DESENVOLVIMENTO, DESVIO E A FORÇA DO SOCIAL S… | 149 Também se dedicando ao problema do atingimento das metas estabelecidas pela sociedade contemporânea, Zygmunt Bauman aduz que cada vez mais searas sociais vêm sendo assimiladas por um modelo de consumo, de modo que o consumismo tem se tornado a filosofia-padrão da vida moderna (BAUMAN, 2008, p. 152). O “ser moderno”, na visão do autor, é, em sua essência, um ser insatisfeito e que jamais atinge a realização dos objetivos antes propostos, já que mira numa linha de chegada que se move eternamente para frente e, desse modo, nunca é alcançada (BAU‐ MAN, 2001, p. 37). O autor enxerga raízes consumistas no defi‐ nhamento da solidariedade social no ambiente de trabalho e na supressão das preocupações de cuidado e compartilhamento dentro dos lares. Ademais, sustenta que os pobres de hoje - que já não pertencem à classe trabalhadora, mas sim a uma “subclasse” – estão a ser rotulados como anormais pelo fato de não terem desenvolvido competência e aptidão para o consumo. O problema maior da contemporaneidade, portanto, não está nas pessoas que não se dedicam ao trabalho, mas sim naquelas que faltam com o dever social do consumo. A propósito da associação dos consumidores falhos ao desvio, Bauman aponta que: Consumidores falhos são solitários, e quando ficam sós por muito tempo tendem a se tornar arredios – não veem como a sociedade ou qualquer grupo social (exceto uma gangue criminosa) possa ajudar, não esperam ser ajudados, não acre‐ ditam que sua sorte possa ser alterada por qualquer meio social que não seja um prêmio de loteria. (BAUMAN, 2008, p; 161)
150 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Sobre a recente ascendência da criminalidade, o sociólogo alerta que não se trata de uma disfunção ou negligência, mas de um produto próprio e inescapável da sociedade consumista. É que, para ele, se por um lado se consegue seduzir mais pessoas para o consumo, e com isso mais prosperidade alcança o modelo de sociedade consumista; por outro, maior se torna o abismo entre os sujeitos que desejam e podem satisfazer os seus desejos e aqueles que, apesar de haverem sido seduzidos pela mesma ideia de que o consumo excessivo é sinal de sucesso, são incapazes de atuar da forma que deles se espera. Diferentemente de Durkheim, que sustentava que a coesão social seria tanto maior quanto mais acentuada fosse a individuação dos membros das sociedades avançadas, marcadas pela solidariedade orgânica, Bauman assevera que o negativo da individualização é justamente a desintegração da cidadania, enfocando o individua‐ lismo da modernidade líquida em contraposição ao papel do cidadão. Conforme o autor, o cidadão é inimigo do indivíduo na medida em que o primeiro procura realizar-se por meio do bem comum, enquanto o último se mostra indiferente, cético ou prudente no que toca à existência e ao engajamento em uma causa comum (BAUMAN, 2001, p. 45-46). O interesse público, assim, é reduzido ao interesse pela vida privada de pessoas públicas ou, ainda, à exposição pública e confissões de questões privadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do cotejo entre os autores e teorias destacados no presente trabalho, pode-se afirmar que a procura do indivíduo pelo prazer instantâneo e pela ascensão enquanto consumidor engendra o afrouxamento dos laços sociais e, por outro lado, o acirramento das tensões sociais e surgimento do desvio.
DESENVOLVIMENTO, DESVIO E A FORÇA DO SOCIAL SO… | 151 Como defendeu Durkheim, o Estado deveria ter por finalidade chamar seus cidadãos a uma nova moralidade, que pudesse se desenvolver no mesmo ritmo do crescimento econômico e do avanço da industrialização, de forma a controlar os afetos e a buscar constituir uma sociedade mais justa e bem organizada. Merton também se preocupou com os valores que são objeto das aspirações sociais, argumentando que, numa sociedade em que grassa a pobreza e em que a cultura enfatiza o sucesso pecuniário, o resultado dessa anomia será o comportamento desviante. Por fim, Bauman, ao afirmar que o consumismo tem se tornado a filosofia-padrão da vida moderna, aduz que o abismo entre os sujeitos que desejam e podem satisfazer os seus desejos e aqueles que, apesar de haverem sido seduzidos pela mesma ideia de que o consumo excessivo é sinal de sucesso, são incapazes de atuar da forma que deles se espera, gera inevitavelmente o comporta‐ mento criminoso. Portanto, com indivíduos cada vez mais destituídos de limites (inclusive os derivados das preocupações com os outros), a estabi‐ lidade característica das relações interdependentes fica compro‐ metida e, com isso, tem-se o pano de fundo propício à exasperação da inconformidade ou desvio. Os esgarçamentos da solidariedade social, se por um lado pavi‐ menta o surgimento do desvio, por outro impede o desenvolvi‐ mento tal como teorizado por Celso Furtado, ou seja, como o alargamento do patrimônio existencial das pessoas e como a realização das múltiplas potencialidades dos membros da socie‐ dade. Afinal, é somente quando a capacidade do ser humano se empenha em enriquecer seu universo de valores substantivos que se pode verdadeiramente falar em processo desenvolvimentista.
152 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ______. Vidas para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BELLI, B. Tolerância zero e democracia no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004. DURKHEIM, E. A ciência social e a ação. Lisboa: Livraria Bertrand, 1975. ______. Educação e sociologia. 11. Ed. São Paulo: Melhoramen‐ tos, 1978. ______. Lições de sociologia: a moral, o direito e o Estado. São Paulo: T.A. Queiroz, Edusp, 1983. ______. O suicídio. São Paulo: Martins Fontes: 2000. FURTADO, C. Acumulação e criatividade. In: D’AGUIAR, Rosa Freire (org.). Essencial Celso Furtado. São Paulo: Penguim Clas‐ sics Companhia das Letras, 2013. ______. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. ______. El desarrollo como proceso endógeno .Revista Ola Financeira, n. 8,p. 170 -193, jan-abr 2011. Disponível em: <http://www.olafinanciera.unam.mx/new_web/08/pdfs/Fur‐ tado-Clasicos-OlaFin-8.pdf >. Acesso em: 09 ago. 2020. GIDDENS, A. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 2012. MERTON, R. K. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1968. QUINTANEIRO, T. et al. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: VALIDADE DO PRINCÍPIO DA SERENDIPIDADE NAARA LUNA CHAVES; CAIO JOSÉ ARRUDA AMARANTE DE OLIVEIRA INTRODUÇÃO É SABIDO QUE PARA CONSTRUÇÃO DO CONVENCIMENTO DO julgador, são inerentes o procedimento em contraditório e a prova que nele é admitida. Nessa esteira, a atividade do juiz criminal é sempre recognitiva, assim, o julgador faz uma retros‐ pectiva do processo, ponderando a imputação do acusado, os princípios processuais penais e a prova obtida em contraditório judicial (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 342). Assim, de antemão, pode-se concluir que não existe prova sobe‐ rana, e ainda que exista a possibilidade da produção de provas antes da ação penal, estas à literalidade do Art. 155 do Código de Processo Penal não podem ser preponderantes para formação da convicção do magistrado. A posteriori, o corolário do contraditório deve ser observado em todas as fases do processo judicial. Sob essa perspectiva, em primeiro momento, na postulação da prova, o contraditório se
154 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO materializa na possibilidade do réu de igualmente postular prova em contrário, à luz do princípio da paridade de armas. Quando o juiz admite a prova, o direito de defesa concretiza-se na faculdade de impugnar a decisão do magistrado. Na fase instrutória, o direito soberano de defesa torna-se clarividente, visto que às partes são garantidas a participação, e mais mormente, a observação da produção da prova, à luz do princípio da publicidade disposto no Art.5º, inciso LX, da Constituição Federal Brasileira. Finalmente, desvinculando-se do sistema probatório da íntima convicção, o contraditório deve ser rigorosamente resguardado na fase de valoração da prova – mais especificamente na sentença, externada pela fundamentação do juiz. Assim, a argu‐ mentação do julgador conduz à faculdade do acusado de impugnar o entendimento judicial pela via recursal (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 365). Em sentido divergente do que foi discutido, a construção do arcabouço probatório nos delitos cometidos pelo crime organi‐ zado, se torna ainda mais meticuloso, haja vista a organização e poderio financeiro que detém as grandes organizações crimino‐ sas. Acrescenta-se à discussão, a necessidade – por vezes – de instauração de sindicância ou processos administrativos, em outros órgãos, como a Receita Federal e o Banco Central – BACEN, quando tratar-se de delitos econômicos. Em vista dessa encruzilhada, o julgador muitas vezes se depara com a impossibilidade da produção da prova pelos meios, que ordinariamente são requeridos na investigação. Recorre-se então, ao mecanismo previsto na Lei nº 9.296/1996: A interceptação telefônica. Nesse sentido, o exaurimento dos meios de prova possibilita a invocação da lei supracitada, em conformidade com o seu Art. 2º, II.
