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BIOMECÂNICA DOS AGACHAMENTOS

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-08-24 19:24:30

Description: BIOMECÂNICA DOS AGACHAMENTOS

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Expediente Coordenação Editorial: Edson Cavalcante Supevisão Técnica: Ana Kelma Gallas Diagramação: Kleber Albuquerque Filho TI Publicações OMP Books: Eliezyo Silva LESTU PUBLISHING COMPANY Editora, Gráfica e Consultoria Ltda Avenida Paulista, 2300, andar Pilotis Bela Vista, São Paulo, 01310-300, Brasil. [email protected] www.lestu.com.br (11) 97415.4679 Imagens da obra: Canva (Creative Commons) FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) R484b RIBEIRO, Diogo Martins; SILVA, Caleb Siloé Ben. Biomecânica dos agachamentos: ciência e prática [livro eletrônico] / Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva. São Paulo: Lestu Publishing Company, 2022. 111 f. online. ISBN: 978-65-996314-6-7 DOI: https://doi.org/10.51205/lestu.978-65-996314-6-7 1. Exercícios Físicos. 2. Fenômenos Biomecânicos. 3. Cinemática. 4. Sistemas Biológicos. 5. I. Autor(a). II. Título. III. Editora. IV. DeCS. CDD: 082.00 Índices para catálogos sistemáticos: 1. DeCS (Descritores na Área de Saúde) em Catálogos Sistemáticos = Fenômenos Biomecânicos. Cinemática. Propriedades, processos e comportamento de sistemas biológicos sob ação de forças mecânicas. Os conteúdos dos artigos publicados são de total responsabilidade dos autores.





Diogo Martins Ribeiro Dedico esta obra aos profissionais da saúde que atuam com o movimento humano e aos acadêmicos em formação. Caleb Siloé Ben Silva Dedico este livro a todos os meus alunos e clientes, motivo deste acontecimento, pois esta obra é uma forma de lhes entregar ainda mais meus conhecimentos, somados aos dos demais auto- res envolvidos. Que vocês possam tê-lo como ferramenta de cons- trução e segurança em suas práticas de exercícios físicos.



AGRADECIMENTOS Diogo Martins Ribeiro Aos meus pais, Clabes Terezinha Martins Ribeiro e Francisco Aparecido Ribeiro, por me apoiarem durante todo o meu percurso no mundo acadêmico. Ao meu amigo, Edson Cavalcante, pelo apoio e motivação em meus projetos e interesses acadêmicos. Ao meu amigo, Oséias Batista, por ter se voluntariado como modelo das imagens desta obra. À academia Movimento Fitness, Buritis-RO, pela disponibili- zação do espaço para registro de imagens para esta obra. Aos professores e professoras que um dia lecionaram para mim e me influenciaram no caminho da pesquisa científica, em especial: Professoras Soraya Luz e Ana Paula Silva, durante o en- sino médio; Professores Miguel Menezes, Rafael Alves, Diego Fa- gundes, André Tomaz Terra Junior e Professoras Luana Patrícia e Jéssica de Souza Vale, durante o ensino superior. Caleb Siloé Ben Silva Agradeço à minha esposa, Claudia Alessandra Rodrigues, e minha enteada, Valentina Gabrieli Rodrigues, por estarem sem- pre presentes em minha vida, me auxiliando e agregando à minha evolução acadêmica, profissional e pessoal. Ao meu amigo, Diogo Martins Ribeiro, pelo convite em fazer parte desta obra que é de suma importância para nós, Profissio- nais de Educação Física. Ao meu amigo, Luiz Gustavo Garcia, por colaborar com parte das fotos presentes nesta obra. Agradeço a você, leitor, por fazer parte deste trabalho como consumidor de um conteúdo que irá agregar ainda mais em seus conhecimentos.



APRESENTAÇÃO Esta é uma obra especial aos profissionais que atuam com o movimento humano e aos acadêmicos em formação. Poderão lo- grar do conteúdo apresentado principalmente aqueles que atuam ou pretendem atuar com o Treinamento Resistido com Pesos (Musculação). O conteúdo desta obra é bastante sintetizado, pois cada capítulo por si só renderia diferentes livros. Em vez do aprofun- damento, a sintetização foi escolhida para manter a obra mais acessível e aproximar o leitor ou a leitora dos diferentes tópicos explorados. Recomenda-se, portanto, que o aprendizado referen- te à biomecânica não se limite ao conteúdo aqui apresentado. A pesquisa contínua é essencial para o aprimoramento. Quanto aos capítulos desta obra, a discussão sobre a funcio- nalidade musculoesquelética é a porta de entrada, Capítulo 1; o reconhecimento do core e diferenças cinemáticas entre gêneros seguem nos Capítulos 2 e 3, respectivamente; já os capítulos 4 e 5 envolvem os diferentes conhecimentos científicos e práticos sobre diferentes tipos de agachamento. Apesar de no Capítulo 4 serem discutidos diferentes variações, como os agachamentos Smith, Hack e Frontal, no Capítulo 5 os autores optaram por discorrer sobre a biomecânica dos agachamentos livre e búlgaro, uma va- riação bilateral e uma unilateral, pois grande parte dos conheci- mentos referentes a estas variações também podem ser aplicadas às outras. Além de tudo, a repetitividade de muitas informações tornaria o Capítulo 5 menos prestigioso.



PREFÁCIO A leitura desta obra de extrema importância e riqueza des- pertou em meu espírito duas reações simultâneas: admiração pela complexidade e a grandeza do trabalho ora escrito; assim como fascínio pela construção didática do material para leigos, estudantes, profissionais da área e professores. Para essas duas perspectivas, tenho a certeza de que a contribuição para o avan- ço da ciência no campo da biomecânica dos exercícios é inegável. Congratulo os autores pela elaboração de uma obra tão importan- te e de tão difícil construção. É notável que os autores assimila- ram com clareza o dito popular “a leitura deve ser para o espírito, como o alimento para o corpo, moderada, saudável e de fácil di- gestão”, nisso responderam com perfeição a quatro expectativas que se espera de uma boa obra: • A dimensão do leigo ou até mesmo o curioso que buscará entender melhor os aspectos relacionados aos assuntos aborda- dos no livro; • A dimensão do estudante que buscará a informação de qualidade e perfeitamente ajustada as suas necessidades; • A do profissional experiente que buscará juntar a teoria acadêmica à práxis de suas atividades diárias; • Por último, a dimensão do professor que terá na publica- ção uma fonte de pesquisa inesgotável para os trabalhos acadêmi- cos. Em todos os capítulos, observa-se o primor com que os con- teúdos foram organizados e construídos, não esquecendo a forma didática abrangente e atual, o que confere credibilidade aquela proposição de que “para fazer direito, basta ter conhecimento e coragem”. No caso, os autores Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva possuem experiência notável na área, sabem nitidamen- te sobre a importância de serem compreendidos e também como é fundamental tornar o texto envolvente.

