Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore 978-85-92771-35-5

978-85-92771-35-5

Published by Papel da palavra, 2022-10-07 12:46:10

Description: 978-85-92771-35-5

Search

Read the Text Version

RELIGIÃO, ETNIA E NATUREZA JOSÉ OTÁVIO JOSÉ PEREIRA DE SOUSA JÚNIOR

Organizadores: José Otávio e José Pereira de Sousa Júnior Editor: Linaldo B. Nascimento Projeto gráfico: Editora Leve e Organizadores _________________ R3825 Religião, etnia e natureza / José Otávio, José Pereira de Sousa Júnior (Organizadores). – Campina Grande: Editora Leve, 2020 ISBN 978-85-92771-35-5 | DIGITAL 1. Religião 2. Etnia 3. Natureza I. Título CDU 29 | CDD 260 _________________ Linha editorial: leveparaescola © 2020 do texto: José Otávio, José Pereira de Sousa Júnior Campina Grande – Paraíba – Brasil © 2020 da diagramação: Editora Leve Prefixo editorial 92771 / Agência Brasileira Campina Grande – Paraíba - Brasil editoraleve.com 1ª Edição [2020] Registrado e Armazenado conforme Lei nº 10.753/2003 | Lei nº 9.610 AGÊNCIA BRASILEIRA DO ISBN | BIBLIOTECA NACIONAL

SUMÁRIO JOSÉ OTÁVIO AGUIAR Apropriações e Trocas Culturais no Cenário Religioso da Nova República JOSÉ PEREIRA DE SOUSA JUNIOR E JOSÉ OTÁVIO AGUIAR “Que assim seja!” ALDENOR ALVES SOARES O Evangelicalismo Anglicano Brasileiro e a Questão Homossexual ALUSKA WANDERLEYA GOMES DA COSTA Luxúria do Clero BRUNA CRISTINA LIMA NASCIMENTO Nas Tessituras do Poder JESSICA KALINE VIEIRA SANTOS Cristãos Híbridos? A Constituição de uma Nova Doutrina no Brasil JOÃO MARCOS LEITÃO SANTOS O Protestantismo e sua Transversalidade Dialógica-Formativa com a Cultura Religiosa Brasileira

APROPRIAÇÕES E TROCAS CULTURAIS NO CENÁRIO RELIGIOSO DA NOVA REPÚBLICA UM ENSAIO COMPREENSIVO SOBRE AS IDENTIDADES ENTRE A SEICHO-NO-IE E O ESPIRITISMO BRASILEIRO (1960-2017) JOSÉ OTÁVIO AGUIAR José Otávio Aguiar ([email protected]) é Doutor em História e Culturas Políticas pela UFMG, Pós-Doutor em História pela UFPE e pesquisador do CNPQ, bem como professor Associado da UFCG.

Primeiras palavras E ntre a década de 1960 e os nossos dias, modificações significativas alcançaram as formas de recepção das culturas japonesas no Brasil. Como é conhecido, essas recepções se deram em diferentes níveis culturais, espraiando-se pelos campos da mídia televisiva e musical, das religiões e religiosidades, das artes marciais e da marcialidade, dos hábitos de consumo e padrões estéticos, das medicinas e terapias ditas alternativas. Assim, essa influência alcançou-nos para além das fluídas fronteiras entre os saberes qualificados e os desqualificados, entrecruzando-se, a nosso ver, de forma não previsível ou conceitualmente enquadrável, numa zona de contato transcultural marcada pelo devir e palmilhada pela peculiaridade. Nossa proposta neste artigo é analisar os impactos dessas recepções em nossas culturas brasileiras a partir da comparação entre as formas de considerar a instância anterior e posterior à “morte corporal” no espiritismo brasileiro em comparação com suas correspondentes na Seicho-no-ie. Nossa hipótese inicial de reflexão é a de que, embora as formas de recepção das

concepções sobre o mundo espiritual na Seicho-no-ie e no espiritismo convirjam em diversos pontos, as formas de elaboração próprias desses saberes sobre o pré e o pós-morte variam em alguns aspectos nada desprezíveis para o estudioso da dinâmica das religiões e suas concepções no ambiente cultural do Brasil de hoje. Comparadas a parte significativa do que se depreende das clássicas interpretações budistas, as concepções da Seicho-no-ie e do espiritismo sobre a vida do ser humano não corpóreo, ou espiritual, nota- se que são marcadas por uma diferença significativa: a crença na permanência da personalidade individual, embora depurada, mesmo após o término do ciclo reencarnatório. O texto se organizará em forma de ensaio reflexivo sobre aspectos de cada uma das doutrinas enfocadas, visando provocar e incentivar a reflexão de estranhamento sobre as naturalizadas observações de leituras cotidianas. O foco das reflexões comparativas será a noção de mediunidade, entendida como sensibilidade humana ao contato com os espíritos dos mortos e para percepções extra-sensoriais.

Do Espiritismo ao Espiritismo Brasileiro D iscípulo do pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que herdara sua interpretação da didática de Comenius e do romantismo de Rousseau, o francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) passou a adotar o pseudônimo de Alan Kardec ao iniciar o movimento filosófico com pretensões científicas e decorrências religiosas que chamou de Espiritismo. Foi linguista, matemático e pedagogo conhecido em seu tempo. Em 1857, após um período de experimentação e pesquisa, publicou uma obra bastante influente na Europa de então: “O Livro dos Espíritos”. Neste livro em forma de diálogo com o que Kardec classificava como seres fora do corpo ou espíritos, são tratadas questões filosóficas bastante variadas. Em suma, afirma-se a crença na reencarnação, na preexistência dos espíritos ao nascimento e à sua sobrevivência no pós-vida, na evolução contínua, no Universo como grande casa dos homens e na qual nosso planeta é um simples e diminuto departamento, nas relações de causa e efeito entre os fenômenos do destino, de forma similar ao que ocorre nos reinos da natureza. Kardec acreditava que um deus

restrito à Terra só seria aceitável enquanto os homens achassem que nosso planeta era o centro do Universo. Jesus, embora fosse o ser mais perfeito que viera ao planeta, não seria a divindade em si, mas, um porta-voz dela para o nosso planeta, uma espécie de modelo e guia não a ser adorado, mas, imitado. A mediunidade, ou, faculdade de poder estabelecer, por variadas formas, mesmo a mera intuição, o intercâmbio entre vivos e mortos é assimilada aos dons descritos nos quatro evangelhos e foi objeto de inúmeros tratados e experimentações que, no século XIX, atraíram pesquisadores influentes como Willian Crookes (1832-1919) e Alfred Russel Wallace (1823-1913), que se tornaram espíritas e propagandistas da Doutrina de Kardec. Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, obra de cunho moral que se lança à interpretação dos quatro evangelhos canônicos cristãos, o caráter de cristianismo e religião da doutrina espírita se esboçaria. No que toca às continuidades, a doutrina da reencarnação havia sido defendida, no passado, por dissidentes tanto judeus quanto cristãos e, encontrava ressonância em heresias católicas como o catarismo e nos escritos de intelectuais cristãos dos primeiros séculos como Orígenes de Alexandria (185-254). Inaugurava-se, entretanto, uma ruptura ao se incentivar o diálogo filosófico- religioso aberto sobre o tema e isso só era possível em uma Europa em que a influência católica diminuía. No “Catálogo racional das obras para se fundar uma Biblioteca Espírita”, última obra de Kardec, há todo um capítulo dedicado à compilação de obras dedicadas à refutação do Espiritismo. Isso refletia não só sua abertura às críticas e pensamentos diversos, mas, sua crença de que um conhecimento só se

