Mata Atlântica Uma rede pela floresta
Mata Atlântica Uma rede pela floresta Organização e ediçãoMaura Campanili e Miriam Prochnow 2006
Expediente Mata Atlântica – Uma rede pela florestaRede de ONGs da Mata Atlântica – março de 2006 Organização e Edição: Projeto Gráfico:Maura Campanili e Miriam Prochnow Ana Cristina Silveira Textos: Editoração: Heloisa Ribeiro, Maura Campanili, Miriam Globaltec Produções Gráficas Ltda. Prochnow e Wigold Schäffer Revisão: João de Deus Medeiros, Eliana Jorge Leite Fotos: Miriam Prochnow e Wigold Schäffer Fonte Mapa dos Remanescentes Floresta de Mata Atlântica, pág. 37 Colaboradores: Textos – Adílio A. V. de Miranda, Alessandro Fonte: Remanescentes do Rio Grande do Sul à Bahia: “Atlas da Evolução dos Remanescentes Florestais e de Paula, Alexandre Krob, Alexandre de M. Ecossistemas Associados do Domínio da Mata Atlântica M. Pereira, André Lima, André Rocha Ferretti, no período 1990-95”, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Antonio C. P. Soler, Betsey Whitaker Neal, Remanescentes do Nordeste. Bruno Machado Leão, César Righetti, Clóvis Conservation International, Fundação Biodiversitas e Sociedade Nordestina de Ecologia – dados organizados Ricardo Schrappe Borges, Denise Marçal para o Workshop “Prioridades para Conservação da Rambaldi, Djalma Weffort, Gláucia Moreira Biodiversidade da Mata Atlântica do Nordeste”, 1993. Drummond, Jean-François Timmers, João de Obs: Mapeamento correspondente aos Estados doDeus Medeiros, Juliana Vamerlati Santos, Júlio Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Francisco Blumetti Faço, Ivan Salzo, Kathia Alagoas e Sergipe.Vasconcellos Monteiro, Kenia Valença Correia, Lizaldo Vieira dos Santos, Lisiane Becker, Agradecemos aos autores de textos e fotografias, gentilmente cedidos, o que Luis Fernando Stumpf, Marcelo Tabarelli, tornou este livro uma realidade, e também Maria das Dores de V. C. Melo, Maria José às seguintes pessoas: Alessandro Menezes, dos Santos, Marli Custódio de Abreu, Milson Armin Deitenbach, Elci Camargo, Enrique dos Anjos Batista, Nely Blauth, Osvaldo C. de Svirsky, Maria Cecília Wey de Brito e Pedro Lira, Renato Pêgas Paes da Cunha, Ricardo Graça Aranha Miranda de Britez, Rogério Mongelos, Silvia Este livro foi viabilizado com recursos Franz Marcuzzo, Tadeu Santos, Yasmine do Projeto “Apoio Institucional da RMA”, Antonini. financiado pelo PPG7, através do Banco Mundial. Fotos – Arquivo Apremavi, Arquivo CPRH, Bruno Maciel, Fernando Pinto, Gabriela Schäffer, Gerson Buss, Leonardo B. Ventorin, Luiz Szczerbowski, Marcos Burchaisen, Marcos Sá Corrêa, Nelson Wendel, Paulo Vasconcelos Júnior, Peter Mix, Rudolf Hausmann, Vivian Ribeiro Maria, Zig Koch Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do LivroMata Atlântica – uma rede pela floresta Organizadores Maura Campanili e Miriam Prochnow Brasília: RMA, 2006 332p.: il.; 30cm ISBN: 85-99824-01-5 1.Mata Atlântica. 2. Florestas Tropicais – Conservação I.Campanili, Maura II. Prochnow, Miriam CDD: 333.7
Este livro é dedicado a todas as pessoas que nas mais diversas épocas lutaram e lutam, resistiram e resistem,trabalharam e trabalham, mas acima de tudo amaram e amam a Mata Atlântica e a vida.
Rede de ONGs da Mata Atlântica Coordenação Geral: Miriam Prochnow (Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí - Apremavi/SC) Coordenação Institucional: Kláudio Cóffani Nunes (Instituto Ambiental Vidágua/SP) Coordenação Nacional:titulares - Núcleo Amigos da Terra Brasil-NAT/RS; Associação de Proteçãoao Meio Ambiente de Cianorte-Apromac/PR; Associação Serras Úmidas do Estado do Ceária-Assuma/CE; Grupo Ambientalista da Bahia-Gambá-BA; Movimento Popular Ecológico-Mopec-SE; Os VerdesMovimento de Ecologia Social/RJ; Programa da Terra-Proter/SP; suplentes - Associação Ecológica Canela-Assecan/RS; Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremos Sul da Bahia-Cepedes-BA; Ecologia e Ação-Ecoa/MS; Grupo de Estudos de Sirênios, Cetáceos e Quelônios-Gescq/PE; Instituto de Pesquisa da Mata Atlântica-Ipema/ES; Instituto Sul Mineiro de Estudos e Conservação da Natureza-ISM/MG; Associação Projeto Roda Viva/RJ; Sociedade Terra Viva-STVBrasil/RN; Instituto Indigenista e de Estudos Socioambientais Terra Mater/PR. Conselho Fiscal: Titulares - Sociedade Nordestina de Ecologia-SNE/PE; Associação de Defesa do Rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar- Apoena/SP; Projeto Mira-Serra/RS; Suplentes - SOS Natureza/PI; Associação Mineira de Defesa do Ambiente/MG; Associação Catarinense de Preservação da Natureza-Acaprena/SC. Equipe: Ana Carolina Lamy (assessora institucional); Bruno de Amorim Maciel (secretário executivo); Carlos Henrique Sobral (assistente administrativo); Eliana Jorge Leite (assessora administrativa e financeira); Sílvia Franz Marcuzzo (assessora de comunicação); Alice Watson (estagiária de jornalismo). SCLN 210 - Bloco C - Salas 207/8, CEP 70862-530, Brasília, DF. 61-3349 9162 Site: www.rma.org.br
ApresentaçãoViver na Mata Atlântica é ao mesmo tempo um privilégio e uma grande um deles e mostrando através de imagens as coisas responsabilidade. Privilégio por- importantes que ainda precisam de proteção.que, apesar de todo o processo de destruição,nela ainda reside uma das maiores riquezas em Fala das ameaças atuais que rondam a florestabiodiversidade do mundo, sem falar em toda sua e sua integridade e contra as quais é necessáriabeleza. Responsabilidade porque precisamos ser uma grande união de forças. Ao mesmo tempo mostra algumas iniciativas positivas dos váriosextremamente cuidadosos com os preciosos rema- setores: cientistas, empresas, governos e ONGs,nescentes e também dobrar nossos esforços para cada vez mais empenhados em contribuir com arecuperar o que é necessário para podermos garan- proteção e recuperação do bioma.tir não só a sobrevivência do bioma, mas também São detalhados também alguns conceitosa qualidade de vida dos que nela habitam. importantes sobre áreas protegidas e processos O livro Mata Atlântica – Uma rede pela flo- utilizados para promover o uso sustentável dosresta pretende mostrar um pouco da diversidade recursos naturais. Apresenta um cadastro dasque existe neste bioma. Não só biológica, da fauna instituições filiadas à Rede de ONGs da Matae flora, mas também das populações, das cidades, Atlântica, para ser consultado e servir de subsídiodos diferentes setores, das opiniões. Essa diversida- para possíveis parcerias em prol da floresta.de está traduzida não só na variedade dos assuntos,mas também na forma e estilos livres que foram Uma rede pela floresta quer mais do queutilizados na elaboração dos textos, respeitando tudo chamar a atenção para a necessidade urgentedesta forma a diversidade existente dentro da de se proteger e recuperar a Mata Atlântica, umprópria Rede de ONGs da Mata Atlântica. Patrimônio Nacional que precisa estar sob o olharA publicação mostra a grandiosidade do cuidadoso de todos os brasileiros.bioma, um pouco de sua riqueza, o seu processode destruição, a necessidade de conservação, umpouco da sua história e da legislação que a protege. Miriam ProchnowPassa pelos 17 Estados onde a Mata Atlântica estápresente, falando um pouco da realidade em cada Coordenadora Geral da RMA
SumárioIntrodução...............................................................................................15Uma explosão de vida...........................................................................17 Fitofisionomias....................................................................................................20 Flora......................................................................................................................23 Fauna....................................................................................................................25 População............................................................................................................26 Água.....................................................................................................................28Os ciclos da destruição.........................................................................31Os estados da Mata Atlântica...............................................................37 Rio Grande do Sul...............................................................................................39 Santa Catarina.....................................................................................................45 Paraná..................................................................................................................58 São Paulo.............................................................................................................77 Rio de Janeiro......................................................................................................87 Minas Gerais..................................................................................................... 107 Espírito Santo....................................................................................................114 Bahia.................................................................................................................. 129 Mato Grosso do Sul......................................................................................... 142 Goiás................................................................................................................. 146 Nordeste............................................................................................................ 149 Piauí................................................................................................................... 152 Ceará................................................................................................................. 154 Rio Grande do Norte........................................................................................ 158 Paraíba.............................................................................................................. 160 Pernambuco e Alagoas: O Pacto Murici........................................................ 162 Sergipe.............................................................................................................. 165Um bioma sem Lei?.............................................................................171A luta pela Preservação.......................................................................177
A voz coletiva da Mata.........................................................................185O que ainda ameaça............................................................................197 Especulação imobiliária.................................................................................. 199 Manejo de espécies ameaçadas..................................................................... 201 Exploração madeireira..................................................................................... 205 Assentamentos rurais...................................................................................... 209 Fumicultura e agricultura insustentável..........................................................211 Grandes empreendimentos............................................................................. 215 Plantio de exóticas............................................................................................ 219 Mineração.......................................................................................................... 221 Sobreposições entre unidades de conservação e populações tradicionais 224 Tráfico de animais............................................................................................. 226 Carcinicultura.................................................................................................... 227Oportunidade e experiências..............................................................235 Ciência............................................................................................................... 236 Governos........................................................................................................... 242 Iniciativa privada............................................................................................... 249 Organizações Não-Governamentais............................................................... 258 Reserva da Biosfera da Mata Atlântica........................................................... 274Saiba identificar...................................................................................277 Áreas protegidas............................................................................................... 278 Estágios sucessionais..................................................................................... 284 Manejo sustentável.......................................................................................... 285ONGs da Rede......................................................................................289Bibliografia...........................................................................................312
