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TERRAS DE BARROSO

Published by dvazchaves, 2020-05-29 04:50:40

Description: Origens e caracteristicas de uma região

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Domingos Vaz Chaves gordura. Nos dias anteriores à \"matança\" parentes e amigos vão à caça para fornecer em abundância a mesa de perdizes, lebres e coelhos. O dia da \"matança\" tinha um profundo. \"O dia de festa é quando o meu pai mata os porcos\". Vive se então um reflexo profundo e antigo da festa da mesa e da repartição do produto da caça, garantindo assim a sobrevivência da família, tal como desde os mais remotos tempos das cavernas. Assaduras, chouriças, chouriços, rojões, presuntos, cabeças, queixadas são um não mais acabar de iguarias da cozinha barrosa, que vão fazer os prazeres da mesa durante todo o ano, até àmatança seguinte. Em casa, com largueza e com braços para trabalhar, não havendo doença ou desgraça, a vida segue feliz os seus dias. Malhada Os barrosões tinham frequentemente uma segunda profissão, isto é, dominavam um ofício. Durante o Inverno viravam pedreiros, carpinteiros (eram necessários novos carros de bois, novos arados, grades, engaços e um não mais acabar de instrumentos), soqueiros, alfaiates, capadores, albardeiros, ferreiros, etc.. Muitos outros debandavam em grandes grupos rumo ao Alentejo, onde vinham trabalhar nos lagares de azeite. Alguns autores referem que chegavam a 400 alunos o número de trabalhadores de Barroso envolvidos neste movimento sazonal. Chegavam, compravam um nabal de couves, umas batatas, umas peças de carne e o resto das calorias dava as o próprio lagar. E por ali labutavam até chegar a nova Primavera. O sistema social e económico revelou um grande equilíbrio e consistência até ao aparecimento da cultura intensiva da batata e posteriormente ao abandono em massa da terra, a caminho da emigração. \"No Barroso os ricos são todos parentes\" dizia me um notável observador de usos e costumes. De facto, os casamentos eram contratados normalmente entre casas das mesmas posses. O filho mais velho casava normalmente em casa e os irmãos tendiam a ficar solteiros na casa para que esta não fosse dividida. Os seus desmandos amorosos tinham como testemunho os filhos nos braços de pastoras e filhas de 51

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região cabaneiros, os quais, só muito raramente ou por serem forçados a tal, chegavam a ser reconhecidos pelo pai. Nalgumas aldeias o número de filhos ilegítimos equivalia, por vezes, quando não suplantava, o de filhos legítimos. Não admira que já Luís de Camões se referisse à revolta criativa dos filhos ilegítimos de Portugal. Os casamentos eram negociados entre \"embaixadores\" das famílias interessadas e a intervenção dos noivos era mínima. No dia do casamento os convidados do noivo reuniam se em casa do pai do noivo e os da noiva na casa do pai da noiva. Comiam, bebiam e conviviam ao som do toque da concertina e da voz do cantador contratado para a boda. Na casa da noiva também havia cantador e seriam estes, na tradição antiga, que iriam anunciar os rituais dentro e fora da igreja, para concretizar a celebração do casamento. À porta da casa da noiva o cantador pedia ao pai da noiva para abrir a porta e deixar que a filha viesse ao encontro da sua nova existência, e seguiam todos com grandes arcos decorados com as respectivas oferendas, rumo à igreja. À saída, os populares lançavam lhes flores e ditos como este que registamos: \"Eu escrevo aqui c'o rabo da pirua, que os de Travassos não vêm buscar mais nenhuma\". A MATANÇA DO PORCO A matança do porco assume uma grande importância no ciclo anual das tarefas agrícolas e festivas, pois é simultaneamente uma tarefa produtiva e uma festa lúdica. A carne de porco é um dos alimentos base da gastronomia local, pelo que a matança do porco é vital para a economia familiar, assegurando grande parte das provisões de carne, além de constituir uma festa familiar e vicinal por excelência. A época da matança do porco decorre de Novembro a Janeiro, uma vez que o frio é um factor essencial para a conservação da carne. Dada a importância que o porco assume na dieta alimentar dos agregados familiares exige especiais cuidados na sua criação e ceva, nomeadamente nos meses que antecedem a matança. Assim, as mulheres desvelam-se em mil cuidados no que se refere à sua alimentação que consiste fundamentalmente em alimentos produzidos localmente como centeio, batatas, couves e nabos. Tal é a preocupação constante que rodeia o trato deste animal que muitas vezes se prometem oferendas ao Santo António (Santo protector dos animais) para que o proteja das doenças e males ruins. O dia da matança combina-se com antecedência. Convidam-se os familiares mais próximos, vizinhos e amigos que mais tarde retribuirão o convite por altura da matança dos seus porcos. Este aspecto insere a matança do porco no contexto da entreajuda tão característica desta região. No dia que antecede a matança se aos homens compete o arranjo do espaço onde vai decorrer a matança do porco e a loja onde serão dependurados depois de mortos, às mulheres compete toda a azáfama dos restantes preparativos: preparar os alguidares e restantes utensílios utilizados no decorrer da matança do porco. No final desse dia não se deita comida aos porcos para as tripas estarem limpas. Todas as matanças são tristes, mas o dia da matança do porco é uma festa de comida, alegria e convívio. Como que um funeral invertido onde se celebra a morte, que garante o armazenamento de um alimento essencial para a subsistência. Esse dia é especialmente trabalhoso para as mulheres da casa, vale 52

Domingos Vaz Chaves nesses apertos a ajuda de familiares e vizinhas que dão uma mãozinha. Mais tarde essa ajuda será retribuída quando fizerem a matança dos seus porcos. Numa azáfama constante as mulheres preparam a parva ou mata-bicho para forrar o estômago aos convivas. Dispõem na mesa da cozinha um repasto variado (pão, queijo, carne, pataniscas de bacalhau, sopa, etc.) onde não falta o vinho e a aguardente para empurrar a comida e aquecer o corpo. Terminada esta refeição matinal, os convivas dirigemse para junto da corte onde se encontram os porcos, ajeitam-se as ferramentas (o banco de madeira, as facas), arregaçam as mangas e dão inicio à festa. Enquanto um homem guarda a porta para não deixar fugir os animais, os restantes entram na corte agarram um porco e levam-no até ao altar do sacrifício, o banco onde será morto. Quando junto às cortes existem pátios fechados, soltam os animais para fora da corte e é ver os homens a correr atrás deles tentando apanhá-los, um agarra um perna, outro o rabo, outro as orelhas e o focinho até que finalmente capturam o animal e o matam. Entre estes convivas é ao sangrador que cabe o papel de mestre de cerimónias e imolar o animal, uma mulher acompanha o desenrolar da matança e apara o sangue para um alguidar. Enquanto isso, em casa, as restantes mulheres preparam o almoço da festa, dividindo as tarefas “uma tira o testo, outra mete a colher e outra deita o sal”. A mulher que recolheu o sangue regressa a casa com o alguidar, mexendo-o para evitar que coagule e prepara o sarrabulho. Este petisco muito apreciado nas terras do concelho, consiste no sangue cozido temperado com sal e que depois é servido partido aos pedaços com cebola cortada às rodelas ou alho cortado aos bocadinhos e temperado com azeite. Depois de mortos, os porcos são chamuscados (queimam-lhe o pelo), outrora com palha, carquejas ou giestas, agora utilizam um maçarico a gás e raspam a pele com uma faca ou lâmina. Em seguida lavam-nos com água, sabão, esfregam muito bem a pele e deitam água para limpar todas as impurezas que possa ter. Depois abrem 53

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região os porcos e retiram-lhes as entranhas. Mais tarde as mulheres estremam as tripas (retiram a gordura que as envolve, utilizando-a posteriormente para fazer rojões). Todo este processo decorre em alegre cavaqueira entre os convivas, mas foi grande o esforço exigido e é altura de recuperar energias. Uma mulher leva o sarrabulho, pão, vinho e coloca um pano sobre o porco, que se encontra em cima do banco, servindo de mesa onde é colocada a travessa com o sarrabulho para os convivas comerem. Recuperadas as forças e com o estômago mais aconchegado, pegam nos porcos, levam-nos para os baixos da casa onde os penduram e deixando-os assim um ou dois dias. Mesa de festa, mesa farta. O almoço é um autêntico banquete onde a tradição manda que se coma essencialmente carne do porco que se matou. Além do sarrabulho comem fígado frito, coração frito e rojões da costela. A esta juntase um pouco da carne do porco que se matou no ano anterior, é sinal de bom governo da casa. Há ainda quem faça também um cozido com vitela, chouriça e frango. Como acompanhamento costuma fazer-se arroz e batatas. A este repasto não faltam muitas e variadas sobremesas: aletria, pão-de- ló, rabanadas, etc. Todavia, na freguesia de Fiães do Tâmega a refeição mais importante, de comemoração, é a refeição da noite, a ceia da matança, onde além dos manjares mencionados se come também o peito do porco que se matou, cozido. Após o almoço, os homens entretêm-se a jogar às cartas e depois vão tratar do gado. Por seu lado as mulheres dividem as tarefas entre si, enquanto umas ficam a lavar a louça e arrumar a cozinha, as outras vão lavar as tripas, consoante as aldeias lavam-nas nos rios, corgos ou lavadouros, construídos para o efeito. Depois de lavadas, as tripas são envoltas em sal e conservam-se assim até ao dia em que se fizer o fumeiro. O FUMEIRO O porco teve sempre entrada e lugar certo e insubstituível nas casas de Barroso. É a carne que dá para tudo!... Carne que se come de manhã e à noite, crua, cozida, frita, assada na brasa, a rechinar e a pingar no pão. Gorda ou magra não se desperdiça!... Tem as suas horas, os seus dias, os seus consumidores. Vai o criado para o monte, lá se imponta com um naco de broa e um bocado de carne. Vem o patrão de fora e o que está mais à mão que a carne da salgadeira?!... Na gaveta da mesa da cozinha há sempre alguma de sobra para matar o primeiro apetite que raiar pela quase fome. Vem um amigo e lá se parte uma febra - que amigo ou outra pessoa qualquer sai de uma casa barrosã sem comer e beber?!.... E o comer que há-de ser senão o que \"dá a casa\"?!... E o que dá a casa que é senão este abençoado presunto e fumeiro que a mulher barrosã tão bem faz e com tão boa vontade oferece. Muitos dos sabores ainda hoje apreciados são elementos da dieta alimentar tradicional barrosã, imposta pelas condições climáticas, geográficas e sócio- económicas, constituída principalmente por pão, batata e carne de porco. A carne de porco era curada e consumida por processos tradicionais e eficientes, constituindo uma reserva essencial de proteínas e gordura ao longo de todo o ano. As tradições associadas à criação de porcos e aos seus produtos estão presentes 54