No primeiro capítulo, temos o título “Funcionalidade Mus- culoesquelética”, em que é abordada a postura corporal estática, os autores alertam logo na primeira parte que “estudar sobre a postura corporal é importante para a prescrição de exercícios físi- cos, pois ela influencia na integridade biomecânica e neuromoto- ra, consequentemente na eficiência dos movimentos para realiza- ção de determinada tarefa”. Essa base de reflexão encontra-se ao longo dos demais capítulos, a exemplo do que ocorre no capítulo dois “Reconhecimento do Core”, quando os autores novamente alertam sobre algumas crenças e generalizações que permeiam os trabalhos de musculação e outras modalidades. Esse posicionamento de combate ao senso comum é cons- tantemente presente, uma vez que a obra trilha um caminho que nem é sempre tão claro no campo de estudo. A princípio, enten- de-se que o senso comum parece algo que inunda todas as áreas científicas, desde suas bases epistemológicas até as suas indaga- ções complexas. Para os autores, torna-se fundamental o abando- no dessa visão simplista e abraçar com vigor essa discussão cientí- fica sobre a anatomia e a fisiologia funcional desse sistema. O capítulo três “Diferenças cinemáticas entre homens e mu- lheres” é extremamente importante, justamente pela necessida- de de reconhecer que podem haver diferenças na organização do movimento entre gêneros, sugerindo o estudo de estratégias para correção de anormalidades e aplicação saudável dos exercícios de agachamento. Nisso, eles explicam com detalhes as diferenças ci- nemáticas que podem influenciar na execução do agachamento, com preferencial abordagem sobre o público feminino, uma vez que as mulheres parecem ser significativamente afetadas por es- pecificidades cinemáticas durante movimentos de atividades fun- cionais e esportivas. No capítulo quatro “Informações Gerais sobre os Agacha- mentos”, uma série de procedimentos são apresentados para tornar o leitor ciente de conhecimentos que podem deixar o aga- chamento mais seguro e eficiente. Por último, o capítulo cinco “Análise Biomecânica dos Agachamentos” em que os autores re-

correm de maneira ilustrada aos agachamentos livre com barra e búlgaro, destacando-se: a posição da barra e das mãos; a posição dos ombros, pulsos e cotovelos ao segurar na barra; a posição dos pés antes e durante a execução; a posição da pelve durante o per- curso do exercício; a postura da coluna na execução, nos diferen- tes segmentos (cervical, torácica e lombar); o alinhamento mecâ- nico estático e dinâmico dos membros inferiores (quadril, joelho e tornozelo); e a restrição dos joelhos. É notável na obra a essencialidade das ilustrações, graças ao talento dos autores que primam por utilizar as imagens para melhor entendimento da atividade. Mesmo quando reduzidas a croquis, elas permanecem vivas e claras, destacando o que é im- portante, ou seja, o momento da ação capturada pela ilustração. É esse de fato o objetivo, favorecer em uma imagem ou ilustra- ção estática a ação, possibilitando o entendimento instantâneo no momento da captura. Isso é importante para o entendimento dos exemplos e os princípios discutidos, uma vez que se parte do prin- cípio de que algum aluno iniciante pode não ter uma base forte na área, o que é facilitado pelas imagens. Novamente, parabenizo os autores pela empreitada e pelo engajamento na obra. O resultado final é de altíssima qualidade e representa um avanço significativo na área para todos os explo- radores que buscam se aventurar na jornada do conhecimento. “Alea jacta est”, ou seja, “a sorte está lançada” no mercado edito- rial digital e impresso brasileiro. Grande sucesso a todos! Edson Cavalcante



CONTEÚDO CAPÍTULO 1...........................................................................................19 FUNCIONALIDADE MUSCULOESQUELÉTICA.........................................19 POSTURA CORPORAL ESTÁTICA........................................................... 19 ALTERAÇÕES NA FUNCIONALIDADE MUSCULOESQUELÉTICA..............21 CAPÍTULO 2...........................................................................................25 RECONHECIMENTO DO CORE................................................................25 O QUE REALMENTE É O CORE?.............................................................26 Anatomia funcional..........................................................................26 Funcionalidade do core....................................................................30 Respiração e estabilidade.................................................................31 RELAÇÃO ENTRE QUADRIL E CORE........................................................32 CAPÍTULO 3...........................................................................................35 DIFERENÇAS CINEMÁTICAS ENTRE HOMENS E MULHERES...................35 DIFERENÇAS CINEMÁTICAS EM MULHERES E PREDISPOSIÇÃO À LESÃO ...36 CAPÍTULO 4 ...........................................................................................41 INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE OS AGACHAMENTOS............................41 APLICAÇÕES GERAIS..............................................................................41 Forças compressivas na coluna vertebral.........................................41 Cinto para levantamento de pesos...................................................42 Pressão intra-abdominal e estabilidade da coluna vertebral...........42 Posicionamento da cabeça...............................................................43 Restrição dos joelhos........................................................................44 Posicionamento dos pés...................................................................44 Posicionamento latero-lateral..........................................................45 Atividade muscular nos diferentes tipos de agachamento...............45 Agachamento e reabilitação.............................................................47 Diferenças cinemáticas entre membros inferiores...........................49 Orientações ao executante...............................................................49

CAPÍTULO 5...........................................................................................51 AGACHAMENTO LIVRE COM BARRA.....................................................51 RESUMO DA EXECUÇÃO........................................................................51 Posição da barra e das mãos............................................................52 Posição dos ombros, pulsos e cotovelos ao segurar a barra............53 Posição dos pés antes e durante a execução....................................55 Posição da pelve durante o percurso do exercício............................59 Postura da coluna na execução, nos diferentes segmentos (cervical, torácica e lombar).............................................................................63 Alinhamento mecânico entre quadril, joelho e tornozelo................64 Restriçãodosjoelhos.........................................................................69 AGACHAMENTO BÚLGARO....................................................................71 Posição da barra e das mãos ao entrar na execução........................72 Posição dos ombros, pulsos e cotovelos ao segurar na barra..........75 Posição dos pés antes e durante a execução....................................75 Posição da pelve durante o percurso do exercício............................78 Postura da coluna na execução, nos diferentes segmentos (cervical, torácica e lombar).............................................................................79 Alinhamento mecânico entre quadril, joelho e tornozelo................82 Restrição dos joelhos........................................................................86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................89 AUTORES.............................................................................................107





CAPÍTULO 1 FUNCIONALIDADE MUSCULOESQUELÉTICA POSTURA CORPORAL ESTÁTICA Estudar sobre a postura corporal é importante para a pres- crição de exercícios físicos, pois ela influencia na integridade bio- mecânica e neuromotora, consequentemente na eficiência dos movimentos para realização de determinada tarefa. Em referência à postura estática, Lianza (2017) preconiza que um corpo se encontra em estado de equilíbrio estável ou em repouso quando a resultante das forças aplicadas sobre ele for igual a zero. Kendall et al. (2007, p. 51) explicam que: A postura geralmente é definida como o arranjo relativo das partes do corpo. A boa postura é aque- le estado de equilíbrio muscular e esquelético que protege as estruturas de suporte do corpo contra lesão ou deformidade progressiva, independen- temente da posição (ereta, decúbito, agachada ou flexão anterior) na qual essas estruturas estão trabalhando ou repousando. Sob tais condições, os músculos funcionarão mais eficazmente e serão permitidas as posições ideais para os órgãos abdo- minais e torácicos.