Introdução Desde que o homem se viu impelido a bus- gem, desbravando-o. Bravos eram os pioneiros Introduçãocar novos territórios além das savanas abertas, que enfrentavam a floresta. Esse modelo dea floresta se constituiu em novo desafio à sua manejo sequer pode se associar à exploração de 15sobrevivência. Fruto de uma história evolutiva recursos naturais, já que pouco ou quase nada eradesvinculada da floresta, o homem precisou aproveitado. O objetivo maior era abrir espaçomanejá-la, já que era mais rápido transformar para a civilização. A civilidade não se compati-a floresta do que aguardar um distante e incerto biliza com a floresta, dualismo quase perenizadoprocesso de co-evolução homem-floresta, o que no paradoxo da evolução humana.de fato nunca ocorreu. Ao dominar o fogo, ainteligência humana se rende ao imediatismo, Florestas tropicaisprocurando então recriar suas pequenas sava-nas, as clareiras nas florestas. Um pouco mais A natural inabilidade humana com astarde essa mesma inteligência também criou florestas fez com que as áreas de florestaso machado, e as savanas foram se ampliando tropicais se mantivessem quase intactas atémundo afora. passado recente. Historicamente se observa um paralelo entre grandes civilizações e áreas Avançando para o norte gelado, a neces- abertas e, mais recentemente, com áreas desidade vital de calor cria uma nova condição florestas temperadas, estruturalmente menospropícia ao manejo da floresta: retirar dela o complexas, portanto mais fáceis de “manejar”.lenho que alimenta as chamas da sobrevivência. A história nos mostra também que o ciclo deE o homem sobreviveu e evoluiu. As florestas crescimento e declínio de todas as ditas grandesse mostravam ora como obstáculo, gerando civilizações associa-se diretamente ao esgota-temeridade e pavor, ora como objeto de certa mento dos recursos naturais por elas exploradosvalia ao pragmatismo utilitarista. de forma predatória. A história trata dos feitos, ambições e frustrações humanas, a natureza, se No imaginário humano, a floresta sem- muito, se insere na história como cenário. Aspre se mostrou como local escuro, perigoso, florestas tropicais não fugiram a essa regra nadesconhecido, desafiador. Crescemos enquanto sua “convivência” com os humanos. Mesmo nacivilização, deliberadamente, distanciados da América do Sul, o último rincão a ser invadidofloresta. Nossos núcleos de convivência, desde pelo homem, como relata Warren Dean, “os queos primeiros tempos eram ambientes construídos, tombaram ainda jazem insepultos e os vencedo-desnaturalizados. Por certo a complexidade da res ainda vagueiam por toda parte, saqueandofloresta, inviabilizando a sensação de domínio e e incendiando o entulho”. Mais uma vez acontrole, tão essenciais ao animal humano, foi história da floresta é um relato de exploraçãouma determinante importante nesse processo e destruição.de intolerância. Destruir a floresta era essencialpara o desenvolvimento das sociedades humanas No contexto das florestas tropicais, a Matae, mais tarde, com a estabilidade dos primeiros Atlântica é um exemplo da eficiência destruido-povoamentos, sinônimo também de posse e do- ra da espécie humana. Há cerca de 65 milhões demínio da terra. O avanço tecnológico propiciou anos, as angiospermas, que dominam as flores-oportunidades novas, encorajando o homem a tas tropicais, chegaram ao dossel e, nos últimosavançar a passos largos sobre o território selva-
Introdução 50 milhões de anos, a diversificada teia de vida uma vez é abruptamente rompida com uma nova da Mata Atlântica tem evoluído sem a pressão leva de colonizadores. Aportando suas naus de grandes transtornos geológicos. Contudo, a numa costa ampla e exuberante, o colonizador chegada do homem às planícies sul-americanas europeu logo colocou a desserviço da floresta há cerca de 13 mil anos inicia um processo de toda a sua tecnologia. A eficiência foi tamanha interferência sem precedentes, mais devastador que em cinco séculos “manejando” a Mata do que as próprias “catástrofes” geológicas. Um Atlântica, com o providencial apoio da meta- dos resultados mais imediatos, aventa-se, foi lurgia, o invasor europeu conseguiu subverter a onda de extinção da megafauna. Na seqüên- a lógica natural e, num ambiente com todos cia, avança o homem sobre a floresta, criando os requisitos necessários para a exuberância, distúrbios que, de certa forma, se diluíam na reduziu tudo a “paisagem” e a “espaço”. efervescência de formas de vida e na magnífi- ca favorabilidade das condições desse último João de Deus Medeiros é botânico do Depar- período interglacial. Isso ajudou a construir o tamento de Botânica (CCB-UFSC) e do Grupo mito do “bom selvagem”. Essa condição mais Pau-Campeche16 Noroeste catarinense — 1928
Uma explosão de vida 17Uma explosão de vida
Quando os primeiros euro- peus chegaram ao Brasil, em 1500, a Mata Atlântica cobria 15% do território brasileiro, área equivalente a 1.306.421 Km2. Distribuída ao longo da costa atlântica, a Mata Atlântica é composta por um conjunto de ecossistemas, que incluem as faixas litorâneas do Atlântico, com seus manguezais e restingas, florestasUma explosão de vida de baixada e de encosta da Serra do Mar, florestas interioranas, as matas de araucárias e os campos de altitu- de. Nas regiões sul e sudeste chega a atingir a Argentina e o Paraguai. Sua região de ocorrência original abrangia integralmente ou parcialmente atuais18 17 estados brasileiros: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janei-Monte Crista – região de Joinville – SC ro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. incluindo os insetos. No caso dos mamíferos, Atualmente, a Mata Atlântica está reduzida a por exemplo, estão catalogadas 261 espécies, 7,8% de sua área original, com cerca de 102.000 das quais 73 são endêmicas, contra 353 espécies Km2 preservados. É o segundo bioma mais amea- catalogadas na Amazônia, apesar desta ser quatro çado de extinção do mundo, perdendo apenas para vezes maior do que a área original da Mata Atlân- as quase extintas florestas da ilha de Madagascar tica. Existem 620 espécies de aves, das quais 181 na costa da África. são endêmicas, os anfíbios somam 280 espécies, Mesmo reduzida e muito fragmentada, a sendo 253 endêmicas, enquanto os répteis somam Mata Atlântica ainda abriga mais de 20 mil es- 200 espécies, das quais 60 são endêmicas. pécies de plantas, das quais 8 mil são endêmicas, Aproximadamente 120 milhões de pessoas ou seja, espécies que não existem em nenhum vivem na área de domínio da Mata Atlântica. A outro lugar do Planeta. É a floresta mais rica do qualidade de vida destes quase 70% da população mundo em diversidade de árvores. No sul da brasileira depende da preservação dos rema- Bahia, foram identificadas 454 espécies distintas nescentes, os quais mantêm nascentes e fontes, em um só hectare. regulando o fluxo dos mananciais d´água que Comparada com a Floresta Amazônica, a abastecem as cidades e comunidades do interior, Mata Atlântica apresenta, proporcionalmente, ajudam a regular o clima, a temperatura, a umi- maior diversidade biológica. Estima-se que no dade, as chuvas, asseguram a fertilidade do solo bioma existam 1,6 milhão de espécies de animais, e protegem escarpas e encostas de morros.
Hotspot de biodiversidade A situação crítica da Mata Atlântica fez conscientização da sociedade para a pro- Uma explosão de vidacom que a organização não-governamental teção e conservação do bioma. Dentre asConservação Internacional (CI) incluísse o espécies mais conhecidas estão o mico-leão- 19bioma entre os cinco primeiros colocados na dourado, o mico-leão-da-cara-dourada, olista de Hotspots, que identifica 25 biorregiões mico-leão-preto e o mico-leão-da-cara-preta Flor doselecionadas em todo o mundo, consideradas (gênero Leontopithecus) e duas espécies de pau-brasilas mais ricas em biodiversidade e, ao mesmo muriquis (gênero Brachyteles), maior macacotempo, as mais ameaçadas. Na escolha de das Américas e também o maior mamíferoum Hotspot, considera-se que a biodiversi- endêmico do Brasil. Essas espécies têmdade não está uniformemente distribuída ao ajudado a população do Brasil e do mundo aredor do planeta, ou seja, 60% das plantas e valorizar e a proteger a floresta. Os muriquisanimais estão concentrados em apenas 1,4% sobrevivem hoje em alguns remanescentesda superfície terrestre. No Brasil, além da de Mata Atlântica nos estados da Bahia, Es-Mata Atlântica, também o Cerrado foi incluído pírito Santo, Minas Gerais e São Paulo e suasna relação da CI. populações não passam de 2.000 animais. A existência de espécies endêmicas, Foto: Rudolf Hausmannaquelas que são restritas a um ecossiste-ma específico e, por conseqüência, maisvulneráveis à extinção, é o principal critérioutilizado para escolher um Hotspot. Alémdisso, consideram-se os biomas onde maisde 75% da vegetação original já tenha sidodestruída. Alguns desses biomas possuemmenos de 8% de remanescentes em relaçãoà sua área original, como é o caso da MataAtlântica. Mesmo assim, o bioma contribuimuito para que o Brasil seja o campeão emmegadiversidade do mundo, ou seja, commaior quantidade de espécies de plantas eanimais em relação a qualquer outro país. Segundo a Conservação Internacional,a Mata Atlântica tem também diversas “es-pécies bandeira”, que simbolizam a regiãoe podem ser utilizadas em campanhas deMicos-leões-dourados
Uma explosão de vida É também da Mata Atlântica a árvore que deu origem ao nome do País, o pau-brasil (Caesalpinia echinata). Explorado ao extremo para uso como corante e construção de na- vios, o pau-brasil praticamente desapareceu das matas nativas. Estima-se que cerca de 70 milhões de exemplares tenham sido envia- dos para a Europa. A Mata Atlântica é ainda rica em muitas outras espécies de árvores nobres e de porte imponente e ímpar, como as canelas, o cedro, o jequitibá, a imbuia e o pinheiro brasileiro (araucária). pau-brasil, espécie que deu origem ao nome do país20 Fitofisionomia Constatou-se que o bioma era muito maior do que se pensava, pois até então se considerava Mata Apesar de originalmente formar uma floresta Atlântica apenas a floresta ombrófila densa. Como contínua, até recentemente existiam diferentes de- resultado do encontro, foi definido o conceito nominações para a Mata Atlântica. Essas denomi- de Domínio da Mata Atlântica para as áreas que nações eram baseadas em diversos pesquisadores originalmente formavam uma cobertura florestal que agrupavam as formações florestais de acordo contínua. Após algumas reformulações, essa de- com seus próprios critérios de considerações fito- finição foi reconhecida legalmente pelo Conselho fisionômicas e florísticas. Quando a Constituição Nacional do Meio Ambiente (Conama), em 1992 Federal de 1988 conferiu à Mata Atlântica o status e pelo decreto presidencial nº 750 de 1993. de Patrimônio Nacional, a definição de quais áreas fazem parte do bioma passou a ser preponderante Além de sua grande extensão territorial, para a política de conservação. outros fatores geográficos, como a variação de altitudes, as diferenças de solo e formas de relevo, Para tanto, um seminário com pesquisadores entre outros, proporcionam cenários extrema- e especialistas nos diferentes ecossistemas do mente variados à Mata Atlântica. Por isso, seu bioma, organizado em 1990, pela Fundação SOS domínio é constituído por diversas formações, Mata Atlântica, além de critérios fitofisionômi- tais como florestas ombrófila densa, ombrófila cos, considerou os processos ecológicos entre os mista, ombrófila aberta, estacional semidecidual, diversos ecossistemas, tais como a relação entre estacional decidual, campos de altitude, além a restinga e a mata, o trânsito de animais, o fluxo de ecossistemas associados, como manguezais, de genes de plantas e animais e as áreas de tensão restingas e brejos interioranos. Diversas ilhas ecológica (onde os ecossistemas se encontram e oceânicas também se agregam ao Domínio da vão gradativamente se transformando). Mata Atlântica.
