S de SEDUÇÃO correlatos: A de Artifício; L de Lucidez; O de Octavio Paz; P de Poesia [Do lat. seductione] S.f. 1. Atração, encanto, fascínio. 2. Ato ou efeito de ‘levar para o lado’. 3. Conjunto de qualidades e ca- racterísticas que despertam simpatia, desejo, amor, interesse etc. 4. Aquilo que desvia, atrai, encanta. 5. Para Kierkegaard, quem seduz deve possuir uma força que Don Juan, apesar de seus muitos outros dotes, não possui: a força da palavra. 6. Para Baudrillard, a sedução oscila entre dois polos: a da estratégia e da animalidade.
Kierkegaard seduziu-me desde a primeira vez que tive contato com sua obra. Isso se deu nos anos 1980, quando frequentei as maravilhosas aulas da Profa. Sônia Viegas sobre o livro Temor e tremor do filósofo dinamarquês. Um dia, ao comentar sobre esse curso com um jovem colega da Letras, que falava muitas línguas e tinha uma erudição admirável, ele, para minha surpresa, contou-me que tinha ido, anos antes, estudar dinamarquês em Copenhague, só para poder ler Kierkegaard no original. Acir Pimenta Madeira Filho é o nome desse meu colega, que também era apaixonado pela obra de Guimarães Rosa. Hoje, Acir é diplomata e sabe o dobro de línguas que dominava naquela época. Encontrei-me com ele há poucos anos, em Praga, onde estava residindo. E, claro, falamos de nossa paixão antiga por Kierkegaard. O fato é que Kierkegaard entrou na minha vida definitivamente tão logo comecei meu curso superior. Motivada por Sônia e Acir, logo adquiri todos os livros do filósofo disponíveis em português, que eram poucos. Mas a obra que mais me capturou dentre todas foi o O diário do sedutor, que tinha saído em Os pensadores da editora Abril. Foi uma descoberta que me despertou para o tema e levou-me a trabalhá- lo em alguns momentos de meu percurso acadêmico, sobretudo após conhecer a “pseudonímia” do filósofo/escritor. Lembro que, numa excelente disciplina de literatura e psicanálise do mestrado, oferecida pela minha futura orientadora de doutorado, Ruth Silviano Brandão, apresentei como trabalho final uma leitura do Diário, articulando-o a apontamentos de Roland Barthes e Jean Baudrillard. Como escrevi no primeiro verbete/capítulo deste memorial, Kierkegaard se juntou a Borges e Pessoa na minha pesquisa sobre as “poéticas do artifício”. Mas um pouco antes, já tinha estado presente num artigo que elaborei sobre o livro A dupla chama: amor e erotismo, de Octavio Paz. Nesse período, ao participar de uma banca em Porto Alegre, conheci o tradutor brasileiro do filósofo dinamarquês, Prof. Álvaro Valls, com quem conversei bastante sobre o assunto. Voltei a encontrar-me com ele, um tempo depois, na banca de mestrado de Guiomar de Grammont, professora de filosofia da UFOP, que tinha escrito uma bela dissertação intitulada Don Juan, Fausto e o Judeu errante em Kierkegaard, posteriormente transformada em um livro que tive o prazer de prefaciar. A sedução, assim, passou a fazer parte de meu repertório de interesses, ligada tanto ao tema do erotismo como ao da poesia e da estética. Octavio Paz possibilitou-me essa incursão de maneira intensa quando me detive em sua obra poético-ensaística dedicada ao erotismo, como o poema “Blanco” e os livros O mono gramático, Conjunções e disjunções, A dupla chama e Um mais além erótico: Sade. O que me fez Maria Esther Maciel 151
considerar que o autor mexicano, com sua poética do erotismo, poderia ser inserido na linhagem que começa com O Banquete, de Platão, e se sustenta de obras como O erotismo, de Georges Bataille, O diário do sedutor, de Soren Kierkegaard, Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes, e O amor e o Ocidente, de Denis de Rougemont. A grande contribuição paziana, nesse caso, seria a introdução da poesia como um ponto de referência para a discussão do tema. Ao estabelecer uma analogia entre erotismo e poesia, Paz privilegiou o que para ele definia os dois campos: a imaginação, à qual ele atribuiu “uma função cardinal e subversiva”. Ela seria o elemento deflagrador do desvio (próprio do ato de seduzir) e a condição para que tanto o fazer poético quanto o fazer erótico se realizassem enquanto atos de reinvenção do corpo e da palavra. Para construir essa poética do erotismo, Paz valeu-se tanto dos princípios libertários do Surrealismo, ao qual esteve ligado por um tempo, como do Tantrismo – uma das mais intrigantes eróticas orientais e uma das ramificações do budismo indiano. Com um viés erótico- verbal, o Tantrismo postula não apenas a inserção do corpo no projeto místico de libertação espiritual, como também o exercício mágico e lúdico da linguagem no ritual que tem como objetivo alcançar – pelos processos de fusão e/ou dissolução – um estado de não-dualidade e de vacuidade, comum ao gozo erótico e ao gozo espiritual. Lamento que Paz não tenha sequer mencionado Kierkegaard em A dupla chama. Cheguei a mencionar essa ausência no meu artigo sobre o livro. De fato, seria uma interessante contribuição às reflexões do poeta mexicano, que tão cuidadosamente visitou poéticas como a provençal, a romântica e a surrealista. O instigante em O diário do sedutor é que lá encontram-se em conjunção paradoxal o erotismo de feição platônica e o amor romântico de origem provençal, ao que se soma um inusitado elemento de perversão, visto que o personagem Johannes, o Sedutor, ao se enamorar de Cordélia, cria, a partir e em torno desse enamoramento, uma sofisticada estratégia para seduzi- la. Entretanto, seu intuito é mais de ordem estética que propriamente amorosa, pois o que o apraz, de verdade, é converter essa prática de sedução em um exercício narcísico de refinamento da sensibilidade e do espírito. Ou seja, ele promove uma espécie de deslocamento da relação amorosa para a ordem do jogo estético e do cálculo, que poderia ser, nesse caso, chamada de perversa, no duplo sentido dicionarizado e psicanalítico do termo. Mas voltando à relação do erotismo com a poesia, tal como foi explorada por Paz, digo que ela norteou também meus trabalhos sobre Peter Greenaway, Sei Shonagon e Carlos Drummond de Andrade. 152 Maria Esther Maciel
No que tange ao primeiro, o foco foi o seu filme O livro de cabeceira, inspirado no diário poético, de mesmo título, da japonesa Sei Shonagon, mas que os tradutores brasileiros contemporâneos preferiram chamar de O livro do travesseiro.1 Eu já sabia da existência de Shonagon antes ver o filme, graças a um precioso ensaio de Octavio Paz, intitulado “Três momentos da literatura japonesa” e inserido no livro Las peras del olmo, de 1957. Mas foi com Greenaway que me deixei seduzir pelo livro e pela escritora. Há pouco tempo, em 2012, recebi o convite do Prof. João Antônio de Paula, editor da Revista UFMG, para participar do número de relançamento desse tradicional periódico, cuja circulação tinha sido interrompida em 1969. O tema do dossiê era: Corpo. Dispus-me, então, a escrever um artigo sobre “Corpo, imagem e escrita”, aproveitando minhas pesquisas sobre o filme de Greenaway, o diário de Shonagon e, ainda, os escritos e trabalhos artísticos de outra autora medieval, Hildegard de Bingen – sobre quem estou preparando um romance, no momento. Nesse artigo, começo por explorar a palavra e o conceito “corpo” em suas várias possibilidades de significação para, em seguida, trabalhar suas distintas figurações e transfigurações nas obras selecionadas. Minha constatação inicial é que, se o signo corpo sempre ensejou múltiplas conceituações ao longo dos tempos, ele tem adquirido, a partir das últimas décadas, uma configuração ainda mais complexa e heterogênea, visto que suas potencialidades biológicas, estéticas, culturais, sociais, médicas e políticas vêm se articulando, de maneira cada vez mais desafiadora, no mundo contemporâneo. Greenaway entra no trabalho como um artista capaz de capturar, por vias crítico-criativas, essa complexidade em filmes, exposições e instalações, desde o final dos anos 1990, até hoje. Já Shonagon e Hildegard são evocadas como figuras precursoras que, em seus respectivos contextos, souberam lidar com os desafios que o corpo lhes oferecia enquanto signo: Shonagon por um viés erótico-poético, e Hildegard, pelo médico-artístico-espiritual. A publicação do artigo aconteceu em dezembro de 2012, no número 19 da revista, que tem um perfil assumidamente transdisciplinar. Com relação a Drummond, a questão do erotismo emergiu em minhas reflexões sobre sua obra a partir de Leandro Sarmatz, que na época era um dos editores da Companhia das Letras e responsável pela reedição dos livros do poeta mineiro. Ele chamou-me para escrever 1 Ver a tradução feita por um grupo de professoras do Centro de Estudos Japoneses da USP e publicada pela Editora 34. Cf. SHONAGON, Sei. O livro de travesseiro. Org. Madalena Hoshimoto Cordaro. São Paulo: Editora 34, 2013. Maria Esther Maciel 153
