...do maisprofundo de(todos) nós
... do mais profundo de (todos) nósPoemas de Joaquim Alice, em oitovolumes, para serem lidos com ocoraçãoVilca Marlene MerízioOrganização, Prefácio, Introduções e NotasFlorianópolis, agosto2018
SumárioPrefácio | A obra poética de Joaquim Alice: ... do mais profundo de (todos) nós, um corpo antropomorfo de escrita------------- 9 O autor-------------------------------------------------------- 13 O nascimento e batismo da Obra Poética---------------- 16 O plano da obra---------------------------------------------- 26 Separação do corpus por categorias: tripartição-------------29 A obra poética em si--------------------------------------------- 32 A voz do caçador-solitário em busca da perfeição à semelhança da técnica da arte do tiro ao arco---------- 36 O corpo antropomorfo da escrita, a metáfora como fonte esclarecedora----------------------------------------- 51 A poética do silêncio---------------------------------------- 59PARTE IIA obra poética de Joaquim Alice--------------------------- 67... poemas em oito livrosSumário do livro UM----------------------------------------- 73Introdução ao livro um de Joaquim Alice... do mais profundo de mim--------------------------------- 75Poemas--------------------------------------------------------- 85Apêndice------------------------------------------------------ 151Leituras sugeridas------------------------------------------- 165Índice dos poemas ------------------------------------------169
PARTE I A obra poética de Joaquim Alice...do maisprofundo de(todos) nós ... poemas em oito livros Vilca Marlene Merízio Organização, Prefácio, Introduções e Notas
Prefácio A obra poética de Joaquim Alice: ... do mais profundo de (todos) nós, um corpo antropomorfo de escrita Deus é o ser mais perfeito1 Poesia é sentimento, emoção, Arte. Filosofia é pensamento,razão, conhecimento, Ciência. Quando Poesia e Filosofiase conjugam, o que brota é a criação perfeita em termos deliteratura de fruição e aprendizado. Muitos de nós fomos educados na filosofia fundamentadanos princípios deontológicos,2 geridos pelos nossos pais eavós. Hoje, nas sociedades mais elitizadas, a política do medofez abandonar os conceitos ligados ao partilhamento e aosencontros pessoais, isolando as pessoas que, refugiadas no seupseudoautismo, defendem-se ao criar apenas relacionamentosfugazes, quase sempre virtuais que não lhes proporcionam asatisfação de seus desejos de completude. Fogem elas de umaconvivência mais estreita voltada para si mesmo, evitando1 Gottfried Wilhelm Leibnitz (Alemanha, 1646-1716).2 Princípios da filosofia moral contemporânea, do dever e da obrigação, herança deixada por nossos ancestrais; teoria sobre as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente necessário e serve para nortear o que realmente deve ser feito. Disponível em: <https://www.significados.com.br/deontologia/>. Acesso em: 24 maio 2018.
... do mais profundo de (todos) nóstrabalhar emocionalmente em prol de si e do universo, mas algumas há que, apesar de todos os pesares, destacam-se entre milhões de almas, agora não mais por dever, obrigação e hábito, mas, sobretudo, pela opção voluntária de transformação do mundo. E o poeta de quem logo conheceremos a obra é um exemplo dessa dedicação ao semelhante. Hoje, no plano das sensíveis e infinitas conexões humanas, cósmicas e subatômicas, o homem, em busca de plenitude, precisa trafegar entre Poesia e Ciência, no liame exato onde o incógnito se conjuga com a Divindade para esclarecer o que até agora foram suposições ou teorias empíricas. A tecnociência, ao manipular leis que governam o mundo, trará grandes benefícios à Humanidade, principalmente através da Física Quântica, dizem os cientistas deste século.3 Também a nanotecnologia e a medicina nuclear estão desvelando mistérios que trazem alívio e conforto ao mundo, se bem compreendidos No entanto, o que se propaga atualmente pela medicina vibracional já a tradição oriental utilizava há milhares de anos, e, hoje, métodos, práticas e sistemas de energias naturais, até então desconhecidos para nós ocidentais, estão sendo respeitados e utilizados, principalmente pelos grupos alternativos de prevenção da saúde integral do indivíduo e de outros elementos da Natureza. É de se considerar também o avanço das ciências, prin- cipalmente das que tratam do mundo invisível tanto em relação ao micro como ao macrocosmo, da parte mais ínfima da constituição do corpo humano à última estrela descoberta pelos potentes aparelhos da ciência astrológica. Referências à energia12 dos chacras, aos sensores da fauna e da flora, ao comportamento 3 “O Pensamento Científico dos Filósofos do Futuro”. Resumo da palestra proferida por João Santos Fernandes, no Mosteiro de Santa Maria-Casa da Monjas Dominicanas-Lisboa/Portugal. Disponível em: <http://pgl.gal/pensamento- cientifico-dos-filosofos-do-futuro/> Acesso em: 24 maio 2018.
das ondas gravitacionais e das leis desconhecidas que regem Joaquim Alice“pulsares, quasares, magnetares e buracos negros na evoluçãodas galáxias, terão grande desenvolvimento no curto e médioprazo, afirmam os cientistas de todos os quadantes da Terra.São leis que, se trazem surpresas para uns, para outros, comopara os adeptos da medicina vibracional, são práticas usuais.O mundo, até há pouco invisível, está a cada dia mais próximode se desvelar: “novas leis do pensamento, com sensações deêxtase, felicidade e perplexidade de cenários mentais, ondese visualiza a vida para além da morte na presença de ‘outrasforças’ até agora creditadas apenas à ficção”, agora estão sendovalorizadas e estudadas.4 O mundo está mudando rapidamente: as famílias já nãopossuem as mesmas estruturas de constituição do final doSéculo XX; preconceitos étnicos, de gênero e religiosos estãosendo combatidos e a corrupção pública está sendo debelada,com rigorosas penas aos culpados, não importa quanta riquezatenham acumulado. Na verdade, a sociedade é outra neste finalda segunda década do século XXI: a crença na espiritualidadeestá voltando e aumentando (não na fé cega, mas na crençaraciocinada,5 uma nova leva de crianças superdotadas e comsensibilidade para os direitos do mundo animal cresce e seestabelece em nossos dias, e as teorias metafísicas de GottfriedLeibniz,6 entre elas, as mônadas e o sistema dos subátomos4 Idem, ibidem. 5 Conforme pregava Hippolyte Léon Denizard Rivail (conhecido como Allan 13 Kardec).6 Filósofo, cientista e matemático alemão (1646-1716), precursor da filosofia digital, da cosmologia e da mecânica quântica. Criou o sistema numérico binário, e as teorias ondulatória da luz e das mônadas, contribuindo com a metafísica. As mônadas são centros de forças, independentes e seguem o princípio da harmonia. Cada mônada seria um pequeno espelho do universo e trabalharia independentemente. Definiu Deus como “O ser mais perfeito”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ Gottfried_Wilhelm_Leibniz>. Acesso em: 28 maio 2018.
