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Colóquio NEA 30 anos de história Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo Vice-Reitora Alacoque Lorenzini Erdmann Colóquio NEA 30 anos de HistóriaPreservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina Comissão organizadora: Acyr Osmar de Oliveira Comissão Catarinense de Folclore Cristyane Cesarino da Rosa Secretaria de Cultura da UFSC Francisco do Vale Pereira Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC João Pacheco Instituto Federal de Santa Catarina – Campus São José Joi Cletison Alves Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC Leonardo Hermes Lemos Acadêmico de Museologia e bolsista do NEA Sandra Pereira Secretaria de Cultura da UFSC Regina Wagner Cizerio Lira Acadêmica de História e bolsista do NEA Presidente da Comissão: Joi Cletison Alves Núcleo de Estudos Açorianos Universidade Federal de Santa Catarina

Joi Cletison Alves OrganizadorColóquio NEA 30 anos de história Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina UFSC Outubro 2016

© 2016 Universidade Federal de Santa CatarinaProjeto gráfico e editoração:Paulo Roberto da SilvaCapa:Leonardo Gomes da Silva, com base no cartaz do evento, criado por Vicenzo BertiRevisão:Cleusa I. P. RaimundoFotos:Tatiana Kviatkoski, Francisco do Vale Pereira, Joi Cletison, Lauro Cezar Votolini de Almeida,Camila Guerreiro Ramos e Murilo MeloFicha Catalográfica(Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de SantaCatarina) C719 Colóquio NEA 30 anos de história (2015 : Florianópolis, SC) Colóquio NEA 30 anos de história : preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina / Organizador, Joi Cletison Alves ; Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC (NEA). – Floria- nópolis: NEA/UFSC, 2016. 415 p. , il., tabs., mapas. Evento realizado na Universidade Federal de Santa Catarina no período de 24 a 28 de março de 2015. Inclui bibliografia. 1. Santa Catarina – História – Congressos. 2. Açorianos – Santa Catarina – História. I. Alves, Joi Cletison. II. Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC (NEA). CDU: 981.64 ISBN 978-85-64093-12-6 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzi- da, arquivada ou transmitida por qualquer meio ou forma sem prévia permissão por escrito da UFSC. Impresso no Brasil

Agradecimentos Um Agradecimento especial à Universidade Federal de Santa Catarinae ao Governo Regional dos Açores, que realizaram este colóquio NEA 30 anosde história. Agradecemos também o trabalho incansável da comissão organizadoradeste colóquio; aos artesãos que participaram da mostra “Saber Fazer”:Geraldo Germano, Newton Sousa, Lourival Medeiros, Marta Medeiros, IlsonSouza Paulo Vilalva, Osmarina Vilalva, Elita Ramos, Eliane Vieira, Rute Souzada Costa, Maria Nunes da Silva, Vania Alves, Manoel Constante, FernandoBittencourt, Vilson de Oliveira e Maria Aparecida Madalena de Oliveira; àfotógrafa Tatiana Kviatkoski; ao Grupo Folclórico Mixtura, de Bombinhas,pela belíssima apresentação e aos acadêmicos Aline da Silva, Murilo de Melo,Lauro Cesar Voltolini de Almeida e Camila Guerreiro Ramos, bolsistas doProjeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Registramos também o agradecimento a Vicenso Berti, pela elaboraçãodo material gráfico de divulgação; a Paulo Roberto da Silva pela arte e diagra-mação; e à Impressa Universitária da UFSC pela impressão do livro. O nossoagradecimento também aos mediadores das conferências, mesas-redondas,comunicações e relatos dos municípios: Acyr Osmar de Oliveira, Ana LuciaCoutinho, Aldair Nascimento Carvalho, Eugenio Lacerda, Francisco doVele Pereira, Joi Cletison Alves, Nívea Maria da Silva Bucker, Rogério JoãoLaureano, Sandra Pereira e Vilson Francisco Farias. Nosso muito obrigado aos palestrantes e pesquisadores que participaramdo evento. Para finalizar um agradecimento à DRC, em nome do Dr. PauloTeves, que viabilizou o apoio do Governo dos Açores a esta iniciativa do NEA.



SumárioApresentação........................................................................................11 Joi CletisonMesa de abertura do Colóquio.............................................................13Programa do evento..............................................................................15Conferência de abertura – Núcleo de Estudos Açorianos –30 anos de história (1984 a 2014).......................................................21 Joi CletisonConferênciaColóquio Nea: 30 anos de história. Preservandoa herança cultural açoriana em Santa Catarina..................................27 Rodrigo OliveiraUma conquista com muitos sacrifícios...............................................35 Vilson Francisco de FariasEsboço histórico dos estudos açorianos em Santa Catarina1948/2014.............................................................................................39 Nereu do Vale PereiraA circulação da memória: os açorianos de Santa Catarina ..............75 João LealSanta Catarina: um porto estratégico – Açores e Brasilséculo XVIII ...........................................................................................89 Margarida Vaz do Rego MachadoMesa-redonda“Açorianidade, ação, memória e reflexão”........................................ 109 Acyr Osmar de OliveiraAçorianidade Francisco do Vale Pereira > (Texto não apresentado)NEA: história institucional e capacitação João Pacheco > (Texto não apresentado)

Mapeamento cultural como metodologia de identificação dashibridações culturais açorianas no litoral catarinense Aldair Nascimento de Carvalho > (Texto não apresentado)Relato de um antropólogo híbrido.................................................... 113 Eugenio LacerdaSinais de resistência cultural............................................................ 119 Gelci José Coelho “Peninha”O contributo do IHGSC para os estudos açorianos no estadode Santa Catarina Augusto Zeferino > (Texto não apresentado)O consulado de Portugal e as suas relações com os Açores ea cultura açoriana (1998/2011)........................................................ 125 João LupiA construção da açorianidade em Santa Catarina, 1948-2015:IHGSC, Cascaes e o NEA................................................................... 131 Sérgio Luiz FerreiraGrupo Arcos: gestão e memória, experiências compartilhadas..... 155 Ana Lúcia CoutinhoPortugal dentro do Brasil................................................................... 169 Clair FermianoMemória: um patrimônio irrenunciável. Comunidades do distritodo Ribeirão Pequeno da Laguna....................................................... 181 Laércio Vitorino de Jesus OliveiraRelatos dos municípiosGaropaba: de vila de pescadores a cidade turística........................ 195 Cleide de SouzaCerâmica açoriana: memória viva de um povo................................ 197 Lourival MedeirosSemeando cultura nos jardins históricos do palácioCruz e Sousa...................................................................................... 199 Márcia Regina Escorteganha

Brinquedos e brincadeiras de base açoriana................................... 207 Mariângela LeiteGestão pública e patrimônio cultural – Experiência daFundação Municipal de Bombinhas................................................. 209 Nivea Maria da Silva Bucker250 anos da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos................... 221 Rogério João LaureanoA linha invisível: somos aquilo que não esquecemos!.................... 225 Rosane LuchtenbergCasa dos Açores de Santa Catarina: 15 anos de valorização,promoção e divulgação da açorianidade......................................... 227 Sérgio Luiz FerreiraAssociação folclórica mixtura........................................................... 229 Silvio Manoel Pinheiro FilhoComunicaçõesGrupo Folclórico São José da Terra Firme – São José daTerra Firme em Busca de sua Identidade Cultural........................... 233 Adriano de BritoLiteratura de tradição oral de base cultural açoriana: pistaspara o imaginário em São Francisco do Sul, SC.............................. 237 Andréa de OliveiraProjeto Cantares e Fazeres da Ilha de Santa Catarina.................... 243 Claudio Agenor de AndradeAçores e Santa Catarina: relato de uma experiência naliteratura infantil................................................................................. 247 Eliane Veras da VeigaO reacender da chama açoriana em um município multiétnico..... 253 Elza de Mello FernandesUma etnografia sobre Moacir de Souza e seu trabalho com amatéria-prima mágica, que encanta São José até osdias atuais.......................................................................................... 257 Fabiana Kretzer

Criação do grupo de cantadores e brincadores de boi demamão da EEB Maria Rita Flor......................................................... 275 Franciele Coelho BezA prática da coberta d’alma no município de Paulo Lopes ............ 289 Ibrahim CardosoA história do NEA em seu acervo fotográfico.................................. 309 Leonardo Hermes LemosGênero do discursivo oral: cantoria da ratoeira............................... 315 Luzinete Carpin NiedzielukPenha: relicário do Divino.................................................................. 329 Maria do Carmo Ramos KriegerBrasil – Descobrimento, “achamento” ou invenção? –Uma reflexão!..................................................................................... 331 Paulo Ricardo CaminhaEtnicidade portuguesa no Canadá, África do Sul e Venezuela –uma análise comparativa Victor Pereira da Rosa > (Texto não apresentado)“Ganchos/SC: a mudança na denominação do município e oreflexo sobre a memória e o patrimônio histórico”.......................... 337 William Wollinger BrenuvidaTrofeu NEA 30 anos – Troféu nea 30 anos de história................... 371Homenagens recebidas pelo NEA..................................................... 380Carta colóquio NEA 30 anos............................................................. 392Fotos do evento................................................................................. 393Participantes do colóquio................................................................. 411

Apresentação O Colóquio NEA 30 anos de História: preservando a herança culturalaçoriana em Santa Catarina foi uma promoção conjunta da UniversidadeFederal de Santa Catarina e do Governo Regional dos Açores, sendo que aorganização ficou a cargo do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC e foirealizado no período de 24 a 28 de março de 2015, em Florianópolis, SC. A proposta do Colóquio foi de ampliar os conhecimentos sobre aherança cultural açoriana em Santa Catarina e para isto convidamos pessoas einstituições que, ao longo destes trinta anos de história do NEA, participaramdeste trabalho de pesquisa, valorização e divulgação dessa cultura herdada noséculo XVIII. Convidamos também, pois não poderíamos deixar de fora desseevento científico pesquisadores e instituições dos Açores, Portugal Continentale Canadá, que há muitos anos se dedicam a investigações sobre esta temática. Organizamos um evento científico aberto à comunidade em geral comconferências, mesas-redondas, comunicações e relatos de experiências. Tam-bém tivemos lançamentos de livros, exposições temáticas e apresentações cul-turais de música e do folclore açoriano. Ao incluirmos a proposta de apresentação no formato “relatos de ex-periências”, o corpo técnico do NEA pretendia ouvir pessoas e instituições dolitoral catarinense fazendo uma análise crítica destes trinta anos de atuaçãodo NEA/UFSC na costa atlântica do nosso estado. Após as apresentações, te-mos certeza de muitos acertos, alguns descaminhos, mas o resultado geral doColóquio provou que alcançamos os nossos objetivos de valorizar, preservar edivulgar as heranças culturais deixadas pelos açorianos, a partir de meados doséculo XVIII, e que tanto contribuíram para a formação do estado e da culturacatarinense. Registro os nossos agradecimentos aos conferencistas, palestrantes,comunicadores e público participante que engrandeceram o nosso evento.Agradecemos também os apoios das seguintes instituições que contribuíramna realização do Colóquio: Universidade Federal de Santa Catarina, atravésda Secretaria de Cultura e Arte, e Governo Regional dos Açores, através daDirecção Regional das Comunidades. Meu muito obrigado à Comissão Orga-nizadora deste Colóquio, que tive a honra de presidir, pelo profissionalismo ededicação na condução dos trabalhos.