um estudo crítico do livro Corpo, que pudesse entrar na edição como posfácio. O livro sairia em março de 2015, o que de fato se confirmou. Como já tive a oportunidade de dizer neste memorial, Drummond atravessa minha vida desde a adolescência. E o livro Corpo, publicado em 1984, sempre foi para mim uma referência luminosa. Sobretudo porque, nesse mesmo ano, publiquei o meu primeiro livro de poemas, que também tinha “corpo” no título: Dos haveres do corpo. Uma coincidência, claro, mas que me deixou muito alegre na época, quando eu tinha apenas 21 anos de idade. Assim, o convite de Leandro foi uma maneira de reavivar essa alegria. Para compor meu texto, resolvi retomar vários livros de Drummond para sondar como a ideia de corpo neles se inscreve, o que só manteve viva a minha paixão pelo poeta e me fez constatar, ao mesmo tempo, como esse livro de sua fase tardia tem uma densidade peculiar. Nele, o erotismo – tão presente em várias obras anteriores e radicalizado em O amor natural, publicado após a morte do poeta – segue uma diretriz mais metafísica que física, apesar do título de evidente sugestão erótica. Percebi que o corpo adquire, nos poemas, várias possibilidades de significação, que ultrapassam o campo estrito do erotismo, ainda que este também esteja presente em alguns poemas. Lá, estão vários “corpos”: o corpo como espaço em que se materializa o amor; o corpo como cárcere ou “invólucro perfeito” da alma; o corpo cansado; o corpo contraditório, em embate consigo mesmo e com o mundo; o corpo dividido, em busca de algo para além da matéria; o corpo rebelde, que confronta quem o possui; o corpo consciente de sua própria precariedade, o corpo social, urbano. Assim, a palavra que dá título ao livro acaba por se ampliar consideravelmente, ganhando outros matizes. De qualquer forma, o que Drummond evidencia com tudo isso é a potencialidade de sedução que sua poesia possui, independentemente dos temas que a atravessam e da maneira como certos motivos recorrentes em sua obra emergem. Enquanto escrevo isto, vem-me à mente algo que li há muito tempo num ensaio de Leyla Perrone-Moisés, “Promessas, encantos e amavios”, de Flores da escrivaninha (1990). Vou até a estante e pego o livro. Ao percorrer o texto à procura da frase, deparo-me com outras, como esta: “A reflexão sobre a sedução é inseparável da reflexão sobre a linguagem” (p. 15). E é isso que, com palavras poéticas, Paz também sugeriu, ao dizer que o poema é uma erótica verbal. Após folhear um pouco mais o volume, encontro a frase procurada, logo no início do ensaio: “A linguagem não é só meio de sedução, é o próprio lugar da sedução” (p. 13). 154 Maria Esther Maciel
Sem dúvida, os autores mencionados neste tópico exercitam isso, não importa o tipo de linguagem de que se valem: se literária, pictórica, performática ou cinematográfica. O fato é que todos eles fazem de sua linguagem o próprio lugar da sedução. Maria Esther Maciel 155
T de TRANS correlatos: C de Cinema; G de Greenaway; P de Poesia; R de Ruptura [Do lat. trans] Pref. = ‘através de’; ‘posição para além de. 1. Relaciona-se às ideias de “movimento para além de”, “deslocamento”, “trânsito”, “travessia”, “migração”. 2. O “trans” permite os fluxos de um campo a outro, as contaminações recíprocas, os cruzamentos oblíquos, as interseções impre- visíveis.
O trânsito entre as artes e as áreas de conhecimento faz parte de minha trajetória desde o início de meu ingresso na vida acadêmica. Se a primeira articulação que ousei nos meus estudos de graduação foi entre literatura, filosofia e psicanálise, aos poucos fui me abrindo a diferentes áreas do saber e campos artísticos. Isso já se evidencia, em certa medida, na minha tese de doutorado, em que costurei a poética de Octavio Paz à arte de M. C. Escher e à filosofia oriental. Além disso, o estudo das passagens de um registro a outro passou a incidir cada vez mais no meu trabalho, adquirindo uma maior contundência na pesquisa sobre o cinema transmidiático de Peter Greenaway. Antes, porém, eu já tinha me detido em algumas confluências entre poesia, dança e teatro nos poetas Mallarmé, Paz e Pessoa. Desde esses trabalhos, o que mais instigava eram as zonas de incerteza, os estranhamentos e afinidades oblíquas entre os vários campos artísticos. E, dado o meu forte vínculo com os estudos poéticos, converti a poesia, dentro e fora do verso, no centro irradiador de todas essas transversalidades. Em 2002, após muitas conversas com meu colega Luis Alberto Brandão Santos, resolvemos criar uma espécie de núcleo de pesquisa, criação e estudos poéticos, o TransVerso, que, num primeiro momento, recebeu a designação de “fórum”. Assim que nossa proposta foi aprovada pelas instâncias superiores, elaboramos, com entusiasmo, um plano de atividades para os anos seguintes, uma vez que o nosso propósito era fazer do TransVerso “uma instância propulsora de projetos de criação, de estudos e de pesquisa voltada para a criação poética”, que pudesse abarcar não somente o campo da poesia propriamente dita, mas também estimular a aproximação das mais diversas áreas de conhecimento. Até então, não havia na FALE um espaço voltado para a interseção pesquisa/criação que contemplasse poéticas advindas de vários campos disciplinares e de atividades não restritas ao meio acadêmico. Assumi, no período, a coordenação do núcleo, ao qual se integraram alguns professores-escritores da UFMG, além de artistas e docentes de outras instituições nacionais. Uma adesão importante foi a do Núcleo de Tradução e Criação Pilcomayo, da UFSC, dirigido por Sérgio Medeiros e Donaldo Schüler. Aliás, foi nesse período que minha amizade com ambos se iniciou, marcando um momento essencial no meu percurso acadêmico-intelectual. Na época, o professor Donaldo – helenista, escritor e tradutor reconhecido – iniciava seu monumental trabalho de tradução integral do Finnegans Wake, de James Joyce, para o português. O professor Sérgio Medeiros – também antropólogo, poeta, tradutor e estudioso das vanguardas – já havia feito trabalhos importantes sobre culturas Maria Esther Maciel 159
ameríndias, as obras de John Cage e Joyce, além de ter traduzido autores dessa linhagem de ruptura. Na época, ele estava envolvido na tradução do maior poema da cultura maia, o Popol Vuh (séc. XVI), tido como a “Bíblia das Américas”. Juntos, participamos de uma série de atividades na UFSC e na UFMG, em ocasiões diversas. Minha colega e amiga de longa data, Myriam Ávila, também se envolveu com as atividades desse grupo, dadas as suas afinidades com as estéticas de vanguarda e com a tarefa criativa da tradução. Contamos, posteriormente, com a adesão luminosa da artista e professora gaúcha Elida Tessler, bem como a de seu marido, o psicanalista e também professor da UFRGS, Edson Luiz André de Sousa. O que ampliou o circuito “trans” de nosso grupo, visto que Elida dirigia o espaço de arte “Torreão”, em Porto Alegre, onde pôde organizar alguns encontros do grupo. Donaldo Schüler tornou-se, é claro, o mestre de todos. Já aposentado como professor, ele exercia atividades constantes em grupos de psicanálise, filosofia, literatura e artes de Porto Alegre. Foi nessa época também que a recém-criada editora Lamparina (RJ), conduzida por Tereza Andrade, aproximou-se do TransVerso. Isso possibilitou uma dinâmica também editorial para nós, uma vez que Tereza se dispôs a editar livros de alguns dos “transversais”. Donaldo, Luis Alberto, Lúcia Castello Branco, Ruth Silviano Brandão e eu tivemos trabalhos publicados por essa editora. Meus livros A memória das coisas: literatura, cinema e artes plásticas e O livro de Zenóbia saíram pela Lamparina. Houve um momento, acho que por volta de 2006, em que Donaldo Schüler propôs a criação de um movimento nacional TransVerso, com manifesto, revista e tudo mais. Chegamos a elaborar algumas cláusulas do manifesto e a traçar o perfil da revista, que seria publicada pela Lamparina. Mas o projeto não chegou a se consumar, por vários motivos. De qualquer maneira, ficou como uma espécie de pequena utopia de um grupo de amigos e colegas afeitos aos trânsitos, deslocamentos, contágios, interações, migrações, fluxos criativos, trocas intelectuais e todas as formas de transversalidade. A interlocução mantida com Donaldo Schüler, Sérgio Medeiros, Myriam Ávila e, é claro, Haroldo de Campos, levou-me também ao exercício e às teorias da tradução criativa. Comecei com alguns poemas e fragmentos de Octavio Paz, passando em seguida para os textos ficcionais e ensaísticos de Peter Greenaway. Mas digo que minha experiência nesse campo – escassa e esparsa – não foi muito longe. Publiquei algumas dessas traduções em revistas culturais, como a paranaense Coyote e as paulistas Zunái e Babel. Mais tarde, com a colaboração de Myriam e de outra amiga, professora da UFOP, Maria Clara Versiani Galery, reuni 160 Maria Esther Maciel
