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80 balas, 80 poemas

Published by zunai13, 2020-05-23 02:22:54

Description: Vários autores. Organização: Claudio Daniel. Versão digital: Revista Zunái - Andréia Carvalho Gavita.

Keywords: zunái,poesia

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80 BALAS, POEMAS

VERSÃO DIGITAL 80 BALAS, 80 POEMAS © dos autores, 2020 Revisão Claudio Daniel Colaboradores Andréia Carvalho Gavita e Vanderley Mendonça Foto da capa Laura Chouette

8800pboaelmasa,s clOaurgdainoizdaaçãnoi:el são paulo zunái 2020

um poema para cada bala Índice 9 emboscada 10 oitenta 11 morreu um preto 12 sova 14 ordenação 15 só uma ação militar 16 poema isométrico 17 poema para tempos sombrios 19 sinfonia entreouvida numa esquina 20 conversa sobre o brasil com um poeta chinês 24 o responsável 26 ou 27 gênese 28 excludente de ilicitude 29 o fantasma dezumbi debaixodacamadoministro da justiça 30 fábula do fuzilamento 34 minions 35 balada do suposto homem feliz 39 comunicação interna 40 inside comunication 40 O dia de uma família negra no Brasil 41 incidente 50 oitenta palavras 51 este é o último poema que escrevo sobre a morte 52 aborto das letras 56 confissões de um catador de papel 58 em 7 de abril de 20l9 59 alvo dos alvos 60 pensamento-cálculo 61 para preto & rosa 62 80 balas de nada 63 balada para evaldo 64

genocídio 65 bandeira 67 poesia 68 fortaleza da primavera 69 poeira luminosa 70 canto plano 2019 72 guadalupe 73 fuzis 74 a terra das crianças pretas 75 metralhadoras do medo 76 guadalupe 77 meu coração é um morteiro 78 domingo em guadalupe 80 cilício do terror 81 meu canto de morte 82 80 palavras mudas 84 para manduca 85 80 sons 86 estampidos 87 milhares de balas 89 é permitido matar 90 holocausto 91 o mesmo velho giro (testemunhoemsetentaeoitooitentarotações) 92 a nova política 93 poema social datado 94 la dolce vita – diários de um fascista 96 cadê poeta da quebrada 98 resistência 101 cruzes (pela morte anunciada) 102 domingo de samba, domingo de sangue 104 80 tiros 106 80 tiros e os números da morte 107 sobre os autores 110

Autores 90 51 Adalberto Monteiro 34 Adalberto Muller 42 Ademir Assunção 45 Adolfo Montejo Navas 108 Alejandro H. Mestre 106 Alexia “Bibi” Vanessa Di Sodré 101 Ana Bueno 26 André Luís Soares 71 Anelito de Oliveira 30 Ângela Castelo Branco 59 Antônio Moura 35 Armando Freitas Filho 49 Arnaldo Antunes 14 Augusto de Campos 87 Caio Graco 89 Celso Vegro 9 Claudinei Vieira 24 Claudio Daniel 58 Claudio Daniel 72 Claudio Daniel 61 Cláudio Nunes de Morais e Elaine Pettersen Morais 70 Daniela Osvald Ramos 76 Daniel Faria 80 Daniel Victor 50 Diana Junkes 11 Diogo Cardoso 18 Edelson Nagues 48 Edir Pina de Barros 12 Elson Fróes 16 Ewaldo Schleder 96 Fabiano Fernandes Garcez 44 Fernando Ramos Frederico Barbosa

Germana Zanettini 29 Gilberto Motta 63 Glauco Mattoso 60 Guilherme Delgado 39 Hélio Neri 107 Íris Luiz 98 Izabela Leal 20 Jorge Amâncio 102 Jorge Lucio de Campos 19 Kako Álvares 56 Katia Marchese 85 Lau Siqueira 10 Lígia Dabul 68 Linaldo Guedes 91 Líria Porto 93 Máh Luporini 84 Mara Galvão 27 Marcela Cividanes Gallic 100 Marcelo Ariel 40 Marcelo Sahea 46 Márcia Friggi 65 Márcia Tigani 64 Marco Aqueiva 92 Maria Helena Vieira de Araújo 17 Maria Jacyra Lopes 25 Maria Marta Nardi 73 Marília Kubota 69 Maurício Simionato 43 Mauro YBarros 62 Nydia Bonetti 83 Pablo Simpson 77 Paula de Toledo 41 Paulo D’Auria 82 Paulo Franco 75