14  Colóquio NEA 30 anos de História Desejamos que a publicação desta obra possa contribuir para futurasações de pesquisa e ensino com o objetivo de valorizar a cultura de baseaçoriana em Santa Catarina. Florianópolis, setembro de 2016. Joi Cletison Alves Historiador Coordenador do Núcleo de Estudos Açorianos Universidade Federal de Santa Catarina

Mesa de abertura do Colóquio Colóquio NEA 30 anos de história: preservando a herança culturalaçoriana em Santa Catarina. Mesa de Abertura dos trabalhos no Auditório daReitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, dia 24 de março de 2015.Da esquerda para a direita: Luis Moukarzel, Secretário Municipal de Culturade Florianópolis, representando o Prefeito Municipal César Souza Jínior;Dr. Rodrigo Oliveira, Subsecretário Regional da Presidência para RelaçõesExternas do Governo Regional dos Açores; Profa. Lúcia Helena MartinsPacheco, Vice-Reitora da Universidade Federal de Santa Catarina; Sr. JaimeMoura, Secretário Adjunto de Estado de Turismo do Governo do Estado deSanta Catarina, representando o Governador do Estado de Santa Catarina,Sr. Raimundo Colombo; e o Historiador Joi Cletison Alves, Coordenador doNúcleo de Estudos Açorianos da UFSC.



Programa do eventoDIA 24 de março 9h30min – Credenciamento. Antessala do Auditoria da Reitoria da UFSC 10h – Abertura Oficial: Profa. Dra. Lucia Helena Pacheco, Vice-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina; Dr. Rodrigo Oliveira, Subsecretário Regional da Presidência para Relações Externas do Governo Regional dos Açores/Portugal; e o Historiador Joi Cletison Alves, Diretor do Núcleo de Es- tudos Açorianos da UFSC. 11h30min – Apresentação Musical: Linera, pescador cantor e herdeiro dos costumes açorianos. 12h – Almoço 13h – Apresentação Folclórica: Grupo Folclórico Mixtura de Bombinhas, Local: Centro de Cultura e Eventos da UFSC 14h – Relato de Experiências 16h30min – Intervalo 17h – Lançamento de Livros e Sessão de autógrafos: Cônsul Honorário. A experiência do estado de Santa Catarina, autoria de João Lupi; O tempo da farinha, autoria de Celso Martins; Bom-dia, ouvintes do Manhãs de Sábado, autoria de Paulo Ricardo Cami- nha; Desde o tempo da pomboca: renda de bilro de Florianópolis, de autoria de Carin Machado, Maria Armenia Wendhausen e Wilmara Machado.DIA 25 de março 9h – CONFERÊNCIA: O Núcleo de Estudos Açorianos e a revitalização da cultura de base açoriana do litoral catarinense – Prof. Vilson Francisco Farias/UFSC 10h – Intervalo 10h – MESA-REDONDA Acyr Osmar de Oliveira – Açorianidade: ação, memória e reflexões. Francisco do Vale Pereira – NEA: história institucional e capacitação. João Pacheco – Troféu Açorianidade: um relato.

18  Colóquio NEA 30 anos de História12h – Almoço14h – CONFERÊNCIA – Esboço histórico dos estudos açorianos em SantaCatarina 1948/2014Prof. Nereu do Vale Pereira/IHGSC/UFSC/NEA15h – Intervalo15h – Comunicações16h30min – Relato de experiências17h30min – Encerramento das atividadesDIA 26 de março 9h – CONFERÊNCIA – A circulação da memória: os Açores em Santa Ca- tarina (Brasil) Prof. Dr. João Leal – Universidade Nova de Lisboa – Depto de Antropo- logia/FCSH/Portugal 10h – Intervalo 10h30min – MESA-REDONDA 2 Aldair Nascimento de Carvalho – Mapeamento cultural como metodo- logia de identificação das hibridações culturais açorianas no litoral catari- nense Eugenio Lacerda – 30 Anos do NEA: relato de um antropólogo híbrido Gelci José Coelho – Resistências Culturais 12h – Almoço 14h – Exibição de documentário Santi spiritus in vias encantadas (ano 2012) Direção de Tatiana Kviatkoski/Pesquisa de Joi Cletison 14h30min – MESA-REDONDA 3 Augusto Zeferino – O contributo do IHGSC para os estudos açorianos no estado de Santa Catarina. João Lupi – O Consulado de Portugal e a relação com os Açores e a cultura açoriana. Sergio Luiz Ferreira – Construção da açorianidade em Santa Catarina – 1948-2015: IHGSC, Cascaes e o NEA. 16h – Intervalo 16h30min – Comunicações 17h30min – Encerramento das atividadesDIA 27 de março 9h – CONFERÊNCIA: Santa Catarina um porto estratégico: Açores-Brasil no século XVIII

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  19Profa. Dra. Maria Margarida Mendonça Vaz Machado da Universidadedos Açores10h – Intervalo10h30min – MESA-REDONDA 4Ana Lucia Coutinho – Patrimônio e memória: experiências compartilha-das pelo Grupo Arcos Pró-Resgate da Memória Histórica, Artística e Cul-tural de BiguaçuClair Fermiano – Portugal dentro do Brasil: Grupo Açor Sul.Laércio Vitorino de Jesus Oliveira – Memória: um patrimônio irrenunciá-vel – comunidades do distrito de Ribeirão Pequeno da Laguna.12h – Almoço14h – Exibição de documentário 19o AÇOR – Festa da Cultura Açoriana deSanta CatarinaDireção de Tatiana Kviatkoski14h30min – Comunicações15h30min – Intervalo16h – Relato de experiências17h30min – Encerramento das atividadesDIA 28 de março Passeio as Fortalezas do Norte da Ilha de Santa Catarina, construídas pelos portugueses no século XVIII. Saída: 9h – Trapiche da Praia das Flores no SambaquiPrograma Cultural EXPOSIÇÕES: ILHA TERCEIRA/ILHA DE SANTA CATARINA: UM PA- RALELO ICONOGRÁFICO Local: Hall da Reitoria da UFSC, de 24 a 28 de março de 2015. A exposição traça um paralelo das Ilhas (Terceira nos Açores/Portugal e a de Santa Catarina/Florianópolis). Através de imagens do século XX, as ima- gens nos apresentam vários aspectos da cultura açoriana, como: costumes, tradições, folclore, arquitetura e saber fazer, que evidenciam as semelhanças de cá com o além-mar. Organização e Pesquisa de Paulo Ricardo Caminha PRESENÇA AÇORIANA NA ILHA DE SANTA CATARINA Local: Hall da Reitoria da UFSC, de 24 a 28 de março de 2015. A exposição fotográfica com imagens feitas na Ilha de Santa Catarina, am- pliadas em papel fotográfico, nos mostram a arquitetura, festas populares,

20  Colóquio NEA 30 anos de Históriacostumes e o folclore herdado dos açorianos que aqui chegaram a meadosdo século XVIII.Fotografias: Joi CletisonCULTO AO ESPÍRITO SANTOLocal: Hall da reitoria da UFSC, de 24 a 28 de março de 2015.A proposta dessa exposição é mostrar a maior herança cultural que os aço-rianos nos deixaram na religiosidade. Apresenta várias alfaias que são utili-zadas na realização do Culto ao Divino Espírito Santo, no litoral do estadocatarinense, e uma Coroa do Espírito Santo vinda dos Açores.Curadoria: Francisco do Vale Pereira e Joi CletisonAÇORESLocal: Auditório da Reitoria da UFSC, de 24 a 28 de março de 2015.A exposição fotográfica com imagens feitas em várias Ilhas do Arquipélagodos Açores, mostram arquitetura, festas populares, costumes tradicionais,e também as belezas naturais do arquipélago. Na exposição poderemos verimagens das Ilhas do Pico, São Jorge, Terceira, Graciosa, Faial, São Miguele Corvo.Fotografias de Joi CletisonIMAGENS AÇORESLocal: Espaço Cultural do NEA de 2 de fevereiro a 27 de março de 2015.Exposição de fotos em cores, ampliadas em papel fotográfico brilhante,mostra os vários aspectos do Arquipélago dos Açores, principalmente asfreguesias rurais e sua religiosidade, e também as belezas naturais.Fotografias de Mauricio de Abreu/PortugalPROJETO SABER FAZERLocal: Hall da Reitoria da UFSC de 24 a 28 de março de 2015Demonstração dos mestres dos saberes e fazeres: produção de cerâmica uti-litária, tecelagem manual, confecção de rendas de crivo e bilro, cerâmicafigurativa e outros.RENDAS DE BILROCasa dos Açores da Ilha de Santa Catarina e Fundação Franklin CascaesRendeiras: Elita Ramos e Eliane VieiraCERÂMICA UTILITÁRIA 1Olaria Beira Mar de São JoséOleiros: Geraldo Germano e Newton Sousa

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  21CERÂMICA UTILITÁRIA E FIGURATIVAEscola de Oleiros Joaquim Antônio Medeiros, de São JoseOleiros: Lourival Medeiros, Marta Medeiros e Ilson SouzaRENDAS DE CRIVOCriveiras: Rute da Cota, Vânia Alves e Maria Nunes da SilvaTECELAGEM MANUALTecelões: Vilson de Oliveira e Maria Aparecida Madalena de OliveiraCERÂMICA FIGURATIVACeramistas: Paulo e Osmarina VilalvaCARPINTARIA NAVALPrefeitura Municipal de GaropabaArtesão: Manoel Constante e Fernando BittencourtAPRESENTAÇÃO GRUPO FOLCLÓRICO MIXTURA DE BOMBI-NHASData: 24 de março de 2015, às 13hLocal: Centro de Cultura e Eventos da UFSCMÚSICA EM SANTO ANTÔNIO DE LISBOAData: 25 de março de 2015, às 21h30minLocal: Bar dos Açores – Santo Antônio de LisboaRealização:



Núcleo de estudos açorianos – 30 anos de história (1984 a 2014) Joi Cletison Após a dissolução da União Ibérica no ano de 1640, começou a disputapor terras no Brasil meridional. Portugal e Espanha assinam o Tratado Utpossidet e começa a corrida das duas coroas para ocupar este território noBrasil meridional. Portugal cria a Capitania de Santa Catarina em 1738. Em1746, foi publicado nos Açores o Edital Régio, convocando casais açorianospara migrarem para o Sul do Brasil. A saga dos colonizadores AÇORIANOS, que em meados do século XVIIIchegaram ao Sul do Brasil e deixaram sua marca indelével na cultura regional,destaca-se como uma das mais importantes operações de transferência depopulação realizada pelo Império Português em toda a sua história. Num curto período de oito anos (1748 a 1756), foram transportadospara a Ilha de Santa Catarina, o litoral catarinense e para o Rio Grande doSul mais de 6.000 açorianos, mesclados de alguns madeirenses e portuguesescontinentais. Esses ilhéus foram responsáveis pela efetiva ocupação da nossacosta atlântica, e hoje há 45 municípios do litoral que têm como base culturalo Arquipélago dos Açores. Para um arquipélago que possuía, em 1745, uma população de poucomais de 140.000 habitantes, distribuídos em nove ilhas – Santa Maria, SãoMiguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Faial, Pico, Flores e Corvo –, a saída deum considerável número de pessoas causou um forte impacto populacionalem muitas vilas dos Açores, principalmente na região central, que pediuprovidências à Coroa Portuguesa para estancar a sangria populacional. Tinham preferência de embarque no porto de Angra do Heroísmo,Ilha Terceira/Açores, as famílias já constituídas, ou seja, pai, mãe e filhos. Era

24  Colóquio NEA 30 anos de Históriaa estratégia da Coroa Portuguesa a migração em casais para o Sul do Brasil,portanto, o esquema de famílias constituídas funcionou muito bem. A migração em “casais” colaborou para permanência nos locais ondeforam assentados, e foi, com certeza, a maior contribuição para a manutençãodessa identidade cultural em terras tão distantes e diferentes. Essas famíliastrouxeram consigo a sua cultura, seu modo de ser e seu saber fazer, suareligiosidade, suas lendas, crenças e mitos. Aqui, aqueles que vieram reproduziram em famílias o modo de vida quetinham nos Açores, as formas de trabalhar a terra, construir suas casas, produzirsuas roupas e utensílios, preparar seus alimentos, cultuar sua religiosidade e,também, o seu modo de se divertir com as danças e músicas. Passados mais de 267 anos do processo migratório, o litoral catarinenseainda mantém fortes traços de originalidade de uma cultura multissecular quefoi implantada no século XVIII pelos colonizadores açorianos. A dinâmicasociocultural e demográfica do imigrante açoriano contribui de forma decisivapara as feições dos padrões culturais da região litorânea catarinense, pois hojemais de quarenta cidades mantêm um referencial da cultura açoriana na nossacosta atlântica. A expansão horizontal dessa população ao longo da costa catarinensee fundo dos vales litorâneos influenciou na construção de uma identidaderegional com forte matriz cultural de origem açoriana. Claro que, ao logo desseperíodo, essa cultura sofreu influências de outras culturas, como a indígena, aafrodescendente e também a dos alemães, italianos e poloneses, que chegaramum século depois; mas podemos afirmar, com muita certeza, que a identidadecultural do litoral catarinense tem a herança açoriana. Para caracterizar essa cultura do litoral catarinense, usamos a expressãocriada pelo historiador Vilson Farias: “cultura de base açoriana”. Cultura estafortemente marcada pela religiosidade, que perpassa pelo folclore, lendas e mitos,literatura popular, hábitos e costumes, artesanato, arquitetura, brincadeirasinfantis e até mesmo na gastronomia originária no Arquipélago do Açores. O Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, em seus 30 anos de atuação,é o maior responsável pela salvaguarda dessas tradições, pois, ao longodesse período, trabalhou com a investigação dessas heranças culturais,principalmente atuando na valorização, divulgação e preservação desse legadocultural. Para falarmos da história do NEA, voltamos ao I Congresso Catarinensede História Catarinense, realizado entre os dias 5 e 12 de outubro de 1948,pois foi a primeira proposta de reconhecimento do valor da cultura herdadados imigrantes açorianos. Durante o congresso, fez-se a comemoração dos200 anos da chegada dos açorianos em Nossa Senhora do Desterro, na Ilha

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  25de Santa Catarina. Participaram desse evento reconhecidos pesquisadores doBrasil e Portugal, os quais debateram a temática da epopeia açoriana no Brasilmeridional. Entre eles, podemos citar alguns nomes aqui de Florianópolis,como Henrique da Silva Fontes, Nereu do Vale Pereira, Oswaldo RodriguesCabral e Walter Fernando Piazza. Em meados dos anos 1980, depois de passados mais de trinta anos doI Congresso de História Catarinense, volta-se a falar com muita força nosaçorianos em Santa Catarina, e é criado o Núcleo de Estudos Açorianos daUniversidade Federal de Santa Catarina (<www.nea.ufsc.br>). O NEA foicriado no ano de 1984 (Portaria no 0483/GR/1984) com objetivo de fazerinvestigação sobre a epopeia açoriana no Sul do Brasil. A criação do NEA começa com um movimento de vários pesquisadorese estudiosos da temática açoriana. Na UFSC, estávamos na gestão do professorErnani Bayer, que, com uma visão de futuro, decide encampar esse desafioe convida vários professores para discutir a temática açorianista dentro daacademia. Surge, então, a decisão de assinar um protócolo de cooperação com arecém-criada Universidade dos Açores, e o professor Ernani Bayer se empenhapessoalmente nessa missão. Em 5 de abril de 1984, recebíamos aqui na Universidade Federal de SantaCatarina o professor Antônio Machado Pires, então reitor da Universidadedos Açores, para, em conjunto com o reitor da Universidade Federal de SantaCatarina, professor Ernani Bayer, firmarem o protocolo de cooperação eintercâmbio. Coube ao então reitor da UFSC, o professor Rodolfo Joaquim Pinto daLuz, assinar a Portaria no 483/GR/1984, no dia 5 de setembro de 1984. Com isso,estava então criado o Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federalde Santa Catarina. Registramos aqui um agradecimento muito especial aosreitores da UFSC: Ernani Bayer e Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, pela corageme ousadia de trazer para a academia a temática açoriana, pois foi a primeira vezque conseguimos reunir vários intelectuais para pesquisarem e trabalharemessa temática dentro de uma universidade federal. O departamento de Sociologia da UFSC convidou alguns estudiosospara fazerem parte do primeiro grupo de pesquisadores sobre cultura açorianana universidade, o embrião do NEA, entre eles podemos citar: Carolina GallotiKoening, Celestino Sachet, Doralécio Soares, Franklin Casces, Luís CarlosHalfpap, Nereu do Vale Pereira, Osvaldo Cabral, Vitorino Seco, Vilca Merisio,Vilson Farias e Zuleika Lenzi. Nas últimas décadas do século XX, assistiu-se, em razão de múltiplosfatores, a um processo acelerado de transformação dos padrões socioculturais

26  Colóquio NEA 30 anos de Históriadas populações litorâneas. Tais transformações produziram um distanciamentoprogressivo dos descendentes de açorianos (7a e 8a gerações) da cultura deorigem e das tradições. As dificuldades em manter valores culturais tão originaisse tornou um verdadeiro desafio diante da expansão do turismo balneário naregião e do avanço da mídia televisiva, que introduziu novos valores culturais eapelos mercadológicos, colocando em risco de desaparecimento os tradicionaisvalores culturais regionais. Então, o que fazer? Em 1992, assume o Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC um grupo deidealistas que ousou romper com os muros da universidade, propondo açõesinterativas, envolvendo pesquisadores universitários, professores do ensinosecundário, administrações públicas e privadas, numa verdadeira cruzada emdefesa da cultura de base açoriana. Pesquisar, orientar, interagir culturalmente,promover eventos e capacitar professores, pesquisadores e integrantes degrupos culturais locais, e orientar projetos de revitalização cultural foramações que provocaram verdadeira revolução no litoral catarinense. Agora, noNúcleo de Estudos Açorianos, fazemos investigações, mas com o compromissode devolvê-las à comunidade pesquisada. Iniciamos, no final da década de 1990, o Mapeamento da CulturaAçoriana no litoral catarinense: um projeto multidisciplinar, interinstitucionale permanente, que pretende agir de forma integrada nos campos da educação,cultura e turismo, buscando tornar a prática de valores culturais não apenassimbólica, mas concreta, e que permita às comunidades usufruírem seuspróprios valores. Com esse projeto, o NEA tem atuado sistematicamente ao longo dolitoral catarinense, realizando a capacitação de professores da rede municipal eestadual de ensino fundamental e médio para serem os agentes do mapeamento.Hoje temos 85% do território mapeado. A coordenação desse trabalho à frente do Núcleo de Estudos Açorianos,entre 1992 e 2000, foi feita pelo professor Vilson Francisco de Farias e teve aparticipação fundamental de Acyr Osmar de Oliveira, Ana Lúcia Coutinho,Eugênio Lacerda, Francisco do Vale Pereira, Gelci José Coelho, Jaecir Monteiro,João Lupi, Joi Cletison Alves, Nereu do Vale Pereira e Sileide Lisboa, além dedezenas de outros colegas que ainda integram o Conselho Deliberativo doNúcleo de Estudos Açorianos. No ano de 2000, assumiu a coordenação doNEA o historiador Joi Cletison, que permanece até os dias de hoje. Desde as primeiras reuniões, no início dos anos de 1990, até os diasatuais, foram realizados centenas de cursos de capacitação, envolvendomilhares de pessoas, especialmente professores que atuam no ensinofundamental e médio.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  27 Festas em prol da valorização e reoxigenação da cultura herdada dosaçorianos foram realizadas, tornando-a referencialmente regional. Dezenasde grupos folclóricos e práticas culturais diversas foram revitalizadas. Essadinâmica, que já dura mais de duas décadas, continua assombrando o meiouniversitário, pois se mantém em plena ação, liderada por um ConselhoDeliberativo composto por representantes de mais de 60 instituições comrepresentação do litoral de Santa Catarina. Hoje atuamos em 45 cidades, comuma população de mais 1,5 milhão de habitantes, localizados ao logo de 600quilômetros de costa atlântica. Nesses trinta anos de história, o NEA organizou várias SemanasAcadêmicas de Estudos Açorianos, o 1o Congresso Internacional das Festas doEspírito Santo, o 1o Encontro Sul Brasileiro de Comunidades Luso-Açorianase Colóquio comemorativo aos 260 anos de Herança Açoriana. Além disso, incentivamos a criação de vários monumentos,homenageando a presença açoriana no estado catarinense, e também apublicação de centenas de livros e produção de vários documentários sobre atemática açoriana. Em 1994, criamos a AÇOR – Festa da Cultura Açoriana de SantaCatarina, um evento rotativo, que a cada ano acontece em uma cidadediferente do litoral de Santa Catarina. Nos três dias em que acontece a festa,concentramos em um mesmo local o que temos de mais original da herançaaçoriana no folclore, gastronomia, religiosidade e no saber fazer. Durante o anode realização da festa, o NEA/UFSC faz um trabalho de capacitação junto aosprofessores da rede municipal, no sentido de valorizar e preservar a identidadecultural açoriana na cidade-sede do AÇOR. No ano de 2015, em sua 22a edição, a Festa da Cultura Açoriana de SantaCatarina aconteceu entre os dias 2 e 4 de outubro, na cidade de Bombinhas,nas unidades de ensino do município. No ano de 1996, o Conselho Deliberativo do Núcleo de EstudosAçorianos da Universidade Federal de Santa Catarina criou o TroféuAçorianidade, com objetivo de reconhecer e valorizar o trabalho de instituições,pessoas e empresas em prol da cultura de base açoriana do estado de SantaCatarina. Com esse troféu, que é entregue anualmente, o NEA tem procuradoreconhecer a dedicação dessas pessoas e instituições à causa da culturaaçoriana. Anualmente são entregues dez troféus. Nove deles são nominadospelas nove ilhas do Arquipélago dos Açores. O décimo troféu leva o nomeda Ilha de Santa Catarina, que carinhosamente chamamos de décima Ilha doArquipélago dos Açores. Na sede do NEA, mantemos um espaço cultural com exposiçõespermanentes da temática açoriana, e temos uma biblioteca com mais de 1.500