Domingos Vaz Chaves nas festas populares e religiosas, incluindo sempre as oferendas produtos do fumeiro. Os padrinhos têm de dar aos afilhados, os reis todos os anos, e os afilhados dão de reis aos padrinhos, uma chouriça. A importância sócio-económica da criação de porcos e da conservação das suas carnes é grande nesta parte do país, marcada pelo isolamento de séculos e pelas agrestes condições edafo-climáticas. Para fazer face às dificuldades que naturalmente surgiriam se tivesse de abastecer-se de carnes frescas, mata, de acordo com as suas possibilidades, um ou mais porcos, curando as carnes por processos tradicionais e eficientes para todo o ano. Geralmente, a riqueza dos habitantes de Barroso, avaliava-se pelo número de porcos que matavam . A conservação das carnes de porco foi sempre uma medida importante da economia e da dieta familiar!... Quem não tivesse em casa um pouco de unto que fosse, estava na miséria. A antiguidade e importância da criação de porcos nesta região é testemunhada pelas referências feitas a estes animais em vários Forais, relativas aos tributos dos suínos e seus produtos, nomeadamente, no Foral de Montalegre. A matança era uma festa repleta de tradições e um acontecimento social de relevo no Barroso. Da matança depende a fartura da casa em carne. A grandiosidade desta festa, traduz bem o valor da criação de porcos na região e reflecte curiosos aspectos socio-económicos das populações. É uma festa pagã, dentro daquela ideia romana de que o porco é o símbolo da abundância. No Barroso todos os lavradores e cabaneiros matavam de um a 10 porcos, mais ou menos. As habitações eram construídas para os homens e para os animais, nalguns casos sem separação muito nítida. A maior parte das casas possuíam dois pisos: em baixo, para as vacas, suínos, cabras e ovelhas; em cima, para os homens, as mulheres e a filharada. Não se sabia onde acabava o curral e onde começava a habitação da gente, como refere Ferreira de Castro, em \"Terra Fria\". A criação dos porcos esteve também sempre ligada a formas de organização da sociedade muito particulares, como o comunitarismo, que prevalece ainda em algumas localidades barrosas. Nalgumas terras também havia a vezeira dos porcos de todos. Nos dias bons saíam para longe, nos dias maus iam para perto. Iam os de cria e de ceva de todo o povoado. Desde Abril até Setembro ou mais tarde. Não iam para a serra. Iam para o monte de erva verde ou para onde houvesse bolota. Cada um ia os dias, segundo as cabeças de porcos que tinha. Ainda hoje a criação do porco no Barroso é o reflexo de uma economia de subsistência. A maior parte das explorações tradicionais tem apenas 1 ou 2 animais cuja alimentação assenta sobretudo em alimentos produzidos pela empresa agrícola, fornecidos duas vezes por dia. Os porcos alimentam-se de cozidos de farinha, couves, nabos, batatas e centeio. Para poder ser consumida durante todo o ano descobriram-se formas de conservar a carne de porco, uma arte ancestral transmitida de geração em geração. Estas iguarias de excelência, principalmente para as populações 55

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região urbanas, dependem muito do clima frio desta região que obriga à constante companhia da lareira. Esta proporciona condições de furnagem únicas, caracterizadas por um fumo pouco intenso e gradual, produzido a partir de lenha da região à base de carvalho, a que se juntava a humidade constante do caldeiro de água sempre ao lume. Ver as cozinhas enfeitadas durante o Inverno com as varas repletas de enchidos, cuidadosamente elaborados, sempre foi orgulho das gentes desta região. O fumo assim conseguido é elemento essencial para a obtenção de enchidos tão apreciados, pois numa cozinha barrosã, na lareira arde a lenha de carvalho, giesta, salgueiro, vido, urze e a raiz desta - o torgo. O fumo, que não saía por chaminé, conserva a carne de porco, pendurada do telhado. A necessidade de aproveitar integralmente a matéria-prima fornecida através do abate de porcos da raça Bisara deu origem ao aparecimento de diversos enchidos de forma e composição variadas, com cores e paladares diferenciados, mas sempre resultantes das 20 particularidades locais - das terras e das gentes. O seu conjunto é vulgarmente conhecidos por Fumeiro de Barroso. A Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre é um destes produtos. Depois da matança, começava a fabricar-se o fumeiro, labutação que durava semanas. Era época em que andava tudo engordurado, por dentro e por fora, saltavam os alguidares e os caldeiros da cabaça, as fundas com o fuso para empurrar a massa da caldeirada, tudo muito escarqueijado e luzidio; e depois das tripas cheias e bem atadas, dependuravam-se nos lareiros, para afumar e secar, formando por cima da lareira um encantador sobrecéu, exalando um cheirinho picante e activo, dos que o povo classifica como capazes de ressuscitar um morto. Cada noite que passava, com as fogueiras e fumaça, sempre tudo a loirar, - as alheiras e bucheiras, os salpicões de polpa magra, as linguiças acerejadas, as gordas farinhotas, tudo comandado pelos palaios, buchos ou gaiteiros, recheados com 56

Domingos Vaz Chaves costelinhas de sorça, para comer no cedo com grelos cozidos, e que só de vê-los, faziam crescer água na boca. O fumeiro de Barroso tem hoje fama nacional, podendo na verdade, promover-se a sua propaganda porque a Região de Barroso, oferece condições excelentes para uma cura condigna com a qualidade e quantidade que se produz. A produção de fumeiro, tem em toda esta área geográfica grande importância. O que começou por ser uma importante reserva alimentar, quando o acesso destas populações a alimentos diversificados era bastante difícil, é hoje uma actividade económica com algum peso para a região. A produção de fumeiro em pequenas unidades de transformação que respeitam os processos tradicionais de fabrico mas que se modernizaram, adquirindo todas as condições para funcionar de acordo com as actuais exigências, é uma actividade viável em termos económicos, que muito contribuirá para a manutenção das populações rurais e que mantém o equilíbrio com as condições agro-ecológicas da região. A notoriedade, consequência das características únicas e muito apreciadas da Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre, fez com que este produto atingisse a reputação de que goza hoje em dia. A notoriedade da Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre é também evidenciada sempre que se referem os costumes, a gastronomia e as produções da região. A reputação da Chouriça de Carne de Barroso - Montalegre leva a que nomes como Chouriça de Carne de Barroso sejam suficientes para que mesmo os consumidores não habituais e não naturais da região se disponham a pagar mais por um produto que é, aos seus olhos, indestrinçável de produtos semelhantes existentes no mercado e vendidos a preços mais baixos. A protecção do nome deste produto como Indicação Geográfica é pois um instrumento importantíssimo para evitar a sua descaracterização, salvaguardando a sua genuidade e consequentemente a sua reputação. Para além da importância que representa em si mesma a protecção jurídica das várias designações de produtos da Chouriça de Carne de Barroso- Montalegre, os seus efeitos reflectir- se-ão benefícamente a nível da manutenção de postos de trabalho a nível local, com o inerente impedimento da desertificação de uma região desfavorecida, com o respeito pelo ambiente, face à continuidade do uso das práticas produtivas e de transformação tradicionais, e pelo escoamento de diversas matérias-primas regionais, desde sempre utilizadas na alimentação dos animais. OS TRABALHOS COMUNITÁRIOS A expressão trabalhos comunitários, “…compreende todas as tarefas que beneficiam a comunidade ou que se referem aos bens de propriedade comum, e para os quais se torna indispensável a organização de grandes grupos de trabalho.” Os principais eram a limpeza dos caminhos, do regadio, manutenção dos moinhos e do forno do povo. Os trabalhos nos caminhos realizavam-se durante o Inverno, geralmente aos sábados, quando havia mais bagar, o regadio era limpo, uma vez antes do início da época de rega, procedendo-se à limpeza e 57

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região ao arranjo dos regos e das poças. Estes trabalhos faziam-se através dos ajuntamentos do povo, geralmente no largo da igreja à saída da missa, o regedor ou o cabo de ordens dava as ordes relativas à comunidade ou às coisas comunais. Tocava-se o sino da igreja e um elemento de cada agregado familiar comparecia ao ajunto. A ENTREAJUDA A entreajuda ocorria essencialmente na altura do pico dos trabalhos agrícolas: sementeiras, ceifa (segada) do feno e do centeio, malhadas, arranque das batatas, desfolhada do milho, vindimas, etc. As pessoas trocavam trabalho ou outros tipos de ajuda de forma a assegurar força de trabalho ou apoio perante uma situação semelhante. Além da troca de trabalho, há outras formas de troca como a cedência de animais, concessão de favores ou comida. OS BALDIOS Cada uma das aldeias do Barroso, possui extensas áreas de baldios, cobertos de vegetação arbustiva espontânea (giesta, urze, carqueja, e outras espécies). Estes espaços, são propriedade de toda a comunidade aldeã, terrenos maninhos, indivisos, situados na parte mais distante da aldeia, em geral nos altos e nas encostas impróprias para a agricultura, e desempenham um papel importante na economia agro-pastoril. Tendo em conta que estas populações dependem das actividades agro-pastoris, e dada a limitação, quer em termos de área, quer em termos produtivos das propriedades particulares, os baldios são fundamentais para a sobrevivência dos agregados domésticos. Enquanto terrenos comunais – logradouros comuns – são passíveis de serem utilizados de diversas formas: como área de pastagem para o pastoreio do gado ovino e caprino ao longo do ano e do gado bovino no Inverno e área de recolha de lenha e de mato para a cama do gado e preparação do estrume. Algumas parcelas destes terrenos, as cavadas, também eram exploradas individualmente pelos aldeãos mais pobres, muitas vezes sem qualquer outro recurso fundiário para cultivo, de forma a mitigar um pouco a sua pobreza e garantir recursos mínimos de subsistência. Ao longo dos anos, estes espaços comunais adquiriram novas valorizações com a florestação, entretanto levada a cabo, a resinagem, e mais recentemente, com o aproveitamento das áreas de grande altitude para a instalação de parques eólicos. A produção de energia eólica encontra-se em franca expansão em toda a região de Barroso. Os benefícios económicos provenientes dos investimentos realizados nestes espaços, até então de maninho, revertem a favor da comunidade a que pertencem. Geralmente são utilizados para obras de beneficiação e construção de espaços comunitários. No que se refere à gestão destes espaços comunais, são, geralmente as Juntas de Freguesias, enquanto representantes da população local, que gerem em comum os baldios das aldeias, que compõem cada uma das freguesias. Todavia, nalgumas aldeias foram criados Conselhos Directivos dos Baldios. 58

Domingos Vaz Chaves Actualmente existem já vários Conselhos Directivos dos Baldios, que assumiram a gestão desses espaços, nas respectivas aldeias. Os baldios encontram-se demarcados com cruzes gravadas na terra ou em penedos, com marcos, ou com barreiras físicas naturais formadas por rios e corgos. Geralmente, esta delimitação apenas é feita ao nível externo da freguesia, relativamente às freguesias vizinhas. Todavia, existem algumas freguesias cujos baldios, por terem diferentes entidades de gestão, também se encontram delimitados a nível interno, divisão nem sempre estabelecida de forma consensual entre as aldeias que as compõem. Independentemente de existir delimitação interna ou não, cada aldeia conhece mais ou menos os limites dos seus baldios, sendo que estes espaços podem ser utilizados por pessoas de outras aldeias, desde que pertençam à mesma freguesia. O GADO As actividades agro-pastoris fazem também parte do quotidiano das comunidades camponesas em Barroso. O gado, a par da terra, é um dos elementos que garante a sobrevivência dos agregados familiares. É simultaneamente fonte de riqueza e alimento, para quem enfrenta as labutas diárias e os rigores de um clima, para retirar da terra os magros recursos que complementam a sua subsistência. A terra e o gado formam, assim, os dois pilares base que garantem a reprodução sócio- económica da população local. A criação do gado assumiu uma enorme importância nas regiões de montanha, onde os rigores do clima e a fraca produtividade dos solos garantem apenas o sustento da população. Não admirando pois, que à agricultura tenha andado aliada, desde remotos tempos, a pastorícia. Nesta região, assume especial destaque o gado bovino. Foi este, com a sua força, que aliado à perícia humana, moldou, durante séculos, a agricultura local. Utilizados nos trabalhos agrícolas, estes animais desempenham funções essenciais na adubação e fertilização das terras, com o esterco que produzem, no amanho das terras (lavrar e agradar) e no transporte das colheitas (carrar o feno, o centeio, as batatas, o milho e as uvas). 59