... do mais profundo de (todos) nósda realidade metafísica, estão sendo ressignificados por boa parcela da humanidade que se encaminha para a sétima dimensão, enquanto grande parte dos mortais ainda se mantém na tridimensionalidade dos sentidos. Ainda bem que existem os poetas. Ainda bem que a literatura, a filosofia e a arte continuam vivas. Ainda bem que a ciência caminha aceleradamente em muitos aspectos, mas que pena que nem todos esses avanços levam o ser humano ao que mais importa, ao seu porto interior, onde poderia encontrar o equilíbrio para todos os seus anseios pessoais e coletivos. Felizmente, ainda há Poesia no mundo. E há poetas. E há livros. E há quem leia esses livros e quem se importa com versos que contêm beleza e sabedoria e nos dão prazer na leitura. E aí é fácil caminhar pela filosofia até alcançar, se não toda, pelo menos, uma via que nos leva à compreensão da vida, dos seus avanços e tropeços, mas também dos seus sucessos e realizações através do universo que nos oferece a literatura. E nada melhor para falar de poesia que estimula o ser humano ao bem do que a obra que nos faz sentir, pensar e agir de modo a, depois de lida, saboreada, e degustada, ser fonte de nossas ações e decisões frente aos caminhos que a vida nos oferece: ... do mais profundo de (todos) nós: poemas de Joaquim Alice, para ler com o coração, em oito Livros, ainda inéditos em Portugal, cujos poemas veiculam pela internet e pela correspondência eletrônica desde o início deste século. Paradoxalmente simples e complexo, ... do mais profundo de (todos) nós é o congraçamento do esforço lírico de quem nasce poeta. E filósofo. Joaquim Alice produz seus poemas de um fôlego só, numa única inspiração. E nascem perfeitos,14 sem precisarem de ajustes, retoques, acréscimos ou exclusões. Nascem como são para ser: uns breves, sucintos; outros bastante longos, narrativos. Escritos em qualquer local e a qualquer hora, sempre datados, em papéis diversos, e sempre à mão, os originais desta coleção são cuidadosamente
guardados pelo autor, em sequência cronológica, em arquivos Joaquim Aliceespeciais. São muitos, milhares... dos quais guardo grandeparte das cópias. Acompanhei, de longe, todo o percurso desta obra 15poética, desde os primeiros sintomas de sua gestação literária,o nascimento, depois, a persistente e contínua evolução atéque, finalmente, eis, agora, a obra pronta para ser publicada,pronta para consumo dos seus leitores, que, até o presentemomento, foram raros e muito especiais. Da minha parte,sinto coração e mente satisfeitos depois de quase duas décadasdeste apadrinhamento, prazer mil vezes revivido nas leituras ereleituras de cada poema enviado via internet. Agora mesmo,custo a dar por terminado este trabalho de organização, mas apossibilidade de mais corações e mentes estarem em contatocom a poesia de Joaquim Alice, contida nestes livros, me fazabrir mão desta prioridade “do ler primeiro”, tendo em vista osbenefícios que advirão para o estudo e a divulgação da LiteraturaPortuguesa Contemporânea, objeto e bem-querência da minhavida profissional.O autor Joaquim Alice, pseudônimo escolhido pelo poeta-filósofoaçoriano, natural de uma das ilhas do grupo central e residenteem São Miguel, filho de pais portugueses também nascidosno Arquipélago dos Açores, optou por não usar seu nome debatismo, assim como também o fizeram grandes escritores daliteratura universal na publicação de suas obras. Como nome fictício, deu-se à luz em Angola, África, emmeados da década de sessenta do século passado, quando,ainda menino, lá esteve com a família por razões de trabalhodo pai. Mas o escritor só se assumiu como poeta no segundoano deste milênio. Alguns de seus trabalhos vêm sendo
... do mais profundo de (todos) nósapreciados e estudados em Santa Catarina, Brasil, desde o tempo em que ainda assinava a sua produção como Monge, Mago ou mesmo com outra identidade, sem nunca ter revelado seu nome civil. No próprio corpo do seu trabalho poético, o autor sugeriua ideia de agir tal qual Monge, no poema do mesmo nome: Este modo-de-ser é já tão velho, sabido, sentido, sensato, pensado, punido, ... de monge (sem ordem...) apenas da VIDA que se adivinha, ... sofrido ao ponto da alegria... (dele) ter nascido.7 Foi há poucos anos, exatamente no caminho que leva ao interior de uma das ilhas do Arquipélago dos Açores, que o autor, pessoalmente, assumindo-se como Joaquim Alice, manifestou sua anuência a que continuássemos a trabalhar a sua obra, a qual eu já vínha apreciando e estimulando desde o início deste século. Retornei ao meu país e, até este exato momento, permaneci fiel ao que me propusera: a publicação neste ano de 2018, quando o Estado de Santa Catarina comemora os 270 anos da chegada dos açorianos e madeirenses na ilha; portanto, ano propício para tal empreitada.8 E a publicação da obra de um poeta e filósofo açoriano, organizada, introduzida e explicada por uma catarinense é mais um passo para a integração intercultural entre nossos países; e a Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes dá importância vital a esse entrelaçamento de intenções.16 7 “Monge”. Livro TRÊS. 8 Por Lei estadual – Lei no 17.463, de 10/01/2018 – este ano está sendo considerado o Ano dos Açores no Estado de Santa Catarina, justamente porque se comemoram os 270 anos da chegada dos primeiros imigrantes açorianos e madeirenses na ilha de Santa Catarina.
Desde criança, segundo a família, o jovem açoriano Joaquim Alicepensava num nome literário que o definisse. Anos mais tarde,já na maturidade, teve uma breve experiência poética, quando, ao receber um livro em branco, à semelhança de um diárioíntimo, registrou um único texto, do qual aproveito um excerto: 17a tua falta [do livro?] constrói um sonho, uma miragem/ e,seguindo-a... me supero a cada instante (obrigado!). Parece-me que o jovem açoriano traçou aí (poeta deverdade já nasce poeta, mesmo que leve tempo a se assumircomo tal), talvez sem o saber, o programa de expressão escritaque o identificaria anos mais tarde, completamente baseado nafilosofia do positivo, do bom humor e do sentir-se confortávele esperançoso apesar dos obstáculos e das situações dosmomentos menos agradáveis da vida, de movimentar-se emestado de agradecimento e de integrar-se ao Todo: posturasque ainda hoje predominam em sua obra: Torno-me, assim, verdadeira e realmente integrado. Fundo corpo e mente... em pura energia, as sensações ficam mais ricas, dotadas de mais intensa alegria, sutilidades... num espírito de Vitalidade... tudo vendo perfeito.9 Nesses últimos vinte anos – prova disso são seus “escritos”10– conseguiu, talvez sem ter se dado conta, concretizar o velhosonho, agora apressando o passo, sem voltar ao diário, queainda o aguarda com as páginas em branco. Sua produção évasta; bata conferir estas centenas de páginas a seguir, agora,e pela primeira vez, oferecidas ao público em forma de livros,num conjunto de oito volumes, sob o título de ... do maisprofundo de (todos) nós.9 Poema “PERFEITO”. Livro OITO.10 Joaquim Alice classifica-os como “escritos”; eu os trato como poemas.
... do mais profundo de (todos) nós E a sua escrita literária não acaba aqui. Para além da poesia no seu traçado original, guardadas pelo autor em seu arquivo pessoal, a que tive acesso, na minha memória, ecoa a voz de Joaquim Alice saída de centenas e centenas de páginas de correspondência eletrônica e de horas e horas de conversa fraterna por sobre as águas atlânticas. E o filósofo persiste na sua tarefa da escrita solitária, mas solidária, de escrever poesia nos Açores, com produção jamais interrompida desde aquele inverno11 europeu do princípio deste século. O esforço que faço p‘ra te mostrar o meu universo pelo vento das palavras, depressa forma correntes e poços d’ar... ventanias, vácuos... e retrocessos... até perceber que a quietude e o silêncio são o meio... única forma de transpor a totalidade (p’ra ti...) Consigas tu captá-la, revendo-te nessa imensidão qual estátua absorta, sendo (apenas) capaz de, por momentos, SER!12 Vamos, então, a isso! O nascimento e batismo da Obra Poética18 Para mim, a alegria de trabalhar e de me deliciar com os poemas de Joaquim Alice mantém-se renovada, desde 11 Cuja referência está registrada no Livro QUATRO desta coleção. 12 “O esforço que faço”. Livro QUATRO.
um longínquo dia de março, quando, ao final de um curso,13 Joaquim Aliceministrado por mim, nos Açores, o poeta, entre timidez eorgulho, me ofereceu para leitura a sua longa e recém-criada produção poética, a primeira a que havia dado atenção durantea sua vida. 19 Ele próprio poematizara o momento em que, dias antes,o Novo Ser que agora era, despontara nos últimos instantes,quando via os colegas do curso se confraternizarem: Abrem-se portas... e sorrisos,/ mentes, olhos e abraços.../ Beijos se trocam e olhares,/segredos, intimidades... /Do grupo... (o único) estranho é o próprio,/até desconhecido.../ surpreende-se consigo.../ e diz e faz e pensa e sente/ DIFERENTE... Que se passa ? Que é isto? ... Coisa estranha... ...não ‘tou bem, de certeza .../ Mas que bom... mas que bem..../ ‘tou contente, satisfeito(a)... / acho que até, F-E-L-I-Z . . ./ Bendita a dualidade,/ que preciso d’entender,/ como sendo o “eu” passado,/ que estranha o/ NOVO SER...14 O próprio autor notava em si e nos outros a mudança.Estava dado o primeiro passo na senda literária. Daquelahora em diante, levantava-se e assumia-se através da escrita.Também eu estou agradecida, por ter compartilhado dessaaventura literária, já que o manancial poético de Joaquim Alice,na verdade, abriu as comportas e jorrou com abundância,depois desse dia. Dias depois, num domingo frio e chuvoso, procurou-meele e deu-me a ler oito páginas de papel almaço quadriculado,13 Curso de Harmonização Pessoal, para o qual não havia se inscrito: apareceu porque um amigo lhe falara daquele evento apoiado por empresários, professores, artistas e pessoal da área da saúde dos Açores.14 “Novo Ser”. Livro UM.