28  Colóquio NEA 30 anos de Históriatítulos (livros, músicas e documentários) – muitos dos quais inéditos noestado –, disponíveis à comunidade em geral para pesquisas e consultas.Registramos aqui o nosso agradecimento à Direção Regional das Comunidadesdo Governo dos Açores, que tem feito sistematicamente doações de livros àbiblioteca do NEA. Nestes longos anos de atuação, o Núcleo de Estudos Açorianos temmantido convênios com o Governo Regional dos Açores, com a Universidadedos Açores e com outras instituições no continente português, os quais têmproporcionado vários intercâmbios de pesquisadores, grupos folclóricos,estudiosos, artistas e artesões. Também temos intermediado o Projeto CidadesIrmãs, geminando cidades catarinenses a cidades açorianas. Nestas três décadas de existência, o NEA/UFSC tem oportunizadocentenas de pesquisas e orientado muitas teses, dissertações e trabalhos deconclusão de cursos sobre a temática açoriana. Hoje trabalhamos em parceriascom vários departamentos de ensino da Universidade Federal de SantaCatarina em ações no ensino, pesquisa e extensão. O papel do Núcleo de Estudos Açorianos, da Universidade Federal deSanta Catarina, liderando as ações no litoral catarinense, em parceria com oGoverno da Região Autônoma dos Açores, é uma das únicas experiências quese conhece mundialmente de parcerias interinstitucionais, independentementede cores partidárias e de níveis sociais, em prol da defesa e valorização dacultura popular, numa área de 15.000 quilômetros quadrados, com a extensãode 600 km de costa atlântica, onde vivem mais de 1,5 milhões de habitantes,distribuídos em 45 municípios, que ainda mantêm a CULTURA DE BASEAÇORIANA. Hoje, três décadas depois, o orgulho pela identidade cultural de origemaçoriana se tornou um forte componente regional, produzindo um verdadeiromilagre de revitalização cultural, com a retomada de grupos folclóricos evalores culturais em risco de desaparecimento. O amor e a persistência são forças que movem esses heróis em defesa dacultura popular de base açoriana de Santa Catarina. Parabéns a todos nós, quenos sentimos com identidade cultural açoriana. Ilha de Santa Catarina, outono de 2015.

Colóquio Nea: 30 anos de história. Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina Rodrigo OliveiraSenhora Reitora em exercício da Universidade Federal de Santa Catarina,Senhor Secretário Adjunto do Turismo do Governo de Estado de Santa Catarina,Senhor Secretário Municipal de Cultura de Florianópolis,Senhor Coordenador do Núcleo de Estudos Açorianos,Senhor Presidente da Casa dos Açores da Ilha de Santa Catarina,Senhor Diretor Regional das Comunidades,Senhoras e senhores Conferencistas, Convidados,Minhas Senhoras e meus Senhores, Começo por dirigir aos membros da mesa e a todos os presentes, emnome do Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores, VascoCordeiro, uma fraterna e calorosa saudação. Expresso também, nestas palavras iniciais, a grande satisfação comque participo neste Colóquio, oportunamente organizado em celebração do30o aniversário do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federalde Santa Catarina. Constitui, efetivamente, um imenso privilégio integrar aAbertura Solene de tão importante evento, que nos reúne em torno do tema“Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina”. Gostaria, por isso, de cumprimentar, de um modo particular, o Coor-denador do Núcleo de Estudos Açorianos, Professor Joi Cletison Alves, e, atravésda sua pessoa, saudar e lembrar o trabalho de todos os anteriores diretores doNEA, pelo desempenho impulsionador na direção desta instituição.

30  Colóquio NEA 30 anos de História Cabendo-me a honra de representar os Açores e os açorianos de hoje– irmãos do povo catarinense – tenho o grato dever de aqui manifestar omais profundo reconhecimento a todos quantos, durante os últimos 30 anos,contribuíram com o seu esmero, dedicação e entusiasmo para a criação edesenvolvimento deste importante centro de saber e, acima de tudo, para oresgate, preservação e divulgação da nossa matriz cultural comum. Permitam-me, ainda, que deixe uma palavra de sincera homenagem atodos os pioneiros que, durante a segunda metade do século XX e antes dacriação do NEA – em especial no âmbito e após o I Congresso Catarinense deHistória de 1948 –, se dedicaram ao resgate e estudo do património identitárioaçoriano existente no Sul do Brasil. Caras e Caros Amigos, Tão importante como a tarefa de valorização e preservação cultural,esta persistente procura das raízes catarinenses – de que o Núcleo de EstudosAçorianos é exemplar – constituiu o ponto de partida para, numa primeirafase, reencontrar e, depois, aprofundar os laços afetivos entre os Açores e o Suldo Brasil. Hoje, com orgulho, podemos dizer que, passados mais de dois séculos emeio do povoamento do Sul do Brasil, açorianos e catarinenses não são maisaqueles parentes distantes, dos quais ouvimos falar, mas pouco sabemos ouconhecemos. Já assim foi, mas não o é mais. Felizmente, os nossos povos estão hoje ligados por profundos laços deamizade, alicerçados nestes antepassados e numa matriz identitária comum,mas também no conhecimento, no respeito e na admiração recíprocos, bemcomo no trabalho conjunto e em parceria que tem sido desenvolvido. Neste ponto, são precisamente as instituições que representam os nossospovos e que perseguem os seus interesses, perpetuando-os no tempo. No caso dos Açores, quer a nossa universidade, quer o nosso Governo– ambos com quase quatro décadas de existência – têm desempenhadocabalmente esta nossa missão de trabalhar para a descoberta e aproximação detodas as décimas ilhas dos Açores. Assim, nos anos oitenta, é a Universidade dos Açores que, pela primeiravez, vem a Santa Catarina, numa comitiva liderada pelo então Reitor, Prof. Dr.Machado Pires. E, no final da década de noventa, em 1997 mais precisamente,o Governo dos Açores cria a Direção Regional das Comunidades, fundando-se dois anos depois, com o seu apoio, a Casa dos Açores da Ilha de SantaCatarina, ano em que são também celebrados os primeiros protocolos decooperação cultural entre o Governo dos Açores, o Governo de Santa Catarinae a Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  31 Ou seja, por força do trabalho e empenhamento das instituições, somos,açorianos e catarinenses, parentes próximos que se reencontraram e que, hoje,frequentam a casa uns dos outros, conscientes do sentimento familiar que nosune e que, acima de tudo, no faz sentir em casa, seja nos Açores, seja em SantaCatarina. O Núcleo de Estudos Açorianos tem a responsabilidade acrescida emaior nesse processo, sendo certo que, a partir da sua fundação em meadosdos anos oitenta, ano após ano, surgem cada vez mais estudos, pesquisas,manifestações culturais e organizações que sustentam e conferem solidez aopilar identitário que nos é comum e que nos aproxima. Esta é, assim, uma História que o Governo dos Açores se orgulha ese empenha em conhecer e em dar a conhecer, nos Açores e no mundo, nãoapenas os antepassados e uma matriz cultural muito nossa, mas o resgate quefoi possível fazer dessa herança. Acima de tudo, nos Açores, sabemos bem que é também através danossa diáspora, independentemente da distância temporal ou geográfica,que reforçamos a nossa identidade, que valorizamos a nossa História e queprojetamos a real dimensão e papel no mundo das ilhas e do povo açoriano.Caras e caros amigos Reparemos como é interessante esse caminho que açorianos ecatarinenses têm vindo a trilhar desde meados do século XX: mais a norte, paraconstruir a unidade de nove ilhas açorianas, mais a sul, com vista a resgatar amemória e legado desta décima ilha dos Açores. Na verdade, é precisamente a partir de meados do século passado quepensadores e intelectuais começam a debater aquilo que Vitorino Nemésiotão bem apelidou de açorianidade, do mesmo modo como, por exemplo, nasSemanas de Estudo dos Açores, impulsionadas por José Enes (que depoisseria fundador e primeiro reitor da nossa Universidade), se começa a pensar aunidade regional. Em Santa Catarina, como vimos já, é também a partir dessa altura epor força do movimento iniciado pelo Congresso de História Catarinense, quecomeça a redescoberta das raízes açorianas e o reencontro com essa matrizcultural que nos é comum. E foi este caminho trilhado, por cada povo e pelas suas instituições, ea milhares de quilómetros de distância, que permitiu, já nos finais do século,a meados da década de 1980, a criação deste Núcleo de Estudos Açorianos,