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Desempenham também um importante papel enquanto produtores de carne, os vitelos para auto-consumo ou para venda, tornando-se assim numa fonte de rendimento para os agricultores. Um factor importante para a expansão deste gado foi, sem dúvida, a existência de ricos pastos naturais - os lameiros. A par da terra, também a posse de bovinos serviu durante muito tempo como base de diferenciação social. Ter uma junta de vacas, era possuir um recurso invejável, quer pelo valor simbólico que lhe estava associado, quer pela sua importância sócio-económica. Quem tinha vacas, detinha recursos para as sustentar, manter, ou seja, era proprietário de um considerável património fundiário, que garantia pastagens e produção de feno para alimentar os animais no Inverno. Assim, os proprietários das terras, os lavradores, eram simultaneamente os proprietários do gado. Os cabaneiros, alguns deles detentores de pequenas parcelas agrícolas, mas não as suficientes para garantirem a alimentação de tão precioso recurso, viam-se muitas vezes obrigados a pedir estes animais emprestados, para o amanho das suas terras. Dado que não possuíam recursos pecuniários que lhes permitissem pagar esses empréstimos, tinham que pagar em dias de trabalho, o “favor” recebido. Acontecia um pouco por todas as aldeias, as pessoas mobilizarem diferentes recursos para poderem criar gado. Existia um sistema, o chamado gado a meias, em que um era dono dos animais e o outro detinha os recursos para a sua alimentação, ou garantia o seu pastoreio. Os lucros obtidos, por exemplo com a venda de crias, eram divididos pelos dois. Numa região onde eram tantos os constrangimentos com que o agricultor se deparava no dia-a-dia, as comunidades viram-se obrigadas a rentabilizar ao máximo os recursos disponíveis e a criar estratégias de cooperação que lhes permitissem aceder a recursos essenciais, com custos mínimos. Foi em torno do 60

Domingos Vaz Chaves gado que se criaram duas estratégias de cooperação com características únicas: o boi do povo. O BOI DO POVO Na esmagadora maioria das aldeias do Barroso, era frequente os lavradores associarem-se para a compra, manutenção e sustento de um ou mais touros reprodutores, consoante o número de vacas existente na freguesia. Este animal, localmente designado como Boi do Povo, era propriedade comum dos lavradores da aldeia e tinha como principal função a reprodução. Geralmente, a manutenção e sustento do Boi do Povo estavam a cargo dos lavradores de cada uma das aldeias, num sistema de rotatividade entre eles, à roda, durante um período de tempo proporcional ao número de vacas que cada um tivesse. Todavia, em algumas outras, eram os maiores lavradores, que detinham mais recursos, quem cuidava do Boi um determinado tempo, que variava consoante as aldeias. Mais tarde, em algumas aldeias, os lavradores passaram a pagar a alguém para cuidar do boi, e cada um deles dava a paga ao pastor. Inicialmente, contribuíam para a sua alimentação dando uma determinada quantia de cereais (centeio ou milho), mais tarde substituída por um valor monetário. Esta paga, era sempre proporcional ao número de vacas para cobrição. Para além de garantia de procriação, o Boi do Povo era também utilizado para realizar combates – “chegas de bois” – contra os bois do povo de aldeias vizinhas. Este espectáculo, tradicional do Barroso, arrastava consigo aldeias inteiras, que corriam a afoitar o seu Boi, vibrando a cada vitória, ou chorando, humilhados a 61

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região derrota sofrida. O Boi do Povo, propriedade comum, era o representante de todos. Em cada luta, era a aldeia, a sua valentia e a sua fama, que estava representada. É esta comunhão de identidade, Boi do Povo/comunidade aldeã, que Miguel Torga descreve numa passagem do seu diário, ao falar sobre Barroso e o simbolismo associado à figura do Boi do Povo. “Já conheço a paisagem de cor e salteado, em poucas aldeias ou lugarejos deixei de meter o nariz, os caracteres humanos são de tal clareza que se decifram à primeira leitura. A verdade, porém, é que volto sempre que posso, e cá estou mais uma vez. Atrai-me esta amplidão pagã, sinto- me bem a pisar um chão em que o deus vivo dos ricos e dos pobres, de alfabetos e analfabetos, é o toiro do povo. Um deus de cornos e testículos, que depois de cada chega e de cada vitória, a gratidão dos fiéis cobre de palmas, de flores, de cordões de oiro e de ternura. Um deus que a devoção adora sem lhe pedir outros milagres que não sejam os da força e da fecundidade, provados à vista da infância, da juventude e da velhice. Um deus a quem se dão gemadas para que possa inundar as vacas de sémen, as moças de esperança, os moços de certeza e a senilidade de gratas recordações. Um deus eternamente viril, num paraíso sem pecado original.” Nas aldeias onde existiu, o Boi do Povo foi sendo, progressivamente, substituído por bois particulares. Em grande parte das aldeias, a tradição do Boi do Povo acabou por desaparecer há mais de três décadas. Alguns lavradores têm os seus próprios bois, e os que não têm, pedem a um deles para que lho deixe utilizar na cobrição das suas vacas, mediante um pagamento, que pode ser em dinheiro ou em trabalho. Além da função reprodutora, ao Boi do Povo continua associada também uma função simbólica e lúdica. As famosas chegas de bois realizavam-se, outrora, entre os bois do povo de diferentes aldeias. Em jogo, mais do que a fama do boi vencedor, estava a imagem de cada aldeia, representada na figura do boi “Símbolo de virilidade e fecundidade, o Boi é na região o alfa e o omega do quotidiano. Cada povoação revê-se nele como num deus. Vitorioso cobrem-no de flores, derrotado abatem-no impiedosamente. Apesar do Boi do Povo ser actualmente uma miragem em toda a região continuam a fazer-se as ditas “chegas”, as quais continuam a ser um espectáculo muito apreciado. Os bois do povo, de outros tempos, foram substituídos por bois particulares, mas a mística que envolve estes espectáculos de força e perícia é a mesma. Não há festa nem evento que se preze, que não tenha uma chega de bois. Estas lutas continuam a mover multidões, que por vezes se deslocam dezenas de quilómetros para assistir a tão afamado acontecimento. A VEZEIRA OU GÁDINHO Assim como a existência dos lameiros foi essencial para a criação dos bovinos, a imensidão dos terrenos de maninho, existentes no concelho, criaram condições propícias para a pastorícia dos ovinos, que em muitas aldeias adquiriu características comunitárias. Até há umas décadas atrás, existiam, em algumas aldeias, especialmente na parte Norte do concelho, as chamadas vezeiras. A vezeira “é uma velha prática comunitária de pastoreio em que num só rebanho, ou manada, se juntam as cabeças de gado de 10, 15, 20 ou mais proprietários” (Santos Júnior, 1980:422). Este rebanho comum era pastoreado, à vez, pelos proprietários dos animais, de acordo com o número de animais que cada um 62

Domingos Vaz Chaves possuía. Nalgumas aldeias, por cada cabeça, era um dia que tinha que ir pastorear a vezeira, noutras, cada cinco cabeças equivaliam a um dia e noutras ainda, era por cada dez cabeças de gado que o dono tinha que ir um dia com a vezeira. Neste concelho apenas há memória de terem existido vezeiras de ovinos, mistas (ovelhas e cabras) ou apenas cabras, a chamada cabrada, como existiu em Vila Grande (Dornelas). Estas vezeiras podiam ser permanentes, durante todo o ano, como por exemplo em Beça e Sapiãos, ou sazonais, durante a época de maior aperto dos trabalhos agrícolas, como acontecia, por exemplo, em Alturas do Barroso e Carvalhelhos. Independentemente da sua duração, os motivos que presidiam à sua constituição eram semelhantes: libertar braços para os trabalhos agrícolas. Geralmente, no Inverno a vezeira saía de manhã e era pastoreada o dia todo, apenas regressando à aldeia no fim da tarde. A Vezéira ou Gádinho No Verão, apenas era pastoreada durante as horas mais frescas: saía de manhã bem cedinho, regressava às cortes no fim da manhã, quando começavam as horas de mais calor, voltava a sair ao fim da tarde, regressando muitas vezes já quase noite. Quem fosse com a vezeira avisava a aldeia que a vezeira ia sair, sendo o sinal, geralmente, o toque de uma buzina, como acontecia em Beça “Chegava ao cimo da aldeia, tocava a buzina para deitarem os rebanhos para a vezeira”. Juntavam os rebanhos num determinado lugar da aldeia, quase sempre num largo, em Sapiãos, esse local ainda hoje se chama o Largo da Vezeira, e daí os animais eram conduzidos, pelo pastor, para as áreas de pastoreio. Todavia, em Ardãos, os donos dos rebanhos juntavam-nos, repartidos por três pátios da aldeia, e depois, na hora de botar a bezeira, o pastor abria as portas dos pátios e encaminhava os animais para a serra. Geralmente, a área de pastoreio destes animais eram as serras, onde os extensos baldios produziam grandes quantidades de alimentos. Se, durante o Inverno, as vezeiras podiam passar pelas veigas, existindo aldeias em que os rebanhos pernoitavam nas terras que iriam ser 63

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região cultivadas, as chamadas canceladas, como forma de estrumar os campos, depois das sementeiras, tinha caminhos próprios para passar, estando proibida de o fazer pelas veigas semeadas, pois estes animais, por onde passassem, comiam e destruíam as culturas. Este método de pastoreio acabou por desaparecer. Com a florestação de extensas áreas de baldios, estes animais viram drasticamente reduzidas as suas áreas de pastagem, pois era expressamente proibido pastorear a vezeira, em especial as cabras, nas áreas florestadas, de forma a preservar o crescimento das árvores. A isto se aliou a emigração, que levou muitas pessoas a venderem os animais, tornando assim, muitas vezes, inviável a vezeira. Nalgumas aldeias, como por exemplo em Secerigo (Codessoso), os donos dos animais pagavam a um pastor para ir com a vezeira, mas também aqui, e pelos motivos enunciados, esta acabou por desaparecer. Actualmente existem inúmeros rebanhos particulares e cada um pastoreia o seu. O PÃO As características dos solos moldaram a produção agrícola local, onde desde cedo os cereais adquiriram um papel proeminente. Localmente designados como pão, o centeio e o milho, desempenharam ao longo dos tempos um papel central na alimentação da população local e do gado. Como já foi referido, as populações adoptaram o cultivo destes dois cereais consoante a morfologia e o clima do concelho, podendo afirmar-se que, grosso modo, o centeio predomina na parte Centro e Norte do território concelhio, e o milho na parte Oeste e Sul. O amanho das terras para o cultivo do centeio, cereal que germina durante o Inverno e se colhe no Verão, é feito em Setembro. É necessário lavrar as terras, gradar, semear o cereal e lavrar novamente. Se o cultivo deste cereal exige poucos cuidados ao agricultor, a sua maturação e colheita é fonte de inúmeras preocupações e medos, medo que o cereal não amadureça, medo que chova e a palha e o grão se estraguem. Outrora as ceifas deste cereal, estavam na origem de grandes grupos de trabalho. As segadas e, inerente a elas, as malhadas, eram dos trabalhos agrícolas que maior número de 64