Floresta ombrófila densa - Mata perenifólia Floresta(sempre verde), com dossel (“teto” da floresta) de ombrófilaaté 15 m, com árvores emergentes de até 40 m de densa no sulaltura. Densa vegetação arbustiva, composta por sa- da Bahiamambaias arborescentes, bromélias e palmeiras. Astrepadeiras e epífitas (bromélias, orquídeas), cac- Uma explosão de vidatos e samambaias também são muito abundantes.Nas áreas mais úmidas, às vezes temporariamente 21encharcadas, antes da degradação pelo homemocorriam figueiras, jerivás e palmitos (Euterpe Floresta ombrófila mista na estação escológicaedulis). Estende-se do Ceará ao Rio Grande do Sul, da Mata Preta – SClocalizada principalmente nas encostas da Serra doMar, da Serra Geral e em ilhas situadas no litoral Florestaentre os estados do Paraná e do Rio de Janeiro. ombrófila aberta – BA Floresta ombrófila mista - Conhecida comoMata de Araucária, pois o pinheiro-do-paraná Floresta(Araucaria angustifolia) constitui o andar superior estacionalda floresta, com sub-bosque bastante denso. Antes no Parqueda interferência antrópica, essa formação ocorria Nacional donas regiões de clima subtropical, principalmente Iguaçu – PRnos planaltos do Rio Grande do Sul, Santa Catarinae Paraná, e em maciços descontínuos, nas partesmais elevadas de São Paulo, Rio de Janeiro e Sulde Minas Gerais (Serras de Paranapiacaba, daMantiqueira e da Bocaina). Floresta ombrófila aberta - É consideradaum tipo de transição da floresta ombrófila densa,ocorrendo em ambientes com características cli-máticas mais secas. É encontrada, por exemplo,na Bahia, Espírito Santo e Alagoas. Floresta estacional (decidual e semideci-dual) - Mata com árvores de 25 a 30 m, com apresença de espécies decíduas (derrubam folhasdurante o inverno, mais frio e seco), com consi-derável ocorrência de epífitas e samambaias noslocais mais úmidos e grande quantidade de cipós(trepadeiras). Ocorriam, antes da degradação pelohomem, a oeste das florestas ombrófilas da encostaatlântica, entrando pelo Planalto Brasileiro até asmargens do Rio Paraná. O Parque Estadual doMorro do Diabo e o Parque Nacional do Iguaçuprotegem esse tipo de floresta.
Uma explosão de vida Brejos interioranos – São áreas de clima Serras diferenciado no interior do semi-árido, também úmidas em conhecidas regionalmente como “serras úmidas”, Guaramiranga por ocuparem primitivamente a maior parte dos – CE tabuleiros e das encostas orientais do Nordeste. Campos Campos de altitude - Ocorrem em elevações de altitude superiores a 1.800 metros e em linhas de cumea- no Parque das localizadas. A vegetação característica é for- Nacional de mada por comunidades de gramíneas, em certos São Joaquim lugares interrompidas por pequenas charnecas. – SC Freqüentemente nas maiores altitudes ocorrem topos planos ou picos rochosos, como no Parque Nacional de Itatiaia (localizado entre Rio de Ja- neiro, São Paulo e Minas Gerais).22 Manguezais da região de Itacaré – BA Manguezais - Formação que ocorre ao longo dos estuários, em função da água salobra produ- zida pelo encontro da água doce dos rios com a do mar. É uma vegetação muito característica, pois tem apenas sete espécies de árvores – menos de 1% das registradas na Mata Atlântica –, mas abriga uma diversidade de microalgas pelo menos dez vezes maior. Essa floresta invisível, revelam pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), é capaz de ocupar, com cerca de 200 mil representantes, um único centí- metro quadrado de raiz de mangue. Restinga - Ocupa grandes extensões do Restinga litoral, sobre dunas e planícies costeiras. Inicia- no Parque se junto à praia, com gramíneas e vegetação Estadual rasteira, e torna-se gradativamente mais variada Paulo César e desenvolvida à medida que avança para o in- Vinhas – ES terior, podendo também apresentar brejos com densa vegetação aquática. Abriga muitos cactos, orquídeas e bromélias. Essa formação encontra-se hoje muito devastada pela urbanização.
Flora Orquídeas de restinga Uma explosão de vida O conjunto de fitofisionomias que forma a de 3,6% do que se estima existir em todo o mun- 23Mata Atlântica propiciou uma significativa diver- do. No caso das pteridófitas (plantas vascularessificação ambiental, criando as condições adequa- sem sementes como samambaias e avencas), asdas para a evolução de um complexo biótico de estimativas apontam para uma diversidade entrenatureza vegetal e animal altamente rico. É por 800 e 950 espécies, que corresponde a 73% doeste motivo que a Mata Atlântica é considerada que existe no Brasil e 8% do mundo.atualmente como um dos biomas mais ricos emtermos de diversidade biológica do Planeta. O Museu de Biologia Mello Leitão publicou, em 1997, estudos desenvolvidos na Universidade Não há dados precisos sobre a diversidade Federal do Espírito Santo e da Universidade detotal de plantas da Mata Atlântica, contudo con- São Paulo, dizendo que na Estação Biológica desiderando-se apenas o grupo das angiospermas Santa Luzia, município de Santa Teresa (ES),(vegetais que apresentam suas sementes prote- foram identificadas 443 espécies arbóreas emgidas dentro de frutos), acredita-se que o Brasil uma área de 1,02 hectare de floresta ombrófilapossua entre 55.000 e 60.000 espécies, ou seja, densa. Na seqüência, estudos realizados no Parquede 22% a 24% do total que se estima existir no Estadual da Serra do Conduru, no Sul da Bahia,mundo. Desse total, as projeções são de que a elevaram este número para 454 espécies de árvo-Mata Atlântica possua cerca de 20.000 espécies, res por hectare (Jardim Botânico de Nova Iorqueou seja, entre 33% e 36% das existentes no País. e CEPLAC). Estas descobertas superam o recordePara se ter uma idéia da grandeza desses números, de 300 espécies por hectare registrado na Amazô-basta compará-los às estimativas de diversidade nia Peruana em 1986 e podem significar que dede angiospermas de alguns continentes: 17.000 fato a Mata Atlântica possui a maior diversidadeespécies na América do Norte, 12.500 na Europa de árvores do mundo.e entre 40.000 e 45.000 na África. Vale ressaltar que das plantas vasculares co- Apenas em São Paulo, estado que possuía nhecidas da Mata Atlântica 50% são endêmicas,cerca de 80% de seu território originalmente ou seja, não ocorrem em nenhum outro lugarocupado por Mata Atlântica, estima-se existirem no planeta. O endemismo se acentua quando as9.000 espécies de fanerógamas (plantas com espécies da flora são divididas em grupos, che-sementes, incluindo as gimnospermas e angios- gando a índices de 53,5% para árvores, 64% parapermas), 16% do total existente no País e cerca palmeiras e 74,4% para bromélias. Bromélia
Uma explosão de vida Fruto e semente do baguaçu gustifolia), espécie que chegou a responder por mais de 40% das árvores existentes na floresta24 Muitas dessas espécies endêmicas são frutas ombrófila mista, hoje reduzida a 1% de sua área conhecidas, como é o caso da jabuticaba, que cres- original. Orquídeas e bromélias também são extra- ce grudada ao tronco e aos galhos da jabuticabeira ídas para serem vendidas e utilizadas em decora- (Myrciaria trunciflora), daí seu nome iapoti-kaba, ção. Plantas medicinais são retiradas sem qualquer que significa frutas em botão em tupi. Outras critério de garantia de sustentabilidade. frutas típicas da Mata Atlântica são a goiaba, o araçá, a pitanga, o caju e as menos conhecidas Em um bioma onde as espécies estão muito cambuci, cambucá, cabeludinha e uvaia. Outra entrelaçadas em uma rede complexa de interde- espécie endêmica do bioma é a erva mate, maté- pendência, o desaparecimento de uma planta ou ria-prima do chimarrão, bebida bastante popular animal compromete as condições de vida de várias na região Sul. outras espécies. Um exemplo é o jatobá (Hyme- naea courbarail). A dispersão de suas sementes Muitas dessas espécies, porém, estão depende que seu fruto seja consumido por roe- ameaçadas de extinção. Começando pelo pau- dores médios e grandes capazes de romper a sua brasil, espécie cujo nome batizou o País, várias casca. Como as populações desses roedores estão espécies foram consumidas à exaustão ou sim- diminuindo muito, os frutos apodrecem no chão plesmente eliminadas para limpar terreno para sem permitir a germinação das sementes. Com culturas e criação de gado. Atualmente, além do isso, já são raros os indivíduos jovens da espécie. desmatamento, outros fatores concorrem para o À medida que os adultos forem morrendo, faltará desaparecimento de espécies vegetais, como o alimento para os morcegos, que se alimentam do comércio ilegal. Um exemplo é o palmito juçara néctar das flores de jatobá. (Euterpe edulis), espécie típica da Mata Atlântica, cuja exploração intensa a partir da década de 1970 Pau d’alho centenário – Maranguape – CE quase levou à extinção. Apesar da retirada sem a realização e aprovação de plano de manejo ser proibida por lei, a exploração clandestina continua forte no País. O mesmo vem acontecendo com o pinheiro-do-paraná ou araucária (Araucaria an-
CambacicaFauna Segundo levantamento Uma explosão de vida da Conservação Interna- Dentro da riquíssima fauna existente na cional, a maior parte das 25Mata Atlântica, algumas espécies possuem ampla espécies da nova lista pu-distribuição, podendo ser encontradas em outras blicada pelo Ministério doregiões, como são os casos da onça-pintada, Meio Ambiente habita aonça-parda, gatos-do-mato, anta, cateto, queixa- Mata Atlântica. Do total deda, alguns papagaios, corujas, gaviões e muitos 265 espécies de vertebra-outros. O que mais impressiona, no entanto, é a dos ameaçados, 185 ocor-enorme quantidade de espécies endêmicas, ou rem nesse bioma (69,8%),seja, que não podem ser encontradas em nenhum sendo 100 (37,7%) delesoutro lugar do Planeta. É o caso das 73 espécies de endêmicos. Das 160 aves damamíferos, entre elas 21 espécies e subespécies de relação, 118 (73,7%) ocorrem nesse bioma, sendoprimatas. No total, a Mata Atlântica abriga quase 49 endêmicas. Entre os anfíbios, as 16 espéciesmil espécies de aves, 370 espécies de anfíbios, indicadas como ameaçadas são consideradas en-200 de répteis, 270 de mamíferos e cerca de 350 dêmicas da Mata Atlântica. Das 69 espécies deespécies de peixes. mamíferos ameaçados, 38 ocorrem nesse bioma (55%), sendo 25 endêmicas, como o tamanduá- Mas essa grande biodiversidade não faz com bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e o muriqui,que a situação deixe de ser extremamente grave. também conhecido como mono-carvoeiro (Bra-A lista das espécies ameaçadas de extinção, pu- chyteles arachnoides), o maior primata do con-blicada pelo Ibama em 1989, já trazia dados im- tinente americano e o maior mamífero endêmicopressionantes: Das 202 espécies de animais con- do território brasileiro.sideradas oficialmente ameaçadas de extinção no Entre as 20 espécies de répteis ameaçadas,Brasil, 171 eram da Mata Atlântica. A nova lista, 13 ocorrem na Mata Atlântica (65%), sendo 10publicada pelo Ministério do Meio Ambiente em endêmicas, a maioria com ocorrência restrita aosmaio de 2003, traz dados ainda mais alarmantes: ambientes de restinga, um dos mais pressiona-o total de espécies ameaçadas, incluindo peixes dos pela expansão urbana. Estão nessa categoriae invertebrados aquáticos, subiu para 633, sendo espécies como a lagartixa-da-areia (Liolaemusque sete constam como extintas na natureza. lutzae), a jibóia-de-Cropan (Corallus cropanii) e a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). A verdade é que, em um país onde a biodi- versidade é pouco conhecida como o Brasil, há espécies que podem ter sido extintas antes mesmo de serem catalogadas pelos cientistas e outras que, ao serem descobertas, entram imediatamente para a trágica lista das ameaçadas de extinção. São os casos, por exemplo, do mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara) e do pássaro bicudi- nho-do-brejo (Stytalopus acutirostris), ambos recentemente encontrados por pesquisadores no
