que o efeito suspensivo de recursos excepcionais,eventualmente interpostos, não deve ser reconhecido, impondo, desta maneira, a “execuçãoprovisória” da pena imposta em segundo grau, quando interposto o recurso excepcional.Na verdade, na prática, ressurge por inteiro a aplicação do art. 637 do CPP. Posteriormente, em 10.11.2016, por meio do Recurso Extraordinário no Agravo nº964246 RG/SP, ao qual foi dado o regime de repercussão geral, reafirmou-se o entendi-mento de que é possível a execução provisória de sentença penal condenatória recorrívelpor recurso excepcional, concluindo-se que não comprometeria o princípio constitucionalda presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da CF, já que, para aCorte Suprema, o processo estaria findo após o segundo grau de jurisdição, em relaçãoà matéria probatória. Conforme se demonstrou, a possibilidade de aplicação do CPC ao CPP trouxe omodelo de precedentes civilista para a esfera penal, de modo que a tese firmada peloSupremo Tribunal deve ser aplicada nos processos em curso nas demais instâncias,pois estaríamos diante de um precedente e, sendo uma decisão processual, se aplicariade imediato aos processos em curso, pois vigora o princípio tempus regit actum e, emconsonância com o art. 927, V, do CPC, que dispõe sobre a necessidade de observaçãoda orientação do plenário ou do órgão especial ao qual estiverem vinculados os juízes etribunais (ZANETI JR., 2016, p. 464), deve se dar, assim, o cumprimento do precedente,ficando autorizado o recolhimento à prisão de réu, condenado em segunda instância. Mas a questão merece ser examinada com mais profundidade pela doutrina e mes-mo pelo STF, tendo em vista o sistema adotado no Brasil acerca dos recursos excepcionais,do qual resulta a natureza dessas impugnações (recursos extraordinário e especial), poisessa mudança de posicionamento pelo STF se traduz ao menos em uma incoerência.Entre nós, os recursos excepcionais, por natureza, não são recursos, ao contrário de outrospaíses, como Portugal, por exemplo, onde, apesar de existir o recurso extraordinário, esseé, na verdade, uma ação rescisória ou uma revisão criminal, conforme a área do direito,ou seja, uma verdadeira ação de impugnação. Assim, em Portugal e outros países, apóso trânsito em julgado do segundo grau, já pode se dar a execução penal, já que incabívelrecurso. Em outras palavras, para que se possa interpor o recurso extraordinário português,é necessário que se dê o trânsito em julgado, enquanto nos nossos recursos excepcionais(extraordinário e especial), ao contrário, se exige que não se dê a preclusão, inexistindo,assim, trânsito em julgado, pois a questão federal, ao menos no que tange a direito objetivo,ainda fica na pendência, em caso da interposição recursal excepcional, de exame peloTribunal Superior a respeito e, portanto, a decisão a quo não transita em julgado.

50 JURIS PLENUM - Ano XIV - número 84 - novembro de 2018 - Destaque Tais meios de impugnação são oriundos do sistema da common law,5 especialmentedo direito americano, e na forma que foram assumidos no Brasil, esteja certa ou erradatal opção brasileira, impedem a preclusão e, consequentemente, o trânsito em julgadomaterial de determinada relação processual.6 Portanto, com a decisão do STF, se abandona a opção brasileira que tem origem naprimeira Constituição Republicana de 1891, passando a se aproximar, nessa matéria, dosistema de países europeus, como Portugal. Porém, isso não poderia se dar de maneiratão simples, ou seja, apenas por fixação de um precedente, pois, para que se fizesse essaguinada de sistema, teríamos que rever toda a doutrina e a legislação a respeito, inclusivea constitucional, pois nessa se prevê se tratar a impugnação excepcional de um recurso e,como tal, com sua interposição se prorroga a relação processual e, assim, incabível seriaa execução provisória da penal.75 José Carlos Barbosa Moreira, fazendo um escorço histórico, salienta que o recurso extraordinário “é instituto de origem norte-americana [...] Foi o Judiciary Act de 1789 que permitiu a revisão pela Corte Suprema de decisões finais dos mais altos tribunais dos Estados, mediante writ of error, em diversas hipóteses relacio- nadas com a constitucionalidade de leis e com a legitimidade de normas estaduais, bem como de títulos, direitos, privilégios e isenções à luz da Constituição, dos tratados e das leis da União. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2009. p. 580-582).6 Na verdade, como dispõe Moreira, a diferenciação é histórica e reside entre as diferenças de sistemas: “A distinção entre recursos ordinários e recursos extraordinários, a que alude a parte final do art. 467 (antigo CPC), é nítida e importante em alguns sistemas jurídicos: por exemplo, no português, onde, à vista de textos expressos (Código de Processo Civil, arts. 676 e 677), os recursos chamados extraordinários se diferenciam com toda a clareza dos ordinários pelo fato de que a interdisponibilidade de qualquer destes últimos impe- de o trânsito em julgado, ao passo que a decisão já se considera passada em julgado mesmo que ainda suscetível de impugnação por algum dos primeiros. [...] Diversa é a sistemática do ordenamento brasileiro, no qual a mencionada distinção não tem relevância teórica nem prática. Merece ela, em nossa opinião, ser arquivada para todo o sempre, além do mais, pelos equívocos que é capaz de gerar, e de fato tem gerado, mercê da constante e notável flutuação dos critérios doutrinariamente sugeridos para fundá-la. A rigor, não existe entre nós uma classe de recursos a que se possa aplicar, segundo critério preciso do ponto de vista científico e útil do ângulo prático, a denominação genérica de extraordinários. Há, sim, um recurso a que (sem qualquer preocupação de ordem dogmática) se acertou de dar esse nome, assim como há outro (a rigor, um conjunto heterogêneo de figuras recursais) que a vigente Carta Federal rotula de ordinário (arts. 102, n. II, e 105, n, II). (MOREIRA, op. cit., p. 579-583).7 Eis a ementa do julgado: “17.02.2016 - PLENÁRIO - HABEAS CORPUS 126.292 - SÃO PAULO - RELA- TOR: MIN. TEORI ZAVASCKI. PACTE.(S):MARCIO RODRIGUES DANTAS IMPTE.(S): MARIA CLAUDIA DE SEIXAS. COATOR(A/S)(ES):RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, em denegar a ordem, com a consequente revogação da liminar, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República. Brasília, 17 de fevereiro de 2016. 2. Habeas corpus denegado”.


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