mantém caso seja submetido a toda forma de teste e refutação, sobrevivendo mesmo assim. Suas reuniões de debates eram abertas e delas participavam judeus, hinduístas, católicos e protestantes o que mostra o caráter universalista do movimento em seu nascimento. A Revista Espírita, editada até os dias de hoje em Paris, funcionava como tribuna aberta para o debate dos mais variados temas de cunho moral e religioso, defendendo o feminismo, a igualdade entre os homens, o pacifismo e um universalismo irrestritos. A reação da Igreja ultramontana de então não tardou e o chamado “Auto de fé de Barcelona”, como ficou conhecido, foi o episódio de queima, em praça pública, de trezentos exemplares de “O Livro dos Espíritos”, realizada quatro anos depois de sua publicação, no dia 9 de outubro de 1861. A França, entretanto, permaneceu um país livre e a influência da Igreja espanhola tendeu a desfalecer com a progressiva laicização do Estado no fim do século XIX. Contudo, seria em solo brasileiro num ambiente fortemente catolicizado, embora, sincrético, que as decorrências cristãs do Espiritismo teriam maior recepção e a Doutrina cresceria em adeptos e intérpretes, especialmente, no século XX, a partir da influência da obra do médium Francisco Cândido Xavier, atribuída a diversos espíritos. Ainda no século XIX, outras formas de religiosidade se desenvolviam em solo brasílico, tais quais as vertentes do chamado protestantismo histórico. De outro lado, com variadas nuances de transculturação e com fortíssima adesão popular, esboçavam-se a umbanda e o candomblé, afro-brasileiras em sua origem, mas, eivadas de elementos indígenas hibridizados e singularizados pelas particularidades locais.

Sobre a leitura espírita da mediunidade, os critérios de animismo e verossimilhança: analogias com o método historiográfico A ideia neste tópico é entender o conceito espírita de mediunidade e seu método de desenvolvimento a partir de analogias com o método historiográfico, que conhecemos mais de perto. A disciplina de História e o ofício do historiador se aprimoraram enormemente ao longo do século XX. Os instrumentos teórico-metodológicos se aperfeiçoaram, a noção de documento se ampliou para muito além das fontes escritas e a crítica de historicidade vem exorcizando, pouco a pouco, os fantasmas do anacronismo excessivo e dos julgamentos descontextualizados. Libertos de uma busca desesperada pelos começos, pelas origens, aqueles que historiam foram, gradativamente, compreendendo a complexidade dos fenômenos estudados e sua natureza processual. Afinal, talvez, a explicação não se restrinja à identificação de um início, mas se defina de forma verossimilhante, e não clarividentemente verdadeira, com base nas inúmeras oportunidades inesperadas abertas pelo devir histórico para as ações e escolhas humanas. Se a história não chega a horizontes absolutos de verdade, é certo também

que, hoje, não os pretende encontrar. Perseguimos, os historiadores, uma verossimilhança honesta e resultante de esforço exaustivo de aproximação explicativa, esforço este indispensável a um critério de ética que nos distancie da sofística. A analogia nos vem a calhar. Para os espiritas, como ocorre com a historiografia, a mediunidade também é verossimilhante, embora as duas o sejam em níveis completamente diferentes. A história é verossimilhante porque, ainda que disponha de métodos de inspiração científica, estes métodos não lhe angariam o acesso a um passado fidedigno, nem à isenção completa da escrita daquele que reúne os vestígios para configurar uma versão. Em ciências humanas, “demasiadamente humanas”, os sujeitos que prospectam e julgam se confundem com os objetos, embora não se reduzam a eles. Aquele que história sopra vida em personagens que refletem mais as preocupações de seu tempo do que as que imperavam na historicidade que procura descrever. Isso é natural, porque interrogamos o passado de forma muito vinculada às questões prementes de nosso presente. Já na mediunidade psicográfica, para os espíritas, a mensagem seria transmitida pela mente dos desencarnados, mas não o seria sem diferentes níveis de filtragem e transmissão gradativa, processo este que continuaria por meio da mente e da pena do encarnado-medianeiro que escreve. O nível de refração é influenciado de forma direta pelo potencial anímico do médium, pelas vibrações e

emanações ambientes e pela potencialmente bem mais lúcida memória do desencarnado. Assim como seria preciso trabalho interno para se tornar um bom instrumento de uma mensagem elevada, seria necessária e indispensável também uma dose de inspiração e emotividade elevada para compreendê-la à altura. O trabalho do médium nunca seria puramente passivo. Assim, tornou-se lugar-comum entre os homens do nosso tempo, influenciados pela leitura da nossa história, da cultura histórica ocidental, afirmar que a obra de um autor nunca vai além do seu tempo. Os espíritas pensam que, em relação ao mundo espiritual, ocorra da mesma forma. Os desencarnados enxergariam sob um ângulo de visão mais amplo, mas haveria outros espíritos que lhes superariam a altitude do ponto de observação, em uma hierarquia complexa correspondente ao grau de luz e saber que já conseguiriam filtrar. Ou seja, para eles, o mundo espiritual também evolui, e que os desencarnados da Terra, em gradação, representam o melhor e o pior da etapa evolutiva que já conseguiram alcançar. Nessa lógica, guias de hoje serão filhos e netos de amanhã, humanidades no corpo e fora dele seriam, assim, solidárias. Tarefas iniciadas em uma vida se completariam em outra, concatenando peregrinações evolutivas no aperfeiçoamento de virtudes, ofícios, tarefas. Uma nova ascensão abriria renovada compreensão. Uma nova vida permitiria uma diferente atualização. Um novo tempo na Terra seria reflexo de um novo tempo em suas esferas, mas a transformação do planeta dos encarnados dependeria em maior parte da boa vontade dos que se encontram temporariamente “vestidos” de corpo de carne. Como

veremos a frente, sob este aspecto, a compreensão da Seicho- no-ie é muito semelhante, graças à partilha de quase os mesmos referenciais cosmológicos e de análogas referências filosóficas.

Das vertentes de formação das variadas formas de religiosidade brasileira. O processo de formação nacional reuniu etnias muito diversas, e, portanto, também credos e concepções sobre a transcendência bastante variados. Essa formação pluriétnica deveu-se a fatores diversos, tais quais: nosso processo de colonização com a imposição do catolicismo a culturas indígenas com cosmogonias, teogonias e concepções religiosas muito variadas, o aporte de escravos africanos com religiosidade semelhantemente variada, a vinda de imigrantes europeus, japoneses, chineses, poloneses, alemães, etc. Com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, permitiu-se o culto protestante restrito ao âmbito doméstico, em uma clara concessão às comunidades estrangeiras que para cá se transferiam, neste momento, mais do que tudo, a inglesa. O culto público permanecia vedado a outras confissões religiosas que não a católica. No Segundo Reinado, comunidades protestantes prosperaram no Brasil, especialmente incentivadas pelas levas de imigração estrangeira que tiveram lugar naqueles anos. O Imperador Dom Pedro II era favorável à liberdade religiosa e sob seu

governo boa parte dos ímpetos sectários católicos foram contidos, não sem gerar certa dose de insatisfação eclesiástica. Essa insatisfação redundou na questão religiosa, conflito que teve lugar nos últimos anos do Império. Uma conhecida bula papal, a \"Syllabus\" de 1864 e o Concílio Vaticano 1° ocorrido entre os anos de 1869 e 1870 corroboraram uma doutrina reativa conhecida como Ultramontanismo. Esta, cujo principal divulgador e defensor foi o Papa Pio 9º postulava a infalibilidade do papa e combatia as concepções e instituições que divulgavam a secularização da sociedade e o anticlericalismo estatal, corporificados num estado neutro e laico, como era o caso da Maçonaria. Maçons, entretanto, eram boa parte dos padres brasileiros. Como uma das prerrogativas do Imperador era o Padroado Régio sobre a nomeação de bispos e padres, considerados funcionários públicos num estado oficialmente católico, insubordinação dos bispos antimaçônicos que se seguiu só se dirimiu com o envio de uma comissão de conciliação entre o Imperador e o Papa. Após a anistia dos bispos presos, um curto período de acordo se seguiu até a instauração da República, em 1889 e a consagração jurídica do Estado Laico. O Candomblé cultua entidades ancestrais fundadoras das antiquíssimas etnias africanas. Estas entidades estariam relacionadas à explicação dos fenômenos da natureza e aos destinos dos homens, seus protegidos. A crença nos Orixás tem raízes principalmente calcadas nas culturas de língua iorubá, mas, seria simplista reduzi-la somente a estas. No Brasil, são cultuados só 16 dos 300 orixás que constam no panteão das culturas da África Ocidental. Sua configuração em nossas terras ocorreu num processo de construção que durou