Uma explosão de vida Onça–pintada Além da perda de habitat, as espécies da Mata Atlântica são grandes vítimas do tráfico de ani-26 litoral paranaense, a menos de 200 quilômetros mais, comércio ilegal que movimenta 10 bilhões da cidade de São Paulo, a maior metrópole da de dólares no Brasil. Segundo as estimativas, em América do Sul. cada 10 animais traficados, apenas um resiste às pressões da captura e cativeiro. Existe ainda o pro- As espécies da Mata Atlântica também são blema de espécies que “invadem” regiões de onde lembradas nas análises mundiais de lacunas de não são nativas, prejudicando as espécies locais, proteção da biodiversidade. O estudo feito pela seja pela destruição de seu próprio habitat, seja por Conservação Internacional, “Análise Global de solturas mal feitas de animais apreendidos. Um Lacunas de Conservação”, apresentado no V exemplo aconteceu no Parque Estadual da Ilha Congresso Mundial de Parques (Durban/África Anchieta, em São Paulo, onde foram soltas, pelo – 2003), constatou que, no mundo, pelo menos governo, em 1983, várias espécies de animais, 719 espécies de vertebrados vivem fora dos limi- entre elas 8 cutias e 5 mico-estrelas, um sagüi tes das unidades de conservação existentes e que natural de Minas Gerais. Sem predadores e com outras 943 espécies estão dentro de reservas tão alimento abundante, essas espécies se multiplica- pequenas que seu habitat não pode ser considerado ram livremente e hoje contam com populações de efetivamente protegido. Das 719 espécies sem 1.160 e 654 indivíduos, respectivamente. Como proteção, 140 são mamíferos, 233 são aves e 346 conseqüência, cerca de 100 espécies de aves, cujos anfíbios. Das 233 espécies de aves consideradas ninhos são predados por esses animais, foram sem proteção, boa parte é da Mata Atlântica. extintas na ilha. População Grande parte da população brasileira vive na Mata Atlântica, pois foi na faixa de abrangência original desse bioma – 15% do território brasilei- ro – que se formaram os primeiros aglomerados Anta, o maior mamífero do Brasil
urbanos, os pólos industriais e as principais me- do palmito na floresta. Seu modo de vida, apesar Uma explosão de vidatrópoles. São aproximadamente 120 milhões de de eventuais práticas que agridem o ambiente,pessoas (70% do total) que moram, trabalham e define-se por seu trabalho autônomo, por suase divertem em lugares antes totalmente cobertos relação com a natureza e pelo conhecimento quecom a vegetação da Mata Atlântica. conservam através da tradição. Embora a relação não seja mais tão evidente, Conheça um pouco de algumas dessas po-pela falta de contato com a floresta no dia-a-dia, pulações:essas pessoas ainda dependem dos remanescentesflorestais para preservação dos mananciais e das Os índios - Quando os portugueses chegaramnascentes que os abastecem de água, e para a regula- ao Brasil, em 1500, havia cerca de 5 milhões deção do clima regional, entre muitas outras coisas. índios por aqui. Embora não haja um censo indíge- na, estima-se que a população de origem nativa e A Mata Atlântica também abriga grande com identidades específicas definidas some cercadiversidade cultural, constituída por povos indí- de 700.000 indivíduos no País, vivendo em terrasgenas, como os Guaranis, e culturas tradicionais indígenas ou em núcleos urbanos próximos. Issonão-indígenas como o caiçara, o quilombola, o significa 0,2% da população brasileira. As tribosroceiro e o caboclo ribeirinho. Apesar do grande que habitavam o litoral (Tamoios, Temininós, Tu-patrimônio cultural, o processo de desenvolvimen- piniquins, Caetés, Tabajaras, Potiguares, Pataxós e Guaranis) foram as primeiras a sofrerem com a chegada dos colonizadores. Os brancos, além de 27 espalhar doenças, usaram os índios como soldados nas guerras contra os invasores e como escravos. Muitas etnias foram extintas e as que sobrevive- ram sofrem as pressões da civilização. Atualmente, na área de Domínio da Mata Atlântica, segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), existem 133 terras indí- genas, das quais 16 ainda estão em processo de identificação. As demais 117 ocupam 1 milhão de hectares, porém mais da metade dessa áreaCidade de Taboquinhas, às margens do Rio deContas – BAto desenfreado fez com que essas populações ficas- Índios Guarani, região das Missões – RSsem de certa forma marginalizadas e muitas vezesfossem expulsas de seus territórios originais. Essas populações tradicionais têm relaçãoprofunda com o ambiente em que vivem, porquedele são extremamente dependentes. Vivem dapesca artesanal, da agricultura de subsistência,do artesanato e do extrativismo, como a coleta decaranguejos no mangue, ostras no mar e o corte
(539 mil hectares) pertence à Terra Indígena Kadiwéu, nos municípios de Porto Murtinho e Corumbá, no Mato Grosso do Sul. As demais são áreas muito pequenas, a maior parte com menos de 2 mil hectares, geralmente insuficientes para garantir a sobrevivência ou a manutenção do estilo de vidaUma explosão de vida tradicional indígena. São 27 terras no Mato Grosso do Sul, 22 no Rio Grande do Sul, 19 em Santa Catarina, 18 no Pa- raná, 14 em São Paulo, 13 na Bahia, seis em Minas Gerais, Caiçaras – sul da Bahia28 quatro em Alagoas e no Espíri- Nhunguara e São Pedro, mas apenas 13 são oficial- to Santo, e três na Paraíba e no Rio de Janeiro. mente reconhecidas pelo Instituto de Terras do Es- Os caiçaras - O caiçara, que na língua tupi tado de São Paulo (Itesp). Outras estão em processo quer dizer “armadilha de galhos”, é a herança de identificação. Um exemplo vivo dessa história deixada pelo contato entre o colono e o índio. é a capela de Ivaporunduva, construída em 1779, Mestiços de índios e portugueses, vivem entre o onde ainda é celebrada a missa afro-católica. mar e a floresta, sobrevivendo da pesca, do plantio da mandioca e do extrativismo. Assim como as Nos últimos anos, as populações tradicionais florestas e os índios que foram sumindo, a popula- têm desempenhado um novo papel no cenário ção caiçara também está perdendo sua identidade sócio-político, sobretudo na área de conservação e sua cultura, principalmente pela exploração do ambiental, em virtude do grande conhecimento turismo e da especulação imobiliária. acumulado sobre a biodiversidade, das práticas de manejo e também dos movimentos de defesa Os quilombolas - São comunidades rurais de seus modos de vida. negras, muitas delas formadas por descendentes de escravos remanescentes dos antigos quilombos Atualmente cresce o número de projetos (fundados por escravos fugidos) e que preservam de desenvolvimento sustentável executados por a cultura negra tradicional. Como exemplos da re- essas comunidades, muitos deles em unidades de sistência dessa cultura na Mata Atlântica, pode-se conservação de uso sustentável como as Reser- citar as comunidades do Vale do Ribeira, em São vas Extrativistas, Áreas de Proteção Ambiental e Áreas de Relevante Interesse Ecológico. Paulo. Descendentes de escravos desgarrados de Água velhas fazendas do século XVIII, os quilombolas têm hoje direito legal à terra que ocupam, graças Já em 1500 a riqueza de água da Mata Atlân- à Constituição de 1988. tica foi objeto de observação. Pero Vaz de Cami- No Vale do Ribeira, são cerca de 50 comu- nha, em sua carta ao Rei D. Manuel, escrevia: nidades como as de Ivaporunduva, Praia Grande, “A terra em si é de mui bons ares...As águas são
muitas, infindas; em tal maneira é graciosa, que, se confirmou no Brasil pois, com exceção de Uma explosão de vida querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem Fortaleza, todas as cidades brasileiras pesquisa- das águas que tem.” das dependem em maior ou menor grau de áreas 29 protegidas para o abastecimento. Atualmente, aproximadamente 120 milhões de brasileiros se beneficiam das águas que nascem A Mata Atlântica abriga uma intrincada rede na Mata Atlântica e que formam diversos rios que de bacias hidrográficas formadas por grandes rios abastecem as cidades e metrópoles brasileiras. como o Paraná, o Tietê, o São Francisco, o Doce, Além disso, existem milhares de nascentes e pe- o Paraíba do Sul, o Paranapanema e o Ribeira quenos cursos d’água que afloram no interior de de Iguape. Essa rede é importantíssima não só seus remanescentes. para o abastecimento humano mas também para o desenvolvimento de atividades econômicas, Um estudo do WWF (2003) constatou que como a agricultura, a pecuária, a indústria e todo mais de 30% das 105 maiores cidades do mundo o processo de urbanização do País. dependem de unidades de conservação para seu abastecimento de água. Seis capitais brasileiras Infelizmente, se Pero Vaz de Caminha vol- foram analisadas no estudo, sendo cinco na Mata tasse hoje ao Brasil, diria que a quantidade de Atlântica: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Hori- floresta que ele viu já não existe mais e as águas, zonte, Salvador e Fortaleza. A tendência mundial conseqüentemente, deixaram de ser infindas.Águas límpidas, cada vez mais raras. Itacaré – BA Segundo pesquisas realizadas pelo Labo- ratório de Hidrologia Florestal Walter Emerich, do Instituto Florestal de São Paulo, existe uma relação muito íntima entre a quantidade de água na Mata Atlântica e o estado de conservação da floresta. Essas pesquisas produziram um dado inédito sobre o regime hídrico na região de Cunha (SP): “de toda a chuva que cai na Mata Atlântica, nesse sítio, ao longo de um ano, 70% abastece as águas dos rios de forma continuada e permanente. Isso significa uma alta produção de água pura. Maior que o aproveitamento da água indicada em estudos realizados na Floresta Amazônica, por exemplo, que chega a apenas 50%” (Rocha & Costa, 1998). A floresta auxilia no que se chama de regime hídrico permanente. Com seus vários componen- tes (folhas, galhos, troncos, raízes e solo), age como uma poderosa esponja que retém a água da chuva e a libera aos poucos, ajudando a filtrá-la e a infiltrá-la no subsolo, alimentando o lençol freático. Com o desmatamento, surgem problemas como a escassez, já enfrentada em muitas das cidades situadas no Domínio da Mata Atlântica.