... do mais profundo de (todos) nósonde registrara à tinta azul de uma caneta esferográfica, os primeiros versos que, quase duas décadas depois, constituindo uma belíssima coleção, estão vindo a público, em Portugal, pela vez primeira. O público do Brasil já os vem conhecendo desde 2002, por meu intermédio, ao trabalhar com eles em cursos de Literatura Portugesa nas universidades de letras do Estado de Santa Catarina. Desde os primeiros versos curtos e sem rimas daquelas oito páginas escritas à mão, a emoção embargou-me a alma, impedindo-me de continuar a leitura em voz alta. Lágrimas escorriam-me pelo rosto. Passei, então, o manuscrito para que o autor continuasse a leitura. E ele leu: Se o meu coração, rejubila,/ a ti se deve.../ AMOR.// Se estou feliz, se me alegro,/ se aceito, se dou,/ se compreendo,/ se te abraço, / se te beijo,/ se te olho ternamente,/ se te toco na alma.../ se consigo,/ por momentos,/ ser tu.../ ... ao amor se deve:/ breve,/ leve.../ mas infinito.15 Um silêncio instalou-se. Olhamo-nos emocionados. Continuou, então a ler. Mais emoção. Mais surpresa: Nada sou, no fundo.../ Bem que gostaria de ser remédio.../ para (te) saciar,/ para (te) curar.// Mas nada sou,/ no fundo.../ ... apenas vibração.../ onde possas encontrar algo maravilhoso,/ único, bom,/ sagrado,/ divino!16 Eu não estranhava a confisão do eu lírico, mas, sim, surpreendia-me o jogo de imagens a traduzir sentimentos tão puros, ditos com tamanha singeleza que as virtudes20 transbordavam do papel. Não era novo o que me diziam aquelas palavras, ma sua musicalidade estava a ser manifesta de forma 15 “Ser TU”. 16 “Nada Sou”.
inusitada. Embora o resultado estivesse surtindo os efeitos Joaquim Alicede uma excelente emissão e ótima recepção comunicativa nanossa linguagem afetiva, o conteúdo fazia-me pensar, ir além, porque o que eu ouvia fugia, em parte, do meu entendimento,da minha compreensão lógica habitual. 21 Mesmo que eu estivesse acostumada à poesia, parecia-me, naquele momento, ser a receptora única, a musa que fizerabrotar aqueles versos tão reveladores por parte de alguém queeu já estava aprendendo a admirar. Porém, logo em seguida, àmedida que o autor ia lendo, com pausas, silêncios prolongados,ritmo e entonação que eu jamais ouvira ou sentira, meu coração,espírito e mente diziam que alguma coisa estava fora do lugar,que possivelmente existiria algo precioso para além daquiloque talvez eu quisesse: um amor comum, compartilhado entrehomem e mulher (que, a princípio, eu havia suposto existir). Não, não era uma declaração de amor ususal de umhomem para uma mulher. Era um encadeamento de alma. Euouvira: É a ti que te encontras/ no amor que me reveste. Tinhaque assimilar esta afirmativa que me parecia tão estranha!Surgiu a dúvida: se eu o amasse porque ele me refletia, era amim mesma que amava. Estranho!!! Que amor seria esse? Aí começou o entendimento da minha parte; não, nãoera eu o amor da sua (do poeta) vida. A voz lírica, criandovida na voz do autor pedia: Vê claro, por favor.../ (suplico!),o caminho que leva ao destino... E o “suplico”, dito com tantaverdade, agitou a minha alma: Se te deténs,/ apoderando-te docaminho,/ falhas o destino... Nova pausa... Silêncio. Silêncio profundo, como se a medar tempo para acompanhar o raciocínio. E o questionamentodireto, faca afiada até o âmago: No amor que me reveste, / julgastu que me encontras? (Grifo nosso.) E a resposta, a princípio, um tanto constrangedora paramim, que até então, me considerava a professora, a mestra, aque passa o conhecimento: ILUSÃO, pura ilusão...
... do mais profundo de (todos) nósE, diante do meu espanto, talvez sem esconder o ar de frustração que devia invadir todo o meu ser, devagar, com silêncios prolongados, com a voz mais terna que já ouvi, o poeta açoriano continuou: O amor que me reveste apenas te reflete. O que vês na tela do meu amor... é apenas (o) teu reflexo. P’ra que resistires? Solta-te... desprende-te, deixa-te ir... (sem rumo)17 E me considerei única, mesmo não sendo “aquela única” que eu supusera ser, enquanto o autor continuava na sua leitura pausada, quente, sentida: ... na amizade que nos une/ na afeição que te dedico,/ na intenção que me move,/ no meu bem-querer/ ... é que TE AMO! E aí, nesse exato momento, o meu intelecto reagiu. Sim, havia uma “intenção”, um propósito que levava aquele homem, que agora me parecia diferente do aluno aplicado, interessado e assíduo, a dizer-me o que eu não costumava ouvir: ... é ao dar(-te) o meu melhor, ... criado à tua medida, ÚNICO: por ser p’ra ti, que me ENCONTRO, que me crio, que (me) amo/ em TI.22 Por isso respondo à tua pergunta: 17 “Nada Sou”.
– “Como sabes?” Joaquim Alice – SEI ... PORQUE ESTOU A SER ... ... TU!18 E veio o meu segundo espanto: o poeta depunha na minha 23frente, de forma generosa e altruísta duas imagens comuns ebastante conhecidas no meio literário: o espelho e a imagem daexibição de mim mesma num momento em que estava prestese vestir-me de uma indumentária nova (Seria um novo amor?).E diante do meu assombro que continuava, ele arremata,ligeiro: Deslumbrada comigo é como ficas .../ Apaixonada é quete sentes, por mim, para logo depois, acrescentar: Engano, puroengano...// Deslumbrada, sim !/ Apaixonada, sim !// ... Mas... E nova surpresa a confirmar o que queria que parecesseser a sua humilde postura de um poeta sensível, observador: Apaixonada, sim !/ ... Mas... pelo teu melhor,/ pelo teu eu superior,/ pelo Divino em ti.../ por todas as tuas qualidades.../ pelo mundo de capacidades e potencialidades/ que possuis e estão ao teu alcance. (Grifo nosso.) Poderia haver elogio mais eloquente, mais sedutor, maissurpreendente? E ele, o poeta, do seu lugar de emissor dessediálogo feito de sentimentos e de pensamentos não vertidos emlinguagem verbal pela sua receptora, confirma, em mais umgesto de humilde poética: Nesse contexto, nada sou! Não existo!/ Sou antes mera ilusão, sou realidade VIRTUAL! Quero apenas que te fortaleças,/ te tornes consciente da tua imensidão.../ mergulhes nela e a desenvolvas sempre mais./ Não te detenhas comigo ou em mim...18 Ao conjunto desses últimos versos, mais tarde, Joaquim Alice deu o título de “Reflexos de um Espelho Mágico (de alfaiate)”, que, nesta coleção compõem o Livro QUATRO.
... do mais profundo de (todos) nósE justificou o porquê da sua decisão de “soltar-me” (soltar- me? Teria eu dado a perceber a ideia de que tinha intenções outras que não a de viver um amor incondicional? Não sei...), porque se eu ficasse, quer dizer se aquele “tu” ficasse, estagnaria:19 ... pois, se o fizeres, estagnas ..., e o pior – e impedes- me igualmente de brilhar. E perco o brilho.../ quer ceda à tentação.../ quer não ceda../. e, nesse último caso, me entristeço,/ por não ter sido capaz,/ por ver a beleza em ti/ ... a Divindade .../ e não ter sido hábil como parteiro. O teu nascimento depende da tua libertação.../ E, se ficas presa a mim,/ ... é porque FALHEI na minha missão.../ Toquei a música,/ mas não criei harmonia;/ fiz o bolo ... que não levedou.../ toquei-te, mas não te fiz crescer.../ quis amar- te, mas pilhei-te,/ quis libertar-te,/ mas cativei-te... e depois te feri.20 E conclui, sabendo o que diz e porque o diz: ... quando consigo/ mostrar-te quem tu realmente ÉS.../ e te ESPANTO com esse fato../. e consigo também/ que “soltes a minha mão”/ e partas a caminho de ti mesmo(a)... Então, ... SIM!!!/ Fico feliz, / cresço,/ dou um salto no tempo e no espaço/ (ascendo),/ inspirado pela Divindade/ que nasceu... (que és tu). Reverencio-te,/ amo-te / (incondicionalmente)/ e REALIZO- ME/ nesse ato. A comoção foi intensa. Eu estava diante de um poeta24 inato, de alguém que, com poucas palavras, muitas pausas e metáforas tiradas do cotidiano, fazia-me ter consciência de uma 19 A estagnação em Joaquim Alice é indicativo de perda, de morte, de prisão. 20 “Realidade Virtual”.