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva Mecanicamente, o centro de gravidade do corpo se encon- tra relativamente à frente da segunda vértebra sacral (S2), duran- te a posição ortostática (NEUMAN, 2002), considerando um corpo estaticamente equilibrado. O gasto de energia, portanto, é reduzi- do quando a cabeça, tórax e pélvis se encontram em alinhamento em relação ao centro de gravidade (KEY, 2013). Grande atenção se dá à coluna vertebral quando o assunto é postura, pois a ela vincula-se o core, estrutura extremamente im- portante para a funcionalidade musculoesquelética. A discussão sobre o core seguirá a partir do Capítulo 2. A coluna vertebral, como define Izzo et al. (2012), [...] é um sistema multiarticular complexo contro- lado pelos músculos que sustentam a cabeça e o tronco durante a postura e os movimentos [...]. Desde que o core tem função sobre a estabilidade da coluna vertebral (AKUTHOTA et al., 2008), alguma alteração na postura da coluna possivelmente faz com que o core se reajuste às demandas específicas provocadas por essa alteração, a fim de garantir me- lhor estabilidade possível (HODGES, 1999; HODGES, 2000; HOD- GES; RICHARDSON, 1997). Quanto à má postura, Kendall (2007, p. 51) a cita como sen- do uma “[...] relação defeituosa das várias partes do corpo que produz aumento da tensão sobre as estruturas de suporte e na qual existe um equilíbrio menos eficaz do corpo sobre sua base de suporte.”. A etiologia da má postura pode ser posicional ou estru- tural. A primeira se refere aos problemas do mau hábito postural, já a segunda é relativa às deformidades estruturais decorrentes de anomalias congênitas, problemas de desenvolvimento, traumas ou doenças (MAGEE, 2010). 20

Biomecânica dos agachamentos Enfatiza-se que atividades do dia a dia, executadas em pos- turas incorretas, ou seja, em desacordo com as forças gravitacio- nais e mantidas por períodos prolongados levarão, incondicional- mente, a alterações posturais (MOURA; SILVA, 2012), assim como é mostrado no atendimento odontológico, em que os profissionais se mantêm em determinadas posturas por períodos prolongados (VALACHI; VALACHI, 2003a; VALACHI; VALACHI, 2003b). ALTERAÇÕES NA FUNCIONALIDADE MUSCULOESQUELÉTICA Qualquer alteração anormal na postura pode ser acompa- nhada por mudanças biomecânicas e neuromotoras. Consequen- temente, é esperado prejuízo funcional em uma ou mais articu- lações. A exemplo, podem ser citadas as “Síndromes cruzadas” (WALLDEN, 2014; MOORE, 2004; KEY et al., 2008), desbalancea- mentos que atingem as regiões pélvica e escapular, podendo en- volver o core. Outros exemplos de prejuízos por alterações anormais po- dem ser citados, como o déficit de força da musculatura circun- dante do quadril, associado à Síndrome de Dor Patelofemoral em mulheres (ALMEIDA et al., 2015; BALDON et al., 2014; BALDON et al., 2015; PRINS; VAN DER WURFF, 2009; TYLER et al., 2006), assim como a falta de estabilidade dinâmica, flexão diminuída do joelho e déficit na musculatura do quadril são indicadas como associadas à instabilidade crônica do tornozelo (GRIBBLE; ROBINSON, 2009; THEISEN; DAY, 2019; DEJONG; KOLDENHOVEN; HERTEL, 2020), su- gerindo a influência das alterações de uma articulação sobre a ou- tra, mesmo que de origem proximal ou distal. Conforme terceiro exemplo, a reabilitação focada não só no tornozelo e quadril, mas em todo o membro inferior é recomendada contra a instabilidade crônica do tornozelo, a fim de recuperar a adequada funcionalida- de do membro afetado (HALL et al., 2015). 21

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva Em síntese, a alteração de um segmento levará inevitavel- mente à perturbação ou reorganização de outro(s) segmento(s). Alterações em articulações não sequentes ou distantes, como quadril-tornozelo, são inferidas como reações em cascata que ocorrem em razão das mudanças biomecânicas e neuromotoras. Com alterações anormais no sistema musculoesquelético que levam a alguma desvantagem biomecânica, estratégias com- pensatórias podem acontecer, a exemplo do que ocorre com os indivíduos diagnosticados com instabilidades articulares. A mus- culatura associada a articulações próximas à instabilidade são uti- lizadas para compensar desvantagens biomecânicas (DOHERTY et al., 2015a; DOHERTY et al., 2015b), não significando que estraté- gias compensatórias sejam biomecanicamente saudáveis, já que as alterações causadas podem diminuir a efetividade na produção de movimentos regionalmente e em outras articulações, levando a assimetrias posturais, funcionais e na distribuição de carga ao sistema miofascial (DOHERTY et al., 2015c; BRANDOLINI et al., 2019). É esperado que todo indivíduo apresente algum padrão bio- mecânico alterado em um ou mais segmentos. Para a qualidade funcional do sistema musculoesquelética, todos os segmentos envolvidos em um exercício devem estar biomecanicamente sau- dáveis para a execução correta de uma tarefa. Atividades básicas do dia a dia (Ex.: ato de alcançar algo) exigem a saúde funcional de diferentes segmentos corporais combinados, como ombro, tronco, pelve e quadril (BOHANNON et al., 2020). Dessa forma, a alteração na funcionalidade de um segmento pode diminuir a efetividade global de determinada tarefa. O estudo sobre as “Síndromes cruzadas”, a exemplo de Wall- den (2014) e Moore (2004), pode dar ao leitor noções quanto à dimensão dos problemas que disfunções miofasciais causam na 22

Biomecânica dos agachamentos funcionalidade musculoesquelética. Essas síndromes são geral- mente citadas como Síndrome Cruzada Superior e Síndrome Cru- zada Inferior. Esta última também é citada como Síndrome Pélvi- ca Cruzada. Em inglês, aparecem geralmente como Upper Cross Syndrome e Lower Cross Syndrome. A “Middle Cross Syndrome” também pode ser procurada na literatura. 23



