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Linguagens em perspectiva

Published by Papel da palavra, 2021-11-03 13:09:40

Description: Linguagens em perspectiva

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processos de significação”(p. 50), incorporando uma noção geral da abordagem semiótica, enquanto teoria capaz de “atribuir uma direção significante, uma intencionalidade [do texto]” (FONTANILLE, 2005, p. 17). É possível dizer, dessa forma, que os níveis possuem graus de comple- xidade distintos que permitem pensar, por exemplo, a evolução do sentido do texto a partir de pequenas unidades opositivas que organizam o seu quadro argumentativo. É que semiótica discursiva entende que o texto é composto de camadas, as quais, ao longo da análise, são depreendidas, para que seja possível acompanhar a evolução do sentido, mostrando “como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do [nível] mais simples ao [nível] mais com- plexo” (FIORIN, 2009, p. 20). O primeiro nível a ser considerado é o fundamental que diz respeito às oposições que estão na base de qualquer texto,ou seja,são os termos que ancoram a linha argumentativa do texto. Por isso que, não por acaso, recebe esse nome: em virtude da percepção de que o texto se constrói a partir de oposições sêmicas que se colocam na base/fundamento do enunciado. Tais categorias compõem a semântica desse nível, e a forma como elas se encadeiam corresponde à sua sintaxe. Entretanto, é preciso dizer que esses componentes opositivos não se dão de maneira aleatória, mas sim é levado em consideração o que há de comum entre eles. O nível narrativo,por sua vez,“[...] examina os estados e as transformações, bem como sua concatenação”(FIORIN, 2017, p. 153), porque, para a semiótica, todo texto apresenta uma narratividade, mesmo não sendo uma narração pro- priamente dita, pois o texto relata a transformação de um estado a outro. Aos participantes do processo narrativo, dá-se o nome de actantes. Nessa ideia, é preciso dizer que esses actantes estão em constante mudança, o que significa que, se passa de um estado a outro ao longo da narrativa, efetivamente sofrem um processo de modificação, não sendo como eram quando a narrativa tivera início. Por fim, mister se faz dizer que, no nível supramencionado, os textos são narrativas complexas, em vista de que se estruturam numa sequência canônica de fases, responsáveis pela evolução da narrativa do texto: manipulação, compe- tência, performance e sanção. Esclareça-se, no entanto, que cada fase pressupõe a outra, por exemplo, “Para que um sujeito possa executar uma ação, é preciso 99

que ele saiba e possa fazê-lo, isto é, seja competente para isso, e, ao mesmo tempo, queira e/ou deva fazê-lo” (FIORIN, 1995, p. 169). No nível discursivo, finalmente, tem-se “as projeções da enunciação no enunciado” (FIORIN, 2017, p. 154), ou seja, tanto a concretude do tempo, do espaço e da pessoa no discurso, como também as relações entre o enunciador e enunciatário, das quais procede a polêmica discursiva como a do caso em tela neste trabalho. Além do mais, enquanto nível da concretude das abstrações dos níveis fundamental e narrativo, o patamar discursivo estabelece figuras para esse propósito, ou seja, faz com que repouse sobre as palavras escolhidas pelo enunciador as oposições sêmicas que fundamentam o discurso, bem como a trajetória que marca a modificação e a aquisição dos objetos, por parte dos actantes, ao longo do texto. O conjunto dessas figuras compreende o tema a ser depreendido pelo enunciatário, isto é, o assunto-causa do discurso que se enuncia. É também no nível discursivo, mais especificamente nas relações do enun- ciador e do enunciatário, que a semiótica greimasiana adota as contribuições da retórica aristotélica para inserir o conceito de ethos no âmbito do discurso. Para Fulaneti (2010), o ethos se define pelas escolhas realizadas pelo sujeito da enunciação na construção de seu objeto, o enunciado [...] a partir das recorrências encontradas em todos os níveis produzidos, ou seja, fundamental, narrativo, discursivo, e em relação com outras totalidades (interdiscurso). (FULANETI, 2010, P. 65-66). É o que se apresenta no caso em apreço: o ministro Ricardo Lewandowski organiza seu texto de modo a demonstrar o quão indefensável seria aceitar-se a manutenção da decisão de seu colega visto haver ilegalidades insanáveis do ponto de vista jurídico. DECISÃO JUDICIAL: A DESLEGITIMAÇÃO DA IMAGEM DO OUTRO Chegamos à última parte de nossa pesquisa que se faz necessário es- clarecer alguns termos próprios do discurso jurídico, a fim de entendermos a evolução da análise que se segue. Por essa razão, em primeiro lugar, cumpre 100

dizer que Reclamação, instrumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski para combater e derrubar a decisão de seu colega Luiz Fux, é o meio pelo qual se busca “preservar a competência do [Supremo] Tribunal [Federal], garantir a autoridade de suas decisões e a observância de enunciado de Súmula Vin- culante, bem como de decisão desta Corte Suprema em controle concentrado de constitucionalidade, nos termos do art. 988 do Código de Processo Civil.” (BRASIL, 2018, p. 14). É nesse sentido primevo que se concentra não só as observações do enunciador, como também, curiosamente, indicam a singula- ridade do caso em tela. É que, quando verificamos a decisão do ministro Fux, constatamos que Fux suspende, enquanto presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, uma liminar, não uma Reclamação. Esse detalhe não passou despercebido pelo ministro Lewandowski, de modo que se não foi deferida nenhuma liminar tão pouco, para ele, ela poderia ser suspensa em vista de sua inexistência fática. Na esteira de sua argumentação, o ministro Lewandowski busca não só apontar os vícios processuais que maculam a decisão de seu colega, mas também eviden- ciar que, mesmo que se cogitasse haver, na decisão combatida, qualquer efeito jurídico, o instrumento processual utilizado é inadequado, porque a discussão em torno da qual se dá a polêmica discursiva repousa sobre o direito à liberda- de de expressão, matéria de ordem constitucional, a partir da qual o ministro Lewandowski emitiu decisão de mérito, em sede de Reclamação. Porém, no caso em análise, a Reclamação foi tomada enquanto liminar e, nesse caso, o ministro Lewandowski diz: Fragmento 1 A propósito, note-se que a legislação de regência (Lei 8.437/92 e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) permite que a Presidência deste Supre- mo Tribunal Federal suspenda a execução de decisões concessivas de liminar, proferidas pelos tribunais estaduais ou federais em única ou última instância, quando a discussão na origem for de natureza constitucional. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-entrevista- -lula.pdf> Acesso em: 20.05.2019 101

Para Lewandowski, a interpretação dos diplomas legais (a saber, Regi- mento Interno do STF, bem como a Lei 8.437/92) quanto à aplicabilidade de suspensão de liminar, devem ser interpretados não como o poder absoluto delegado ao Presidente do Supremo Tribunal de cassar decisão de um par, mas sim que os dispositivos se aplicam a instâncias inferiores. É interessante observar também que, nessa situação, verifica-se que o ministro Lewandowski se vale de um dos princípios de regulação e limitação do discurso, a saber, o princípio da disciplina segundo o qual os enunciados produzidos possuem regras disciplinares de enunciação, estabelecidas antes mesmo da produção discursiva, e sem as quais o discurso estaria relegado a uma exterioridade selvagem (Cf. FOUCAULT, 1996). Dessa forma, partido político não pode ajuizar ação de suspensão de liminar porque, conforme a lei processual civil, não é pessoa jurídica de direito público interessada. Em termos semióticos, no que tange ao nível fundamental da decisão em análise, encontramos uma oposição semântica na qual se baseia toda a argumen- tação: legalidade x defeso do decidido pelo ministro Fux – o que há em comum entre os termos sublinhados é a sua natureza legal, ou seja, fundamentada na lei que rege o Estado de Direito. Nessa esteira, o texto de Fux é defeso em oposição à legalidade do discurso de Lewandowski. Ora, se o texto do ministro Fux é defeso, como fundamentalmente se coloca, considerando a operação dos contrários, podemos dizer que ele é, obvia- mente, não legal, enquanto que a decisão contrária seria não defesa, implicando “o termo contrário daquele de que é contraditório” (FIORIN, 2009, p. 22), ou seja, Não defeso implica legalidade, não legal implica defeso, de modo que o texto decisório do ministro Lewandowski é construído na esteira dos vícios que, em tese, sobressaem da decisão de seu colega. Nessa continuidade, é preciso destacar o caráter interdiscursivo da decisão em tela, visto que ela se constrói a partir da existência de discursos primeiros que servem de suporte, amparo e razão para a sua própria existência. Por isso, oportuno se faz citarmos Maingueneau (2008) que, a esse respeito, diz que “O discurso primeiro não permite a constituição de discursos segundos sem ser por eles ameaçados em seus próprios fundamentos (2008, p. 39). 102

Note-se que, como dito acima, é em termos da oposição legalidade x defeso que se concentra a argumentação do ministro Lewandowski, ou seja, nos valores negativos da decisão de seu colega, evidenciando aquilo que, do ponto de vista fundamental, justifica que o discurso seja enunciado enquanto instrumento de combate contra a decisão impugnada. A sintaxe fundamental do texto em análise se organiza a ponto de negar a legalidade e afirmar o caráter defeso da decisão do ministro Fux. Em face do exposto, verifica-se que, no nível narrativo, Lewandowski e Fux são, ao mesmo tempo, sujeito e antisujeito um do outro posto que, como pessoas, disputam a verdade e/ou a legalidade sobre o mesmo fato. O ministro Lewandowski, no entanto, enquanto enunciador, e ocupando a posição de destinador, sanciona a decisão de Fux negativamente, propondo-se a enumerar o que a torna inútil para o mundo jurídico. Começa, dessa forma, pondo em xeque a suposta posição de autoridade em que Fux se arvorou para suspender uma liminar (Cf.VENÂNCIO, 2019). É que, conforme Lewandowski, o presi- dente do STF e o seu Vice não são superiores em relação aos demais ministros, o que equivale dizer que não teriam, em tese, o poder de suspender decisão de um par. O que Lewandowski põe em questão é que, ainda que fosse o próprio presidente do STF que tivesse suspendido a liminar, em qualquer dos casos, faltar-lhe-ia o Poder-Fazer, pois o cargo de presidente do STF não é para ser um poder moderador sobre os demais ministros da Corte, mas sim para organizar administrativamente o Tribunal. É no nível discursivo, entretanto, que a polêmica assume traços mais ex- plícitos na medida em que é nele que se evidenciam marcas da enunciação no enunciado e “as estruturas semióticas são ‘colocadas em discurso’”(FULANETI, 2010, p. 47), isto é, são efetivamente concretizados enquanto temas e figuras que subjazem ao texto: Lewandowski se instaura como o sujeito enunciador, aquele que tem o poder de sancionar a decisão de seu par, além de, na oportunidade, pôr em xeque as motivações que moveram seu colega a não observar as formas jurídicas adequadas. 103

Fragmento 2 Constata-se, portanto, que a estratégia processual, a qual redundou na decisão aqui atacada, inteiramente tisnada por vícios insanáveis, foi arquitetada com o propósito de obstar, com motivações cujo caráter subalterno salta aos olhos, a liberdade de imprensa constitucionalmente assegurada a um dos mais presti- giosos órgãos da imprensa nacional. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-entrevista-lula.pdf> Acesso em: 20.05.2019 O ministro deixa o campo da insinuação e passa ao campo das claras alusões, e, como ficou claro ao longo do percurso gerativo do sentido traçado, a estratégia de que se vale é fazer com que a imagem do seu colega, o ethos, seja tida como ilegítima (uma vez que, estrategicamente, desqualifica o adversário de maneira clara e objetiva), a ponto de tornar-se a decisão de Fux indefensável não só do ponto de vista processual, mas ético também, porque dessa forma o ministro Fux não poderia, na decisão combatida, ser tido como um enunciador confiável. O ethos de Fux, enquanto imagem de autor da decisão impugnada, é constantemente atacado por Lewandowski, que o deslegitima perante o inter- locutor e, com isso, reestabelece o próprio poder da decisão que havia tomado em sede de Reclamação. Fragmento 3 Assim, a decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux deixou de observar regra basilar de Direito Processual Civil, consistente na análise prévia, por parte de qualquer juiz, das condições da ação, mais especificamente da legitimidade ativa ad causam do autor (BRASIL, 2018, p. 13-14). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-entrevista-lula.pdf> Acesso em: 20.05.2019 Não obstante buscar a deslegitimação da imagem do autor da decisão impugnada, Lewandowski suaviza os termos quando se refere, já ao final de sua 104

própria decisão, ao colega, mas a suavização aludida é só momentânea, Lewan- dowski explicita que, em que pese Fux ter sido na ocasião dos fatos Presidente em Exercício do Tribunal, deixou de observar regra basilar do direito processual civil, para se fazer referência à obrigação de qualquer magistrado observar a legitimidade de quem propõe o pedido. Deixou de observar por desatenção ou por causa de outras razões? O todo do texto em análise dá a entender que, desde a tramitação, não se buscava o cumprimento das regras mínimas do devido pro- cesso, mas sim, de acordo com Lewandowski, a obtenção do resultado desejado. Fragmento 4 As hipóteses de revisão de decisões proferidas monocraticamente pelos Minis- tros estão catalogadas exaustivamente no Regimento Interno e ocorrem sempre por um órgão colegiado (Turma ou Plenário), mas nunca por outro Ministro, sob pena de instaurar-se verdadeira guerra intestina, com a contraposição de decisões divergentes, o que, além de provocar enorme insegurança jurídica, retiraria a credibilidade da mais alta Corte do país. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-entrevista-lula.pdf> Acesso em: 20.05.2019 É interessante notar que toda a argumentação de Lewandowski, centra-se na construção de um ethos de saber, e, inversamente, como se num reflexo de um espelho, um anti-ethos, que ele, enquanto enunciador, constrói para seu colega. É que, para convencer o enunciatário de que detém o saber necessário à legitimação de sua decisão, Lewandowski afirma que o outro não o detém, de sorte que, ao negar a existência do saber em Fux, atesta que este saber repousa em si mesmo. Note-se, a propósito, que no trecho citado acima o ministro Lewandowski assume, nas últimas páginas de sua decisão, um tom bastante professoral, o que, por si, ajuda a construir um ethos discursivo de detentor do saber para ensinar, mesmo a um ministro do Supremo. E, como dito, se há um ethos de saber, é justo dizer que se faz construir, no processo de espelhamento, um anti-ethos de não saber. Perceba-se, por exemplo, que aqui o tom é, por assim dizer, quase paternal na proporção que aponta, e, até certo ponto, explica o erro cometido 105

pelo par, sem deixar de repreendê-lo por isso. Ao fim e ao cabo, o ethos que se constrói, bem como seu inverso (o anti-ethos) oportuniza a construção da imagem de um sujeito de poder, capaz de deslegitimar o discurso que não se coaduna com a verdade das leis. CONCLUSÕES A decisão judicial do ministro Ricardo Lewandowski que cassou a liminar concedida pelo seu colega Luiz Fux, foi o objeto de estudo desta pesquisa. A partir dos pressupostos teóricos da semiótica discursiva, buscamos depreender o percurso gerativo do sentido do texto em apreço e, no limite, pôr em evidência as estratégias empreendidas pelo enunciador para que o interlocutor aceitasse a imagem que Lewandowski buscava imprimir a si mesmo um ethos discursivo de saber, na medida em que usava de meios discursivos para, pelo processo de espelhamento, seu adversário ser visto como um anti-ethos de saber e poder. Entretanto, o que se nota da decisão analisada é que o enunciador busca desfazer, justamente, essa concepção segundo a qual o Estado teria poderes ilimitados sobre todos os indivíduos, a ponto de impor-lhes censura prévia, para atender interesses estranhos àqueles consagrados nos dispositivos (infra) constitucionais. Lewandowski questiona, critica, e, no fim, anula a decisão de Fux com base não só naquilo que julga ser o seu dever, mas também para evitar que a decisão impugnada implique insegurança jurídica para os demais cidadãos. Nessa ideia, fizemos uma análise que buscava as estratégias enunciativas do enunciador para deslegitimar a decisão objurgada, ou seja, as significações encobertas no discurso capazes de levar o enunciatário a creditar verdade à decisão de Lewandowski e tomar a de Fux como defesa, na medida em que ela, segundo o enunciador, não se coadunava com as formas processuais próprias ao caso. A fim de que conseguíssemos depreender tais significações, valemo-nos dos conceitos-chave da semiótica greimasiana, teoria da significação, bem como das contribuições da retórica aristotélica. Com eles em mãos, efetuamos uma análise da decisão do ministro Le- wandowski para, como dito, evidenciar as significações que se encontravam nas tessituras do texto: manifestou-se a figura de um destinador, provido de 106

objetos modais e de valores, que a todo o instante sancionava negativamente a decisão do ministro Fux, pontuando onde era claro o desvio de finalidade; além do mais, o destinador privava o destinatário do poder-fazer, com base na ideia do poder-dever, ou seja, a decisão de Fux não poderia ter derrubado a de seu colega Lewandowski porque, mesmo se arvorando na posição de presidente em exercício do Tribunal, não há hierarquia entre os ministros do STF, por essa razão Lewandowski se vê no dever de reafirmar o que já havia decidido, reesta- belecendo, com isso, os ritos processuais atropelados. Dessa forma, consideramos que o ponto fulcral da decisão em análise foi a deslegitimação do discurso do outro em seus fundamentos de base, denunciando as motivações que levaram ao erro processual insanável, de acordo com Lewandowski. Sendo assim, o enunciatário é levado a crer que o decidido por Fux está contaminado por razões outras que maculam o mito da neutralidade do juiz, ainda mais quando, se comparado a outros casos semelhantes, a tratando diverso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito administrativo. 3ªed. São Paulo: Método, 2017. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Trad. Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editora Presença, 1980. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem jurídica: semiótica, discurso e direito. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2004 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2018. 107

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PEQRUFSAILPNOETSCOOTAFIDVIOEAAUASESURCOLEOAEFRMLDEESXLAI:VLAAS Lucila Campos de Andrade Universidade Federal de Campina Grande – Campina Grande -PB [email protected] Sílvia Maria Lima Teodulino Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, PB [email protected]

Filosofia e cordel: Perspectivas reflexivas quanto ao uso em sala de aula, buscou introduzir o cordel como instrumento para as aulas de Filosofia nas salas de aula do Ensino Médio de escolas públicas brasileiras, a fim de analisar os aspectos em torno da Filosofia, da literatura de cordel e da Educação, que se revelam no folheto que destaca uma proposta: Cordel da Filosofia Antiga, de autoria de Sílvia Maria Lima Teodulino. Os cordéis vêm se firmando como objeto de pesquisa acadêmica devido à variedade e conteúdos sociais com os quais os autores se propõem a trabalhar. Palavras-chave: Literatura de cordel. Filosofia. Ensino Médio. Educação. 111

INTRODUÇÃO O cordel é um importante suporte para ensinar Filosofia, ao mesmo tempo, também é um instrumento metodológico exemplar, quando se trata da aprendizagem significativa dos conteúdos filosóficos. Assim, de maneira criativa, produtiva, compreensível e crítica sobre o mundo e o enfrentamento de problemáticas comuns e essenciais para o desenvolvimento da harmonia em sociedade, o cordel se destaca, em sala de aula, pela sua estrutura de fácil compreensão e linguagem acessível. Os folhetos de cordel vêm se firmando como objeto de pesquisa acadêmica devido à variedade e conteúdos sociais com os quais os autores se propõem a trabalhar. Dentre os vários temas encontrados nos folhetos de cordel estão em evidência os que buscam resgatar a vida hodierna do povo nordestino, seus problemas, temas relacionados à questão de gênero e, recentemente, os cordéis abordam temáticas relacionadas ao contexto educacional, envolvendo diversas disciplinas e conteúdos. O presente trabalho busca destacar o cordel como instrumento para as aulas de Filosofia nas salas de aula do Ensino Médio das escolas públicas brasileiras. Constitui-se de uma reflexão que considera aspectos em torno da Filosofia e da Literatura de cordel, assim como da relação entre cordel, Filosofia e Educação. Destaca-se o folheto que apresenta uma proposta desta tríade relação: Cordel Da Filosofia Antiga, de Sílvia Maria Teodulino, em anexo. É possível promover um fecundo encontro entre o cordel e a Filosofia no contexto educacional compreendendo, assim, a obra em formato cordelista como forma de ação filosófica fomentadora do gosto pela Literatura de cordel, nas aulas de Filosofia, e destacando a ação profícua de filosofar. O CORDEL E A SALA DE AULA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL A poesia é Filosofia em versos, a Filosofia é a poesia em prosa”. (FRANCISCO JOSÉ, 2010, P. 1) Ao sugerir possíveis relações entre a Filosofia e o Cordel, por ocasião dos conteúdos diversos que fazem parte dos nossos currículos, a proposta de uní-los 112