nova forma de poesia, a poética do silêncio, do entendimento Joaquim Alicedialogal, em que o que não é dito ganha foros de compreensão.A comunicação entre nós, professora e aluno, naquele momento transformados em emissor e receptora, com todosos ruídos abafados pela emoção, se efetivava. A mensagem fora 25emitida e, mesmo com código cifrado pelos silêncios repetidos,a decifração por força do intelecto foi fortalecida pela vibraçãoemocional que a tudo fez de fácil compreensão e assimilação.21 No caso de Joaquim Alice, e aqui me refiro à leitura deseus poemas em geral, o leitor enquanto receptor, ou o ouvinte,se o poema for lido ou declamado, muitas vezes, estupefatopelo que lê (na verdade, ouve, no sentido teórico da recepçãoliterária, porque é a voz do poeta que se faz presente), precisa,às vezes, voltar mais vezes ao princípio do texto para que acomunicação se efetive. Joaquim Alice escreve sob um estilo muito peculiar.Instrumento do Bem, com bom humor e otimismo, com tiradasinesperadas, principalmente nos versos finais dos poemas,utiliza linguagem simples, valorizando metáforas do cotidianodoméstico, para sensibilizar o mais íntimo e central pontoda alma do ser que o lê ou ouve, justamente com a intençãode que esse possível leitor ou ouvinte, sinta em si a chama daDivindade, que também nele existe e sobre a Qual quer falar.Contudo, ele próprio, como autor, adverte: Não sou Deus!Mesmo que a Deus ele procure encaminhar seus semelhantes. [...] Não sou Deus, mas sou caminho,/ senda, vereda...// [...] sou atalho/ sem a frescura da seda/ antes (sou) mero retalho/21 Na dialética de Platão, o diálogo ocorre através de duas vozes que, intercalando opiniões e pontos de vista pessoais, buscam a verdade, até que, ao se processar a comunicação, a alma de cada um deles “se elev[e], gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias” compartilhada (Houaiss). Se não houver entendimento, não há comunicação humana. Entre nós, leitor e receptora, houve.
que, embora pouco, curto e rude,/ faz-te melhor d’agasalho, pois enganos não suscito,/ antes verdades apresento.// Como um apito t’alerto...//queiras tu ouvir o grito.22 E, eu ouço o grito... Ainda é assim que acontece, depois de quase uma vintena de anos, quando leio matéria nova de autoria de Joaquim Alice ou quando releio seus sempre novos poemas (sempre que leio um dos seus “escritos”, não importa quantas vezes tenha-o lido, parece uma nova mensagem). Sinto como que se o autor me pusesse à prova, num jogo de palavras que tenho de ler com o coração; em que tenho de, compreendida a ideia que o poeta lançou, parar, em silêncio, para pensar no que realmente diz para mim aquela voz falante que vibra na minha direção. E só acontece o entendimento daquele poema quando eu me interiorizo, livre de todos os anseios e preconceitos, deixando nascer, no meu espaço interno, a disponibilidade de entender o que aquela voz disse, ou sobre o que me alertou. A possível aceitação – ou não – que faço dessa informação/... do mais profundo de (todos) nós revelação sentida a partir do que me é dito por ele e do que sou capaz de incorporar ao meu novo modo de vida, só depende de mim enquanto leitora/ouvinte. Porque ler um poema de Joaquim Alice é um risco: ou entendo e vibro com sua poesia; ou deixo de lado o poema e abandono a leitura. No último caso, nada aconteceu; eu perdi meu tempo, mas a intenção poética continua viva, eterna à espera de um novo leitor, quem sabe mesmo, à espera de que eu esteja preparada para uma nova experiência numa outra ocasião, porque ler Joaquim Alice é abrir-se, é renovar-se em todos os sentidos. E a cada nova26 leitura, outros sentidos despertam. E é assim, com a alma em suspenso e a mente integrada, presa à realidade e também ao mundo do sonho, que leio 22 “Não Sou Deus”. Livro SETE.
os versos de Joaquim Alice, versos que falam de amor, Joaquim Alicerelações, mudanças, desencanto, desejo, sexo, amizade,compaixão, bondade, solicitude, espiritualidade, divindade,transcendência... E, que, sobretudo, não escondem a intençãode, passo a passo, ir tocando as pessoas, compondo o seureino de transformações para o bem, ao atingir, cada umindividualmente até alcançar a paz em todos os sentidos. E aípor meio dessa efetiva comunhão, em pequenas e importantesdoses que se repetem ao nível do eterno, ele “infecta” o seuleitor/interlocutor, cria uma nova noosfera mental, ondeavulta a imagem – não só, mas também – dos efeitos da suaBomba do Amor. E é ler com alma e sentido seus poemas,deixar que eles atuem em nossa mente e coração e, se precisofor, voltar tantas vezes quantas forem necessárias ao primeiroverso de cada página até pegar todos os seus múltiplossentidos. Assim, criados nestes últimos anos, em minhas mãos,passaram milhares de textos poéticos dos quase outrosmilhares conservados no arquivo particular de Joaquim Alice,sob o abrigo de uma construção cheia de luz – a que LuciaSimas23 chama Casa de Cristal – incrustada na encosta deuma montanha de formação vulcânica, de cujos vastos jardinsavista-se majestosamente o mar do Atlântico Norte que banhaas ilhas açorianas.23 Na obra publicada pela Chiado – O Homem de Corfu, em 2016, na sua segunda parte, Lúcia Simas, a escritora dos Açores, descreve o que se pode imaginar ser a ambientação em que vive o ser que, liberado de suas exigentes responsabilidades 27 mundanas, se dedica à Liberdade, ao Bem, ao Amor vivenciado na sua essência incondicional. A autora nominou esse local sagrado como sendo a casa de Cristal. Concordo com ela. A Casa de Cristal representa a Sétima Dimensão.
O plano da obra ... e o homem sem DEUS é somente uma semente ao vento... T.S.Eliot... do mais profundo de (todos) nósAnos depois, fui chamada aos Açores para organizar toda a obra poética daquele que se tornara amigo. E, num outono, numa mesa comprida voltada para o mar, tentei agrupar por categorias os poemas de Joaquim Alice, conforme os ia lendo. Logo pude perceber a ocorrência de vinte substratos poéticos que se repetiam, o que não era defeito, apenas o que eu reconhecia como a presença do Mito Pessoal do Autor, conforme teoriza Charles Mauron.24 A leitura em sequência cronológica dos poemas (como a mim foi possível fazer), fizeram-me observar recorrências frequentes a temas específicos, formando uma rede metafórica de sentidos figurados, alicerçada em um mesmo propósito: levar o leitor a autodescobrir-se, a transformar-se em pessoa melhor com o intuito de construir sua própria felicidade. Dessa forma, o autor sugere que o leitor busque dentro de si mesmo respostas para o mistério de sua própria vida. Concentrada, e de posse de dados que, talvez, venham à tona a partir da interpretação da leitura que faz, é possível que a pessoa que lê ou ouve os poemas, passe a olhar para si mesma de uma forma mais amorosa. Terá possibilidades, assim, de transformar a sua maneira de ser e de agir, se o modo tal28 24 Des métaphores obsédantes au mythe personnel, 1962. O processo criativo pode ser considerado uma espécie de autoanálise, mediante a qual o autor volta aos traumatismos iniciais e aos estádios infantis, e não como uma expressão direta do inconsciente: Hay un tránsito de la textualidad a la dimensión inconsciente del autor. Resumo disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0100-34372010000100015>. Acesso em: 5 maio 2018.
como vive não estiver de acordo com a busca da sua própria Joaquim Alicepaz e felicidade. Em caso de acerto, quer dizer, de conclusõespositivas, é quase certo, vendo que deu certo a sua experiência, logo a compartilhará com quantos com ela interagem no seucotidiano. 29 Na poesia de Joaquim Alice, esse processo de formação deelos a partir da descoberta da necessidade de buscar caminhosque levem à felicidade interior é bastante perceptível, porquehá traços contundentes de trânsito livre entre a textualidadepoética e a dimensão consciente do autor que trabalha para atransformação do sofrimento individual em paz coletiva. É acompaixão transcendendo a literatura. Mas, voltando, às categorias, 20 categorias, quando asidentifiquei, ainda eram muitas. Enxuguei-as para sete, masoutras se faziam perceber, e não tive outro jeito se não aninharos poemas sobressalentes em mais uma categoria, enfeixandoa obra completa que agora o autor oferece ao público, emoito livros (estes que aqui seguem), identificados pelas coresenergéticas dos sete principais chacras do corpo humano (dovermelho ao violeta, encerrando com a teia multicolorida, com apredominância do branco cristal da transcendência), acrescidode mais um chacra espiritual – o oitavo – que ultrapassa adimensão humana, alcançando os níveis da das dimensõessuperiores, que promovem a liberação de todas as energiasdeletéricas através da “sua imensa força gravitacional”25 E por que sete categorias? E, ainda mais, por que oito, narealidade? A razão é simples: cada grupo de poemas remetia àscaracterísticas que o sistema de chacras,26 teoria formulada pela25 Existe uma quinta dimensão? Disponível em: <https://mundoestranho.abril. com.br/ciencia/existe-uma-quinta-dimensao/>. Acesso em: 5 abr. 2018.26 Chacras: vórtices de luz ou campos energéticos, localizados na segunda camada que envolve o corpo humano e que conectam, através de fios ou cordões energéticos, o corpo material aos corpos sutis, distribuindo energias
... do mais profundo de (todos) nós medicina oriental, e muito utilizada pelo Sistema de Reiki27, apontam para a compreensão da constituição de ser humano e, como, através das suas funções equilibradas e harmônicas, ao deixar fluir toda a energia, contribui para a saúde integral do indivíduo. É como uma ascensão espiritual que se inicia no chacra básico, voltado para as necessidades de sobrevivência, sexualidade e individuação, até alcançar os píncaros da Consciência Pura. E os poemas de Joaquim Alice, pelo seu conteúdo, e numa primeira abordagem crítica, foram agrupados sob a luz dos chacras.28 Não que o poeta fale deles, mas a sua maneira de posicionar-se diante do mundo, o seu estado permanente de agradecimento, sua compaixão pelos que acompanham a mesma trajetória da existência, o querer que todos tenham a possibilidade de descobrir-se com as graças e as belezas do seu Eu Superior que habita em todos, tal qual Fagulha Divina, levaram-me a reverenciar a trajetória simbólica que um ser humano é capaz de percorrer numa existência terrena e que tão significativamente o poeta filósofo, talvez até sem o saber, expôs com tanta propriedade nos seus poemas. Contudo, com o caminhar do estudo, novas descobertas foram acontecendo e, sub-categorias foram aparecendo. Entre elas, apenas cito, deixando em aberto possiblidades para que futuros homens e mulheres das letras, estudantes universitários físicas, mentais, astrais e etéreas conforme a necessidade do indivíduo. In: LEADBEATER, C. W. Os Chacras ou centros magnéticos vitais do ser humano. São Paulo: Pensamento, 2006. São acumuladores e distribuidores de força espiritual, pelos quais transitam os fluidos energéticos que dão vida à pessoa.30 27 Método de cura criado por Mikao Usui,” sistema natural de harmonização e reposição energética que mantém ou recupera a saúde [...] desperta o poder que habita dentro de nós, captando, modificando e potencializando energia.” DE’CARLI, Johnny. Reiki: apostilas oficiais. São Paulo: Ísis, 2013, p. 28. 28 Para melhor compreensão em relação ao emprego da teoria dos chacras e a metáfora do “corpo antropomorfo de escrita”, em Apêndice a este volume, apresento alguns subsídios teóricos.