essas traduções dos textos de Greenaway para publicação. O que aconteceu de forma mais local e artesanal, por causa dos altos custos dos direitos autorais desses textos para uma edição comercial. Assim, graças à colega Sônia Queiroz, coordenadora da preciosa coleção Viva Voz, o livrinho saiu em forma de caderno, apenas para uso em sala de aula, com traduções feitas por nós três. Já no que tange aos estudos de tradução, escrevi um par de ensaios, abordando os trabalhos de Paz, Borges, Donaldo Schüler, Augusto e Haroldo de Campos, sempre com ênfase na ideia de tradução como transcriação. Nesse rol inseri, como ponto de referência, a poética tradutória de São Jerônimo, o santo que reinventou o latim para traduzir a Bíblia diretamente do hebraico. Assinei também, com muita honra, o texto da “orelha” do 5o volume da tradução da obra Finnegans Wake, de Joyce, feita pelo professor Schüler, como explicito no tópico “F de Formação”. Em 2017, retomei o tema numa mesa-redonda no Fórum das Letras de Ouro Preto, que teve como integrantes os tradutores Dejan Stankovic e Jacyntho Lins Brandão, com mediação de Maurício Meirelles. Os trabalhos escritos sobre as poéticas tradutórias foram apresentados em palestras em Florianópolis, Porto Alegre, Uberlândia e Belo Horizonte, e publicados esparsamente em revistas e jornais. Um deles, “São Jerônimo em tradução”, foi adaptado e incluído no livro A memória das coisas. Nesse artigo, concentro minhas reflexões sobre o tema, amplian- do-o para o campo das transcriações cinematográficas de Greenaway e Júlio Bressane. Meu ponto de referência é, obviamente, São Jerônimo. Parto da constatação de que o santo e erudito tradutor, ao “transcriar” a Bíblia diretamente do hebraico, causando efeitos de estranhamento em seus contemporâneos, inaugurou uma nova concepção da arte de traduzir. Em seguida, mostro como, no cinema contemporâneo, pelo menos dois cineastas trouxeram à tela a figura do santo tradutor: Júlio Bressane, em São Jerônimo, e Peter Greenaway, em O livro de cabeceira. No caso deste, a evocação de Jerônimo se entrelaça obliquamente, por meio do protagonista Jerome, à de um outro tradutor de grande importância para a poesia moderna de língua inglesa do início do século XX: Arthur Waley, que traduziu para o inglês clássicos da literatura oriental, entre eles, o diário da poeta Sei Shonagon. Além disso, Waley colaborou com Ezra Pound nas traduções criativas que este fez da poesia chinesa, contribuindo para o surgimento do Imagismo anglo-americano e também para traduções de poesia oriental realizadas, mais tarde, por Octavio Paz. Incluo nessa constelação Haroldo de Campos, afirmando que, no Brasil, é quem marca a confluência dessas duas vertentes: a da Maria Esther Maciel 161
tradução criativa de poemas japoneses e chineses, e a da “transcriação” – na trilha aberta por São Jerônimo – de fragmentos da Bíblia a partir do original hebraico. Ainda nessa área, comecei um diálogo com o professor, tradutor e estudioso de Jorge Luis Borges, Walter Carlos Costa, da UFSC. Graças a ele, participei de bancas sobre o escritor argentino e estudos tradutórios. Uma de minhas palestras sobre tradução criativa foi feita a seu convite, em 2009, quando pude amalgamar todas as minhas reflexões já feitas sobre o tema. O texto resultante dessa palestra foi publicado na revista eletrônica Zunái, em 2010, com o título “Desafios da tradução criativa: invenção, ‘transfingimento’ e mesclagens culturais”. Minhas atividades “trans”, a partir de 2009, ampliaram-se consideravelmente, em decorrência do vínculo que passei a ter com o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG. Tendo sido selecionada para realizar uma residência de pesquisa na instituição entre março de 2009 e fevereiro de 2010, fui autorizada a afastar-me de minhas atividades docentes para dedicar-me a esse trabalho. O projeto aceito pelo Comitê Diretor do IEAT intitulou- se Por uma zoopoética contemporânea, situando-se na confluência de disciplinas diversas, como literatura, zoologia, filosofia, ecologia, etologia e estudos culturais. Por um ano, convivi com pesquisadores de diferentes unidades da UFMG, selecionados para a residência no mesmo ano: Carlos Beato Filho (Sociologia e Antropologia), Eduardo Mortimer (Educação) e Mônica Sette Lopes (Direito). Além deles, mantive um estreito diálogo com o diretor Carlos Antônio Leite Brandão (Arquitetura) e os demais integrantes do instituto: Ivan Domingues (Filosofia), João Antônio de Paula (Ciências Econômicas), Maurício Alves Loureiro (Música), Sérgio Pena (Bioquímica e Imunologia) e Virgílio Almeida (Ciência da Computação). Com este último, eu já tinha participado de um debate promovido pelo IEAT, em 2008: “Da nova Babel: interatividade e caos do conhecimento”. Estudioso de Jorge Luis Borges e Ítalo Calvino, Virgílio integrou também a banca de doutorado de meu orientando Jacques Fux, que defendeu uma tese sobre literatura e matemática em Borges e Perec, cujos detalhes estão no verbete/capítulo “B de Borges”. Ao desenvolver a pesquisa sobre “zoopoéticas contemporâneas”, apostei, sobretudo, nos termos “zoopoética” e “zooliteratura” como espaços conceituais híbridos, feitos de interseções, diálogos e mesclagens disciplinares. Dessa forma, literatura e poética, potencializadas pelo prefixo “zoo”, poderiam funcionar também, de certa forma, como zonas transversais, nas quais os estudos literários entrariam em interseção com outros saberes pertinentes ao grande e recente campo transdisciplinar 162 Maria Esther Maciel
denominado “Estudos Animais” (Animal Studies). No meu livro Literatura e animalidade, de 2016, discorro sobre isso. Tal como elucido no verbete/capítulo “Z de Zoo”, essa pesquisa foi iluminadora para os meus trabalhos acadêmicos dos últimos anos, culminando na publicação de vários artigos e livros. Possibilitou-me também uma interação com grupos internacionais voltados para esses estudos, como o Minding Animals International, associação australiana que se expandiu em diferentes países e tem organizado eventos importantes na área dos Animals Studies. Sérgio Medeiros continuou como um interlocutor, visto que desenvolvia pesquisa histórica sobre o papel dos animais na Guerra do Paraguai, publicada em 2015. Tendo assumido a direção da Editora UFSC, empenhou-se em publicar o volume Pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica, por mim organizado, que saiu em 2011, com a colaboração de estudiosos de várias instituições e áreas disciplinares. O lançamento aconteceu durante um evento ocorrido em maio de 2011, organizado em parceria com meu colega Julio Jeha e com o apoio do IEAT: o Colóquio Internacional Animais, Animalidade e os Limites do Humano, um dos primeiros do gênero no Brasil. Dele resultaram dois números de revistas: um da Aletria, organizado com o colega Luiz Fernando Sá, e outro da Em tese, organizado com Julio Jeha, que incluiu trabalhos de alunos de pós-graduação sobre o tema. Ambos vieram a público em 2012. Vale acrescentar ainda, dentro dessas atividades “trans”, minha participação na banca de Professor Titular de dois professores do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, em 2017. Creio que todas essas realizações transdisciplinares foram fundamentais para a minha trajetória intelectual e minha atuação no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, que tem investido – há muitos anos e com muito êxito – nessas relações entre disciplinas e campos artísticos. Que o prefixo “trans” continue a conduzir meus trânsitos por caminhos cada vez mais transversos e lugares imprevisíveis. Maria Esther Maciel 163
U de UNIVERSO correlatos: B de Borges; E de Enciclopédia; G de Greenaway; O de Octavio Paz; P de Poesia; R de Ruptura [Do lat. universu.] S.m. 1. O conjunto de tudo quanto exis- te (incluindo-se a Terra, os astros, as galáxias e ainda toda a matéria disseminada no espaço). 2. O sistema solar. 3. “Cos- mo regular e ordenado ou como proliferação caótica. O uni- verso, talvez finito mas inumerável, instável em seus limites, que abre dentro de si outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeira de estrelas, campos de força, interseções de campos, conjuntos de conjuntos...” (Italo Calvino)