Domingos Vaz Chaves braços exigia, pela celeridade com que estes trabalhos tinham que ser realizados. Grupos de homens e mulheres juntavam-se para segar o centeio, divididos, uns segavam o centeio, o segadores, outros arranjavam-no em molhos, os atadores. Depois era necessário proceder ao seu transporte, a carrada, para as eiras. Aí, era colocado em medas, de forma cónica, tendo o cuidado de virar as espigas para a parte de dentro, para que, no caso de chover, não se molhassem, evitando assim desta forma que o grão se estragasse. As eiras eram previamente preparadas para a debulha dos cerais, as de pedra, eram varridas e nas que eram em terra batida, tinham que “fazer o chão da eira”, espalhando bosta seca amassada com água. Essa massa era espalhada pela eira com um rodo, depois passavam um rascalho por cima, para alisar. Deixavase secar durante 2 ou 3 dias, formando, assim, uma base dura, que evitava que os grãos deste cereal se desperdiçassem na terra. Punha-se o dia da malhada, juntava-se um grupo de homens com malhos e procediam à debulha dos cereais, que depois eram limpos com um limpador, sendo posteriormente armazenados em arcas de madeira e a palha colocada em medas nas eiras ou arrumada nos palheiros. Esta era utilizada como forragem e para a cama dos animais, servindo como estrume. Muitos destes trabalhos sofreram alterações à medida que se foi introduzindo a mecanização na agricultura. As malhadeiras mecânicas substituíram a força humana na debulha dos cerais. Os homens passaram a ter um papel complementar ao trabalho da máquina, introduzindo o centeio, à medida que esta processava a separação do cereal e da palha. O cereal era recolhido em sacos e a palha, enfeixada em molhos atados com bancelhos, era transportada para os palheiros. As segadas manuais foram substituídas pelas ceifeiras atadeiras, que à medida que ceifavam os cereais, o atavam em molhos. Também na carreja do cereal se verificaram alterações, os carros de vacas, cujo chiar povoava os campos, foram substituídos pela força motriz e o barulho dos tractores. Actualmente, as modernas ceifeiras debulhadoras, muitas vezes demasiado grandes para a estrutura fundiária local, desempenham um papel proeminente nestes trabalhos, realizando em simultâneo a ceifa e a debulha do cereal nas terras, pelo que os agricultores apenas têm o trabalho de transportar a palha para os respectivos palheiros e o pão para armazenar em caixas de madeira. Por seu lado, o milho exige mais cuidados, além da preparação das terras onde é cultivado necessita ser sachado e muitas vezes regado. Quando atinge a maturação, são – lhe retiradas as espigas e as suas canas são utilizadas como forragens para os animais. Em Secerigo (Codessoso) fazem meroucas com as canas do milho e utilizam-nas ao longo do Inverno para o gado. A desfolhada do milho reunia grandes e animados grupos, geralmente ao serão. Encontrar uma espiga vermelha, o milho rei, era motivo de alegria, permitindo certas liberdades, como abraços e beijos, entre a mocidade. Estes trabalhos eram realizados numa ambiente de alegria, uma alegria espontânea de quem recolhe finalmente o fruto de tantas canseiras, que as cantigas, que então se cantavam, tão bem o demonstravam. O FORNO DO POVO De todas as instituições de vida comunitária, uma das mais importantes, pelo seu significado prático e sociológico, era a construção e manutenção em 65

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região funcionamento de um forno do povo. Do ponto de vista da vida quotidiana, esta tradição era muito importante no passado, quando as aldeias estavam isoladas. Vivia-se em economia de subsistência, e por isso, havia que ser auto-suficiente no aspecto alimentar. As padarias, mesmo na vila, são um fenómeno moderno, e um bom naco de pão não se dispensa à mesa. Tanto mais, que no Barroso abundam os cereais, em especial o centeio, tradicional dos climas frios, que cozido dá um pão muito escuro e saboroso, que se conserva fresco e inalterado durante muitos dias. O forno comunitário servia então para que cada uma das famílias fabricasse regularmente pão, consoante fosse sendo necessário. Até há poucos anos, ser padeiro não era profissão, pelo que cada um tinha que amassar e cozer o pão que consumia. Assim, o forno era uma obra social e colectiva importante, uma vez que a construção de um forno próprio era incomportável para a maioria das famílias que, deste modo se socorriam, por turnos, do forno colectivo. Além disso, num passado desaparecido, e por isso, por vezes chorado, o forno do povo era um ponto de encontro de toda a aldeia. Aí se albergavam, ao calor da fornalha, os mendigos, os artistas ambulantes e os viandantes nas noites invernosas. Era igualmente um \"lugar de oração e de reunião, como qualquer capela em serviço permanente\", um local para o serão da rapaziada da aldeia, nas longas e frias noites de inverno, num mundo que já não existe, onde não havia televisão, nem cafés, nem outras modernidades. Melhor ou pior, todas as aldeias tinham o seu forno, havendo até algumas que tinham mais que um. Era o caso de Vilar de Perdizes, que tinha um forno para cada um dos seus bairros. No concelho de Montalegre, ainda hoje merecem destaque por estarem em bom estado de funcionamento, além dos de Vilar de Perdizes, os fornos de Padornelos, Tourém e Pitões das Júnias. Estão ainda referenciados outros, em Meixedo, Gralhas, Solveira, Negrões e Travassos da Chã. Nenhum deles tem tido utilização, por serem grandes e consumirem muita lenha até aquecerem e ficarem prontos a usar, o que implica grandes custos, que actualmente não são vantajosos, se comparados com o preço do pão trazido das padarias da vila. Todos os fornos têm em comum serem edifícios baixos, de um só piso, integralmente construídos em granito, para evitar incêndios. São de pedra as paredes, como também o são os arcos e a abóbada que suportam o telhado. O mesmo se passa com o próprio telhado, formado por lajes graníticas, finamente cortadas. Do lado de fora, ao longo das paredes, existem, em regra, sólidos contrafortes, também graníticos, onde se apoiam os arcos da abóbada interior. Tudo visto, apenas é feita de madeira a única porta que costumam ter. No interior, o espaço é amplo, havendo num dos lados uma bancada de trabalho, de pedra. No outro, fica o forno, propriamente, com a sua cúpula de materiais argilosos e refractários. Para o viajante que anda em busca das ancestrais tradições e formas de vida comunitária do povo barrosão, de um mundo que já expirou, é obrigatória a visita aos fornos de Padornelos, Tourém ou Pitões das Júnias. 66

Domingos Vaz Chaves Também e de um modo geral os fornos do povo existentes no concelho de Boticas se encontram em bom estado de conservação. Estes edifícios, geralmente, encontram-se um pouco afastados do centro da aldeia, muitas vezes isolados, e sem casas à volta, como forma de prevenção contra possíveis incêndios que aí pudessem ter origem. Os fornos do povo neste concelho têm sido alvo de diversas obras de beneficiação, nomeadamente no que se refere à cobertura, os telhados, outrora de colmo, foram reconstruídos em telha, procedeu-se ao arranjo do chão, das fornalhas e da zona envolvente, de alguns deles. Em alguns fornos, cujas fornalhas eram muito grandes e consumiam assim muita lenha para aquecer, foram divididas em duas mais pequenas, ou construiu-se uma mais pequena ao lado. Uma parte significativa destes edifícios, dado o avançado grau de deterioração em que se encontravam, foram reconstruídos por opção das comunidades locais, com modernos materiais de construção, tijolo e cimento, em vez de pedra. Nas aldeias onde estes edifícios foram reconstruídos, optaram por o fazer no mesmo local do original, excepto quando os difíceis acessos, como por exemplo em Curros, e a sua distância relativamente ao centro da aldeia, como por exemplo em Secerigo (Codessoso) ditaram a sua construção num local mais centralizado e com melhores acessos. O Forno do Povo da Granja é o mais recente do concelho, foi construído no final dos anos 70. Também neste concelho, antigamente apenas existiam fornos particulares!... Quem queria cozer e não tinha forno, pedia a quem tivesse um para o deixar cozer. Apesar dessas pessoas não exigirem nada como pagamento pelo empréstimo, quem pedia ficava sempre em favor e tinha a obrigação moral de pagar de alguma forma, designadamente na ajuda durante as segadas e as malhadas. Cansadas de dar dias de trabalho em troca de poderem cozer, o povo e a Juntas de Freguesia resolveram construír os Fornos do Povo. 67

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Em toda a região de Barroso, para a utilização do Forno do Povo, foram estabelecidas regras de forma a organizar a sua utilização. Em quase todas as aldeias onde este bem comunitário existia, havia a obrigação de quentar o forno, que andava à roda pelas casas dos lavradores da aldeia, que eram quem dispunha de meios para ir buscar lenha. Todo aquele que tivesse uma junta de vacas para fazer o transporte da lenha, para aquecer o forno, era obrigado pelo uso e costume a aquecer o forno. Era o chamado quentador, forno de quenta, ou cantador pois ele era, também, o responsável pela marcação da vez das pessoas que coziam a seguir a ele. Assim, quem quisesse cozer, dirigia-se ao quentador, pedia-lhe a vez, para saber atrás de quem iria cozer, e colocava um sinal a marcar a sua vez. O sinal podia ser lenha ou mato, e à medida que iam cozendo, cada um tirava o seu sinal de marcação, para as pessoas saberem quem ia cozer a seguir e assim prepararem a massa. Na maior parte das aldeias este uso acabou por desaparecer e hoje são cada vez menos as pessoas que ainda utilizam estes espaços, preferindo comprar o pão já feito, a muitos dos inúmeros padeiros que diariamente percorrem as aldeias da região. Também em tempos que já lá vão, em especial durante o Inverno, como não existiam cafés, era no forno que se juntava a mocidade para passar o serão. O largo do forno era também um local de convívio, tradição que ainda hoje se mantém quando da comemoração de determinados eventos, designadamente nas passagens de ano. A ENTREAJUDA NOS TRABALHOS AGRICOLAS Dentro de cada comunidade aldeã criaram-se redes de apoio, formas de solidariedade e cooperação vicinal, geralmente designadas como entreajuda. A entreajuda tem como características principais a gratuidade e a reciprocidade de serviços, uma vez que, o favor recebido deve ser retribuído, pois, existe a obrigação moral de retribuir em iguais circunstâncias, ou em circunstâncias consideradas socialmente como equivalentes. Uma regra estabelecida pelo costume, que o adágio popular “Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara” tão bem resume. O êxodo rural, que se registou a partir de 1960, veio alterar quer a agricultura local, quer as formas de organização social, bem como as diferentes interdependências e as relações sociais existentes. Com a debandada geral que se registou, muitas parcelas agrícolas foram votadas ao abandono, o efectivo animal diminuiu e assistiu-se, simultaneamente, à crescente mecanização agrícola, que procurou suprimir a falta de mão-de-obra agrícola. Actualmente, a mecanização agrícola permite aos agregados familiares realizarem os trabalhos agrícolas sem terem que recorrer à mão-de-obra exterior à unidade doméstica. Todavia, a entreajuda continua a desempenhar um importante papel, na vida da população local, em especial para os mais idosos. Numas aldeias, mais do que em outras, vizinhos e familiares ainda se entreajudam uns aos outros não apenas por altura do “maior aperto” dos trabalhos agrícolas, mas nos mais diversos trabalhos (ir à lenha, cortar e carrar mato, fazer as sementeiras, sachar as terras e fazer as colheitas) numa lógica de reciprocidade dos serviços em iguais circunstâncias ou considerados socialmente como equivalentes. Esta entreajuda é especialmente importante entre os 68

Domingos Vaz Chaves agricultores mais idosos a quem as forças começam a faltar para as árduas jornadas no campo, vale nestas situações a ajuda de outras pessoas. Na maior parte das aldeias, a entreajuda processase, essencialmente, por altura do “pico” dos trabalhos agrícolas, que exigem celeridade na sua execução, como por exemplo as sementeiras, a ceifa e a recolha do feno, a recolha dos cereais e as vindimas. Participar e ajudar os vizinhos nestas tarefas, garante ao agricultor a ajuda e os braços necessários para a realização dos seus trabalhos. Mas nem sempre quem que é ajudado nos seus trabalhos, pode retribuir essa ajuda em iguais circunstâncias, nestas situações cada um retribui como pode, aproveitando as circunstâncias e fazendo o que está ao seu alcance para ajudar quem o ajudou. Todavia hoje cultiva-se menos, e entre os mais novos a adopção das modernas máquinas agrícolas veio facilitar a execução dos trabalhos sem ter que recorrer a muitos braços. Pelo que, muitas vezes a entreajuda se resume a pequenos círculos de vizinhança e familiares próximos. ... 69

