Vilca Marlene Merizio Tu e eu. Tu mais eu... e a velha noite sem estrelas ficaria quente de pai à janela e mãe no jardim. No encontro – perene reencontro – voltaria a ter irmãos no sótão e alguém cheinho em mim Um só: nós, os dois. E da noite antiga, a nova noite, eterna, enxugaria a fronte, acenderia faróis e lanternas... Carrossel! Poderíamos partir! ... 51 ...
Quase... de corpo inteiro Gritos Agora mesmo vou rezar. Invocarei santos e anjos para em meu coração sufocar este desejo de gritar... Gritar... Gritar. Alguém ouvirá meu grito? Ouvirei eu outros gritos? Ouço. Quem grita? Preciso encontrar quem me grita este grito tão demorado... Grito de ternura em cascata, uva madura, tolhida, sufocada, doída. ... 52 ...
PARTE II Claridade Chamo por quem jamais ouvirá um chamamento José Martins Garcia
Vilca Marlene Merizio Esperança Chamo-me Aurora Mas pensam que sou Indecisão Chamo-me Aurora Isso é o que importa ... 55 ...
Quase... de corpo inteiro Encanto Teu nome em sol tropical não me dizia vida ou morte. Era apenas chamamento. Surgiste-me azul, enigma em silêncio. Claridade na expressão do rosto, calor na oferta das mãos. Curiosidade, na desconfiançazinha bem despistada. Ajuda? Na trégua, a certeza da aceitação. Dias, semanas, meses, dias... Tu e eu. Nós e mais... Distâncias. Cuidados. Zelos: outro sol, nova lua. Nos meus sonhos, pensei tua imagem onde a bruma enlaça céu e mar: pernas, só água; busto, esfinge de pedra. Teus braços, proteção em curva, deixavam, muito pouco, as mãos se abandonarem. ... 56 ...
Vilca Marlene Merizio Eu, na praia, grãozinho de areia. Teu jeito, teus gestos. Teu olhar... Oh, o teu olhar! Teu cheiro... (como eu quero saber teu gosto!) Desde o início, eu sabia: a esfinge ia mover-se. Seria, então, a despedida. E os braços sem abraços cresceram, apanharam-me quase desprevenida. Não me tocaram. Ainda sou virgem. Hoje estás na minha ilha e pouco falta para que eu seja esmagada, aniquilada por esse lampejo de ternura nunca dita. Na reconstrução, tal como a fênix, seria feliz. Mas, a um passo de ti, e nada acontece. Só, só dentro de mim, és maior que eu. E cresces, cresces ainda. Por isso espero. E sonho... ... 57 ...
Quase... de corpo inteiro Cotidiano O sonho o dia a dia E a soma... O que dá? ... 58 ...
Vilca Marlene Merizio Transparência Pensei que nada disso fosse verdadeiro: ilusão, confusão de imagens, fantasia. Na manhã peito forte em mar aberto bateu. As ondas repetiram o teu nome e o vento dourou a tentação de querer ver-te. Não te vi. O desejo ficou suspenso. Tênue esperança: quiseste o mesmo? Ah! A angústia de não saber tudo. ... 59 ...
Quase... de corpo inteiro Quando? Metade... Tantas metades! Quando a unidade? ... 60 ...
Vilca Marlene Merizio Desafogo Entre o rodopio do voo e o vaivém da valsa, vou esconder-me até desafogar o trânsito da minha alma. ... 61 ...
Quase... de corpo inteiro Aragem nova Uma ternura quentinha começa a te embalar na maciez do meu emblema Nostalgia ... 62 ...
Vilca Marlene Merizio Desconhecimento Não sabes quem sou, O que sinto, o que penso. O que faço não sabes... Acaso te importa o meu avesso? ... 63 ...
Quase... de corpo inteiro Felicidade No redondo da pedra, tua mão aquece a minha. ... 64 ...