Tenho um especial apreço pelos poetas que se valeram de referências e metáforas cosmológicas para a composição de seus poemas. Desde meus estudos sobre a poesia de Octavio Paz, em interface com as de outros poetas, como Sóror Juana Inés de la Cruz, Mallarmé e Haroldo de Campos, o tema do universo tem me causado inquietação e fascínio. Tanto que, em alguns momentos de meu percurso acadêmico, detive- me na investigação dessas figurações, transfigurações e desfigurações da ideia de universo na literatura ocidental. Essas “viagens” cosmológicas conduziram-me, inevitavelmente, à estética barroca e suas constelações. Sobretudo a partir da leitura do poema “Primero Sueño” da monja mexicana Juana Inés – que descreveu alegoricamente a viagem interestelar de uma alma desprendida do corpo durante o sono, que sai em busca de uma espécie de “Aleph” borgiano capaz de revelar, num clarão, todos os conhecimentos do universo – comecei a vasculhar os enciclopedistas barrocos em busca de referências. Um autor, especificamente, que Paz mencionou no livro que escreveu sobre Sóror Juana, interessou-me: o padre jesuíta alemão Athanasius Kircher (1602-1680), versado em filosofia, teologia, física, egiptologia, arquitetura, matemática, filologia, alquimia, cabala, teosofia e astronomia, que criou o projeto de um sistema universal do conhecimento, chegando mesmo a inventar uma máquina de metáforas – conhecida como “lanterna mágica”. Ao comentar, uma vez, esse meu interesse com Haroldo de Campos, este me passou um artigo, escrito para o antigo “Mais” da Folha de S.Paulo, exatamente sobre o trabalho vertiginoso do padre alemão, considerado “o último homem da Renascença”. Ao ler tal artigo, aprendi que Kircher aliou o catolicismo sincretista não apenas com o hermetismo neoplatônico, mas também com as novas descobertas astronômicas de Copérnico e Galileu. Era também artista e criou pranchas nas quais tentou classificar as várias ordens dos saberes, valendo-se de desenhos detalhados de labirintos, mapas, árvores do conhecimento, pirâmides, construções arquitetônicas (como a “Torre de Babel” e a “Arca de Noé”), horóscopos, máquinas, partituras musicais, dentre outras coisas. E não por acaso elegeu como lema de sua vida a frase: “nada é mais belo do que saber tudo”. Se Kircher foi importante para minhas incursões na obra de Sóror Juana – visto que, segundo Paz, ela manteve contato com a vasta diversidade do trabalho do jesuíta e tomou-o como referência para a construção de uma imagem de universo em sua obra –, ele não foi menos relevante para a leitura que fiz, muitos anos depois, da “enciclopédia” de Arthur Bispo do Rosário, como explicito no verbete/capítulo “E de Enciclopédia”. Além disso, à medida que fui percorrendo essas questões Maria Esther Maciel 167
cosmológicas, descobri um outro autor que delas se ocupou: o cubano Severo Sarduy, nos Ensayos generales sobre el barroco (1987). O que me possibilitou ter uma base teórica mais contemporânea para lidar com os diferentes conceitos de universo na literatura ocidental e, em especial, nas obras dos autores que faziam parte do meu repertório pessoal. Sobre esse tema escrevi não apenas artigos sobre Paz, Sóror Juana e Haroldo de Campos, como também aproximei poemas desses poetas ao “Un coup de dés” de Mallarmé e “Altazor” do chileno Vicente Huidobro. Aliás, Mallarmé esteve presente em vários trabalhos meus sob essa perspectiva, uma vez que há eflúvios de sua poética tanto no poema “Blanco”, de Paz, quanto em Galáxias, de Campos. Para não mencionar as possíveis relações entre seu “Un coup de dés” e o “Primero Sueño” de Sóror Juana, como sugeriu Paz ao se referir à impressionante modernidade da escritora. Os textos que escrevi sobre esse tema foram incluídos no livro Voo transverso: poesia, modernidade e fim do século XX, além de terem sido apresentados em diversos eventos e palestras em universidades. Partes do livro As vertigens da lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz também tratam da relação entre “Blanco” e “Un coup de dés”. Acrescento que o tema do universo ainda esteve presente em trabalhos que desenvolvi sobre Borges e Greenaway. Partindo da assertiva borgiana de que “não há universo no sentido orgânico, unificador, que tem essa ambiciosa palavra” (BORGES, 2007, p. 125), enfoquei os catálogos, as bibliotecas e os livros infinitos de Borges para tratar dessa ideia, como se pode ver nas partes “B de Borges” e “E de Enciclopédia”. Um enfoque similar foi feito com relação a Greenaway e sua obra enciclopédica, de forte caráter barroco. Em especial, o filme A última tempestade (Prospero’s books) prestou-se a essa minha leitura, dada a sua retomada do mote do universo como uma biblioteca, analogia explorada, como se sabe, pelo escritor argentino. Além de ter analisado o filme a partir desse enfoque, dediquei-me ainda à tradução do texto de Greenaway, em que são descritos serialmente os 24 livros fantásticos que Próspero, o Duque de Milão, teria levado para o exílio, ao ser destituído pelo próprio irmão Antônio. Esses livros inesgotáveis, que continham todo o conhecimento do universo, teriam ajudado o personagem a enfrentar o naufrágio, encontrar e colonizar a ilha onde passou a viver, povoá-la com espíritos e espelhos, educar a filha Miranda e escrever a própria história da qual é personagem. O Livro da Cosmografia Universal, por exemplo, aparece descrito como um volume repleto de diagramas de grande complexidade, que tem como função colocar todos os fenômenos universais em um mesmo sistema. É um livro que mantém uma relação paradoxal com o próprio filme, visto que 168 Maria Esther Maciel
este fragmenta a própria concepção totalizante do universo de feição renascentista. Outro escritor que abordei sob esse prisma foi Joyce, mais especificamente o seu livro Finnegans Wake. Tendo escrito a apresentação do 5o volume da tradução feita por Donaldo Schüler, acabei por ampliar posteriormente o texto, com vistas à sua publicação em forma de artigo. Dessa forma, abordei o modelo de universo que rege a estrutura da obra de Joyce, mostrando, à luz de Umberto Eco, que ele se compõe de uma combinatória que inclui tanto os quatro ciclos de Giambatistta Vico – vide os princípios do corso/ricorso no seu La scienza nuova – e as imagens cosmológicas de Giordano Bruno e Nicolás de Cusa, quanto as analogias românticas, as correspondências baudelairianas, as fusões sonoras de Wagner e os princípios desestabilizadores da física e das teorias cosmológicas modernas. Concluo que, a partir desse amálgama, Joyce não apenas assentou sua obra numa nova cosmologia, mas criou também uma caosmologia, visto que seu cosmos encontra-se em estado intrínseco de caos. Esse texto, que apresentei em Porto Alegre quando do lançamento da tradução do Prof. Schüler, integrou depois um dos capítulos do livro As ironias da ordem: inventários, coleções e enciclopédias ficcionais. Assim, Joyce e outros escritores do século XX, seduzidos pelos rumos cada vez mais intrincados da astronomia que lhes era contemporânea, estariam reeditando – de maneira diferente, porque sintonizada com uma outra concepção de cosmos – o empreendimento barroco de fazer do universo um desafio à imaginação. A ideia de universo também permeou minhas discussões sobre o conceito de universalidade proposto por Paz e Campos em seus textos críticos, uma vez que estes se empenharam em não circunscrevê-lo ao território delimitado e canonizado da literatura ocidental de substrato europeu. Tomando como eixo a América Latina, mostrei como ambos buscaram inserir a literatura do continente no fluxo da universalidade. O universal, nesse caso, desvestido da dimensão fechada, fixa e unitarista das antigas cosmologias, para adquirir uma dimensão aberta, múltipla e cambiante. O próprio jogo entre Ocidente e Oriente entra nessa reflexão dos dois. Pude explorar um pouco mais sobre isso na entrevista que conduzi com Haroldo de Campos, publicada sob o título “Points of Convergence: Latin America in Dialogue with the Orient”, no Hispanic Research Journal, da Universidade de Londres, em 2001. Posteriormente, ela foi republicada em espanhol como “América Latina en diálogo con el oriente – conversación con Haroldo de Campos”, na revista Cuadernos Hispanoamericanos (Madrid), em 2002. Em 2010, foi incluída em português no livro As ironias da ordem. Maria Esther Maciel 169
Não cheguei a oferecer cursos específicos sobre esse tema, mas o tópico do universo esteve presente em muitas disciplinas que ofereci. Como disse no início, meu apreço por ele é cada vez mais vivo. Estou inclusive retomando-o num trabalho que iniciei, de maneira mais informal, sobre as obras das duas monjas (uma delas, santa) que têm movido meus interesses atuais: a mexicana Sóror Juana e a alemã Hildegard de Bingen. Para concluir, evoco o personagem Palomar de Italo Calvino, que se colocando de cócoras no gramado que existe em volta de sua casa, põe-se a arrancar as ervas daninhas, ao mesmo tempo em que começa a se perder em pensamentos sobre o caráter inumerável dos distintos elementos que constituem o gramado. Ao final, distraído, deixa de arrancar as ervas e pensar no gramado, para pensar no universo. E começa a aplicar ao universo tudo o que pensou sobre o gramado. O que ele pensou pode ser lido lá no verbete sobre a palavra “universo”, que antecede este texto. Mais especificamente, na “definição” 3. 170 Maria Esther Maciel
V de VIAGEM correlatos: B de Borges; F de Formação; G de Greenaway; M de Memória; O de Octavio Paz; [Do prov. viatge] S.f. 1. Ato de ir de um a outro lugar, relativa- mente afastados. 2. O deslocamento que se faz para se chegar de um local a outro. 3. Espaço percorrido ou a percorrer; per- curso. 4. Segundo J. L. Borges, no Atlas, as vésperas de uma viagem são também uma parte preciosa da viagem.