Uma explosão de vida Esse também é o principal motivo da neces- O estudo do WWF aponta também dados sidade de se preservar e recuperar a mata ciliar, econômicos para justificar a adoção dessas reco-30 que é o conjunto de árvores, arbustos, capins, mendações, enfatizando que é muito mais barato cipós e flores que crescem nas margens dos rios, conservar as florestas nas áreas de mananciais do lagos e nascentes. As áreas nas margens de rios, que construir centros de tratamento mais com- lagos e nascentes onde ocorrem as matas ciliares plexos para purificar a água poluída. A cidade de são consideradas de preservação permanente pelo Nova Iorque é citada como exemplo: “há décadas Código Florestal Brasileiro. a administração da cidade optou por purificar a água potável filtrando-a naturalmente pelas flo- O nome mata ciliar vem de cílios. Assim restas, a um custo inicial de US$ 1 bilhão a US$ como os cílios protegem os olhos, a mata ciliar 1,5 bilhão no período de dez anos. É sete vezes protege os rios, lagos e nascentes, cobrindo e pro- mais barato do que os US$ 6 a US$ 8 bilhões tegendo o solo, deixando-o fofo e permitindo que que seriam gastos na forma tradicional de tratar e funcione como uma esponja que absorve a água distribuir água potável, mais US$ 300 a US$ 500 das chuvas. Com isso, além de regular o ciclo da milhões anuais em custos operacionais”. água, evita as enxurradas. Com suas raízes, a mata ciliar evita também a erosão e retém partículas de Bibliografia, pág. 312 solo e materiais diversos, que com a chuva iriam acabar assoreando o leito dos rios. Quedas do Rio Chapecó – SC Esse conjunto de árvores, com sua sombra e frutos, é muito importante também para a proteção e preservação da diversidade da flora e fauna e para o equilíbrio do ecossistema como um todo. Em toda a Mata Atlântica, muitas matas ciliares ao longo de rios, lagos e nascentes foram desmatadas e indevidamente utilizadas. As con- seqüências dessa destruição são sentidas diaria- mente, com o agravamento das secas e também das enchentes, o que torna necessária uma urgente ação de recuperação. As recomendações, apontadas pelo estudo do WWF, principalmente para as cidades da Mata Atlântica, são a criação de áreas protegidas em torno de reservatórios e mananciais e o manejo de mananciais que estão fora das áreas protegi- das. Embora a legislação restrinja a ocupação ao redor de áreas de mananciais, em São Paulo, por exemplo, há milhares de pessoas habitando a beira de reservatórios como as represas Billings e Guarapiranga. Com a degradação dessas áreas, as companhias de abastecimento são obrigadas a buscar água mais longe, a um custo maior.
Os ciclos de destruição 31 Os ciclos dedestruição
Os ciclos de destruição A destruição e utilização irracional da a conservação da biodiversidade. Pelo contrário, MataAtlântica começou em 1500 com a sempre agiram objetivando o maior lucro no32 chegada dos europeus. Nestes 500 anos, menor tempo possível. O mais grave é que essa a relação dos colonizadores e seus sucessores com falta de compromisso com a conservação e, muitas a floresta e seus recursos foi a mais predatória pos- vezes, até o estímulo ao desmatamento, partiram sível. No entanto, foi no século XX que o desmata- dos governos. mento e a exploração madeireira atingiram níveis alarmantes. Das florestas primárias, só foi valori- Em 1850, o Estado de São Paulo tinha 80% zada a madeira, mesmo assim apenas de algumas de seu território coberto por Mata Atlântica, os poucas espécies. Nenhum valor era atribuído aos outros 20% eram Cerrado e outros ecossistemas. produtos não-madeireiros e os serviços ambientais Com a expansão da cultura do café e a indus- das florestas eram ignorados ou desconhecidos. trialização, apenas 100 anos depois, em 1950, restavam somente 18% de Mata Atlântica, mas Todos os principais ciclos econômicos desde isso preocupava pouca gente, pois a “fumaça das a exploração do pau-brasil, a mineração do ouro fábricas era vista e apreciada como paisagem do e diamantes, a criação de gado, as plantações de progresso” (Rocha & Costa, 1998). cana-de-açúcar e café, a industrialização, a expor- tação de madeira e, mais recentemente, o plantio Exploração incentivada de soja e fumo foram, passo-a-passo, desalojando a Mata Atlântica. Segundo Newton Carneiro em “Um Pre- cursor da Justiça Social – David Carneiro e a Historicamente, os setores agropecuário, Economia Paranaense”, em 1873 a Companhia madeireiro, siderúrgico e imobiliário pouco se Florestal Paranaense, com o objetivo de fazer preocuparam com o futuro das florestas ou com propaganda e atrair os importadores europeus, Foto: Arquivo Apremavi Desmatamento em Atalanta (SC) na década de 1940
chegou a cortar em pedaços uma araucária de 33 encontrada num livro escrito em 1930 por F. C. Os ciclos de destruiçãometros de altura, transportando-a de navio para a Hoehne. Ao liderar uma expedição, na qualidadeEuropa, onde foi novamente montada em pé, na de assistente-chefe da seção de botânica e agro-Exposição Internacional de Viena. nomia do Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal do Estado de São Paulo, Hoehne per- Um exemplo da forma como o desmatamento correu de trem a região das matas onde ocorria aera estimulado pode ser encontrado em Relíquias araucária, nos estados do Paraná e Santa Catarina,Bibliográficas Florestais, que transcreve uma ex- passando pelas regiões de Curitiba, Ponta Grossa,posição de motivos feita em 1917, pela Comissão Rio Negro, Mafra, São Francisco do Sul, Portoda Sociedade Nacional de Agricultura, para o União, além de outras cidades menores, chegandoMinistro da Agricultura, Indústria e Comércio. a Joinville.A Comissão solicitava ao governo federal e aosgovernadores dos estados que fizessem amplacampanha estimulando o corte de nossas florestaspara exportação ao mercado europeu, depois queterminasse a Primeira Guerra Mundial. No documento intitulado “O Córte das 33 Mattas e a Exportação das madeiras brasileiras”, pode-se encontrar o se- Canário morto em estrada guinte parágrafo:... “Seria um acto re- velador de intelligente previsão e muito Registrou em detalhes a beleza da paisagem, remunerador aproveitarmos o prazo que a diversidade da flora, a presença humana e a nos separa da data em que se celebrará destruição promovida pela exploração madei- a paz, para darmos a máxima actividade reira irracional e pela expansão de pastagens e à indústria extrativista das madeiras, agricultura sem nenhum cuidado com o meio formando por toda a parte, na proxi- ambiente. Em Três Barras, a caminho de Porto midade dos nossos portos de embarque, União, Hoehne descreveu com intensa revolta avultados stocks de madeiras seccas e a enorme degradação promovida pela empresa limpas que serão procuradas com em- South Brazilian Lumber and Colonisation Comp. penho e promptamente expedidas por Ltda., que , em troca da construção de trechos da bom preço, para o exterior, quando a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, recebera guerra cessar. ...por meio de reiteradas a concessão para explorar milhares de hectares publicações feitas na imprensa diária de de florestas ricas em araucárias e imbuias, numa todos os municípios, e por outras medi- extensão de 15 km em cada lado da ferrovia. das adequadas, estenderia a patriótica propaganda para todo o paiz...”. Já no final da década de 1920, podia-se vero resultado perverso das políticas florestais equi-vocadas da época. Uma descrição da irracionali-dade praticada contra a Mata Atlântica pode ser
Toras de araucária em Serraria, Bituruna – PR, 1995Os ciclos de destruição34 Acima das reservas Hoehne escreveu: “...Alguém disse que Para entender melhor o processo de destrui- o nosso caipira é semeador de taperas, ção da Mata Atlântica, vejamos alguns dados de fabricante de desertos e um inimigo das um estudo feito no Estado do Paraná na década mattas. de 1960. Em 1963, foi realizado o “Inventário do ...Assim procederam e continuam agin- Pinheiro no Paraná” pela Comissão de Estudos do as vanguardas da nossa civilização, dos Recursos Naturais Renováveis do Estado do que denominamos pioneiros e desbra- Paraná (Cerena), em colaboração com a Escola vadores do sertão. de Florestas da Universidade Federal do Paraná, ...Urge que os governos opponham um Escola deAgronomia e Veterinária da Universidade dique à onda devastadora de madeiras, Federal do Paraná, Departamento de Geografia, que ameaça transformar nossa terra em Terras e Colonização e Organização das Nações um deserto.” Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O brasilianista Warren Dean, registra que durante uma conferência em Minas Eis alguns números e conclusões do estudo: em Gerais, realizada em 1924, um orador 1963 a área total de florestas no Paraná era de cerca disse: “Entre nós é nulo o amor por de 6.500.000 hectares (em 1995, restavam somente nossas florestas, nula a compreensão 1.730.500 ha de florestas primárias e secundárias, das infelizes conseqüências que derivam segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais no de seu empobrecimento e do horror que Domínio da Mata Atlântica – SOS, INPE, ISA); resultaria de sua completa destruição. naquele mesmo ano, a área total com remanescentes Fortalecer o sentimento (de conser- de araucária era estimada em 1.500.000 ha. O es- vação) é uma medida de necessidade tudo estimou em 45.000.000 m3 o estoque total de urgente”.