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região CAPITULO V EXEMPLOS DE COMUNITARISMO 70

Domingos Vaz Chaves O REGADIO COLECTIVO A água de rega é um bem precioso e limitado!... Há dois tipos de rega: a rega de Inverno e a rega de Verão, ou por outras palavras: a rega da abundância que se destina a intensificar a produção, mas que na realidade podia dispensar-se, e a rega da carência, que se destina a corrigir as condições do clima e sem a qual não era possível produzir. A água para a rega é encaminhada das nascentes através de regos ou canais de rega até aos tanques (poças), sendo depois distribuída pelos terrenos segundo regras ancestrais bem definidas. De forma a evitar desperdícios da água de rega, o seu sistema de rotação era feito, geralmente de acordo com a ordem dos terrenos. Os direitos de rega foram sempre transmitidos de geração em geração através da tradição oral, muito embora haja quem tenha procedido ao seu registo escrito. OS CAMINHOS Espaço comunal utilizado para deslocação. O seu arranjo e manutenção era responsabilidade dos habitantes da aldeia. Assim, era convocado o ajuntamento do povo para o arranjo dos caminhos. AS LAMAS E OS LAMEIROS DO POVO OU DO BOI Em grande parte das aldeias, o Boi do Povo tinha as suas próprias lamas e lameiros que garantiam parte da sua alimentação (erva e feno). Para além destes bens, em alguns sítios o boi do povo tinha também cortes e palheiros próprios. Propriedade colectiva da aldeia, edifício térreo, coberto de colmo, era o café dos pobres. Lameiros de barroso A sua utilização estava sujeita a regras próprias, como a obrigatoriedade de quentar o forno. Para além disso era um espaço de convívio. 71

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região OS MOINHOS Em algumas aldeias havia o moinho do povo, propriedade comum dos habitantes da aldeia, onde quem precisasse ia moer os cereais (centeio e milho). Associados a estes bens e equipamentos comunitários andam os trabalhos comunitários que também se denominam por hábitos comunitários. Muitos destes trabalhos extinguiram-se ou estão em vias de desaparecimento por força da alteração do modelo de produção agrícola e das mudanças do modelo demográfico. De facto, a redução da mão-de-obra e a mecanização da agricultura alteraram drasticamente os modos de vida agrícola nestas aldeias rurais de Barroso. Muitos dos trabalhos comunitários como a segada e a malhada do centeio, as sachas colectivas dos batatais, o arranjo dos caminhos e a condução de águas deixaram de ter sentido. A segada e a malhada passaram a fazer-se através de meios mecânicos, dispensando os ranchos de homens e mulheres e reduzindo o hábito da entreajuda e torna jeira. A produção agrícola da batata foi drasticamente reduzida, o boi do povo tende a ser substituído pela inseminação artificial num combate e redução das doenças transmissíveis e na tentativa do apuramento da raça, e os trabalhos de conservação dos caminhos e condução de águas, entre outros, têm vindo a ser assumidos pelas autoridades autárquicas (municipais e da freguesia) no âmbito das suas competências. Permanecem porém alguns, por interesse efectivo das populações ou recusa de perda de gestos, usos e costumes que se pretendem conservar e manter sobretudo como marca etnográfica e elemento de atracção de turistas e apaixonados pelos hábitos e tradições destas comunidades da terra barrosã. É o caso da vezeira, do Boi do Povo, da limpeza de levadas, regos e nascentes. O CICLO DE VIDA O NASCIMENTO O nascimento é um dos momentos mais importantes no ciclo da vida!... Afecta não apenas o núcleo familiar onde decorre, mas também todo o conjunto de redes sociais que o envolve. Celebrado com uma alegria transbordante, é a promessa de perpetuação da família e de todo o património que lhe está associado. Intrinsecamente associada ao nascimento, está a gravidez. O mistério da gestação coloca a mulher num estádio muitas vezes ligado ao sobrenatural, sendo encarada pela sociedade com um misto de receio e respeito pela sua condição de grávida. Nesta região encontram-se diversas crenças associadas à gravidez: À mulher grávida não se deve recusar nada do que ela pedir de forma a evitar possíveis consequências nefastas para o bebé. Durante o período de gestação, a mulher está sujeita a várias prescrições e proibições, deve evitar tocar determinadas coisas e cheirar as flores muito perto para que a criança não nasça com manchas vermelhas na pele. Existem também outras crenças que relacionam, directamente, o pão com a gravidez e o parto. A mulher grávida quando tira o pão do forno não deve tirar dois 72

Domingos Vaz Chaves pães de cada vez, senão pode vir a ter gémeos; quando faz os folares, não deve colocá-los no forno atravessados porque pode ter problemas na altura do parto, ou seja, a criança pode atravessar-se e não conseguir nascer. Também a toalha estendida sobre o tendal pode ter influência no decorrer do parto. Existe a crença de que, depois de se meter o pão no forno, a toalha onde a massa foi colocada deve ser sacudida e arrumada para facilitar o parto de quem estiver a parir, pois diz-se que enquanto esta estiver estendida o bebé não nasce. O nascimento é comemorado com muita alegria. Todavia, existia uma série de rituais e procedimentos que deviam ser observados para proteger a criança e a mãe. O ritual mais significativo era o primeiro banho, cuja água era peça fundamental para o futuro da criança. Findo o primeiro banho, deitava-se essa água à rua, apenas durante o dia, e era costume dizer-se “Água a correr, menino (a) a crescer”.Em algumas aldeias, esta água tinha destinos diferentes dependendo do sexo da criança: se fosse rapariga, a primeira água do banho deitava-se dentro de casa junto à lareira, pois às mulheres compete a gestão doméstica; se fosse rapaz, atirava-se com a água para a rua, pois a rua é o domínio do homem. Também era usual tomar providências para evitar os males ruins. Assim, em algumas aldeias colocavam um cordãozinho de alho no pescoço da criança por causa do mau olhado; noutras, logo após o nascimento, colocavam a criança no colo da mãe e sobre elas sete peças de roupa, incluindo a roupa da cama, para que nada de mal lhe pudesse acontecer. O NAMORO Quando um rapaz de fora namorava com uma rapariga da aldeia tinha que pagar o vinho aos da terra, como indemnização simbólica por “roubar” a rapariga, considerada “propriedade” da aldeia. Se em algumas aldeias apenas pagavam remeias de vinho, noutras além do vinho tinham que pagar também o equivalente à sua altura em pão e bacalhau; ou então, em vez de pagar o vinho, levavam-no até junto de um tanque e obrigavam-no a beber sete chapéus de água. Quem se recusasse a pagar o vinho, metiam-no na corte com o Boi do Povo como castigo, ou atiravam-no a um tanque da aldeia. O CASAMENTO O casamento é considerado um dos mais importantes rituais de passagem. Uma das manifestações mais curiosas das bodas da região é descrita por Pinho Leal em 1874, sobre os casamentos em Covas de Barroso que ele descreve como “curiosíssimos, pela antiguidade que revelam”. Na manhã da boda o noivo “com os seus” familiares, convidados e amigos dirigia- se à residência da noiva onde já os parentes dela estavam todos reunidos. O noivo batia à porta várias vezes até que os parentes da noiva após conversa entre eles perguntavam: - Quem é e o que quer? O noivo respondia: - É (fulano) que aqui vem buscar honra, gente e fazenda. - Entre, que tudo encontrará. Nessa altura, então, as raparigas ofereciam à noiva flores e doces de várias qualidades. Os noivos aceitavam provando os doces que depois eram distribuídos 73

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região pelos padrinhos e pelos convidados. Enquanto este cerimonial se desenrolava eram recitados (talvez cantados) versos mais ou menos elaborados conforme a veia criadora dos autores. A tradição mais antiga era as raparigas oferecerem à noiva uma pomba e a noiva atava uma fita à cinta do noivo, mas nesta altura já tinha caído em desuso segundo descreve o autor. Para além desta, existiam outras tradições como, por exemplo, em Sapiãos, onde, no dia antes do casamento, o noivo ia com os seus amigos fazer uma serenata à noiva: (…) S’estás a dormir, acorda Vem ouvir a serenata Guitarras com cordas d’ouro Trilhadas por mãos de prata Dáva-te o meu coração Se o pudesse arrancar Arrancando sei que morro Morto não te posso amar (…). No dia do casamento as famílias iam ter a casa de cada um dos noivos. Depois, o noivo e a sua família iam a casa da noiva buscá-la para irem para a igreja. As raparigas que fossem ainda virgens para o casamento, consideradas pela comunidade como puras, levavam nesse dia um arco branco a acompanhá-las, os rapazes eram acompanhados por arcos de folhas verdes. Colocavam-se também arcos pela rua, desde a casa da noiva até à entrada da igreja. Depois, seguiam em cortejo pela rua até à igreja, como nos descreveu um informante: “À frente ia a noiva com o padrinho debaixo do arco de flores brancas. A seguir, ia o noivo com a madrinha debaixo de um arco verde feito de arbustos e flores e atrás iam os restantes convidados. Entravam na igreja também por essa ordem, a noiva primeiro.” Em Pinho, no dia antes do casamento, é costume juntar- se um grupo de rapazes e percorrem as ruas da aldeia a tocar buzinas aos noivos. Em algumas aldeias, como Granja, Vilar e Espertina, ainda é costume juntarem-se as raparigas solteiras no dia do casamento bem cedo, fazem um arco para acompanhar a noiva à igreja e uma passadeira de flores desde a sua casa até à igreja. Adoptaram-se também novos hábitos, como por exemplo atirar arroz e flores aos noivos à saída da igreja, como votos de felicidades e abundância na nova vida que iniciam. Em algumas aldeias enquanto atiram arroz aos noivos, 74

Domingos Vaz Chaves costumam dizer “Eu deito arroz para vos abençoar, deito e torno a deitar e que seja a mulher em casa sempre a governar”. A MORTE O ciclo fecha-se com a morte, ritual de separação marcado pela tristeza e pela dor que atinge não apenas a família próxima, mas toda a comunidade. Existem toda uma série de rituais que preparam a transição para o mundo do além. É necessário preparar o corpo do morto, as melhores roupas e calçados como se estivessem a preparar o ente querido para uma viagem, a última viagem; procede- se aos preparativos do funeral e vela-se o corpo. 75

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Toda a comunidade se une nestes momentos, presta-se uma última homenagem benzendo o morto com água benta, orando e dando apoio aos familiares de luto. A separação definitiva entre o morto e a comunidade a que pertenceu dá-se com o final da missa de corpo presente, entregando-o em seguida àquela que será a sua última morada. Nas aldeias do concelho, havia a tradição de distribuir pão e vinho às pessoas que iam aos funerais. A família do falecido chamava mulheres para ajudarem e coziam uma grande fornada de pão que depois distribuíam à saída do cemitério. Hoje, essa tradição já quase desapareceu, apenas a família e as pessoas mais próximas se reúnem, para uma pequena refeição, onde, prestam apoio e fazem companhia aos enlutados. ... 76

Domingos Vaz Chaves CAPITULO VI A ORGANIZÇÃO SOCIAL E A DECADÊNCIA COMUNITÁRIA 77