do século XVI ao XIX. A religião sobreviveu, não obstante a repressão da Igreja e das autoridades estatais brancas. O antropólogo francês Pierre Verger (1902 – 1996) dedicou livros e artigos ao estudo do Candomblé, vindo, inclusive, a ser tornar ele mesmo um pai de santo. O fenômeno do chamado branqueamento do público de fiéis das religiões afro-brasileiras é recente e parte da atração de certa parcela da classe média, de descendência com frequência não- africana, por essas manifestações de espiritualidade. Diferente do que muitos pensam, os médiuns no Candomblé não dão passividade aos chamados “eguns”, espíritos de pessoas já falecidas, como ocorre na Umbanda, mas, em princípio, apenas aos orixás. Os terreiros sincréticos, entretanto, são muitíssimo comuns. A Umbanda vem de diferentes manifestações religiosas africanas, indígenas e até europeias hibridizadas. Sua sistematização só ocorreu no século XX pelo médium Zélio Fernandino de Morais que afirmava ser conduzido por um espírito de um indígena que se identificava como Caboclo das Sete Encruzilhadas. Desde as antigas senzalas comunidades de africanos de diversa extração alimentavam a crença de que era possível se comunicar com os mortos por meio da incorporação de um médium. Em algumas senzalas e terreiros havia momentos e festividades específicas para isso, onde os descendentes acreditavam poderem se aconselhar sobre problemas variados com os espíritos dos seus antepassados: pais velhos, pretos e pretas velhas. Alguns pontos de Umbanda cantados durante o ritual são muito belos e antigos, cheios de simbologia que remonta a essa história e a seus idiomas de origem. Algumas etnias indígenas brasileiras

compartilhavam de crenças com traços de analogia a esta. Pajés e caraíbas acreditavam incorporar antigos chefes e pajés já falecidos, e, ao fazê-lo, fumavam cachimbos em rituais de cura e limpeza espiritual ou ingeriam plantas, que, acreditavam, criavam estados propícios às visões e contatos que acreditavam manter com tais entidades. Havia, ainda, a tradição das chamadas bruxas portuguesas, ou seja, benzedeiras, curandeiras e médiuns populares que, não obstante as perseguições do Santo Ofício, sobreviviam transmitindo seus conhecimentos de geração em geração. No Brasil, como a medicina acadêmica não era acessível a todos, este tipo de curandeiro e benzedor era bastante popular. Da junção de todos esses elementos surgiu a Umbanda, que é um produto religioso peculiar da cultura brasileira. Demorou para que terreiros de Umbanda e Candomblé, centros espíritas e até igrejas evangélicas deixassem de ser perturbadas pelas polícias no Brasil. Hoje, em grande medida, a discriminação se transferiu dos domínios do público para os espaços do privado. O Brasil abriga ainda a maior colônia de descendentes de japoneses do mundo, resultante do grande processo imigratório iniciado em 1908, a partir de um acordo entre o Governo Imperial Japonês e a República Federativa do Brasil. Os japoneses ajudaram a firmar entre nós o hábito de consumir arroz, trouxeram, também, as suas artes marciais como o judô e o jiu jitsu, aprimorados no Brasil até que se conquistasse a primazia mundial no esporte, e o também muito popular caratê. O judô e o jiu-jitsu resultavam do processo de transformação a que haviam sido submetidas as

antigas artes marciais dos samurais japoneses para que se adequassem a um novo país sem armas e ocidentalizado. O caratê, vindo de Okinawa a partir de uma grande influência importada do kung fu chinês, fora alçado, antes da Guerra, à disciplina cotidiana física dos soldados imperiais japoneses. Os mestres emigrados para o Brasil, bem como seus descendentes, prosperaram e alçaram suas artes à condição de esportes de destaque nacional. Contudo, é possível que o leitor nunca tenha ouvido falar na seita Oomoto. Trata-se dema designação religiosa que significa, no idioma japonês, unificação. A Oomoto foi fundada por uma mulher chamada Nao Deguchi (1837-1918) em fevereiro de 1892, no Japão, mas está no Brasil desde 1924. A seita prega a fraternidade universal, e o fato de ter sido fundada por uma mulher analfabeta a quem se atribuía poder escrever profusamente durante seus estados de concentração numa época de profundo machismo na sociedade japonesa é bastante significativo. Onisaburo Deguchi (1871-1948) foi o seu continuador e co-fundador da organização religiosa. Perseguidos a princípio no Japão, seus adeptos se estabeleceram no Brasil a partir de 1924. O crescimento da Oomoto no Brasil foi relativamente limitado, mas alguns dos discípulos de Onisaburo fundariam dissidências que alcançariam grande popularidade por aqui. Este é o caso da Messiânica, fundada por Mokiti Okada (1882-1955) e da Seicho-no-ie (lar do progredir infinito), fundada por Masaharu Taniguchi (1892-1935), que tiveram grande crescimento e popularidade entre nós na segunda metade do século XX.

Seicho-No-Ie: analogias e encontros F oi nos anos de 1930 que a Seicho-no-ie chegou ao Brasil. Mais especificamente, em 1931, quando dois irmãos imigrantes japoneses, Miyoshi e Daijiro Matsuda receberam um único exemplar da coleção A Verdade da Vida, de 40 volumes. O movimento cresceu internamente na colônia japonesa, mas, somente a partir dos anos de 1960, ganharia a simpatia crescente da comunidade de brasileiros não-descendentes. A derrota do Japão na II Guerra transformou os rumos que os imigrantes e seus filhos, os nisseis, seguiriam no Brasil. Para muitos, o sonho de retornar fora substituído pela perspectiva de fazer a vida no Brasil em caráter permanente. Buscar referenciais de diálogo entre a cultura brasileira que fazia o entorno de suas comunidades e a cultura ancestral que traziam consigo tornou-se uma necessidade de sobrevivência. A palavra Seicho-No-Ie - 生 長 の 家 em japonês - pode ser entendida como Lar do Crescimento Infinito, numa tradução menos rigorosa. Podemos considerar a Seicho-no-ie como filosofia de vida e também como uma religião, uma vez que não há muita rigidez de conceito neste sentido. Isso nos faz

lembrar o tríplice aspecto da Doutrina Espírita, filosofia, ciência e religião, perspectiva que a diferencia consideravelmente do positivismo de Comte, ao contrário do que possa parecer a uma análise superficial da coexistência das duas filosofias no ambiente parisiense da segunda metade dos oitocentos. Como lembramos acima, enquanto filosofia religiosa, assim como a Messiânica e a arte marcial do aikido, a Seicho-no-ie descende da Oomoto. Seus fundadores pertenceram a essa seita antes de fundarem suas próprias denominações religiosas, filosóficas, e, no caso do aikido, também marciais. Trata-se de uma informação muito relevante para conhecer- lhes a dinâmica. A crença na possibilidade de que homens notáveis por sua inteligência e espiritualidade pudessem receber revelações divinas, escritas ou não, fazia parte do escopo de possibilidades em que Masaharu Taniguchi construiria seus padrões de transcendência. Como sabemos, a etnia predominante do Japão tal qual o conhecemos hoje foi a Yamato. Entretanto, os japoneses também transmitiram heranças de grupos étnicos minoritários, como os coreanos, chineses, e o povo ainu, dentre outros, vindos do continente desde os tempos mais remotos em uma sobreposição de tradições. Todos estes povos tinham as suas linguagens e ritos xamânicos e religiosos, bem como seus mitos e seu folclore, suas teogonias, suas cosmogonias. O fundador da Seicho-no-ie, Masaharu Taniguchi nasceu em Kobe, Japão, de uma família de camponeses humildes, em 1893. Seu interesse pela literatura estrangeira, especialmente a anglófila, o conduziu, em 1911, à Universidade de Waseda,