e aficcionados da literatura, lancem mão deste instrumento Joaquim Alicetão valioso que é a crítica baseada na teoria literária, quandolevada para o lado do bem, do estímulo e da confiança na competência dos escritores atuais, cujas obras serão aclamadascomo imortais. 31 Como sub-categorias a serem estudadas sugiro: as váriasfaces do silêncio; o bom humor dos últimos versos, queindicam a humana existência do autor, como se ele quisesse sefazer ver mais do que ser ouvido; as figuras de linguagem, emespecial a metáfora e todo o seu (oculto) esquema comparativo;a fôrma livre com que foram utilizadas as formas livres dopoemar em versos brancos; o estilo entre sério e jocoso doescritor; a religiosidade sem a edificação de um templo físico;a técnica do tiro com arco do caçador-solitário, sob o enfoqueda criação literária abordada como motivação para o despertardo movimento do tu tendo como alvo a si mesmo, o receptorlírico, nos poemas de Joaquim Alice. Mais tempo tivéssemos de escrita, mais categoriaspoderiam ir sendo listadas, à proporção que as repetidasleituras, desvendassem novos e cada vez mais profundos níveisisotópicos de compreensão do texto.Separação do corpus por categorias: tripartição Cada um dos oito livros de Joaquim Alice contém,poética e filosoficamente, correspondência às características epropósitos dos principais centros energéticos que regulam asfunções vitais do ser humano, desde o chacra básico ou raiz(Livro UM – Vermelho) ao da coroa (Livro SETE – Violeta),passando pelo umbilical (Livro DOIS – Laranja), pelo plexosolar (Livro TRÊS – Amarelo), pelo cardíaco (Livro QUATRO– Verde/Rosa), pelo chacra laríngeo (Livro CINCO – AzulClaro, pelo mental (Livro SETE – Índigo), até alcançar maisum chacra que representa as dimensões superiores, menos
conhecidas, quando se trata de campos de força de luz (Livro OITO – Da Transcendência), que se instalam quando a pessoa, depois de sofrimento prolongado e agudo, consegue sublimar e aceitar perdas e outros danos psicoemocionais. O agrupamento dos poemas pelos oito livros segue a tradição oriental de concepção setenária, que diz que o agregado homem-espírito compõe-se de extratos distintos: 1o) a Tríade Divina ou Ternário Superior (Eu Superior), composta pelos níveis Átmico, Búdico e Mental Superior (ou Causal); 2o) o Quaternário Inferior (ou Ego – Personalidade), composta pelos níveis Mental Inferior ou Concreto, Astral ou Emocional, Corpo Etérico, Duplo Etérico ou Corpo Vital e Corpo Físico ou Somático e o 3o) da Transcendência, para além dos dois primeiros. Da obra completa ... do mais profundo de (todos) nós, os quatro primeiros livros que o compõem revelam poemas cuja funcionalidade em relação aos chacras é de estrutura mais densa, mais material, menos poeticizada. Nesse caso, estaríamos falando... do mais profundo de (todos) nós dos Livros Um, Dois, Três e Quatro, que vão gradualmente saindo da densidade instintiva para a sutileza dos sentimentos e das emoções. Assim, essa primeira e grande arrumação deveu- se ao entendimento de que os quatro primeiros chacras (Básico ou de Raiz, Umbilical, Plexo Solar e Cardíaco) relacionando- se ao corpo físico, remetem às necessidades humanas de sobrevivência, amparo e acolhida pelo meio, ao reconhecimento próprio à autopreservação, às necessidades de companhia, aos processos de relacionamento onde o desejo físico ainda impera, à autovalorização, às emoções, aos sentimentos e à mente concreta do ser humano. Tudo isso são aspectos que encontramos nos32 poemas dos livros referidos. Do Terciário Superior fazem grupo os corpos mais sutis, onde afloram a criatividade expressa pela arte, a comunicação e expressão e a memória; a mente abstrata (o poder que tudo
organiza e comanda) e a divindade. Estamos, então, falando Joaquim Alicedos Livros Cinco, Seis e Sete. O Terciário Superior engloba osaspectos sutis29 dos niveis de consciência, da divindade em nós e da quinta dimensão onde o espírito encravado na matéria dá,em movimentos circunvoluntários, vida à alma humana que, 33num processo ativo de iluminação prepara-se para alcançara sétima dimensão no seu aspecto divino e transcendental,expresso pela Terceira Parte que inclui o Livro Oito. A Terceira Parte da obra – Da Transcendência – é aquelaonde o autor revela poeticamente as possibilidades de se acessara mente superior abstrata, a Consciência Pura, onde habita otesouro pessoal que se descobre pelo exercício da sublimação,quando, a partir do autoconhecimento em relação com aaceitação da dor e do sofrimento, quando vencidos, através domergulho interior e muito estudo, realiza-se no encontro dachama crística, conteúdo poético do Livro Oito, na sua clara efirme disposição de tratar de assuntos voltados para a sétimadimensão, a da transcendência. Acompanhei, de longe, todo o percurso de sua criação,desde os primeiros sintomas da gestação literária, o seunascimento, depois a sua persistente e contínua evoluçãoaté que, finalmente, eis, agora, a obra completa, pronta parao consumo. Da minha parte, coração e mente satisfeitosdepois de quase duas décadas de apadrinhamento, prazer nasleituras de cada poema, e, sobretudo, possibilidade de estudo e29 Corpos sutis – veículos de manifestação da consciência: inferiores (os mais densos relacionados com a materialidade da vida) e superiores (mentais, psíquicos e espirituais), que se subdividem de acordo com propriedades e densidades próprias em diversas dimensões. Fragmentos da consciência humana que assumem diferentes aspectos de nossa natureza multidimensional. Cada corpo possui seu sistema de chacras: “centro de energia sutil localizado ao longo do canal vertebral e do cérebro, “nodos importantes nos quais o espírito impregna a matéria no corpo” (NINIVAGGI, F. J. Saúde Integral com Medicina Ayurvédica. O Guia Completo para os ocidentais da mais tradicional escola da Medicina Indiana. São Paulo: Pensamento, 2015, p. 353).