madeira de araucária no Estado do Paraná naquele papel e pasta mecânica. Os ciclos de destruiçãoano. Concluiu que, a continuar o corte anual de Esses dados mostram claramente que há 403.000.000 m3, a reserva de madeira estaria liqui- 35dada em 15 anos a contar do ano de 1963. anos já se sabia que a Mata Atlântica vinha sendo destruída numa velocidade muito maior do que ...”De acordo com o que ficou de- a sua capacidade de auto-regeneração. O estudo monstrado, o desenvolvimento anual fez sugestões de medidas que deveriam ter sido das matas remanescentes é muito mais tomadas naquela época: baixo do que o corte processado pela indústria madeireira no mesmo período ...”A aplicação do Código Florestal de tempo. Em razão desse desequilíbrio, (art.16) é uma fórmula justa a ser uma crise se delineia em futuro muito considerada pelos poderes estaduais. próximo. ...A atual indústria madeireira ...Um dos primeiros passos a dar em está na realidade baseada num corte direção à recuperação florestal do Es- anual de cerca de 10 vezes o incremento tado é estabelecer reservas florestais, anual total de madeira, que é de apenas a fim de manter a cobertura florestal 460.000 m3.” permanente e prover o suprimento ne- cessário de madeira e matéria-prima Também ficou demonstrado que, além para a indústria de papel e as demais da Floresta Ombrófila Mista, que vinha de transformação.... Para o Paraná isto sendo dizimada pelos madeireiros, as significa manter reservas de cerca de florestas estacionais e densas também 3 a 4 milhões de hectares.” vinham sofrendo uma intensa destrui- ção: ...”Pode ser feita uma avaliação da área florestal anualmente destruída no Estado do Paraná, principalmente pelos fazendeiros, baseando-se em fotografias aéreas de 1963 e 1953. Os cálculos revelaram que anualmente são destruídos cerca de 250.000 ha de florestas tropicais.” Área equivalente a 2.500 km2/ano de florestas destruídas. Em 1965, segundo o Instituto Nacional do Figueira centenária derrubada durante estudoPinho, havia no Paraná: 1.395 serrarias de pro- para implantação de linha de transmissão dedução para exportação e consumo local do pinho; energia elétrica, Lontras – SC278 fábricas de laminados e compensados, 926fábricas de pinho beneficiado, caixas, cabos devassouras, artefatos de lâminas; 256 fábricas demóveis; 188 exportadores de madeira; 932 co-merciantes de madeira; e 94 fábricas de celulose,
Os ciclos de destruição Como nenhuma das medidas sugeridas foi públicas a defesa de teses conservacionistas, pelo levada a sério, os números de serrarias e empre- menos até a década de 1970. ROCHA & COS-36 gos foram diminuindo juntamente com a floresta. TA (1998) nos dão uma idéia dessa indiferença: Isso mostra que houve não apenas uma insusten- “O homem estava de costas para as florestas e tabilidade ambiental na exploração da floresta, desprezava o conhecimento indígena sobre ela, mas também uma completa insustentabilidade ainda que tivesse adotado a maioria de suas plan- econômica e social nessa exploração. Segundo tas alimentícias, como a mandioca e o milho, e estudo da Fundação de Pesquisas Florestais do a imensidão de frutas que até hoje são fonte de Paraná (FUPEF, 2001), restam hoje no Paraná vitamina e alegria para todos os brasileiros.” apenas 0,8% (66.000 ha) de remanescentes de floresta com araucária em estágio avançado de A política do crescimento a qualquer custo regeneração. Ambientes intocados são pratica- adotada pelo Brasil após a Segunda Guerra Mun- mente inexistentes. dial teve no pólo industrial de Cubatão, no litoral de São Paulo, o seu principal ícone. Os resultados Cerco final catastróficos da poluição e da alta concentração de gases na atmosfera lançados pelas indústrias Warren Dean, no livro “A Ferro e fogo”, começaram a aparecer na década de 1970, com faz um dos relatos mais impressionan- a população da região sofrendo problemas res- tes do processo de destruição da Mata piratórios e até o nascimento de bebês com má Atlântica. As políticas governamentais formação. Além disso, a chuva ácida desestabi- brasileiras tinham como imperativo o lizou todo o ecossistema da Mata Atlântica nas “desenvolvimento econômico” e, já na encostas da Serra do Mar. Em fevereiro de 1985, primeira metade do século XX, havia se fortes chuvas provocaram enormes deslizamentos dado o cerco final à Mata Atlântica. nas encostas, causando diversas mortes em bairros como a Vila Parisi e também atingindo e levando “A idéia de desenvolvimento econômico prejuízos econômicos a diversas indústrias. penetrava a consciência da cidadania, justificando cada ato de governo, e até de Mas a destruição da Mata Atlântica não parou ditadura, e de extinção da natureza”. por aí. Nos tempos modernos outros ciclos surgi- ram e ainda estão em andamento, continuando a Durante a primeira Conferência das Nações colocar o bioma em risco. Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo (Suécia), em 1972, os representantes do governo brasileiro deram ao mundo um dos mais deploráveis exemplos de des- consideração para com o meio ambiente de todos os tempos, ao declararem “que venha a poluição, desde que as fábricas venham com ela”. Não só os governantes desde a época dos portugueses, mas a maioria dos brasileiros tam- bém sempre foi indiferente à destruição da Mata Atlântica, cabendo aos cientistas e algumas figuras Desmatamento em região de araucária – SC, 2005
Os estados daMata Atlântica
Os estados da Mata Atlântica Presente em 17 estados brasileiros, a Mata perceber que a exploração predatória, mesmo Atlântica que conhecemos hoje é o re- nos estados de ocupação mais antiga, como São38 sultado de diferentes paisagens originais, Paulo, ocorreu mais intensamente nos últimos 100 forjadas pelos processos naturais, e também de anos. O mesmo processo de desmatamento rápi- diferentes histórias de ocupação, exploração e do e descontrolado atingiu estados de ocupação manejo, conforme sua localização. Assim, apre- mais recente, como o Espírito Santo, que passou sentar o que aconteceu (e ainda está acontecendo) três séculos e meio de ocupação portuguesa com com o bioma em cada um desses locais é uma suas florestas praticamente intactas, mas entrou forma de entender o todo, a partir da montagem no século XXI com índices de cobertura vegetal de um quebra-cabeça, através da diversidade de semelhante aos demais estados do bioma. informações e até de abordagem dos artigos. Além de mostrar as peculiaridades das fitofi- Escritos preferencialmente por pessoas do sionomias da Mata Atlântica nos estados, alguns próprio estado (ou região, no caso do Nordeste), textos analisam as condições de cada uma delas, cada um dos textos traz enfoques diferentes, mas as pressões atuais e o que tem sido feito no sentido sempre buscando clarear o entendimento sobre de inverter o processo de destruição. Em geral, os como a Mata Atlântica chegou à situação de quase autores ressaltam que, apesar de haver iniciativas extinção em alguns estados, como em Alagoas, bem-sucedidas de conservação e alguns bolsões onde sobraram apenas 6,04% da área original de recuperação, os ganhos ainda são frágeis e de- do bioma, ou então no Piauí, onde restaram ape- pendentes de políticas públicas ainda incipientes nas 0,1% da área original. Também é possível e vigilância constante da sociedade. Árvores petrificadas no município de Mata – RS
Rio Grande do SulParque Nacional dos Aparados daSerraLocalizado no extremo sul do Brasil, na fron- de liberdade chegaram ao extremo sul do Brasil Os estados da Mata Atlânticateira do Uruguai e Argentina, o estado do Rio vindos da Europa.Grande do Sul possui 282.062 km2, população 39de 10.187.798, clima subtropical, relevo com três Historicamente a base da economia gaú-regiões naturais distintas e dois grandes biomas: cha é a pecuária e a agricultura, mas hoje asMata Atlântica (no planalto serrano e região lagu- atividades industriais também têm destaque.nar) e Pampa. Originalmente três grupos indígenas O Estado é conhecido como celeiro do Brasilocupavam o território gaúcho: o ge ou tapuia, o em razão da grande produção de soja, trigo,pampeano (Charrua, minuano) e o guarani. Dois arroz e milho. Entre as atividades industriaisfatores diferem a cultura do Rio Grande do Sul destacam-se a coureiro-calçadista, alimentícia,dos demais estados do Brasil: a ocupação tardia metalúrgica e química.do território e a guerras. Estima-se que em 1500 havia 11.202.705 km2 A ocupação deu-se, principalmente, a partir (39,70 hectares) com cobertura de vegetação dede 1824 com a chegada de imigrantes alemães em Mata Atlântica no Estado. Em 1940, a cobertura1875 e com os italianos que se instalaram no Vale original era de 9.898.536 Km2 (35,08%), masdo Rio dos Sinos e na Serra. em menos de 20 anos perdeu-se mais 7 milhões de hectares dessa vegetação, restando apenas Os conflitos entre portugueses e espanhóis 2.700.501 Km2 (9,57%). Estudo da Fundação SOSsobre os limites da fronteira no extremo sul do Mata Atlântica e Instituto Nacional de PesquisasBrasil só se encerraram em 1777 e a definição da Espaciais (INPE) mostrou que em 1995 havia so-fronteira definitiva hoje correspondente ao Estado mente 2,69% do território gaúcho com coberturasó aconteceu em 1801. No período entre 1835 e de remanescentes de Floresta Atlântica. Uma sim-1845, aconteceu a Revolução Farroupilha, que ples e rápida análise constata que o desmatamentotinha por objetivo proclamar a independência do ocorrido está estreitamente relacionando com oEstado que não aceitava a subordinação imposta aumento da área agrícola que ocorreu com a mi-pelo Governo Central. Nessa época, os ideais gração de colonos e seus descendentes para novas
Os estados da Mata Atlântica áreas, assim como a mecanização da agricultura. jerivás, cedros, timbaúvas; no lado continental, re- Como em outras regiões, o crescimento popu- manescentes de matas de restinga. Na região, está40 lacional e a conseqüente urbanização também localizada a Reserva Biológica Estadual da Serra influenciaram os altos índices de desmatamento. Geral - na parte alta -, Parque Estadual de Itapeva – na planície - e Reserva Ecológica da Ilha dos O Domínio da Mata Atlântica no Rio Grande Lobos - no oceano, junto à cidade de Torres. do Sul é constituído de floresta ombrófila densa, floresta ombrófila mista (floresta com araucária), Nessa região, predomina o minifúndio, onde floresta estacional semidecidual, campos de alti- a terra é explorada ao máximo, inclusive em áreas tude, restinga. de preservação permanente (APPs), com a cultura da banana (nas encostas) e arroz. A urbanização da Nos últimos anos, percebe-se a recuperação orla marítima para turismo de verão é responsável florestal em áreas abandonadas pela agricultura. pela degradação ou extinção de áreas com mata A mecanização e a falta de políticas públicas para ou vegetação de restinga, banhados e a remoção o pequeno agricultor têm levado os produtores de dunas. rurais a abandonar áreas antes usadas para agri- cultura, principalmente as encostas de morros. No planalto gaúcho, encontra-se um dos mais ameaçados ecossistemas da Mata Atlântica: Por outro lado, o desmatamento continua. a floresta com araucária associada aos campos Pequenos produtores continuam a desmatar de altitude. O pinheiral possui dois andares per- para aumento da área “produtiva” ou para lenha, ceptíveis ao olhar: o andar inferior consiste de serrarias continuam a explorar florestas nativas, árvores baixas, geralmente mirtáceas, sendo o empreendimentos de infra-estrutura como es- andar superior o domínio da araucária (Araucaria tradas e barragens são permitidos em área com angustifolia). remanescentes florestais. Nessa região, também restam alguns poucos Remanescentes atuais remanescentes da floresta estacional semideci- dual, pequenas manchas de um maciço contínuo No Litoral Norte, encontra-se o principal que unia Argentina, Paraguai e Brasil. A região conjunto de remanescentes da floresta atlântica, abriga uma das mais belas paisagens do Brasil: os mais especificamente de floresta ombrófila densa cânions do Itaimbezinho e Fortaleza, localizados e, do lado atlântico, juncais, campo seco, figueiras, nos Parques Nacionais deAparados da Serra e SerraRuínas de SãoMiguel dasMissões, já nolimite com oPampa