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 155 No entanto, ainda que de frente a esses imbróglios da condução do processo, o julgador deve continuar adstrito aos manda‐ mentos legais, haja vista que “forma é garantia e limite de poder” (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 59). Contudo, e se durante a intercep‐ tação se capte crimes diversos que decorrem do meio de obtenção de prova autorizado judicialmente - com ou sem conexão com o crime principal? A responder o questionamento, o Superior Tribunal de Justiça vem, então, firmando tese, adotando o chamado “Princípio da Serendipidade”, ou o encontro fortuito de provas. Todavia, é valioso que se destaque que, antes de mais nada, calcula-se que todo ato judicial que outorgue, exempli gratia, a obtenção de informações bancárias, fiscais ou telefônicas, sacrificando deter‐ minado direito fundamental, é, em sua totalidade vinculado e limitado (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 387). A pesquisa, desse modo, dedica-se a refletir as limitações acerca da interceptação telefô‐ nica e da prova obtida por encontro fortuito na interceptação telefônica de Organizações Criminosas. METODOLOGIA Ab initio, é imperioso trazer à baila a importância de se ter um zelo técnico acentuado na elaboração da metodologia da pesquisa científica, visto que aquela é essencial à esta, isto é, existe entre a pesquisa e o método utilizado uma relação de simbiose na padro‐ nização do engajamento científico com vistas à fruição de um conhecimento que possa alcançar solução com os embates desen‐ cadeados pela sociedade. Desse modo, Rodrigues (2016, p.19) assevera:
156 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Assim pode-se dizer que a metodologia científica consiste no estudo, na geração e na verificação dos métodos, das técnicas e dos processos utilizados na investigação e resolução de problemas, com vistas ao desenvolvimento do conhecimento científico. O conhecimento científico se constrói por meio da investigação científica, da pesquisa utilizando-se a meto‐ dologia (RODRIGUES, 2016, p.19). Nessa perspectiva, conclui-se o quão necessário é a elaboração da metodologia. Assim, o presente trabalho arrolará como métodos de procedimento: O histórico, abordando acerca da teoria do encontro fortuito de provas no crime organizado, as posições doutrinárias e o entendimento que prevalece nos tribunais superiores. Ademais, servirá também o método explicativo, explicitando os limites constitucionais à aplicação do mecanismo da intercep‐ tação telefônico, e mais mormente, do uso da prova encontrada fortuitamente na interceptação telefônica das ORCRIM’s. Arre‐ matando, poder-se-á apontar estes como os principais a contor‐ narem a pesquisa, todavia, sem prejuízo que ao longo desta investigação, se reúna outros métodos de procedimento. No que concerne ao método de abordagem, a pesquisa se deterá ao método dedutivo, assim, se absorverá a evolução do entendi‐ mento acerca da prova fortuita, aplicando este entendimento ao processo penal referente ao crime organizado e balizando-o aos limites dos corolários que podem configurar-se violados, como o direito à intimidade, ao contraditório e à não autoincriminação – nemo tenetur se detegere.
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 157 Portanto, o estudo visa identificar e esclarecer a problemática que envolve as matérias em discussão. Nesse sentido, “a questão fundamental da dedução está na relação lógica que deve ser esta‐ belecida entre as proposições apresentadas, a fim de não compro‐ meter a validade da conclusão (MEZZAROBA, MONTEIRO, 2003, p.65).” Há nessa afirmativa, devido à natureza do método, o dever do pesquisador de convalidar as premissas sob pena de não alcançar resultados científicos e efetivos. DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO MEIO (DE OBTENÇÃO) DE PROVA A princípio, a prova é elemento primordial para construção do convencimento do julgador. Em sentido contrário, se materiali‐ zaria a síntese de um processo inquisitório, em que não se neces‐ sitaria a produção da prova, para condenação do acusado. Mais mormente, não basta que se apresente a prova per se, mas que a apresente e faculte ao acusado o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, Badaró (2012, p. 270) distingue meios de prova e meios de obtenção de prova aduzindo:
158 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p.ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p.ex.: uma busca e apreensão) são instrumento para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p.ex.: um extrato bancário [docu‐ mento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convenci‐ mento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à construção da história dos fatos (BADARÓ, 2012, p.270). Outrossim, no decorrer da história, diversos sistemas e técnicas foram, e são, usados na investigação de determinados aconteci‐ mentos, com o intuito de reconstruir ou obter a verdade dos fatos, assim, os meios de obtenção de prova são considerados como caminhos para chegar até o conhecimento dos fatos (LOPES JÚNIOR, 2018, p.352), sendo esses, tão indispensáveis quanto a prova em si. Nucci (2013, p. 398), então, bem assinala, que:
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 159 A meta da parte, no processo, portanto, é convencer o magis‐ trado, através do raciocínio, de que a sua noção da realidade é a correta, isto é, de que os fatos se deram no plano real exatamente como está descrito em sua petição. Convencido disso, o magistrado, ainda que possa estar equivocado, alcança a certeza necessária para proferir a decisão (NUCCI, 2013, p. 398). Afinal, se o modo como a evidência foi formada, transgredir o direito do réu, ou mesmo de outrem, que não esteja na relação processual, bem como se o artifício usado para sua obtenção não seguir o devido processo penal, a prova é reputada como ilícita, devendo assim, ser desentranhada do processo. Ademais, consoante o art.157 do Código de Processo Penal, são inadmissíveis as provas obtidas por meio de violação das normas constitucionais e infralegais. Assim, devem, desde logo, ser consi‐ deradas provas ilícitas e que devem ser afastadas do processo de convencimento do juiz, em harmonia também, com o Art.5º, LVI, da Constituição Brasileira. Em julgamento de Habeas Corpus, que foi arguida a ilicitude da prova, o Ministro Celso de Mello aduziu em seu voto que:
160 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir- se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos proba‐ tórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probató‐ rios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes. (BRASIL, 2005) Logo, visto que os meios de aquisição de prova, são mecanismos para a coleta de elementos ou fontes de prova, apresenta-se, como um desses meios, a interceptação telefônica, que consiste na captação por uma terceira pessoa da intercomunicação entre dois ou mais interlocutores sem que eles tenham percepção de tal ato. Esse instrumento de produção de provas, então, está também previsto no Art. 5º, XII da Constituição Federal, que indica a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, exceto,
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 161 por ordem judicial, segundo a forma estabelecida por lei para os fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Emerge à discussão a Lei nº 9.296/96, que visa regulamentar as hipóteses de violação do direito fundamental supracitado em prol da obtenção de provas que incriminem o acusado de determi‐ nado crime. Nessa perspectiva, em seu Art.2º, a Lei apresenta requisitos para a inexequibilidade da interceptação telefônica. Assim, aduz o art.2 da lei 9296: Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção; Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibili‐ dade manifesta, devidamente justificada (BRASIL, 1996). Desta feita, analisando os requisitos para a interceptação telefô‐ nica, conclui-se que, constitui o primeiro requisito, os indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, logo, não será permitido adentrar a privacidade de outrem sem que se apresente uma necessidade concreta e consolidada, não sendo assim, portanto, suficiente apenas uma hipótese ordinária. Em consonância, não se possibilitará estabelecer a interceptação
162 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO telefônica como prova inicial, afinal, anteriormente a ela, deve se ter uma investigação preliminar, sendo a interceptação apenas um auxílio, que deve ser exercido em ultima ratio. Desse modo, torna-se preciso a ratificação do fumus boni iuris para o emprego desse recurso. Nesse sentido, Fernandes (2007, p.107) explica a natureza cautelar da interceptação telefônica: A interceptação, por ser providência de natureza cautelar, não é admitida quando não estiver presente o fumus boni iuris ou a aparência do direito, que, no crime, engloba duas exigências: a probabilidade da autoria e a probabilidade de ocorrência de infração penal. Tais exigências estão contidas no inc. I do art. 2º, sendo uma alusiva ao agente – existência de “indícios suficientes de autoria ou participação” – e outra à materialidade – ocorrência de “infração penal” (FERNAN‐ DES, 2007, p.107). A posteriori, o segundo requisito estabelece que antes de recorrer a interceptação telefônica, é necessário aplicar todos os recursos legítimos possíveis, pois, essa só poderá ser empregada quando não existirem outras formas de investigação. Desse modo, para a autorizar a interceptação, é preciso manifestar o periculum in mora, ou seja, o risco de perda da prova, caso não seja utilizado tal recurso (FERNANDES,2007, p.107). Por conseguinte, por ser uma ação que pode macular um dos direitos fundamentais – o da privacidade - somente deverá ser arguida como última alternativa, devendo ser clarividente, ao ser solicitada, o real e justo motivo da sua utilização. Por fim, o terceiro requisito determina que, o fato a ser examinado, através da interceptação, tem de ser penalizado com reclusão, assim, por