tem o objetivo de alongar uma discussão, que chega a ser um convite para um olhar que busque estratégias de ensino, nas aulas de Filosofia. Sendo assim, trazemos uma possível relação entre a Filosofia e o cordel para a construção do conhecimento filosófico na sala de aula do Ensino Médio, em igual permissibi- lidade, a uma interdisciplinaridade com outros saberes que compõe o currículo no Ensino Médio, permitindo, também, a reflexão das diversas práticas culturais. Refletir sobre a Filosofia contextualizada nos folhetos de cordel tornou-se uma atividade enigmática que tenta assemelhar o filósofo ao poeta. Inspiradora é tal questão quando comparamos poesia e Filosofia e percebemos que ambas têm um ponto de interseção, que diz respeito à aplicação e à reflexão de suas ideias: o contexto escolar. Sobre a gênese da Filosofia e sua relação com o cordel, podemos dizer que a Filosofia era configurada e difundida em formas versificadas, com rimas e estruturas poéticas, isso se voltarmos a sua criação. No entanto, a Filosofia capta a realidade em concepções que não dialogam com a imaginação, já a poesia, apreende a realidade figurada pelo uso de rimas, sons, ritmos, linguagem e representações, dialogando sempre com a imaginação. Todavia, não deixando de diferenciar os modos de expressão do filósofo e do poeta, o primeiro com a estruturação racional e o outro com a expressão dos seus pensamentos e intuições por meio de metáforas, São Tomás de Aquino, por exemplo, afirma características semelhantes entre eles, quando diz que “o poeta assemelha-se ao filósofo, pois ambos se ocupam do admirável (miran- dum)” (In Metaph, I, 3, 4), ambos estão voltados para o mirandum, para aquilo que promove a admiração. Já Aristóteles, cf. Poética, IX, 3, enobrece o caráter racional e universal da poesia, “por que motivo a Poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História, porque a Poesia permanece no universal e a História no particular”. Aristóteles eleva e, de certa forma, iguala a poesia e a Filosofia, pois, conforme ele compreende, ambas têm um caráter universal e levam a profundas reflexões sobre o homem e suas ações, sobre a natureza e sua essência. Elas não se aproximam da exatidão de certas ciências, nem da objetividade que caracteriza a história. Trata-se aqui do ponto de vista da sensibilidade, pois ambos, o poeta e o filósofo estão coabitando em um lugar de igual contemplação, porém conseguem 113

enxergar no âmbito da admiração ao perceberem o que se passa abaixo do co- tidiano. Existe nos dias atuais uma forte aversão ao ato de contemplar a beleza e o sentido das coisas. Já a poesia valoriza e preserva na sua singeleza o que se perdeu na mente exaustiva de querer “ter” mais do que se quer “ser”, diante de espetáculos tecnológicos próprios de um mundo consumista e deslumbrante. Trazer a Filosofia ao cordel é parafrasear, comparativamente, a afirmação do filósofo inglês Copleston: saberemos de outras formas o que já havíamos visto, mas não notado. Ambos os sujeitos, filósofo e poeta, não se prendem a uma visão minimizada, acabada e exclusiva de um determinado fato. O verso era a característica comum tanto da Filosofia (quando vemos, por exemplo, os escritos de muitos pré-socráticos); quanto da poesia desenvolvida em sua expressão técnica, memorização e valorização dos textos (quando vemos, por exemplo, a estrutura das evocações das obras de Homero, Ilíada e Odisséia). O cordel representa a poesia e, desse modo, na Filosofia existe um pouco do cordel. Nos tempos mais antigos, a Filosofia também era expressa, em sua maioria, sob a forma de poesia, através de versos. A poesia (e consequentemente o cordel) revela técnicas de memorização e aprendizagem, sem esquecer o caráter estético que emerge dela. Quando o cordel é visto como poética popular, percebe- -se que ele carrega raízes de reflexão filosófica quando busca representar o real e sua complexidade de forma poética e de fácil compreensão. Tanto os poetas marcaram suas obras pela genialidade da criação e do pensamento, quanto os filósofos pela complexidade poética. Feita esta pequena aproximação da intrínseca relação entre poesia e Filosofia, adentramos na questão educacional no que respeita às práticas pe- dagógicas e aos seus usos. Sobre uma compreensão maior, a problemática da abordagem filosófica em sala de aula transcende a abordagem poética, visto que essa ainda está presente nas inúmeras representações literárias nas aulas de língua portuguesa. A persistência de uma prática pedagógica minimalista e reducionista de estudos filosóficos de forma desconexa e descontextualizada suscita reflexões e problemáticas muito maiores. Muito embora, mediante o âmbito da inserção da Filosofia em sala de aula, muitos documentos salientam a importância de tal saber sob a forma de disciplina obrigatória no contexto escolar, um quadro de insucesso revela práticas 114

não fundamentais na reorientação das experiências filosóficas que acabam por encerrar-se em movimentos sistemáticos e eventuais. Pelas posições ideológicas dos sujeitos que compõem o ambiente escolar, ora o professor não reconhece o ato de filosofar por parte de seus alunos, ora os alunos não se consideram capazes de compreender um saber considerado, por eles, tão difícil. Assim, equivocadamente, cria-se uma aversão às aulas de Filosofia por parte desses sujeitos. Tais problemas surgem inicialmente das dificuldades de leitura advindas do professor e do aluno. Os textos filosóficos são difíceis quando comparados às leituras de folhetos, quadrinhos, músicas e outros gêneros. Diante dessas inquietações que configuram dificuldades de aprendizagem, surge-nos um importante questionamento a respeito das aulas de Filosofia: qual seria, então, o gênero de texto mais apropriado para ensinar e aprender Filosofia? Sem posturas restritivas, nem olhares excludentes, respondemos: um dos gêneros mais apropriados para trabalhar Filosofia em sala de aula é o cordel. Por acreditarmos que o cordel permite a aproximação da racionalidade filosófica e da poesia, esta vista como poética popular, refletimos perspectivas quanto ao uso desse gênero de texto, compreendido por nós como instrumento do filosofar. Uma gama de opções metodológicas para utilização do cordel traz questões infinitas para reflexões em sala de aula. Os folhetos de cordel compreendem inúmeras questões a serem elaboradas, desenvolvidas e refletidas no espaço coletivo de conhecimento que é a sala de aula, em se tratando de questões culturais, humanísticas e de conflitos sociais, o cordel permite, enquanto ferramenta de estudo, a investigação, o debate e a criação de novos olhares e leituras sobre as temáticas das narrativas estudadas. Os folhetos de cordel permitem desenvolver um espaço coletivo de dis- cussão, reflexão e democratização dos posicionamentos. Seu caráter popular permite a fácil compreensão das temáticas filosóficas, através da linguagem e leitura acessíveis a todos os níveis de ensino. É possível também desenvolver de forma criativa a escrita dos alunos frente ao processo de criação de um folheto. O cordel sempre foi caracterizado como representação da cultura popular, de linguagem simples e coloquial, com o objetivo de contar e recontar, criar e recriar histórias dotadas de regionalismos. Estruturalmente é formado por rimas 115

e versos direcionados primeiramente a um público ouvinte e posteriormente aos leitores e estudiosos em se tratando de sua abordagem escrita. Comumente, os cordéis são conhecidos popularmente por um formato comum: os folhetos. Além disso, são ilustrados apenas na capa por uma gravura peculiar conhecida por xilogravura. Essa formatação comum é a mais vista em todas as regiões, o que não impede que o cordel tome uma forma independente e não presa apenas à estrutura do folheto ilustrado por uma xilogravura. A arte cordelista destaca-se pelas formações de estrofes e versos minimamente detalhados. Costumes, concepções, ideologias e problemáticas presentes nos cordéis suscitam críticas, ora construtivas, ora desafiantes acerca da realidade que cerca e transcende o ambiente escolar. Em suma, leva os alunos ao conhecimento de si mesmos, a problematização sobre as verdades do mundo e as diferentes possibilidades de convivência e construção do pensamento individual e coletivo como forma de transformar e reconstruir a realidade. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) assinalam os debates públicos e discussões filosóficas na esfera escolar e cotidiana dos sujeitos. Apontam-se ainda as competências que podem ser desenvolvidas pelos alunos através da Filosofia. Trata-se da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento crítico, da capacidade de trabalhar em equipe, da dispo- sição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, de saber comunicar-se,da capacidade de buscar conhecimentos.De forma um tanto sumária,pode-se afirmar que se trata tanto de competências comunicativas, que parecem solicitar da Filosofia um refinamento do uso argumentativo da linguagem, para o qual podem contribuir conteúdos lógicos próprios da Filosofia, quanto de competências, digamos, cívicas, que podem fixar-se igualmente à luz de conteúdos filosóficos (OCEM, 2016, P. 30). Por sua vez, filosofar em qualquer nível de ensino é uma ação significativa, desde que seja uma atividade detentora de conhecimentos, que levem os alunos 116

a problematizar e argumentar, bem como a elaborar seus próprios conceitos e métodos de leitura e de produção. É preciso lembrar que cordéis, que se proponham a tratar de temas ou da história da Filosofia, devem contemplar o mínimo do que se é sugerido para um entendimento significativo para o sujeito (aluno) do que se pretende transmitir e, esses que por ventura são trazidos para sala de aula, devem levar o aluno a se posicionar filosoficamente sobre determinadas temáticas no contexto da Filosofia. É possível tirar alunos e professores dessa “apatia” que se vive nas salas de aula, despertando nos alunos o que mais importa no homem: a virtude tão discutida pelos filósofos. Nem todo tipo de texto que é trazido para sala de aula é trabalhado de maneira propícia para propor reflexões filosóficas. Os textos de Filosofia revelam um pensamento filosófico, mas outros tipos de textos e temáticas necessaria- mente podem não ser classificados como sendo filosóficos, daí a leitura filosófica transcender a leitura superficial de um texto. A criticidade e o pensamento que se exigem de um aluno não advém apenas das discussões gerais, compreensão de conceitos e problemas. A aprendizagem significativa da Filosofia pressupõe procedimentos reflexivos, não restritos à questões conteudísticas e sistemáticas, como é comum ser trabalhado em outras disciplinas que determinam e implicam objetividade para sua compreensão. A Filosofia, abordada sobre seus preceitos de conhecimento, através dos folhetos de cordel, possibilita aos alunos experiências de desenvolvimento de pensamento, de leitura, de reflexões dialógicas consigo, com o outro e com o mundo e, fundamentalmente, assumem uma posição interrogativa sobre si mesmos. Sob a noção de que o pensamento filosófico é por excelência uma imaginação, pode-se afirmar, segundo Sá Junior e Santos (2011) que A Filosofia é uma atividade de fazer experiências de pensamento, trans- versalmente atravessando o vivido e construindo sentidos para esses acon- tecimentos. As experiências de pensamento que fazemos com a Filosofia nos recolocam no mundo, numa outra perspectiva. A Filosofia, como experiência de pensamento aponta para a criação e para a resistência. (SÁ JÚNIOR E SANTOS, 2011, P. 119) 117

Assim, acreditamos que o cordel como instrumento e suporte para aulas de Filosofia permite e estabelece significativamente a criatividade, a produção, a compreensão, o olhar crítico sobre o mundo e o enfrentamento de problemá- ticas comuns e essenciais para o desenvolvimento da harmonia em sociedade. O exercício filosófico é, fundamentalmente, ligado à escrita e à leitura e, consequentemente, o ensino de Filosofia está firmado nas capacidades comu- nicativas dos alunos. Desta forma, este ensino não pode se desvincular do texto, visto que é essencialmente revelador da realidade e promotor das atividades crítico-reflexivas em sala de aula. Essa junção aqui proposta, entre cordel e Filosofia, proporciona acessi- bilidade às temáticas e conteúdo, isso porque este instrumento de linguagem popular não está distante da realidade do aluno, pois o cordel possibilita maior entendimento dos conteúdos filosóficos e permite o trabalho com leitura e es- crita desenvolvidas, também, na produção de um cordel, aproximando Filosofia e aluno, promovendo interdisciplinaridade. A atividade filosófica representa tradicionalmente a renovação dos ques- tionamentos reflexivos que buscam ultrapassar as dúvidas e as ideias minimalistas que “põe em xeque” a capacidade do aluno, ou seja, nesta atividade contextuali- zada através do cordel, ultrapassam-se as barreiras da limitação intelectual dos indivíduos com base na leitura e produção dos cordéis. Contudo, a fidelidade ao rigor e à exatidão filosófica são essenciais quando se trata da abordagem das formas populares de cultura e expressão. Não cabe aqui defender o abandono dos conteúdos filosóficos formais em troca da faci- lidade na leitura e produção dos versos, mas, sobretudo, a articulação destes no contexto escolar e a compreensão da realidade representada pela capacidade de pensar livremente gera esclarecimento e não obrigatoriamente extingue a dúvida e as problemáticas existentes e vindouras. Segundo MURCHO (2012, p. 9) é inegável a importância da Filosofia em sala de aula, assim “a importância pública de uma formação, ainda que elementar, em Filosofia é a possibilidade de ganhar autonomia para pensar por si, com rigor, em problemas complexos e difíceis”. Os conteúdos filosóficos, que são essencialmente importantes, em sala de aula,são facilmente difundidos,através do cordel,que é tido como uma alternativa 118

criativa, facilitadora, e que permite a criatividade. O cordel especificamente de- senvolvido sobre uma temática puramente filosófica desperta interesse quando passamos a vê-lo como meio de novas significações. CONSIDERAÇÕES FINAIS No atual contexto educacional é efervescente a reflexão de que é preciso reavaliar as propostas metodológicas de ensino, em destaque para o ensino de Filosofia, percebe-se a importância que determinados gêneros assumem em se tratando de atualidade, refletividade e acessibilidade. O cordel traz para sala de aula, enquanto instrumento metodológico, significação social, isso porque, enquanto gênero ele é caracterizado como instrumento de comunicação dedi- cado a narrativas de temáticas tradicionais e não tradicionais que enriqueciam a memória popular e transmitem conhecimentos, além de despertar o senso crítico do aluno em fazer relações entre conteúdo e realidade. É a capacidade de interligação que faz com que o cordel se firme em sala de aula, no que respeita às abordagens filosóficas. Ao trazer uma visão mais con- temporânea de uma Filosofia da antiguidade com elementos regionais de nossa cultura através do cordel, consegue-se alcançar a grande versatilidade da Filosofia. Ao considerar que a Filosofia está na literatura de cordel, principalmente, aqui na região nordeste,acredita-se que a mesma pode ser uma aliada no trabalho de ensinar Filosofia, fazendo da “Filosofia-cordel” uma parceria fascinante na prática do professor. Ao instrumentalizar o cordel em sala de aula, entende-se que o professor de Filosofia poetizará o que há de belo e estético, além de enriquecer a arte e a cultura que pode ser desvelada no mote da Filosofia em uma sala de aula. A história da Filosofia, bem como toda história da humanidade é mantida desde sua origem numa complexidade pautada em teorias bem sistematizadas, sendo assim, na maioria das vezes, longe do entendimento das pessoas e, prin- cipalmente do entendimento dos adolescentes e jovens. Na sociedade atual, nota-se uma desvalorização do Ensino de Filosofia, o que por muitas vezes tida como desnecessária na vida pragmática que levamos, sendo, portanto, também vista como sem nenhuma utilidade por muitos e distante das realidades juvenis. 119

O cordel em sala de aula permite através de sua simplicidade o auxílio ao professor, gera compreensão por parte do aluno e pode ser levado para a escola com o mesmo rigor metodológico que outros instrumentos possuem e que permanecem até hoje em sala de aula. Ao instrumentalizar o cordel em sala de aula, entende-se que o professor de Filosofia poetizará a Filosofia. O cordel pode e deve ser respeitado pelo seu conteúdo vivencial, real e filosófico em se tratando de questões sociais e propriamente de conteúdos filosóficos que contribuem para o esclarecimento e a reflexão, por parte dos sujeitos que formulam o espaço escolar. Ainda existe um preconceito velado em relação às disciplinas que exercitem a capacidade de reflexão dos alunos. Os jovens, ou pelo menos a grande maioria deles, não entendem o porquê de resgatar um conhecimento do passado. Sendo assim, buscar métodos que nos ajudem nessa tarefa é primordial. A utilização de cordéis em sala de aula, com abordagem de temáticas filosóficas, não só otimiza o tempo disponível das aulas, como proporciona diálogo, interação e reflexão, fazendo surgir o interesse, a curiosidade e o empenho dos alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Poética. Trad. Pref., Introd., Com., Apend. de Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Globo, 1966. BRASIL. Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio. Ciências Humanas e suas Tecnologias/Secretaria de Educação Básica. 2006. v. 3. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortês, 1994. Coleção magistério 2° grau. Série formação do professor. MURCHO, Desidério. Filosofia ao vivo. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2005. SÁ JUNIOR, L. a. ; SANTOS, J. M. Experiências de ensino no PROEJA: práticas de leitura e escrita que vão do cordel á Filosofia. Revista Holos Ano 27, Vol 2. 120

ANEXO CORDEL DA Filosofia ANTIGA (Sílvia Maria Lima Teodulino) VOU CONTAR PRA VOCÊS UMA HISTÓRIA BEM MARCANTE. TRATA DA FILOSOFIA DE MANEIRA INTERESSANTE, DEIXANDO UM POUCO AFASTADA A ESCRITA DOMINANTE. EM CORDEL, VOU LHES DIZER, VOCÊS VÃO SE INTERESSAR. POIS RETRATA COM FIRMEZA A HISTÓRIA SEM CESSAR DEIXANDO UM GOSTO DANADO DO QUE É FILOSOFAR. DA FILOSOFIA ANTIGA JÁ COMEÇO A OFERECER A LEITURA DIFERENTE DA QUE VOCÊ PODE TER. QUERO COM ESTE FOLHETO VIRAR, MEXER, CONHECER. INÍCIO DO COMEÇO COMO DEVE SER O TEMA AGRADEÇO ANTECIPADA A QUEM LER ESTE POEMA: PARA O LEITOR CURIOSO, DA SERRA DA BORBOREMA. 121

NA GRÉCIA FOI O PRINCÍPIO, COMO ESTÁ NO MANUAL, COM O COMÉRCIO CRESCENTE DE UM MODO ESTRUTURAL, E TODOS SÃO ENVOLVIDOS NA GRÉCIA CONTINENTAL. ESSA HISTÓRIA SE INICIA EM PLENO SÉCULO SEIS, COM UM POVO QUE SONHAVA ESPERANDO SUA VEZ UM GOVERNO COM IDEIAS PORÉM SEM TANTA AVIDEZ. VAMOS CONHECER AQUI OS PRIMEIROS PENSADORES QUE FIZERAM SEUS ARQUÉS E, COM ELES, SEGUIDORES, ASSIM EXPLICAR AO MUNDO IDEIAS POSTERIORES. OS PRIMEIROS PENSADORES CHAMADOS DE PRÉ-SOCRÁTICOS, CHEGA UM E SEGUE OUTRO, SEM INTUITOS BUROCRÁTICOS, CADA UM COM SEU PRINCÍPIO E CONCEITOS PROBLEMÁTICOS. E THALES FOI O PRIMEIRO. LÁ EM MILETO NASCIDO, POR TER SIDO O COMEÇO NO MUNDO É CONHECIDO, POIS MOSTROU GEOMETRIA COM O PENSAR CONSTRUÍDO, 122

ELE COM OS SEUS ESTUDOS FEZ A BELA PREVISÃO: UM ECLIPSE SOLAR CAUSOU MUITA SENSAÇÃO. O MITO FOI ABALADO, FOI GRANDE A CONSTATAÇÃO. TALES REUNIA TUDO EM UM ARQUÉ PRINCIPAL: SUGERINDO QUE A ÁGUA NO MUNDO ERA A MAIORAL. UMA GRANDE DESCOBERTA DE RAZÃO FUNDAMENTAL. DEPOIS VEIO ANAXIMANDRO SEGUIDOR DE TALES, VIA: NO PRINCÍPIO EM QUE A ÁGUA PARA TODOS SERVIRIA, POIS A VIDA VINHA DELA DA MANEIRA QUE DEVIA. MAS VIU QUE A TERRA FLUTUAVA DUM JEITO BEM NATURAL. ELA É MESMA É SUSTENTADA NO ESPAÇO SIDERAL. ELE AFIRMAVA COM UMA FORÇA QUE NUNCA SE VIU IGUAL. VÊ TAMBÉM O EQUILÍBRIO DA SUBSTÂNCIA PRIMEIRA. DE TUDO QUE ESTÁ NO MUNDO PRECISA, DE UMA MANEIRA, SENTIR AS COISAS FLUINDO SEM LEVANTAR A POEIRA. 123

ELE MARCOU ESSE TEMPO COM SUA DEDICAÇÃO. CRIOU UM MAPA DO MUNDO, GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA AQUELES MERCADORES DENTRO DA NAVEGAÇÃO. DEPOIS NOS CHEGOU PITÁGORAS, UM MÍSTICO E CIENTISTA. POR DENTRO DA MATEMÁTICA FOI FORTE ESPECIALISTA. DELA FAZ SEU INSTRUMENTO QUE POR ALGUNS É BEM VISTA. POLÍCRATES O EXPULSA. DESSA FORMA ASSIM DITOU: DEIXE A TERRA DE SAMOS! PARA O EGITO ELE MIGROU, DEPOIS FOI PARA A ITÁLIA, ONDE UMA ESCOLA FUNDOU. FEZ SUA FILOSOFIA UMA GRANDE NUMERAÇÃO, POIS NA HARMONIA CÓSMICA OS NÚMEROS TÊM RELAÇÃO PARA ISTO CITO EXEMPLOS QUE ABAIXO SEGUIRÃO: DIVIDE UMA CORDA DE LIRA E VÊ NO SEU COMPRIMENTO QUE É NA OITAVA MAIS ALTA UM BELO ACONTECIMENTO. AO ESPÍRITO DE QUEM OUVE FAZ BEM E CONTENTAMENTO. 124

O ARQUÉ QUE SEGUE AGORA HERÁCLITO VAI COMENTAR POIS, COM SEU GRANDE DISCURSO, REVELA QUE AO SE ENTRAR NO RIO QUE SE MOVIMENTA SAIR COMO ENTROU NÃO DÁ. PRA ELE TUDO FLUÍA, TUDO É PURO MOVIMENTO, E O EQUILÍBRIO SE ENCONTRA NO COSMOS, NO ELEMENTO, QUE ELE VÊ LOGO DE CARA, NO FOGO, O CONHECIMENTO. PARA ELE A TERRA, A ÁGUA, E ATÉ O NOSSO PURO AR, TÊM UM PRINCÍPIO ÚNICO: É O FOGO QUE LOGO ESTÁ, VAI DIZER QUE A VITÓRIA SERÁ TUDO TRANSFORMAR. E PARA OS QUE JÁ DISSERAM QUE OS ÁTOMOS AQUI ESTÃO, VEM LEUCIPO E DEMÓCRITO, FILÓSOFOS, AGORA EM QUESTÃO MOSTRAM A FORMAÇÃO DO MUNDO, EM PARTES SEM DIVISÃO. NA FILOSOFIA ANTIGA HOUVE, SIM, UMA MUDANÇA. VEIO O DISCURSO SOFISTA, QUE UMA SUGESTÃO LANÇA: DEIXAR A VERDADE FORA GERANDO DESCONFIANÇA. 125

OS DISCURSOS VÃO SURGINDO COM PALAVRAS E PROMESSAS. OS SOFISTAS SÃO, DE FATO, MESTRES EM TODAS AS CONVERSAS, PORÉM ALGUNS ATRAPALHAM E QUEREM SE LIVRAR DESSAS. “O HOMEM – SEGUE O ROTEIRO – É O CUME DA MEDIDA”, PROTÁGORAS NA SUA TESE, EM UMA NOVA INVESTIDA, CONHECE A REALIDADE QUE NA VIDA É COMETIDA. A OPINIÃO, SÓ, BASTA ELA É ÚTIL E ESSENCIAL, POIS PARA ELE O CETICISMO, É BELO E FENOMENAL, AS VERDADES E MENTIRAS NÃO SE PRENDEM AO BEM OU MAL. PARA FALAR DE JUSTIÇA TRASÍMACO FAZ A AÇÃO ELE DIZ QUE, PARA SER JUSTO, É VIÁVEL A CONDIÇÃO: POIS O MAL DE NADA VALE E A FORÇA É QUEM TEM RAZÃO. PARA ELE, O MAIS FORTE VAI SER SEMPRE O VENCEDOR. A JUSTIÇA É BEM ASSIM: DEVE À FORÇA SEU PUDOR. DESSE JEITO ELE ARGUMENTA SEU PENSAMENTO E FUROR. 126

QUANDO SÓCRATES APARECE VEM MUDAR TODA QUESTÃO, TRAZ UM POUCO DE HUMANISMO PÕE OS SOFISTAS NA MÃO POIS ELES NÃO SÃO FILÓSOFOS, PRA VERDADE DIZEM NÃO. O QUE SÓCRATES QUERIA ERA A VERDADE PARECIDA DENTRO DA FILOSOFIA QUE ERA A SUA INVESTIDA. FAZENDO BOA UNIÃO FELICIDADE COM VIDA. QUERO TRAZER NESSA RIMA OUTROS FILÓSOFOS DA HISTÓRIA. OS SEUS QUESTIONAMENTOS, PARA A TRISTEZA OU A GLÓRIA, DESEJO PARA VOCÊS FILOSOFAR NA MEMÓRIA. É PLATÃO O NOME DELE, POR QUEM QUERO INICIAR. ELE COMEÇA DIZENDO QUE O MUNDO SÓ PODE ESTAR SEGURO E ORGANIZADO SE UM FILÓSOFO O GOVERNAR. DEIXA PARA OS SEGUIDORES PENSAR IDEALIZADOR, PARA MUITOS A HISTÓRIA UM PENSAR CONFRONTADOR. DEPOIS AO CRISTIANISMO SERÁ UM NORTEADOR. 127

DEPOIS DO GRANDE PLATÃO ARISTÓTELES É O CONSEQUENTE, ÚLTIMO FILÓSOFO DA PÓLIS SEGUIU PLATÃO CERTAMENTE, MAS COM AS IDÉIAS DO MESTRE NÃO É NADA COMPLACENTE. POIS PLATÃO, POR SUA VEZ, VIA O MUNDO DIFERENTE, PARA ELE ERAM AS “IDEIAS”. ARISTÓTELES, DESCONTENTE, VÊ O MUNDO OBJETIVO, APESAR DO APARENTE. AS ESCOLAS HELENÍSTICAS VOU TRAZER E ELENCAR. UMA NOVA ERA SURGE COM ALEXANDRE A BRINCAR, BUSCANDO GRANDES CONQUISTAS E O MUNDO A DESBRAVAR... SENDO QUATRO AS ESCOLAS DELAS VOU FALAR AGORA, PRIMEIRO O ESTOICISMO. VEM CETICISMO E CINISMO. O HELENISMO VAI AFORA. PARA ELAS SÓ HAVIA O OBJETIVO A CHEGAR: A BASE ERAM PRECEITOS CADA UM NO SEU LUGAR. AUSÊNCIA DO SOFRIMENTO FELICIDADE ALCANÇAR. 128

DA ESCOLA EPICURISTA CUJO NOME AQUI CHEGOU, O DE MAIOR IMPORTÂNCIA QUE ASSIM SE REVELOU: FOI O DO PRÓPRIO EPICURO QUE SUA ESCOLA FUNDOU. ELE FOI NASCIDO EM SAMOS. CONSTRUIU BELE JARDIM, JUNTOU ALGUNS DISCÍPULOS REUNINDO-OS PARA ASSIM, VIVER EM COMUNIDADE TRANQUILIDADE SEM FIM. A VIDA EPICURISTA BUSCA A FELICIDADE, NÃO RECUSA O BOM SABER, MAS LIMITA DE VERDADE TODOS O DESEJO FÍSICO, SUA ESPECIALIDADE. PARA CONSUMAR O FATO CHAMADO DE ATARAXIA PARA BURLAR A AFLIÇÃO EPICURO EXPLICARIA QUE A MORTIFICAÇÃO ERA A CHAVE TODO DIA. MAS ELE DUVIDAVA QUE OS DEUSES EXISTIAM ENTRETANTO ELE PREGAVA QUE ELES NÃO SE INTROMETERIAM NOS ASSUNTOS DOS HUMANOS E NEM DELES CUIDARIAM. 129

A PRÓXIMA ESCOLA A VIR ERA A ESTÓICA EM QUESTÃO. SUA DOUTRINA SEGUIA UMA BREVE EXPLICAÇÃO, DE QUE O UNIVERSO É O FOCO DESSA FARTA DISCUSSÃO PARA ELES O SEU MESTRE FOI O ZENÃO, LÁ DE CÍTIO. ERA A LÓGICA E A FÍSICA E TAMBÉM O MAL DO VÍCIO. IMPORTARAM-SE COM A ÉTICA QUE ERA SEU GRANDE OFÍCIO. OS ESTÓICOS SÓ VIVIAM DE ACORDO COM A NATUREZA. ACEITAVAM O ACONTECIDO O UNIVERSO, COM CERTEZA, ORDENADO POR UM DEUS DE HARMONIA E PUREZA. PARA ELES O DESTINO ERA ALGO NATURAL, NÃO TERIA FORÇA ALGUMA PARA O BEM OU PARA O MAL, TUDO ERA HARMONIZADO NUM EQUILÍBRIO TOTAL. CHEGA AGORA O CETICISMO CRITICANDO O QUE FOI DITO. E TEM UM PRECEITO CÉTICO: NO QUAL TUDO É ATRITO. PONDO A DÚVIDA NO MEIO NO QUE FOR DITO E NÃO DITO. 130

ELE TEM A DIVISÃO EM UMA BASE ESPECÍFICA: UMA É A FILOSÓFICA E A OUTRA, A CIENTÍFICA. A FILOSÓFICA É A CRÍTICA VEM À OUTRA E VERIFICA. UMA ESCOLA PUXA A OUTRA QUE ANTÍSTENES FUNDOU. CHEGANDO LOGO O CINISMO. DIÓGENES CONSTATOU. MUNIDO DE IRONIA, SEU DISCÍPULO SE TORNOU. FOI DIÓGENES, O “CÃO”, SIMPLES, UM PERFEITO GOZADOR. TINHA UM IDEAL DE VIDA: VIVER COMO TRANSGRESSOR. ELE NÃO SE CONFORMAVA COM O SUPÉRFLUO EM VIGOR. A GRANDE FELICIDADE, PARA OS CÍNICOS, EXISTIA. MORAVA NA LIBERDADE, NA QUAL TUDO RENUNCIA. LÁ ALÉM DE APARÊNCIA, COM RETIDÃO E CORTESIA. FOI GRAÇAS A PENSADORES QUE ISSO TUDO ACONTECEU. POR SÊNECA E EPÍTETO, BOM TEMPO SOBREVIVEU, TEVE SEU DECLÍNIO QUANDO NEOPLATONISMO NASCEU. 131

COMEÇA OUTRO PERÍODO COM ESSE NEOPLATONISMO. É CHEGADO UM TEMPO NOVO BEM NO FIM DO HELENISMO COM O SEU REPRESENTANTE PLOTINO E O ESPIRITUALISMO. PARA O NEOPLATONISMO, O CERNE É INTERAÇÃO: A MORAL E A HIERARQUIA, TAMBÉM A RELIGIÃO. HAVIA A HIPÓSTASE DO UNO, O DEUS DA OCASIÃO. OUTRAS HIPÓSTASES VÃO VINDO I NOUS E A ALMA DO MUNDO. O MAL AÍ NÃO EXISTE: PRIVAÇÃO DO BEM FECUNDO. E ASSIM COM AS HIPÓSTASES PLOTINO EXPLICA PROFUNDO. É O FIM DA GRANDE HISTÓRIA, COM ELA A CONTRADIÇÃO. NA FILOSOFIA ANTIGA HOUVE MUITA INDAGAÇÃO, E VOCÊ PODE ESCOLHER, ENTRE ARISTÓTELES E PLATÃO. FIM! 132

MGEUASCALTTOSIAONIMMTCSSEEOEOMSENNRDÍMDNTCÇAIDRBOÃLMRILNIOBDEEOTUDNAMMEIETDXÇÁEOETCÕTDORECIECESSIMLAOÍDDDNNSCOEOIÇECPWSANAOSNAR:A Ediclécia Sousa de Melo Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa- PB [email protected] Laís Cavalcanti de Almeida Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB [email protected] Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB [email protected]

Amultimodalidade linguística é uma perspectiva que fundamenta de forma significativa diversos trabalhos em Aquisição da linguagem. Essa abordagem parte da noção de língua considerando não apenas os seus aspectos verbais, mas engloba elementos gestuais e o olhar dos sujeitos em cenas interativas, desse modo, a mescla dos elementos integram uma só matriz linguística de produção. Diante disso, nosso objetivo neste trabalho é mapear e analisar os gestos emblemáticos. Para tanto, partimos da abordagem teórica pautada em estudos acerca da multimodalidade de McNeill (1985, 1992, 2000), Kendon (1982) e dos gestos enquanto elementos culturais proposta por Kita (2009). No que se refere à atenção conjunta, temos como suporte teórico as contribuições de Tomasello (2003). Metodologicamente, utilizamos nesta pesquisa registros videográficos de cenas naturalísticas de atendimento fonoaudiológico. Os dados foram coletados quinzenalmente na Clínica Escola de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Paraíba. A duração de cada sessão é de aproximadamente 30 minutos. Em relação aos integrantes, participaram da pesquisa duas crianças com Síndrome de Down e duas terapeutas interagindo em contextos lúdicos. Os resultados deste estudo apontam para o uso de variados emblemas pelos sujeitos. Além disso, uma das crianças que tinha maior dificuldade de se expressar oralmente produziu os emblemas de forma mais saliente, assim como a terapeuta par- ticipante dessas sessões que, com produções multimodais, contribuiu para a interação da criança durante o atendimento fonoaudiológico. Palavras-chave: Multimodalidade. Aquisição da Linguagem. Gestos Emblemáticos. Síndrome de Down. 134

INTRODUÇÃO A Síndrome de Down, doravante SD, é uma alteração cromossômica decorrente da presença de cromossomo 21 extra. Essa condição genética de- termina os aspectos físicos, resultando em atraso no desenvolvimento motor, cognitivo e linguístico. Uma das áreas mais afetadas pela alteração genética é a linguagem, assim, aquisição é um processo diferenciado e considerado lento no que se refere à expressão comunicativa por meio da fala. A princípio, crianças com SD privilegiam o uso dos gestos nas comu- nicações, uma vez que apresentam dificuldades no momento da produção de enunciados (ANDRADE, 2006). Diante disso, neste trabalho, temos como foco analisar as produções gestuais sob uma perspectiva multimodal, mais precisamente o processo de construção dos gestos emblemáticos (produções gestuais determinadas culturalmente, tais como o uso em nossa cultura do apontar, do acenar, o menear a cabeça etc.) por serem considerados gestos privilegiados por crianças com SD (LIMA, 2016). Nesse contexto, destacamos a perspectiva da multimodalidade lin- guística. McNeill (1992) parte da concepção de que gesto e fala integrando em uma única matriz de produção, a matriz multimodal. Os gestos são movimentos corporais realizados com os braços, a cabeça e o corpo. Nessa perspectiva, McNeill (2000) apresenta um contínuo gestual elaborado por Kendon (1982), apresentando a gesticulação, emblemas, pantomimas, e línguas de sinais relacionados à fala. Nele, emblemas podem emergir atre- lados ou não das produções vocais, e estão definidos enquanto produções marcadas culturalmente, podendo variar de acordo com cada cultura, sendo parcialmente convencionais. Neste sentido, embasados pela concepção que integra produções vocais e produções gestuais em uma só matriz de produção, a perspectiva da mul- timodalidade, buscamos analisar o processo constitutivo de emblemas como elementos significativos para a aquisição da linguagem no contexto clínico. 135

SÍNDROME DE DOWN: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO A Síndrome de Down emerge em decorrência de uma alteração no cromossomo 21. É classificada como uma alteração genética que acomete a criança mesmo antes do seu nascimento. De acordo com Mustacchi (2009), a Síndrome de Down teve a sua descrição por John Langdon Down, em 1986, um médico que tratava de crianças com deficiência intelectual e realizou um estudo descritivo dos sinais típicos associados à pessoa com SD. No decorrer do tempo, em 1959, os estudos de Jérôme Lejeune deram um grande salto para o que até então era chamado de mongolismo, pois foi verificado que determinadas crianças tinham um cromossomo adicional, o cromossomo 21. No que tange à citologia e à genética, a Síndrome de Down se apresenta de três modos: a trissomia simples, a translocação e o mosaicismo. A primeira, a trissomia simples, decorre da presença extra do cromossomo 21, é causada pela não disjunção do cromossomo e considerada predominante, visto que ocorre em 96% dos casos em pessoas com Síndrome de Down. A segunda, a translocação, diferentemente do que ocorre na trissomia simples, segundo Stray-Gundersen (2007), é observada a presença de três cópias do cromossomo 21. Entretanto, o cromossomo extra está conectado a outro cromossomo, geralmente o cromossomo 14, ou a outro cromossomo 21. Essa alteração cromossômica ocorre em cerca de 3 a 5% das crianças com SD. O terceiro tipo, o mosaicismo é caracterizado por uma divisão celular imperfeita, constando dois formatos de divisão celulares. Nesse caso, as células não são afetadas de forma completa, algumas células ficam com 47 cromosso- mos e outras com 46 cromossomos, apresentando o cromossomo 21 extra livre (FRASÃO, 2007). Segundo Frazão (2007), há dificuldades por parte dessas crianças em compreender conceitos como passado e futuro, ou seja, noções abstratas são mais difíceis de serem compreendidas, pois o processo de desenvolvimento do lado simbólico é mais vagaroso. Para a referida autora, o estímulo é crucial para um melhor desempenho dessas funções. Mustacchi (2009) considera que as crianças com SD têm maior dificuldade na produção do que compreensão da fala, salientando que há uma lentidão na 136

produção de palavras. Por volta dos 20 a 24 meses surgem os primeiros enuncia- dos com sentido referencial e a estrutura frasal emerge por volta dos 3 a 4 anos. Ainda que estudos desenvolvidos na área apresentem essa defasagem no que se refere à linguagem e à aprendizagem dos sujeitos com Síndrome de Down, partimos da noção de que com a utilização dos recursos multimodais, em contextos que os estimulem, seja em ambiente familiar ou em espaços clínicos, essas crianças têm a possibilidade de desenvolver as habilidades interativas. Vale salientar que ao investigar os emblemas na aquisição da linguagem das crianças com SD, em ambiente de atendimento clínico, identificamos e analisamos a construção da tipologia emblemática das crianças e dirigida às crianças, pelas terapeutas, uma vez que se trata de contextos dialógicos. Diante disso, na próxima seção, discutiremos acerca dos conceitos da linguagem vista enquanto integração gesto-fala, em que um não precede a outra, mas estão pareados enquanto construção linguística. MULTIMODALIDADE EM FOCO Várias discussões e estudos foram elaborados envolvendo a multimodali- dade em aquisição da linguagem sob um olhar interacionista (CAVALCANTE, 1994; ÁVILA-NÓBREGA, 2010; CAVALCANTE; BRANDÃO, 2012).Tais investigações em aquisição da linguagem enfocam os aspectos multimodais da linguagem: gesto,olhar e prosódia em contextos interativos diádicos e apresentam considerações acerca da aquisição da linguagem infantil, principalmente, no que diz respeito à noção de que o gesto não é responsável por reservar o lugar para a fala, mas atua como co-partícipe da matriz da linguagem. A junção gesto e fala permite que os significados sejam alcançados nas conversas, ambos estão juntos em um único plano global (KENDON, 2000). Os gestos são utilizados para a comunicação,expressão do pensamento,interação e são essenciais ao ato de comunicar não podendo dissociar-se da fala (MCNEILL,1992). Ávila-Nóbrega (2010) ressalta que os gestos presentes no contínuo de Kendon aparecem na primeira infância e estão integrados em um “envelope multimodal”, no qual a produção gestual está intrinsecamente ligada às outras modalidades como olhar, produção verbal, prosódia etc. 137

No estudo, o autor investigou a simultaneidade da ocorrência dos gestos e da fala, adotando a perspectiva da multimodalidade da língua proposta por McNeill (1985) e a relação com o olhar díades (dupla mãe-bebê) dos 07 aos 17 meses. Desse modo, constatou-se que o que há de comum em todas as análises realizadas é uma mescla dos gestos emblemáticos, pantomímicos e da gesticu- lação em cenas de interação, corroborando com a perspectiva multimodal em pesquisas com crianças. Um outro estudo longitudinal sobre o papel dos gestos para a emergên- cia da linguagem foi realizado por Bates, Camaioni e Volterra (1975), com crianças de 2, 6 e 12 meses. Foram observados que as crianças produziam dois tipos específicos de gestos de apontar: os protodeclarativos, que ocorriam nos momentos em que as crianças utilizavam objetos apontando, mostrando para chamar a atenção dos adultos, e os protoimperativos executados em tentativas de pedir determinados objetos. Os emblemas são considerados uns dos primeiros gestos privilegiados pela criança no período de aquisição da linguagem, seu uso é saliente principal- mente no ato de apontar para referenciar objetos, pessoas e situações abstratas, conforme discutiremos a seguir. EMBLEMAS Os gestos são partes integrantes da comunicação humana, estão inseridos nas relações interpessoais de diversas formas, em diferentes culturas. O gesto está relacionado ao estilo do indivíduo, cada pessoa ao produzir um gesto traz à baila sua cultura, sua etnia (DAVIS, 1979, p. 97). Os emblemas, também, podem ser enfatizados pela face, como o sorriso para indicar felicidade, o abaixamento da mandíbula indicando a ação da sur- presa, assim, estão associados à expressão facial na comunicação com o outro. Além disso, podem ser vistos em diversas culturas, podendo variar de acordo com as ocasiões e lugares, como o gesto de fazer um círculo com o dedo polegar e com o dedo indicador que para os norte-americanos indicam a expressão “ok”, mas em outras culturas tem o sentido de órgão genital. Desse modo, culturas diferentes usam o mesmo gesto, mas com significados diferentes (DAVIS, 1979). 138

Kita (2009) é outro estudioso que concebe os emblemas como sendo gestos culturais, mostrando que há uma opacidade na relação gesto-significado em cultura. Mesmo que a relação gesto e fala seja universal, o uso pode variar de acordo com cada cultura. Explicando a dialética do gesto e da produção de fala e estabelecendo uma diferença entre emblemas e gesticulação, McNeill (2002) afirma que a definição de gestos é imprecisa, e foram chamados de gesticulação por Ken- don (1982), porém o termo mais adequado para tal é gesto, uma vez que a gesticulação difere dos emblemas. É importante destacar que emblemas são sinais gestuais codificados, enquanto a gesticulação é criada no momento da fala (MCNEILL, 2002). Dentre os gestos do contínuo de Kendon, os emblemas se destacam na Síndrome de Down, uma vez que essas crianças têm preferência na produção desses movimentos, principalmente os gestos dêiticos, considerados primeira manifestação da comunicação com intenções. Inicialmente, a criança somente mostra o objeto que está em sua mão, em seguida, estende o braço mostrando-o para o adulto, oferece objetos, solicita objetos próximos ou distantes e aponta para mostrar e pedir (LIMONGI, 2006; LIMA, 2015). Neste sentido, obser- vamos a abrangência dos gestos dêiticos e a forma como se desenvolve ao longo do percurso da aquisição da linguagem. Nas trocas comunicativas, as crianças e as terapeutas utilizam emblemas (apontar, pedir, se despedir), pantomimas (beijar) e produções vocais como o balbucio e os jargões. Inicialmente, as produções linguísticas não eram privi- legiadas pelas crianças, mas no decorrer do estudo observa-se “a emergência de uma maior quantidade e diversidade de produções linguísticas, usadas para diversos fins interacionais, e aumento da participação das cenas de atenção conjunta” (LIMA, 2015. p. 79). Nas cenas de atenção conjunta os olhares são partes fundamentais do processo de construção da aquisição da linguagem. A ATENÇÃO CONJUNTA O termo atenção conjunta é definido por Tomasello (2003) como inte- rações sociais nas quais a criança e o adulto prestam atenção de forma conjunta 139

a um elemento externalizado por um período de tempo razoável. As cenas de atenção conjunta emergem em relações triádicas aos nove meses, período em que a criança começa a compreender os outros como seres intencionais. Para o autor, a atenção conjunta é uma forma de interação social, assim, a criança observa o referencial externo, observa o olhar do adulto para o objeto e percebe que o adulto o observa. A cena de atenção conjunta é formada por objetos e atividades que a criança e o adulto sabem que participam de seu foco de atenção (TOMASELLO, 2003). Brunner (1975) considera que a atenção conjunta pode ser representada através de um triângulo que envolve a mãe, a criança e o objeto ao qual dão atenção. O olhar compartilhado é integrante nas cenas de interação. Tomasello (2003) leva em consideração a interação da criança com outra pessoa e objetos, neste sentido, os bebês são seres sociais desde mais tenra idade, e durante as interações sociais usam o olhar para expressar emoções e anseios. O autor apresenta os modos de interação em cenas de atenção conjunta que são: Quadro 1- A Atenção conjunta Atenção de verificação: Consiste em acompanhar/verificar a atenção do adulto para determinado evento ou objeto, emergindo por volta dos 9 aos 12 meses de idade. Atenção de acompanhamento: Ocorre com o acompanhamento do olhar dos adultos de produções gestuais como o apontar para eventos ou objetos mais distanciados, aparecendo por volta dos onze a quatorze meses de idade. Atenção direta: dá-se através do direcionamento do olhar do adulto para objetos, referenciando-os através dos gestos dêiticos, que podem ser do tipo imperativo ou declarativo, ocorrendo a partir dos 15 meses de vida da criança. Fonte: Quadro formulado de acordo com os tipos de Atenção conjunta, elaborados por Tomasello (2003). 140

Costa Filho e Cavalcante (2013) consideram que a atenção conjunta é um processo relevante na rotina infantil e, mesmo que a criança já tenha adquirido a linguagem, esse processo é fundamental para a consolidação das noções de relações espaciais e referenciais. Os contextos de atenção conjunta são relevantes no sentido de que são nas cenas interativas que as ações verbais se aprimoram, assim, a criança pode realizar um paralelismo gradativo entre as ações, os objetos e os referentes linguísticos (BRAZ; SALOMÃO, 2002). Estudos mais recentes, em aquisição da linguagem, ampliam a noção de relação triádica apresentada por Tomasello (2003), mostrando que em uma cena interativa mais elementos podem compor o cenário, constituindo o que Melo (2015) nomeia de relação quaternária ou quadrática. Na visão da autora, além da criança participando da cena interativa ou grupo de crianças e do adulto, há mais dois elementos, podendo ser dois objetos ou dois eventos. Uma outra configuração de cenas de atenção conjunta é encontrada em Ávila-Nobrega (2017), as quinas. A relação em quina, pode emergir, por exemplo, do seguinte modo: dois adultos, uma criança, uma entidade externa (objeto, evento, lugar, pessoa etc.) e o objeto discursivo (dentro do processo de referenciação) se fazem presentes na dialogia (ÁVILA-NOBRÉGA,2017,p.73). Para Lima (2014), as cenas de atenção conjunta são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, gestual e vocal infantil, no sentido de que são nesses contextos que há trocas interativas por meio da parceria entre adulto e bebê, contribuindo para o desenvolvimento do bebê, a partir da interação infantil. São nas cenas de atenção conjunta que, a partir do olhar, da produção vocal, e dos gestos, o processo de aquisição da linguagem é constituído. O gesto de apontar, por exemplo, referencia objetos e eventos e, através desse artefato, a criança compartilha informações antes mesmo de construir o vocabulário da língua materna, dessa forma se insere nas relações sociais desde cedo. Conforme Fonte e Cavalcante (2016), há uma relação estreita entre ges- to e fala, e na clínica de fonoaudiologia é importante que o terapeuta dê esse espaço para a multimodalidade, uma vez que o gesto contribui para a fluência da fala. Neste sentido, através do planejamento terapêutico o profissional tem a possibilidade de elaborar atividades estratégicas que privilegiem o uso dos gestos e da fala de forma simultânea, “contribuindo para um melhor funcionamento 141

da linguagem em sujeitos com distúrbios da linguagem”. Nesse sentido, gesto e produção vocal estão presentes concomitantemente nas cenas interativas, da mesma forma concebemos a língua, enquanto construto multimodal, em contextos de interação social. METODOLOGIA A pesquisa está vinculada ao Laboratório de Aquisição da Fala e da Escrita (LAFE), situado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O estudo é de cunho qualitativo e longitudinal, pois as sessões foram filmadas nos consultórios de fonoaudiologia da clínica-escola situada no campus I da UFPB, no município de João Pessoa. As cenas fazem parte das ativi- dades do projeto “Letramento em pauta: Intervenção fonoaudiológica na Síndrome de Down” e compõem o banco de dados do Núcleo de Estudo em Linguagem e Funções Estomatognáticas (NELF). O projeto envolve ações que visam contribuir para o desenvolvimento da oralidade, escrita e interação de crianças, adolescentes e jovens, assim como beneficiar de forma ativa a aprendizagem. Os sujeitos da pesquisa são dois irmãos (crianças) com Síndrome de Down, a criança 1 (C1, 2 anos), a criança 2 (C2, 3 anos) e duas estagiárias (E1) e (E2). Cada criança teve atendimento individual, com duração média de 45 minutos. As sessões analisadas foram planejadas pelas estagiárias e supervisionadas por fonoaudiólogos. Os dados coletados são transcritos no ELAN (Eudico Linguistic Anno- tator), trata-se de um programa para anotação de arquivos de áudio e vídeo, desenvolvido pelo Instituto Max Planck de Psicolinguística. Esse software é de suma importância para esta pesquisa, pois permite a transcrição de vídeos e áudios de forma associada. Durante a análise dos vídeos, foram criadas três trilhas de observação para cada membro participante da filmagem: a produção vocal, a produção gestual e o olhar. Vale salientar que esse estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da instituição de origem (CCS/UFPB), sob o parecer de número 1.360.357. 142

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS C1: Situação interativa - Alô ! Contexto: A criança e as terapeutas brincam com brinquedos e o celular na sala. Quadro 2 - Fragmento de transcrição de cena interativa de C1 TEMPO TEMPO TRILHA PRODUÇÃO MULTIMODAL INICIAL FINAL MULTIMODAL 10:24 10:23 10:27 P. oral E1 C1! 10:22 10:29 10:27 10:32 Olhar C1 Direciona aos brinquedos 10:32 10:35 P. oral E1 Olha tia falando contigo C1! fala com ela! 10:33 10:34 P. gestual E1 Com brinquedo na mão aponta para a E2 10:34 10:38 (emblema) 10:34 10:35 P. oral E1 Fala com ela! ó tia E2! Segura brinquedo e 10:34 10:36 aponta para a E2 (emblema) 10:35 10:42 10:37 C1 Aô! (Olha para a E2) 10:46 10:46 10:48 P. gestual C1 Abre a mão e bota no ouvido em forma de 10:42 celular (emblema). Pega um brinquedo e 10:48 bota no outro ouvido como outro celular, 10:46 10:48 10:46 10:48 as ações ocorrem simultaneamente. 10:46 10:48 Olhar E2 Olhar para a E1 10:44 P. oral C1 Alow! P. oral E1 Tu tá falando com quem? Com quem é que fala? vou falar contigo C1 vou ligar pra tu. (Pega a mão fechada e põe no ouvido (emblema) simulando telefonar com cabe- ça um pouco inclinada para a direita) P. oral E2 Alow! P. vocal E1 Não quer mais falar no telefone? (Olha para a criança) P. gestual C1 Mexe nos brinquedos P. oral E1 Não quer mais falar no telefone? P. gestual E1 Fecha as mãos em forma de palma (gesti- culação) P. gestual e oral C1 Solta o brinquedo no chão e cruza os bra- ços, não brinca mais. (emblema) Não! Fonte: Elaborado pelas autoras. 143

A cena apresenta uma situação de interação entre a criança e as terapeutas. Nesse contexto, entra em cena um novo elemento, o celular. Inicialmente, E1 convida a criança à interação através da produção vocal “olha tia querendo falar contigo!” associada ao gesto de apontar com objeto direcionado à E2. Após a solicitação da E1, a criança abre toda a mão e aproxima à orelha, pega um ob- jeto e coloca do outro lado sob formas de celular e, simultaneamente, produz o enunciado “Alow”. Em seguida, a criança cruza os braços, demonstrando estar se recusando a dar continuidade ao diálogo, ao observar o gesto produzido pela criança, a E1 o questiona e tem como resposta de C1 “Não”. Durante essa cena, observamos a presença de diversos gestos, tais como: o apontar com objeto (dêitico), variação do gesto de telefonema, o qual na construção gestual a criança abre a mão toda, enquanto a E1 fecha a mão toda ou mostra apenas o dedo polegar e a E2 deixa à mostra os dedos polegares e o mindinho. Kendon (2002) classifica as produções gestuais da criança por gestos emblemáticos, pois são moldados conforme a cultura dos sujeitos. A criança cruza os braços novamente como forma de negação. Além disso, C1 produz um emblema de telefonema, ao abrir a mão e posicionar na orelha. Esse gesto é uma representação que ultrapassa a apresentação de um objeto, está relacionado à ação telefonar, uma vez que gesto é ação. No que tange às produções vocais, muitas delas são ininteligíveis, mas neste excerto a criança ora pronuncia “aô”, ora produz “alow”, como apresenta- mos no quadro acima. Pateiro (2013) destaca que em crianças com Síndrome de Down a produção vocal é executada com mais dificuldade que a produção gestual, acrescentando que a principal forma de comunicação dessas crianças é o gesto, e que a estimulação da oralidade numa fase inicial é relevante para o desenvolvimento global. Por fim, observamos que a construção dos gestos emblemáticos da criança e das terapeutas ocorrem em conjunto com produções vocais, ambas são com- preendidas pelas estagiárias, permitindo trocas satisfatórias de diálogo, assim, ressaltamos a multimodalidade em contextos de atendimento clínico. 144

C2: Situação interativa - qual é a menina? Contexto: Após pegar a criança que estava sentada na cama e colocá-la no chão, a terapeuta inicia uma atividade de colagem. Quadro 3 - Fragmento de transcrição cena de C2 TEMPO TEMPO TRILHA PRODUÇÃO MULTIMODAL INICIAL FINAL MULTIMODAL Qual é a menina, é essa ou essa? 04:33 04:35 P. oral E1 Olha para o cartaz Olhar E1 04:33 04:35 Aponta para as duas figuras tocando no P. gestual E1 cartaz com as pontas dos dedos 04:33 04:35 Olhar C2 Observa o cartaz 04:33 04:35 P. gestual C2 Aponta para as duas figuras com a mão 04:35 04:36 Olhar C2 aberta utilizando a ponta dos dedos 04:35 04:36 P.oral E1 Olha para cada figura no cartaz 04:36 04:38 Olhar E1 é só um, diz pra mim qual é.. 04:36 04:38 Olha para a criança P. gestual E1 04:36 04:38 Olhar C2 Mostra o dedo indicador e movimenta-o 04:36 04:38 se referindo ao número 1 (emblema) P. gestual C2 Olha para a E2 e para o cartaz 04:40 04:42 Aponta para as duas figuras com o dedo indicador, e em seguida olha para a E1 Fonte: Elaborado pelas autoras. Nesta situação interativa, notamos que a criança através do olhar observa toda a ação da terapeuta. Mesmo observando atentamente, muitos dos questio- namentos feitos pela E1 não são respondidos adequadamente pela criança como em “qual é a menina, é essa ou essa?”, em que a terapeuta de forma associada à pergunta utiliza o recurso gestual dêitico referenciando o objeto, porém mesmo assim a criança aponta para as duas figuras. Em relação à semântica do gesto de apontar, Vezali (2012) reitera que os gestos dêiticos têm modalizações semelhantes aos dêiticos verbais, como, por exemplo, a produção dos pointings no lugar de pronomes pessoais “eu- -você/tu”. No exemplo acima, o gesto e a fala da terapeuta se complementam, 145

fazendo referência a um objeto concreto na interação, às duas figuras, quando ela questiona se “é essa ou essa”. Na cena, percebe-se uma dificuldade por parte da criança em distinguir as figuras, e a configuração dos gestos da terapeuta também é feita pela crian- ça. A produção gestual da terapeuta é atrelada à produção vocal, em que uma não ocupa o lugar da outra, mas se complementam linguisticamente na cena interativa, uma vez que o gesto e a fala estão integrados em uma única matriz de significação (MCNEILL, 1982). A criança faz uso do apontar com a mão aberta e tocando com a ponta do dedo indicador no objeto. Observamos que em muitos momentos a terapeuta aponta para o objeto, solicitando que a criança mostre determinado espaço e, em seguida, a criança aponta. Percebemos que, geralmente, C1 recorta o gesto da terapeuta, utiliza o gesto dêitico como forma de interação associado ao olhar de verificação. Esse tipo de olhar ocorre no momento em que a criança observa o objeto e um adulto, dividindo a atenção no mesmo espaço, envolvendo, como nesta cena, a terapeuta e a criança dando atenção conjunta para o cartaz. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das análises realizadas nesse trabalho, observamos que a constru- ção de gestos emblemáticos, em contexto clínico, é um processo que envolve, efetivamente, a interação entre os sujeitos. Os emblemas, geralmente, estiveram relacionados às atividades de referenciação ou representação de objetos, podendo a criança utilizá-los atrelados (como ocorre em C1) ou dissociados da produção vocal (como vimos em C2). É nesse sentido que ressaltamos o papel da mul- timodalidade na aquisição da linguagem, uma vez que a criança com SD, cuja linguagem, ao longo do tempo, foi definida pela literatura como adquirida de forma muito gradativa, insere-se nas cenas de atenção conjunta com recursos linguísticos gestuais, vocais e olhar, favorecendo as habilidades dialógicas. Observamos que a criança 1 ao utilizar todos os elementos do contínuo gestual (produção vocal variada, olhar, gesticulação, pantomimas etc.), para fins interacionais, produz menos gestos que a criança 2, em contrapartida, nas trocas 146

interativas, a criança 2 participa das cenas de atenção conjunta com uma maior produção de emblemas, principalmente de gestos dêiticos. Verificamos que, no decorrer do processo terapêutico, as produções emblemáticas de C2 são mais diversificadas e recorrentes no contexto interativo, além disso, vimos o quanto à terapia favorece o desenvolvimento linguístico da criança. Em relação às terapeutas, constatamos que fizeram uso de uma produção gestual emblemática variada, associada à produção vocal e ao olhar para fins interacionais. Durante o atendimento clínico, notamos que houve um privilégio na produção dos gestos dêiticos. As atividades desenvolvidas pelas terapeutas contribuíram para que as crianças se expressassem tanto através da produção vocal, quanto pela forma gestual. Portanto, ressaltamos a importância de olhar à língua enquanto uma construção multimodal no atendimento clínico, em que gesto e produção vocal se aprimoram de forma concomitante no processo de aquisição da linguagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, R. V. A emergência da expressão comunicativa na criança com síndrome de Down. 258 f. Tese de Doutorado em Ciências – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. ÁVILA-NÓBREGA, P. V :O sistema de referenciação multimodal de crianças com Síndrome de Down em engajamento conjunto. 206f. Tese de Doutorado em Linguística-Programa de Pós-graduação em Linguística, UFPB, João Pessoa, 2017. _______. Dialogia mãe-bebê: a Emergência do Envelope Multimodal em contextos de Atenção Conjunta.168 f. Dissertação de Mestrado em Línguís- tica- Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010. BATES, E., CAMAIONI, L., & VOLTERRA, V. (1975). The acquisition of performatives prior to speech. Merril Palmer Quarterly, v.21,n.3,205-226,1975. _________. O'CONNELL, B. e SHORE, C. Language and Communication in InfancyDevelopment. New York: Wiley, 1987. 147

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