Rio Camaquãe seusremanescentesflorestaisGeral na divisa do Rio Grande do Sul com Santa de restinga e formações de dunas paleolíticas e Os estados da Mata AtlânticaCatarina. No planalto, estão localizadas grandes floresta estacional semidecidual. Na região, es-áreas com monoculturas de soja, milho e pinus e tão localizados a Estação Ecológica do Banhado 41plantios menores de batata, alho e repolho, entre do Taim, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe,outros. Pelas características de relevo, a região tem ambas com destacado papel na proteção de avesgrande potencial de aproveitamento hidrelétrico, migratórias, e o Parque Estadual do Delta do Ca-especialmente na bacia do Rio Uruguai, na divisa maquã (floresta estacional semidecidual). As áreascom Santa Catarina, o que indica mais agressão à de banhados (alagadas) são tradicionalmente ocu-vegetação nativa. Junto ao Rio Uruguai ocorre a padas por grandes plantações de arroz ou drenadasfloresta estacional semidecidual, formada por es- para pecuária. O crescimento urbano aumenta naspécies como a canafístula, que floresce em janeiro cidades localizadas à beira da Laguna dos Patose fevereiro, a paineira, o alecrim, a canela, o cedro em razão do turismo de verão. A beleza cênicae o louro, sendo os últimos quase extintos pela ação da região é única, com a presença de figueirasde madeireiras. centenárias às margens das inúmeras lagoas que ocorrem nessa área. Na região serrana, encostas do planalto vol-tadas para o sul, encontram-se remanescentes de Até 2005, o Rio Grande do Sul era o únicofloresta estacional semidecidual e, nas partes mais estado brasileiro onde a caça amadora era permi-altas, floresta com araucárias e campos de altitude tida. Somente nesse ano, uma sentença judiciale, no leste, da floresta estacional semidecidual. É a suspendeu a temporada de caça que ocorria naregião de colonização alemã e italiana, com áreas região em razão das aves de banhado, muito vi-de minifúndios intensamente exploradas. É dessa sadas pelos caçadores.região que vem a maior pressão para a flexibiliza-ção e utilização das áreas de preservação perma- Outra característica do Estado é o trabalhonente. Os vitivinicultores, por exemplo, usam as conjunto entre diversas instituições visando a pro-encostas para plantio da uva em grandes parreirais. teção e recuperação do bioma Mata Atlântica. OA região também apresenta grande urbanização e Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Matao principal pólo metal-mecânico do Estado. Atlântica tem atuação ativa com a participação de Secretarias de Estado, ONGs ambientalistas, repre- Nas regiões do Litoral Médio e Sul e também sentantes dos moradores e comunidade científica.no entorno da Lagoa dos Patos (na verdade uma Desde sua criação, em 1994, esse Comitê mantémlaguna), existem diversos remanescentes da mata continuadas ações em prol da floresta atlântica.
Os estados da Mata Atlântica Também o Elo da Rede Mata Atlântica tem tido papel relevante para congregar e fortalecer as ações das ONGs que atuam no bioma. O Elo-RS, que atua desde 2002, possui coordenação de três entidades, mais uma secretaria executiva, uma es- trutura de trabalho não existente nos demais estados brasileiros. Kathia Vasconcellos Monteiro é Município de São José dos Ausentes coordenadora do Núcleo Amigos da Terra/Brasil e Nely Blauth é asses- sora técnica do Núcleo Amigos da Terra/Brasil42 Campos nativos em São José dos Ausentes
Ações de proteção na Zona Costeira* Na região do Rio Grande do Sul, até Muitos diplomas legais foram conquis- Os estados da Mata AtlânticaUruguai adentro, diversos banhados formam tados através de processos de participaçãouma imensa zona úmida latino-americana. A e organização popular em municípios dessa 43Laguna dos Patos, as lagoas Mirim e Man- zona costeira gaúcha. Em Pelotas, pode-gueira são enormes reservatórios de água mos citar: a Lei 3835/94, que reestrutura ointeragindo com banhados e marismas. Uma Conselho Municipal de Proteção Ambientalsingular diversidade de fauna e flora - algu- (Compam); a Lei 4125/96 que dispõe sobre amas raras, endêmicas e/ou ameaçadas de criação do Programa Adote Uma Área Verde;extinção - é encontrada nos remanescentes e a Lei 4336/98, que declara de valor paisagís-ecossistemas associados de Mata Atlântica, tico e ecológico a Mata do Totó, localizadaque sofrem pelas externalidades oriundas no Balneário do Laranjal e Barro Duro; a Leidas múltiplas atividades urbanas e também 4354/99, que institui o Código Municipal derurais. Limpeza Urbana (CLU); a Lei 4392/99, que declara como área de interesse ecoturístico O Centro de Estudos Ambientais (CEA), a orla da Laguna dos Patos, no municípioorganização ecológica não-governamental, de Pelotas; Lei 4428/99, que dispõe sobre acom mais de 22 anos de atuação na região, flora nativa exótica do município de Pelotas;tem priorizado suas ações e projetos em edu- a Lei 4753/01, que dispõe sobre o Fundocação ambiental e direito ambiental na região, para a Sustentabilidade do Espaço Municipaltendo como escopo a sustentabilidade das (Fusem) e a Lei Orgânica Municipal, aindaZonas Úmidas. que de forma tímida.Praia da Guarita em Torres
Os estados da Mata Atlântica Aves típicas do Rio Grande do Sul44 Através de diversos projetos de educa- letividade da orla da laguna dos Patos, cons- ção ambiental, o envolvimento da coletivida- tituída por moradores (muitos pescadores e de tem ajudado a construir noções teóricas e outros cuja sobrevivência também depende resultados práticos de sustentabilidade, com dos elementos ambientais) e veranistas. A inclusão social. Destacamos o Projeto Mar comunidade local diagnosticou e apontou de Água Doce (Promad), desenvolvido em premissas para projetos e ações, apoiados 1995 e que recebeu prêmios internacionais; por uma parceria das ONGs e governo lo- Projeto Abrace a Lagoa; movimento “Eu cal, Ministério do Meio Ambiente e o Fundo também Quero a Lagoa Despoluída”; pro- Nacional do Meio Ambiente. Uma pesquisa jetos de educação ambiental desenvolvidos realizada junto à comunidade destacou a juntamente com o Programa Mar de Dentro, importância da proteção dos banhados e das do governo do estado do Rio Grande do Sul, matas remanescentes da orla, despertando atualmente quase extinto pela proposta políti- uma nova relação para com tais ecossiste- ca governante; apoio ao projeto Coletivos de ma daqueles (agentes socioambientais) que Trabalho e atualmente Construindo a Agenda formam os Núcleos de Educação Ambiental 21 de Pelotas, o qual encontra-se numa fase (NEAs). de elaboração de projetos para posterior execução, caso o governo municipal não *Antonio C. P. Soler, advogado ambienta- comprometa ainda mais sua continuidade. lista, mestrando em desenvolvimento susten- tável (Argentina) e coordenador do Elo-Sul Entretanto, chegou-se a esse módulo Rede Mata Atlântica pelo CEA. depois de várias reuniões públicas com a co- A REDE NO ESTADO: pág. 301 AMEAÇAS NO RS: págs. 201, 211, 215, 221 e 223. PROJETOS NO RS: págs. 238, 251 e 264
Santa CatarinaMorro Pelado, em Apiuna Os estados da Mata Atlântica 45Com uma extensão territorial de 95.985 km2, dos do Estado, compondo assim a cobertura florestalquais 85%, ou 81.587 km2, estavam originalmente predominante. A Floresta Subtropical da Baciacobertos pela Mata Atlântica, Santa Catarina si- do Rio Uruguai, ou floresta estacional semideci-tua-se hoje como o terceiro Estado brasileiro com dual, por sua vez, cobria 9.196 km2, perfazendomaior área de remanescentes da Mata Atlântica, 9,6% da cobertura florestal de Santa Catarina.resguardando cerca de 1.662.000 hectares (16.620 Estima-se ainda em 14,4% (13.794 km2 ) a áreaKm2), ou 17,46% da área original. Registra-se que de campos e em 0,6% (575 km2) as porções coma área do Estado corresponde tão somente a 1,12% floresta nebular.do território brasileiro. Esses dados bem ilustrama crítica situação atual da Mata Atlântica. Da área original de floresta ombrófila densa restam cerca de 22% (7.000 km2), distribuídos em De acordo com o Mapa Fitogeográfico do remanescentes florestais primários ou em estágioEstado de Santa Catarina, a cobertura florestal avançado de regeneração.Amaior extensão da áreado Estado está subdividida em Floresta Pluvial da ainda coberta por florestas no Estado é representadaEncosta Atlântica, Floresta de Araucária ou dos por fragmentos de floresta ombrófila densa.Pinhais e Floresta Subtropical da bacia do RioUruguai. A Floresta Pluvial da Encosta Atlântica, A floresta ombrófila mista, que se constituíatambém conhecida como floresta ombrófila densa, na formação florestal predominante do Estado,juntamente com seus ecossistemas associados, foi alvo de intensa e predatória exploraçãomanguezais e restingas, cobria 31.611 km2 ou madeireira, estando hoje numa situação extre-32,9% do território catarinense. A Floresta de mamente crítica. Vários núcleos de floresta om-Araucária, definida como floresta ombrófila mista, brófila mista são também encontrados na regiãocobria 40.807 km2, ou seja, 42,5% do território da Floresta Pluvial Atlântica, destacando-se os núcleos situados nos municípios de Antônio