Vilca Marlene Merizio Namoro Fio de noite... Uma porta aberta, Sorriso... Nele, a luz. Tu: a luz no túnel. ... 65 ...
Quase... de corpo inteiro Romance Leve. Suave. Infinito. Assim quero o templo do meu amor. ... 66 ...
Vilca Marlene Merizio Mito No circo do mar alto, o querer a costa é promessa de ancoradouro certo. Antes, teu nome, fio de navalha em brasa, eternizo nas profundezas do meu segredo. Agigantam-se os sons, os tons, o querer. O ter. O possuir. O sermos um só. ... 67 ...
Quase... de corpo inteiro Princípio Euforia de azáleas no regresso. Ansiedade pressentida: orvalho em prata na gola de basalto. Estavas à espera. Sorridente. Terno. Foi bom sentir teus passos ligeiros na cumplicidade do corredor em férias. Posso exigir mais? Sim. Quero. ... 68 ...
Quase... de corpo inteiro Despertar Bastou tua voz para me atirar novamente na fantasia e fazer dançar meu coração. Sensação gostosa a de saber o amor... Não posso mais calar. Guardar o desejo como quem dobra uma esquina é vestir a mortalha de Eros. ... 70 ...
Vilca Marlene Merizio Repouso A afetividade mais uma vez afasta-me do tempo. Razão e emoção combatem. Renuncio à lucidez e caio naquele tempo em que volto a ser feliz. Sonho. ... 71 ...
Quase... de corpo inteiro Modo Preciso escrever, escrever até encontrar a linha do meu pensamento. Colocá-la-ei, então, em carretéis de esmeralda e, com agulhas de cetim, alinhavarei as pulsações do meu coração para que não acordem o mundo quando em ti penso. ... 72 ...
Vilca Marlene Merizio Sonho Já consigo pensar-te ao meu lado. Tua mão esquerda descansa nas minhas costas e o afago ferve o sangue de artérias e veias. Nossos joelhos se tocam. Olho petrificada para a frente. Na boléia, só nós, os dois... Os cavalos ofegam: a estrada é larga, não há multidão. ... 73 ...
Quase... de corpo inteiro Respiração Reaprendi a respirar na última lição. Agora inspiro esperança e expiro compriiiiido teu nome amado, sussurrado em compasso de dança. ... 74 ...
Vilca Marlene Merizio Eco Os olhos... dizentes. Olhar flamejante. Resposta cifrada. De novo os olhos, as faíscas... Anjo ou demônio? Mesmo assim, é com eles que faço amor. ... 75 ...
Quase... de corpo inteiro Febre Se nos meus sonhos és estrela gigante, no meu delírio rasgas o furacão e me ofereces a flor azul do mar. Acordar... por quê, então? ... 76 ...
Vilca Marlene Merizio Sonho: sonhos? Naquela madrugada, tua boca cinzenta roçou a minha. Chuva de verão brindou o céu. Não passamos daí, mas meu coração sorriu. Outra noite. Mesma boca: dourada. Agora bocas e bocas. Polpas. Cansados, os corpos não apagaram o calor da pele, o brilho dos olhos. Cheiro a alecrim. Onde os bloqueios? ... 77 ...
Quase... de corpo inteiro Bússola ou astro-rei? Que ferva o cauim! Que a festa continue! Meu canto de morte cumpri No mar oceano nas ondas revoltas sem leme e sem pranto tua estrela eu vi Segui o rumo... teus braços no infinito teus olhos teu coração dentro de mim Iluminaste-me o caminho eis-me aqui! ... 78 ...
Vilca Marlene Merizio Novo despertar Embriago-me com as promessas do amanhã: sabiás no bambuzal e orquídeas no divã. Da esperança em três atos, já vamos no ensaio. Na estreia, a coragem travestirá em atrevimento o desprendimento. Vida nova na doce e velha inquietação de ainda saber-se amada e poder voar. ... 79 ...