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região A ORGANIZAÇÃO SOCIAL A organização social, o clima e a morfologia do solo, condicionaram claramente e desde sempre, as actividades rurais da população de Barroso, que viveu durante anos, entregue às suas tradições mais antigas, algumas das quais perduraram até hoje. A base dessa organização, até meados do século XIX, assentou na «assembleia» dos representantes das várias famílias da povoação, que reúnia com uma certa periodicidade - em locais pré-definidos, mas normalmente nas proximidades das igrejas ou junto aos cruzeiros - quando tal era necessário. Essa assembleia, chamava-se Junta, Acordo, ou Conselho e foi herdeira do antigo conventus publicus vicinorum (assembleia pública dos vizinhos) do reino visigótico. Era nessa «assembleia» que se analisavam até à exaustão, os problemas que a todos diziam respeito, e se decidia, por vontade expressa da maioria, as soluções a adoptar. A Junta era a mais perfeita expressão da Democracia Popular e foi dirigida até aos primeiros anos do século XX, por um «Juiz», «Zelador», «Juiz de Vintena», «Procurador», «Mardomo» ou «Chamador», e a partir daí, até meados dos anos setenta da mesma era, pelo Regedor ou Presidente, o primeiro escolhido pelo povo da aldeia e o segundo pelas corporações concelhias, afectas ao regimo tatalitário da II República. Os Regedores nomeados, eram pessoas respeitadas das aldeias e totalmente independentes das autoridades administrativas oficiais e quando da escolha, tinham a obrigatoriedade de permanecer no cargo por um periodo minimo de 6 meses. Não eram remunerados, nem tinham qualquer tipo de previlégios pelo seu desempenho. 78

Domingos Vaz Chaves A estes homens, competia convocar a «assembleia», o que era feito normalmente, através do toque do sino da igreja da aldeia e verificar as presenças e as ausências, dos cabeças-de-casal. Aquele que sem justificação, não estivesse presente, era como que «excomungado» pela população, já que a todos era exigida a presença, fosse para o bom ou o mau. Após a verificação das presenças, apresentavam-se então os assuntos a tratar, todos em conjunto, ou individualmente. Eram calorosamente discutidos, chegando-se sempre a uma solução prática, de acordo com a vontade expressa da maioria. Em caso de empate, cabia ao «Juiz» tomar a decisão. Eram muitos e variados os assuntos que se apresentavam à «assembleia» e esta tinha obrigatoriamente de encontrar soluções, para cada caso concreto, designadamente, no que dizia respeito à reparação e abertura de caminhos, organização da vida pastoril, distribuição das águas de rega, locais de roça, limpeza das igrejas e das poças, carretos para o povo e tantos outros trabalhos necessários à comunidade. Esta tipo de organização durou séculos e passou de geração em geração através dos usos e costumes da região. A partir dos finais da década de setenta, do século passado, este tipo de organização social, foi substituída por uma espécie de «Conselho Dominical», cujos moldes de funcionamento eram muito semelhantes, senão vejamos: No final das missas de domingo, era recomendado a todos os aldeões presentes nas mesmas, de que deverim «esperar» (aguardar), normalmente no largo fronteiriço à igreja, onde teria lugar uma «reunião», para decidir sobre determinado assunto. Grupo de aldeãs esperando o regresso da Vezeira do monte Estas reuniões, eram «presididas» pelo Presidente ou Secretário da Junta, a quem competia colocar as questões em discussão e avaliar as respectivas votações. À semelhança do que acontecia no passado, nada ficava escrito e o 79

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região registo das decisões tomadas, ficava no subconsciente de cada um, que as acatava. Actualmente, este método caíu quase em desuso. O Conselho Dominical, poucas vezes vai a votos e foi substituído pelas modernas Assembleias de Freguesias. A coberto de tal modernidade e amiudadas vezes, os senhores Presidentes cedem à tentação fácil de decidir, sem ouvir o povo e de o informar, preferindo afixar papéis em determinados locais, que poucos se dão ao trabalho de ler. A DECADÊNCIA COMUNITÁRIA As «segadas», as «malhadas», os «carretos», as «vezeiras», os «motes», o cantar dos «reis», as «chegas de bois», entre outros, são exemplos de misturas exóticas entre o religioso e o pagão, que evocaram no passado os deuses, em favor de colheitas fartas e que é preciso não deixar esquecer. O comunitarismo tradicional, resultou assim da necessidade de conjugar esforços, para mais facilmente se atingirem os fins desejados. E não apenas em termos laborais ou de preparação de festas. Dia de festa na aldeia) As populações de Barroso, impunham igualmente as suas regras, através do seu «Conselho Dominical», reunido aos domingos após a respectiva eucaristia. Aí, onde eram transmitidas as «ordes» (ordens), aprovavam-se posturas, para garantir o respeito pelos bens e direitos comuns e pela propriedade privada, para permitir ou não, a seiva dos gados nos terrenos abertos que estavam de restolho, para arrendar os baldios, as côrtes e os palheiros, para impôr a realização de determinados trabalhos, para restaurar, limpar e pôr em funcionamento as infra- 80

Domingos Vaz Chaves estruturas para uso da comunidade, designadamente, caminhos, represas, forno do povo, moinhos, lama-do-boi, igreja, cemitério, poças e regos-da-água entre outras. Toda a gente era solidária!... Com a mesma facilidade com que cumpriam as regras, pediam e emprestavam o fermento, o pão, a ferramenta, o burro ou a junta de vacas. Pediam e davam apoio na «segada», na «carrada», no «meter do feno», na «arranca da batata», na «matança do porco» ou na feitura do fumeiro; socorriam os vizinhos na hora da «desgraça», do incêncio, da inundação, das geadas que tudo queimavam e da doença de pessoas e animais, ao mesmo tempo, que com eles choravam nos momentos de luto e de desastre. Hoje, as novas técnicas simplificaram a satisfação das necessidades de cada agregado familiar e por isso, a necessidade de entreajuda e de partilha de recursos, foi-se diluindo progressivamente. Praticamente, tudo é feito de forma mecanizada e comercializada, e o comunitarismo, apenas resiste em pequenas franjas da população das aldeias, muito embora muitos dos «rituais» se mantenham vivos. Nos dias que correm, a desertificação das aldeias é um dado adquirido. Nada foi feito para inverter esta tendência e as familias em toda a região do Barroso, que aí se vão mantendo e que persistem na sua labuta, são normalmente auto- suficientes. ... 81

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região CAPITULO VII O SAGRADO NO IMAGINÁRIO BARROSÃO 82

Domingos Vaz Chaves “Todos os povos civilizados investigam as suas origens e amam a sua história. Há uma força instintiva que atrai o homem à terra natal, seja ela uma simples aldeia perdida nos vales profundos, nas serras majestosas e altaneiras, ou nas grandes cidades embaladas pelas ondas do mar, onde os requintes do conforto seduzem os ricos e poderosos do mundo”. Relacionados com o âmbito da fenomenologia da religião, os símbolos aparecem ligados aos ritos e aos mitos, enquanto linguagem do sagrado. Aqui, a expressividade do mundo, chega de facto à linguagem por meio das expressões de duplo sentido. Através do léxico já analisado, verificamos que os símbolos predominantes nas rezas mágicas podem remeter para a cultura celta e para os cultos pré-romanos, mantendo-se vivos no imaginário popular. Na zona do Barroso, verifica-se que os limites entre o sagrado e o profano, entre o rito religioso e a festa estão muito próximos, confundindo-se e entrelaçando-se na maior parte das situações. O bem e o mal, colocam-se como indispensáveis um ao outro, sendo que, o primeiro não subsiste sem o segundo. O Homem Barrosão, preserva a crença naquilo que está fora do quotidiano e das coisas comuns, nas quais se expressa uma ordem sagrada, que dava e dá sentido às suas vidas, aos lugares e à sua concepção do mundo. Ela continua a mitificar o tempo e o espaço do sagrado. ASPECTOS GERAIS E TRADIÇÕES DE BARROSO Ao falar de uma região tão antiga, tornou-se então relevante falar das tradições que enchem este território e que são sui generis em Portugal. Ao realizar um trabalho no âmbito das tradições, procurou-se reavivar costumes e hábitos, alguns deles em fase de extinção, mas antes, julgou-se conveniente reflectir sobre o conceito de tradição e apresentar a opinião de alguns etnólogos e estudiosos na matéria.Etimologicamente, a palavra tradição deriva do latim traditio -o nis, cujo 83

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região significado se identifica, para o autor Portillo, com a “comunicação ou transmissão de notícias, composições literárias, doutrinas, ritos, costumes, feita de geração em geração no decorrer dos tempos e à medida que as gerações se sucedem”. Qualquer tradição é parte integrante da cultura, e por isso, esteve sempre subordinada às regras que determinam as mutações e transformações nos elementos e padrões de cultura. A tradição possui assim um papel predominante nos modos de interpretar ou modificar as leis básicas das nações, e as sociedades mais rígidas às mudanças conseguem manter as práticas e os costumes tradicionais de geração em geração ao longo dos séculos. Para Portillo, “é em grande parte, a tradição que define a correcção da linguagem, a ortografia, as relações sociais, os ritos religiosos e o protocolo de Estado” . Sabemos e defendemos, que preservar a tradição não significa ser retrógrado nem oposição ao modernismo ou aos avanços tecnológicos que revolucionaram o mundo, mas é antes preservar um enorme manancial de saberes acumulados e a identidade de um povo ou de uma cultura. Numa perspectiva filosófica e na sequência do historicismo europeu de Benedetto Croce e Schleiermacher, o conceito de tradição desempenha um papel bastante importante. uma vez que o Homem e a História são dois pólos interligados, pois para pensar a História, o homem não pode sair desse campo, dado que “o conhecimento e a compreensão que o homem tem de si, da natureza e da história, mergulham na tradição.” Verifica-se assim, que a tradição é necessária à compreensão do ser humano, pois “cada homem nasce e cresce numa cultura, fala uma língua que já, por si, veicula uma visão da realidade. A tradição possibilita a compreensão e, 84

Domingos Vaz Chaves porventura, pode-a limitar. A tradição não é algo puramente objectivo, frente ao homem; ela constitui o próprio ser do homem”. É partindo deste pressuposto que a tradição possibilita ao homem compreender e aceitar a sua situação histórica. No entanto, a tradição é entendida como uma norma absoluta de verdade, como autoridade inviolável em filosofia, em ciência mas que paralisa o pensamento e a evolução pois, “o homem pensa no presente. O presente é carregado de passado. Mas a tradição que não é portadora de futuro, em vez de abrir, fecha o horizonte de compreensão e impossibilita o diálogo com a história e com a comunidade humana”. Assim existe uma dialéctica constante entre tradição e renovação, tradição e revolução e por esses motivos sabemos que modernamente, as tradições se encontram a sofrer grandes e rápidas mudanças e é devido à investigação sociológica e etnológica que podemos apontar alguns factores responsáveis por tais mudanças, entre as quais, “a industrialização, a emigração, o turismo, os meios de informação, a instrução, as novas tecnologias e as modificações na estrutura política”. No entanto, a tradição consegue permanecer viva, ainda que a perder terreno, através de certas características que lhe são muito próprias tais como, a ligação ao passado, a presença da oralidade ou de documentos escritos e a transmissão 85

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região de geração em geração. São estas características que estão na base da chamada cultura popular e também da cultura dita popular. O Barroso consegue ainda assim manter vivas as tradições que despoletaram neste território desde há séculos. O principal motivo da escolha das tradições que se seguem prende-se com o facto de serem as mais características e algumas até únicas e restritas à região do Barroso. As pequenas comunidades de montanha não são apenas o espaço físico da aldeia onde se desenrola o dia-a-dia das comunidades aldeãs, mas essencialmente todo um conjunto de sistemas de regulamentação colectiva que têm permitido a sua sobrevivência ao longo dos tempos. Efectivamente a aldeia Barrosã até meados do século XX não se restringia apenas a um agrupamento de casas e respectiva população cujo centro se situava na igreja matriz com o seu pároco, mas era também uma forma de vida social inscrita num modelo de vida que se veio a designar por comunitarismo. Os principais trabalhos comunitários eram e continuam a ser nalguns locais, a limpeza dos caminhos, do regadio, a manutenção dos moinhos e do forno povo e a guarda da vezeira. 86