As viagens sempre fizeram parte de minha vida acadêmica, desde 1993, quando fui ao México pela primeira vez, com propósitos de pesquisa para minha tese de doutorado. Eu poderia construir outro memorial dentro deste memorial só com lembranças das viagens que fiz pelo mundo e pelo Brasil, para participar de eventos, cursos, seminários, estágios de pesquisa, bancas, comissões julgadoras, reuniões burocráticas, encontros literários etc. Porém, cabe-me aqui fazer apenas uma descrição resumida desse meu “atlas” acadêmico-literário. O próprio tema “viagem” já me é caro. Abordei-o em dois ensaios: um sobre os mapas de Peter Greenaway e outro sobre os “livros de viagem” de Octavio Paz e Haroldo de Campos – El mono gramático e Galáxias, respectivamente. Em As vertigens da lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz, cheguei a incluir um capítulo, a título de breve biografia intelectual do autor, em que discorro sobre suas viagens pelo mundo e dos influxos destas no seu trabalho como escritor. De fato, os sucessivos deslocamentos vivenciados por ele ao longo de muitas décadas renderam-lhe experiências que estiveram diretamente ligadas ao seu trabalho como poeta e pensador multíplice. Índia, França, Estados Unidos, Espanha e Japão foram os principais países estrangeiros de sua vida. A partir de cada um, encontramos um conjunto de textos que diz respeito a uma fase de sua criação poética e do seu pensamento crítico-teórico. O conceito de “outridade”, por exemplo, não existiria sem a sua experiência de “exílio” nos EUA, quando ainda jovem. O Surrealismo não teria sido uma das linhas de força de sua obra se não fosse a temporada vivida em Paris e sua amizade pessoal com André Breton iniciada nesse período. Suas reflexões político-culturais sobre as relações entre colonizado e colonizador não teriam a mesma densidade sem seu contato direto com a Espanha. Suas reflexões sobre o Tantrismo, os vários ramos do Budismo, a poesia japonesa e as culturas orientais não teriam rendido tantos livros e reflexões se não tivesse vivido na Índia e no Japão. Inúmeros escritores e pensadores poderiam entrar nesse registro. O que me permite afirmar que seria possível compor uma história da literatura e do pensamento de vários autores de uma determinada época a partir das viagens e residências estrangeiras que cada um deles experimentou. Borges foi outro escritor que me provocou o interesse pelo tema. Seus escritos sobre mapas, viagens, cidades e experiências estrangeiras alimentaram-me, por muito tempo, a imaginação e a reflexão, embora eu nunca tenha escrito nenhum texto específico sobre isso. A não ser nas crônicas semanais que publiquei no jornal Estado de Minas, em que Maria Esther Maciel 173
Borges quase sempre aparecia quando se tratava dos temas “mapa” e “viagem”. E não apenas o Borges escritor aparecia nesses textos. O “meu Borges”, José Olympio, também foi recorrente, pois ninguém dentre as pessoas com que convivi até hoje teve ou tem o fascínio que ele tinha por tudo o que se relacionava a mapas, viagens, países, cidades, ruas, lugares de toda espécie. Por isso eu o chamava de “Borges, o memorioso”. Na sua companhia, ou mesmo à distância, aprendi quase tudo do pouco que sei (e até do que não sei) sobre geografia e cartografia. Os mapas faziam parte de sua vida. Ele os lia com frequência, como se fossem livros e contassem histórias. Memorizava-os com uma admirável facilidade e não se desorientava ao chegar em uma cidade estranha. De vez em quando, chegava mesmo a dar informações a eventuais turistas sem rumo que cruzavam seu (nosso) caminho. Muitas vezes, ele se valia também dos mapas para relembrar viagens e acontecimentos, tal como fazemos com as fotografias. Já no meu caso, a sina é perder-me nos lugares que visito. E para completar, não sou uma boa leitora de mapas. Confesso que eles me seduzem, mas menos em termos utilitários que estéticos. Ou seja, gosto de ver mapas, gosto do objeto mapa, de suas linhas, formas e cores, porém sem conseguir, exatamente, me orientar por eles. Talvez por isso fascinam-me os mapas fictícios, que além de inúteis (no sentido prático da coisa) me estimulam a fantasia. Um dos mais notáveis é, sem dúvida, aquele de Lewis Carroll, recriado por Borges, que de tão perfeito e detalhado, cobria todo o território, ponto por ponto. Interesso-me também pelos mapas antigos, pautados num certo conceito de mundo. Esse interesse foi o que me levou a escrever sobre os mapas de Greenaway, mais especificamente, os do seu pseudodocumentário A Walk through H, em que um ornitologista relata a sua estranha jornada pós-morte em direção a um lugar impreciso, designado apenas pela letra H, que tanto pode ser o Céu (Heaven) quanto o Inferno (Hell). Para orientar-se durante o percurso, que inclui passagens por cidades reais e imaginárias, florestas, desfiladeiros, desertos e becos sem saída, ele se vale de uma coleção de 92 mapas apócrifos. Se, na primeira parte dessa viagem, o personagem consegue se nortear em meio ao caos que os próprios mapas traçam para ele, na segunda tudo começa a se desfazer: os caminhos desaparecem, os mapas se desintegram à medida que são lidos ou passam a oferecer várias rotas alternativas. O território deixa, assim, de ser um lugar. Como diz o próprio narrador, a cartografia entra em colapso, e não resta a ele, o viajante, senão a opção de seguir o voo dos pássaros, uma vez que estes não precisam de mapas, não cometem 174 Maria Esther Maciel
erros de percurso, não se perdem em voltas inúteis e não interrompem sua viagem para observar as placas. Gosto também de pensar que o acaso é o melhor guia. Em minhas viagens a trabalho (e a passeio) a Lisboa, por exemplo, sempre gostei de me perder pelos becos, praças e travessas, para encontrar coisas imprevistas. É só deixar-me levar pelos desvios, voltas e dobras da cidade, dentro ou fora do mapa oficial. O que vale para todas as outras cidades conhecidas e desconhecidas do mundo. Lembro-me de um passeio que fiz ao Zoológico de Lisboa, por causa de minha pesquisa sobre animais. Uma amiga lisboeta tinha me falado de um cemitério de cães que ficava dentro do Zoo, e resolvi aproveitar uma ida à capital portuguesa, para um evento literário, e ir conhecer esse lugar tão curioso. Isso foi em abril de 2008. Ao chegar ao pequeno cemitério, o que vi foi quase indescritível: uma área verde, repleta de lápides coloridas. Sobre os túmulos, fotos e esculturas de cães de diversas raças ou de raça nenhuma, acompanhadas de inscrições amorosas, em verso e prosa. Em quase todos, vi vasos de flores e velas gastas. Vi também algumas lápides de gatos e coelhos de estimação. Enfim, foram muitas as experiências vivenciadas nas viagens acadêmicas e literárias pelo Brasil e mundo afora. Outro caso curioso aconteceu em Frankfurt, durante a Feira do Livro de 2013. No último dia da viagem, fui com Flora Süssekind à Universidade Goethe para uma discussão sobre literatura brasileira contemporânea. Logo que achamos o lugar, o que não foi fácil, fomos recebidas por uma das organizadoras, que falava espanhol. Pediu-nos que a acompanhássemos, pois queria nos apresentar à pessoa que faria a tradução simultânea de nossas falas para o alemão. Seguimos, então, até o auditório, onde se encontrava uma mulher alta e loura, acompanhada de um cão labrador preto. Logo vi que ela era cega e o cachorro era seu guia. Falando um português fluente, contou-nos um pouco sobre sua relação com o Brasil e a nossa língua. O cão, segundo ela, se chamava “Vuelvo Carvalho”. Disse ainda que ele compreendia, além do alemão, o português, o inglês e o espanhol. Foi a primeira vez que conheci um cachorro poliglota. Perguntei em que língua ele latia, e ela respondeu, rindo: “ele late mais em alemão, mas às vezes late em outras línguas”. O cão, de fato, parecia compreender tudo o que se falava ao seu entorno, independentemente do idioma. Sem dúvida, o cão poliglota e a tradutora cega tornaram aquela tarde inesquecível. Outra história que me aconteceu foi em Tóquio, em julho de 2007, quando fui participar de um colóquio sobre cinema e outras mídias. Como gosto de pegar ônibus ao acaso para conhecer as cidades estranhas, tomei um perto do hotel. A certa altura do trajeto, Maria Esther Maciel 175
vi, à direita, uma paisagem intrigante. Desci e fui até lá. Para minha surpresa, era um grande cemitério com uma alameda de cerejeiras. Os túmulos continham inscrições em tiras verticais de madeira, e incensos eram usados no lugar de velas. Gatos rondavam as sepulturas, corvos sinistros grasnavam. Mas ao sair de lá, não encontrei mais o ponto de ônibus. Acho que, distraída, saí pelo lado oposto. Pedi ajuda a alguns transeuntes, mas ninguém entendia o que eu falava. Não tive outra alternativa senão ligar para José Olympio e pedir socorro. Ele, com um mapa, localizou o ponto onde eu estava e me passou as coordenadas. Ainda me indicou um restaurante lá perto, que ele tinha visto num guia turístico. O problema foi depois de sair do restaurante, pois não me lembrava mais do trajeto que me tinha sido passado. A alternativa foi pegar um táxi e pagar um absurdo para chegar ao hotel. Se eu fosse me estender aqui nas histórias interessantes de viagem, não terminaria esta parte tão cedo. Elas são muitas e envolvem episódios em Paris, Passo Fundo, Amsterdã, São Paulo, Buenos Aires, Stavanger e em muitas outras cidades que visitei, a trabalho. Na impossibilidade de compor um inventário dessas experiências, opto por fazer apenas uma lista das cidades que visitei ao longo desses meus anos de vida acadêmica e literária. E, com isso, encerro este verbete/capítulo: Aarhus • Alagoinhas • Amsterdã • Barcelona • Bingen • Brasília • Buenos Aires • Campinas • Canterbury • Chicago • Cidade do México • Copenhague • Concepción • Córdoba • Coronel Fabriciano • Cruz das Posses • Curitiba • Diamantina • Dobrada • Faro • Florianópolis • Fortaleza • Frankfurt • Genebra • Goiânia • Gotemburgo • Guadalajara • Itabira • João Pessoa • Juiz de Fora • Leiden • Limerick • Lisboa • Londrina • Mariana • Montes Claros • Newcastle • Niterói • Northampton • Nottingham • Nova Orleans • Nova York • Ouro Preto • Oxford • Paris • Passo Fundo • Patos de Minas • Poitiers • Porto • Porto Alegre • Praga • Quioto • Recife • Ribeirão Preto • Rio de Janeiro • Roterdã • Sabará • Salvador • Santiago • Santos • São João del Rey • São Lourenço • São Paulo • Stavanger • Sydney • Tóquio • Uberlândia • Utrecht • Valdívia • Viradouro • Viseu • Vitória • Washington • Zurique • 176 Maria Esther Maciel
X de XADREZ correlatos: Prólogo; A de Artifício; B de Borges; G de Greenaway; L de Lucidez; M de Memória [Do sânscr. shaturang, do ár. ax-xaTranj e do arc. axedrez, enxadrez.] S.m. 1. Antigo jogo sobre um tabuleiro de 64 casas, alternativamente brancas e pretas. 2. O tabuleiro desse jogo. 3. Termo usado, metaforicamente, para designar composições literárias complexas e experimentais, que requerem do leitor a habilidade de articular personagens ou partes do texto. 4. Consta que características enxadrísticas são encontradas nas composições da literatura desde o início do século VI na Índia.