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 163 eliminação, acusados de crimes punidos com detenção, não podem ter suas privacidades vilipendiadas. Não obstante, estão abarcados os crimes praticados por ORCRIM’s, haja vista que a pena abstrata chega aos oito anos de reclusão e a latente dificuldade de se produzir provas, pelo vasto material estrutural e tecnológico que os integrantes dessas orga‐ nizações possuem. Em sentido convergente, Lima (2016, p. 132) aponta: A análise do modus operandi destes “novos delitos” é sufici‐ ente a demonstrar que raramente virão à tona por confissão, prova testemunhal ou flagrante. Se os julgadores se conten‐ tarem apenas com esse tipo de prova, assistiremos a uma saraivada sem fim de absolvições, pois a experiência demonstra que nos casos pertinentes à macrocriminalidade impera forte código do silêncio na instrução criminal (LIMA, 2016, p. 132). Sabe-se, também, que a ilicitude da interceptação poderá ensejar a responsabilização penal das autoridades, se empregada com motivos escusos pelas autoridades judiciárias, em conformidade com os Arts. 10 e 10-A da Lei de Interceptações. Por outro lado, há responsabilização civil se as conversas gravadas forem divul‐ gadas para a sociedade. Sob esse parâmetro, Moraes (2006, p. 27) expõe:
164 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Os direitos e garantias individuais e coletivos não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afas‐ tamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. (MORAES, 2006, p. 27). Torna-se imperioso, portanto, o sábio manuseio dos meios de obtenção probatória, ponderando entre os direitos da personali‐ dade do acusado e o princípio da necessidade do processo penal – nulla lex penalis sine necessitatis. O requerimento e a posterior admissão da interceptação telefônica, assim, deverão sempre respeitar os limites probatórios, sob pena de na busca pela verdade “real”, agir contra a democracia do sistema acusatório. Aplicação da interceptação telefônica nas Organizações Criminosas O conceito de Organização Criminosa adentrou no Brasil por meio da Convenção de Palermo. Por meio desta, surgiu a necessi‐ dade de se elaborar pelo legislador brasileiro um regramento específico com intuito de combater o crime organizado no país. Foi então em 2013 que, editou-se nova lei tratando da conceitu‐ ação e os meios de investigação para a obtenção da prova, a Lei nº 12.850/2013. Assim, em seu Art.1º, §1º, o dispositivo normativo estabelece:
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 165 Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. §1º Considera-se organização criminosa a associação de 04 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e carac‐ terizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (BRASIL, 2013). A necessidade de um regramento específico para as organizações criminosas, urge, haja vista, a dificuldade de construção de um arcabouço probatório capaz de levar o magistrado – de maneira democrática – ao convencimento da prática dos ilícitos. Frise-se que, uma das características do crime organizado é pontualmente a organização e a divisão de tarefas dos indivíduos, deixando impune os agentes, em vários crimes praticados. Assim, Prado (2014, p. 402) elenca como características das ORCRIM’s: de modo genérico, são elencadas como principais caracterís‐ ticas da criminalidade organizada, teoricamente comum a todas as organizações: a) acumulação de poder econômico; b) alto poder de corrupção; c) alto poder de intimidação; d) estrutura piramidal (PRADO, 2014, p. 402).
166 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Decerto, não caberia ao juiz, a pacificação da questão que existia antes da Lei supracitada, no sentido que é defeso a participação do juiz-ator à luz do princípio acusatório. As deficiências da legislação, portanto, somente poderiam ser sanadas pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, no Capítulo II – tratando da investigação e dos meios de obtenção da prova - da Lei nº 12.850/2013, o Art.3º, V explicita: Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permiti‐ dos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: V - Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; (BRASIL, 2013). Expressamente, o legislador a contento, especificou os meios de obtenção da prova penal, incluindo a interceptação telefônica, que consiste na captação da conversa entre dois interlocutores, sem a ciência destes. Feita a análise sumária da introdução da Lei das Organizações Criminosas no ordenamento jurídico, suas críticas e principal‐ mente a implementação da interceptação telefônica como meio de obtenção de prova, Streck (1996, p.4) aponta que a intercep‐ tação deve ser feita “exclusivamente quando for indispensável, conditio sine qua non para a apuração da infração, é que ela se justi‐ fica.” A análise do instituto inserido, sobretudo, deve ser feita sob o prisma da Lei nº 9296/96. Para adquirir valor probante, devem ser inseridos no processo, como meios de prova, tanto a gravação do conteúdo, que permite a reprodução sonora do objeto da prova, mais mormente, a
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 167 degravação, que consiste na transcrição da conversa entre os interlocutores. No entanto, o valor probante do produto da inter‐ ceptação, não se confunde com o da sua admissibilidade, aquele somente será revelado com a valoração dada pelo juiz à prova em sentença penal, podendo reputar até como mero indício. O indí‐ cio, contudo, não se confunde com a prova penal, assim, o TRF – 1ª Região esclarece: PENAL E PROCESSUAL PENAL. DELITO DO ARTIGO 1º, I, DA LEI 8.137/90. RÉU ABSOLVIDO COM BASE NO ART. 386, VI, DO CPP. 1. A condenação do acusado deve fundamentar-se em fatos provados. O indício, isoladamente, não é suficiente para embasar o decreto condenatório. 2. Apelação provida para absolver o réu, nos termos do artigo 386, VI, do CPP. (BRASIL, 1996).1 Com relação à possibilidade de prorrogação, que pode ser reque‐ rida dada a complexidade e aparelhamento tecnológico das grandes Organizações Criminosas, o Art.5º da Lei 9.296/96 esta‐ belece que o prazo não poderá exceder quinze dias, “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova” (BRASIL, 1996). Conquanto, há correntes que interpretam diferente o dispositivo elencado. À exemplo, Greco Filho (1996, p. 31), defende que o tempo seja ilimitado, argumentando pela exiguidade dos trinta dias previstos em Lei. Todavia, a interpretação extensiva do Art.5º da Lei de Interceptações, concede uma centralização de poder na figura do juiz, ferindo princípios processuais penais, como o da lesividade – nulla necessitas sine injusria. Conclui-se, que toda e qualquer mudança de entendimento da Lei em desfavor do acusado, deve ser tomada pelo Poder Legisla‐
168 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO tivo, principalmente, pela capacidade de supressão de direitos da personalidade, presentes na interceptação dos meios telefônicos, que pode vir a macular a honra, a privacidade e a intimidade à custo de nada. Reflexões acerca do nemo tenetur se detegere no encontro fortuito de provas Vencidas as elucidações acima destrinchadas, urge comentar a aplicação do princípio do nemo tenetur se detegere no encontro fortuito de provas obtidas por meio da interceptação telefônica. Desta feita, pairam posturas doutrinárias das mais divergentes, desde a recepção dessas provas fortuitas, até o seu total descarte, haja vista que desvirtua a finalidade pretendida inicialmente, quando determinadas pelo juiz de ofício ou a requerimento da autoridade policial ou Ministério Público, em conformidade com o Art.3º, I e II da Lei nº 9296/1996. Nesse sentido, a primeira posição doutrinária trata da impossibi‐ lidade de recepção das provas obtidas fortuitamente, visto que essas maculariam a especialidade e a vinculação da prova, violando direitos fundamentais, sem que o conteúdo obtido tenha sido aquele que tinha finalidade a interceptação telefônica. Posição intermediária restaria configurada, então, quando presente a observância do critério da conexão para a admissibili‐ dade da prova fortuita. Atualmente, essa é a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, e preconiza que é lícita a serendipidade de primeiro grau, isto é, quando o crime descoberto possui conexão ou continência com o crime principal. Merece destaque o precedente na jurisprudência do STJ2:
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 169 HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORI‐ ZADORES. REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. PERDA DO OBJETO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 1. Constatada a revogação da prisão preventiva do ora Paciente, resta esvaído parte do objeto do presente writ, que visava ao reconhecimento de constrangi‐ mento ilegal pela manutenção da prisão cautelar. 2. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autori‐ zação judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. 3. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É consec‐ tário lógico da própria função do órgão ministerial — titular exclusivo da ação penal pública —, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria. Writ prejudicado em parte e, na parte conhecida, denegado. (STJ, 5ª Turma, HC 33.553/CE, rel. Min. Laurita Vaz, j. 17/03/2005) (grifos nossos). Assim, se existente terceira pessoa no encontro fortuito, a prova obtida valeria como notitia criminis para instauração de um novo processo contra o agente descoberto, sendo inadmitida como meio de prova, visto se contaminaria com a ilicitude a gravação que desvendou o terceiro dentro de crime conexo. Posiciona‐ mento ponderado, que Gomes e Cervini (1997, p.194) em sentido convergente aduzem:
170 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Se o fato objeto do encontro fortuito é conexo ou tem relação de continência (concurso formal) com o fato investi‐ gado, é válida a interceptação telefônica como meio probató‐ rio, inclusive quanto ao fato extra descoberto, e desde que se trate de infração para a qual se admita a interceptação (art. 2º, inc. III). Exemplo: autorização dada para a investigação de um tráfico de entorpecente; descobre-se fortuitamente a prática de um homicídio, em conexão teleológica. De outra parte, se se descobre o envolvimento de outra pessoa no crime investigado (de tal forma a caracterizar a continência do art. 77), também é válido tal meio probatório. Nessas duas hipóteses, em suma, a transcrição final da captação feita vale legitimamente como meio probatório e serve para afetar ('enervar') o princípio da presunção de inocência. De outro lado, não vale a interceptação telefônica como meio probató‐ rio: a) seja em relação ao encontro de fato não conexo; b) seja quanto a fatos cometidos por terceiras pessoas, sem nenhuma relação de continência com o investigado. A terceira pessoa pode ser tanto quem se comunicou com o investigado quanto quem utilizou alinha telefônica, embora não fosse investigado. Esse encontro fortuito vale como notitia criminis. É inadmissível como meio probatório, por se tratar de prova ilícita (GOMES e CERVINI, 1997, p.194). O último entendimento está na interpretação que possibilita a admissão da prova fortuita, mesmo que esta não tenha conexão com o crime principal. Alega-se nesses casos, o princípio da primazia do interesse público, portanto, tal entendimento foi adotado no julgamento do HC 197.0443 de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, assim expondo:
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 171 HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. FALTA DE CABIMENTO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DIÁLOGOS NÃO RELA‐ CIONADOS COM O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO. PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE ILICITUDE, DE EXCLUSÃO E DE DESTRUIÇÃO DE TAIS PROVAS. INEXIS‐ TÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. POSSIBILI‐ DADE DE DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS (FENÔMENO DA SERENDIPIDADE). PRECEDENTES.1. O habeas corpus não deve ser utilizado como substitutivo do recurso ordinário previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição Federal e 30 da Lei n. 8.038/1990. 2. O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo de dados e comunicações telefônicas devidamente autorizada judicialmente, determinada para apuração de outros crimes, não impede, por si só, que as provas daí advindas sejam utilizadas para a averiguação da suposta prática daquele delito. 3. A comunicação entre advogado e cliente eventualmente alcançada pela regular escuta telefônica não implica nulidade da colheita da prova indiciária de crimes e serve para a instauração de outro procedimento apuratório. 4. Não deve o Estado permanecer inerte ante o conhecimento da prática de outros delitos no curso de inter‐ ceptação telefônica legalmente autorizada. Conforme o art. 40 do Código de Processo Penal, cumpre à autoridade judicial, em casos que tais, remeter ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 197.044/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta turma, julgado em 04/09/2014, DJe 23/09/2014) (grifos nossos). Desse modo, a proteção contra a autoincriminação, fundada no
172 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO princípio da dignidade da pessoa humana emerge à discussão, abrindo espaço para que se questione se a flexibilização dos direitos fundamentais seria democrática, mesmo que em nome da busca da verdade real. Assim, contrariando essa procura inces‐ sante proposta por alguns magistrados, Lopes Júnior (2019, p. 372) aponta: O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legi‐ timar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz-ator (inquisidor) (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 372). Nada obstante, no processo penal democrático, compatível com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e com a Consti‐ tuição Cidadã de 1988, a legitimação dos atos processuais somente teria viabilidade se coerentes com a verdade formal ou processual, que para Ferrajoli (2006, p. 44) é uma verdade aproxi‐ mativa, consequentemente limitada “por lo que sabemos”, isto é, sempre contingente e relativa. Nesse sentido, na proteção da autoincriminação, o STF expõe:
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 173 [...] Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedi‐ mentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a condessa a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal, e nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial judiciária, a prática da infração penal. (STF – 1ª Turma, HC 68.929/SP, Rel. Min, Celso de Mello, DJ 28/08/1992). Conclui-se com as ponderações realizadas, que ainda que o nemo tenetur se detegere não seja um princípio absoluto, a interceptação telefônica se revela como um procedimento clandestino de obtenção de provas, realizado, portanto, por intermédio de arti‐ fício ardil levando o acusado ao engano, e mancomunando o julgador de “pré-juízos”. Nesse sentido, é linear que, ao menos, se requerida a prova antes da ação penal, razoável se tornaria que o juiz que determinou sua produção, seja desentranhado do processo na fase de contraditório judicial, ao lume do princípio acusatório e da imparcialidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerada a prova como um recurso crucial para a elaboração do convencimento do julgador, visto que é um subsídio que introduz a veracidade dos acontecimentos ao processo, consta‐
174 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO tou-se que não é permitido que os meios de prova e de obtenção de prova sejam ilícitos, sob pena de restar degenerada o direito fundamental de prova, que reflete também sobre o acusado. Nesse sentido, o Art.5º, XII, da Constituição Federal, aponta para inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, salvo, por ordem judicial, e de acordo com a forma definida por lei para os objetivos da investigação criminal. Logo, a situação estabelecida, foi regulamentada pela Lei 9.296/96, popularmente conhecida como a Lei de Interceptações. A Lei de 9.296/96 estabeleceu então, requisitos para que aconteça o uso da interceptação telefônica, devendo assim, o requerimento e o subsequente assentimento da interceptação telefônica, obedecer aos limites probatórios, ante a penalidade de na busca pelos fatos, agir em desacordo com a democracia do sistema acusatório. Nesse sentido, quanto às Organizações Criminosas, existiu a necessidade de se estabelecer diretrizes próprias para esses orga‐ nismos, por conta da dificuldade de elaboração de uma estrutura apropriada de obtenção da prova penal. Assim, diante dessa carência, foi decretado, por Lei, os meios de obtenção da prova para as Organizações Criminosas, incluindo dentre os positiva‐ dos, a interceptação telefônica. Quanto à aplicação do recurso da interceptação no combate às Organizações Criminosas, foi estabelecida no Art.5º da Lei 9.296/96, a possibilidade de prorrogação do uso desse meio, não podendo, segundo a disciplina legal, exceder o prazo de quinze dias. Todavia, ainda que apontadas as correntes que interpretam de maneiras distintas o dispositivo mencionado, entendeu-se que qualquer alteração da Lei em desfavor do réu, deve ser tomada pelo Poder Legislativo, em homenagem ao princípio do nullum crime sine lege.
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 175 Por fim, quanto à realização do princípio do nemo tenetur se dete‐ gere no encontro fortuito de provas alcançadas pela interceptação telefônica, ainda que presentes as posturas doutrinárias divergen‐ tes, inferiu-se que, mesmo esse princípio não sendo pleno – à luz dele - o princípio da serendipidade na interceptação de Organi‐ zações Criminosas acaba conduzindo o julgador a formular conceitos antecipados, maculando a imparcialidade do juiz e a democracia do processo penal. REFERÊNCIAS BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro, Campus, Elsevier, 2012. BRASIL, Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, out. de 1940. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Fede‐ rativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfi‐ co,1988. 292 p. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, dez. de 1940. BRASIL. Decreto n° 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 05 abr. 2020. BRASIL, Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do Art.5º da Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ L9296.htm. Acesso em: 28 mar. 2020.