CAPÍTULO 2 RECONHECIMENTO DO CORE A abordagem referente ao treino e reabilitação do core pas- sou a ser continuada por crenças ou generalizações, as quais são bastante presentes na musculação e outras modalidades. Exem- plos dessas crenças e generalizações são citados por Lederman (2010): • Determinados músculos são mais importantes para es- tabilização do tronco que outros, como é dito do trans- verso do abdome; • A fraqueza dos músculos abdominais leva a dor lombar; • O fortalecimento dos músculos abdominais reduz a dor lombar; • Há um grupo único de músculos atuando de forma inde- pendente de outros músculos do core; • Dor lombar pode ser melhorada ao normalizar o “ti- ming” de ativação dos músculos do core; • Há relação entre estabilidade e dor lombar. Por senso comum, o core é entendido como um sistema fun- dado apenas ou especialmente pelos músculos abdominais, uma visão simplista e que desconsidera substancialmente a discussão

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva científica sobre a anatomia e fisiologia funcional desse sistema. Espera-se que, a partir deste capítulo, o leitor entenda melhor so- bre o assunto. Considere usar as referências como norte. O QUE REALMENTE É O CORE? Anatomia funcional Estruturas que integram o core ou “complexo lombopélvico- quadril” (HUXEL BLIVEN; ANDERSON, 2013) podem diferir conforme o contexto (ex.: reabilitação, prática esportiva), uma vez que não há pleno consenso entre estudos (HIBBS et al., 2008). Conforme análise de Key (2013), por exemplo, o core abrange desde as tuberosidades isquiais até a parte média do tórax, onde o diafragma e o transverso do abdômen se fixam superiormente. Numa descrição mais “grosseira”, integram o core: diafragma (superior), músculos abdominais (anteriores), paraespinhais e glúteos (posteriores), musculatura do assoalho pélvico e cintura pélvica (inferiores) (AKUTHOTA; NADLER, 2004). Além dessas estruturas, discute-se sobre a inclusão de músculos do ombro e pélvis, devido suas características para transferência de energia mecânica (HIBBS et al., 2008). Inerente a essas estruturas e à funcionalidade do core estão as fáscias (MYERS, 2016; CHAITOW et al. 2018). Em relação à classificação funcional, Gibbons e Comerford (2001) e Comerford e Mottram (2001a) mencionam que os músculos foram inicialmente especificados por Rood (GOFF, 1972) como estabilizadores e mobilizadores, futuramente tendo seu conceito expandido por Janda (1983, 1985) e Sahrmann (1992, 2000a, 2000b). Bergmark (1989) pormenorizou o conceito de sistemas local e global, em que o primeiro se refere aos músculos 26

Biomecânica dos agachamentos com sua inserção ou origem na coluna vertebral (com exceção dos psoas) e atuam na manutenção da curvatura da coluna e garantem rigidez sagital e lateral para manter a estabilidade mecânica da coluna lombar. O segundo se refere à combinação da atuação de músculos e a pressão intra-abdominal, tendo os músculos importância na transferência de carga do tórax para a pélvis e vice-versa. No geral, o sistema global é composto por músculos mais superficiais: eretores da espinha, oblíquos interno e externo, reto abdominal e parte lateral do quadrado lombar. O psoas e a grande dorsal, apesar de sua participação mecânica sobre a pelve, não parecem provocar alterações significativas na estabilidade. Além do mais, o sistema global parece equilibrar as cargas externas de tal modo que a força resultante incidente sobre a coluna lombar possa ser tratada pelo sistema local. O sistema local é essencialmente dependente da magnitude (não da distribuição) da carga externa e da postura (curvatura) da coluna lombar. Conforme Tabela 1, são apresentadas funções e características dos sistemas Local – Global. Tabela 1. Funções e características dos sistemas Local - Global Locais Globais Músculos da camada mais profunda Camada superficial ou externa de que se originam e se inserem seg- músculos sem inserções vertebrais mentalmente segmentares Controla e mantém a curvatura neu- Se inserem ou se originam no tórax ou tra da coluna vertebral pelve (não segmentalmente) Respondem a mudanças na postura e Respondem a mudanças na linha de a mudanças na carga extrínseca baixa ação e na magnitude da alta carga ex- trínseca Independente da direção da carga ou Músculos que produzem grande tor- movimento e parecem predispostos que predispostos à amplitude de mo- para atividade de baixa carga vimento Fonte: Retirado e adaptado de Comerford e Mottram (2001a). 27

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva No sistema Estabilizador – Mobilizador, em resumo, os mús- culos estabilizadores têm sua funcionalidade associada à susten- tação postural e resistência ao movimento, especialmente no pla- no axial, e têm capacidade mecânica para controle da amplitude de movimento excessiva, a exemplo dos músculos glúteo médio e subescapular (COMERFORD; MOTTRAM, 2001a). Ainda conforme os autores, se referindo aos músculos mobilizadores, estes agem funcionalmente na produção de movimento associado à acelera- ção concêntrica de segmentos corporais, especialmente no pla- no sagital. Como exemplo, são citados o reto femoral e a grande dorsal. Na Tabela 2 são apresentadas funções e características do sistema Estabilizador – Mobilizador. Tabela 2. Síntese do sistema Estabilizador - Mobilizador Estabilizadores Mobilizadores Monoarticulares Biarticulares/multiarticulares Fixações segmentais Superficiais Se profundos, curtas alavancas e peque- Longas alavancas, grandes braços nos braços de momento de momento e maior volume Se superficiais, amplas inserções apo- Alavancas mecânicas propenso à neuróticas para distribuir cargas e força velocidade ou grande ou grande amplitude de movimento Fonte: Retirado e adaptado de Comerford e Mottram (2001a). Novo modelo de classificação funcional foi proposto por Comerford e Mottram (2001b), considerando as classificações an- teriores, referentes aos sistemas Local – Global e Estabilizador – Mobilizador. Os autores propõem três divisões quanto à função funcional: (i) músculos estabilizadores locais, (ii) músculos estabi- lizadores globais, (iii) músculos mobilizadores globais. As diferen- tes classificações são sintetizadas e descritas no Quadro 1, confor- me Comerford e Mottram (2001b): 28

Biomecânica dos agachamentos Quadro 1. Classificação funcional dos músculos Estabilizadores Locais O papel da estabilidade funcional é manter a ativi- Estabilizadores Globais dade contínua de baixa força em todas as posições Mobilizadores Globais da amplitude articular e em todas as direções do movimento articular. Esta atividade aumenta a ri- gidez muscular local em um nível segmentar para controlar o movimento fisiológico e translacional excessivo, especialmente na posição neutra da ar- ticulação, onde o suporte passivo dos ligamentos e da cápsula é mínimo. Sua atividade frequentemen- te aumenta em uma ação antecipatória antes da carga ou movimento, proporcionando proteção e suporte às articulações. O papel da estabilidade funcional é gerar torque e fornecer controle excêntrico da amplitude interna e externa do movimento da articulação. Eles preci- sam ser capazes de (i) encurtar concentricamente para a posição de alcance fisiológico completo, (ii) manter a posição isometricamente e (iii) controlar excentricamente ou desacelerar a carga funcional contra a gravidade. Devem contribuir significati- vamente para o controle da rotação em todos os movimentos funcionais. Os músculos que têm principalmente uma função de mobilização devem ter comprimento adequado para permitir a amplitude total fisiológica e aces- sória (translacional) do movimento articular, sem causar tensão compensatória em outra parte do sistema de movimento. Seu papel de estabilidade funcional é aumentar a estabilidade sob alta carga ou tensão, alavancar desvantagens, levantar, em- purrar, puxar ou absorção de choque balístico. Esses músculos são particularmente eficientes no plano sagital, mas embora possam gerar altas forças, eles não contribuem significativamente para o controle da rotação e não podem fornecer controle segmen- tar do movimento fisiológico e translacional. Fonte: Comerford e Mottram (2001b). A discussão sobre as características de cada sistema fornece maiores noções sobre a organização estrutural e funcionalidade do core. Há necessidade de mais pesquisas referentes à anatomia 29