Os rigores matemáticos da literatura nem sempre estão a serviço da razão. Demandam muitas vezes, do escritor e do leitor, não apenas uma disponibilidade lúdica, como também uma disposição para entrar numa vertiginosa rede de possibilidades criativas, na qual os voos da imaginação se sobrepõem às geometrias do pensamento. Os livros de Georges Perec têm essa potencialidade. Vários de Italo Calvino, também. O romance-enciclopédia Dicionário Kazar, do iugoslavo Milorad Pávitch, idem. Há pouco tempo, li três livros contemporâneos que seguem mais ou menos esse viés: Com que se pode jogar (2011), de Luci Collin; Opisanie swiata (2013), de Veronica Stigger; e A verdadeira história do alfabeto (2012), de Noemi Jaffe. Desde que li, pela primeira vez, As mil e uma noites, os encaixes, as combinações e as descontinuidades contínuas entraram para a minha lista de recursos narrativos de predileção. Os contos do vampiro (séc. XI), de autor anônimo, que remontam à tradição oral da Índia antiga foram outra descoberta instigante, pelo formato caleidoscópico. Não sei se a palavra “xadrez” seria a mais apropriada para caracterizar todos esses livros; talvez não, pois o jogo de xadrez, com suas propriedades peculiares, não servem de base para todos eles. Por outro lado, o termo está intrinsecamente associado à ideia de jogo, no sentido que se pretende aqui. Ou seja, assim como lidar com as peças do xadrez ou de outro jogo intrincado exige raciocínio, intuição e inventividade, lidar com as peças desses livros também requer habilidades afins. Aliás, foi seduzida por esses artifícios que tentei montar O livro dos nomes, ficção construída em 26 partes, cada uma correspondendo a um nome e uma personagem, de acordo com as letras do alfabeto. Um livro que pode ser lido como um conjunto de narrativas entrecruzadas, um dicionário em ordem alfabética e um romance feito da combinatória de tudo isso. Cabe ao leitor montar o romance a partir da articulação das partes que o constituem. Como relatei no “Prólogo”, quando decidi escrever este memorial também me propus o desafio de não escrever uma prosa contínua e cronológica, considerando que o próprio exercício da memória não se presta à linearidade. Ciente de que a escrita memorialística é sempre uma combinatória possível (e nunca definitiva) de imagens, restos, registros esparsos, documentos soltos etc., que, articulados, podem compor uma narrativa plausível, optei por encenar na própria construção do memorial essa configuração de mosaico, que remete também à ideia de jogo. A ordem alfabética pareceu-me uma alternativa interessante à ordem cronológica, mas para isso eu teria que me esforçar para dar uma coerência ao conjunto a partir desse princípio de organização. Parti, então, para a escolha de um tema ou palavra para cada letra do Maria Esther Maciel 179
alfabeto, um pouco à semelhança de O livro dos nomes, embora com outra finalidade. O que não foi fácil, uma vez que os temas e termos que definem minha trajetória não se confinam, necessariamente, em 23 ou 26 partes regulares e simétricas. Alguns, aliás, poderiam ocupar uma mesma parte ou letra. Por outro lado, dei-me conta de que esses temas e termos tampouco cobriam todas as letras do alfabeto. Tive, dessa forma, que fazer um esforço lógico e imaginativo para cumprir meu intento. Como as regras, nesse caso, permitem certa arbitrariedade, sustentei o plano de escolher apenas um tópico para cada letra, mas buscando combinar um com os outros, de forma a montar um conjunto coerente. Digo que a escolha dos termos foi demorada, com várias alterações ao longo do percurso. Além disso, algumas restrições foram necessárias, como a exclusão das letras k, y e w, mesmo que a nova reforma ortográfica de 2009 as tenha legitimado no alfabeto brasileiro. Ainda assim, algumas letras foram um desafio, entre elas o próprio “x”. Como, no início, eu tinha pensado em trabalhar a noção de “jogo” na letra “j”, o “xadrez” no “x” ficaria redundante. Mas como a noção de jogo já está, de certa forma, presente no tópico “A de Artifício”, e eu não tinha encontrado outra palavra pertinente para o “x”, dei outro rumo para o “j” e fiquei com “xadrez”. Assim, eu poderia falar um pouco da própria estrutura do memorial e não precisaria repetir as considerações sobre os jogos ficcionais e autorais feitas no capítulo/verbete “Artifício”. Num determinado momento, cheguei a pensar, para o “x”, a palavra “xamã”, com a qual tenho lidado ultimamente em minha pesquisa sobre animalidade. Mas como esta ainda se encontra na fase inicial, e só agora me voltei mais efetivamente para as reflexões de Eduardo Viveiros de Castro sobre o xamanismo, concluí que a palavra não caberia no trabalho. Afinal, um memorial pressupõe experiências já transformadas em matéria de recordação. Sei que falar da construção de um texto no momento de sua escrita é algo da ordem do agora, o que poderia “desabilitar” este verbete/ capítulo “X de Xadrez” como um exercício da memória. Entretanto, estou ciente de que, quando eu terminar de escrever o memorial, estas minhas explicações sobre o processo de montagem do conjunto já se referirão a um processo concluído e, portanto, transformado em pretérito. Do que advirá, assim, o caráter memorialístico desta parte também. Por fim, cabe-me ressaltar a arbitrariedade e o caráter subjetivo dos critérios que nortearam a composição deste memorial. O que, certamente, condiz com os princípios que nortearam minhas reflexões sobre os sistemas taxonômicos ao longo dos últimos anos, como se pode verificar nas partes “B de Borges”, “E de Enciclopédia”, “G de Greenaway” e “I de Inventário”. 180 Maria Esther Maciel
Z de ZOO correlatos: E de Enciclopédia; H de Hibridismo; I de Inventário; J de John Coetzee [Elem. Comp., do gr. zoon ‘qualquer ser vivo, animal’, já presente no latim científico do séc. XVI e nos vernáculos do séc. XVIII em diante, sobretudo nas ciências naturais] S.m. 1. Jardim Zoológico. 2. Designativo para tudo o que se relaciona ao universo dos animais. 3. Neste memorial, compõe as palavras “zoopoética”, “zooliteratura”, zooética e zoopolítica.
De vez em quando, perguntam-me o porquê de meu interesse pela questão dos animais e quando ela passou a fazer parte de minhas investigações acadêmicas. Afinal, antes de iniciar minha pesquisa do CNPq, em 2007, quase ninguém sabia que esse tema já me instigava havia muito tempo. Eu só esperava o momento propício para convertê- lo em um objeto de pesquisa e escrita. Esse momento chegou quando, ao conduzir meu trabalho sobre inventários, coleções e enciclopédias na literatura e nas artes, fui parar nas antigas enciclopédias da natureza e nos bestiários medievais. Ler A história dos animais, de Aristóteles, as passagens zoológicas da História Natural de Plinio, o Velho, as Etimologias, de Santo Isidoro de Sevilha, e o Manual de zoologia fantástica, de Borges, foi minha via de acesso (ou de volta) ao universo zoo. Se, num primeiro momento, detive-me nas coleções de bichos existentes e fantásticos desses autores, passando pelos catálogos descritivos e ilustrados da era medieval, até chegar a alguns outros escritores do século XX, num segundo momento meu olhar passou a se concentrar em diferentes registros literários e estéticos desse universo, que não apenas o das coleções e catálogos. O que me impulsionou a uma reflexão mais ampla e transdisciplinar sobre a questão do animal, da animalidade e dos limites do humano. Com esse desdobramento de minha pesquisa anterior, deparei- me com um riquíssimo repertório de textos literários e teóricos, ao qual me lancei com entusiasmo e dedicação. Foi quando a antiga paixão pelo tema aflorou com força e me fez mergulhar nesse território da animalidade, em que me encontro até hoje. Digo que não há como dissociar da minha história particular esse meu interesse acadêmico (e literário) pela questão. Isso porque desde a infância cultivei um grande amor pelos bichos e me interessei por eles enquanto seres sensíveis, inteligentes e dotados de saberes sobre o mundo. Meu pai era fazendeiro, e vivemos um tempo (pouco, é certo) no meio rural. E mesmo quando não morávamos lá, minhas visitas à fazenda eram bastante frequentes, o que se deu ao longo de toda a minha infância. Os bichos eram, nessa época, queridos amigos com quem eu conversava, brincava e aprendia muitas coisas. Adorava ir para o curral com o meu pai e ficar no meio das vacas; sabia os nomes de todas e conhecia seus hábitos e temperamentos. Isso aconteceu também com os cavalos, os cães, as galinhas, os patos, os coelhos, os gatos e as joaninhas. E até mesmo com os ratos, que nunca temi. Em relação aos porcos, o contato foi menos próximo, pelo menos até eu adotar um porquinho que andava solto pelo terreiro da casa. Acho que foi o animal mais afetuoso que conheci até hoje, e um dos mais inteligentes. Por causa dele, sempre me recusei a comer carne de porco Maria Esther Maciel 183