176 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO BRASIL, Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organi‐ zação criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de provas, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm Acesso em: 28 mar. 2020. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.788/RJ. 2. Turma. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 12 de abril de 2005. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/ verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=64575. Acesso em: 09 abr. 2020. BRASIL. TRF 1ª Região, Acrim 96.01.24990-7 DF, rel. Des. Federal Eustáquio Silveira, DJ 07.11.96. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constituci‐ onal. 5ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica: Lei 9.296. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. 1ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1996. p.31. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2019. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO… | 177 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. PRADO, Luiz Régis. Direito penal econômico. 6. ed., rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2014. RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia científica: completo e essencial para a vida universitária. [s.l]: Avercamp, 2006. STRECK, Lenio Luiz. A escuta telefônica e os direitos funda‐ mentais: as necessárias cautelar, em enfoque jurídico, TRF 1ª Reg. n. 1, ago. 1996. Superior Tribunal de Justiça. O encontro fortuito de provas na jurisprudência do STJ. Disponível em http://www.stj.jus.br/ sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/O-encontro-fortuito- de-provas-na-jurisprud%C3%AAncia-do-STJ. Acesso em: 28 mar.2020. Superior Tribunal de Justiça. HC 197.044/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 23/09/2014. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Crime Organizado: uma categoria frustrada. Discursos sediciosos: crime, direitos e sociedade. Rio de Janeiro: Revan, ano 1, v.1, 1996.
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS MEMÓRIAS DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO JOSÉ FLÔR DE MEDEIROS JÚNIOR “Em verdade, não existe uma grande diferença entre o que se passa no interior de um forno de olaria e de um forno de padaria. A massa de pão não é mais do que um barro diferente, feito de farinha, fermento e água, e, tal como o outro, vai ser cozido do forno, ou cru, ou queimado.” — JOSÉ SARAMAGO INTRODUÇÃO A DISCUSSÃO SOBRE CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO econômico não é recente, bem como o embate de não ser algo percebido apenas no território do Direito. Necessário, aliás, desterritorializar o embate para além das fronteiras construídas pelo Direito e adentrar ao campo da economia, da ciência polí‐ tica, da sociologia, da filosofia e da literatura. Neste texto iremos procurar demonstrar residir em Celso Furtado tal preocupação ao discutir o desenvolvimento socioeconômico.
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 179 Urge, desta forma, a discussão entre a imprescindibilidade da concretização do direito fundamental ao desenvolvimento e, assim, construir um caminho possível à superação das desigual‐ dades regionais, tendo como escopo o diálogo entre Direito e Literatura para conversarmos sobre cidadania e a existência digna. A temática perpassa, então, pelo questionamento: é possível a existência do desenvolvimento socioeconômico sem a efetivação da cidadania em seu significado participativo, e da existência digna em uma sociedade onde o indivíduo suplantou o cidadão e a ética não é valorada? Ancorado na literatura concernente ao tema e ao questionamento apontado, delineia-se a hipótese de que a ausência da cidadania e a não valoração da ética descons‐ trói a possibilidade de um desenvolvimento socioeconômico. Este encontra-se localizado no diálogo necessário entre o Direito e a Literatura, localizado embate na percepção furtadiana e no pensamento de José Saramago. Para tal percurso de escrita o caminho metodológico traçado é o da realização da pesquisa bibliográfica no campo hermenêutico. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, TEMPO E ESPAÇO: O LUGAR DA MEMÓRIA O desafio da escrita reside em colocar no papel, em tempo presente, a ideia construída em tempo passado. O tempo como fator de crise é o elemento a mensurar a duração das crises, se curtas ou longas. Da ampulheta ao tempo do relógio o homem rendeu-se ao tempo da/na crise. A crise passa (elemento de tempo) e, em seu passar, perpassa afetando alguns mais que outros. No Direito o tempo está presente a definir o tempo do contrato, da pena a ser cumprida ao tempo a ser exercido pelo
180 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO trabalhador em seu labor. Afinal, a modificação da norma jurídica não pode desconsiderar a norma presente em relação à produção de norma futura. Sobre o tempo Santo Agostinho questiona: “de que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro – se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente e não passasse para o preté‐ rito, já não seria tempo, mas eternidade.” (AGOSTINHO, 2015, p. 296). Para o filósofo/teólogo cristão-católico existiria um momento (tempo) em que o presente (que um dia foi futuro e logo passará) será passado (tempo) sob pena de permanência (tempo) e o homem vive em crise à medida que o tempo vai passando e este envelhece sem notar, ou a notar preferindo não anotar, o tempo a passar. O homem em eterna (elemento de tempo) crise receia dialogar com o tempo, autor de sua vinda, bem como de sua partida, autor de sua permanência. A Literatura, território vasto de, e para, narrativas sobre crises, percebeu este receio (ou seria angústia do ser?) humano. Borges escreve que “a eternidade, cópia despedaçada é o tempo.” (BOR‐ GES, 2010, p. 18) para logo depois questionar “como foi encetada a eternidade? Santo Agostinho ignora o problema, mas aponta para um fato que parece permitir uma solução: os elementos de passado e de futuro que há em todo presente.” (BORGES, 2010, p. 19). O embate Borges e Santo Agostinho nos permite perceber que os dois, cada um a seu tempo, possuem razão em suas argu‐ mentações não significando, entretanto, estarem corretos em suas argumentações. O diálogo Sto. Agostinho/Borges apenas eterniza (elemento de tempo) a importância do tempo nas rela‐ ções humanas. O embate sobre o tempo posto por Sto. Agostinho passaria a perdurar (noção de tempo). Discorrendo acerca da posição agostiniana Lorenzetto alega que “a eternidade, no livro XI das Confissões de Agostinho, se configura como permanência,
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 181 nem corroída nem corrosível, uma plenitude inatacável, um sempre que se opõe ao suceder ininterrupto do movimento, que é o tempo.” (LORENZETTO, 2013, p. 7). Em outras palavras, a crença na divindade eterna. Sto. Agostinho (2015) repõe o debate e expõe, contrapondo-se aos que defendiam ser o tempo o curso dos astros, afirmando que ninguém me diga, portanto, que o tempo é o movimento dos corpos celestes. Quando com a oração de Josué o sol parou, a fim de concluir vitoriosamente o combate, o sol estava parado, mas o tempo caminhava. Este espaço de tempo foi o suficiente para executar e pôr termo ao combate. Vejo, portanto, que o tempo é uma certa distensão. Vejo, ou parece-me que vejo? Só Vós, Luz e Verdade, o demonstrareis a mim.” (SANTO AGOSTINHO, 2015, pp. 305/306) O tempo, em sua impossibilidade de mensuração, está posto, por um ângulo, pela crença na eternidade, paradoxalmente ao tempo da passagem. A crença agostiniana na divindade eterna o fez crer na eternidade, não significando que outros povos, que acreditam na eternidade, mas possuem uma visão religiosa de mundo a diferir da de Sto. Agostinho, venham a ter a mesma visão sobre o tempo posta pelo pensamento agostiniano. Quando Lorenzetto afirma da permanência das reflexões agostinianas está a falar sobre a eternidade que é inatacável para Sto. Agostinho. Tais colocações, que podem ser lidas de forma rápida ou à reflexão (elementos de tempo), demonstram apenas o quão o ser humano vive em crise permanente quando busca respostas no, e ao, tempo da crise.
182 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Percebe-se uma separação entre a Lei Divina pensada, e por isso a eternidade presente em Sto. Agostinho e o Direito que, à época da escrita agostiniana, não existia positivado como o temos hoje na certeza de que amanhã restará um direito transformado pelas metamorfoses presentes ao interior do tecido social que a Litera‐ tura está a, a todo o tempo, antecipando-se ao Direito. Residindo neste ponto um dos elementos de crise (a permanência, ou não) no, e do, Direito quando se procura aplicar uma norma jurídica deslocada no, e do, tempo social ou cultural. Thomas Mann ques‐ tiona sobre a possibilidade de “narrar o tempo, ele próprio, o tempo como tal, em si mesmo? Não, de fato não, algo assim seria arrojo insano!!!” (MANN, 2016 p. 622), não ignorando a impor‐ tância da memória construída e das lembranças vividas que possuem residência em algum lugar do espaço/tempo. Questio‐ namento presente em Sto. Agostinho ao inquerir “pode-se medir o tempo.” (STO. AGOSTINHO, 2015, p. 298). Se em Thomas Mann a resposta é negativa aparece positiva na filosofia agosti‐ niana ao expor que “quando está decorrendo o tempo, pode percebê-lo e medi-lo.” (STO. AGOSTINHO, 2015, p. 298). Diante esta situação optamos pelo posicionamento de Borges e de Thomas Mann por compreendermos não ser possível defender Sto. Agostinho por entender-se ser o tempo um contínuo e não um fracionamento entre fato ocorrido e o fato por ocorrer. O Direito (não?) pode, mas assim o faz, ao definir um tempo de pena em quantidade. Difere para quem vai cumprir a pena a viver uma peça de um só ato. Por este esteio deve-se considerar que um dos pontos cruciais ao tempo e ao Direito vem a ser a memória. Reside na memória humana, e em sua seletividade, escolher lembrar, ou não, de determinadas crises vividas ou negadas em sua vivência. Ou simplesmente esquecidas, ou simplesmente apagadas seletiva‐ mente. Camus aponta da necessidade de olharmos o quão impor‐
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 183 tante vem a ser a memória alegando que a dos “pobres já é por natureza menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço, considerando que eles raramente saem do lugar onde vivem, e tem também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sem cor.” (CAMUS, 1994, p. 74-75). Percebe-se em Camus espaço à reflexão sobre tempo, espaço, lugar e memória. Entende-se que a memória dos pobres possua menos pontos de referência no tempo e no espaço. Estamos diante de uma memória a não ter tempo. Paradoxalmente esta‐ mos, no caso dos pobres, em uma memória onde a mensuração do tempo não é impossível. Ela inexiste. Clarifica-se a existência de tempo vivido na construção de uma memória não presente. Importante lembrar da memória dos trapeiros de Benjamin que, devido à condição social não eram vistos como pessoas a possuir memória. Na realidade eram invisíveis à sociedade e/ou por ela foram invisibilizados através da norma jurídica que apaga da memória social a existência dos trapeiros. Sendo assim, é o processo de invisibilização social uma forma de apagar memórias que a sociedade não quer em seu presente. Victor Hugo na obra Os Miseráveis nos apresenta outro olhar ao embate do papel do Estado em relação ao indivíduo e ao cidadão. A eleição de Jean Valjean na condição de personagem central que, não por coincidência, passa a ter uma memória narrada dentro do tempo apenas quando passa a ter um convívio social regrado pelas normas jurídicas em eterno conflito com suas normas de conduta. Dentro de uma memória onde o único espaço existente era ocupado pelas lembranças da pena (sendo sempre) cumprida e que acompanharia sua vida, assim como sua partida. Por outro lado, sua memória reside presa em um momento de sua vida onde não há tempo mensurado, mas tempo vivido enquanto partícipe esteve do contrato social que habitou. E quantas vezes o
184 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO direito não criou, usando a literatura como fonte, situações assim para o homem, para o indivíduo e para o cidadão? A pena a residir na norma é pensada na noção de punição (cum‐ prida no/do tempo) daquele que, de forma culposa ou dolosa, foi contrário à norma. Resolveu diferir do escrito histórico-político- jurídico exposto na norma erguida. Estabelecida a pena aquele que a recebe resta a internalização de nova concepção de tempo a não guardar relação com tempo da pena. O tempo do infrator, agora condenado pelo Direito, guarda vínculo com sua memória, enquanto o estipulado pela norma com a garantia da ordem social retornando e a esquecer do homem a cumprir pena. O tempo da pena conduz o infrator assim como “a rua conduz o flanador a um tempo desaparecido.” (BENJAMIN, 1989, p. 185) e onde o flanador é um infrator à Modernidade. Di Giorgi escla‐ rece-nos que “a validade do direito é a memória do sistema. Como memória, a validade permite que o sistema recorde e esqueça ao mesmo tempo.” (DI GIORGI, 2006, p. 64). Devemos sempre lembrar que esta situação está vinculada à própria exis‐ tência humana. Afinal, como escreveu Certeau: “o memorável é aquilo que se pode sonhar a respeito do lugar.” (CERTEAU, 2002, p. 190) onde o condenado pela Peste procura esquecer e que perdeu a condição de sonhar. Procura, inclusive, a tentativa de esquecer o lugar. É o tempo atuando como elemento a dizer de quanto é a pena e passa a conviver com o condenado, sua vida e memória, o tempo passado na prisão e em sua memória quando dela, pelo Direito é liberto. Benjamin discorrendo acerca do flâneur aponta para a oposição sobre a internalização da concepção tempo, à medida do relógio no mundo operário e a delimitação do espaço urbano. Em sua contraposição ao mundo novo ele caminha e observa a paisagem realizando algo localizado no tempo passado. Ele sabe-se obser‐ vado e insiste em seu passear vagamente contemplando a tudo
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 185 enquanto todos correm para cumprir o tempo da produção sem perceberem a paisagem em volta. Contemplar o ambiente urbano industrial enquanto caminhar é um ato revolucionário. Afinal, para o flâneur o tempo não passa pois é tempo vivido. Memória e tempo presentes. O tempo conduz as pessoas a viverem em um novo espaço/tempo a partir das transformações advindas com a modernidade. Progresso, crescimento econômico ou desenvolvimento econô‐ mico? Que memórias estaremos a carregar no futuro do olhar que temos sobre o presente? Até o presente o lugar da memória não carrega consigo o desenvolvimento socioeconômico e tem poucas lembranças acerca da prática efetiva da cidadania. Afinal, a memória, está sempre atrelada ao ideário de lembranças vividas ou de projeções do por vir havia ancorado no porto presente. O DESENVOLVIMENTO NÃO CONSEGUE SAIR DA CAVERNA 1Definir o que possa ser compreendido como progresso vem sendo um dos desafios da sociedade contemporânea com impli‐ cações no mundo jurídico desde do Séc. XIX adentrando ao século passado e estando presente enquanto discussão. Reside, no termo em comento, uma ideia linear de evolução advinda do pensamento racionalista iluminista e, portanto, traria (em tese) um sentido positivo de avanço qualitativo da humanidade e de que esta tivesse condição de transformar no campo econômico, político, social e cultural. Neste sentido a afirmação de Kujawski (1991) de que “a “lei do progresso”, vislumbrada pelos iluministas, empresta ao progresso o determinismo que lhe faltava, justifi‐ cando o otimismo que ilumina os tempos modernos na marcha pela conquista do futuro.” (KUJAWSKI, 1991, p. 22) A ratio iluminista terminou por sacralizar o progresso enquanto
186 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO caminho a ser seguido pelo homem em direção a um futuro onde, em tese, seria sempre um novo espaço à vida humana. Mas, se “para o homem religioso, o espaço não é homogêneo” (ELIADE, 1992, p. 25) a noção de progresso terminou por homogeneizar o comportamento humano ao padronizar a forma de ser do homem no interior da sociedade. O tempo/espaço do progresso sacralizado, determinante e determinista, construiu um processo de precificação/coisificação do homem em indivíduo eliminando o cidadão nascente. Por este diapasão não se pode desconsiderar a padronização do tempo quando do processo de Revolução Industrial a construir uma única noção de tempo/espaço. A consolidação do modo de produção capitalista modificou a sociedade retirando o homem de seu papel social e político fazendo o mesmo exercer a mera atividade econômica de venda de sua força de trabalho. A inter‐ nalização dos novos padrões de comportamento por parte do homem ocorreu ao longo da mudança cultural em relação ao tempo, antes medido pelo tempo do trabalho, pelo tempo da colheita, para o tempo industrial medido em horas que confi‐ guram o quanto o homem, agora trabalhador coisificado, passaria a perceber na condição do padrão salário (preço pago pela força de trabalho não considerando a mais-valia) padrão instituído com a industrialização. Segundo Furtado (2013) “o salário do operário não especializado era, basicamente, um salário de sobre‐ vivência.” (FURTADO, 2013, p.120) O avanço nas atividades econômicas foram, portanto, acompa‐ nhadas de transformações sociais, políticas e culturais. Desta forma vai se afirmando o distanciamento do lado humano do ser para assumir o lado técnico do ter. Perdendo, assim, a noção do valor humano para passar a ser visto como algo que pode ser precificado. O progresso técnico industrial ao provocar a sepa‐ ração do homem de si mesmo transforma-o em mercadoria.
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 187 Segundo Bosi (1991) “a partir do século XVIII aproximam-se e, às vezes, fundem-se as noções de cultura e progresso” (BOSI, 1991, p. 17) não sendo menos verdadeiro que “a fé no poder da razão e da técnica alimentou o dogma do progresso necessário, linear e indefinido.” (LIPOVETSKY & SERROY, 2011, p. 43). O culto ao progresso retirou de cena o cidadão para colocar em cena o trabalhador e, mais adiante, um ser sem participação na vida coti‐ diana em seu aspecto social e o tempo tomado pelo/no trabalho impede o homem de ser cidadão no sentido da participação na vida do Estado. Este ser alienado não deixa de ter fé em sua crença religiosa, mas tem no dogma do progresso técnico sua nova fé. E, como ensina Dupas (2012), “o preço da dominação não é só o da alienação dos homens em relação aos objetos dominados, mas também é da coisificação do espírito.” (DUPAS, 2012, p. 109) Vê-se, portanto, que o homem ao se encantar pelo canto do progresso meramente técnico, como o marinheiro se encanta com o canto da sereia, terminou por afastar de si a sua liberdade para aprisionar-se na utopia de que a universalização do aperfei‐ çoamento/desenvolvimento técnico viesse trazer de volta a felici‐ dade perdida e a individualidade abandonada. Na paisagem retratada o homem não está, pois como escreve Arendt resta, “comprovado o divórcio entre o conhecimento (no sentido moderno de conhecimento técnico [know-how]) e o pensamento, então passaríamos a ser, sem dúvida, escravos indefesos, não tanto de nossas máquinas quanto de nosso conhecimento técni‐ co.” (ARENDT, 2014, p. 4). A paisagem desenhada ganha cores mais fortes e escuras onde é possível visualizar a fábrica, a vila operária, a fumaça a sair das chaminés, o operário em seu horário de labor, o dia escurecido pela poluição fabril e o relógio a afirmar a hora do acordar e do
188 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO deitar. Algo na pintura não é mais possível ser visto. O homem não está presente nos traços desenhados pois dentro das relações capitalistas de produção e do progresso técnico este foi vítima de um processo de invisibilidade social e política. O avanço do progresso instituiu um processo, lento e gradual, de invisibilidade do ser humano por não internalizar os padrões culturais impostos a partir da industrialização. Benjamin (2015) aponta para uma das consequências da cultura da modernidade ao fazer referências aos trapeiros. Aduz que, dentro dos espaços urbanos logo após o processo de industrialização, “os trapeiros começaram a aparecer em grande número nas cidades quando o lixo passou a ter certo valor, devido aos novos processos industri‐ ais. Trabalhavam para intermediários e representavam uma espécie de indústria doméstica situada na rua.” (BENJAMIN, 2015, p. 21). Enquanto lixo passava a ter valor para os trapeiros, estes não passavam de homens precificados e à margem do tecido social que habitavam. Estes seres retiravam sua sobrevivência graças ao que o progresso havia posto como algo a não ser consumido dentro da sociedade industrial. A inversão do exposto por Kant (2008) em relação à dignidade humana estava na existência, apenas no ato de existir, dos trapeiros. Conformava-se o processo de “tecnicização da natureza humana” (HABERMAS, 2010, p. 57) e comprova-se, assim, a tese levantada por Thompson (1998) de que “não existe desenvolvimento econômico que não seja ao mesmo tempo desenvolvimento ou mudança de uma cultura.” (THOMPSON, 1998, p. 304). Ou seja, o processo de consolidação das relações econômicas de ordem capitalista precisou trans‐ formar a cultura humana. Celso Furtado questiona de onde partimos, onde estamos e para onde vamos enquanto subtítulos do título Quando o Futuro
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 189 Chegar.2 Os questionamentos furtadianos nos levam a pensar sobre o que teremos como memória a falar sobre desenvolvi‐ mento socioeconômico e, ao mesmo tempo, não possuirmos resposta para nenhuma das questões postas e, portanto, não termos o desenvolvimento. São caminhos pelos quais percor‐ remos sem sabermos como e para onde leva. E, por esta ótica, o desenvolvimento socioeconômico reside prisioneiro do, e ao, passado, visto não conseguirmos, enquanto tecido social, avan‐ çarmos na construção de uma sociedade menos injusta em termos sociais e econômicos ao ponto de Furtado afirmar que “nosso país atravessa uma fase histórica de desilusão e ansiedade.” (FURTADO, 2001, p. 420) Desilusão esta a afetar a prática cidadã e a categoria cidadania que reside refém de direitos sociais, civis e políticos sem que o cidadão saiba como participar da vida do Estado pelo fato de não ter, em si, a memória da cidadania. O espaço/tempo do cidadão reside ancorado ao grafado no texto constitucional. Ou seja, o Estado delimitou o espaço/tempo da cidadania em um tecido social ausente de participação política. Neste sentido a afirmação de Furtado sobre a necessidade de “uma maior participação do povo no sistema de decisões” (FURTADO, 2001, p. 425) termina por ser posto no campo da utopia não pelo autor, mas pelo cidadão a não participar. O desenvolvimento socioeconômico necessita, para sua efetivação, da cidadania. A evolução do homem à condição de cidadão terminou por cons‐ truir, paradoxalmente, o indivíduo e, neste plano, indivíduo e cidadão passaram a travar uma batalha sobre o domínio do espaço citadino. Deveria prevalecer o espaço público, do cidadão, ou o espaço individualizado, de interesses particulares, do indiví‐ duo? Eis a questão a merecer resposta para a realização do desen‐ volvimento socioeconômico à ótica furtadiana. O
190 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO questionamento aparentemente fácil, não o é, pois envolve o advento da Modernidade, a evolução das cidades, o processo de industrialização, a separação do homem em relação aos meios de produção e um processo, lento e gradual, de alienação econômica e política. Nunca será demais lembrar a lição de Bobbio de que “a demo‐ cracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cida‐ dãos.” (BOBBIO, 1992, p. 119). Ocorre que, quando este conjunto de cidadãos exerce uma cidadania tutelada pelo Estado, a sobe‐ rania a qual faz referência Bobbio termina por ser atingida. Terminando, assim, por existir uma demarcação ao exercício da cidadania, visto que, enquanto tutelada, inexiste a autonomia da vontade na pessoa do cidadão. A vontade exercida é a imagem refletida da vontade estatal. Entretanto, na sociedade atual estamos a assistir a cidadania perder espaço político por uma questão que nos encaminha, obri‐ gatoriamente, a reflexão posta por Kant de que “a menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo.” (KANT, 2008, p. 115). Vê-se não ser o homem um ser em pleno no uso de suas liberdades legais e desta maneira não pode ser considerado um cidadão ativo no exercício de suas liberdades políticas legais. Estando sempre a depender de uma outra vontade, que não a sua própria, e tal situação termina por ser um limite ao exercício da cidadania. Por esta perspectiva e consoante a lição de Kant, temos que “a autonomia da vontade é a constituição da vontade, graças à qual ela é para si mesma a sua lei.” (KANT 2008, 70) e esta não pode ser reduzida apenas ao exercício jurídico de um direito, que vem a ser o direito de ser cidadão sob pena de estarmos diante de uma cidadania concedida e aprisionada à menoridade na expressão kantiana. A superação da menoridade deve ter por caminho a
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 191 ética como forma de resgatar o atual cidadão do sítio em que reside para que possa exercer a cidadania ativa no plano político do Estado sob pena de, em não fazendo isso, comprometer sua dignidade e a de todo o tecido social sociedade. Vê-se, assim, que o exercício da cidadania não pode ser realizado por vontades exógenas ao cidadão, pois, tal fato caso concreti‐ zado, não seria o uso da liberdade legal por parte do cidadão e, paradoxalmente, seria a própria negação da cidadania. Quanto mais este cidadão, livre que é, for dependente de interferências outras, de terceiros ou estatal, para o exercício de sua liberdade, já não será um homem livre e, sendo assim, não será cidadão. O cidadão continuará sendo possuidor da igualdade civil, detentor da independência na seara civil, como aponta Kant (2013). Mas faltará ao mesmo a liberdade política, bem como a condição ao exercício desta, embora seja detentor da liberdade legal. Ao tempo que, ao não trabalhar com valores morais e éticos, anteriores à norma jurídica que são, terminar por impor um comportamento ao habitante da cidade diferente do que ele, em sua autonomia da vontade, pensa para o espaço público. Percebe-se, desta forma, o quão difícil está o alcançar do desen‐ volvimento socioeconômico pela ausência daquele a ser mais beneficiado: o cidadão. Como pontuou Celso Furtado ao escrever de que “são muitas as incógnitas do problema a equacionar para responder às perguntas: onde estamos e para onde vamos.” (FUR‐ TADO, 2001, p. 426). Urge, portanto, mudarmos o tempo/espaço, além da forma, de cozimento da massa do pão para que todos tenham acesso ao mesmo.
192 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO CONCLUSÃO Para que possamos amanhã possuirmos uma memória sobre o desenvolvimento importa responder aos questionamentos furta‐ dianos e, além disso, sermos partícipes da vida do Estado como exposto por Aristóteles em A Política. No Centenário de Celso Furtado estamos a rememorar não apenas sua vida e obra, mas o erro do Estado brasileiro no concernente ao desenvolvimento socioeconômico. Longe de ser uma forma de pensar a sociedade, o desenvolvimento socioeconômico preconiza a própria exis‐ tência da sociedade de forma menos injusta, porque justa ela nunca será. O desenvolvimento socioeconômico somente será uma realidade, afastadas utopias e possibilidades, quando a cidadania e a liber‐ dade (este sonho humano), direitos de primeira geração/dimen‐ são, forem valoradas. A ocorrência de tal valoração permitirá a consecução de um direito de terceira geração/dimensão ou de solidariedade, no caso o direito ao desenvolvimento socioeconô‐ mico. Necessário enfrentar o divórcio existente entre o discutido como desenvolvimento socioeconômico e a realidade política, econômica, social, cultural e jurídica no momento vivenciadas. Percebe-se ser a ausência de cidadania um empecilho à concreti‐ zação do desenvolvimento socioeconômico, e não o inverso. Bem como enquanto caminho à compreensão do que venha ser, real‐ mente, cidadania. A negação da participação por parte da maior parcela da população compromete, inclusive, o prescrito no texto constitucional pátrio ao se referir à cidadania e aos escritos furta‐ dianos terminam por serem valorados quando tal imagem é revelada. A guisa de conclusões, temos que não se pode conceber o desen‐ volvimento sem o componente ético, inerente à participação do
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 193 cidadão na esfera pública na expressão de Habermas e, para que isso ocorra, sem a cidadania em seu exercício prático. O caminho ao desenvolvimento socioeconômico passa, então, pela liberdade dos cidadãos constitucionalmente garantida. Assim, como fez Guimarães Rosa em Grande Sertão:Veredas, eu “me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras. Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco – que de tão grande se compadece – parece é um pau grosso, em pé, enorme...Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for...Existe é homem humano. Travessia.” (ROSA, 2014, pp. 623/624) REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. Confissões. 28ª Ed. Petrópolis, Vozes; Editora Universitária São Francisco, Bragança Paulista. 2015. ARENDT, Hannah. A condição humana. 12ª Ed. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 214. ARISTÓTELES. Política. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo, Martin Claret, 2003. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2005.
194 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO _________________. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro, Zahar, 2000. _________________. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução: Plínio Dentsien. Rio de Janeiro, Zahar, 2003. BAUMAN, Zygmunt & BORDONI, Carlo. Estado de crise. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro, Zahar, 2016. BENJAMIN, Walter. Baudelaire e a modernidade. Belo Hori‐ zonte, Autêntica Editora, 2015. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: L’eità Dei Diritti. Rio de Janeiro, Campus, 1992. BORGES, Jorge Luis. História da eternidade. Tradução: Heloisa Jahn. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. _________________. Antologia pessoal. São Paulo, Companhia das Letras, 2008. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federa‐ tiva do brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Assuntos Técnicos, 2008. CAMUS, Albert. O primeiro homem. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1994. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Vol. 1. Rio de Janeiro, Petrópolis, Vozes, 1994. DI GIORGI, Raffaele. Direito, tempo e memória. Tradução: Guilherme Leite Gonçalves, São Paulo, Quartier Latin, 2006. DUPAS, Gilberto. Desafios da sociedade contemporânea: refle‐
MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO VERSUS M… | 195 xões sobre Gilberto dupas. São Paulo, Editora Unesp, 2014. ______________. O mito do progresso ou progresso como ideologia. São Paulo, Editora Unesp, 2012. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das reli‐ giões. São Paulo, Martins Fontes, 1996. FURTADO, Celso. Essencial. São Paulo, Companhia das Letras, 2013. _______________. Quando o futuro chegar. in Brasil: um século de transformações. Org. Ignacy Sachs, Jorge Wilheim e Paulo Sérgio Pinheiro. São Paulo, Companhia das Letras, 2001. HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. Tradução: Karina Jannini. São Paulo, Martins Fontes, 2010. __________________. Mudança estrutural da esfera pública: investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa. Tradução: Denilson Luís Werle. São Paulo, Editora Unesp, 2014. HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução: Regina Célia de Oliveira. São Paulo, Martin Claret, 2007. JAPIASSU, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução: Leopoldo Holzback. São Paulo, Martin Claret, 2008. KUJAWSKI, Gilberto de Mello. A crise do século XX. São Paulo, Editora Ática, 1991. LIPOVETSKY, Gilles. Da leveza: rumo a uma civilização sem peso. Tradução: Idalina Lopes. Barueri, Amarilys, 2016. LIPOVETSKY, Gilles & SERROY, Jean. A cultura-mundo:
196 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo, Companhia das Letras, 2011. LORENZETTO, Bruno Meneses. Direito e desconstrução: as aporias do tempo, do direito e da violência. Belo Horizonte, Arraes Editorres, 2013. MANN, Thomas. A Montanha Mágica. São Paulo, Companhia das Letras, 2006 ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001. ____________. O direito dos povos. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes, 2001. SARAMAGO, José. A caverna. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo, Compa‐ nhia das Letras, 1998.
O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SOB A PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO: O ESTADO COMO PROMOTOR DAS MUDANÇAS NOS PAÍSES PERIFÉRICOS ANA BEATRIZ NÓBREGA BARBOSA; IGOR DE LUCENA MASCARENHAS INTRODUÇÃO CELSO FURTADO (1920-2004) FOI UM HOMEM À FRENTE DO SEU tempo e o presente trabalho se propõe a debater a teoria furta‐ diana e a sua contribuição para a consolidação do direito ao desenvolvimento. Apesar de não ser tratado de forma expressa em seu trabalho, o que Celso Furtado tratou ao longo de sua trajetória foi da defesa do planejamento estatal na construção do Desenvolvimento Sustentável / Direito ao Desenvolvimento. O mero crescimento econômico, por si só, seria insuficiente para romper as barreiras fixadas em desfavor dos países periféricos. Com subsídio no método dedutivo e na revisão bibliográfica, o trabalho debate como a teoria do desenvolvimento de Celso Furtado, apesar de oriunda da metade do século XX, se mostra tão atual aos dilemas enfrentados na contemporaneidade, além de revisitação por teóricos, modelos e Estados contemporâneos dos mecanismos de promoção do desenvolvimento sustentável, aqui
198 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO compreendido como a promoção de direitos sociais e das poten‐ cialidades humanas e não sob uma perspectiva estritamente material de promoção e acúmulo de riquezas. Desta forma, o trabalho se propõe a demonstrar a diferenciação estabelecida pelos teóricos contemporâneos de que desenvolvi‐ mento econômico e desenvolvimento sustentável não são expres‐ sões sinônimas, além da presença do pensamento de Celso Furtado em documentos e organismos internacionais a exemplo da ONU e OCDE. Ao final, apresenta-se a necessidade do Estado como mecanismo indutor das potencialidades humanas. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A discussão sobre a temática do desenvolvimento sustentável durante o século XXI é cada vez mais presente, se transformando quase em uma pauta obrigatória a ser discutida pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil. Contudo, seria inócuo deliberar sobre esse assunto sem antes fazer uma distinção crucial, a saber: conceituar e diferenciar o desenvolvimento econômico do desen‐ volvimento sustentável. Nesta senda, Furtado (2009) compreende como desenvolvimento econômico a introdução de novas combinações dos fatores de produção com o intuito de viabilizar o aumento na capacidade produtiva do trabalho. Conforme o autor, trata-se de um processo claramente desigual, uma vez que, dependendo da loca‐ lidade analisada, sua propagação será maior ou menor em razão da quantidade de recursos e fatores existentes. Além disso, esse processo de desenvolvimento terá razões históricas intrínsecas, proporcionando que os fatores exógenos ao longo dos tempos se revelem como motivos impactantes nos níveis de desenvolvi‐ mento dos países. Neste cenário, a teoria furtadiana se aproxima
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