Pedro Marques 78 Priscila Merizzio 88 Ricardo Corona 47 Ricardo Vieira Lima 104 Rosana Piccolo 67 Rosane Raduan 86 Sávio de Araújo 15 Scheila Di Sodré 74 Silas Corrêa Leite 94 Susanna Busato 81 Telma Serur 13 Vasco Cavalcante 66 Wilson Alves-Bezerra 28 Ziul Serip 52

um poema para cada bala 9 Claudio Daniel Evaldo dos Santos Rosa, músico, 51 anos, foi executado no dia 07 de abril de 2019, quando viajava com a esposa e o filho de sete anos de idade na estrada de Camboatá, em Guadalupe, no Rio de Janeiro. Evaldo, que dirigia o carro em direção a um chá de bebê, foi alvejado por 80* balas de fuzil AR-15, disparadas por nove soldados do Exército Brasileiro, que não fizeram nenhuma sinalização ou advertência ao motorista do veículo, antes de dispararem suas armas. “Calma,  amor, é o Exército”, disse a esposa de Evaldo, quando a primeira rajada atingiu o carro da família. Na mesma operação, considerada “desmedida e irresponsável” por Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), faleceu também o catador de papeis Luciano Macedo, que tentou prestar socorro à família do músico. A ação insólita do grupo de militares teria ocorrido porque Evaldo – que era negro – foi confundido com um “assaltante” pela tropa. O caso, que chamou a atenção da imprensa brasileira e internacional, foi minimizado pelas autoridades – o ministro da Justiça, Sérgio Moro, considerou-o um triste “incidente”, e o presidente Jair Bolsonaro, ex-capitão eleito com uma plataforma política de extrema-direita, declarou, cinco dias após o fuzilamento, que “o Exército não matou ninguém; o Exército é do povo”. Os juízes do Superior Tribunal Militar, por sua vez, decidiram, por onze votos a favor e três contra, pela libertação dos soldados envolvidos, após breve detenção dos réus. A repercussão do trágico episódio nas redes sociais despertou a atenção de poetas brasileiros, que escreveram os poemas reunidos na presente obra — um tributo à memória de Evaldo, Luciano, Marielle, Anderson e de todos os negros, índios, mulheres, homoafetivos, opositores políticos, estudantes, trabalhadores rurais e urbanos vítimas de violência policial e militar no Brasil desde o golpe de estado de 2016 e a instauração do regime autoritário no país. *Os noticiários na época informaram que Evaldo foi atingido por 80 projéteis – depois, esse número foi revisto, e hoje se afirma que foram 83 disparos, ou ainda 250 ou 257, conforme diferentes fontes.

emboscada Não é o acaso da bala. O que mata Lau Siqueira é o que cala. Oitenta tiros 10 enaomalevsomearadpirreeçtãoo. ETotedronsanceognrtorsa.mão. dNeasvcieondNoegarfeaivroela. nOalhmoessdmeacchaunmcebloa. sNoaldaaldçaosdme munirida,os de ódio. Sob forte emoção. dNeosaansfgaulteoatiensgcirditoa velada que veste a covardia das fardas. Todos filhos do mesmo gueto. qMuaetateranmtoumaacisuduimr. Também era preto. A cor da pele. Sempre a cor da pele... (Quem mandou matar Marielle?)

oitenta Edelson Nagues Uma família negra 11 eSmolduamdocsabrrroanbcroasn/cnoe.gros em um tempo de espantos. Um soldado negro que não se ache tanto osabinetreárpdeonseatnragnudeon?egro dSaabseamga odsetsrsaanfsaemunílitae?s E dos soldados autômatos, com sua mitologia? Sabem, os que observam, dOauddoor pvaolrosrodbeampeerlcea?do de cada um que se vende? E da roleta-russa armada em cada esquina? ÉOurisacsobiagluasalvpêmaradteocdioms?a? Ocomqueessfeazceor,rpaogoerma, dano, que, embora sem vida, grita seu abandono? Como apagar o pavor sdeoos omlheotasldéevuemloza,criança, mas fere em câmera lenta? Para além dos estatutos, impõem-se leis de pedra. São oitenta disparos e uma família negra.