Os estados da Mata Atlântica Carlos, São João Batista, Lauro Müller, Sombrio As matas virgens ou primitivas que consti- e Major Gercino. tuíam as grandes regiões cobertas de araucária46 foram chamadas por Reitz & Klein (1966) de Afloresta ombrófila mista compõe uma vegeta- matas pretas. Esses autores, referindo-se à distri- ção de ocorrência praticamente restrita à região Sul buição dessa conífera em Santa Catarina, assim do Brasil. Hoje seus remanescentes, extremamente se expressaram: fragmentados, não perfazem 5% da área original segundo dados do Ministério do Meio Ambiente “Originalmente os pinhais mais extensos se (2000), ou 3% segundo FUPEF (1978), dos quais situavam, principalmente, no assim chamado pri- irrisórios 0,7% poderiam ser considerados como meiro Planalto Catarinense, abrangendo as áreas áreas primitivas, as chamadas matas virgens. compreendidas desde São Bento do Sul, Mafra, Canoinhas e Porto União, avançando em sentido Mata Preta sul até a Serra do Espigão e Serra da Taquara Verde, continuando em seguida pela Serra do Irani em A floresta ombrófila mista constitui um ecos- sentido oeste. Em toda essa vasta área, o pinheiro sistema regional complexo e variável, abrigando emergia como árvore predominante, por sobre as muitas espécies, algumas das quais endêmicas densas e largas copas das imbuias, formando uma dessa tipologia florestal. É uma floresta tipicamen- cobertura própria e muito característica. Precisa- te dominada pelo pinheiro araucária (Araucaria mente em virtude dessa cobertura densa e do verde- angustifolia), que responde por mais de 40% dos escuro das copas dos pinheiros, esses bosques são indivíduos arbóreos da formação, apresentando denominados pelos serranos de mata preta.” valores de abundância, dominância e freqüência bem superiores às demais espécies componentes A floresta estacional semidecidual original- dessa associação. mente ocupava o vale do Rio Uruguai, penetrando profundamente pelos vales dos seus afluentes, Mesmo as extensas áreas contínuas de flo- como os rios Canoas, Do Peixe, Rancho Grande, resta ombrófila mista eram, em alguns pontos, Jacutinga, Engano, Irani, Chapecó, São Domin- interrompidas por manchas de campos naturais, os gos, Das Antas, Iracema, Macaco Grande e Pepe- quais se mostram como remanescentes das altera- ri-guaçu. Essa tipologia florestal encontra-se hoje ções climáticas ocorridas durante o Quaternário. praticamente extinta. Além dos fatores históricos de pressão, como exploração madeireira e agricul- Pinhões: sementes de araucária tura, mais recentemente a bacia do Rio Uruguai/ Pelotas é também ameaçada com os grandes pro- jetos de aproveitamento hidráulico. No início de 2005, estabeleceu-se uma intensa disputa judicial, figurando governo e empreendedores de um lado e ambientalistas do outro, sendo objeto dessa dispu- ta nada menos que 8.000 ha de florestas, uma das derradeiras manchas de floresta ombrófila mista e semidecidual dessa enorme bacia hidrográfica, e que foi simplesmente omitida nos estudos exi- gidos para o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Barra Grande. A barragem de 190
m de altura já está edificada, entre os municípios De Jaraguá do Sul até as proximidades de Os estados da Mata Atlânticade Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra (RS). Ibirama, observa-se uma intensa fragmentaçãoFoi emitida a Licença Ambiental de Operação, o da floresta ombrófila densa, predominando for- 47que viabilizou a formação do lago, inundando os mações secundárias nos estágios iniciais e médiosreferidos fragmentos florestais e, muito possivel- de regeneração. Em toda extensão verifica-se umamente, decretando a extinção de uma espécie da acentuada redução nas atividades agrícolas, espe-flora brasileira ameaçada de extinção, a bromélia cialmente nas áreas mais montanhosas, o que temDychia distachya. propiciado a ampliação das áreas de capoeirinhas e capoeiras. Provavelmente em decorrência doDetalhe da flor da Dyckia distachya fenômeno de desruralização, constata-se também que não mais persistem grandes pressões sobreSituação atual as formações florestais remanescentes. Em toda extensão desse primeiro trecho, não foram detec- A situação atual da Mata Atlântica no Es- tados desmatamentos significativos.tado pôde ser verificada através de um vôo dereconhecimento, realizado em março e abril de No aspecto qualitativo, contudo, a situação2001, e complementada por diversas inspeções é preocupante, visto que as formações florestaisde campo realizadas posteriormente. O trabalho secundárias mostram-se relativamente pobres,foi realizado com o intuito de verificar o grau de com uma predominância acentuada de algumasconservação de algumas importantes áreas de espécies arbóreas pioneiras. Em grande extensãoMata Atlântica situada fora das unidades de con- também se percebe uma vertiginosa proliferaçãoservação no Estado e contou com a participação de algumas espécies de lianas (cipós) e taquaras,de técnicos do Núcleo Assessor de Planejamento o que pode estar prejudicando sensivelmente ada Mata Atlântica do Ministério do Meio Am- continuidade e o ritmo da sucessão secundária.biente (NAPMA), do Comitê Estadual da Reser- Longos trechos isentos de remanescentes pri-va da Biosfera, do Ibama-DF, da Federação de mários ou em estágio avançado de regeneração,Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) e da seguramente condicionam significativo obstáculoAssociação de Preservação do Meio Ambiente do à recuperação e à preservação da biodiversidadeAlto Vale do Itajaí (Apremavi). Na primeira etapa original, acrescentando fatores adicionais de riscodo trabalho foram diagnosticadas áreas situadas ao processo natural de sucessão secundária.no trajeto entre os municípios de Jaraguá do Sule Abelardo Luz. Nas proximidades dos contrafortes da Serra Geral, entre os municípios de Trombudo Cen- tral, Atalanta, Agronômica, Agrolândia, Pouso Redondo e Mirim Doce, destacam-se os campos de cultivo agrícola. Os remanescentes florestais igualmente mostram-se fragmentados, na maior parte enquadrando-se nos estágios médio e avan- çado de regeneração, com sinais de acentuada pobreza qualitativa. A área em questão era ori- ginalmente coberta pela floresta tropical do Alto da Serra com predominância de canela-amarela (Nectandra lanceolata), sapopema (Sloanea
Os estados da Mata Atlântica Borboleta: um dos indicativos de biodiversidade48 lasiocoma), tanheiro (Alchornea triplinervea), Após percorrer-se uma extensa área dominada por taquaras (Merostachys multiramea) e carás (Chus- plantios homogêneos de Pinus elliottii (espécie quea sp.). Essa situação degradada torna-se menos exótica), encontra-se uma formação de floresta pronunciada apenas nas áreas das encostas mais ombrófila mista bastante significativa. Apesar de íngremes, onde a vegetação apresenta-se numa não se constituir exatamente num grande fragmen- condição visivelmente melhor. to, aproximadamente 9.000 ha, delimitado pelos rios Do Mato e Chapecozinho, o aspecto qualita- Adentrando a região do planalto, área coberta tivo dessa floresta é destacável. A área encontra- originalmente pela floresta ombrófila mista, os se ainda coberta por uma verdadeira floresta de reflexos da excessiva e irracional exploração ma- araucária, a chamada Mata Preta, com indivíduos deireira das espécies arbóreas dessa tipologia são de acentuado vigor e distribuídos em abundância, evidentes. A fisionomia florestal predominante foi formando o característico dossel que sombreia um substituída, em sua maior parte, pelas pastagens rico sub-bosque igualmente denso e diversificado. e reflorestamentos homogêneos com espécies No contexto atual, esse remanescente florestal re- exóticas. Os raros remanescentes florestais na- veste-se de inestimável valor biológico. A crítica tivos são de reduzida dimensão, encontram-se situação da floresta ombrófila mista, evidenciada isolados e com evidentes alterações estruturais. em toda a sua área de ocorrência natural e, desta- A predominância de algumas espécies heliófilas cadamente, a gravíssima condição da araucária são pioneiras, com aparente proliferação invasiva de elementos que destacam a importância de se prover taquaras (Merostachys multiramea), e o reduzido uma proteção legal efetiva para esses derradeiros número de indivíduos de Araucaria angustifolia, remanescentes, traduzida com a criação do Parque praticamente restritos a exemplares isolados ou Nacional das Araucárias. Avaliações da estrutura em pequenos agrupamentos de indivíduos de com- genética das populações de Araucaria angustifolia pleição inferior, caracterizam a vegetação atual. nesses fragmentos têm mostrado elevados índices de endogamia e a ocorrência de alelos exclusivos Somente na altura dos municípios de Ponte em todos os fragmentos florestais analisados. Serrada e Passos Maia, ao longo da Serra do Cha- pecó, encontra-se uma mudança nesse quadro.
O grau de fragmentação e degradação florestal dos motivos da revisão na citada Instrução Nor-na maior parte da região oeste do estado de SantaCatarina é alarmante. A dimensão dos fragmentos mativa: uma operação do Ibama-SC detectou queremanescentes e o acentuado grau de isolamento aque ficam submetidos conduzem, inexoravelmente, 100% das áreas notificadas para corte de árvoresa um processo de empobrecimento e degradaçãobiológica iminente. A busca de estratégias que pos- plantadas não apresentavam qualquer indício desam estimular os proprietários rurais ao engajamen-to num processo de recrutamento, enriquecimento plantio florestal.e conexão dos fragmentos remanescentes é medidaque poderia ainda alimentar uma expectativa de mi- De um modo geral, pode-se afirmar que natigação do grande impacto já perpetrado sobre essascomunidades florestais. Urgente também se faz a maior parte do terreno situado a oeste da Serraadoção de medidas visando a recomposição dasmatas ciliares, formações de relevante importância Geral predomina uma cobertura florestal exces-e que igualmente foram literalmente dizimadas. sivamente fragmentada. Constata-se, por outro Os estados da Mata Atlântica Na porção norte do município de AbelardoLuz, observa-se a ocorrência de outra área coberta lado, algum avanço nos processos de regeneraçãopor floresta de araucária, contudo o sub-bosquenessa formação já mostra sinais de intensa ativi- natural, com expansão das capoeiras, tipificandodade antrópica. Outros fragmentos próximos sãoigualmente relevantes, ainda que a extração de estágios iniciais e médios de regeneração. Des-árvores de araucária praticamente tenha eliminadoessa espécie da floresta. Persiste o sub-bosque, tacam-se na paisagem as extensas áreas cobertassobre o qual são claros os sinais da continuidadedo processo de exploração madeireira. Este con- pelos plantios homogêneos de essências exóticas,junto de fragmentos passou a compor a EstaçãoEcológica da Mata Preta.Até meados de 2004, essa notadamente Pinus sp., plantios esses que tambémexploração não poupou sequer as espécies amea-çadas de extinção. Mais de 1.000.000 de árvores se alastram de forma vertiginosa por sobre as áreasde Araucaria angustifolia foram derrubadas, coma prosaica notificação de corte de árvore plantada de campos naturais. Recentemente um projetoprotocolada nos escritórios do Ibama. A edição daInstrução Normativa MMA Nº 8, de 24 de agosto de lei foi apresentado na Assembléia Legislativa 49de 2004, revogando a Instrução Normativa MMA procurando regulamentar o plantio de florestasnº 1/2001, foi comemorada pela comunidadeambientalista de Santa Catarina. Essa medida foi com espécies exóticas no Estado. O PL foi barradodecisiva para estancar um escandaloso processo dedepredação das florestas catarinenses, promovido na Comissão de Constituição e Justiça e, “provi-por madeireiros inescrupulosos e devidamenteacomodado no atraso da burocracia estatal. Um dencialmente”, arquivado. Por outro lado, o órgão ambiental do Estado (Fatma) vem implementando a expedição de “autorizações de corte”, invaria- velmente caracterizando as áreas como detentoras Floresta com araucárias de vegetação em “estágio inicial de regeneração”. Em muitas dessas áreas autorizadas, a ação de em Ponte Serrada
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