32  Colóquio NEA 30 anos de Históriaassim como tinha permitido alguns anos antes a fundação da Universidadedos Açores. Foram esses movimentos, em última análise, que levaram, a que, hoje,tanto nos Açores como em Santa Catarina, a consciência de uma irmandadeatlântica e cultural não pertença apenas a uma elite, mas antes tenha sidodevolvida e seja agora sentida pelas populações de todas as ilhas dos Açores,do hemisfério norte e do sul. Caras e Caros Amigos, A epopeia açoriana neste estado do Sul iniciou-se a partir do séculoXVIII, em consequência da Provisão Régia de 9 de agosto de 1747, a qual,através de editais colocados em todas as freguesias do arquipélago, procuravaatrair casais açorianos para povoarem o Sul do Brasil. Essa regulamentação real corresponderia, ainda, às pretensões doprimeiro Governador da Capitania de Santa Catarina, José da Silva Paes, que,por diversas ocasiões, sensibilizou o Reino português para a necessidade dereceber emigrantes açorianos naquele espaço. Não iremos desenvolver esta vertente histórica, mas é importantesalientar que o Governador da Capitania advogava que tal migração das ilhasampararia duas situações: – num primeiro plano, aliviava as ilhas açorianas do sobrepovoamento e da escassez de recursos, o que responderia aos inúmeros pedidos de saída que muitos açorianos solicitaram junto do Rei; – num segundo plano, supriria determinadas necessidades do Brasil, na medida em que era necessário aumentar as áreas de terras cultiváveis, fortalecer as defesas fronteiriças, bem como reforçar o número de efetivos nas tropas, através dos descendentes dos futuros emigrantes. Embora conscientes de que a viagem significaria um – mais que certo,penoso e imenso – desafio a ultrapassar, centenas de casais açorianos, animadospor uma forte esperança alicerçada nas suas crenças religiosas, mas também esempre, na perspetiva de um futuro melhor, mergulharam na aventura do imensomar e partiram em busca do desconhecido, das promessas anunciadas pelo Rei –os pedaços de terra (o quarto de légua em quadra), as alfaias, um novo mundo. A bordo dos “Jesus, Maria e José”, “Senhor do Bonfim” e “SantaAnna”, esses homens e mulheres, verdadeiros heróis, saíram das nossas ilhas,numa viagem que se imagina tormentosa pelas intempéries e doenças e queterminaria no Porto do Desterro, a 6 de janeiro de 1748. Uma viagem semretorno, efetuada com a convicção de encontrar no outro lado do mundo umnovo lar, longe do desamparo das ilhas de origem.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  33 Essa decisão abrangia famílias inteiras, compostas, maioritariamente,por jovens casais e com filhos pequenos. Vários historiadores referem, aliás,que a manutenção dos valores identitários e a preservação secular das tradiçõesdevem-se, precisamente, a essa ambiência familiar. Longe do espaço arquipelágico, os casais açorianos, as famílias deilhéus, mantiveram, assim, a estabilidade emocional, facto que lhes permitiutransmitir aos filhos a matriz cultural das suas origens, assim como as artes dosseus ofícios, adaptando-os à nova realidade. Os açorianos conseguiram aqui, desde cedo e apesar das vicissitudesda integração num meio completamente desconhecido e diferente, contribuirpara o desenvolvimento deste estado, assim como do Sul do Brasil, em especial,na fixação das atuais fronteiras deste grande país irmão. As capacidades do povo açoriano, indispensáveis à sobrevivência na ilha,tantas vezes insegura e pérfida, foram aliás reconhecidas, ao longo dos anos,por diversas individualidades que tiveram contacto com estes povoadoresilhéus e seus descendentes. Osvaldo Ferreira de Melo, destacado filho desta ilha e tambémdescendente de imigrantes açorianos, conseguiu reunir alguns testemunhosde viajantes que passaram por Santa Catarina e que retrataram o povo que cáhabitava. Dos diversos depoimentos, concluímos que é unanime a apreciaçãodo povo catarinense, destacando a sua hospitalidade, cordialidade e aptidões.De igual modo, referem que esses açorianos abatiam o seu próprio gado,construíam os seus móveis e casas, costuravam as suas roupas, pescavam ecaçavam, e muitos deles eram mesmo tecelões. Para nós, açorianos que vivemos no outro lado do Atlântico, nãodetetamos grandes diferenças, sempre que aqui nos encontramos. Pelocontrário, sentimo-nos em casa, como já referi, em casa de familiarespróximos... muito próximos e amigos. Facilmente, nos revemos e a nossa terra, na arquitetura das casas, noempedramento das calçadas, na delineação das igrejas e impérios, na fisionomiados nossos conterrâneos, na maresia e, até mesmo, num certo linguajar ondeos provérbios assumem grandes semelhanças. Mas o património herdado dos casais açorianos é muito maior e maisabrangente, em várias e tantas vertentes: no artesanato, através das rendas,bordados, tecelagem e cerâmica; na culinária, recorrendo-se e adaptando-se aos produtos locais; nos nomes de família; na religiosidade, nas Festas doDivino; no folclore, que enforma a música e a dança, e também brincadeirase jogos; na literatura (contos, adivinhas, rimas); e, até, no misticismo dedeterminadas crenças, nas lendas e superstições.

34  Colóquio NEA 30 anos de História Ciente de que esse valioso património humano edifica e complementaa nossa história de mais de cinco séculos, a Região Autónoma dos Açores, nãoapenas através do seu executivo mas também de outras instituições – e destacariade um modo muito especial a Universidade dos Açores –, tem estimulado asnossas relações, as quais vão para além da afetividade que nos une. Vitorino Nemésio, grande vulto da cultura açoriana, fazendo referênciaao fenómeno emigratório açoriano no seu livro Corsário das Ilhas escreveu:“A verdade é que o Açoriano, embora comedido e pausado nos gestos, civilizoulargamente as suas ilhas e ainda teve vagares para ajudar a fazer a terra alheia,sobretudo o Brasil e a América.” A realidade é que os Açores, nove pedaços de lava cravados no imensoAtlântico, só se complementam com a décima ilha: as nossas comunidades, anossa diáspora. O fato de estarmos aqui, hoje, a comemorar os 30 anos de atividade deuma instituição de referência neste estado e nos Açores, significa também queestamos a homenagear todos os açorianos, seus descendentes e amigos dosAçores, pela constante dedicação às suas raízes. O nosso arquipélago, as nossas ilhas, todas elas… não são e nuncaserão um limite, mas sim a definição da nossa forma de ser e estar no mundo,ancorados pela mesma raiz identitária: a açorianidade. Caras e Caros Amigos Como vimos já nestas palavras, o que a distância geográfica e temporalseparou, o trabalho das instituições (que é o da pessoas) voltou a unir. Este prolongamento no tempo e no espaço deve-se, acima de tudo, àafetividade que nos é comum, em que o relacionamento académico e políticodá maior amplitude e responsabilidade. Apraz-me, pois, destacar o importante contributo dos investigadorese historiadores, das autoridades locais, do associativismo, bem como dediversos grupos, para a manutenção da história do povo açoriano no estadode Santa Catarina. Sem a convergência desses atores e a força da comunidadeaçoriana e açordescendente, não seria, de todo, possível estarmos aqui hojereunidos. A importância das várias gerações que aqui chegam à décima ilhaintensifica, reforça e amplia o valor da açorianidade. Não vou naturalmente desenvolver a história da instituição que nosacolhe aqui hoje – o Núcleo de Estudos Açorianos, criado em 1984 –, mas nãoposso deixar de salientar que este departamento veio contribuir decisivamentepara um maior aprofundamento sobre a história dos povos catarinense eaçoriano, que estão entrelaçados neste espaço territorial.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  35 Ao longo dos anos, o NEA foi-se adaptando às necessidades e prioridadesde expansão da investigação e dinamização de diversos nichos de raiz açorianaem Santa Catarina. Atualmente, as suas parcerias com mais de quarenta municípios catari-nenses, numa abrangência territorial de quinze mil quilómetros quadrados ede mais de um milhão de pessoas, conferem uma impressionante relevância,não apenas no mundo académico, mas também na redescoberta das raízes deinúmeras pessoas, locais, instituições e manifestações. Todo esse trabalho desenvolvido tem sido, ao longo dos anos, alvo deparceria e apoio do Governo dos Açores, na prossecução de iniciativas queconvergem para uma maior divulgação da presença açoriana no mundo. Esse importante parceiro do executivo açoriano tem permitidoexpandir o conhecimento da história que é de todos nós, fortalecendo o nossorelacionamento e cooperando no nosso desígnio de manter as nossas tradiçõesidentitárias fora do espaço arquipelágico. Poderia citar algumas das inúmeras atividades desenvolvidas, queforam catalisadoras para o crescente conhecimento do fenómeno migratórioaçoriano, tais como o primeiro Congresso Internacional sobre as Festas doDivino Espírito Santo, que já conta com seis edições realizadas no Brasil, Açores,Estados Unidos da América e, mais recentemente, no Canadá, ou mesmo oPortal Comunidades, que congrega inúmeros trabalhos de investigação sobreos Açores e comunidades açorianas da diáspora, mas certamente que nãopoderei enumerar todas e tantas importantes atividades. Mas o que gostaria de enfatizar – sem prejuízo do reconhecimentode todas as ações e projetos já desenvolvidos – é o princípio e espírito deinteratividade que foi implementado a partir dos anos 90, levando o NEA e aaçorianidade para além dos muros da universidade, devolvendo à comunidadeo saber que dela é retirado. E gostaria de reiterar a disponibilidade do Governo dos Açores emcontinuarmos a trabalhar em conjunto, criando novas relações em áreas maisabrangentes com os territórios da nossa diáspora e reforçando as existentes, naconvergência de necessidades e prioridades. Só através de uma união destes diversos atores – governos, academias,associações e indivíduos – salvaguardaremos o nosso legado e conseguiremostransmiti-lo às gerações vindouras, para que estas consigam honrar o caminhotrilhado até agora. A terminar, gostaria de expressar, uma vez mais, o apreço e o reco-nhecimento do Governo dos Açores ao Núcleo de Estudos Açorianos daUniversidade Federal de Santa Catarina, pela sua relevante ação na afirmaçãoda açorianidade, bem como a todos os açorianos, açordescendentes e amigos