morreu um preto Ewaldo Schleder oitenta cartuchos oitenta tubos ocos oitenta queimas de pólvora oitenta projéteis - balas de chumbo oitenta carregamentos oitenta disparos oitenta espoletas oitenta balaços 12   que fosse um só tiro fossem oito ou oitocentos mas foram oitenta para matar oitenta pessoas e matou uma e matou tantas o morto era a vítima do sorteio de balas alvo por acaso mas era preto

Telma Serur o olho do corvo vê de cima a cena, 13 o carro passa na estrada do Camboatá. O sol da tarde queima, viagem que não leva a parte alguma. A história às vezes é marcha ao acaso, ao ocaso. Mundo desgovernado, amputação do passado. A boca do corvo grasna. O bico duro e negro entreaberto. Arauto da tragédia. Atocaiado atrás do monte, uma fresta da cara atrás do poste, um naco de nariz debaixo do capacete. Sítios sitiados. Delírio dos dias. A ferocidade dos elementos espancando almas. Carne penetrada. Contrações doridas. Plasma quente num jorro devastador. Imobilidade de cera. O corpo imerge vertiginoso no vazio. Joga num aquário o teu obituário, o grito surdo submerso na tarde: as trevas escondem teus olhos fechados.

sova Caio Graco a Evaldo dos Santos Rosa se à parte um hálito de iodo e ódio o açoite ora conservar seu monte a espera enturma com teu sangue se no cristálico espinhal do cárcere mais cresce a carne que o oiramento come a espera enturma com teu sangue 14 se abris ou códices ou outra farsa engorda o muco que sorveu teu nome a espera enturma com teu sangue se um coldre mouco noite noite espreita gozar o turno de seu rabo insone a espera enturma com teu sangue não te irarias agora, negro, negra, em rudo e belo tono, em soba, em bronze? a espera enturma com teu sangue

ordenação Sávio de Araújo Retrógrados raspando hastes 15 em ossos de indígenas amputados. Negros mortos pela nostalgia de um solo fraco e sem revoltas. Armas alugadas por bancos e fome lenta nos rios de lama. Bocas lambendo falsas condenações. Saberes úteis à morte da carne.

só uma ação militar Fabiano Fernandes Garcez TNããooasTe IarTanIrdaoseemm mfamiraílias São aTIngidas, feridas Tem-se as liras parTIdas São oitenta estampidos 16 SNóãoumse efanlgaa,ncoo,npsproirfaano Vão se as vidas reTIntas   TIros, TIros mais TIros TIros, TIros mais TIros TIros, TIros mais Tiros TTIIrrooss,, TTIIrrooss mmaaiiss TTIIrrooss TIros, TIros mais Tiros

poema isométrico 17 Maria Helena Vieira de Araújo aamviadnateemdocticelmosp:o agulhas de fogo em pele de virgem a cruz na orelha ddeesnnuuldaapeamrtipdaalco de jogo sem trégua no breu a travessia em queda escura edme qousesioxsafseebsrcius sas opdavoiroesememflpoarrctionza e em ponta de aço promessa de espinho

Edir Pina de Barros um ferido, um morto – negro-músico - um órfão, uma viúva, um cavaquinho mudo. Um negro-catador de papel tentou salvar vidas e não sobreviveu às balas: 18 outro órfão, outra viúva. Negro neste país é suspeito padrão, 80 tiros de fuzil, 80 certezas nas miras. A cada vinte e três minutos um negro é assassinado: no braço armado do Estado as ferramentas de extermínio

poema para tempos sombrios 19 Jorge Lucio de Campos Estou em meu tempo, jaálésmemdetemmepuo,tempo, ainda com tempo dpaerdaitzoerdoqsune óhsá. tempo   Adeinfdazaehrmá otesmalpgoo.   fErsiotoeuseommbmreiou, tempo mas com sangue nas veias.

sinfonia entreouvida numa esquina Izabela Leal vou contar uma história um tiro uma história comum dois tiros muito longa? três tiros sem começo nem fim quatro tiros excepcional? cinco tiros acontece com frequência seis tiros então não é novidade sete tiros ande logo com isso oito tiros com o pé na estrada nove tiros lá vai uma família dez tiros 20 o sol inclemente onze tiros sou toda ouvidos doze tiros já se perde a conta treze tiros mataram mineirinho quatorze tiros não interrompa quinze tiros estou curioso dezesseis tiros vamos ao que interessa dezessete tiros uma família negra dezoito tiros e nenhum espanto dezenove tiros “foi só um equívoco” vinte tiros disparados por militares vinte e um tiros qual foi a causa?