divulgação da Literatura Portuguesa Contemporânea, objeto e bem querência da minha vida profissional. A obra poética em si ... do mais profundo de (todos) nós é o título que encabeça a obra poética e filosófica de Joaquim Alice, cujos poemas foram criados nos Açores, de 2012 a 2018. Os que constam desta coleção de oito volumes foram selecionados pelo seu conteúdo humanístico para uma edição a ser publicada no Brasil e, consequentemente, oferecida aos leitores brasileiros, portugueses e demais falantes lusófonos. Assim, conforme já explicado, os poemas, seguindo a orientação holística do sistema de chacras, foram agrupados em oito categorias, cada uma delas constituindo um volume, como segue:... do mais profundo de (todos) nós Livro UM: ... do mais profundo de mim Livro DOIS: ... do mais profundo de nós (os dois) Livro TRÊS: ... do mais profundo da (minha) emoção Livro QUATRO: ... do mais profundo do (meu) coração Livro CINCO: ... do mais profundo da (minha) intenção Livro SEIS: ... do mais profundo da (nossa) consciência SETE: ... do mais profundo da (nossa) essência Livro OITO: ... o TODO em TODOS nós, no estado perfeito do UM Numerados de Um a Oito, todos com títulos específicos e outras identificações, os livros mantêm uma estrutura interna34 que centraliza todos os pontos da interconexão metafórica do corpo textual (o conjunto de poemas) e a imagem interpretativa do corpo da escrita no seu nível de significado literário: um
corpo antropomorfo,30 com suas relações e combinações Joaquim Aliceenergéticas formadoras dos corpos densos e sutis do serhumano na sua completude (do chacra básico ao da coroa,mais o transcendental). O registro escrito do conjunto da obra de Joaquim Alicesegue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa(1990),31 vigente no Brasil, respeitadas as formas de sintaxeda língua portuguesa de expressão açoriana, algumas vezesrealizadas conforme variantes da linguagem oral coloquial.Muitos termos e frases se diferenciam das palavras e expressõesda língua portuguesa falada no Brasil. Por isso, em notade rodapé, há definições de termos e expressões de línguasestrangeiras e de outros de origem portuguesa cujo significadonão é usado, ou até mesmo, desconhecido em Santa Catarina.A pesquisa sobre os significados realizou-se em dicionárioseletrônicos do Brasil e de Portugal.32 De forma geral, tentei serfiel à escrita dos poemas que recebi da parte do autor. A sintaxe33 utilizada pelo poeta, isto é, a disposição daspalavras enquanto elementos da frase, de ordem e de relação,em alguns aspectos e, em alguns casos, diferencia-se da queusamos no Brasil, principalmente aqui no sul. Não é somenteo sotaque; a disposição mental dos falantes e a estrutura frasal,tanto na escrita quanto na fala, sugere-nos atenção especial30 Diz-se daquilo que apresenta uma aparência idêntica ou parecida com a do ser humano; com aspecto idêntico ao do ser humano, ao da espécie humana. Disponível em: <https://www.lexico.pt/antropomorfo>/; <https://www. 35 dicio.com.br/antropomorfo/>. Acesso em: 12 maio 2018.31 O acordo de padronização da ortografia da língua portuguesa foi assinado em 1990 entre Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). No Brasil, sua vigência obrigatória está valendo desde janeiro de 2016.32 Houaiss, Priberam e outros.33 ...“componente do sistema linguístico que determina as relações formais que interligam os constituintes da sentença, atribuindo-lhe uma estrutura” (Houaiss).
ao conteúdo expresso. Na verdade, é quase uma outra língua falada, mesmo provindo, ambas as expressões linguísticas, das mesmas fontes que deram origem à nossa Língua Portuguesa. Portanto, os poemas de Joaquim Alice, principalmente pelos leitores brasileiros, são para serem lidos devagar, muito devagarzinho, tão lentamente que se possa entrar em cada palavra, em cada frase, em cada silêncio, em cada respiração contida, em cada pulsação do que se pressente como manifestação poética do filósofo em forma de canção sussurrada, do dizer ao pé do ouvido, ou de mansamente ser dito olhos nos olhos, mãos seguras pelo aconchego de outras mãos, pela alegria do sorriso aberto, nascido do mais profundo de um coração cheio de entusiasmo pela vida e mantido constantemente pela alegria do amor. Sim, na obra de Joaquim Alice, abundam silêncios de onde jorram ternura; mas outros há que contêm o grito da alma em crise, que cala a dor na intenção de que ela se transforme em apaziguadora esperança na resolução dos conflitos. São silêncios humanos à espera de que o outro, um seu semelhante,... do mais profundo de (todos) nós os consiga captar na dimensão do seu acolhimento e compreensão. Por conseguinte, e porque existem variantes na forma de algumas locuções linguísticas, há necessidade de esforço de entendimento até os leitores, principalmente os catarinenses, se habituarem com a fluidez do conteúdo. Verão que as imagens são simples e adaptadas aos nossos dias, tiradas de ambientes naturais universais. O tom é coloquial. E se a obra está comprometida com a verdade do autor, é na posição crítica do leitor que ela se realiza. Na verdade, o conteúdo constitui-36 se de testemunhos vivos num plano onde o sofrimento pode estar presente, mas o movimento para sair dele traduz uma conquista, cuja vitória só é capaz de alcançar aquele que se aventura pelos caminhos internos da sua própria via crucis (dentro de si mesmo).
Em toda a obra, deparamo-nos com sinais disfarçados em Joaquim Alicenarrativas poéticas que nos levam a retornar a atenção para ocuidado que a nós mesmos devemos ter. E isso não caracteriza egoísmo; pelo contrário, é a forma de assumirmos o que o autordescobriu antes e que escolheu (quiçá inconscientemente) como 37instrumento para nos conduzir ao caminho que poderá nosajudar a criar a coragem de sermos felizes, mesmo que tenhamosde, trabalhando muito para isso, fazer parar a roda insana davida que tende, às vezes involuntariamente, para a rememoraçãotriste dos acontecimentos que ainda nos prendem ao passado,ao isolamento e ao medo. Fazer essa roda da fortuna girar nadireção da esperança, do esquecimento e do perdão, pelodínamo do altruísmo e da perseverança, parece ser o ato maisprudente que poderemos realizar se quisermos ter sucesso naobtenção de nossos desejos e metas. Melhor ainda, se estivermosalicerçados no companheirismo, no compartilhamento do que ébom e no bom humor, práticas das quais, quase sempre, fugimos,por comodismo e aceitação cega ao status quo; essa visão é umadas que resulta da leitura dos poemas do poeta açoriano, nossocontemporâneo, Joaquim Alice. Lembra o autor, pelas lições que traz, que, quando oapego às lembranças negativas e às coisas materiais se agiganta,é o momento de a nós mesmos dar ouvidos. Sofrimentos,aflições, tristezas e doenças são passíveis de acontecer atodos os humanos. Mantermo-nos neles e nelas é que é oproblema. Com disposição para o autoperdão e a criação depossibilidades outras abertas ao diálogo, diz-nos o poeta,criamos, socialmente, dispositivos capazes de nos favorecer nosentido da comunhão de interesses e prazer compartilhado. Émais fácil contribuir para a paz por meio de práticas que nosdespertem para uma vida menos complicada, onde o fazer e oser seguem os preceitos da simplicidade voluntária. Para o desabrochar de uma vida compartilhada emfelicidade, devemos considerar o outro com todos os seus
atributos e capacidades, deixando-o agigantar-se diante de nós para que possamos também radiografar as suas necessidades. Ao detectá-las, indicá-las humanamente sob a forma de possibilidades na solução do que nem sempre é percebido pelo próprio que as sofre. Em outras palavras, cabe, a cada um de nós ajudar o outro a se autoconhecer, a cuidar de si mesmo, a abrir coração e mente à luz cósmica. É isso que Joaquim Alice, no meu entendimento, provoca nos leitores. Seus poemas são ensinamentos que falam à nossa alma, como maneira amorosa de revelar, para além dos reflexos de um espelho, a profundidade do que somos, a distância que estamos de nós mesmos, ou ainda das mil virtudes que poderíamos cultivar no jardim do espírito. E isso quem aponta é Joaquim Alice, o filósofo que nos apanha pela poesia.... do mais profundo de (todos) nós A voz do caçador-solitário em busca da perfeição à semelhança da técnica da arte do tiro ao arco Sente-se que, em grande proporção, muitos seres humanos estão paralisados pela aniquilação do que para eles já teve sentido. As perdas econômicas e a caída do status social já alcançado, causadas pela depauperização a que os sistemas políticos levaram a sociedade, pelo menos nesta última década, prenderam o indivíduo na malha da globalização, isto é, no sofisma de que a individualização é menos importante do que a coletividade. E quando o espírito não é forte, torna-se difícil quebrar o encanto. Só a sensibilidade dos que ainda se consideram merecedores de estima, principalmente da auto-38 estima, provoca, então, mudança no seu modo de agir e de pensar. E levar os leitores a essa constatação fazem de Joaquim Alice o poeta de excelência neste final de década, quando busca a criação de momentos em que seja possível a inauguração de