Domingos Vaz Chaves Veremos que o comunitarismo se refere a comunidades onde a estratificação social se encontra bem definida. Os recursos materiais - terra, animais, bens materiais - encontram-se distribuídos de forma desigual e mesmo as formas de cooperação agrícola - trabalho por favor ou torna da jeira - encerram em si desigualdades quer na troca de mão-de-obra, quer no tempo de trabalho dispendido. As vivências comunitárias encontram-se trespassadas de elementos reais ou simbólicos de diferenciação, prestígio ou hierarquização social. Esta diferenciação encontra-se de tal forma cristalizada que, até mesmo os rituais de passagem, como a morte, podem ser utilizados como meio de abordagem aos sistemas de estratificação social. Todavia, é na cooperação entre elementos, muitas vezes opostos, que a comunidade encontra o seu equilíbrio e se reproduz. Os agregados domésticos, independentemente da sua posição na hierarquia social, necessitam da cooperação e da entreajuda de outros agregados domésticos para subsistir. Além disso, nestas comunidades, onde os recursos são poucos, a existência de bens comunais permite colmatar a deficiência, ou inexistência, das propriedades. Estes aspectos serão analisados em conjunto com as diversas tradições que se manifestam nestas Terras de Barroso. Entre as muitas que poderiam ser analisadas, prendemo-nos com aquelas que parecem mais propícias ao desaparecimento, pois verificar-se-á que, no tratamento de algumas, houve muitas dificuldades de informação e de recolha, ou por estarem a desaparecer, ou pela inexistência de documentos escritos sobre as mesmas, outras ainda, foram observadas ainda que com algumas variantes da tradição. O FORNO DO POVO Como já se afirmou anteriormente, o forno comum ou do povo é o símbolo da cooperação livre, imposta pela necessidade do pão de cada dia. São belos os 87

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região fornos de cada aldeia. Todos de granito, inclusivamente a cobertura que é coberta de lages ou cápias. Interiormente arcos românicos seguram a abóbada da fornalha e o capeado. Na região concelhia de Montalegre, Tourém, Padornelos e Pedrário, são modelos de uma arquitectura típica e segura. Todas as segundas- feiras, onde o sistema funcionava, o forno cozia à vez. Cada vizinho era obrigado a quentar o forno à roda, embora deixe cozer ao mesmo tempo os vizinhos que peçam. É o quenteiro que marca a vez, a ordem de seguida de cozedura e põe lenha para a sua vez. O Tradicional Forno do Povo Santos Júnior, num estudo sobre dois fornos transmontanos, referia que ainda havia alguns fornos cobertos a colmo e a maioria eram cobertos de pedra: Na região de Barroso há-os cobertos de pedra, como são entre outros, os de Covas do Barroso (concelho de Boticas), de Travassos da Chã (aldeia da freguesia de S. Vicente da Chã, concelho de Montalegre), de Carvalhais (aldeia da freguesia de Morgade, concelho de Montalegre), de Negrões, de Arcos, de Solveira, de Padornelos (freguesias também do concelho de Montalegre), e os do Antigo e Pedrário, aldeias anexas à freguesia de Serraquinhos. O forno de Gralhas, freguesia também do concelho de Montalegre, foi igualmente coberto de grandes lajes de granito. Inexplicavelmente e contra todas as regras, tem agora telhado de telha francesa. O forno do povo, sempre foi um lugar típico dos barrosões, porque é o local onde se coze o pão, se convive e onde até dormiam os pobres: “mantêm-se, porque fazem parte da alma do barrosão”. O forno propriamente dito, tem uma construção abobadada com uma porta lateral, onde se coze o pão, sendo apoiado por um tendal destinado a preparar a massa acabada de chegar de casa em cestos de vime, sendo esta trabalhada e dividida em pequenas porções, que conforme o tamanho serão apelidadas de diversas formas. 88

Domingos Vaz Chaves Como estes fornos não contêm nenhum termóstato, tem de se contar com a habilidade do forneiro e com a “ajuda de Deus”. Depois de observar determinados sinais na padieira vê-se, se o forno está quente. Se a padieira estiver reluzente (se a padieira for de granito), ao ficar branca significa que o forno está quente. Também se pode verificar a temperatura do forno, atirando-se farinha para dentro deste e se a mesma se incendiar, é sinal que está quente o suficiente para cozer o pão. Mas, como referimos anteriormente, a intervenção divina é essencial, por isso, as mulheres que preparam a massa em casa ou no forno, invocam os santos da sua devoção para que a empreitada seja bem sucedida. Em algumas aldeias do Barroso, antes de se começar a preparar a massa para fazer o pão, é costume dizer-se: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo Amén. Deus m’ajude e às benditas almas”. O processo de fazer o pão obedece a determinados procedimentos. Coloca-se água a aquecer com sal, enquanto se peneira a farinha para dentro de uma masseira. A essa farinha junta-se a água, o fermento e amassa-se tudo muito bem. Uma vez feita a massa, coloca-se numa pilha dentro dum cesto para levedar, com a mão faz-se uma cruz na massa e costuma dizer-se uma pequena oração, de que encontramos diversas variantes, em Rogério Borralheiro (, para esta levedar: I Deus que te levede Deus que t’acrescente 89

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Com a graça de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria II S. Mamede te levede S. Vicente t’acrescente, S. João de ti faça bom pão, Deus te ponha a virtude Que da minha parte fiz tudo que pude. Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. III O Senhor te levede S. Pedro te acrescente E o Senhor te faça pão Com o poder da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria IV S. Vicente t’acrescente, S. Mamede te faça pão, Em louvor de Santiago Não fiques nem insosso nem salgado V São João te faça pão, S. Mamede te levede, S. Vicente t’acrescente Em louvor de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. VI S. Crescente t’acrescente S. Mamede t’alevede S. João te faça pão E Deus te cubra de benção VII S. João te levede S. João t’acrescente S. João te faça pão Pelo poder de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria. VIII Deus te faça pão, Deus te ponha a rica bênção Em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo IX O Senhor te crescente O Senhor te levede Que não fiques cru nem queimado Nem insosso nem salgado 90

Domingos Vaz Chaves Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria X São Mamede te levede, São Vicente t’acrescente Tanto tempo leves a levedar Como levaste a amassar. Quando a cruz da massa desaparecer, é sinal de que está lêveda. Coloca-se no tendal, tende-se e deixa-se levedar novamente enquanto o forno acaba de esquentar. Uma vez quente o forno varre-se com um matão, feito de urzeira ou giesta, e puxa-se o borralho para a entrada do forno. Com uma pá coloca-se o pão no seu interior e no final faz-se uma cruz à porta do forno e diz-se uma pequena oração, de que também encontramos inúmeras variantes em Rogério Borralheiro : Forno a Aquecer I Cresça o pão no forno, fora do forno, E paz em casa do seu dono e por todo o mundo. Pela graça de Deus e da Virgem Maria Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. II Cresça o pão no forno, E fora do forno, 91

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Os bens pelo mundo todo. Cresça o cora E vontade e saúde a seus donos P’ra comer este e granjear outro, Um Pai-Nosso pelas almas. III Cresça o pão no forno E ó vinho no torno E ó bem de Deus pelo mundo todo Quem nos queira mal que nos queira bem E um Pai-Nosso com uma Ave-Maria Amén. IV Cresça o pão no forno E os bens pelo mundo todo Quem nos quer mal que nos queira bem Que vá p’ró céu e nós também Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. V Cresça o pão no forno, E fora do forno Saúde a seu dono E a paz pelo mundo todo Um Pai-Nosso com uma Ave-Maria Rezem pelas almas VI Cresça o pão no forno Fora do forno A graça de Deus pelo mundo todo Em louvor da Virgem Maria Reze quem puder e quiser. Um Pai-Nosso com uma Ave-Maria pelas almas Nós a comer e ele a crescer. VII Cresça o pão no forno, A fazenda ao seu dono E pelo mundo todo Reze quem tiver devoção Um Pai-Nosso pelas almas VIII Cresça o pão no forno E à fazenda a seu dono E à paz pelo mundo todo. Reze pelas almas Quem quiser e puder. Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. 92

Domingos Vaz Chaves IX Cresça o pão no forno A graça de Deus pelo mundo todo Reze quem puder e quiser. Um Pai-Nosso e uma Ave-Maria Estas e outras orações, que se relacionam com a confecção do pão, revelam não só a invocação de entidades divinas para que o pão cresça e também para que haja paz no mundo, ou seja, estas orações demonstram um sentido ecuménico de paz e de fartura universais. Verifica-se desta forma que a união entre as pessoas mais humildes e a solidariedade é uma constante entre os aldeões. No caso das mulheres viúvas, órfãos e cabaneiros, a cozedura do pão é feita com outras famílias, pois cada fornada, dependendo do tamanho do forno, costuma cozer cerca de trinta a quarenta pães. O pão que sai destes fornos foi, desde sempre, um alimento essencial na alimentação do homem, até nas refeições mais simples, passando por um ritual quer de ordem profana, quer de ordem religiosa. No universo rural, o pão é considerado sagrado, daí que quando o pão cai ao chão, seja imediatamente apanhado e beijado. Assim o escreve António Fontes na sua Etnografia Transmontana. FESTIVIDADES CICLICAS Face à incerteza do calendário agrícola e aos inúmeros constrangimentos e imprevistos que podem assolar a agricultura local, as comunidades aldeãs criaram Feira em Montalegre (1944) um conjunto de mecanismos, a que normalmente se chama, como um “conjunto de práticas e de intervenções materiais ou simbólicas que eram accionadas no sentido de protecção e preservação das culturas, face ao que de nefasto as pudesse afectar.” Assim, estabeleceram-se períodos temporais considerados 93

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região favoráveis ou nefastos que devem ser tomados em conta, de forma a garantir a reprodução sócio-económica dos agregados familiares. Existe um conjunto de prescrições, que acompanham o dia-a-dia destas comunidades, entre as quais se destacam a obrigatoriedade de respeitar os dias santos, e a atenção dada às fases da lua, para o cultivo dos produtos. Existe também o recurso à protecção divina, nomeadamente a protecção dos Santos, a celebração do espírito da vida, representado nas fogueiras de Natal, Ano Novo e Carnaval, que simultaneamente permite a leitura das têmporas (as têmporas consistem nos três dias de jejum estabelecidos pela Igreja Católica no início de cada estação do ano), que previnem os agricultores contra a incerteza e rigores do clima. Podemos afirmar que as festas populares andam associadas ao calendário solar, ao agrário e ao lunar, como afirma Fontes (1992 a: 165): Os solstícios, no ciclo solar e no ciclo agrícola de Março e Agosto, início e meio do ano agrícola são festejados (Carnaval, Páscoa, e 15 de Agosto). No Natal e S. João há símbolos de mudança da ordem. As fogueiras de Natal e Ano Novo com grossos carvalhos roubados, os reis que se tiram de casa, e na Páscoa, as panelas quebradas, no S. João, as ruas trancadas e os objectos desviados e trocados, e em Agosto os amortalhados vivos. Nos últimos 12 dias do ano, que são os da fogueira, os do solstício do Inverno, o povo vai espreitar pela manhã e pela noite, donde ficam as têmporas, que vão corresponder aos 12 meses do ano. Visita da Imagem de Fátima a Montalegre (1930) É interessante saber que o sagrado e o profano andam sempre associados nestas festividades como afirma o Padre Fontes (1992 a: 167) “… é artificioso pretender separar o sagrado do profano, a religião da Magia, sobretudo nas sociedades simples do povo”, que ainda recorrem em questões várias, mas sobretudo de saúde, aos santos e às bruxas em simultâneo (idem: 173). 94