vinte e dois tiros 21 éviunmteaebtorêas ptierrogsunta confusão corriqueira? rvuinmteoeaquumatrcohátidroesbebê vinte e cinco tiros vfoini teeme gseuiasdtairluospe no meio da tarde uvimntemeússeictoe tnireogsro vinte e oito tiros vniunmte feonrdovkeatibrorasnco e um catador ptreinrdtaertaimrosa vida trinta e um tiros tnriinngtauéemdoviasitnirootsar responsabilidade não há otrihnotaráeritorêvsatriiraos trinta e quatro tiros tcreidnotapeelcainmcoanthirãos pra acordar bem disposto ltarimnteanteásveeilsitnircoidsente trinta e sete tiros htráinctoanetroaidtoiçãtioronsos fatos versões inconsistentes tsróinptraa erenlaoxvaertiros quarenta tiros cqounatriennutae ea ucomnttairros criança também manda bala qnuasarneonvtaaseedscooilsatsiros quarenta e três tiros nquãoarmenutadee dqeuaatsrsountitroos livro que é bom tá escasso

quarenta e cinco tiros já outra criança quarenta e seis tiros com os seus sete anos quarenta e sete tiros essa dentro do carro quarenta e oito tiros toda suja de sangue quarenta e nove tiros ninguém prestou socorro cinquenta tiros ainda ouviram risos cinquenta e um tiros você tem medo de quê? cinquenta e dois tiros interrompendo de novo cinquenta e três tiros de bala perdida cinquenta e quatro tiros da violência abusiva cinquenta e cinco tiros não diga tolice 22 sceinmqpureenmtaoerrseemis tailrgousns cinquenta e sete tiros gente sem importância cinquenta e oito tiros isso é muito estúpido cinquenta e nove tiros faz parte de um plano sessenta tiros preto no branco sessenta e um tiros estou chocada sessenta e dois tiros um imenso absurdo sessenta e três tiros você não sabe de nada sessenta e quatro tiros peraí vai desculpando sessenta e cinco tiros ignorante é você sessenta e seis tiros cuidado com a língua sessenta e sete tiros você não me conhece

sessenta e oito tiros 23 sveosusetnetapeegnarovneatpiroorsrada vem que eu quero ver cseatlemnatadteiirxoas pra lá setenta e um tiros sceotmenigtaoendinogisuétimrosmexe não vamos embora asecteanbteaçae etnrêtsretiarsosmãos setenta e quatro tiros csehtuenpataaequciinocomteiurops au agora o bicho pega asestseimntacoemseeiçsatiarofessta setenta e sete tiros esesttaenmtpaiedoositaootivreonsto e mais alguns disparos usemtenctoarpeonnoovecthirãoos oitenta tiros e há outros no ar

conversa sobre o brasil com um poeta chinês Claudio Daniel País tão sombrio – como um arco-íris negro; como um cão negro e outros cães, todos negros; luz negra, jade negro, pele negra, sangue negro, soldados brancos e negros que matam negros, uma, duas, três, até oitenta vezes; palavras escuras secam na boca, costurada; 24 énepnohsusímvelpensamento aqui, só o telejornal zumbi; Em qual língua é possível expressar este açougue de carne humana? Este é o relógio do medo, estes são os dez dedos do medo Há sobreviventes? Uma palavra cai, duas, três palavras, numa tigela vazia. Um rato é o nosso rei. Relâmpago ilumina flor mínima, no caminho das antiflores. 2019

Maria Jacyra Lopes 25 vento vento-vidro vveennttoo--gmrietdoo vidro quebrado vveidnrtoo espalhado medo ggrriittoo estilhaçado grito gmriutroro  tremo tcroenmvoultsrãeomo tremo confusão ddoorr dor mcoanrfuvesormelho vento mvidedroo afogo ddoorr dor ggrriittoo grito tvriebmroo estremeço tdiororsd?or dor dor ebsaclua rece estrela desestrela  apagada Silêncio