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva funcional do core e como ela influencia a organização do movi- mento em diferentes intervenções, como tarefas simples, treinos de musculação etc. Funcionalidade do core Conforme Key (2013), em síntese, a funcionalidade do core envolve a manutenção da postura antigravitacional e o contro- le ideal do movimento espinopélvico, em essência alcançados a partir das funções interdependentes dos mecanismos de controle respiratório, de controle postural da coluna axial e controle pro- ximal dos esqueletos apendiculares. À interdependência entre esses mecanismos espera-se coativação sinérgica de diferentes músculos do core. Hipótese de Panjabi (1992) descreve três subsistemas referi- dos como parte excepcional na funcionalidade do core: • Controles neural; • Controle passivo; • Controle ativo. Cada um é composto, respectivamente, (i) pelos centros de controle neural e transdutores do movimento e força em ligamen- tos, tendões e músculos; (ii) estruturas passivas, como ligamentos, cápsulas articulares, vértebras, discos intervertebrais e proprie- dades mecânicas passivas dos músculos; (iii) músculos e tendões que agem sobre o core. Com a funcionalidade interdependente dos três subsistemas é sugerida a adequada funcionalidade do core e qualquer irregularidade em algum dos subsistemas pode ter relação com disfunção e dor (PANJABI, 1992; CHAITOW, 2004). O sistema nervoso central, como discutem Hodges (1999) e Hodges (2000), é elementar para a manutenção da estabilidade, liderando a atividade muscular do core conforme as demandas es- 30

Biomecânica dos agachamentos pecíficas causadas por forças internas e externas e possivelmente usa diferentes estratégias de estabilização em adversidades como dor na coluna. Essas estratégias seriam tentativas de compensar limitações. Segundo Cholewicki e McGill (1996), atividades de maior de- manda de estabilização da coluna vertebral são associadas à me- nor possibilidade de sobrecarga ou lesão, enquanto atividades de menor demanda geram menor atividade da musculatura estabili- zadora, com possível maior participação das estruturas passivas, as quais seriam suficientes contra a baixa demanda mecânica da atividade leve. No geral, a ativação da musculatura do core depende do tipo de atividade executada (BORGHUIS; HOF; LEMMINK, 2008). Em consonância, registros de Hodges e Richardson (1997) mos- tram atividades variáveis dos músculos abdominais (transverso do abdômen, reto abdominal, oblíquos externo e interno do ab- dômen) e multífidos, de acordo com a mudança de direção dos movimentos dos membros, sugerindo possíveis estratégias do sis- tema nervoso central para manutenção da estabilidade da coluna vertebral. Respiração e estabilidade Chaitow (2004) reforça que alteração nos padrões de respi- ração leva consequentemente à instabilidade postural. Key (2013) também cita como a postura e a respiração são suportadas uma pela outra. A alteração no padrão de respiração prejudica a pos- tura e vice-versa. O diafragma, em especial, é citado como a “fun- dação” para a estabilidade do core (NELSON, 2012). Com a função desse músculo preservada, portanto, presume-se que a manuten- ção da estabilidade seja mais suscetível. Em síntese, a respiração e o controle postural dependem um do outro para manutenção da estabilidade axial, pois são elemen- 31

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva tos importantes comuns na geração de níveis adequados de pres- são intra-abdominal (KEY, 2013). RELAÇÃO ENTRE QUADRIL E CORE O quadril, em posição fisiológica ideal, também é base para a boa funcionalidade do core, uma vez que muitas das estruturas deste estão ligadas ao quadril. Dessa forma, espera-se que, quan- do há disfunções associadas ao quadril, haja algum prejuízo na funcionalidade do core (KEY, 2013), o qual não consegue compen- sar completamente pela pelve desestabilizada (POWERS, 2010). Observa-se, além do mais, que o comportamento cinemático do quadril pode ser diferente entre homens e mulheres, consideran- do as características individuais e entre gêneros. Muitos estudos avaliam diferenças cinemáticas entre ho- mens e mulheres a partir de atividade unilateral, como o agacha- mento unilateral. Porém, para clarificar ao leitor, o agachamento unilateral geralmente avaliado na literatura científica é relativa- mente diferente do agachamento unilateral usualmente executa- do nas academias. As variações de agachamento unilateral discu- tidas na literatura científica são apresentadas aqui especialmente para relatar as diferenças cinemáticas entre homens e mulheres. As mulheres avaliadas em estudo de Graci, Van Dillen e Sal- sich (2012), por exemplo, mostram maior tendência em flexionar menos o quadril ao agachar unilateralmente, enquanto os homens flexionam mais o quadril. A diferença pode ser observada nas figu- ras disponibilizadas no estudo. Ainda de acordo com os autores, as mulheres avaliadas apresentaram o padrão de rotação da pelve e inclinação do tronco em direção à perna com carga, além de maior adução do quadril e maior abdução do joelho. Os homens apresentaram o padrão de inclinação do tronco em direção à per- na com carga e rotação do quadril em direção à perna sem carga. 32

Biomecânica dos agachamentos Em estudo de Zeller et al. (2003), as mulheres avaliadas ten- deram a maiores excursões na flexão do quadril, rotação exter- na do quadril, adução do quadril, posição varo/valgo do joelho, dorsiflexão e pronação, além de maior atividade muscular de reto femoral, vasto lateral, gastrocnêmios, glúteo máximo e reto ab- dominal, em comparação aos homens. Ressalta-se que as mulhe- res tiveram, ainda em comparação aos homens, menor ativação de glúteo médio, bíceps femoral e eretores da espinha. Durante o agachamento unilateral, Dwyer et al. (2010) também mostram maior ativação do reto femoral e glúteo máximo. Comparando o comportamento cinemático durante o agachamento unilateral, Nguyen et al. (2011) indicam diferenças significativas entre ho- mens e mulheres. Elas apresentaram maior ângulo pélvico, ante- versão femoral, ângulo do quadríceps, ângulo tibiofemoral, genu recurvatum e ativação do Glúteo Máximo do que os homens. As diferenças, segundo os autores, podem explicar em parte o maior risco de lesão no ligamento cruzado anterior de mulheres. A direção de rotação do tronco ou da pelve não obedece a um padrão, portanto cada indivíduo pode mostrar diferenças, de acordo com suas limitações. O que se observa é que o menor controle neuromuscular do core ou do quadril prejudica a funcio- nalidade articular e pode ter relação com maior probabilidade de lesão (ZAZULAK et al., 2007; MYER et al., 2008; POWERS, 2010). Grande tendência de lesões pode ser associada a maior adução e rotação interna do quadril ou abdução do joelho ou uma combi- nação dos dois, levando à ocorrência do valgo dinâmico no joelho, principalmente em mulheres (HEWETT; MYER; FORD, 2004; HO- DGES; RICHARDSON, 1997; WILLSON et al., 2005; HEWETT et al., 2005; POWERS, 2003). Dessa forma, o profissional que atua com o movimento deve avaliar possíveis perturbações associadas ao core ou quadril do executante, visando a correção das possíveis limitações (STICKLER; FINLEY; GULGIN, 2015). 33