um tempo de tranquilidade, de um lampejo em que o leitor Joaquim Aliceperceba que o que se quer é muito mais do que a paz aparentedos cemitérios. A verdadeira tranquilidade provinda do silêncio interior 39é espelho da vida em sua forma absoluta – interna e externa –resultante do esforço próprio de cada um. Se as religiõesapontam caminhos que levam a esse fim, as pessoas maissensíveis vão além, numa busca própria da harmonia naturalda vida que leva ao encontro do Grande Espírito, estado únicoda Perfeição. Assim, em silêncio e quietude, mas também emestado permanente de dinâmica atitude voltada para o bem,sintamos os poemas de Joaquim Alice e reverberemos com elena imensidão do UM Cósmico. Contudo, antes disso, é imprescindível lembrar a naturezada arte do Tiro ao Arco, exercício tão caro ao nosso JoaquimAlice, conforme ele deixa transparecer nestas centemas depáginas poéticas. Diferentemente do que a sociedade capitalista ensinou,hoje vive-se mais a cultura do ser do que a do ter. E poucosfazem do “fazer bem’, com consciência, o ideal de suas vidas.Querer uma obra bem feita exige algumas premissas no seuplanejamento. Se estamos mais interessados no produto semlevarmos em cota seu processo criativo, corremos o risco deestagnar, de ficarmos pelo caminho. E se ficamos presos nainanição, não haverá progresso, evolução. É natural haver uma tensão entre o sujeito que desejaalcançar uma meta definida e o objeto que, a princípio, nega-se a ser apanhado. É quando trabalhamos sem objetivos,simplesmente para ocupar o tempo; essa tensão/desatençãoimpede a harmonia do processo. Para atingir a perfeição técnicade acertar no alvo, a prática pela repetição deve ser prazerosa.A tensão da obrigação de acertar deve ser substituída porum trabalho consciente de libertação até a satisfação entre o
... do mais profundo de (todos) nósfazer e o feito encontre unissonância. Assim, depois da tensão eliminada, a perfeição técnica é fruto do esforço pessoal. Enquanto houver desejo mecânico, unicamente pelo desejo do acertar, sem consciência do ato em si, não ocorre unissonância; ela acontece somente quando o sujeito integra-se ao objeto do seu querer. Só a pessoa com a mente voltada para a realização pode sentir o significado e a gratificação resultantes desse querer sem tensão: A perfeição é um caminho ... a percorrer (nunca um destino). Senão... nem chegas a pôr-te a caminho ... com receio ... de o falhares (como se fora algo de estático e material... que pudesses agarrar!). Só após a conclusão da “cestinha-e-do-ovo”, poderias aspirar a melhorar o trabalho, ou a partir para outro... munida, já, com a experiência no primeiro obtida. Caso contrário... é só “imaginação-em-círculo-vicioso”, “imaginação-no-vazio”. Sem chegar... sequer... à ação, fica muito embaraçoso... ... perfeita desilusão!!! Contenta-te com a “IMPERFEIÇÃO-DO-MOMENTO”, sabendo que, assim, percorres passo a passo... mas segura... ... a via da perfeição...34 A perfeição só pode ser alcançada quando o praticante40 34 A PERFEIÇÃO DO IMPERFEITO. [...] a verdadeira unissonância depende de a atividade ser levada a cabo sem a participação do ego. É a marca da profundidade inerente a toda a existência individual, na qual todo o processo natural é parte da Unidade Maior da Vida. Inicialmente, o homem atua com o ego; mas, ao desenvolver-se além dos limites que isso lhe impõe, capacita-se para alcançar
morrer para si mesmo e se tornar um “órgão da vida”, isento de Joaquim Aliceego e imerso no Todo. A partir daí, manifesta-se na linguagemda imagem que a representa. Todas as coisas resultantes deum exercício repetido até a perfeição são fundamentalmentesemelhantes porque todas partem da interiorização doindivíduo: a imobilidade corporal, a respiração, o concentrar-seno centro de ser,35 tudo para alcançar harmonia e tranquilidademediante a supressão de tensões e de espaços diferenciais entresujeito e objeto. No que se refere à Arte do Tiro com Arco,36 um dos aspectosmais significativos na sua prática é a isenção de qualquerpropósito utilitário e de fruição estética. É simplesmente umexercício de consciência. Assim, não se pratica o tiro comarco com o mero intuito de acertar no alvo, bem como nãose maneja a espada com o fim de vencer o adversário, nem adança do bailarino sustenta-se no movimento rítmico; acima,e antes de tudo, nesses exercícios pretende-se harmonizar oconsciente com o inconsciente. No caso do tiro com arco, oarqueiro aponta para si mesmo e, como resultado, acerta nelepróprio, isto é, provoca um autoencontro, sendo alvo de simesmo. Os conhecimentos técnicos dessa arte e de outras, tal comoa Poesia, não são suficientes para tornar o praticante um Mestre.É preciso transcender a técnica, “para que o virtuosismo se o gozo da harmonia cósmica e experimentar, num plano mais alto, a Grande Unidade, a qual, até então, forçosamente estava oculta para ele.35 “O substrato que permanece quando nenhum sentimento se manifesta, o que 41 – por assim dizer – perdura num estado transcendente ou supraconsciente, é o ser”. Citado por Jung e Wilhelm, in op. cit., p. 93.36 “A arte do tiro é vista como herança do passado, não um desporto, mas uma prática ritual destinada a treinar a capacidade que encontra raízes e objetivos num encontro espiritual: o arqueiro aponta para si mesmo e a ele mesmo se encontra. HERRIGEL, Eugen. Zen e a Arte do Tiro com Arco. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, p. 11-12.
... do mais profundo de (todos) nósconverta numa ‘arte sem artifício’, que brota do inconsciente”37. É como Joaquim Alice admite neste poema: “Fusão”: Embrenho-me nelas, entro a fundo ... a minha intenção é (nelas) viajar ... até aos (seus) ... “nós-por-desatar” e, uma vez aí chegado ... paro, fico atento, calado (em máximo alerta e respeito) ouço, escuto com atenção, observo como se move, até descobrir como pode desatar o coração. Libertar-se ... ... coisa boa limpa, lavada, polida, brilha intensa ... diamante com vibração desimpedida agora, ... até palpita, rejubila, dá luz, ilumina, seus olhos tornam-se claros, clara fica a sua mente e é ... como se sente ... a tristeza do não-ser passa a clareza e destreza de SER.42 37 SUSUKI, Daisetz, na “Introdução” de Zen e a Arte do Tiro com Arco, op. cit. p. 7.
A aflição e o pudor Joaquim Alice se transformam na fornalha e a fusão nesse calor permite verter-se nos moldes 43 da coragem e do amor. Se, para o poeta, a Fusão acontece entre o observador e aalma observada, permitindo que os dois tornem-se um só – nonão-ser, o SER, no que diz respeito ao tiro com arco, tambématirador e alvo deixam de ser duas entidades opostas, para seunirem numa única realidade. O arqueiro já não tem maisconsciência de si como de alguém frente ao alvo: ele é o atiradore o próprio alvo. Liberto totalmente do seu ego, ele passa paraum estado de não-consciência, exatamente quando funde açãoà perfeição da perícia técnica. Esse momento é conhecido comosartori (“O que está para além da fronteira do ego”), que podeser entendido como sabedoria transcendental. Como não háexatamente em português palavra que expresse esse fenômeno,pode-se tentar compreendê-lo como o instante em que atotalidade se funde simultaneamente com a individualidade detodas as coisas. Do ponto de vista lógico, seria a percepção dasíntese ocorrida entre a afirmação e a negação, ou, ainda, em“termos metafísicos, é a apreensão intuitiva de que Ser é Devire Devir é Ser”.38 Exatamente como Joaquim Alice nos diz emViagem/Caminho: Integração é total MAJESTOSA ... é coragem abrangente nada se faça sem a mente morna fria ou quente ardente ...38 O mesmo que dizer: “o Zero é o Infinito – e o Infinito é Zero”. HERRIGEL, E. Introdução, op. cit. p. 8.
... do mais profundo de (todos) nós faz-se de novas ... e sente E tudo é matéria-prima p’ra transpores a torrente Uma vez na outra margem ainda a secares ... na aragem revês (então) o processo e sabes que ... tudo-está-em-ti como o “ti”-em-tudo queda-te ... silencioso ... MUDO Do confronto do arqueiro consigo mesmo espera-se um resultado positivo, mas ele só vem quando a intenção está livre de ideias preconcebidas. Os mestres orientais explicam que o arqueiro é ao mesmo tempo, o que alveja e o alvo, o que atinge e é atingido: mesmo na ação, ele se torna um centro imóvel. Nesse ponto, tudo muda e transcende: o tiro deixa de ser tiro e a arte deixa de ser arte, pois o objetivo interno prescinde do arco e da flecha. O professor volta a ser aluno e o mestre em aprendiz: o fim torna-se princípio perfeito. Tal filosofia japonesa, se para nós é complicada e desconcertante, aos orientais permite ascender a uma compreensão mais profunda de si mesmo, que não pode ser formulada pela razão;39 é um mergulho místico40, um encontro com o amor, no seu aspecto divino: Se o meu coração Rejubila A ti se deve... Amor [...]44 39 Como escreve H. Herrigel, esse objetivo é interior, está em nós próprios. Arco e seta são [...] apenas um pretexto para uma busca que os poderia dispensar, um caminho possível para um objectivo, que não é o próprio objectivo [...]. Ibidem, p. 15. 40 16 Idem, ibidem, p. 21.