em Tóquio, para estudar literatura inglesa. Tinha grande interesse por filosofia e religiões, ocidentais e orientais, mas, deixou o curso na universidade por acreditar ser injusto a grande maioria da população trabalhar de forma desgastante e sofrida, enquanto ele estaria estudando confortavelmente. Isso lhe gerava angústia e sensação de injustiça social. Taniguchi se entregou a uma grande procura espiritual. Meditava com frequência. Foi assim que, em meio a essa situação, e, assolado por dificuldades financeiras, em 1929, afirmou ter recebido uma revelação divina, que o deu a missão de levar ao mundo uma nova filosofia religiosa. A síntese dessa filosofia foi reunida numa coleção de 40 livros chamada “A Verdade da Vida”. Nela, Taniguchi defende a concepção de que o mal, sendo existência transitória, não tem capacidade de permanecer, sendo manifestação de ilusão, portanto, inexistente no sentido absoluto do termo. Pecado, doença e morte, também não seriam existências verdadeiras, sendo manifestações de ilusão. Os três mundos, o anterior ao nascimento, o atual e o após a morte seriam manifestações da mente. O que está manifestado, tem existência provisória, cumprindo um papel temporário cujo tempo de duração é o corresponde a sua utilidade para a evolução das individualidades espirituais envolvidas, logo depois desaparecendo. Um de seus escritos, a sutra sagrada Chuva de Néctar da Verdade, resumo de toda a coleção em 40 volumes, começou a ser lido diariamente pelos adeptos, assim como se faz no Japão com escrituras budistas tradicionais como o Sutra do

Coração, lidos, inclusive, na tradicional cerimônia de culto aos antepassados.

Revelação Divina da Grande Harmonia R econcilia-te com todas as coisas do céu e da terra. Quando se efetivar a reconciliação com todas as coisas do céu e da terra, tudo será teu amigo. Quando todo o Universo se tornar teu amigo, coisa alguma do Universo poderá causar-te dano. Se és ferido por algo ou se és atingido por micróbios ou por espíritos baixos, é prova de que não estás reconciliado com todas as coisas do céu e da terra. Reflexiona e reconcilia-te. Esta é a razão por que te ensinei, outrora, que era necessário te reconciliares com teus irmãos antes de trazeres oferenda ao altar. Dentre os teus irmãos, os mais importantes são teus pais. Mesmo que agradeças a Deus, se não consegues, porém, agradecer a teus pais, não estás em conformidade com a vontade de Deus. Reconciliar-se com todas as coisas do Universo significa agradecer a todas as coisas do Universo. A reconciliação verdadeira não é obtida nem pela tolerância nem pela condescendência mútua. Ser tolerante ou ser condescendente não significa estar em harmonia do fundo do coração. A reconciliação verdadeira será consolidada quando houver recíproco agradecer. Mesmo que agradeça a Deus, aquele que não agradece a todas as coisas do céu e da terra não consolida a reconciliação com todas

as coisas do céu e da terra. Não havendo a reconciliação com todas as coisas do Universo, mesmo que Deus queira te auxiliar, as vibrações mentais de discórdia não te permitem captar as ondas da salvação de Deus. Agradece à Pátria. Agradece a teu pai e a tua mãe. Agradece a teu marido ou a tua mulher. Agradece a teus filhos. Agradece a teus criados. Agradece a todas as pessoas. Agradece a todas as coisas do céu e da terra. Somente dentro desse sentimento de gratidão é que poderás ver-me e receber a minha salvação. Como sou o todo de tudo, estarei somente dentro daquele que estiver reconciliado com todas as coisas do céu e da terra. Não sou presença que possa ser vista aqui ou acolá. Por isso não me incorporo em médiuns. Não penses que, chamando por Deus através de um médium, Deus possa se revelar. Se queres chamar-me, reconcilia-te com todas as coisas do céu e da terra e chama por mim. Porque sou Amor, ao te reconciliares com todas as coisas do céu e da terra, aí, então, me revelarei. (Revelação Divina da noite de 27 de setembro de 1931.)” Como Deus absoluto não se incorporaria em médiuns, seria necessário recorrer à intuição por meio da meditação concentrada no jissô (aspecto verdadeiro da vida), a fim de sintonizá-lo. Para tanto, a mente deveria estar reconciliada com “todas as coisas do céu e da terra” a fim de permitir-lhe a sintonia. Tal método seria mais confiável do que o desenvolvimento da mediunidade nos moldes espíritas. Devido a essa crença no grau de inspiração superior e direta, a palavra psicografia, assim como ocorre na Oomoto, é substituída pela expressão: “revelação divina.”. Assim, na Seicho-no-ie lêem-se sutras para os antepassados e outros espíritos, dos quais não se duvida da existência, ao invés de

dialogar com eles por meio da mediunidade de psicofonia, como costumam fazer os espíritas. O estado de reconciliação e a meditação shinsokan, prática cujo objetivo é a sintonia com a Imagem Verdadeira da Vida, ou, o jissô, substituiria a necessidade de se incluir entre as práticas da Seicho-no-ie qualquer prática mediúnica direta, para a qual houvesse objetivo esforço de aprimoramento e desenvolvimento. No começo do volume 15 da coleção A Verdade da Vida, há algumas definições conceituais, à guisa de glossário, como ocorre em diversas outras obras de Masaharu Taniguchi. A definição para o termo iissô traz o seguinte conceito: “A essência, o original espiritual ou o arquétipo divino dos seres e do mundo.” Assim, diferente do mundo dos desencarnados, o “Mundo do Jissô” seria atemporal, arquetípico, perfeito. O ambiente fosse o do mundo espiritual ou o do mundo físico seria reflexo da mente. Fazer a mente sintonizar o jissô seria o meio mais rápido e eficiente de transformá-los. A Seicho-no-ie não promove as chamadas práticas de desenvolvimento da mediunidade entre seus adeptos. Prevalece uma certa desconfiança em seus meios em relação às chamadas práticas mediúnicas, mas, não uma negação de sua existência ou possibilidade. O percentual de refração causado pela influência anímica leva a esta desconfiança, bem como, a possibilidade de que os adeptos sejam ludibriados por “espíritos baixos.” Esse grau de desconfiança, parece encontrar ressonância no público católico que procura as reuniões da Seicho-no-ie.

Embora Masaharu Taniguchi cite em suas obras autores ligados a Alan Kardec, como o astrônomo francês Camille Flamarion e faça inúmeras referências ao chamado “espiritualismo,” não consta que cite em qualquer de suas obras um só livro da lavra do Prof. Rivail, que, parecem não ter no Japão a importância e a projeção que tiveram no Brasil. Entretanto, várias concepções comuns podem ser, como vimos, identificadas. Como o Budismo e o Shintoísmo, a Seicho-no-ie parece dar mais ênfase ao mundo presente que ao mundo do além, evitando descrever ou se demorar muito no segundo, como de resto, é comum também em toda tradição de inspiração confuciana chinesa. Como a desconfiança e o método de investigação em relação às pretensas informações vindas do mundo espiritual são comuns às duas doutrinas religiosas, a diferença parece estar na opção ou não de desenvolver práticas mediúnicas no âmbito das práticas cotidianas relacionadas à vivência da religiosidade. Vejamos um trecho do volume 22 da coleção A Verdade da Vida: “Há quem afirme que os espíritos aparecem nas seções de fenômenos mediúnicos, mas, espíritos em si não aparecem nas seções, nem no mundo dos cinco sentidos, nem no mundo do sexto sentido. O que aparece no mundo dos cinco sentidos e mesmo no do sexto sentido são ondas mentais condensadas ou materializadas. O corpo é projeção da mente, não só o corpo carnal, mas, também, o corpo astral e o espiritual. Nenhum corpo

é existência verdadeira. O corpo pode ser objeto de experimentos, mas, o Espírito não” Com a grafia da palavra Espírito em maiúscula, Taniguchi pretendia referir-se ao homem jissô imutável e infinitamente perfeito, reduzindo as suas manifestações perceptíveis a expressões temporárias, submetidas à mente e à necessidade transitórias, portanto, manifestações de ilusão. Para diferenciar a manifestação do jissô da manifestação da ilusão, utiliza-se na Seicho-no-ie as expressões: Fenômeno Falso e Fenômeno Verdadeiro. Ambos, entretanto, sendo passageiros, não teriam existência absoluta, apenas estando manifestados. Estar manifestado seria diferente de existir. Daí, tudo o que verdadeiramente existe, porder-se-ia perceber somente pela intuição de uma imagem verdadeira arquetípica, cuja expressão, impossível de se comunicar em palavras, seria resumida pelo termo jissô. Nada do que é perceptível, por qualquer sentido, físico ou extrafísico, seria existência verdadeira, mas, somente o jissô, objeto de veneração da Seicho-no-ie. Manifestá-lo, permitiria curar doenças no mundo físico e padecimentos diversos no chamado mundo espiritual.