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva Como exemplo, verifica-se a fraqueza do glúteo médio. A posição do executante na tarefa de agachamento unilateral pode indicar mau desempenho do tronco, pélvis, quadril e joelho (CROSSLEY et al., 2011). Com foco na reabilitação da mecânica do quadril, programa baseado em exercícios com resistência a partir do peso do corpo e bandas elásticas, explorando a ativação dos músculos abdutores e rotadores laterais, é exemplo que parece melhorar a mecânica do agachamento unilateral (WILLY; DAVIS, 2011). Esse programa pode ser aplicado aos indivíduos que demonstrem mau desempenho, a exemplo do “Sinal de Trendelenburg”. Apesar do diferente po- sicionamento de tronco e pelve, ainda se refere à fraqueza de ab- dutores do quadril. O que ocorre é uma estratégia compensatória, o chamado “Sinal de Trendelenburg”, em que o indivíduo eleva a pelve contralateral e inclina o tronco em direção ao membro de apoio (POWERS, 2010). Para execução de qualquer atividade unilateral ou não, é es- sencial a manutenção da estabilidade da coluna vertebral e da pél- vis, dessa forma atingindo ideal produção, transferência e contro- le de força e movimento durante a atividade executada (KIBLER; PRESS; SCIASCIA, 2006; ZAZULAK et al., 2007). 34

CAPÍTULO 3 DIFERENÇAS CINEMÁTICAS ENTRE HOMENS E MULHERES Conforme discorrido brevemente no tópico “Relação entre quadril e core”, Capítulo 2, o estudo sobre as diferenças cinemáticas entre gêneros na execução do agachamento merece maior detalhamento, porém serão destacadas as informações envolvendo o público feminino, uma vez que as mulheres parecem ser significativamente afetadas pelas diferenças cinemáticas nos movimentos em atividades funcionais e esportivas (POLLARD; SIGWARD; POWERS, 2007; ZELLER et al., 2003; NGUYEN et al., 2011; HEWETT; TORG; BODEN, 2009; FERBER; DAVIS; WILLIAMS 3rd, 2003; DWYER et al., 2010). Referente a alguns dos estudos a serem apresentados, apesar de avaliarem atividades de salto e aterrissagem em linha vertical, sugere-se que sejam aplicáveis às variações do agachamento. Para que as informações desses estudos tenham aplicabilidade ao contexto do agachamento, é suposto que devam manifestar certas similaridades de execução entre as atividades. Ou seja, devem avaliar atividades com movimentos multiarticulares e controlados que ocorram concentrica e excentricamente numa linha vertical. Em alguns momentos não será considerado a atividade em si (Ex.: pulo e aterrissagem unilateral), mas sim o comportamento

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva cinemático da articulação (Ex.: abdução do joelho causado pela aterrissagem em salto vertical unilateral). DIFERENÇAS CINEMÁTICAS EM MULHERES E PREDISPOSI- ÇÃO À LESÃO Diferentes estratégias motoras na cinemática do agacha- mento unilateral foram observadas por ZAWADKA et al. (2020) em comparação entre gêneros. As mulheres tenderam à adução e rotação interna do quadril, além de permanecerem com o tronco mais estendido do que os homens. Em consonância, Graci, Van Dillen e Salsich (2012) mostram a maior tendência para adução do quadril e posição mais estendida do tronco em mulheres. O pa- drão de menor flexão de quadril observado nas mulheres avalia- das, ainda de acordo com Graci, Van Dillen e Salsich (2012), pode ser indicativo de fraqueza na musculatura extensora do quadril. Além disso, com a maior extensão do quadril é gerado maior braço de momento da resistência para o joelho, consequentemente au- mentando a função dos músculos extensores dessa articulação. A maior tendência das mulheres avaliadas em aduzir o joelho, tam- bém indicada no estudo, é sugerido como fator que aumenta a possibilidade de lesão no ligamento cruzado anterior (HEWETT et al., 2006). A abdução do joelho parece ser mais recorrente em mu- lheres (CRONSTROM; CREABY; AGEBERG, 2016; CARSON; FORD, 2011). A abdução do joelho em tarefas de pular e aterrissar bilate- ralmente, observada especialmente em mulheres, pode ser fator de predisposição de lesão no ligamento cruzado anterior (HEWETT et al., 2005), da mesma forma que o deslocamento lateral do tron- co (ZAZULAK et al., 2007) e a combinação de abdução do joelho e deslocamento lateral do tronco (HEWETT; TORG; BODEN, 2009). Em consonância, revisão sistemática de MULLALLY et al. (2021) in- dicam a abdução do joelho como o mecanismo mais comum asso- 36

Biomecânica dos agachamentos ciado à lesão no joelho. Em contraste, conforme revisão sistemáti- ca e meta-análise de estudos prospectivos envolvendo mulheres, comandada por Cronstrom, Creaby e Ageberg (2020), parece não haver relação entre abdução do joelho e maior predisposição à lesão no ligamento cruzado anterior. Referente à menor flexão do quadril em mulheres, confor- me demonstrado em estudo de Graci, Van Dillen e Salsich (2012), também pode ser relacionada com lesão no ligamento cruzado anterior (POLLARD; SIGWARD; POWERS, 2010). Ressalta-se que o estudo de Pollard, Sigward e Powers (2010) avaliaram a limi- tação da flexão do quadril e joelho conjuntamente, com a maior tendência de valgo também associada a essa limitação. Yu et al. (2005) investigaram as diferenças cinemáticas em adolescentes ao executar tarefa de salto vertical, indicando a menor tendência de flexão de joelho e quadril nas adolescentes quando na fase ini- cial de aterrissagem e menor movimentação de flexão de joelho e quadril no processo de aterrissagem. Os autores sugerem que as diferenças cinemáticas parecem acontecer aproximadamente na idade de 12 anos e aumenta conforme a idade. Pappas et al. (2007) identificaram maior tendência de valgo em mulheres quan- do aterrissando unilateralmente e bilateralmente e menor flexão do joelho em mulheres e homens, na fase inicial de contato com o chão na aterrissagem unilateral, em comparação com aterrissa- gem bilateral. Maior atividade do reto femoral foi registrado para a aterrissagem unilateral nos dois gêneros e não foram registra- das diferenças cinemáticas no quadril, sugerindo que a tendência para o valgo dinâmico nas mulheres não teve origem proximal. Chappell et al. (2007) apontam que a menor flexão de quadril e joelho ao aterrissar, além da atividade aumentada de quadríceps e diminuída de gastrocnêmios, podem ser fatores conjuntos que levam à lesão do ligamento cruzado anterior. Quanto à atividade muscular durante aterrissagem unilateral, estudo de Zazulak et al. 37