Se consigo por momentos ser tu... Joaquim Alice Ao amor se deve: breve, leve ... mas infinito Amor consciente, o olhar no outro de quem quer ver, a 45mão estendida, e o “atirador”, sem fazer qualquer força agede maneira a que a força do adversário atue a seu favor. Oarquétipo que representa essa função é a água dos sentimentos“que se esquiva sem nunca ceder”; ou como diz Lao Tse: “a águaque nada recusando, a tudo se ajusta”. E, então, é chegada ahora do tiro ser disparado com toda a suavidade: relaxamento,libertação do ego, amplidão espiritual e precisão. Em outraspalavras: ceder sem nenhuma resistência.41 Na poesia de Joaquim Alice, o exemplo da capacidade dese integrar no acontecer, esquecido de si para que o outro sedescubra e tenha mais vida, sem qualquer necessidade de outrapersuasão que não a do próprio amor que, esquecendo-se de si,tudo dá: Nada sou, no fundo, Bem gostaria de ser remédio... Para (te) saciar, Para (te) curar. Mas nada sou, no fundo... Apenas vibração... É um ritual poético. O arqueiro e o artista sabem danecessidade de sintonização que deve haver na hora em quese defrontam consigo mesmo e, por extensão, com o outro. Sóno momento em que se fundem completamente é possível oato da criação; nesse momento se tem a certeza de que o Egoestá morto, abrindo a possibilidade e comunhão de espíritos.41 E então, tudo estará feito mesmo antes de o arqueiro saber. E continua H. Herrigel: É antes de todo o fazer e realizar, antes de todo o entregar-se e integrar- se que esta presença de espírito é convocada e assegurada [...].
... do mais profundo de (todos) nósÉ como se uma vela acesa acendesse outra vela, como se um coração batesse em uníssono com outro coração para que ambos se iluminassem e a um fosse possível ver outro. No tiro com arco: o arqueiro tem de estar desprendido de si mesmo. A tensão só existe até o tiro partir. Ele então se solta, desprende-se do arqueiro como “a neve acumulada na folha de bambu”, antes mesmo que ele se dê conta disso. Por isso, o resultado não depende do arco, mas do espírito, da vivacidade e da atenção com que ele é manejado. E o arqueiro atinge o alvo sem ter feito pontaria. Nesse duelo amoroso, qual um mestre que, tensionado, ensina a arte do tiro ao arco ao aprendiz, o poeta ainda clama: “O teu nascimento/ depende da tua libertação”. Assim, na Poesia, o tiro de Cupido não tenciona derrotar ou vencer o adversário mas, acima de tudo, forjar o próprio espírito: “aquilo que meu adversário é depende do grau de perfeição de meu próprio espírito: só através disso é que uma pessoa determina o que é seu adversário”.42 O homem que entra na posse da “verdadeira e maravilhosa espada adquire o poder de restaurar e tirar a vida”. Também aquele que gira na ciranda do amor ou que tenta acertar no alvo do seu próprio coração é mestre de si mesmo. “O mestre brinca com o adversário, deixando-o pôr em ação o seu plano de ataque, observando-o, calmamente, sem matá-lo; assim ele faz com que o outro reaja. Fica, então, o mestre, livre para matar ou dar a vida, à sua escolha”. Afinal, não é a espada que mata, mas o homem que a empunha. E só pode agir dessa forma quem está livre do desejo de vitória:46 Dou o salto no escuro, No desconhecido E, confiante, 42 Dürckheim, K. G.von. op. cit. p. 64.
Consigo cravar! Joaquim Alice Apenas guiado por intuição, Arrisco tudo E, assim, consigo criar! 47 Amo-te a ti Que nem sabes ser quem és... A todos os que se buscam Confusos, Desorientados, Feridos, magoados, Mas persistentes, Confiantes num futuro, Que apesar de “sem-rosto”, Se adivinha E alimenta a enorme esperança Ao virar de cada esquina. O tiro certeiro e a espada do ego pessoal pertencem a umaalma instintiva que suscita inimigos contra si mesma: todas asrelações humanas que visam vantagem pessoal apontam paraa flecha ou a espada “que traz a morte”. Um homem não podetirar vantagens (lei de Gerson) sem prejudicar os demais. OBudismo exorta aos seus adeptos a “vencer os próprios desejospessoais e, num mundo de ambição e egoísmo, elevar-se epreservar-se num plano de verdade”.43 A espada do principiante (ou adversário, por mais astutoque este seja) perde a força diante da espada do Mestre.Capitulado e vencido, o adversário luta a fim de alcançar outraespada, assim, aperfeiçoa a sua técnica (a espada da mortetransforma-se, então, em espada da vida): o homem, diante daatitude do Mestre, sente-se estimulado a forjar a sua própriaespada e aí tudo pode acontecer, até o Amor. Assim é o amor43 Idem, ibidem, p. 70.
... do mais profundo de (todos) nósuniversal, do Eu superior; o amor incondicional é decorrência natural. Persigo-te Atento, concentrado Qual caçador solitário44 Astuto Nada escapa, nada pode escapar, Até a cadência do discurso O ânimo por detrás do verbo A energia que emanas A (tua) fuga ao que interessa realmente O labirinto de manobras de dispersão (que constróis) E lá vou, atento, concentrado, Deixando a ‘presa’ à vontade No tiro com arco, desaparecendo o ego pessoal (a tensão e o esforço na ação) surge o Eu Profundo (o verdadeiro eu) e o homem supera o seu tempo, estando, contudo, plenamente presente a cada momento. Essa realmente é uma mudança de paradigma. Heráclito já disse que o rio não é sempre o mesmo (passam as águas, muda o rio). O presente é um tempo que prescinde do passado e do futuro, embora seja a sucessão do passado e a antecipação do futuro. Esse fluir, sempre renovado, só pode existir nas ações descontraídas, fora da ansiedade aflitiva do homem com o “tempo”. O Mestre na hora da luta – ou da convivência com o outro, está aberto ao puro espelho de sua alma; se sua alma for pura, livre de todas as amarras e preconceitos, então “tudo o que existe no céu e na terra se refletirá nele, tal qual é”. O homem48 44 “O anti-caçador... Aquele que persegue a ‘presa’ para a libertar, que a fere com flecha mágica, que inicia o processo de infecção de vida (no exato equilíbrio...) E é tão lindo ver-te em busca de novo tiro, rendido ao prazer, embora meio sem- jeito, de te conheceres, de te encontrares finalmente... aliás, no sítio onde sempre soubeste existir.” Joaquim Alice, Livro QUATRO.
que possuir um espelho desses estará absolutamente presente, Joaquim Aliceperfeitamente senhor do momento e da atitude mental entãodesejável. Ele não é obrigado a nada, sua ação é apenas natural, ele é independente de qualquer modo de vida, seja ela qual for,“ação sem ação, na arte de esgrima ou em qualquer das artes da 49vida”, do tiro com arco ao Amor. Um mestre da arte do conflitoque possua em seu coração um espelho desse tipo está livre detodo o traço da consciência que duvida e diferencia. Ele tudovê sem “ver”. Taia é a espada do prodígio: a “excelentíssima espada”.Quem sabe maneja-la, ausente de qualquer julgamento, eleva-se acima das fronteiras do comum sem jamais tê-las cruzado. Aespada do prodígio é inata a todo o ser humano.; é a marca daperfeição concedida desde o princípio pelo. Pena que o homem, às vezes desconhece essa sua aptidão natural, ignorando a joiaque esconde nas profundezas de sua alma, deixando-se, assimser vitimado pelos enganos da vida. Na verdade, o que faço é só soltar-te Fazendo criar em ti a sensação, o gosto E depois o hábito de te aceitares E de te amares (E aqui se encontra a fase mais perigosa do processo... aquela em que, por vezes, só a “arte-no-manejo- dos-opostos” pode garantir o sucesso real. E... meu Deus, quantas vezes me contrariei – E, de caminho, via... passei a obstáculo, quiçá intransponível).
... do mais profundo de (todos) nós E uma vez que acredites E proves desse néctar Então já posso ir... O caçador cumpriu- se Ferindo de morte o que eras Ou o que quer que tenhas sido antes Para que pudesses renascer. Tal arte – a arte de amar –, assim como a arte do caçador- solitário é impossível de ser transmitida, mesmo pelo melhor Mestre: o homem deve reconhecê-la em si próprio. Quando um mestre encontra outro mestre, um “acordo” (ou milagre) acontece: é como se suas almas fossem tocadas pela mesma vibração. Quando se identificam com o caminho, então, seus esforços são acrescentados de real prazer no próprio caminho e isso pode ser interpretado como promessa de real prazer, de grande realização. Se o caminho tornar-se uma necessidade interior, terá sido alcançada a maestria superior. E assim, o Poeta, encontra no Amor o Caminho e a Amada, pelo Caminho, é chamada ao Amor... “Brinquem pelo caminho”, tenham prazer durante o caminho, ou simplesmente, sejam alegres ou amem – no sentido do amor universal – para serem felizes (ou sentirem-se no céu), é a exortação que todo mestre faz aos seus discípulos, por que50 ele sabe, que, frente a frente, os dois tornam-se um e o exercício do (re) conhecimento transforma-se não em conflito mas num ato de prazer, num momento de arte: os dois amantes, ou os “dois mestres são dois modos do mesmo ser, uma imagem da verdade suprema que existe, imutável, em todos os tempos, no
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