Considerações de alinhavamento No caldo de cultura do Brasil dos séculos XX e XXI, as duas doutrinas encontram largo lastro de associação, sendo frequente que um adepto da Seicho-no-ie seja também espírita ou católico em simultaneidade, já que a doutrina do mestre Taniguchi incentiva a que não se abandone a religião de origem, como, de resto, é comum na orientação de várias das novas religiões japonesas. A Seicho-no-ie passa, hoje, por uma cisão interna que parte o movimento desde o Japão entre os que defendem maiores concessões às culturas locais e os que se apegam ao sentido original conferido à entidade pelo prof. Taniguchi. Em sua gênese, as tradições sobre espiritualismo e magnetismo reunidas e escolhidas pela Seicho-no-ie para fundamentarem os seus discursos podem claramente ser identificadas no chamado vitalismo e no mesmerismo da Europa dos oitocentos, mas, não deveriam, nem poderiam, a nosso ver, ser sumariamente reduzidas a eles sob pena de, sob uma esteriotipização engessada, perder-se a peculiaridade original das recepções dessas ideias no Japão do século XX. Sugerimos que sua especificidade seja procurada nas

heranças da Oomoto, e, mais particularmente no caso de sua recepção no Brasil, chama-nos a atenção para sua relação de proximidade com as formas de perceber o mundo e o cosmos da Doutrina Espírita. Como o assunto é controverso e renderia mais pesquisas, encerro aqui, temporariamente, este diálogo com as duas doutrinas, na certeza de que muito mais haveria a se dizer.

Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, L. M. B. de.Seicho-no-iê do Brasil: agradecimento, obediência e salvação. São Paulo: Annablume/FAPESP, 1999. GAUDIOSO , T. K. ; SOARES, A. L. R. Entre o Butsudan e a missa: práticas religiosas de imigrantes japoneses no Rio Grande do Sul, Brasil . Amérique Latine Histoire et Mémoire. Les Cahiers ALHIM [En línea], 20 | 2010, Publicado el 08 abril 2011, consultado el 28 enero 2015. URL : http://alhim.revues.org/3667 KARDEC, A. Obras Póstumas. São Paulo: LAKE, 1998 KARDEC, A. O livro dos Médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra.1ª ed. 2ª reimp. Rio de Janeiro: FEB Editora, 2011. MARRACH, L. Seicho-no-iê: um estudo da sua penetração entre os brasileiros. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (dissertação), 1978. PAIVA, G .J. de; NAKANO, F. Aspectos psicológicos da filiação a um grupo religioso oriental. Boletim de Psicologia, 37, 51-57. 1987.

PAIVA, G. J. de. Imaginário, simbólico e sincrético: aspectos psicológicos da filiação a novas religiões japonesas. Psicologia: Reflexão e Crítica. vol.12 n.2 Porto Alegre, 1999. PRIGOGINE, I., STENGERS, I. A nova aliança: a metamorfose da ciência. Brasília: SAKURAI, C.. Os Japoneses. São Paulo: Contexto, 2011. SOARES, L. E. Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico no Brasil. In: ______. O rigor da indisciplina: ensaios de Antropologia interpretativa. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. TANIGUCHI, M. A Verdade da Vida Vol. 10. Seicho-no-ie do Brasil, 1987. TANIGUCHI, M. A Verdade da Vida Vol. 22. Seicho-no-ie do Brasil, 1987. TANIGUCHI, M. A Verdade da Vida Vol. 9. Seicho-no-ie do Brasil, 1987. TANIGUCHI, M. Mundo Espiritual e o destino do Homem. Seicho-no-ie do Brasil, 1987. TANIGUCHI, M. O que é a Seicho-no-Iê. São Paulo: Seicho- no-ie do Brasil, 1995. Universidade de Brasília, 1984. XAVIER, F. C.; VIEIRA, W. Mecanismos da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 26.ª Rio de Janeiro: FEB Editora, 2006.

“QUE ASSIM SEJA!” ATUAÇÃO, DIFUSÃO E ENFRENTAMENTO ENTRE ESPIRITAS E CATÓLICOS NA PARAÍBA (1889 / 1930) JOSÉ PEREIRA DE SOUSA JUNIOR E JOSÉ OTÁVIO AGUIAR José Pereira de Sousa Junior Doutor em História pela UFPE; Pós-Doutorando pela UFCG – Universidade Federal de Campina Grande. Professor Substituto da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB; e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFR/CERES e membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena da Paraíba – NEAB-Í. E-mail. [email protected]; [email protected] José Otávio Aguiar José Otávio Aguiar é Doutor em História e Culturas Políticas pela UFMG, Pós-Doutor em História pela UFPE e pesquisador do CNPQ, bem como professor associado da UFCG. E-mail: ([email protected])

A história do Espiritismo na Paraíba A história do Espiritismo na Paraíba vem sendo contada de forma paulatina e crescente, tanto no contexto histórico, quanto sociológico, religioso e antropológico, na maioria das vezes ligada aos programas de Pós-Graduação, visto que, ainda é um conteúdo pouco conhecido do grande público, talvez por desconhecimento, pouca empatia ou intolerância, pois muita gente ainda confunde Espiritismo com Umbanda, e neste caso percebe-se um afastamento e preconceito por parte de alguns. De todo modo, as pesquisas sobre o movimento espirita têm trazido importantes contribuições para que possamos conhecê-lo bem mais, quando chegou à Paraíba, como se deu seu processo de expansão e seus enfrentamentos ante a Igreja Católica que via o Espiritismo como algo negativo e diabólico e que precisa ser combatido, e assim o foi, em particular nas primeiras décadas da Primeira República paraibana, e é destas questões que trataremos nas páginas que se seguem. No contexto histórico da época, e mais precisamente das últimas décadas do século XIX, podemos analisar as

condições históricas, culturais, filosóficas e cientificas que contribuíram para criar um ambiente propício ao pleno desenvolvimento de uma corrente de pensamento de caráter científico e filosófico, surgida na França, mas que, no Brasil se constituiu num movimento doutrinário religioso, e que fora bastante contestado pela Igreja Católica, tida como uma grande calamidade que deveria ser combatida. De acordo com ARRIBAS (2010), é neste momento de transição política no Brasil – do Império para a República – que o Espiritismo dava passos importantes rumo ao seu adensamento institucional, em parte impulsionado por seus participantes, que abraçavam visões distintas e por vezes conflitantes sobre o que entendiam ser espiritismo e, consequentemente, suas formas possíveis de organização e legitimidade institucional, e em parte porque respondiam a desdobramentos do processo de redefinição das relações entre o Estado e Igreja Católica no Brasil. Os estudos existentes acerca dessa temática quase sempre ignoram o contexto histórico do século XIX, fixando-se apenas na organicidade do movimento espírita, além de privilegiarem um olhar que minimiza e, amiúde, exclui da historiografia espírita personalidades e movimentos importantes para a compreensão do desenvolvimento do espiritismo brasileiro. Some-se a isso a dificuldade em se obter documentações, muitas vezes sonegadas, quando não destruídas pelo tempo e pelas traças, em função da falta de zelo para com a memória do Espiritismo. No Brasil, apesar das inúmeras transformações ocorridas entre fins do século XIX e as primeiras décadas do XX, entre