o responsável Anelito de Oliveira Vamos matar preto hoje? Vamos! É meu esporte preferido. Onde? Em qualquer lugar. Assim não tem graça. Foco, soldado, foco! Você vai achar preto matável em qualquer lugar? Todo preto é matável! Não. Sim. Quer dizer: o preto matável tem seu lugar. Nós definimos qual é o lugar certo. Questão de estratégia. Onde achamos a preta Marielle? No trânsito, no carro! Temos que definir um lugar. Rio de Janeiro é muito grande, não é? Verdade. Que tal Guadalupe? Positivo! Vamos matar preto hoje! Todo dia é dia. Com quantos tiros? Que pergunta, soldado! Ora! Com todos! Atire à 26 vontade, uma rajada! Logo que avistar o alvo. Não se esqueça: preto em carro novo é traficante! Preto catando papel é ladrão disfarçado! Dispare uma rajada, uns 80 tiros!, para lembrar a década de 80! Aquela da porra da redemocratização! Para lembrar 1888, 2018, a merda da Abolição! Ah, o oito é o número que simboliza o infinito, não é? Preto tem que morrer todo dia, toda noite, infinitamente, kkkk! Vamos matar preto lá em Guadalupe! Vamos matar preto lá em Guadalupe! Positivo e operante. Depois eu digo em rede nacional que tudo não passou de incidente, ok? O Exército não mata ninguém, o Exército é defensor do povo brasileiro, ok? Exceto pretos. Exceto índios. Exceto lgbts. Exceto pobres. Exceto povo. Sempre tem um responsável. Vai aparecer. Nada fica debaixo do tapete no Exército. O responsável vai aparecer, ok? Incidentes acontecem.

ou Mara Galvão 1 ou 2 ou 3 ou 4 ou 5 ou 6 ou 7 ou 8 ou 9 ou 10 ou 11 ou 12 ou 13 ou 14 ou 15 16 ou 17 ou 18 ou 19 ou 20 ou 21 oouu 3212 oouu 3232 oouu 3234 oouu 3245 oouu 3256 oouu 2376 oouu 3287 oouu 3298 oouu 3390 ou 40 ou 41 ou 42 ou 43 ou 44 ou 45 ou 46 ou 47 ou 48 oouu 5489 oouu 5509 oouu 5601 oouu 6521 oouu 5623 oouu 6534 oouu 6545 oouu 5665 oouu 6576 ou 67 ou 68 ou 69 ou 70 ou 71 ou 72 ou 73 ou 74 ou 75 2ou007e6soeurá7s7emoupr7e8oomue7sm9 ooucr8im0 eoucr8im1eocuri8m2eocuri8m3eocurimateé 27

gênese Wilson Alves-Bezerra No princípio era o tiro, tesão era tiro, e tiro era tudo o que tínhamos. Deus viu que o tiro era bom, e disparou a arminha. Morreram crianças nas favelas, nos colos das mães mortas, meninos e meninas. Morreram na fila do caixa os correntistas, nos braços dos gerentes os pensionistas, à míngua os endividados. No caixa eletrônico, assalariados tomavam tiros. Os velhos morreram de medo, as moças morreram de susto, de estupro e de tiro. Ganindo morreram os gatos. Os ratos morreram de tiro ao alvo. Os garotos de roleta russa, e as meninas das coronhadas dos sobreviventes. E eis 28 eqcuoenoomprieasindaenptreevviiduêqnuciea,eruambovmiv.aEàcocniêonmciiaa ndoossitsitreoms.a Cdaedsaaútdireo, certeiro um peso menor ao estado. Cada preto tombado mais carne para o churrasco dos tiros. Tiro de misericórdia não cola, só tiro de desagravo, desforra, um tiro por hora acalma, mais de um tiro se um tiro não basta. O tiro que arrasa a terra, o tiro que finaliza a guerra, o tiro que te defende de quem te ofende, o tiro de agora que garante o tiro de sempre. Cada estudante vai contente atirando, tiro contra as inimigas, tiro na cantina, tiros no intervalo, tiro na ex-namorada, tiro na professora e no servente, da mina um tiro na cara, tiro no match do tinder, tiro no pescoço, no almoço, na hora de discutir política. Para o que quer que aconteça, cabe um tiro na cabeça. Tire de mim esses dedos sujos de pólvora. Tire de mim o seu deus da arminha, disse o menino e foi então fuzilado. E o espírito de deus seguiu sua obra de balas.