e passei a abominar qualquer prática de crueldade contra os bichos em geral. Assim, ao propor, em 2007, o desdobramento do estudo dos bestiários numa pesquisa mais abrangente sobre os animais na literatura, pude desdobrar também o meu afeto pelos bichos em uma reflexão sobre a questão dos animais no pensamento e na cultura ocidentais, de modo a entender suas formas de inscrição na literatura contemporânea. Como o projeto é amplo e foi dividido em etapas, cumpri as duas primeiras até o início de 2014. Foram elas: Bestiários contemporâneos (2007-2010), com um corpus literário que incluiu autores de diferentes nacionalidades, entre eles, Jorge Luis Borges, Augusto Monterroso, Ted Hughes, Jacques Roubaud, Alessandro Boffa, Guimarães Rosa, Murilo Mendes e Wilson Bueno; Zooliteratura brasileira: animais, animalidade e os confins do humano (2010-2014), em que abordei, sobretudo, as obras de Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Alphonsus, Carlos Drummond de Andrade, Astrid Cabral e Nuno Ramos. Durante a etapa iniciada em 2007, desenvolvi também, no ano de 2009, um projeto afim, na condição de Professora Residente do IEAT- UFMG. Minha ênfase foi dada às reflexões teóricas sobre a questão do animal em várias áreas do conhecimento. Sobre essa temporada de pesquisa no IEAT, discorri um pouco mais no tópico “T de Trans”. Em decorrência de meu intenso envolvimento com esse projeto, iniciei uma interlocução com pesquisadores brasileiros e estrangeiros em torno do tema, entre eles, os professores Sérgio Medeiros, Evando Nascimento, Raúl Antelo, Dominique Lestel, Lucile Desblanche e Gabriel Giorgi, que participaram de algumas atividades do projeto na UFMG. Associei-me também ao Animal & Society Institute (EUA) e ao Minding Animals International – MAI (Austrália), duas instituições voltadas exclusivamente para a área dos Animals Studies, tendo participado de alguns congressos promovidos por elas. Acrescento ainda o apoio extra que obtive da FAPEMIG, por meio do Programa Pesquisador Mineiro 2009, para a condução da pesquisa. Foi no primeiro congresso do Minding Animals International, na Austrália, no início de 2009, que me inteirei desse novo campo de estudos chamado Animal Studies, em que convergem diferentes áreas disciplinares. Aí pude ter uma real dimensão do que se tratava e conversar com diversas pessoas envolvidas. O organizador geral do evento australiano e um dos fundadores do MAI, Prof. Rod Bennison, chegou a propor a criação de um “MAI-Brazil”, visto que outros países já tinham aderido à ideia da fundação de ramos nacionais da associação internacional. Apesar de meus esforços para que tal proposta se viabilizasse, isso ainda não foi possível, por uma série de motivos. 184 Maria Esther Maciel
O que não impediu, entretanto, que realizássemos, em maio de 2011, um evento internacional na FALE – o Colóquio Internacional Animais, animalidade e os limites do humano, vinculado ao MAI, com apoio do IEAT-UFMG e de um grupo de pesquisadores argentinos. Esse evento, aliás, foi gratificante. Na organização, estávamos Julio Jeha e eu, além de uma equipe de alunos de graduação e pós- graduação envolvidos com pesquisas de mestrado e Iniciação Científica relacionadas ao tema. Aproveitamos a ocasião para o lançamento do livro Pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica, que organizei. Vários dos colaboradores do volume, brasileiros e estrangeiros, participaram do evento. Dessa maneira, criou-se um amplo espaço de discussões sobre os tópicos temáticos do colóquio e do livro, o que mereceu, inclusive, uma matéria de duas páginas no caderno Ilustríssima, da Folha de S.Paulo, em 17 de julho de 2011. Ademais, dois números temáticos de revistas do nosso Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários foram publicados em 2012. Um dos conferencistas do evento e participantes do livro, o professor francês Dominique Lestel, que eu conhecera na Austrália, tornou-se um dos meus colaboradores mais importantes. Não apenas aceitou coorientar, em regime de cotutela com a École Normale Supérieure (ENS), de Paris, um dos meus orientandos de doutorado que estava pesquisando a questão da animalidade, como também me acolheu para um estágio de pesquisa na França, realizado em março de 2013, quando eu desenvolvia meu segundo pós-doutorado, vinculado à USP, com a colaboração do Prof. Benjamin Abdala Jr. Cabe registrar também que, um ano antes do referido colóquio na UFMG, houve ainda a publicação de um número especial do Suplemento Literário MG (SLMG) – vinculado à Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais – sobre o tema “Animais escritos”. Isso aconteceu graças à maravilhosa acolhida do escritor Jaime do Prado Gouvêa, superintendente do SLMG, e do poeta Fabrício Marques, assessor editorial. Esse número saiu em outubro de 2010 e teve a participação de poetas, ficcionistas, ensaístas e tradutores. As 40 páginas do jornal foram preenchidas com poemas, contos, ensaios e entrevistas voltados para o universo zoo, ilustrados pela artista “animalista” mineira Thereza Salazar. A repercussão dessa pesquisa tem sido surpreendente. Talvez por tratar, sob uma perspectiva contemporânea, de um tema relativamente ainda pouco estudado no Brasil; ou talvez porque a questão dos animais tem mobilizado, cada vez mais, as pessoas, dentro e fora do âmbito acadêmico. E creio que isso se deve ao momento que a humanidade vive. Catástrofes ecológicas; incremento das fazendas industriais que Maria Esther Maciel 185
transformam os animais em mera matéria-prima para a produção de alimentos e artigos comerciais; a extinção de várias espécies nos últimos anos, comprometendo a vida do planeta; a nostalgia dos humanos em relação às suas ancestrais interações com os seres não humanos, e a descrença na supremacia de nossa espécie em relação às outras, tudo isso tem contribuído para essa mobilização e para as tentativas de resgate da animalidade que também nos é intrínseca. Ao longo desse tempo voltada para o tema, descobri textos e livros cruciais, do passado e do presente. Os ensaios “Da crueldade” e “Apologia de Raymond Sebond”, de Michel de Montaigne, foram uma grande surpresa, por terem antecipado, ainda no século XVI, muitas das reflexões atuais sobre os animais e nossas relações com eles. Sobre esse papel do filósofo, escrevi um artigo, “Fronteiras do humano: Michel de Montaigne, precursor de Machado de Assis e Derrida”, publicado na revista eletrônica E-misférica (dossiê “Bio/Zoo”, 2013), do Hemispheric Institute, da Universidade de Nova York. Essa publicação aconteceu graças aos pesquisadores argentinos Álvaro Fernández Bravo, Gabriel Giorgi e Fermín Rodríguez, organizadores desse número, com os quais tenho trabalhado nos últimos anos em torno do tema. Eles também foram responsáveis pela organização do Coloquio Internacional El Giro Animal: cuerpos, imaginarios, políticas, da New York University in Buenos Aires, do qual participei em agosto de 2010 com um trabalho sobre Machado de Assis e Guimarães Rosa. Publiquei, ainda, alguns artigos esparsos em revistas da área de Ciências Biológicas e da área de Letras. Ainda em 2008, participei da coleção “Móbile” da Lumme Editores, com um ensaio curto, \"O animal escrito – um olhar sobre a zooliteratura contemporânea\", que se tornou um ponto de partida para outros textos em torno do assunto, os quais foram depois retomados e reelaborados no livro Literatura e animalidade, que saiu pela editora Civilização Brasileira em 2016. No início de 2017, iniciei uma parceria acadêmica com a professora portuguesa Patricia Vieira, que leciona na Universidade de Georgetown, em Washington, e tem se dedicado às relações entre literatura e meio ambiente. Juntas, organizamos um colóquio sobre meio ambiente na cultura brasileira e um dossiê intitulado “Animals and Plants in Brazilian Culture”, inserido na revista Journal of Lusophone Studies, publicada pela American Portuguese Studies Association (APSA) no outono de 2017. Na prática docente, tenho oferecido sucessivas disciplinas sobre vários tópicos da investigação. Percebo que, a cada curso, mais alunos se interessam por esse campo de estudos, o que tem me deixado bastante gratificada. 186 Maria Esther Maciel
Não sou uma ativista dos direitos animais no sentido pragmático dessa condição, mas tenho tentado contribuir para uma reflexão mais ampla sobre a condição dos viventes não humanos na nossa civilização, valendo-me, sobretudo, da literatura, mas sem ativismo ideológico. Aliás, sempre tive apreço pela literatura que explora outras maneiras de atuação no fluxo político e social das coisas do mundo, que não necessariamente a do engajamento. A literatura de vários escritores do passado e do presente cumpre, a meu ver, muito bem esse papel, atuando não apenas na instância das ideias mas também na esfera da sensibilidade. J. M. Coetzee tem feito isso admiravelmente. É um autor que matiza as questões pertinentes às relações entre humanos e não humanos, pela via dos paradoxos e das sutilezas, como pude argumentar no tópico “J de John Coetzee”. Outro escritor que também muito fez pela causa animal, sem ativismo explícito, foi Guimarães Rosa, o maior animalista das letras brasileiras. Assim como autores contemporâneos de diferentes nacionalidades, a exemplo do inglês Ted Hughes, do mexicano Juan José Arreola, do italiano Luigi Pirandello, da americana Patricia Highsmith, do colombiano Fernando Vallejo, do francês Jacques Roubaud, da australiana Eva Hornung e do brasileiro Wilson Bueno, só para citar alguns. Como já foi dito, publiquei em 2016 o livro Literatura e animalidade, que faz parte da “Coleção Contemporânea”, coordenada