Domingos Vaz Chaves Os santos de cada dia, os da paróquia e das redondezas são os necessários e bastantes para satisfazer a falta de médicos e restabelecer a saúde e necessidades afectivas e psíquicas do homem. A procura dos santos e da magia aumenta na medida em que o descrédito do médico e da farmácia cresce. Entre as festividades cíclicas que ainda se realizam, um pouco por todo o Barroso, destacam-se os Reis, o Entrudo, as tranquilhas das ruas no S. João e no S. Pedro, e as fogueiras de Natal, reacendidas no Ano Novo e por vezes também no Entrudo. O CANTAR DOS REIS Em algumas aldeias dos concelhos de Montalegre e Boticas, ainda é habitual cantarem os Reis. No dia 5 de Janeiro à noite, os habitantes juntam-se em grupos e andam pelas casas a pedir os reis. Para registo ficam algumas das quadras que se cantam pelas aldeias do Barroso, recolhidas por Borralheiro I Ó que Casinhas tão altas Forradas de papelão Levante-se minha senhora Dê-nos cá o salpicão II Se nos querem dar os reis Venham-nos os dar com tempo Estamos c’os pés à geada Está correndo ar e vento 95

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região III Salta a faca do louceiro Salta lá àquele fumeiro Corta lá uma chouriça Ou um presunto inteiro IV Em Gralhas, costumam cantar: Aqui estão os Reis à porta Dispostos p’ra se cantar Se o Senhor nos der licença Os Reis vamos começar V Aqui vimos, aqui estamos Hoje é dia de alegria Viva o senhor desta casa E a sua companhia VI Se nos querem dar os Reis Venham-nos os dar com tempo Estamos com os pés à geada Vai correndo ar e vento VII Se nos querem dar os Reis Não nos mande a sua criada Qu’ela tem a mão pequena Parte pequena talhada VIII Se o presunto está duro E a faca não quer cortar Faça-lhe um frrum, frrum, frrum Nas beiças do alguidar Exclusivamente em Montalegre encontramos uma outra versão e que é a seguinte: I Vimos-lhe cantar os Reis, Com muita animação, P’ra que em Montalegre, Não se perca a tradição. II Que tradição tão bonita, Nós estamos a relembrar, Se nos querem dar os Reis, Não nos façam demorar. III Obrigado, obrigado, 96

Domingos Vaz Chaves Por toda a sua amizade, Deus lhes dê muita saúde E um ano de felicidade. IV Aqui vimos todos, Todos reunidos, Dar as boas festas Aos nossos amigos. V Não é por interesse, Ó rapaziada, É só p’ra que estimem A nossa chegada. O que cantadores dos reis recolhem, é essencialmente dinheiro e fumeiro, que em algumas aldeias é utilizado para organizar uma merenda para todos. Noutras aldeias, o que se recolhe reverte a favor da Igreja, sendo os produtos oferecidos leiloados, tornando-se em dinheiro para determinado “santo”. Por vezes acontecia, pedirem os reis e as pessoas não darem nada, a esses “barbas de farelo”. Então, o grupo descantava-os da seguinte forma: Os Reis que agora cantamos Voltamos a descantar Este barbas de farelo Não tem nada p’ra nos dar. O ENTRUDO As festividades do Carnaval, ou Entrudo, provêm directamente das Saturnais romanas, mas de um modo mais geral, encontram-se vestígios destas festas, que tiveram primitivamente um carácter religioso, em praticamente todos os povos desde a mais remota antiguidade. Celebrava-se com elas a entrada do ano, para que este fosse favorável, ou a da Primavera, símbolo do renascer da natureza. Podendo a sua origem ser mais antiga, é contudo nos velhos ritos romanos de celebração do fim do Inverno e de início de Primavera que deve ser encontrado o seu sentido mais genuíno. Apesar dos seus rituais pagãos, as comemorações do Entrudo ultrapassaram as fronteiras da Europa acompanhando a difusão do cristianismo. O Carnaval ou Entrudo é uma festa não fixa, mas sabemos que se realiza durante o mês de Fevereiro e antecede a Páscoa quarenta dias. Na região do Barroso, o ciclo do Carnaval vai muito para além dos três dias que de Domingo Gordo a Terça-feira, antecedem a quarta-feira de Cinzas. Anunciando o período de abstinência da Quaresma, o Entrudo é celebrado com uma alimentação melhorada, assumindo a carne de porco particular destaque. Assim, poder-se-á afirmar que o “ciclo” do Carnaval engloba várias festividades e é uma época de divertimento e farras, cujo auge se encontra entre o Domingo 97

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Gordo e a Terça-Feira Gorda. É anunciado com celebrações anteriores tais como o Dia dos Compadres e o Dia das Comadres. Estas festas tornaram-se importantes manifestações carnavalescas, como veremos mais adiante, que antecedem o Carnaval e como afirma Pinho Leal “assinalam muitas vezes a chegada do Entrudo com as suas folias e liberdades. Regra geral estas duas celebrações complementares – cuja ordem pode, em certos casos, ser invertida – recaem sobre as duas quintas-feiras imediatamente anteriores ao Domingo Gordo”. Àcerca desta temática, afirma o Padre Lourenço Fontes que a quinta-feira que ocorre no décimo nono dia antes do Entrudo, se chama a quinta-feira dos Compadres, ou quinta-feira Magra. Festeja-se com uma merendola de chouriças, num encontro de todos os compadres amigos. No domingo imediato, celebra-se o domingo Magro, em que já se vão vestindo os caretos, ou folipeiros. A quinta-feira seguinte chama-se quinta-feira das Comadres ou quinta-feira Gorda, que se recorda com a mesma merenda das comadres. O fim-de-semana anterior ao dia de Carnaval é extremamente rico a nível de gastronomia. O sábado denomina-se como “Sábado Filhoeiro”, ou seja, no qual se devem fazer muitas filhoses e de preferência de diversos gostos e recheios, quer para a família, quer para que as pessoas amigas que se visitam nesse dia. António Lourenço Fontes reforça esta ideia de fartura e de variedade neste dia: O sábado imediato é o Sábado Filhoeiro. Em todas as casas é de sagrado dever, fazer as filhós. Ou são feitas do sangue do porco, que se conserva desde a matança, ou na sua falta, de farinha, leite e ovos. A quem não as faz, os ratos comem-lhe as messes (sementeira de centeio) na terra. Quanto ao Domingo Gordo, o próprio nome já diz tudo, pois é um Domingo, no qual se prepara a mesa como se fosse o dia de Carnaval, onde não podem faltar bons pedaços de carne de porco, designadamente pé, orelheira, presunto cozido, enchidos cozidos, como as farinheiras e os chouriços de abóbora, de pão e de farinha. Há ainda quem mate um galo ou uma galinha gorda para encher as delícias da mesa. Também as sobremesas são mais caprichadas neste dia, uma vez que se avizinha o período de abstinência - a Quaresma, que obriga os cumpridores da tradição cristã a não abusarem deste tipo de alimentação. Na região do Barroso, este dia é também dedicado aos pastores que têm comida melhorada. Segundo Lourenço Fontes “em Tourém os pastores levam lacão ou pernil de porco, cozido e vinho. Juntam o gado na veiga e comem e bebem alegremente, junto do gado. Em todo o Barroso este dia é dos pastores. Têm comida melhorada e festa”. É também neste dia que nas aldeias se faz o leilão das carnes ao santo da terra, em que os devotos levam para o adro da igreja partes do porco, nomeadamente orelheiras e chouriças, as quais depois de arrematadas, o dinheiro reverte a favor do santo, pedindo-lhe muitas vezes para que haja fartura em casa e para que livre os animais de doença. A este respeito, descreva o Padre Lourenço Fontes a tradição: “ao fim da missa o sacristão no adro em cima do muro ou à porta da igreja leiloa todas as ofertas, e ao fim de apregoar os maiores lanços, vendo que ninguém dá mais, termina dizendo - dou-lhe uma, dou-lhe duas e por fim dou-lhe três, e está entregue o objecto arrematado, que pode ser pago na hora ou ficar apontado no livro das 98

Domingos Vaz Chaves contas”. Quando há uma porca para parir, os donos costumam prometer um leitão a Santo António, se todos vieram salvos. Quanto ao dia de Carnaval propriamente dito, também chamado Terça-feira Gorda, encontramos várias características e costumes consoante os locais, mas tal como no Domingo anterior, prima pela qualidade e pela quantidade alimentares. A tradição de Terça-feira de Carnaval não se reduz apenas à mesa, tem também o seu ponto alto nas festividades de rua. Desta forma, o Entrudo é uma mistura de vários elementos!... Para além de uma mesa farta, há também folguedos, desfile de carros alegóricos e grande sortido de caretos mascarados. As máscaras do Carnaval têm na sua origem, um carácter religioso espiritual ligado ao culto dos mortos. Nas festas de Baco e de Saturno, que se celebravam no dia do Ano Novo, invocavam-se as larvas ou maus espíritos de antepassados mortos, julgando-se que através da respectiva antropomorfização, se conseguia a sua reconciliação com os vivos. Os que personificavam os mortos vestiam-se de branco e encobriam o rosto com uma máscara. Por vezes, as pessoas juntam-se para pregar partidas, enfarinhando os que passam com farinha, cinza e até ovos. Enquanto se enfarinham as pessoas, era habitual também recitar determinados versos como nos diz o Padre Fontes. A Figura do Galo Os que se vestem de roupas velhas, jogam farinha, farelo ou cinza. Quando utilizada, esta últoma é sinal de pobreza e desprezo. Atira-se a toda a gente que passa e ninguém leva a mal. Quando jogam cinza, diz-se: já estás cheio de fome, nem farinha tens para jogar no Entrudo. Os garotos trazem zichos de canas de sabugueiro e zicham água às pessoas. Os rapazes atiram bombas de estourar e rabear às pernas das moças novas. Nos países ocidentais da Europa é costume acabar os festejos carnavalescos com o chamado enterro do Entrudo, cerimónia a que se chamava na antiga Veneza o enterro do Baco. Esta festividade, no Barroso, termina em algumas aldeias com a tradição dos motes do galo, como por exemplo em Gralhas, concelho de 99

Terras de Barroso – Origens e Características de Uma Região Montalegre, cujo testamento do galo se transcreve a seguir e que encerra o período de festividades com a entrada na Quaresma e a necessidade de jejuar nos próximos tempos. O Testamento do Galo I Eis aqui o testamento Que fez elegante galo Quando tinha no pescoço Aguda faca para matá-lo II Não haverá quem me console Nesta tão triste sorte Esta noite se escreveu A minha sentença de morte III Em nome da benta hora Venham todos venham ver O que fez um pobre galo Quando estava para morrer IV Já que estou em meu juízo Testamento quero fazer Para meus bens eu deixar A quem melhor me parecer V Porém antes que se escrevam As asneiras derradeiras Quero também despedir-me Das amadas companheiras VI Galinhas minhas amigas Com quem sempre acompanhei Vinde ver e compreendereis O estado a que eu cheguei VII Estou tão atribulado Nesta nossa despedida Que deixar-vos nesta hora Decerto me custa a vida VIII Um conselho quero dar-vos E vos falo bem sisudo Que fujais quanto puderes Dessas festas do Entrudo 100


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