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva (2005) registra menor atividade tanto de glúteo máximo como de reto femoral, que também resultaria em maior predisposição à le- são no ligamento cruzado anterior. Ainda em relação ao agachamento unilateral, estudo de Bal- don et al. (2011) mostra o padrão de abdução do joelho nas mu- lheres avaliadas, em comparação aos homens, similarmente ao que evidenciado por Willson, Ireland e Davis (2006), em que as mulhe- res tenderam ao maior valgo na fase excêntrica. Baldon et al. (2011) indicam maior depressão pélvica contralateral e adução femoral. Contrastando Graci, Van Dillen e Salsich (2012), Zeller et al. (2003) mostram um padrão de maior flexão no quadril das mulheres ava- liadas. Também são destacados, por estes últimos, a maior adução e rotação externa do quadril, maior tendência para joelho varo ou valgo (maior instabilidade do joelho), maior dorsiflexão e pronação. Verifica-se que quanto maior a adução do fêmur maior tam- bém é a tendência para abdução do joelho (FORD et al., 2006; HOLLMAN et al., 2009). Com a ocorrência do valgo dinâmico, além do mais, é reportado que o ligamento cruzado anterior é tensiona- do (MARKOLF, 1995). Dessa forma, é presumido que a repetitivi- dade do valgo dinâmico na execução do agachamento aumenta o estresse sobre o ligamento cruzado anterior e, consequentemente, a possibilidade de lesão. O padrão de comportamento das articulações, conforme a ocorrência do valgo dinâmico no joelho, é sintetizado por Hewett et al., 2005, sendo a adução do fêmur responsável por iniciar a reação em cascata nas articulações seguintes. A adução do fêmur leva ao valgo dinâmico, que pode ter a abdução do joelho associa- da, e eversão do pé. Hollman et al. (2009) mostram também que o componente de rotação interna do quadril pode gerar o valgo dinâmico, consequentemente causando rotação interna da tíbia e pronação do pé. 38

Biomecânica dos agachamentos Outros estudos reforçam a hipótese do valgo dinâmico como fator de predisposição à lesão do ligamento cruzado anterior em tarefas de aterrissagem vertical (RUSSELL et al., 2006; PAPPAS et al., 2007; JACOBS et al., 2007). Em síntese, a incidência de carga fora do centro da articulação tibiofemoral gera forças compres- sivas medialmente na adução e lateralmente na abdução. Como consequência a essas alterações, perturbações artrocinemáti- cas anormais ocorrem e os ligamentos são estruturas significati- vamente atingidas (MATSUMOTO, 1990; MARKOLF et al., 1995; HEWETT; TORG; BODEN, 2009). 39



CAPÍTULO 4 INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE OS AGACHAMENTOS Neste capítulo serão apresentados conhecimentos gerais que podem ser aplicados, em grande parte, às diferentes variações do agachamento. Ressalta-se que a abordagem sobre o agachamento unilateral foi distribuída aos Capítulos 2, 3 e 4. APLICAÇÕES GERAIS Forças compressivas na coluna vertebral Conforme avaliaram Cappozzo et al. (1985), a carga entre 0,8 e 1,6 vezes o peso corporal no meio agachamento pode gerar forças compressivas na coluna lombar equivalentes a 6 a 10 vezes o peso corporal. Uma pessoa de 70Kg executando o meio agacha- mento com uma carga 1,6 vezes seu peso estaria suportando forças compressivas de mais de 1000 Newtons. As forças compressivas au- mentam conforme o aumento da carga externa, da velocidade de contração e alteração do braço de momento da resistência (DOLAN; EARLEY; ADAMS, 1994). Estudos in vivo mostram expressiva capa- cidade da coluna vertebral em suportar forças compressivas, como cerca de 6000 Newtons em tarefas cotidianas e de 18000 Newtons

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva em competições de levantamento de peso (MCGILL; NORMAN, 1986; CHOLEWICK; MCGILL; NORMAN, 1991). A capacidade da co- luna vertebral em suportar forças compressivas é progressivamente desenvolvida, de acordo com a prática de exercícios específicos. Cinto para levantamento de pesos O cinto para levantamento de pesos é objeto bastante usa- do nas ocasiões de levantamento de cargas elevadíssimas. Alguns praticantes recreacionistas de musculação usam o cinto mesmo quando a carga de determinado exercício, como o agachamento, é moderada. Nos estudos de McGill, Norman e Sharratt (1990) e Kingma et al. (2006) foi verificado que o uso do cinto de Weighlif- ting ajuda a aumentar relativamente a pressão intra-abdominal. Em síntese, esses estudos mostram que as forças compressivas na coluna lombar são menores quando prendendo a respiração, com ou sem o cinto, devido ao aumento da pressão intra-abdominal. O uso do cinto é facilmente justificado para levantamento de pesos elevadíssimos, pois a força muscular para manutenção da pressão intra-abdominal pode ser excedida em razão da de- manda exigida pela carga externa. É comum prender a respiração durante o levantamento de pesos muito elevados, como em competições de Weightlifting, já que a execução é rápida. Porém, durante exercícios de muscula- ção, onde há exigência de maior número de repetições e tempo para execução de uma série, a respiração deve ser mantida nor- malmente ou parcialmente (Ex.: prender a respiração apenas du- rante a fase concêntrica do agachamento), uma vez que a pressão arterial é alterada agudamente ao prender a respiração (BLAZEK et al., 2019), assim o executante pode sofrer com algum mal-estar. Pressão intra-abdominal e estabilidade da coluna vertebral A pressão intra-abdominal é alcançada através da participa- ção dos músculos do assoalho pélvico, abdominais e do diafragma 42