excludente de ilicitude 29 Germana Zanettini oitenta tiros nnaa ffrreennttee ddoa efislphoosa oitenta tiros dfaamvaíliparanevgerra os vidros soeimtenftialtrtoirofusmê na frente da esposa oniatefnretnatteirdoos filho “é carro de família!” “véizminohroasdaodrv!”ertiram os militares ecmontaiçnãuoaram a execução oniatefnretnatteirdoas esposa na frente do filho ooimtenentaintoiros só tem sete anos ne ãisosoháé mtuadios oqupeaitem não há mais país noiatefnretnatteirdoas esposa na frente do filho oitenta tiros

o fantasma de zumbi debaixo da cama do ministro da justiça Antônio Moura Deitado em sua cama, na penumbra, o ministro ouve vozes vindas dos quatro cantos do quarto: coro: Ddeasqteuiindfoerfnuon-dnoavdioo apnoirmãoal que leva nossas vidas anmumonatvoiaadgaesmcoqmueodcuarrgaraá, por séculos, barco a uivar dageitdaodrop, ealtoé mo adresdtainhoisctróureial, de uma paradisíaca praia de um colorido país cordial a voz de marielle franco entra pela fre­s­ ta da porta: d–oFaalpaargdaemreançtaoé, sfialleanrcdiaamdeonmtoineaçrãeotireadesacdraavsizuaaçãhoumdeanuimdapdoev. o, Falar sobre raça é falar sobre a desigualdade que estrutura a nossa sociedade até hoje. 30 a voz de joaquim nabuco entra pelo ar condicionado: – A história da escravidão africana na América é um abismo de degradação e miséria que não se pode sondar. –a vOoszndeegrloismfaizbeararmreatouneindtardae pdeolaBrfarseils.ta da janela: –o Pmoidneisatcroontseucsesru...rra: Acoorboa:ter na praia, muitos nem desembarcam, apenas mdeusanbdaom, qnuoe cjáhãoos dacoonlhoevo com um abraço mortal, ncoavtaraqvueessoiamexatrrecmavaouunção, milhares nem chegarão dcoemsoovapdoors gceormaçoõelisxsoe,guintes outros corpos ainda o serão a voz de marielle franco entra pela fresta da janela:

– O corpo negro é elemento central na reprodução de 31 desigualdades. Está nos cárceres repletos, nas favelas e periferias designadas como moradias. a voz de lima barreto entra pela fresta da porta: – Liberdade era uma palavra que eu desconfiava e não confiava. o ministro volta a dizer: – Pode acontecer... coro: Os que conseguem do porto ir até a porta da casa-grande vão ao encontro do desfuturo, quando abre-se a porta da senzala fecham-se as portas pro mundo e quando a porta da senzala bate logo após a sua entrada, todas as estrelas do universo caem num buraco surdo-mudo, e ouvimos ainda agora dias, décadas, séculos depois o ranger da porta da senzala, em cada casa, em casa sala de onde partem as ordens para revestir com pele negra as paredes das cadeias a voz de joaquim nabuco entra pelo ar condicionado: – Enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá adiante mesmo que não haja mais escravos. a voz do ministro torna a repetir: – Pode acontecer... coro: E agora mesmo há pouco ouvimos o estalar da chibata na forma de 80 tiros – 80 tiros que ecoam nas ruas nos quartos, nas cozinhas, nas varandas da casa-grande e ao redor da casa-grande e para além da casa-grande onde a voz do Brasil se cala, 80 balas, de que ninguém fala, é só um carro de uma família negra – um carro senzala

a voz de lima barreto entra pela fresta da janela: – O Brasil não tem povo, tem público. a voz de marielle franco entra pela fresta da porta: – Ciclo de uma sociedade racista: enquanto mais um jovem negro e pobre é preso só por existir, mais uma mãe negra e pobre sofre com a solidão.  o ministro diz, a voz quase sem sair: – Pode acontecer... 32

o ministro, deitado, ouve um zumbido vindo de baixo da –caPmoadee,apcoarnatelcisear.d..o, só consegue dizer: 33

fábula do fuzilamento Ademir Assunção O Rio de Janeiro continua lindo... Veículo suspeito se aproximando, senhor. Qual é a cor? Branca, senhor. Totalmente branco? Sim, senhor. Não pode ser pardo? Mas existem automóveis pardos, senhor? Não estou falando do carro, imbecil. Estou perguntando a cor da pele. Da pele, senhor? Sim, da pele do suspeito. Ah, perdão, senhor. Parece que é preto. Faça mira. O Rio de Janeiro continua sendo... Senhor, parece que há crianças no veículo. Há mais de um suspeito? Sim, senhor. Quantos? Quatro. Ou cinco, senhor. Tem certeza que há criança entre os suspeitos? Não tenho, senhor. Faça mira. O Rio de Janeiro fevereiro e março... Senhor, parece que há duas mulheres no veículo. Mulheres também podem ser criminosas, não podem? Sim, podem, senhor. Alô, alô, Realengo, aquele abraço... Quantos soldados na patrulha? Doze, senhor. Todos estão fazendo mira? Nem todos, senhor. E por que não? Devo dar a ordem a todos, senhor? É lógico. Alô Torcida do Flamengo, aquele abraço... Senhor, o veículo suspeito parou no semáforo. Os meliantes estão sob mira? Não tenho certeza se são meliantes, senhor. Não perguntei se são ou não – perguntei se estão sob mira. Estão, sim, senhor. Estranho o teu Cristo, Rio... Algum movimento suspeito dos meliantes? Até o momento, nenhum, senhor. O sinal continua fechado? Continua, senhor. Que olha tão 34 longe, além... Alguma confirmação de criança no veículo? Parece que há uma criança, senhor. Ou duas. Parece ou há? Parece, senhor. Puta que pariu, não há como confirmar? O sinal vai abrir, senhor. Mantenha a mira. Com os braços sempre abertos... O sinal abriu, senhor. Todos os meliantes são pretos? Parece que sim, senhor. Abrir fogo! Sim, senhor. Mas sem proteger ninguém... Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá Tá A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e.... fogo! Senhor, senhor, os populares estão revoltados. Por quê? Estão dizendo que era uma família se dirigindo a um chá de bebê. Chá de bebê? É o que estão dizendo. Há óbito? Parece que sim, senhor. Tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente. Nota do Autor: As frases sublinhadas são das canções “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil e “Um Trem Para As Estrelas”, de Cazuza e Gilberto Gil, que poderiam estar tocando no rádio do carro do músico Evaldo dos Santos Rosa, no momento em que foi alvejado pelos 80 tiros disparados por soldados do Exército, em 7 de abril de 2019. A primeira frase em negrito é do governador do Rio de Janeiro Wilson José Witzel, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 1 de novembro de 2018, após a confirmação de sua eleição [Fonte]. A segunda frase em negrito é do Presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, em entrevista ao programa Câmera Aberta, da TV Bandeirantes, em 23 de maio de 1999, quase 20 anos antes de ser eleito [Fonte].

minions 35 Arnaldo Antunes quando dedicou seu voto ao torturador não deram importância quando elogiou pinochet stroessner hitler acharam ok quando distorceu a história, responsabilizando os próprios africanos pelos snécãuolqosuedsetisounaaerascmravidão quando incentivou o cporenccoonrdceairtaom, o racismo, a violência — o q—ue ihmahpaohrtaa, énãdoesitmrupiorrotaq! ue taí! dqaucaunldtuorafeechdaorsamdiroesitmosinhiusmtérainooss acharam legal quando extinguiram ongs e conselhos de representação social acharam graça quando transferiram o Serviço Florestal e as atribuições do Incra e da Funai para o MacinhiasrtaémriondoarmAgalricultura quando pregarraamciainl,tsoelxeurâanl,criaelcigoinotsraa a diversidade aplaudiram quando acabaram com o aumento real do salário mínimo não ligaram — hahaha, tudo bem! — o que importa é defender a família! quando a lama de Brumadinho soterrou centenas de pessoas permaneceram inertes

quando o segurança do supermercado sufocou atnéãaomporortteesotarraapmaz indefeso quandodmenetnriondosa mesactoalraaemmoSuutrzoans omeninos acirraram sua defesa do porte de armas quando o exército fuzilou com mais de 80 tiros o músico Evaldo dos Santos Rosa, num carro com sua família e Luciano Macedo, cnaotaRdioor ddee Jlaixnoe,irqou, e tentou socorrê-los não se indignaram quando o governador aceitou com riso e orgulho seu próprio retrato confeccionado com projéteis de fuzis não se envergonharam — hahaha, tá certo! — tem que matar mesmo! quando incitaram a invasão das reservas indígenas 36 quando pperleangdaenraâmncioa pvroorfaezssdoor gdaernimtropoda escola quando incendiaram os mendigos quando empurraram o peito da estudante com o fuzil quando condecoraram milicianos não viram nenhum problema — hahaha, mimimi! — acabou a mamata! quando assinaram decreto alterando as regras da lei da transparência quando ocultaram os dados da reforma da previdência quando perdoaram as dívidas dos agricultores e as multas do Ibama quandnoodmereaiomduammaagnriafevsattaaçnãoa qmueeneinxaaltqauvea coaiguovseemrnoquerer enquanto uma voz ao fundo discursava nas caixas de som

pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal 37 disseram: — o q—ue ihmahpaohrtaa, éé itsesrosauía! arma! quando comemoraram o aniversário do golpe de 64 quando assassinaram 15 jovens no morro do Fallet quando executaram 11 suspeitos em Guararema quando mais de 20 moradores morreram no desabamento dos prédios irregulares da milícia na comunidade da Muzema continuaram indiferentes quando mentiram sobre kit gay mapsteudrobfailçiãaondase anretenséns deus e demônio nazismazouldee reossqauerda terra plana doutrignlaoçbãaolinsmasoescolas marxismo cultural negaçãaomdeoaçaaquceocmimunenisttoa global acreditaram — hahaha, chora mais! — quem não gostar que vá pra Cuba! será preciso então perder toda decência ttooddoo ddierseeijtoo humano civil trabalhista uldteralpivarsesaerxtpordesossãooselimmainteisfepstoasçsãívoe?is da indignação? de boccaaniro chão uma, duas, dez,

mil vezes, incapaezrerasrdee emrruadr adredneoovpoinião? para repetir de novo o mesmo erro centenaasn, tmesildhoaraersrede vezes pendimento inevitável vertgroángihcooso? será persetcoiusoramndaios ndae ooriteelhnata, tiros mais de oitocentos tiros tmroaviesjadnedooitnenostatímmipl atinrooss, aviltando os ouvidos, tmrialhisõdese doeitteinrotas explodindo as sinapses e todas asptarroamacboertdasardeoma?pocalipse 38 abril de 2019

balada do suposto homem feliz 39 Guilherme Delgado Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz. Vladímir Maiakóvski Dizei-me onde, neste país, esse suposto homem mora. Força é ver um homem feliz! Mas o mais feliz aqui chora quando a vergonha corrobora os poderosos de plantão, pois onde um homem feliz mora, não mora Moro nem Mourão! Do ator pornô à velha atriz, que de vergonha já nem cora, gozam com a toga do juiz todos que aprovam a sonora falta de provas (muito embora não possa faltar convicção), pois onde um homem feliz mora, não mora Moro nem Mourão! O governo qual meretriz de uma pátria-metralhadora vende barato a diretriz: oitenta balas contra a aurora! Corre a vergonha mundo afora do general ao pelotão, pois onde um homem feliz mora, não mora Moro nem Mourão! Camarada, honremos agora os que sofrem perseguição, pois onde um homem feliz mora, não mora Moro nem Mourão!

comunicação interna inside comunication Marcelo Ariel pToormuemmonsegcoromo exemplo um automóvel dirigido Take as an example a black man driving a car pquareapaopdreáteicdaeve ser utilizado como material which can and should be used as material for practice odfa perxeevceunçtãiovepernefvoerncteimvaent segundo o relatório da polícia do texas-USA according to the Texas police report Esmagar uma planta venenosa com nossas botas crush a poisonous plant with our shiny boots é um ato divino segundo o Pentágono is a divine act according to the Pentagon 40 OTheexeexrecrícciioseerxeiqgueiurems annúummerboerdoeftisrhoosts equivalente ao nosso ódio por esses macacos equivalent to our hatred for these monkeys Futuramente apoiamos a construção de um muro feumtuvroelwtaedsauspfpavoerltatshe construction of a wall around the favelas iissoollaantidnog ethsseessepdearniggoesroosustetrerrorroirsitsatss do convivio com gente de bem fPraormabtehneizsaomcioasl ocosnsovildviaudmoswith good people We congratulated the soldiers einnvvoollvveiddoisnnthoeatsoanditeastaionneaamctento, para nós oitenta tiros foram poucos for we eighty shots were few deus acima de todos in god we trust

O dia de uma família negra no Brasil 41 Paulo de Toledo n oite n adir n oite n adir n oite n adir oite n ta tiros

Adolfo Montejo Navas 42

Maurício Simionato 43

Frederico Barbosa 44

Alejandro H. Mestre 45

Marcelo Sahea 46

Ricardo Corona 47

Elson Fróes 48

Augusto de Campos 49

incidente Diogo Cardoso para Evaldo dos Santos Rosa in memoriam papap papap apapa apapa papap papap apapa apapa papap papap 50 apapa apapa papap papap apapa apapa papap papap apapa apapa papap papap apapa apapa papap papap apapa apapa papap papap apapa apapa preto pobre


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