elas o fim do regime de padroado e a institucionalização do estado laico, não se pode negar a grande influência do fator religioso como um dos principais componentes de mudanças vivenciadas pela sociedade brasileira e, em especial a paraibana, na primeira República. E dentro deste contexto, temos o Espiritismo. Mas, quando surgiu o Espiritismo? Onde? E quem o criou? Quais são suas características? Quando chegou ao Brasil? E na Paraíba? Porque a Igreja passou a combatê-lo? Nas páginas a seguir tentaremos descortinar estas perguntas, sem fazer juízo de valor ou mesmo produzir um discurso tendencioso. Evidentemente seu começo não foi fácil, o desconhecimento, a desconfiança, o ceticismo, o medo e o preconceito com relação àqueles que poderiam ver ou falar com os mortos, no caso, os médiuns, levou a um clima de medo, intolerância, perseguições e muitos foram taxados de loucos e até mesmo internados como loucos. Pois o Espiritismo tratava-se de uma doutrina assentada em num tripé religioso, cientifico e filosófico, sendo assim, era de se esperar que fosse absorvida e desenvolvida em várias frentes, sob vários olhares e interpretações levando à formação de diversas associações9 . De acordo com ARRIBAS (2017) o movimento espírita precisava se unir segundo seus adeptos. Mas necessitava, antes de tudo, definir-se enquanto religião. Os investimentos nesse sentido, despendidos pelas lideranças do movimento, almejavam sem dúvida equacionar as diferenças internas, mas também pretendiam mostrar “para fora” dele a imagem de um Espiritismo coeso e sistematizado, questão que remete aos desafios enfrentados pelo Espiritismo na construção de

seu lugar no campo religioso, assim como na sociedade brasileira. O Espiritismo10 surgiu oficialmente na França, em 1857, com a publicação do “Livro dos Espíritos” de Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizad Rivail, (1804 – 1869) reconhecido por espíritas e não- espíritas como codificador11 de um corpo teórico filosófico, religioso e científico que parte de pressupostos científicos e religiosos, tais como a imortalidade da alma, a pluralidade das vidas e a existência de Deus. O Brasil, em meados do século XIX, começou a receber ideias do pensamento positivista e do espiritismo que chegavam por meio de brasileiros que estudavam na Europa, e também de diversos estrangeiros que se estabeleciam no Brasil. É por volta de 1850 que o Positivismo chega ao país e encontra espaço para sua propagação. Neste momento, o Império discutia a necessidade do progresso nos meios de produção, além de um novo sistema político, mais moderno. Deste modo, o espiritismo e o positivismo encontravam adeptos entre intelectuais republicanos no Brasil, alcançando também as camadas populares, fruto do misticismo e do sincretismo religioso com a cultura dos escravos.Segundo Ubiratan Machado: “este pitoresco quadro persistiu durante todo o período colonial, evidenciando a força da atração das soluções mágicas e sua pacífica convivência com as práticas do catolicismo” (MACHADO, 1983) Segundo ARRIBAS (2010), a colônia de imigrantes franceses no Rio de Janeiro na fase imperial, teve papel importante para

a propagação do espiritismo em terras brasileiras, eram compostas de jornalistas, comerciantes e professores. As idéias espíritas estavam entrelaçadas com princípios políticos, religiosos e filosóficos e aos poucos foi conquistando simpatizantes de diferentes graus sociais na corte, fato este que começou a incomodar os representantes do clero que passaram a combater o movimento espírita ainda embrionário em terras brasileiras. Segunda a historiadora Mary Del Priore, sabe-se apenas que jornalistas e professores franceses foram os primeiros a integrar as fileiras do Espiritismo no Rio de Janeiro, normalmente pessoas bem educadas, burgueses em boa situação financeira, portanto a propaganda espírita em seu início na corte atingia apenas a alta sociedade. (Del Priore, 2014: 64) Os primeiros movimentos do Espiritismo no Brasil começaram no Ceará, com o sr. Catão da Cunha, quase no mesmo tempo que na França. Porém, a propaganda da Doutrina Espírita só ganhou impulso a partir de 1865, na Bahia, com o Grupo Familiar do Espiritismo, que foi o primeiro centro espírita kardequiano do Brasil, de conhecimento público. Esse centro foi dirigido pelo Luís Olímpio Telles de Menezes12, que era membro do Instituto Histórico da Bahia. Quatro anos depois, ele criou o primeiro jornal espírita do Brasil, intitulado O Echo d’Além Túmulo, que o próprio dirigiu. Esse periódico era impresso na tipografia do Diário da Bahia e chegou a ter circulação no exterior. Porém, o tempo de vida do periódico foi curto. A Igreja Católica tratou

de impedir a expansão do espiritismo na Bahia que, gradativamente, foi se enfraquecendo13. Este jornal participou das lutas políticas em que vivia o país, engajando-se declaradamente na campanha abolicionista e na luta pela liberdade de culto e tolerância religiosa. O Eco de Além-Túmulo pretendia contribuir no processo de liberdade de consciência que estava em curso no país e manter um diálogo com os diferentes credos. Desde 1860, o Brasil vivia em clima de intensa disputa política em torno da questão da liberdade de culto. De um lado os católicos, lutando para manter o catolicismo como religião oficial e para não dar espaços para outras formas religiosas e, de outro lado, liberais, republicanos, maçons, protestantes exigindo liberdade de culto e a separação da Igreja do Estado. Os espíritas alinharam-se a este bloco, na busca por mais espaço e expansão de seus pensamentos religiosos, filosóficos, sociais e científicos. Apesar de Menezes ter adotado os postulados de Kardec, seus trabalhos e escritos demonstravam ainda uma forte ligação com o catolicismo. Assim quando Menezes envia exemplares do Eco para uma análise da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, (Kardec já havia morrido), esta não deixa de fazer críticas a respeito da influência católica no jornal. Em 1869, num volume da Revista Espírita publicada pela sociedade, aparece o comentário sobre o jornal brasileiro: A introdução e a análise que o Sr. Luiz Olympio faz, da maneira geral pela qual os Espíritos nos revelaram a sua existência, parecem-nos bastante satisfatórias. Outras passagens, referindo- se especialmente à questão religiosa, dão-nos ocasião para

algumas reflexões críticas. Para nós, o Espiritismo não deve tender para nenhuma forma religiosa determinada. Ele deve permanecer como uma filosofia tolerante e progressiva (…)” (Revista Espírita, 1869 - http://www.febnet.org.br/ - acessado em 02 de maio de 2017) Com todo esse ambiente, o espiritismo brasileiro atraía cada vez mais as críticas da Igreja, que propunha uma série de medidas para esclarecer os seus seguidores sobre os erros do Espiritismo. Os católicos ficaram horrorizados com as primeiras mensagens espirituais divulgadas pelos grupos espíritas que criticavam as injustiças, a escravidão e aceitavam todos os meios para repelir a opressão e a injustiça. Diz uma das mensagens: “A revolução é o sagrado direito de um povo oprimido…” (MACHADO, 1996, p.99). Percebemos então, que a oposição católica foi forte, pois a Igreja via no Espiritismo uma tentativa de modernizar a necromancia, condenada por muitos concílios. Entretanto, houve grupos que entenderam essas ideias como uma forma de ecletismo espiritualista em moda na Europa, e que no Brasil iria funcionar de maneira mais simples: a adoção dessas teorias não acarretava um rompimento com o catolicismo. Seu predomínio, aliás, era inquestionável. Segundo Mary Del Priore: ‘frequentavam-se as missas e procissões assim como as lojas maçônicas ou as reuniões positivistas; da mesma forma consultar-se-iam os médiuns receitistas, nos finais do século, sem renunciar a crença oficial’. (Del Priore, 2014: 49) Por sua vez, a imprensa católica elaborava argumentos contra os espíritas e noticiava as discussões dos intelectuais. A