Quase... de corpo inteiro Aceitação à pirandello Faz-me bem seres tu o autor da minha história. Também eu estava à tua procura. Achei-te. Partilho agora contigo a mesma máscara. ... 80 ...
Vilca Marlene Merizio Atração Luz direta sem rodeios Nem curvas nem voltas Espelho Nada e tudo nesta atração que rompe códigos e que ressuscita sentimentos há muito adormecidos Contudo não explode Enovela-se cada vez mais dentro de nós mesmos ... 81 ...
Quase... de corpo inteiro Já posso pensar em flores Moléculas moldes muros muralhas A escarpa escura ferindo os ares e por dentro uma agonia danada de querer bem ... 82 ...
Vilca Marlene Merizio Contentamento Em teus olhos, as asas da Via Láctea me possuíram... E, violeta, saí contando aos pardais que esse teu jeito tão sem jeito de fala antiga e de gestos comedidos arrastaram-me para as profundezas do teu bem-querer. ... 83 ...
Quase... de corpo inteiro Querer Arrepio de mãos em voo A pele se agita estonteada aflita Os músculos amolecem em fisgadas de impulso adormecido O ventre os seios e os pés água de regato arrulham aconchego Estica-se o desejo em côncavo e convexo e perde-se na volta do pescoço onde o beijo girassol não vingado morreu ... 84 ...
Vilca Marlene Merizio Ainda Já posso falar. Antes, Mudas eram as lembranças. Neste recordar de agora, escorrego meu corpo... Lassidão molhada, contida... A vontade, reprimida, clama por amplitude, um lugar ao sol. abraço apertado, sufocado, lascivo. Quente. ... 85 ...
Quase... de corpo inteiro Entrega Pássaro, flor ou canção... Mimosos olhos, ardente boca não percebem o desespero da espera. Te trancaste por dentro? Acredita: se deixares, arrombarei portas e janelas. Mas, antes, dá-me um sinal. Morres? Serei teu sangue, teu oxigênio, teu impulso vital. És homem. Sou mulher! ... 86 ...
Vilca Marlene Merizio Ocasião Na sala, nós, os dois. Ninguém no sótão, ninguém na cave. Natureza morta. A vontade pulsa no avesso do cotovelo, nas axilas, na língua, no eme das mãos. Molenga e comprido, o estar mais junto pede relâmpago e trovão. Braços, face e colo, almofadas de seda na recolha do beijo ofegante que não chega. Um corpo ficou na esquina a olhar os sapos. O outro ainda espera, nem percebe que é rocha em verde oceano. ... 87 ...
Quase... de corpo inteiro Desengano Arranhão na alma como quem não quer nada. Nada saber, nada ver. Não viver. Mentira deslavada, sub-repticiamente inventada para esconder o medo da espera: esperança de terra enfeitada com pétalas de azáleas, folhas de açucena e galhinhos de criptoméria. ... 88 ...
Vilca Marlene Merizio Muro Mãos em prece impedem que eu sinta o bater do teu coração. Abri, ó braços de candura reprimidos, deixai-me na curva do ombro poisar minha cabeça. Impotência. Quem falou de medo? São as flores que não querem servir de leito a Eros. ... 89 ...
Quase... de corpo inteiro Distância O muro... Agora sei: não foste tu que o engendraste: já estava de pé quando nasci. ... 90 ...
Vilca Marlene Merizio Prisão Teu olhar triste e ansioso grita o cárcere da tua alma. Assim também eu, encarcerada estou. Acabemos com este tormento que nos cega. Aproxima-te: o bálsamo que escondo no peito aliviar-te-á deste cansaço. Vem. ... 91 ...
Quase... de corpo inteiro Bem dentro Pedacinho de coração açoriano Coração e coração a dizer nós, em vez de Maria e José. No abandono das pálpebras, o beijo acorde lento... Água em sussurro... Carinho tanto.... Tantos afagos... afeto, Dois corpos? Um corpo. E a comoção a mostrar-nos o quanto nos parecemos na nossa diferença. O quanto somos irmãos, o quanto somos filhos, o quanto somos amantes. Ainda uma vez: não me negues tua alma generosa! ... 92 ...
Vilca Marlene Merizio Hipótese Nada mais terrível que um olhar sem letras. Nada mais mortificante do que um olhar metáfora para quem nunca viveu a literatura. Nada mais aliciante que um olhar soma de surpresa, revelando tímida hipótese de um bem-querer. Ah! como eu quero ser dona desse olhar! Esmigalhar com mil beijos a fonte dessa ternura contida, escarlate, escaldando na minha retina. ... 93 ...
Quase... de corpo inteiro Unidade Fere-me a amargura de ser querida entrevista apenas numa frincha de atenção! Quisera eu ter a certeza de onde começa, de onde vem essa procura que finge um bem-querer. Quisera eu saber, sentindo o teu corpo no meu, que me queres tanto quanto eu te quero... Quisera ter a tranquilidade de aquecer-me nos teus olhos, de aninhar-me no teu cérebro, de ser a tua imaginação, de ser o alívio da tua insônia, a fortaleza da tua fragilidade, a exaustão da tua preguiça, o oásis do teu desespero. Quisera mais. Quisera ser o janeiro dos teus dias e o setembro das tuas horas. Mas, acima de tudo, quisera, sendo água da tua sede, pão da tua fome e luz do teu saber, ser o sopro da tua vida. ... 94 ...
Vilca Marlene Merizio Fim de ano Quando te queixas das agruras do tempo, sinto vontade de pegar-te as mãos e perfumá-las com o calor dos meus seios. Quando me dizes que a tua alma está à morte, quero embalar-te ao colo, e te fazer sonhar. Quando não te pesam os fantasmas... Quando voas com um sorriso no olhar... Quero no teu abraço sentir fechado o castelo e muito te amar... Te amar. ... 95 ...
Quase... de corpo inteiro Cântico Se eu errar, se não houver acertos, nem perdas, enganos... Se as águas permanecerem turvas e lamacentas, não terá valido a pena o esforço pela conquista, o empenho na salvação. Mas se o triunfo pela tua comunhão for celebrado, céus e bruma, terra e mar, erguerão hinos de louvor à ancestral atração, que, invulnerável ao tempo ao oceano e às convenções, resistiu – doce consolo – e venceu. ... 96 ...
Vilca Marlene Merizio Fala Agasalha-me nos teus olhos assustados. O amor, se é só meu, não devora, nem contagia – que pena! –, não corrói, pelo contrário, avoluma. Se há algo para destruir, onde as correntes, as chaves, as facas e os facões? Se te custa o primeiro passo, vem devagarzinho, encosta-te a mim. A doçura transborda do meu coração e inunda o nosso universo. Mas, se o poço persiste, – desperta, ó menina! O caminho é outro. ... 97 ...
Quase... de corpo inteiro Súplica Despoja-te de todas as armaduras que me despojarei de todas as amarguras e pensamentos vis. Purifica-te, que purificar-me-ei com o incenso do teu cigarro Entremos no santuário, pele transparente, Descalços. Fala-me e responderei, mas permita que eu também te diga: Deixa-me ser grande se grande preciso ser, ou pensa-me pequena, se pequena em tua ilha é que consentes eu viver. ... 98 ...
Vilca Marlene Merizio Homenagem Reverencio aquela mão falante dedos em haste aqueles ombros na curva do caminho aquela corola rosada onde uma veinha azul me espreita alegre sorridente cúmplice deste calor consentido ... 99 ...
Quase... de corpo inteiro Geração antiga Enlevo carinho ternura que maneira existe de expressar nosso enlevo nosso carinho nossa ternura neste tempo que não é nosso nesta fonte de que jamais beberemos? ... 100 ...
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