Biomecânica dos agachamentos (HODGES et al., 2001). No agachamento, com uma carga modera- da (ex.: ajustada para série de 6-12 repetições), o executante tem a possibilidade de aplicar uma contração voluntária do transverso do abdômen (na medida da aptidão desse músculo) especialmen- te na fase excêntrica, e desta para o início da fase concêntrica. Ao mesmo tempo que acontece a fase excêntrica o ar é inspirado, solicitando o diafragma, consequentemente somando maior esta- bilidade para o tronco (CRESSWELL; GRUNDSTROM; THORSTENS- SON, 1992; HODGES; GANDEVIA, 2000). Em resumo, a atividade voluntária do transverso do abdômen se contrapõe à pressão ge- rada pelo diafragma ao inspirar, ajudando na estabilidade do exer- cício. Entenda que a contração voluntária do transverso deve ser suficiente para evitar a protusão excessiva do abdômen. Quanto maior a carga ou mais explosiva for a execução, maior será a força solicitada para o transverso, podendo chegar a um momento em que a ativação voluntária se torna inviável devido à fadiga ou a um nível alto de carga ou intensidade. Além de tudo, o sistema motor parece ser bastante inte- ligente para identificar mudanças esperadas e inesperadas de posições, dessa forma ajustando componentes para manter a estabilidade da coluna vertebral, como acontece com a pressão intra-abdominal através da atividade do diafragma em conjunto com os músculos transverso do abdômen, oblíquo interno, oblí- quo externo e reto abdominal (HODGES; GANDEVIA, 2000; HOD- GES et al., 2001; CRESSWELL; ODDSSON; THORSTENSSON, 1994). Posicionamento da cabeça Conforme revisão de Donnelly, Berg e Fiske (2006), diferen- tes autores divergem sobre o posicionamento da cabeça durante o agachamento. No geral, são citadas as posições: cabeça levantada, neutra, levantada e com o olhar fixo em um ponto, cabeça levan- tada e com o olhar diretamente para frente. Não há concordância quanto ao posicionamento da cabeça durante os agachamentos. É 43

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva recomendado, no Capítulo 5, posicionamento específico, de acor- do com visão clínica. Restrição dos joelhos Considerando o agachamento livre com barra ou similares, restringir os joelhos a não passarem as pontas dos dedos dos pés pode gerar menor estresse Patelofemoral, porém a compensação causada pelo aumento da flexão do quadril eleva significativa- mente a carga sobre a região extensora do quadril e lombar (FRY; SMITH; SCHILLING, 2003; LIST et al., 2013). Permitir que os joe- lhos passem relativamente à frente dos dedos dos pés é ideal para manter um braço de momento da resistência mais proporcional entre joelho e quadril. Posicionamento dos pés Diferentes estudos já avaliaram a relação da variação da po- sição dos pés durante o agachamento e a atividade de diferentes músculos envolvidos no agachamento: • Pés apontados para frente e 30º para fora, sem diferen- ças significativas para o quadríceps, isquiotibiais e gas- trocnêmios (ESCAMILLA et al., 2001); • Pés apontados para frente, apontados para fora e para dentro, não indicadas diferenças significativas entre vas- to lateral, vasto medial e reto femoral (JOSEPH et al., 1995); • Posição neutra escolhida pelo executante e pés aponta- dos para fora em 30º, também não indicando alterações significativas no quadríceps e isquiotibiais (NINOS et al., 1997); • Em consonância, Gareth; Joanna e Rosemary (2000) não demonstraram alterações significativas na ativação do quadríceps, conforme as variações de -10º (pés aponta- dos para dentro), +10º e +20º (pés apontados para fora) e 0º (pés neutros); 44

Biomecânica dos agachamentos • Por último, Hung e Gross (1999) avaliaram inversão e eversão dos pés (10º cada) em comparação aos pés ni- velados, também demonstrando que não há alterações significativas na atividade do quadríceps independente- mente da variação. Posicionamento latero-lateral Conforme explicam McCaW e Melrose (1999), a alteração do cumprimento dos músculos possivelmente altera o padrão de recrutamento e magnitudes. Considerando isso, quando avaliadas as posições mais aberta (140% da largura do ombro), mais fechada (75% da largura do ombro) ou com rotação do quadril, a ativida- de do quadríceps parece não ser alterada, enquanto os adutores, glúteo máximo e bíceps femoral demonstram maior ativação (MC- CAW; MELROSE, 1999; CLARK; LAMBERT; HUNTER, 2012). Paoli, Marcolin e Petrone (2009) analisaram a ativação dos músculos vasto medial, vasto lateral, reto femoral, semitendinoso, bíceps femoral, glúteo máximo, glúteo médio e adutor maior em três po- sições latero-laterais no agachamento livre: largura do trocanter maior, 150% da largura do trocanter maior e 200% da largura do trocanter maior. Apenas o glúteo máximo demonstrou aumento significativo na sua ativação, conforme aumento da posição late- ro-lateral. Atividade muscular nos diferentes tipos de agachamento Em estudo de Krzyszkowski e Kipp (2020), comparando-se os agachamentos frontal e agachamento livre com barra, o aga- chamento frontal demonstra significativa demanda da muscula- tura extensora da articulação tibiofemoral em termos de carga absoluta, em comparação ao agachamento livre, enquanto este provoca maior demanda mecânica na musculatura extensora da coxofemoral em termos de carga absoluta e similar demanda na musculatura extensora da articulação tibiofemoral em termos de carga relativa, em comparação ao agachamento frontal. O agacha- 45

Diogo Martins Ribeiro e Caleb Siloé Ben Silva mento frontal pode ser preferencial em casos em que seja dese- jada a menor demanda da musculatura extensora da articulação coxofemoral e a ênfase da musculatura extensora da articulação tibiofemoral. Gullett et al. (2009) mostram que o agachamento frontal, em termos de ativação geral, pode ser tão efetivo quanto o agachamento livre com barra. Além disso, o agachamento fron- tal parece gerar menor estresse compressivo e momento extensor no joelho. Em concordância, Yavuz et al. (2015) indicam o agacha- mento frontal como tão efetivo quanto o agachamento livre com barra em termos de ativação geral. Ainda conforme os autores, indivíduos no agachamento livre com barra podem levantar signi- ficativamente maior carga que no agachamento frontal. Yavuz et al. (2014), assim como Yavuz et al. (2015), apontam o vasto me- dial com maior ativação durante o agachamento frontal, em com- paração ao agachamento livre com barra, porém maior ativação do semitendinoso neste último. No geral, a recomendação é da execução do agachamento frontal para desenvolvimento dos ex- tensores do joelho e menor estresse lombar, considerando que no agachamento livre há maior inclinação do tronco em sentido de flexão do quadril. Ambos os agachamentos búlgaro e livre parecem causar maior demanda sobre a musculatura do quadril do que no joelho, e menor demanda sobre este último é associada ao agachamento búlgaro (MACKEY; RIEMANN, 2021). Além disso, a ativação pare- ce ser maior para os oblíquos externos e bíceps femoral e menor para o reto femoral, em comparação com o agachamento livre com barra. A aplicação do agachamento búlgaro em superfície instável reduz a atividade do bíceps femoral, em comparação com a execução em superfície estável, assim como há redução na ativi- dade dos eretores da espinha (ANDERSEN et al., 2014). Conforme McCurdy (2010), o agachamento búlgaro demonstra maior ativa- ção dos isquiotibiais e menor ativação de quadríceps em compara- 46


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