repercussão nos jornais católicos e não católicos sobre as polêmicas eram grandes. Quando o Jornal Comércio em 1875 noticiou a primeira tradução completa do Livro dos Espíritos de Allan Kardec para o português, feita por Joaquim Carlos Travassos, a polêmica aumentou. A Igreja dizia que o Espiritismo era um desrespeito ao Evangelho e ao espírito cristão, pois as ideias de revolução, de religiosidade natural, de fé raciocinada teriam efeitos nefastos sobre a ordem pública, a família e as tradições, atingindo toda a sociedade. Para MALDONADO (2015), os espíritas se esforçavam em demonstrar que seus princípios eram resultados de pesquisas sérias. Nessa luta, Bittencourt Sampaio procurava dar forças aos argumentos de seriedade e defendia o respeito ao Espiritismo. No entanto, a observação de que o Espiritismo era fábrica de loucos, reforçada por dois grandes intelectuais brasileiros, Machado de Assis e José de Alencar, seria repetida por muitos católicos empenhados em mostrar a origem demoníaca do Espiritismo. De acordo com dados de O Reformador, o mais antigo periódico de divulgação da Doutrina Espírita no Brasil, em 2 de agosto de 1873 era fundada, no Rio de Janeiro, a Sociedade de Estudos Espíritas Grupo Confúcio, primeiro núcleo espírita da capital e que posteriormente deu origem á Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, em 1876. O ano de 1875 foi especialmente importante para o movimento espírita, registrando fatos significativos. Entre eles, a publicação da Revista Espírita, sob a direção de Antônio da Silva Neto, além da primeira edição de O Livro dos Espíritos, traduzido por Joaquim Carlos Travassos e editado

pela editora Garnier. Ainda neste ano, são publicados pela mesma editora, O Livro dos Médiuns e O Céu e o Inferno. Porém, foi o aspecto religioso do Espiritismo que mais floresceu nesta época, e dois motivos nos fazem refletir. Em primeiro lugar, o lado religioso funcionava melhor para uma população ligada aocristianismo que, em geral, convivia tranquilamente com curandeiros, benzedeiros e cartomantes. Em segundo lugar, o mais importante líder entre os espíritas depois de Allan Kardec e antes de Chico Xavier, o ex-deputado Adolfo Bezerra de Menezes 14, concordava com os místicos. Mas teve também o talento de não dispensar os científicos. A Federação Espírita do Brasil, criada em 1884 pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva, seria presidida duas vezes pelo doutor Bezerra de Menezes, que também fora deputado federal e estimulou a publicação de livros e textos de cunho acadêmico. (FERNANDES, 2008, p. 79) Percebemos então, que a hierarquia católica começa a ficar preocupada com o movimento de pessoas entre a Igreja e os Centros Espíritas, já que para o clero era inconcebível um católico frequentar um centro espírita, sobretudo porque este trânsito poderia ameaçar a perda de fieis para o Espiritismo, ameaçando a hegemonia da Igreja Católica. Desse modo, era necessário combatê-lo e assim a Igreja passou a fazer. Sobre esta reação comenta França (2010), o combate ao Espiritismo havia se tornado uma questão de patriotismo aos olhos da Igreja, combater o espiritismo era equivalente a ser um bom patriota, afinal, o que estava em jogo era a constituição do Brasil como nação, desse modo, não poderia permitir a religião oficial que o nefasto espiritismo continuasse a

enganar pessoas ingênuas e a produzir loucos pelo país (FRANÇA, 2010, p. 104). Assim como nas províncias da Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, na Paraíba as primeiras notícias do movimento espírita remontam a década de 80 do século XIX, tanto na capital, a Parahyba do Norte (atual João Pessoa), como na cidade de Areia, localizada no Brejo Paraibano. Isto se deve, no nosso entendimento, à maior divulgação do Espiritismo, impulsionado, também, pela publicação dos livros da codificação kardequiana para o português, o que facilitou o acesso de um número cada vez maior de pessoas às leituras espíritas. De acordo com a Federação Espírita da Paraíba (FEPB), tudo começou nos idos de 1916. A Parahyba do Norte era a capital da então Parahyba. Uma época em que poucas se “atreveriam” a falar, frequentar e praticar o Espiritismo. Eram os destemidos e audaciosos, de raciocínio largo, que liam, dialogavam, conheciam a Doutrina Espírita. Não havia ainda um núcleo ou centro espírita, mas o livro espírita estava ali, garantindo a ousadia para se ultrapassar as fronteiras do preconceito. As dificuldades foram inúmeras para os desbravadores, mas o desafio era maior. O que existiam eram apenas “Sessões de Caridade”, que aconteciam em residências onde eram atendidos os necessitados. Naquelas sessões a mediunidade aflorava em pessoas simples e sinceras, produzindo os mais extraordinários fenômenos de cura, vidência, clarividência, psicografia, psicofonia que maravilhavam e assombravam de estupefação a todos os presentes. Era na residência do

cidadão Manoel Alves de Oliveira que se realizavam uma dessas “Sessões de Caridade”, onde eram atendidas pessoas de todas as condições sociais, com a doutrinação de espíritos enfermos, o passe, a água fluidificada e o consolo da Doutrina dos Espíritos. Mas foi ali, naquele lar, que um reduzido número de pessoas resolveu fundar um grupo de estudos espíritas. Porém, o movimento espírita surgiu na segunda metade do século XIX, como vimos anteriormente, e a FEB surge em 1884, no Rio de Janeiro, a partir daí vai se tornar a grande incentivadora dos centros espíritas e como consequências deste incentivo vão ter a abertura da Federação Espírita Paraibana (FEPB) em 17 de janeiro de 1916. O objetivo do federalismo levou a uma rápida expansão no movimento espírita brasileiro com a criação das Federações Estaduais e a consequente multiplicação dos centros espíritas. Em agosto de 1922 foi fundada a primeira revista espírita na Paraíba, o que renovou os conceitos sobre o Espiritismo na então província Parahyba do Norte. Era editada pela FEPB e intitulava-se O Além. Para o movimento espírita da Paraíba, era uma novidade editorial. O primeiro diretor da revista foi o bel. Diógenes Caldas; redator-secretário José Pereira da Silva (Sr. Zuza); redatores- professores: Eduardo Medeiros, Francisca Moura, Sizenando Costa, João Coelho, Floripes Pessoa e Eugênio Ribas Neiva. Gerente – Manoel Rabelo. Não existe comprovação de até quando foi editada a revista, mas se presume que a partir de 1924 foi suspensa a sua circulação porque o então governador Sólon de Lucena deixou a presidência da Província, sendo o mesmo um simpatizante e

financiador da revista. Foram poucos anos de divulgação da Doutrina Espírita pela revista O Além, mas, com certeza plantou a sementeira para a divulgação das ideias espíritas e incentivo para outros centros que aos poucos foram espalhando-se pela Paraíba. Neste interim, SILVA (2006) nos informa sobre a criação de outro espaço espírita conhecido inicialmente como União Espírita Deus, Amor e Caridade fundada em 1931, e a partir de 1959, como Casa da Vovozinha, funcionando até os dias de hoje na capital paraibana. Este centro foi fundado num momento de grave crise social, política e econômica da sociedade brasileira e paraibana, viviam-se a pós-revolução de 1930, os ânimos políticos ainda se encontravam exaltados e o país atravessava crises de âmbito político e econômico, começava o que ficou conhecido na história como período Vargas (1930 – 1945). Portanto, as pessoas precisavam de ajuda material, como também de superar os obstáculos políticos, sociais e financeiros deste período, assim como continuar a divulgação da doutrina espírita e agregar mais adeptos da causa religiosa, social e filosófica. SILVA (2006) afirma que todas as atividades desenvolvidas pela Casa da Vovozinha foram consideradas educativas, compreendendo essa educação como um processo de desabrochar das virtudes morais, inatas no ser humano, o qual pode ocorrer em qualquer instância da vida humana e não apenas nos ambientes formais de ensino, ou seja, este centro espírita torna-se também um espaço de aprendizado educacional voltado para o ensino leigo, onde se aprendia não só religião, como também a ser cidadão.