por Evando Nascimento na editora Civilização Brasileira. Nesse livro, inseri reflexões sobre Montaigne, Derrida, Coetzee e vários “zoo-escritores” estrangeiros e brasileiros, além de uma entrevista com o francês Dominique Lestel, autor de quase uma dezena de livros sobre a questão dos animais na contemporaneidade. Tento elucidar, também, o termo “zooliteratura”, que tem estado tão presente no meu trabalho, ao lado de “zoopoética”. Expliquei que o termo designa o conjunto de diferentes práticas literárias ou obras (de um autor, de um país, de uma época) que privilegiam o enfoque de animais, funcionando como uma alternativa à palavra “bestiário” – esta, prefiro usar apenas no seu sentido específico de coleção/catálogo de animais reais e fantásticos, ou seja, enquanto um gênero literário oriundo dos bestiários medievais. Penso que o termo bestiário, fora desses limites, tende a reforçar a ideia negativa de animal como “besta”, haja vista a pesada carga simbólica que lhe foi conferida pela tradição judaico-cristã ao longo dos tempos. Já o termo “zoopoética” tem aparecido em minhas reflexões para designar tanto o estudo teórico de obras literárias e estéticas sobre animais, quanto à produção poética específica de um autor, voltada para esse universo “zoológico”. As diferenças e semelhanças entre zooliteratura e zoopoética seriam, portanto, as mesmas entre literatura e poética, mas acrescidas do valor semântico do prefixo zoo. Maria Esther Maciel 187
Creio que esse livro encerrou mais uma etapa da minha pesquisa iniciada em 2007 e abriu terreno para outras incursões no tema. Após essa publicação, ainda elaborei pelo menos três ensaios sobre o que chamo de “exercícios de animalidade na literatura contemporânea”, com ênfase nos devires, metamorfoses e outros tipos de atravessamento de fronteiras entre as espécies. Para tanto, voltei-me para a leitura da obra de Eduardo Viveiros de Castro sobre o perspectivismo ameríndio e ao estudo do xamanismo, tal como este foi problematizado pelo antropólogo brasileiro e por outros estudiosos. Sobre isso, ofereci disciplinas na graduação e na pós-graduação em 2016 e 2017, tendo me envolvido também com o estudo sobre personagens caninos na literatura moderna e contemporânea. O meu apreço por cães é antigo e foi reavivado graças à minha cadela Lalinha, com quem convivi por 15 anos. Ela se foi em março de 2016, um dia antes de o livro Literatura e animalidade sair da gráfica. Desde então, comecei a ler textos literários sobre cachorros. Por coincidência, foi nesse mesmo período que recebi o convite para escrever o posfácio da nova edição em português do romance Flush: uma biografia, de Virginia Woolf, traduzido por Tomaz Tadeu e publicado pela Editora Autêntica em 2016, o que impulsionou ainda mais a minha disposição para pesquisar a literatura canina. Lembro que, quando eu escrevia meus artigos e textos literários em meu escritório, Lalinha estava sempre presente. O livro de Zenóbia foi escrito com ela no colo. Literatura e animalidade foi preparado com ela ao meu lado, olhando-me transversalmente ao pé da escrivaninha. Assim foi também com a escrita da primeira versão deste memorial, em 2015. Daí que eu a considere uma cúmplice deste texto que, agora, quase encerro com o Z de zoo. 188 Maria Esther Maciel
ET CETERA [Do lat. et coetera] 1. E as demais coisas. 2. Encerra uma enumeração de forma genérica e, ao mesmo tempo, conclusiva, definitiva ou comprobatória da extensão do que vinha sendo discriminado. 3. Usada para evitar uma longa enumeração. 4. E assim por diante.
As coisas que não foram incluídas neste memorial poderiam compor outras possíveis e impossíveis versões de uma mesma história. Listar aqui o que sobrou, o que calei, o que foi desprezado ou esquecido, o que se furtou aos critérios usados na organização das partes seria, portanto, um exercício insano e irrealizável. Essas coisas, porém, não deixam de estar presentes nesta página, graças às potencialidades do et cetera – essa não categoria necessária a todas as classificações que foram inventadas pela razão humana para conter o inumerável. Maria Esther Maciel 191
Lista de orientações e supervisões ORIENTAÇÕES DE DOUTORADO Alexandre Rodrigues da Costa. A transfiguração do olhar: relações entre literatura e artes plásticas em Rainer Maria Rilke e Clarice Lispector. 2005. Ana Martins Marques. Paisagem com figuras: Fotografia na Literatura Con- temporânea – W. G. Sebald, Bernardo Carvalho, Alan Pauls e Orhan Pamuk. 2013. Eduardo Jorge de Oliveira. Inventar uma pele para tudo: corpo e animalidade na literatura e nas artes visuais. 2014. UFMG Fabrícia Walace Rodrigues. Memórias engendradas, ficção do eu: António Lobo Antunes, Milton Hatoum e José Eduardo Agualusa. 2013. Fernando Ferreira da Cunha Neto. Recriações de traços identitários da cultura portuguesa nas obras de Eça de Queirós e Fernando Pessoa: A Ilustre Casa de Ramires e Mensagem. 2005. Helânia Cunha de Sousa Cardoso. João Cabral de Melo Neto e as artes espanholas. 2007. Jacques Fux. A matemática em Georges Perec e Jorge Luis Borges: um estudo comparativo. 2010. João Gonçalves Ferreira Christófaro Silva. A máquina de desapropriação de textos de Carlos Sussekind. 2018. Márcia Maria Rosa Vieira. Fernando Pessoa e Jacques Lacan: constelação, letra e livro. 2005. Mário Alves Coutinho. Escrever com a câmera: cinema e literatura na obra de Jean-Luc Godard. 2007. Olga Valeska Soares Coelho. Rastros do branco: cosmologias contemporâneas e imagem poética na obra de Octavio Paz. 2003. Rodrigo Guimarães Silva. Altino Caixeta e Haroldo de Campos: poéticas da descontrução. 2006. Sabrina Sedlmayer Pinto. Quanto a mim, eu: a subjetividade literária em Pessoa e Borges. 2001. Maria Esther Maciel 193
ORIENTAÇÕES DE MESTRADO Alexandre Rodrigues da Costa. A construção do silêncio: um estudo da obra poética de Orides Fontela. 2001. André Borges Meyerewicz. Signos da vida e da morte na poesia de Adélia Prado. 2003. Ângela Vieira Campos. Corpos poéticos: estudo do poema Blanco, de Octavio Paz. 2001. Camila de Castro Diniz Ferreira. Romantismo e industrialização: uma leitura semiótica. 1999. Carlos Roberto da Silva. A reinvenção da rosa: tradição e modernidade na poesia de Altino Caixeta de Castro. 2003. Dolores Oliveira de Orange. Um entre-lugar: o animal na obra de J. M. Coetzee. 2015. Eduardo Jorge de Oliveira. Manuais de zoologia: o animais de Jorge Luis Borges e Wilson Bueno. 2009. Graciele Batista Gonzaga. O pensar poético: João Cabral de Melo Neto em diálogo com a poesia de Alexandre O’Neill. 2015. José Pereira da Silva Jr. A poesia órfica de Mário Faustino: leitura do metapoema “O Homem e sua Hora”. 2001. Luciano Neves de Sousa. Os rastros do silêncio: diálogo entre literatura e loucura em Armadilha para Lamartine, de Carlos & Carlos Sussekind. 2007. Marcílio França Castro. A vertigem do tempo na ficção de José Saramago. 2001. Maria Angélica Amâncio Santos. A gratuidade do mundo e a maleabilidade do gênero literário em O Estrangeiro, de Albert Camus. 2009. Marília Nogueira Carvalho. Borges e as histórias do sem fim: do espaço e seus desdobramentos. 2010. Márcia Rodrigues Junqueira. O livro em movimento: O dicionário Kazar, de Milorad Pávitch. 2008. Rodrigo César Viana. Escritura em abismo: uma leitura de Budapeste, de Chico Buarque, à luz de René Magritte. 2009. Sandra Beatriz Duarte de Freitas. Bibliotáfio: investigações sobre a escritura enciclopédica e fantástica em Borges, Greenaway e Hilal Sami Hilal. 2012. 194 Maria Esther Maciel
ORIENTAÇÕES DE GRADUAÇÃO Iniciação Científica e Monografia Adilson Antonio Barbosa Junior. A figuração dos animais em Poliedro, de Murilo Mendes. 2010. Adilson Antonio Barbosa Junior. A zooliteratura de João Alphonsus. 2011. Carlos Eduardo Batista de Sousa. Os inventários de Prospero’s books: confluências intersemióticas entre Greenaway e Borges. 2005. Elo da Cunha Soares. Jorge Luis Borges: escrita e representação. 2006. Flávia Dias Moreira. As concepções estéticas de Fernando Pessoa e seus heterônimos. 1996. Gustavo Silveira Ribeiro. Poética do inventário: A vida modo de usar, de Georges Perec. 2005. Isabella Fernandes Pessoa. A escrita como refúgio à dor em Sylvia Plath e Flor- bela Espanca. 2006. Joana de Almeida Meniconi. O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante: uma tradução intersemiótica. 2002. Júlia Arantes. A zoopoética de Nuno Ramos. 2012. Júlia Carolina Arantes. Animais na literatura: sobre Timbuktu, de Paul Auster. 2010. Júlio César do Carmo. Poesia digital e novas mídias. 2007. Júlio César do Carmo. Poéticas do inventário: Arthur Bispo do Rosário. 2006. Lenise Regina de Souza. Peter Greenaway e Italo Calvino: cidades e mapas imaginários. 2007. Maria Raquel Dias Sales Ferreira. Animais na literatura: Você é um animal, Viscovitz, de Alessandro Bossa. 2010. Maria Raquel Dias Sales Ferreira. Figurações da animalidade na literatura contemporânea. 2014. Mariana de Lima e Muniz. Uma poética da invenção: Vicente Huidobro e Manoel de Barros. 1998. Mariana de Lima e Muniz. Vicente Huidobro e as vanguardas latino- americanas: a ruptura como impulso criativo. 1999. Márcia Rodrigues Junqueira. Poesia e dança: a coreografia interna das palavras. 1996. Maria Esther Maciel 195
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