36  Colóquio NEA 30 anos de Históriados Açores que, neste estado, promovem a nossa identidade comum, divulgamas nossas ilhas e prestigiam os nossos povos irmãos. Formulo votos de bom trabalho e desejo que, dessa importante iniciativa,surjam os melhores resultados, com vista à dinamização e divulgação dopatrimónio identitário que nos é comum. Muito obrigado pela vossa atenção. Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas Governo dos Açores

Uma conquista com muitos sacrifícios Vilson Francisco de Farias A epopeia dos estudos açorianos com reflexo na retomada/preservaçãoda cultura de base açoriana do litoral catarinense foi uma tarefa conquistadaa muitas mãos, ao longo de mais de 50 anos de trabalho, que envolveu trêsgerações de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, incluindohistoriadores. No ano de 1948, foi dado a conhecer, no Congresso Catarinense deHistória, bons textos resultantes de pesquisas históricas e etnográficas cá e lános Açores. Estava lançada a semente dos estudos da cultura de base açorianacatarinense, em ponte com o arquipélago dos Açores. Ilustres historiados e etnógrafos com Osvaldo Rodrigues Cabral, ValterFernando Piazza, Nereu do Vale Pereira, Osvaldo Ferreira de Melo e tantosoutros se uniram para desenvolver estudos sistemáticos sobre a temáticaaçoriana. Aproximadamente 20 anos depois surge o embrião do Núcleo de EstudosAçorianos, que legalmente foi constituído, mas pouco efeito produziu nascomunidades catarinenses, pois continuava sendo assunto do meio acadêmico,que buscava as informações nas comunidades, mas não compartilhava osresultados das pesquisas com a população, ficando como um bem acadêmico. Era preciso quebrar com essa prática para gerar as energias motoras deuma integração entre o saber acadêmico, o saber popular e os poderes públicospara produzir efeitos cascatas nos estudos e divulgação dos conhecimentossobre a cultura de base açoriana do litoral catarinense e cultura do Arquipélagodos Açores, área insular da República Portuguesa. A criação do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal deSanta Catarina em 1985, vinculado diretamente à Pró-Reitoria de Extensão,

38  Colóquio NEA 30 anos de Históriafoi a forma encontrada para dar agilidade e credibilidade junto a diferentessetores da UFSC e outras instituições do litoral catarinense. Mesmo assim,não decolou, ficando restrita aos muros universitários, sem cumprir o seupapel. Em 1990 ocorreu à consolidação do NEA, quando com o efetivo apoiodo Reitor Deomario Queiroz e do Pró-reitor Julio Wigger, foi aprovado peloConselho de Ensino e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarinao Regimento do Núcleo de Estudos Açorianos, que, além da coordenaçãoexecutiva, possuía um Conselho Deliberativo interinstitucional para formularpolíticas e ações a serem trabalhadas nas áreas de cultura de base açorianado litoral catarinense. Através do NEA, a UFSC passou a liderar as políticase ações referentes a estudos, projetos, revitalização e preservação de valoresculturais de origem açoriana existentes em Santa Catarina. A partir dos anos de 1990, tive a honra de liderar, na condição de primeirocoordenador do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC (Santa Catarina),alguns “malucos sonhadores”: Joe Alves (vice-coordenador), Francisco doVale Pereira (secretário), Gelci Coelho (Peninha), Caetano Fachini, JaecyrMonteiro, Sileide Lisboa), outros foram convidados, mas não se integraramà UFSC. Uma verdadeira peregrinação, com visitas às instituições, foi iniciadapara estimular a participação de municípios, universidades regionais eoutras instituições que trabalhavam com a cultura de base açoriana no litoralcatarinense. Em setembro de 1990, realizamos a primeira reunião para formar einstalar o Conselho Deliberativo do NEA. Estavam presentes dezenas demunicípios, diversas universidades e instituições turísticas e culturais, entreos quais: São Francisco do Sul (190 km de Florianópolis), Araquari (170 km),Barra Velha (140 km), Penha (130 km), Itajaí (110 km), Balneário Camboriú(90 km), Itapema (80 km), Porto Belo (70 km), Tijucas (65 km), GovernadorCelso Ramos (55 km), Biguaçu (30 km), todos do litoral norte catarinense.Em direção ao Sul: São José (10 km), Palhoça (20 km), Garopaba (70 km),Imbituba (90 km), Imarui (110 km), Laguna (110 km), Tubarão (135 km),Jaguaruna (140 km), Içara (160km), Criciúma (170 km), Araranguá (180 km),Sombrio (190 km); as universidades UNESC, UNISUL, UNIVALI, UNIVILLEe UDESC; a SANTUR (órgão oficial de turismo de Santa Catarina) e o ArquivoPúblico de Santa Catarina. Participaram, portanto, dessa reunião, instituiçõesrepresentantes de mais de 300 km do litoral catarinense. A partir desse momento o NEA agregou outros importantes parceiros queainda hoje continuam atuantes: Acyr Osmar de Oliveira, Ana Lucia Coutinho,Rute Nunes, João Pacheco, Maria Delfina, Cleusa, Neusa, Mariangela, João

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  39Aurino (Dão), Jone Cesar de Araujo, e dezenas de outros que homenageioatravés destes grandes amigos. Na reunião seguinte, foi aprovado um ousado plano de ação que incluíametas de curto, médio e longo prazo. Definiram-se como prioridades a seremperseguidas: – mapear a cultura de base açoriana do litoral catarinense (sou autor do modelo sistêmico de mapeamento e da expressão cultura de base açoriana); – capacitar, com conhecimentos sobre a cultura de base açoriana e suas origens, professores ligados às redes de ensino municipais e estaduais, a fim de que façam a ação interativa entre escola e comunidade na valorização, divulgação, preservação e estudos da cultura de base açoriana regional; – realizar anualmente um evento turístico-cultural rotativo (o AÇORFEST), ao longo do litoral catarinense, com a participação dos municípios e instituições integrantes do NEA, para estimular a integração cultural regional de origem açoriana, onde são apresentados folclores, gastronomias, artesanatos e outras expressões da cultura regional; – instituir o troféu açorianidade, entregue anualmente, quando do lançamento do AÇORFEST, a personalidades e instituições que se destacam na prática, preservação e divulgação da cultura de base açoriana do litoral catarinense; – construir um monumento comemorativo aos 250 anos da colonização açoriana em Santa Catarina; – aproximar os catarinenses do Arquipélago Açores, para uma interatividade cultural. Os cursos de Danças Raízes, oferecidos pelo Governo dos Açores, possibilitaram a dezenas de professores e integrantes de grupos folclóricos do litoral catarinense vivenciarem essas experiências, antes restritas ao meio acadêmico. O Núcleo de Estudos Açorianos se consolidou ao longo dos anos devidoà persistência, objetividade, importância de suas ações para as instituições ecomunidades do litoral catarinense. As suas políticas e ações estimuladorascontinuam presentes com vigor e segurança. Ficamos à frente do NEA por 10 anos e fomos sucedidos por Joe Alves,que não só manteve mas ampliou a participação do núcleo. No presente anode 2016, assumiu a coordenação Francisco do Vale Pereira, a quem desejosucesso. Quando entrei na UFSC e tomei conhecimento sobre as minhasorigens açorianas, jurei “QUE LUTARIA PARA DEVOLVER AO LITORAL

40  Colóquio NEA 30 anos de HistóriaCATARINENSE O ORGULHO POR SUAS RAÍZES ÉTNICO-CULTURAIS,QUE TINHAM VERGONHA POR NÃO CONHECEREM AS SUASORIGENS”. Foi uma linda missão que exerci com todas as minhas forças, tantoidealizando e tornando concretas muitas das ações desenvolvidas pelo NEA,como me dedicando a escrever e divulgar os valores dessa magnífica culturae seu povo. Os 16 livros que escrevi falando sobre a história e cultura de baseaçoriana de Santa Catarina, em ponte com Portugal/Arquipélago dos Açores,são dedicados às minhas origens açorianas, aos meus familiares e amigos queajudaram a tornar realidade essa jornada. Tive a honra e orgulho de liderar a terceira geração dos defensores,estudiosos e praticantes da Cultura de Base Açoriana de Santa Catarina, aosquais agradeço. Esse esforço magnífico permitiu a retomada, valorização,divulgação e devolução do orgulho cultural por suas origens, ao povo do litoralcatarinense. Com muito carinho e amor.

Esboço histórico dos estudos açorianos em Santa Catarina 1948/2014 Nereu do Vale Pereira Palestra por ocasião da solenidade comemorativa dos trinta anos daoficialização do Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal deSanta Catarina.Figura 1 – Mapa do Brasil, em 1538, configurando as Capitanias Hereditárias e admitindo aBacia do Prata para Portugal

42  Colóquio NEA 30 anos de História Todas as instituições culturais e científicas não surgem por acaso. Sãosempre frutos de um longo processo de amadurecimento e formatação doscentrais interesses ao qual elas se destinam, e não o resultado do trabalho deuma só pessoa. Por isso, a criação do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC não foium fato isolado ou resultado de uma só pessoa. Foi fruto de uma sequência defatos, no entanto, procurarei, nesta palestra alongada, tornar presente somenteos principais contributos que alimentaram desde lá, entre 1983 e adentrando1984, a implantação deste núcleo de estudos açorianos, do qual estamos agoracomemorando os seus trinta anos de existência. Mas o que dizer sobre a existência do Núcleo de Estudos Açorianos, cujacriação, posso assim dizer, não teria sido um ato pessoal? Tenho o desaforode dizer, porém, que fui um suporte a essa criação, cujos clarões nasceram lápelo Primeiro Congresso da História Catarinense, realizado no ano de 1948em comemoração ao bicentenário do aporte na Ilha de Santa Catarina, Vila deNossa Senhora do Desterro, dos primeiros 60 casais açorianos dentre os trêsmil programados para serem para cá transferidos. Tinha este projeto da CoroaPortuguesa, pela resolução de 9 de agosto de 1747, o objetivo de colonizar oBrasil sul e, assim, assegurar para ela o domínio político sobre essa expressivaregião até então denominada como terras meridionais disputadas pelas Coroasde Espanha e Portugal.Figuras 2 e 3 – Carteira de inscrição no I Congresso da História Catarinense frente e verso. Quando foi realizado esse congresso, vivenciávamos um momentohistórico em nosso país, em que se delineava um importante marco divisóriode ações e de mudanças de pensamento, saindo de uma ideologia retrógradapara o nascimento de um Brasil novo e desenvolvido.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  43Figura 4 – Folha Filatélica comemorativa do evento. Refiro-me ao mês de agosto ano de 1945, quando acontece o términoda II Grande Guerra Mundial, a derrubada da ditadura Vargas e a organizaçãode um processo constituinte donde brotou a moderna Constituição Brasileirade 1946. Os anos a seguir são marcados pelas eleições gerais de 1947 e a trocademocrática de governos e poderes, numa reorganização política e comfortes reflexos culturais, educacionais, religiosos e científicos. Foi ummomento histórico no qual borbulhavam feitos internacionais fantásticoscomo: a evolução dos meios eletrônicos e rápidos da comunicaçãohumana; a aproximação de nações e povos; um pós-guerra que coloca emdebate as teorias do materialismo histórico e as propostas de Marx coma experiência do comunismo soviético em expansão mundial e com umabusca de desafios e repostas ao capitalismo de Adam Smith; a transferênciado comando europeu do mundo tecnológico para a ascensão norte-americana; as invenções eletrônicas e sua rápida evolução, implantando asbases da informatização da sociedade universal e outras mais que não noscabe aqui e agora comentar. Os anos que rodearam o final da década de 1940 para o início dos anos1950 do século passado desenharam formidáveis transformações tecnológicas

44  Colóquio NEA 30 anos de Históriaem todos os continentes e, lógico, o Brasil e Santa Catarina não poderiam ficaralheios ao recebimento de seus reflexos. Relembramos aqui, somente em síntese, as grandes transformaçõesconquistadas a partir de 1950. Jamais se poderia imaginar a explosão dastransformações com modernas tecnologias postas à disposição da humanidadeentre meados do século XX e o limiar do XXI, no qual vivemos. Nascemos, então, para o universal, para o Desafio Americano com ainformática e o avanço tecnológico dos meios de transportes, encurtando distân-cias e popularizando a circulação de todos os homens e para todos os horizontes. Foi também nesse fervilhar de acontecimentos que o Instituto Históricoe Geográfico de Santa Catarina passou a discutir propostas para o futurode nossa gente e, dentro das propostas sob o comando do ilustre ProfessorDesembargador Henrique da Silva Fontes, então Presidente desse instituto,programa-se o Primeiro Congresso da História Catarinense. Teria ele, como járeferi, por finalidade comemorar o bicentenário da chegada, nos mares da Ilha,aos 6 de janeiro de 1748, dos primeiros casais açorianos, dentre os três mil queforam previstos por meio dos dispositivos da Provisão Régia de 9 de agosto de1747, assinada pelo Rei Dom João V. No conjunto de propostas em discussão que se infiltraram noCongresso, incluía-se a criação da Universidade Estadual de Santa Catarina e oaprofundamento e alargamento dos estudos sobre a contribuição dos açorianosna verdadeira construção da gente barriga-verde. Tais propostas fortalecerama importância do Primeiro Congresso da História Catarinense. O bicentenário da colonização açoriana deveria demarcar um novoperíodo de estudos sobre a verdadeira construção do estado de Santa Catarina. Por isso, o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina tinha odever e a consciência de fincar um obelisco cultural estabelecendo um divisorde momentos entre o antes e o depois de sua realização, como, aliás, o foi, oPrimeiro Congresso da História Catarinense. A colonização açoriana foi uma verdadeira e única colonizaçãotecnicamente concebida pela coroa portuguesa em todo período do Brasilcolônia e uma colonização em letras maiúsculas. Contudo, desde antes darealização desse Congresso, era tida, por muitos historiadores desterrenses,como um processo retrógrado. Não levavam em consideração que ela teriasido o instrumento principal no desenho do território nacional, especialmenteno que concerne ao Sul maravilhoso que os açorianos construíram. Algunsestudiosos, inclusive, desejaram e outros ainda desejam entender que nãohouve uma colonização, mas apenas um povoamento açoriano. Defendo,desde a época do congresso, que aquele empreendimento da Coroa Portuguesafoi realmente um importante projeto colonizatório e uma bem-sucedida

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  45colonização, a qual está aberta para aprofundados estudos transformandoaquela visão negativa que lhe atribuíam para reconhecê-la como de fundamentalbase na construção e o desenvolvimento de nosso estado a então Capitania daIlha de Santa Catarina. Orgulho-me hoje ao ver todos vocês, integrantes doNEA, estarem encantados com suas origens provindas dos grandes contributosdesses valorosos colonizadores açorianos, e eu por ter sido o primeiro, e talvezo maior lutador para alterar todo o quadro negativo atribuído à colonizaçãoaçoriana, para transformá-la numa vitória gloriosa. Vejam, ilustres participantes deste evento, o grande feito do PrimeiroCongresso da História Catarinense, porquanto hoje estamos gozando deuma excelente imagem da colonização açoriana e a efetiva implantação daUniversidade Federal de Santa Catarina, e, dentro dela, a existência desteNúcleo de Estudos Açorianos. Aplaudamos a UFSC por esta iniciativa. Hoje, decorridos tantos anos desde 1948 para cá, e tendo passado pelascomemorações dos 250 anos da chegada dos açorianos, o fato histórico seconsolida como uma marcante colonização. A transferência de dois mil e vintecasais açorianos para a região Sul do Brasil foi realmente um exitoso projeto, oqual veio consagrar a região colonizada como um território brasileiro. É esse o maior feito histórico dos açorianos. Ela superou todas asexperiências anteriores de transferências de açorianos para outras regiões doBrasil. Todos os povoados e vilas que surgiram no Sul do Brasil e a partirda Ilha de Santa Catarina ensejaram o surgimento de povoados, vilas,cidade, municípios e estados prósperos e envolvidos por um sentimento denacionalidade brasileira. Mas não foi esse o único fato histórico a ser discutido e debatido noPrimeiro Congresso da História Catarinense. Abriu ele os estudos e propostasde muitos outros fatos importantes. Foi aberto um leque, com um conjunto depalestras e conferências pronunciadas por personalidades diversas provenientesde Portugal, e muitas outras locais e nacionais, proporcionando debates sobrepropostas objetivando o progresso e a evolução cultural de Santa Catarina. Durante esse congresso, surgiu a iniciativa de se agrupar intelectuaisem um grupo de estudos e reflexões, o qual foi chamado Grupo Sul e reuniuintelectuais cuja maioria tinha tendência pela esquerda. Pela época da redemocratização do Brasil e no final da II GrandeGuerra e da Revolução Bolchevista, com a organização da República SocialistaSoviética sob o comando do Partido Comunista, a teoria Marxista ganhouespaços, e muitos de seus seguidores, como também entre nós, aderiram aosesquemas da Internacional Socialista, que lutava por expandir as suas ideiaspolíticas para todos os cantos do mundo.

46  Colóquio NEA 30 anos de História Na vida cultural da Ilha de Santa Catarina, alguns intelectuais abra-çaram também essas correntes e começaram a publicar revistas e jornais queprocuravam difundir essas ideologias, abraçadas pelo chamado Grupo Sul. Éclaro que esse grupo não ficava envolvido somente com a questão da teoriamarxista, estava ele aberto a todas as manifestações políticas e literárias, mas amaioria dos que o integraram tinha tendências marxistas. O Grupo Sul escreveuuma história importante para a Ilha de Santa Catarina e, em particular, para ahistória intelectual desterrense. Contudo, o espaço principal desse congresso foi o de estudo do contributoaçoriano e, particularmente, da sua cultura popular e o folclore. Assim, contandocom a presença do Presidente da Comissão Nacional de Folclore, o MinistroRenato Almeida, fundou-se, no dia 8 de outubro de 1748, a Comissão Catarinensede Folclore como uma organização responsável pela pesquisa, recolha e difusãodo folclore catarinense, comissão esta que perdura até hoje. De outro lado, tomava corpo a luta pela necessária existência de umaUniversidade Estadual de Santa Catarina e que ganha destaque principal dentrodo congresso. Para se organizar uma universidade, porém, a existência de estudosfilosóficos era indispensável, e, por isso, os líderes do congresso lançaram osalicerces para a criação da Faculdade Catarinense de Filosofia, a qual deveriaser a base da tão desejada universidade. Essa meta e seus propósitos foramliderados por duas figuras exponenciais: Henrique da Silva Fontes e OswaldoRodrigues Cabral. Juntos com eles mais alguns outros intelectuais e, em especial,os Padres Jesuítas experientes, com a criação da Universidade Católica do RioGrande do Sul, passam a desenhar como seria a Faculdade Catarinense deFilosofia, a qual, logo a seguir, no ano de 1949, é criada, tendo seu início no anoletivo de 1950. Começa essa faculdade a funcionar com os cursos de Filosofia,História, Geografia, Línguas e Literatura, Antropologia, Pedagogia e aberturade pesquisas com ênfase na cultura açoriana. Assim, com a nova FaculdadeCatarinense de Filosofia, junto com a Faculdade de Direito e a Faculdade deCiências Econômicas existentes, estava desenhada a estrutura preliminar deuma universidade. A partir de 1951, com ascensão da União Democrata Nacional aogoverno do estado, foi empossado governador o Senhor Irineu Bornhausen,que, por ter intelectuais participando do seu governo, entre os quais figuravamo Desembargador Henrique da Silva Fontes e o Deputado Estadual OswaldoRodrigues Cabral, toma vulto a iniciativa de tornar realidade a Universidadede Santa Catarina. Na época, o Prefeito da Capital era de livre escolha do Governador,e, como resultado desse quadro político, foi nomeado para Prefeito deFlorianópolis o filho de Professor Henrique Fontes, o médico Paulo Fontes.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  47 O Prefeito Paulo Fontes, preocupado e filiado à corrente da criaçãoda Universidade de Santa Catarina (vejam como estava bem adiantado, àépoca, o prefeito) desejou, e assim o fez, elaborar o Primeiro Plano Diretor deFlorianópolis. Nesse Plano Diretor de Florianópolis, que foi depois votado naCâmara Municipal de Florianópolis em 1955, quando nela tinha eu assento devereador, e, exarando seu parecer aprobatório, lá estava localizada e desenhadaa primeira Universidade de Santa Catarina. Voltando, então, ao Congresso de História, vê-se nele o embriãoque gerou essa ampla corrente de ideias e célebres propostas culturais e dedesenvolvimento intelectual para Santa Catarina. Também com prolongamentodele ficam fortalecidos os trabalhos e pesquisas sobre a presença da colonizaçãoaçoriana na Ilha de Santa Catarina, estudos esses abraçados pela recémFaculdade Catarinense de Filosofia. Participei, ainda que modestamente, dessas deliberações congressistas.Minha participação foi pequena. Na época, tinha vinte anos e iniciava minhavida profissional, desvinculada dos estudos históricos. Não dispunha detempo para ter maior presença no Congresso. Se lá fui várias vezes, era porquedesejava entender melhor minha origem açoriana. Participava do Congresso a professora Maria Carolina Galloti Koening.Estava ela vinculada ao corpo docente do Instituto Estadual de Educação epesquisava o falar açoriano. Logo a seguir, assumiu a cadeira de LínguaVernácula e Literatura Portuguesa na Faculdade Catarinense de Filosofia,onde criou o embrião do NEA. No seu departamento, foi organizado o Instituto de Estudos Portugueses(IEP), o qual, em 1962, passou a integrar a Universidade Federal de SantaCatarina. Estaria, então, surgindo o embrião do Núcleo de Estudos Açorianosda Universidade Federal de Santa Catarina. Confirmo meu entendimento deque esse momento histórico foi fundamental para todos os estudos açorianosque se abrem fortemente a partir de 1962, com a instalação da UniversidadeFederal de Santa Catarina. A partir de então se realiza um elevado número de pesquisas voltadaspara a cultura açoriana, e vou anotar a minha presença, mas quero fazerreferência às exponenciais e maiores autoridades, como Oswaldo RodriguesCabral, Vitor Antônio Peluzzo Júnior, Walter Fernando Piazza, OswaldoFerreira de Melo e Roberto Mundel de Lacerda. Estou aqui e agora registrando somente alguns dos muitos pesquisa-dores que se afirmaram no Primeiro Congresso da História Catarinense,muito embora lá estivessem presentes mais de duas centenas de renomadosestudiosos.

48  Colóquio NEA 30 anos de História Em verdade, parece-nos que o Congresso se esqueceu de olhar com acuidadea grande dimensão da colonização açoriana e do porquê de ter sido planejadapelo Rei Dom João V, que estrategicamente buscava assegurar para Portugal, nostermos explicitados na Provisão Régia de 9 de Agosto de 1747, as áreas territoriaisdesde a Ilha de Santa Catarina até o Serro de São Miguel das Missões. É dos anos recentes, em especial fortalecidos após a implantação doNEA, que essas novas leituras tomam corpo e praticidade. Então realmenteaquele contexto de 1948 a 1950 desabrocha com a participação de novaspersonalidades na formatação de um estudo continuado do processo açoriano. Devo recordar que foram de marcantes feitos os estudos de OswaldoRodrigues Cabral (e mais uma vez personalizo minha participação, levandoalunos ao campo, pesquisando e registrado a cultura açoriana no nosso litoral)estimulando alunos aos estudos açorianos. Estamos nos referindo, também, aoinício das minhas incursões no meio universitário da UFSC e levando alunosao campo das pesquisas açorianas, desde sua instalação, em 1962. Esse outro momento cria raízes mais objetivas e concretas em decorrênciados estudos da então Faculdade Catarinense de Filosofia sobre as liderançasde Oswaldo Rodrigues Cabral, Walter Fernando Piazza e muitos outros, mastambém destacando Sílvio Coelho dos Santos, Vitor Antônio Peluzzo Junior eo Bacharel Oswaldo Ferreira de Mello. Como vimos, embora a implantação da UFSC tenha ocorrido a partirde 1960, o seu embrião teria germinado no Primeiro Congresso da HistóriaCatarinense, como me referi anteriormente, e só com a sua consolidação sefortalecem os estudos açorianos em nível universitário. Desejo recordar que a luta pela criação da Universidade de SantaCatarina fora pensada durante o Congresso de História e teria tido um passoimportante no Governo de Jorge Lacerda, quando, em 1957, encaminhouà Assembleia Legislativa Estadual um projeto de lei, que logo foi aprovado,criando legalmente a UNIVERSIDADE DE SANTA CATARINA, sob ocomando do Governo do Estado, e essa universidade não teria obedecido àslinhas do Plano Diretor de Paulo Fontes, em 1955, que a localizava no centrode Florianópolis, em área hoje ocupada pelo Instituto Estadual de Educação,mas na Fazenda Estadual Assis Brasil, localizada no bairro da Trindade. Lá, em1958, foi construído o primeiro prédio para sediar a Faculdade de Filosofia,que começou ali o ano letivo de 1960. Com a criação da Universidade Federalde Santa Catarina, o Governo do Estado tomou a iniciativa de transferir paraela todo o território da Fazenda Assis Brasil e, junto às edificações existentes,onde estava incluído o primeiro prédio da Universidade de Santa Catarina,que abrigava a Faculdade de Filosofia, o qual foi anexado à UFSC, e o prédio aseguir passou a ser conhecido como Prédio do Básico.

Preservando a herança cultural açoriana em Santa Catarina  49 Essa universidade, em seu início, recebe as lideranças de Cabral e deWalter Piazza, que começam evidentemente a discutir e estudar o processoaçoriano. Em 1962, ingresso como professor da UFSC e como titular de umadisciplina que não teria muito a ver com a questão açoriana. Era a Cadeirade Princípios de Sociologia Aplicados à Economia. Seu conteúdo estavavoltado para a formação do economista, categoria a qual estava, e ainda estouintegrado. Mas, devido à minha direção e interesse pelos estudos açorianos,procurei animar meus alunos no estudo dessa influência nas comunidadescatarinenses, principalmente as insulares, buscando respostas para o desafiodo desenvolvimento. Essa proposta animou demais os meus alunos e tornou-se a menina dos olhos de todos quantos passaram a frequentar minhas aulas.Passaram os acadêmicos a realizar estudos de identificação das comunidadesaçorianas de nosso litoral, propondo em seus levantamentos ações desen-volvimentistas. Foram produzidas excelentes monografias, das quais e asmelhores as guardo em meus arquivos. No Curso de Economia, era a primeira vez que alunos partiam paracampo em pesquisas socioeconômicas. No meu íntimo, porém, faltava algo para despertar na UFSC o interessepelos estudos açorianos. Em 1971, recebendo o apoio de vários professoresde Sociologia e de História, e também de professores e alunos da Faculdadede Serviço Social, partimos para elaborar um plano e ações consequentespara o desenvolvimento da comunidade do Ribeirão da Ilha. Elaboramosum projeto de desenvolvimento do Turismo Cultural, tendo por fatoresdesenvolvimentistas a cultura açoriana existente naquela comunidade. Desde 1948, já estava motivado para estudar mais profundamente oRibeirão da Ilha por considera-lo como o melhor repositório de registros dacontribuição açoriana em nossa região. Estava eu preocupado, a partir do final dos anos sessenta do século XX,com o desenvolvimento econômico da Ilha de Santa Catarina. Deveria tambémalertar-me de que qualquer transformação e ações pensadas ou executadasdeveriam passar pelo contributo açoriano e pelo resgate de sua históricapresença, e, dentro do desenvolvimento econômico da Ilha de Santa Catarina,como teriam os açorianos participado para a formação desse patrimônio, oumesmo para o sistema econômico predominantemente rural existente. Tudoera questão básica a ser considerada. Novo momento, início da década de 1970, renasciam os ecos do PrimeiroCongresso da História Catarinense. Tomam os estudos açorianos fortes rumoscom a reforma universitária de 1971.

50  Colóquio NEA 30 anos de História Nessa oportunidade, lancei um conjunto de ações multidepartamentaisfocando o PROJETO RIBEIRÃO, que, por isso, impulsiona os estudosaçorianos, e avançamos para lançar a proposta de encontros especializados, osquais denominamos de SEMANAS DE ESTUDOS AÇORIANOS. Quando a universidade começa a implantar a reforma, em 1971, fuiconvidado pelo reitor da época para, no Centro de Estudos Básicos, estruturar oDepartamento de Sociologia, trazendo dentro de mim a ideia de açorianidade. A professora Carolina Galloti Koening passou a dirigir e estruturar oDepartamento de Língua e Literatura Vernáculas, onde já existia o Núcleo deEstudos Portugueses (NEP), substituindo o IEP com essa nova denominação,nesse núcleo estaria todo o acervo de estudos seus e do Congresso sobre ofalar açoriano na Ilha de Santa Catarina. A Professora Carolina acompanhounossos estudos e comungou da proposta de transformar o seu NEP para sersomente açoriano. Nascia então, em 1974, a figura do NEA. Convidamos,por intermédio do Departamento de Sociologia, os Professores OswaldoCabral, Franklin Cascaes, Doralécio Soares, Vitorino Seco, Zuleica Lenzi, LuisCarlos Halfpap e vários outros da área de história para formarmos um grupode estudos açorianos. Esse foi o primeiro colegiado do NEA, que não foraoficializado pela UFSC. Surgiu no grupo a preocupação com o acervo do Professor FranklinCascaes. Agora aposentado pela antiga Escola Técnica Federal, hoje InstitutoFederal (tinha sido eu lá, nos de 1941-1942, aluno de Cascaes na EscolaIndustrial, na qual conheci seu trabalho, e ele também soube do meu interesse),não dispunha Cascaes de um local adequado para alojar suas produções e nemonde guardar seu fantástico acervo. Logo ia seguir firme em suas pesquisas,para as quais contou com apoio da Prefeitura Municipal de Florianópolis.Quando estávamos no final da década de 1950, e já vereador, comecei aapoiar Cascaes, que necessitava percorrer o interior da ilha, recolhendo asmanifestações culturais açorianas. No momento em que se discutia a criação do NEA, em 1974, inicieicontatos para que a UFSC oferecesse a Cascaes os espaços dos quais elenecessitava, e, como consequência, surgiu um convênio pelo qual todo o acervodele foi incorporado à UFSC, então Cascaes passou a se engajar conosco nosestudos açorianos. O Museu Oswaldo Rodrigues Cabral (nessa época Cabral já estavaaposentado) tinha como Diretor o professor Sílvio Coelho dos Santos (que,embora de origem açoriana, não era muito simpático aos estudos açorianos)e deveria ser o local oferecido para Cascaes. De começo, o Prof. Sílvio Coelhodos Santos ofereceu resistências a Franklin, uma vez que lhe faltaria titulação


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