Em Campina Grande, segundo CÂMARA (1988), o movimento espírita teve início em maio de 1926, com a fundação da Sociedade Espírita Sólon de Lucena, e no mesmo ano foi fundada outra com o nome de Centro Santo Agostinho. Em fevereiro de 1933 ocorreu a fusão dos dois centros espíritas, dando origem a União Espirita Cristã. Em outubro de 1943 temos a fundação da Liga Espírita Campinense, composta pelos centros José de Alencar e Luz, Amor e Caridade e dirigido por João Miguel de Morais. O movimento espírita na Paraíba não teve vida fácil, seja no aspecto material ou religioso. Vejamos o porquê. Com a ascensão de D. Adauto à Diocese da Paraíba em 1892, iniciou- se uma ação constante do clero contra o movimento espírita paraibano, criando dificuldades à sua expansão, divulgação e prática. De acordo com Luiz Gonzaga e Souza Lima (1979), os núcleos espíritas eram bastante numerosos na Paraíba, contando com muitos bacharéis, professores, jornalistas e funcionários públicos, inclusive com a presença de familiares de D. Adauto. Ainda segundo Lima, D. Adauto em visita à cidade de Areia no ano de 1887, na condição de professor seminarista (em Olinda- PE), aproveitou-se de sua estada para realizar discursos contra a prática espírita, asseverando ser o Espiritismo uma nefasta superstição, marcada pelo fanatismo e pela ignorância religiosa. Quando D. Adauto torna-se Bispo da Paraíba, a rejeição e perseguição ao espiritismo e seus adeptos fica mais ostensiva. Neste embate contra o movimento espírita, a Igreja vai utilizar o jornal semanal A Imprensa Catholica, criado em 1893 pela Diocese paraibana. Além de ser utilizado para a

divulgação das crenças católicas, reafirmar o poder e a importância da igreja na vida dos cidadãos paraibanos, este jornal também foi utilizado ao longo de sua existência jornalística para combater de forma contundente o Espiritismo. Em 26 de novembro de 1900, o jornal vai transcrever uma nota que fora divulgada no jornal Mensageiro do Coração de Jesus, em Itú(SP), informando que o Papa Leão XIII reformara o índex dos livros proibidos e lançara outros decretos, entre eles, um que condenava quem publicasse, lesse ou conversasse sobre o Espiritismo, correndo o risco de ser lançado ao fogo do inferno. Isso demonstra o clima de medo que a Igreja despertava em sua população, ameaçando lançar no fogo do inferno aqueles que teimassem em divulgar e praticar o espiritismo. O editorial da Imprensa Catholica, datado de 24 de agosto de 1902, firmava a posição da Igreja no que diz respeito à prática espírita, na qual condenava não só o Espiritismo, como também seus adeptos, pois a Igreja entendia que o Espiritismo representava um perigo à saúde mental humana, e que poderia levar o indivíduo a promover distúrbios sociais, provocados pela mediunidade ou espíritos trevosos, daí a recomendação da Igreja para que seus adeptos se afastassem da “seita” espírita, sob a pena de irem para o inferno. Os confrontos entre católicos e espíritas entre as décadas finais do século XIX e as primeiras do XX, denotam a luta constante dos espíritas em busca de espaço numa sociedade em que o catolicismo era a religião hegemônica e as teorias evolucionistas eram dominantes nas esferas científicas e

intelectuais. As práticas espíritas, nesse contexto, se situavam na interseção entre as vertentes religiosas e científicas. Esse entendimento fundamenta-se nos escritos de Pierre Bourdieu. Nosso interlocutor defendeu a existência de campos científicos, religiosos, políticos, intelectuais e artísticos. Nesses campos existem, interiormente, uma “[...] luta pela imposição de uma definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo.” (BOURDIEU, 2004, p. 122). No campo se enfatiza a dimensão dos conflitos, no qual os jogadores fazem usos de estratégias, buscando definir regras que determinam o que é legítimo. Neste sentido, os embates entre católicos e espíritas tornam- se campos antagônicos de poder, em que ambos vão fazer uso das estratégias que dispõem para legitimar seu espaço. Sob a influência desse pressuposto teórico, compreende-se, então, que os espíritas assumiram a posição de um novo jogador em busca de reconhecimento na sociedade brasileira. Eram embates para a obtenção da legitimidade no espaço público e social das práticas espíritas. Como os espíritas defendiam uma doutrina que se definia como um sistema científico, filosófico e moral (religioso), seus embates foram nos campos científico, intelectual e religioso. Até a Proclamação da República, a sua busca por reconhecimento, como mais um jogador no espaço social, era com a Igreja Católica. Após a mudança de regime de governo no Brasil, além de continuarem buscando seu espaço social com a Igreja, o movimento espírita teve que buscar o reconhecimento enquanto matriz religiosa ao Estado Brasileiro. Isso porque após a promulgação do Código Penal

de 1890, o espiritismo foi criminalizado como sendo uma contravenção contra a tranquilidade pública no capítulo dos crimes contra a saúde pública, em seus artigos 156, 157 e 158, sobretudo, no artigo 157. De forma textual, o artigo 157 dizia que praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar talismã e cartomancia, para despertar sentimento de ódio ou amor, inculcar curas de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a credulidade pública, a pena seria de prisão de um a seis meses e multa de 100 a 500$000 réis; Já no artigo 158, era vedado ministrar ou prescrever como meio curativo, para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo ou exercendo assim, o oficio do denominado curandeiro. Neste caso a pena seria de seis meses de reclusão e multa de 100 a 500$000 réis. Diante desse quadro, vale à pena insistir nas modificações ocorridas na atuação e no discurso da Federação Espírita Brasileira – FEB – que logo se dimensionaram para fazer frente à nova situação política daquele momento. Se antes da República os espíritas recebiam ataques constantes da imprensa, do clero, reclamações de médicos e mesmo acusações de charlatanismo, foi somente a partir de 1890 com a aprovação do Código Penal15, que os espíritas passaram a sofrer judicialmente processos condenatórios. Dentro deste contexto nada amistoso entre o espiritismo e o clero, temos ainda a pressão da classe médica brasileira temerosa de uma disseminação sem controle do curandeirismo, passa a fazer pressão juntamente com a Igreja

para que os legisladores elaborem um Código Penal em que possa conter as chamadas práticas mágicas e o Espiritismo, além dos rituais de magia e adivinhações. Diante de tal fato a Federação Espírita Brasileira (FEB) vai reclamar junto à Campos Sales, que na época era o Ministro da Justiça. A argumentação da Federação Espírita remetia-se ao cerceamento da liberdade dos espíritas legisladas no artigo 157 do Código Penal. Para a FEB16, a criação do artigo foi considerada uma atitude arbitrária, intolerante e legislado envolto de ignorância sobre o que realmente seria o espiritismo. E sendo uma prática religiosa, era incoerente a sua criminalização, com a garantia do livre exercício religioso contido no Decreto 119-A de 1890. No intuído de fazer uma contraofensiva e ao mesmo tempo uma defesa do Espiritismo no Brasil, a FEB vai utilizar-se do Jornal O Reformador, situado no Rio de Janeiro para defender- se dos ataques que sofria e das punições previstas no Código Penal de 1890. Para a FEB, os artigos 157 e 158 que se acham no capítulo – Dos crimes contra a saúde pública – eram sinais evidentes de que seu autor desconhecia por completo o assunto sobre o qual legislou, ou seja, o Espiritismo. No período de 1881 a 1910 houve diversas perseguições policiais ao Espiritismo, sendo proibidas as sessões de muitos grupos espíritas. A Federação Espírita publicou em seu jornal O Reformador e reuniu artigos de jornais da imprensa não- espírita acerca das perseguições promovidas contra os espíritas que militavam no interior do país. Os locais onde se realizavam as sessões espíritas eram apedrejados e às vezes


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook