A DESOBEDIÊNCIA CIVIL NA TEORIA JURÍDICA DE RONALD DWORKINnessas circunstâncias não pode ser considerada como ato queataca o sistema jurídico em sua integralidade visando fragilizá-lo;ao invés disso reforça o diálogo e a necessidade de revisar ou dereafirmar determinadas interpretações sobre a lei. As dúvidas sobre amoralidade da lei constituem-se dúvidas de sua validade. Da mesmaforma que não interessa ao sistema político apoiar sua autoridade emleis inválidas, assim também não interessa ao sistema jurídico a suareprodução e manutenção. Discutir, questionar, duvidar não significa a mesma coisaque atacar o direito, mas reforçar a sua legitimidade e validadepela afirmação de entendimentos velhos e pela construção denovos entendimentos. A construção democrática do direito sugeretranscender o paradigma positivista e admitir que as justificativas doEstado e do Direito ultrapassam a fronteira técnica de seu ordenamentojurídico e reconheçam os princípios morais, éticos e políticos comoimprescindíveis à sua legitimidade e validade. Nessa tarefa, adesobediência civil é uma categoria importante para construir relaçõesdemocráticas indispensáveis para a regeneração e a reafirmação doEstado democrático de direito.REFERÊNCIASARAUJO, José Antonio Estévez. La Constitución como proceso y ladesobediencia Civil. Madrid: Trotta, 1994.ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Perspectiva,1973.BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 1992.COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobediência civil. Rio deJaneiro: Forense, 1990.DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: MartinsFontes, 2002.______. Os sem-terra vistos de fora. In: O Estado de São Paulo,24/05/1997, A2, pg. 14(RE) PENSANDO DIREITO 49
Doglas Cesar Lucas - Nadabe Manoel Machado______. Uma questão de princípio. Tradução de Luiz Carlos Borges.Martins Fontes: São Paulo, 2000.GARCIA, Eusebio Fernández. La obediencia al derecho. Madrid:Editorial Civitas, 1987.GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1994.HABERMAS, Jürgen. Ensayos políticos. Barcelona: Península, 1994.LOCKE, John. Segundo tratado do governo civil. Ensaios sobre aorigem, os limites e os fins do governo civil. Petrópolis-RJ: Vozes,1994.LUCAS, Doglas Cesar. Desobediência civil: entre legalidade elegitimidade. In: CORRÊA, Darcisio. Direito, espaço público etransformação social. Ijui: Unijui, 2003.LUCAS. Doglas Cesar. Desobediência civil. In: BARETTO, Vicente dePaulo. Dicionário de filosofia do direito. Rio de Janeiro/SãoLeopoldo:Renovar/Unisinos, 2005.MARTÍN, Nuria Belloso. La desobediencia al derecho y su polémicajustificación. In: Revista direitos humanos e democracia – Mestradoem Direitos Humanos da UNIJUI, Editora Unijuí • ano 1 • n. 2 • jul./dez. • 2013. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia. Acesso em:OBREGÓN Martha Elena Soto; CANIZALES Raúl Ruiz. Tratamientodoctrinal de la objeción de consciência y la desobediencia civil enRonald Dworkin y Jürgen Habermas. Opinión Jurídica, Vol. 12, N°23, pp. 151-166 - ISSN 1692-2530 • Enero-Junio de 2013. Medellín,Colombia.RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e LenitaEsteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.SEÑA, Jorge Francisco Malem. Concepto e justificación de ladesobediencia civil. Barcelona: Ariel Derecho, 1990.TELLA, Maria José Falcón y. La desobediencia civil. Madri: MarcialPons, 2000.50 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A DESOBEDIÊNCIA CIVIL NA TEORIA JURÍDICA DE RONALD DWORKINTHOREAU, Henry David. Desobedecendo: a desobediência civil eoutros escritos. Trad. José Augusto Drumond. 2.ed. Rio de Janeiro:Rocco, 1986.WALZER, Michael. Das obrigações políticas. Ensaios sobre adesobediência, guerra e cidadania. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.Recebido: 1-8-2014Aprovado: 10.10.2014(RE) PENSANDO DIREITO 51
D(REI)RPEENSIATNDOO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADE Sustainable development through the extrafiscality oftaxation Paulo Valdemar da Silva Balbé6 Salete Oro Boff7ResumoO presente trabalho tem como objetivo abordar o tema do desenvolvimento sustentável, com destaquepara a aplicação da extrafiscalidade nas espécies tributárias. Inicialmente é abordado o contexto históricoe mundial que deu origem ao tema “desenvolvimento sustentável”. Em um segundo momento, busca-se acompreensão da dimensão das liberdades fundamentais, condicionantes para a mudança de perfil do indivíduo,capacitando-o a atuar como agente dentro das estruturas da sociedade, com reflexos na construção de umaética de responsabilidade. Na terceira parte do trabalho, realiza-se um estudo das competências tributárias naConstituição Federal de 1988 com especial enfoque para as bases econômicas ou matrizes tributárias previstasno texto constitucional e o questionamento sobre a possibilidade de instituição de tributação ambiental em umâmbito normativo analítico, com pouca margem de liberdade. Na quarta parte do trabalho, realiza-se um estudosobre o alcance do princípio da extrafiscalidade e a possibilidade de aplicação nas espécies tributárias com opropósito de resguardo ao meio ambiente . Por fim, conclui-se que a extrafiscalidade é instrumento adequadoe viável para o resguardo do meio ambiente no sistema tributário, admitida sua aplicação não somente aosimpostos, de forma indireta, mas nas contribuições de intervenção no domínio econômico.Palavras-chave: Desenvolvimento. Sustentabilidade. Extrafiscalidade. Tributação ambientalAbstractThe present work has the objective of approaching the theme of sustainable development, with a highlighton the application of extrafiscality in the tributary species. At first, the historical and worldwide contextthat gave origin to the theme of “sustainable development” is approached. In a second moment, there isthe understanding of the dimension of the fundamental liberties, which condition the individuals’ profilechanges, enabling them to act as agents within the society’s structures, with consequences on the buildingof a responsibility ethics. In the third part of the work, a study of the tax competences in the FederalConstitution of 1988 is carried out, with a special focus on the economic bases or tributary matricespredicted in the constitutional text and on questioning the possibility of instituting an environmental taxationin an analytic normative sense, with little margin of liberty. In the fourth part of the work, a study is madeon the reach of the extrafiscality principle and on the possibility of application in the tributary species inorder to safeguard the environment. Finally, the conclusion is that extrafiscality is an adequate and feasibleinstrument in the tributary system for the safeguard of the environment, if its application is admitted not onlyto taxes, in an indirect manner, but in the intervention contributions in the economic domain.Keywords: Development. Sustainability. Extrafiscality. Environmental taxation.6 Mestrando em Direito no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu na Faculdade Meridional (IMED). Vinculado aos grupos de pesquisa “Direito e Desenvolvimento” e “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. Procurador Federal. Email: [email protected] Pós-Doutrora em Direito UFSC. Professora do IESA-CNEC e dos PPGD/IMED/UNISC. Linhas de pesquisa “Direito e Desenvolvimento” e “Políticas Públicas de Inclusão Social”. Email: [email protected](RE) PENSANDO DIREITO • CNECEdigraf • Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014 • p. 53-72
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro BoffSumário:1. Introdução; 2. Desenvolvimento sustentável, meio ambiente e tributo; 3. Indivíduo como agente moral:liberdade e responsabilidade; 4. Competência tributária; 5. Extrafiscalidade: possível caminho para umatributação ambiental no Brasil?; 6. Considerações finais; 7. ReferênciasINTRODUÇÃO A proteção ao meio ambiente, constante do arcabouço normativobrasileiro, deve crédito à preocupação e à importância conferida aotema “desenvolvimento sustentável” pela comunidade internacionaldesde meados do século passado. Compreender o que seja “desenvolvimento sustentável” étarefa complexa, pois abrange uma gama de dimensões e váriosaspectos da vida humana. Nesse contexto, a dimensão ecológica,voltada à preocupação com a conservação dos elementos naturais,é um aspecto relevante, pois retrata, de modo bastante claro, e emuma perspectiva temporal não muito distante, a possibilidade dede que sejam inviabilizadas pela própria humanidade as condiçõesnecessárias à sua subsistência. Sem menosprezar a necessária construção de um conteúdoético para pautar a conduta humana em relação aos demaisseres e biosferas existentes no Planeta Terra (conteúdo este quenecessariamente deverá desenvolver os sentimentos de solidariedadee responsabilidade), pode-se afirmar que ainda falta o despertar paraa importância de uma quebra de paradigma nos modos de produção eno sistema econômico vigente. A conduta humana, nessa conjuntura, é ainda pautada demodo muito importante pela normatividade e pelas estruturas quea viabilizam no seio da sociedade democrática. É a norma, nessascircunstâncias, dotada de forte apelo didático, que estimula ou coíbecondutas dos indivíduos e, consequentemente, induz a formação deum novo padrão cultural. No caso da proteção ao meio ambiente épossível constatar que normas de várias naturezas e propósitosbuscam efetivar e complementar sua tutela, observando o estatuto dedireito fundamental conferido ao tema pela Constituição Federal (art.225).54 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADE Um questionamento que se destaca é aquele referente aos limitesda aplicabilidade dessa proteção ao meio ambiente no ramo do DireitoTributário, sobretudo em razão das evidentes amarras legislativas eteóricas que vigoram naquela seara, também voltada à proteção dopatrimônio do cidadão. No caso brasileiro, pode-se pretender viabilizar uma tributação deviés ecológico mediante a aplicação do princípio da extrafiscalidade.Cabe, portanto, indagar até que ponto isso seria possível, ou seja,quais seriam os limites da aplicação do tributo para a proteçãoambiental no Brasil utilizando-se da extrafiscalidade. A expectativa é que a presente análise possa trazer indicativos,mesmo que preliminares, a essas indagações.DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A busca por um modelo de desenvolvimento sustentável étema de debate na comunidade internacional com maior destaquea partir da segunda metade do século XX, em especial diante dosquestionamentos, originários das comunidades política e científica, deque o aperfeiçoamento técnico voltado para a crescente exploraçãode recursos naturais poderia chegar a um limite8. Pela primeira veza humanidade percebeu que a ausência de alternativas ao modo deprodução capitalista e aos padrões de consumo poderia ocasionarreal perigo de extinção à própria espécie. No início da década de 70 (séc. XX), a Organização das NaçõesUnidas realizou a Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e oMeio Ambiente. A Declaração de Estocolmo, em seu relatório final,trouxe significativos diagnósticos e proposições acerca do problemada poluição e degradação ambiental, dando início a uma série dedebates e tratativas internacionais com temática de destaque para aecologia e o meio ambiente. Característicos de uma época na qual8 Há referências de que um evento marcante para o início do debate tenha sido a divulgação, no ano de 1972 do estudo “Os limites do crescimento” solicitado pelo “Clube de Roma” e desenvolvido por uma equipe do Massachusetts Institute of Technology - MIT. O aludido estudo, dramático a ponto de indicar o colapso dos sistemas populacional e econômico no século XXI, embora controverso e em alguns pontos refutado, já obteve respaldo na comunidade científica. Estudo recente aponta que os cenários-padrão apontados na publicação de 1972 correspondem de forma razoável com a realidade nos últimos 30 anos. Nesse sentido, o estudo de Graham Turner A comparison of the limits to growth with thirty years of reality” divulgado no ano de 2008 (Disponível emhttp://www.csiro.au/ Outcomes/Environment/Population-Sustainability/SEEDPaper19.aspx).(RE) PENSANDO DIREITO 55
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffainda era incipiente a compreensão da complexidade do conjunto decircunstâncias relacionadas ao tema, os documentos resultantes dosdebates demonstram a predominância do viés antropocentrista. Foi com o cognominado Relatório Brundland, entretanto, que aexpressão “desenvolvimento sustentável” ganhou definição e passoua adquirir ares de oficialidade, o que significou seu grande uso naliteratura relacionada ao tema (BOFF, 2012, p. 34). No condizente às causas diagnosticadas, a pobreza e adesigualdade despontam como principais fatores aptos a propiciarcrises, em especial de ordem ecológica: “Em um mundo no qual apobreza e a desigualdade são endêmicas será sempre propenso acrises ecológicas e de outro tipo […] muitos problemas de esgotamentode recursos e de estresse ambiental surgem de disparidades de podereconômico e político”9. Em semelhantes linhas, o tema já era de igual modo compreendidono ano de 1972: “Nos países em desenvolvimento, a maioria dosproblemas ambientais são causados pelo subedesenvolvimento”10.Mais tarde, no ano de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre oMeio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD – elaborou e divulgounovo documento no qual buscou planificar ações e programas parao cumprimento de metas estipuladas durante o evento, destinadasà implementação de condições para o alcance do desenvolvimentosustentável no século XXI: a Agenda 21. Documento extenso e relativamente complexo (4 Seções, 40capítulos), a Agenda 21 foi submetida a periódicas revisões como propósito de identificar obstáculos à sua concretização (Rio+5,Rio+20). Os documentos internacionais referidos contemplam umavisão ampla de “desenvolvimento sustentável”, permitindo identificarnaquela expressão várias medidas de ordem social, econômica epolítica. Ilustra-se, para compreensão, o escopo de “desenvolvimentosustentável” elaborada originariamente pelas Nações Unidas em 1972:9 Tradução livre. Texto original: “A world in which poverty and inequity are endemic will always be prone to ecological and other crises […] many problems of resource depletion and environmental stress arise from disparities in economic and political power”. Our common future. United Nations.World Commission on Environment and Development. 198710 Tradução livre. Texto original: “In the developing countries most of the environmental problems are caused by under-development.” Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment. United Nations. 197256 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADE O desenvolvimento sustentável procura atender às necessidades e aspirações do presente sem comprometer a capacidade de atender às do futuro. Longe de exigir a cessação do crescimento econômico, reconhece que os problemas de pobreza e subdesenvolvimento não podem ser resolvidos a menos que tenhamos uma nova era de crescimento no qual os países em desenvolvimento têm um papel grande e colher grandes benefícios 11. Questiona-se até que ponto as palavras que compõem a expressão“desenvolvimento sustentável” podem configurar uma contradição,dado que é da natureza do desenvolvimento a ideia de progresso e,consequentemente, a exploração incessante de recursos. Por outro lado,a palavra “sustentável” evoca “a tendência dos ecossistemas ao equilíbriodinâmico, à cooperação e à coevolução” (BOFF, 2012, p. 45). Nesse sentido, não se trata de apontar um fator único, originário,mas procurar identificar padrões nos variados países nos quaisconstatada a relação entre a deficiente distribuição de renda e onível de poluição, pois a pobreza tem causas diversas (e algumasdelas, inclusive, bem poderiam ser os excessos do modo de produçãocapitalista e o uso indiscriminado da noção de progresso científicovoltado à exploração de recursos naturais e humanos). E é nessecontexto que, aparentemente, surgem casos que comprovam essapercepção12. Todavia, as relações entre tais fatores, obviamente,ainda não são claros, pois dependem de estudos aprofundados desorte a comprovar sua veracidade13. Ante as constatações apontadas, os esforços mundiaispassaram a voltar-se para a descoberta de medidas aptas a anularou diminuir a influência de fatores que tenham potencial para agravar11 Tradução livre. Texto original: “Sustainable development seeks to meet the needs and aspirations of the present without compromising the ability to meet those of the future. Far from requiring the cessation of economic growth, it recognizes that the problems of poverty and underdevelopment cannot be solved unless we have a new era of growth in which developing countries play a large role and reap large benefits.” Our common future. United Nations.World Commission on Environment and Development. 1987.12 http://www.actionforourplanet.com/top-10-polluting-countries/4541684868. Acesso em 14/02/2014.13 O estudo estatístico divulgado pelo Banco Mundial (The Little Green Data Book) traz informações interessantes que aparentemente comprovam a relação entre pobreza e poluição do ar atmosférico: “urban air pollution declined in most countries between 2000 and 2006 (the most recent year for which data is available), with the greatest progress in low-income and lower middle-income countries. But concentration levels are still nearly three times higher in these countries than in high-income countries”. http://www- wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2010/07/06/000333038_20100706034730/Rendered/PDF/55542 0PUB0litt1PI19564496001PUBLIC1.pdf. Acesso em: 14-2-2014.(RE) PENSANDO DIREITO 57
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffo cenário de degradação do ambiente. Surge, então, o conceitode “desenvolvimento sustentável”, pretendendo reunir condiçõesque viabilizem a continuidade de padrões dignos de vida medianteequilíbrio com os demais seres vivos e elementos naturais. Destaca--se que o “desenvolvimento sustentável” não está relacionadoexclusivamente à questão ecológica. Como conceito amplo que é,aborda várias dimensões: social, ética, jurídico, política, econômicaque “se entrelaçam e se constituem mutuamente, numa dialéticada sustentabilidade” (FREITAS, 2011, p. 65). Em decorrência dessecaráter multidimensional, é que existem várias frentes nas quais osesforços devem ser empreendidos, e uma delas é a questão social,relacionada diretamente ao préstimo de serviços públicos essenciais àpopulação, proporcionando sejam atingidas as capacidades essenciaisnecessárias à plena participação do indivíduo na condição de sujeitoativo, política e moralmente. Certo é que na óptica da literatura ecológica de vanguarda asociedade moderna ainda está presa ao modelo de desenvolvimentosustentável padrão, caracterizado pelo antropocentrismo, consumismo,exploração, busca do lucro às custas do empobrecimento alheio etendência a mensurar a eficiência da qualidade de vida com baseexclusiva em fatores econômicos (por exemplo o Produto InternoBruto - PIB). Verifica-se que a proposta da alternativa inovadora e radicalda “economia verde” não altera o modo de produção vigente, masprocura lhe conferir uma roupagem mais adequada, adotando práticasque não trarão resultados substanciais para a mudança de paradigma(BOFF, 2012, p. 54). Cabe a questão: é possível uma mudança nosmodelos atuais de desenvolvimento sustentável que sejam passíveisde implementação imediata? Aparentemente a proposta de quebra radical do padrão atual,capitalista e consumista, embora coerente e recomendável, cai naarmadilha da utopia, visto que se estipula o atingimento, pela humanidade,de elevados padrões éticos como pressuposto para a mudançapretendida. Isso porque o comportamento humano, como prova a história,58 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADEé influenciado por fatores geográficos e temporais, neste compreendidoo conjunto de valores e crenças compartilhados. Tudo na vida, como novelho ditado popular, começa com o primeiro passo. Pretende-se, antes de ceder ao imperativo prático e de renunciaràs soluções complexas (naturalmente mais tortuosas), reconhecer quea capacidade de compreensão do ser humano é limitada por fatoresgeográficos, históricos e sociais, situação que por si já basta paracomprovar a dificuldade de um alcance homogêneo de um padrãoético que possibilite à humanidade, em um só momento, passar aimplementar as grandes mudanças necessárias para a manutenção desua existência no Planeta e para a renovação do padrão de interaçãocom os demais seres vivos e com a biosfera. Afastada, em um primeiro momento, a dimensão utópica daspropostas para o alcance da sustentabilidade, necessário identificaro potencial normativo para o fim de promover comportamentosque, embora não necessariamente decorram de um padrão éticocompartilhado, possibilitam atingir o propósito (ainda que parcial)de vida sustentável. Logo, não há como deixar de constatar que ostributos e, em maior escala, a política fiscal de um país, constituemexpedientes legítimos importantes para a solução desse complexoquebra-cabeças. A política fiscal, encarregada de elaborar e sistematizar todo oarcabouço normativo do sistema tributário, contribui decisivamentepara o suporte financeiro do Estado e para a prestação de serviços queabrangem desde as atividades burocráticas essenciais, como tambémde regulação do mercado, fiscalização, fomento e atendimento aosdireitos fundamentais previstos na Constituição da República.INDIVÍDUO COMO AGENTE MORAL: LIBERDADE ERESPONSABILIDADE O respeito ao meio ambiente possui intrínseca ligação com aliberdade, posto que seu equilíbrio é condição básica para uma vidadigna. É com base nessa premissa que a Constituição da Repúblicaerigiu o meio ambiente à condição de “bem de uso comum do povo eessencial à sadia qualidade de vida” (art. 225). Liberdade é, portanto,(RE) PENSANDO DIREITO 59
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffum valor moral em si. Pressuposto para o exercício da democracia. Falar em respeito ao meio ambiente pressupõe a ideia deresponsabilidade por algo que não pertence exclusivamente aossujeitos, ou seja, algo que a rigor deve ser compartilhado com osdemais. Tal noção de cuidado e respeito, entretanto, parte de umaconvicção respaldada em uma escolha moral do indivíduo. A compreensão do significado das escolhas morais tende a seaperfeiçoar à medida em que satisfeitas as garantias fundamentais e ascondições de pleno acesso e desenvolvimento das capacidades humanas.O sujeito, até então limitado pelas necessidades mais comezinhas passaa atuar na condição de agente, participando da esfera pública a atuandocom maior influência nas decisões que afetam a coletividade. Nessesentido, Zambam (2012, p. 71) esclarece que a condição de agente é uma característica fundamental para a superação de situações que ameaçam o bem-estar das pessoas […] iniciativas que fortalecem o desenvolvimento das potencialidades individuais e a participação ativa nas esferas públicas, mediadas por ações que permitem o acesso à alfabetização e a um sistema educacional mais qualificado, investimentos em políticas de saúde, direito à propriedade e ao trabalho […] participação no sistema eleitoral com voz ativa e direito de votar e ser votada, entre outros, têm impacto imediato e duradouro sobre a avaliação do bem-estar e, por consequência, sobre o conjunto da sociedade. É, portanto, na liberdade que o sujeito se dá conta da dimensão depoder que detém sobre seus atos na condição de sujeito ativo. E é essepoder, por sua vez, que invoca o dever de responsabilidade por aqueles quedele dependem. Nesse sentido, a válida lição de Jonas (2006, p. 167): O poder se torna, assim, objetivamente responsável por aquele que lhe foi confiado e afetivamente engajado graças ao sentimento de responsabilidade […] a tomada de partido sentimental tem sua primeira origem não na ideia da responsabilidade em geral, mas no reconhecimento do bem intrínseco do objeto, tal como ele influencia a sensibilidade e envergonha o egoísmo cru do poder […] a reivindicação do objeto, de um lado, na insegurança da sua existência, e a consciência do poder, de outro, culpada da sua causalidade, unem-se no sentimento de responsabilidade afirmativa do eu ativo, que se encontra sempre intervindo no Ser das coisas.60 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADE Será nessas circunstâncias, nas quais presentes a capacidadeativa do sujeito e seu dever de responsabilidade, que advirão as normaslegais como ferramentas essenciais à organização da sociedade emum Estado Democrático de Direito. É imbuído dessa responsabilidadeque, por exemplo, os cidadãos se impõem a obrigação de verterrecursos aos cofres públicos, indispensáveis à própria manutenção daorganização social. Obviamente que essa consciência e esse agir não são unânimes.Todavia, em uma conjuntura democrática, composta de sujeitos ativos(representantes e representados), advindos de extratos sociais e cultuaisdiferenciados (pluralidade), a regra da maioria vige e condiciona. O sistema tributário tem reflexos na economia e,consequentemente, em algumas das camadas sociais. Conquantoseu objetivo seja basicamente a prospecção de recursos necessáriospara a satisfação das necessidades coletivas e à própria manutençãoda máquina estatal, forçoso reconhecer que não foi concebido com opropósito de nivelar desigualdades. Vale dizer, o sistema é contributivoe não redistributivo (TORRES, 2005, p. 26).COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA No chamado Estado do Bem-Estar Social, a presença do EnteEstatal nos variados setores e atividades da sociedade tem por escopoa garantia de condições mínimas aos cidadãos, a fim de que essespossam desenvolver suas capacidades, seus talentos, em condiçõesde igualdade, na busca de seus anseios e realizações pessoais.Cediço nesse conceito a ideia de “sociedade justa e ordenada” daqual fala John Rawls (1995). Nos Estados modernos, a efetivação de direitos fundamentais aoscidadãos (e, em um plano ético mais amplo, ao indivíduo do gênerohumano) pressupõe a criação de estruturas de substancial tamanho ecomplexidade que dependem de recursos financeiros para a reuniãode todos os elementos necessários a lhes dar plena funcionalidade (p.ex. recursos humanos e materiais). Vedada ao Estado Moderno a imposição de trabalho compulsórioe a requisição de bens e valores materiais de seus súditos, o custeio(RE) PENSANDO DIREITO 61
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffpara o implemento dos direitos fundamentais tem origem precípua nostributos que, sob a perspectiva orçamentária, são também designadosde “receitas derivadas”, pois não tem origem na exploração direta dosbens afetados aos órgãos e entidades estatais (receitas originárias). O tributo é uma espécie de obrigação, criado com lastro noordenamento jurídico positivado do Estado. Sua criação tem origem,portanto, não somente no poder ou potestade do Ente Estatal, mastambém no dever que a sociedade atribuiu a si própria no imperativode garantir condições mínimas essenciais à vida digna. Nesse sentidohá, inclusive, menção a um “dever fundamental de pagar impostos(NABAIS apud PAULSEN, 2007, p. 14). Esse poder de tributar, nos Estados Democráticos de Direito, aexemplo do Brasil, encontra legitimidade no arcabouço normativo,fruto de deliberação dos representantes dos cidadãos nas câmarasparlamentares. Ocorre que nem mesmo o parlamento é dotado de plena liberdadepara a instituição de matrizes tributárias, posto que a criação detributos também possui lindes jurídicos expressos na Constituição. A previsão de limites expressos ao poder de tributar, corolário doprincípio da legalidade, constitui uma conquista da civilização e, decerto modo, um avanço na consolidação da Democracia, obstandoque o Poder Estatal seja exercido de forma desmesurada, exigindoo sacrifício patrimonial dos súditos além de suas capacidadesfinanceiras, sem dúvida que está contemplado no rol das garantiasfundamentais (direitos fundamentais de primeira dimensão). No caso do Brasil, a possibilidade de instituição de tributosé condicionada por um manancial de normas jurídicas expressasna Constituição. Longe de estipular balizas gerais, a ConstituiçãoRepublicana trouxe em seu texto uma previsão analítica dospressupostos necessários à criação de figuras tributárias como, porexemplo, a previsão de competências tributárias e as limitações aopoder de tributar. São nas normas de competência tributária que o Ente Estatalpossui autorização para a criação de tributos. Nelas estão contidas,em linhas muito amplas, as matrizes tributárias, ou seja, as situações62 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADEfáticas e jurídicas para os quais o legislador poderá criar normasgerais e abstratas que instituam obrigações tributárias para o cidadão. Pode-se dizer que as matrizes tributárias possuem uma naturezabifronte: de um lado, criam possibilidades, prevendo situações davida passíveis de serem consideradas como aptas da dar surgimentoàs obrigações tributárias; de outro, caracterizam a própria limitaçãoda capacidade de criá-las, corolário de sua natureza restritiva,considerando que o próprio sistema jurídico somente autoriza oexercício da competência tributária nas situações nelas contempladas. As normas constitucionais preveem que a estrutura federativa doEstado Brasileiro contempla uma competência legislativa concorrente(art. 24 da Constituição Federal) em matéria tributária, o que significaque todos os entes da federação poderão legislar sobre assuntosa ela afetos. Resulta que a previsão de matrizes tributárias diversasdecorre da necessidade de um mínimo de organização e coerência dasatividades legislativas e administrativas das esferas municipal, estaduale do Ente Federado (União), evitando a sobreposição de atribuiçõese competências e, consequentemente, a instituição de tributos (deidêntica espécie ou não) sobre idênticas situações (bitributação). No exercício da competência tributária que lhe foi outorgadapela Constituição, cada ente da federação poderá instituir obrigaçõestributárias, observando os veículos legislativos próprios e, em especial,as normas gerais da União. Por conseguinte, cada ente político poderá,nos moldes das competências que lhe foram instituídas (em especialas matrizes tributárias nela contidas), eleger fatos econômicos paraintegrar os preceitos das normas tributárias. Assim procedendo, deverácontemplar no veículo normativo os demais elementos necessáriosàquela obrigação (por exemplo: fato gerador, sujeito passivo, alíquota,base de cálculo). Nessa atividade legislativa, o ente político não está atreladoexclusivamente ao aspecto fiscal do tributo, ou seja, o escopo dearrecadação de recursos para o custeio de suas atividades. Diz-seque nesses casos a tributação opera com natureza extrafiscal, queconsiste “no emprego de instrumentos tributários para o atingimentode finalidades não arrecadatórias, mas, sim, incentivadoras ou(RE) PENSANDO DIREITO 63
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffinibitórias de comportamentos, com vista à realização de outrosvalores, constitucionalmente contemplados” (COSTA, 2009, p. 48). Aquestão que se impõe, entretanto, é saber se o legislador, pretendendoalcançar propósitos não exclusivamente arrecadatórios, poderá incluir nanorma tributária elementos que, embora não integrem o fato econômicoescolhido como objeto do preceito normativo, estejam com este de algummodo relacionados e contemplem condições suficientes para incentivar oucoibir determinados comportamentos. A resposta é positiva.EXTRAFISCALIDADE COMO POSSÍVEL CAMINHOPARA UMA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL O arcabouço normativo brasileiro contém figuras tributárias nasquais a natureza extrafiscal é da sua essência, ou seja, propõe-sea atingir, explicitamente, propósitos além da singela arrecadaçãode recursos financeiros mediante previsão expressa, no preceitonormativo, de determinadas situações intimamente que se pretendeincentivar ou coibir. Cite-se como exemplo a espécie tributária “taxa”cobrada em razão do exercício do poder de polícia (via de regrafiscalização) sobre atividades consideradas relevantes em razão dosinteresses coletivos envolvidos (como as de segurança). Há outros casos, entretanto, nos quais poderá o legisladorcontemplar no conjunto dos elementos da obrigação tributária situaçõesque deseje incentivar ou coibir, estabelecendo condições benéficas(por exemplo a redução de alíquota, a remissão, a anistia, a isenção)ou impondo pesados ônus (como com o aumento de alíquota e dasmultas). Afirma-se que nesses casos a tributária é dotada de caráterindutivo, possibilitando que sejam alcançados efeitos extrafiscais atémesmo em tributos que não estejam ontologicamente dotados dessacaracterística (tributos extrafiscais por natureza). No Brasil, a extrafiscalidade é uma característica presente nosistema tributário. Arrisca-se a dizer que tal característica denota alegitimidade do Estado no exercício do papel indutor, fomentando aatuação do setor produtivo para determinadas atividades não alçadasà categoria de prioridade no mercado. Mas também na sociedade64 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADEcivil o reflexo do que se pode chamar de “política extrafiscal” irradiaefeitos diversos, seja no implemento de incentivos a determinadascondutas, benefícios a camadas sociais de menor renda (com oobjetivo de minimizar as grandes diferenças existentes entre asclasses econômicas) ou estímulo à preservação ambiental e melhororganização urbanística. São inúmeros os exemplos de aplicação da extrafiscalidade como navariação de alíquotas de impostos; nas taxas, originárias do exercício dopoder de polícia (atuando na fiscalização de normas voltadas a diversasfinalidades sociais) e no préstimo de serviço estatal específico e divisível(nos quais o Poder Público, não raro, age como único prestador, seja emfunção da natureza da atividade realizada, seja em virtude da ausência deinteressados a exercê-las sob o regime de concessão); nas contribuiçõesde intervenção no domínio econômico (as quais, por natureza, tem porescopo o fomento e a regularização de setores econômicos específicos;nas isenções; nas imunidades. Em relação à competência tributária de cada ente, destacam-sevárias situações concretas nas quais há preponderância do interessena preservação ambiental com suporte na extrafiscalidade14. Ponto que se reveste de especial importância é a conciliação entre aextrafiscalidade e o princípio da capacidade contributiva, reconhecido no14 Sobre o tema Teixeira (2010, p. 225-228) destacam os seguintes benefícios fiscais:Na esfera federal:a)Decreto-lei nº 755/1993, que reduz as alíquotas do IPI para a aquisição de veículos movidos a álcool;b)Lei nº 5.106/1966, a qual institui a possibilidade de redução da base de cálculo (dedução) do Imposto de Renda em relação aos projetos de reflorestamento custeadas pelos contribuintes;c)Projeto de lei nº 5.162/2005, que concede incentivos fiscais a pessoas físicas e jurídicas que apoiem projetos ambientais;d)Projeto de lei nº 5.974/2005, que estipula a possibilidade de dedução, na base de cálculo do Imposto de Renda, de percentuais dos valores de doações e de patrocínios direcionados a projetos ambientais;e)Lei nº 4.771/65, que estabeleceu a isenção do Imposto Territorial Rural - ITR em relação às áreas de reserva legal, de preservação permanente, reservas particulares do patrimônio e de áreas de preservação ambiental;Na esfera estaduala)o “ICMS ecológico” que viabiliza a instituição de critérios diferenciados de repartição de receitas de parcela das transferências obrigatórias correspondentes àquela exação;b)o IPVA, no qual existe a possibilidade de redução de alíquotas de acordo com a motorização e o tipo de combustível utilizado, de modo que a menor operosidade recairá sobre veículos que emitam menores percentuais de gases poluidores;c)o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos – ITCD –, que poderá apresentar alíquotas diversas em razão de critérios ambientais.Na esfera municipal:a)Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU, cuja progressividade é fator de incentivo para o alcance da função social da propriedade, nesta incluída o uso da propriedade em conformidade com o meio ambiente;b)Imposto Sobre Serviços – ISS –, que poderá contemplar critérios aptos a estimular práticas de proteção ao meio ambiente.(RE) PENSANDO DIREITO 65
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boffsistema jurídico brasileiro. A capacidade contributiva é uma metanormaque passa a estipular a observância, nas relações obrigacionais defeição tributária, em especial pelo Poder ou função legislativa (órgão quecompõe a estrutura do ente tributante, ou seja, detentor da competênciatributária) da compatibilidade entre a riqueza do contribuinte (signospresuntivos de riqueza) e os imperativos de igualdade e justiça. Suafiel observância implica a instituição de obrigações tributárias que nãosejam demasiado onerosas ou desvinculadas daqueles atos ou fatosprevistos nas matrizes tributárias como suficientes a demonstrar apossibilidade de o cidadão arcar com o ônus do tributo. É possível afirmar que a capacidade contributiva possui lindes bemdefinidos, pois permite a atribuição de obrigação tributária desde que nãoimplique privar o cidadão dos recursos essenciais à sobrevivência e à vidadigna (mínimo existencial) e também não o imponha ônus demasiado, aponto de caracterizar a expropriação de seu patrimônio (confisco). A questão que se põe é a seguinte: a extrafiscalidade, visandoao alcance de interesses alheios ao custeio da máquina estatal,interesses esses que, a rigor, poderiam vir a contemplar medidas derelevante valor social expressos na Constituição, poderá descuidar daobservância estrita à capacidade contributiva? Aparentemente sim, pois o alcance de finalidades estranhas aopropósito de custear as despesas da máquina estatal autorizaria em certoponto que o legislador, desconsiderando a capacidade de o contribuintearcar com o ônus tributário em determinado contexto fático, pudesse instituirobrigações voltadas a incentivar ou desestimular determinadas condutas. Ocorre que essa liberdade conferida ao legislador não é absoluta,dado que permitida somente em um aspecto que poderia ser chamadode “negativo” da tributação, ou seja, no tocante ao trato das isenções eimunidades. Somente nesses casos a ausência de imposição do ônustributário — apesar de configurada a capacidade de o contribuintesuportá-lo — estaria fundada na desconsideração da capacidadecontributive e, portanto, autorizada a instituir hipóteses de exclusãodo crédito tributário ou a criação de situações imunes à incidência dasnormas que imponham essa espécie de obrigação.66 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADE Há em tais hipóteses situações que caracterizam uma escolhapolítica, não propriamente relacionada aos signos presuntivos deriqueza previstos na norma tributária. Como nas isenções políticasque “configuram verdadeiras exceções ao princípio em exame, tendoem vista que beneficiam pessoas que têm efetiva capacidade decontribuir” (COSTA apud DUTRA, 2010, p. 140). Se por um lado se afigura admissível a exceção ao princípioda capacidade contributiva em relação à dispensa de o contribuintecumprir com a obrigação tributária, não é admissível adotar de igualmodo raciocínio excludente para impor ônus que exceda à manifestacapacidade do cidadão em suportar a carga que lhe é usualmenteimposta. Ultrapassar esse limite caracterizaria perigosa proximidade àprática do confisco, explicitamente vedada pela Constituição. Outro ponto que demanda reflexão é que, conquantoaparentemente autorizada a adoção de incentivos e benefícios com opropósito extrafiscal, o arcabouço legislativo vigente impõe aos entestributantes que as modificações dessa natureza, caso pretendam serimplementadas, devem observar uma gama de restrições no aspectoorçamentário. Nesse sentido, o disposto no art. 14 da Lei Complementarnº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal15. Bem se vê que as restrições de natureza orçamentária condicionamde modo bastante significativo o exercício da extrafiscalidade,considerando que a prioridade, sob o ponto de vista administrativo egerencial, será a obtenção e alocação de recursos para o adequado15 Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001)I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.(RE) PENSANDO DIREITO 67
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Bofffuncionamento da máquina estatal. Obviamente que as condicionantesprevistas na legislação orçamentária impõem maior dificuldade aoadministrador, que terá de contornar problemas pontuais relacionadosà parcela de receita derivada que deixará de arrecadar. Nesse ponto (condicionantes de natureza orçamentária) talvezresida um dos mais importantes dilemas da política fiscal brasileira,decorrente de um paradoxo que a rigor não encontra solução a curtoprazo: a necessidade de adoção da extrafiscalidade como instrumentopara a promoção de condutas dos cidadãos que sejam harmônicas emrelação ao meio ambiente, sem olvidar da manutenção do fluxo de receitasderivadas para o custeio da máquina estatal e, consequentemente, parao préstimo de uma gama de serviços públicos cada vez mais necessáriosno contexto de um modelo de Estado do “bem-estar”.CONSIDERAÇÕES FINAIS A intensificação dos debates referentes à sustentabilidadeocorreu a partir da segunda metade do século XX em razão dosquestionamentos relacionados à possibilidade de continuidade domodelo de desenvolvimento até então adotado pela maioria dosEstados-nação do Planeta Terra. Os temas relacionados à extinção dos recursos naturais e àadoção de alternativas para a continuidade do crescimento econômicoadquiriram relevância global a ponto de desencadearem a atuaçãode organismos supranacionais, a exemplo das Organizações dasNações Unidas – ONU. No âmbito de conferências e estudosrealizados, foram elaborados vários documentos nos quais se passoua reconhecer a necessidade da adoção de novos paradigmas nomodelo de desenvolvimento a fim de que esse pudesse vir a se tornarsustentável, a longo prazo, ou seja, de que a busca pelo propósito docrescimento econômico e das necessidades do presente não venhama impossibilitar a persecução daqueles mesmos objetivos no futuro. Perceptível que na sucessão de debates e estudos surgemvários modelos de desenvolvimento sustentável, objetos de críticasou encômios a depender da concepção adotada pelos interlocutores.68 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADENesse sentido, a proposta de uma “economia verde”, nos moldes comoapresentada no final do século XX, conquanto retrate substancialmelhoria qualitativa em relação às primeiras alternativas apontadaspela comunidade mundial, é tachada de paliativa e até mesmo como propósito de ludibriar, porquanto não ataca, no entender de seuscríticos, as causas principais das crises do desenvolvimento, queseriam os excessos do modo de produção capitalista (especialmenteo estímulo demasiado ao consumo), e a instrumentalização daracionalidade científica. É preciso que se desenvolva conteúdo ético apropriado paraenfrentar as vicissitudes da modernidade, as quais não se resumemà degradação ambiental e à pobreza, com retorno à pauta da políticaeducacional o estímulo à solidariedade e à responsabilidade. No decorrer desse processo de mudança, é perceptível queas normas positivas, ao lado dos conteúdos éticos que deverão sertrabalhados, constituem ferramental imprescindível, de naturezapedagógica, para modificação dos padrões culturais. Na seara do Direito Tributário — assim como em qualquer ramodo Direito — também se afigura possível dotar normas com o propósitode estimular ou coibir condutas de preservação ambiental. Não énecessário que as categorias normativas destinadas a essa finalidadedecorram exclusivamente de um ramo do Direito, muito embora nãose olvide de sua importância e significado para o desenvolvimento decategorias operacionais, conceitos e definições que se relacionarão deforma sistemática com todo o plexo normativo. Resulta clarividente que oDireito Ambiental trará sempre conteúdo e significado para as normas dosdemais ramos do Direito que pretendam pautar condutas de preservaçãoambiental (Direito Penal Ambiental, Direito Tributário Ambiental). O Direito Tributário é dotado de uma característica peculiar, poisautoriza em certo grau a ingerência do Estado no patrimônio do cidadão.Obviamente que pela natureza do poder conferido ao Estado em talplexo de obrigações são necessárias várias garantias fundamentais,previstas na Constituição, de modo a evitar que a imposição do tributopossa caracterizar medida arbitrária, ocasionando desigualdade notratamento de seus súditos e apropriação indevida do patrimônio.(RE) PENSANDO DIREITO 69
Paulo Valdemar da Silva Balbé - Salete Oro Boff No Brasil, as bases econômicas dos impostos estão previstas deforma taxativa na Constituição Federal (arts. 153 a 156), resultandoque poucas espécies tributárias remanescem com relativa liberdadepara criação de novas hipóteses de incidência, a exemplo das taxas,contribuições de melhoria, contribuições sociais gerais e contribuiçõessociais especiais de intervenção no domínio econômico (estas duasúltimas exclusivas da União). Mesmo não contemplada de modo explícito, mediante previsãoconstitucional de uma base econômica específica e estipulação deuma espécie tributária própria, a tributação voltada para propósitosambientais poderá ser utilizada de forma indireta nos tributos com oauxílio do princípio da extrafiscalidade. Com esse propósito, a normatributária poderá conter a previsão de situações para as quais estaráautorizada a majoração da carga tributária (por exemplo, aumentode alíquota) ou sua substancial redução (v.g. redução de alíquotas,redução da base de cálculo, isenção). A instituição de hipóteses de tributação voltadas para o alcancede finalidades diversas da arrecadação não esbarra no princípioda capacidade contributiva, desde que respeitados limites mínimostendentes a assegurar o resguardo de um padrão de vida digna (mínimoexistencial) do contribuinte e protegê-lo da invasão desmesurada doEstado em seu patrimônio (vedação ao confisco). Respeitadas essasbalizas, poderá o Fisco explorar hipóteses normativas que possibilitematingir o máximo da capacidade contributiva. Ainda no tocante aos limites da capacidade contributiva devemser excepcionadas as hipóteses de dispensa do contribuinte nocumprimento das obrigações tributárias (por exemplo, reduções dealíquota, reduções de base de cálculo, isenções, imunidades). Nessas,obviamente, não há razoabilidade para a aplicação daquele princípio,posto que reduzem ou suprimem o dever de contribuir em prol deobjetivos elevados como, por exemplo, a preservação ambiental. Essa possibilidade, contudo, sofre restrições de ordem orçamentária,a exemplo da Lei Complementar nº 101/2000, diploma normativo que exigedo legislador a previsão de mecanismos de compensação — destinadosa evitar perdas de receita — para situações nas quais se pretenda70 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA EXTRAFISCALIDADEa redução da carta tributária. Nada obstante as limitações do sistematributário brasileiro, resultantes em grande parte ao caráter analítico daConstituição Federal, a instituição de normas de índole tributária voltadasà proteção do meio ambiente afigura-se plenamente possível, de formaindireta nos impostos e no próprio desenho da hipótese de incidêncianas espécies tributária taxa, contribuições sociais gerais e especiais deintervenção no domínio econômico.REFERÊNCIASBOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é: o que não é. Petrópolis:Vozes, 2012.BRASIL. Constituição Federal.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 14 fev. 2014.______. Lei Complementar nº 101, de maio de 2000. Estabelecenormas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade nagestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 10 fev. 2014.COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. São Paulo:Saraiva, 2009.DUTRA, Micaela Dominguez. Capacidade contributiva: análise dosdireitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2010.FRANÇA, Cláudio Vieira. Tributação ambiental à luz do sistema tributárionacional. Revista de Estudos Tributários, nº 84, p. 25–39, 2012.FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte:Fórum, 2011.JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma éticapara a civilização tecnológica. Tradução Marijane Lisboa; Luiz BarrosMontez. Rio de Janeiro: EdPUC-Rio, 2006.ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaration of theUnited Nations Conference on the Human Environment, 1972.Disponível em: <http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp(RE) PENSANDO DIREITO 71
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D(REI)RPEENSIATNDOO A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADO Review criminal as a condition of possibility for rescuedignitatis status the condemned Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth16 Tamyse de Christo Marques17ResumoO presente artigo faz uma análise acerca da dignidade da pessoa humana e a sua ligação com o institutoda revisão criminal. Versa sobre as questões atinentes à dignidade da pessoa humana sob a ópticada Constituição Federal de 1988, bem como sobre a sua presença norteadora nos códigos Penal e deProcesso Penal brasileiros. Apresenta o instituto da revisão criminal, suas peculiaridades e discussõesdoutrinárias. Discute ainda a possibilidade de o instituto da revisão criminal ser capaz de resgatar o “statusdignitatis” do condenado vítima de erro judiciário, sob a forma de revisão da sentença condenatória e/ousob a forma de indenização, trazendo como lição o famoso caso brasileiro dos irmãos Naves. A orientaçãodo trabalho se dá no Código de Processo Penal analisado sob a luz da Constituição Federal de 1988, tendopor âmago o princípio da dignidade da pessoa humana.Palavras-chave: Princípio da dignidade da pessoa humana. Revisão criminal. Status dignitatis.AbstractThe present article meticulously analyzes the principle of human dignity and its connection with the instituteof criminal revision. It covers the issues on human dignity from the standpoint of Federal Constitution of1988, as well as the guiding position of this principle in Brazilian Criminal and Criminal Process Codes. Italso pretends the institute of criminal revision, bringing its particular features and doctrinaire discussions.Furthermore, it discusses the ability of criminal revision in giving back the status dignitatis of a victim ofmiscarriage of justice, by granting him the review of judgement or the indemnification. In this regard, theleading case of Nave’s brothers is demonstrated, as a lesson. The study of this thesis lays in the CriminalProcess Code, analysed from the perspective of the Federal Constitution of 1988, focusing on the principleof human dignity.Keywords: Criminal process law. Principle of human dignity. Criminal revision. Convict. Status dignitatis.Sumário:1. Considerações iniciais; 2. A dignidade da pessoa humana como fundante do processo penal no estadodemocrático de direito brasileiro; 3. A revisão criminal como condição para o resgate do status dignitatisdo condenado; 4. Considerações finais; 5. Referências.16 Doutor em Direito (UNISINOS). Professor dos Cursos de Graduação em Direito da UNIJUÍ e UNISINOS e do Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ. E-mail: [email protected] Bacharel em Direito pela UNIJUÍ. E-mail: [email protected](RE) PENSANDO DIREITO • CNECEdigraf • Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014 • p. 73-100
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo MarquesCONSIDERAÇÕES INICIAIS A revisão criminal é um instituto presente no ordenamento jurídicobrasileiro, que tem por finalidade revisar a sentença penal condenatóriatransitada em julgado, desde que fundamentada em um dos incisosdo artigo 621 do Código de Processo Penal. Contudo, por vezes, ouso correto do instituto é ignorado, o que decorre da compreensão darevisão criminal como uma espécie de “segunda” apelação. Ocorre que a revisão criminal tem uma ligação bem mais estreitacom a Constituição Federal e seu princípio norteador, a dignidade dapessoa humana, do que propriamente com a técnica penal. Nestesentido, o objetivo geral delineado para o desenvolvimento da referidaligação entre o princípio e o instituto, é buscar elucidar a possibilidadede a revisão criminal atuar na recuperação do status dignitatis docondenado vítima de erro judiciário, em homenagem ao princípio dadignidade da pessoa humana, sustentáculo do Estado Democráticode Direito Brasileiro. Assim, buscar-se-á caracterizar o princípio constitucional dadignidade da pessoa humana, bem como analisar o instituto da revisãocriminal, explicando a conexão existente entre eles. Em última análise,objetiva-se investigar o princípio da dignidade da pessoa humana e arevisão criminal sob a luz de um sistema penal garantista, justamentepara viabilizar a compreensão da utilização da revisão criminal comocondição de possibilidade para o resgate do status dignitatis docondenado. É sabido que a lei penal brasileira possui fontes e é mantidasob o prisma de uma tendência garantista como proteção ao réu emprocesso criminal. É notório que condenar alguém, mesmo em umsistema com tendência garantista, não é inabitual. Inusitado, todavia,é a condenação de pessoa inocente fundada em erro judiciário. Nestescasos, considerando a forte carga estigmatizante que o contato como sistema punitivo – ou mesmo simplesmente com o sistema penal –provoca, há possibilidade de a revisão criminal auxiliar na recuperação74 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOda dignidade do condenado por erro judiciário? É este questionamentoque revela a problemática envolvida na pesquisa, cujo objetivoprincipal é averiguar em que medida a revisão criminal pode sercompreendida, à luz de um processo penal garantista, como condiçãode possibilidade para o resgate do status dignitatis do condenado noEstado Democrático de Direito brasileiro.A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMOPRINCÍPIO FUNDANTE DO PROCESSO PENAL NOESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO O princípio da dignidade humana é essencial para uma adequadahermenêutica da Constituição Federal, promulgada em 1988. Porém,nem sempre a situação foi essa. A história mostra que antes de serassegurada como princípio constitucional, a dignidade humana passoupor diferentes contextos e significados. Na antiguidade clássica, a dignidade era dimensionada emrazão da “posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau dereconhecimento pelos demais membros da comunidade” (SARLET,2012, p. 34). Mais tarde, para os adeptos do estoicismo, a dignidadeda pessoa humana representava uma peculiaridade do próprio serhumano, fazendo parte de todos e de cada um. Assim, a dignidadeantes mensurada pela posição social passou a ter um cunho moral,baseada na igualdade entre os indivíduos e a liberdade (SARLET,2012, p. 35). Já na Idade Média, Tomás de Aquino possuía uma visão dedignidade claramente ligada aos preceitos católicos vigentes naépoca. Como assevera Sarlet (2012, p.37), a dignidade encontra seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, de tal sorte que, por força de sua dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, existe em função da sua própria vontade.(RE) PENSANDO DIREITO 75
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marques Entretanto, foi somente com Immanuel Kant (1724-1804) queo conceito do princípio se despiu do sagrado para tomar sentidoverdadeiramente racional. De acordo com Sarlet (2012, p. 40), Kantconstruiu seu conceito utilizando-se da natureza racional do homem,afirmando que “a autonomia da vontade, [...], é um atributo encontradosomente nos seres racionais, constituindo-se no fundamento dadignidade da natureza humana”. Segundo o entendimento de Kant (s.d., p.28, grifo do autor), o Homem, e em geral todo ser racional, existe como um fim em si, não apenas como meio, do qual esta ou aquela vontade possa dispor a seu talento; [...]. Os seres, cuja existência não depende precisamente de nossa vontade, mas da natureza, quando são seres desprovidos de razão, só possuem valor relativo, valor de meios e por isso se chamam de coisas. Ao invés, os seres racionais são chamados pessoas, porque a natureza deles os designa já como fins em si mesmos, isto é, como alguma coisa que não pode ser usada unicamente como meio, alguma coisa que, consequentemente, põe um limite, em certo sentido, a todo livre arbítrio (e que é objeto de respeito). Assim, verifica-se que a dignidade da pessoa humana não setrata na verdade de um “direito”, mas sim de uma qualidade inerenteao homem. Contudo, apesar de ter trilhado uma longa jornada atéchegar ao título de princípio, tem-se na doutrina e na jurisprudênciacerta problemática envolvendo a dignidade: percebe-se ser mais fácildizer o que não é do que dizer com clareza o que é a dignidade dapessoa humana. Portanto, na tentativa de elucidar tal situação, éque Sarlet (2012, p. 58) afirma que “a dignidade da pessoa humanaé simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, [...], dacomunidade em geral, de todos e de cada um”. Não existe ainda um conceito exato sobre a dignidade da pessoahumana. O que existem são construções que deliberam sobre o seusignificado e repercussão no cotidiano das pessoas por ser um princípioem constante movimento que, se conceituado de forma simplória, limitariao seu leque de abrangência jurídica, moral e social. Assim, Sarlet (2012,p.73, grifo do autor) oferece um conceito multidimensional, porém aindaem aberto, em função da razão acima citada:76 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADO Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. Nas palavras de Salo de Carvalho (2001, p. 157), o princípioda dignidade da pessoa humana é um “valor fundamental expressonas cartas políticas, sendo diluído nas normas concretas, porque, aoconhecer a dignidade do homem, o Estado desconheceria a existênciae universalidade dos demais direitos humanos”. Acerca do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana,Vicente de Paulo Barreto (2013, p. 74) reflete que pode haver umadupla divisão deste princípio. A primeira faz menção a não tratar apessoa humana como simples meio, ou seja, nas palavras já citadaspor Kant, o homem é um fim de si mesmo, não devendo constituir ummeio para a vontade de outro que não a si próprio. A segunda divisão refere que o princípio determina que o serhumano não deve ser tratado como “espírito puro”, ou seja, o homemé revestido pela carne, e possui um corpo com necessidades básicasque para a sua sobrevivência devem ser supridas. Desta forma, oprincípio em questão protege o ser humano na sua integridade físicae também moral. O princípio em análise encontrou guarida no ordenamento jurídicobrasileiro pela primeira vez com a promulgação da Constituição Federalde 1988. Tal constituição foi amplamente baseada na ConstituiçãoAlemã de 1959, já que “foi, claramente, a experiência nazista quegerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, adignidade da pessoa humana” (NUNES, 2010, p. 62).(RE) PENSANDO DIREITO 77
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marques Pelo mundo afora, a dignidade da pessoa humana foi tomandolugar nas constituições. A Constituição Federal brasileira, caracterizadapor ser uma Constituição Cidadã – visto que assegurava inúmerosdireitos que estavam oprimidos por mais de vinte anos (PINTOFILHO, 2010, p. 88) – além de baseada na Constituição Alemã dopós-guerra, foi amplamente inspirada pelas disposições contidas notexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aduz emseu preâmbulo que “o reconhecimento da dignidade inerente a todosos membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveisé o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (NUNES,2010, p.95). Portanto, quando abarcado pela Constituição Federal brasileira, oprincípio tinha por escopo garantir a todos os brasileiros a liberdade ea consciência de existência individual e coletiva pós-ditadura. Talvezpor isso a disposição legal acerca do princípio da dignidade humanaencontra-se prevista já no art. 1º do Título I da Constituição Federalde 1988, que trata dos princípios fundamentais, ou seja, dos valoressupremos, fundantes da República brasileira. Na condição de fundamento da República, a dignidade da pessoahumana é um alicerce da ordem jurídica do país, que juntamentecom os outros princípios fundantes, “postos no ponto mais alto daescala normativa, [...], se tornam, doravante, as normas supremasdo ordenamento” (BONAVIDES, 2010, p. 289). Assim, os princípiosconstitucionalmente elencados são a base normativa de todas asdemais normas, sendo a fundamentação e o guia destas. Na perspectiva de que o princípio da dignidade humana é omedular da Constituição Cidadã de 1988 e fonte de criação de todosos outros princípios e normas, é que Barreto (2013, p. 67) propõe queele deve ser utilizado subsidiariamente. Relata que só se deve fazeruso do princípio caso nenhum dos outros – princípios ou normas –possa ser aplicado na resolução do caso concreto. Alega que caso oprincípio seja usado em demasia para resolução de toda e qualquerlide processual, o princípio acabará banalizado, perdendo, assim, todaa efetividade e credibilidade conquistada até então.78 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADO Assim, na ordem sóciojurídica, toda a situação concreta quedemande lide processual, deverá ser resolvida sob a luz do princípioda dignidade da pessoa humana, porém, isso se dará por meio dainterpretação anterior dos princípios que lhe são segmentários, esomente depois, caso infrutífera a resolução, é que se dará à lideresposta integralmente amparada pelo princípio da dignidade humana.Desta forma, o princípio será efetivo, mas não desmoralizado. Para Ingo W. Sarlet (2012, p. 132), analisando o princípio dadignidade humana como tarefa do Estado e demais órgãos estatais,impõe-se a estes o dever de proteger e respeitar, além de suscitaras condições a fim de remover qualquer óbice que venha a impedira dignidade na vida das pessoas. Ressalta ainda que não é somentenas relações entre particular e Estado que se deve respeitar eproteger o princípio, mas também e principalmente nas relações entreparticulares. Nestas referidas relações, deve-se fazer a seguinte análise: osseres humanos são todos iguais em dignidade, visto essa ser umaqualidade inerente e que garante a posição de todo ser humanono mesmo gênero, qual seja, o humano. Porém, até que ponto adignidade da pessoa humana é absoluta e em que termos pode haveruma relativização? Já visto que a dignidade se trata de característica inerente atodo ser humano e, nas palavras de Sarlet (2012, p. 54), “todos –mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade, no sentidode serem reconhecidos como pessoas”, é que ele deve ser efetivo eabrangente a toda a população. Porém, é notório que o princípio dadignidade humana, por mais que seja o corolário de todos os princípiosconstitucionais e infraconstitucionais, sofre violações arrebatadoras. Etal adversidade se torna perceptível quando se analisa, por exemplo,o sistema penal pátrio. No cumprimento do jus puniendi, o sistema penal brasileiro éabsolutamente falho, revelando-se uma total e completa relativizaçãoda dignidade da pessoa humana (ÁLVARES, 2008, p. 31). Em suasexplicações, Sarlet (2012, p. 151) aduz que a prisão de alguém(RE) PENSANDO DIREITO 79
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquescondenado por homicídio qualificado em um estabelecimento cominconveniente de superlotação, por exemplo, constitui uma violaçãoefetiva de sua dignidade, visto que está se respondendo a uma ofensaao bem jurídico mais importante, a vida. Expõe ainda que há, neste caso, a utilização do princípio dadignidade da pessoa humana como “tarefa, no sentido específico deque ao Estado [...] incumbe o dever de proteger (inclusive mediantecondutas positivas) os direitos fundamentais e a dignidade dosparticulares”. Por fim, esclarece Sarlet (2012, p. 151) que a dignidade, ainda que não se a trate como espelho no qual todos veem o que desejam, inevitavelmente já está sujeita a uma relativização [...] no sentido de que alguém (não importa aqui se juiz, legislador, administrador ou particular) sempre irá decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou não, uma violação no caso concreto. Nesse sentido, convém salientar que o Processo Penal brasileiroé pautado e exercido em consonância com as normas constitucionaispositivadas. Conforme José J. G. Canotilho (1941, p. 377), se nãohouvesse a positivação das normas, os direitos dos homens seriamapenas “esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes,mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma denormas de direito constitucional”. Essas normas constitucionais conferem ao acusado, polopassivo em um processo penal, direitos e garantias. Logo, sem a suaobservância, pode haver inclusive a anulação do processo. Essasgarantias constitucionais deram origem à máxima nulla poena sinejudicio, confirmando ao acusado, que caso ele tenha que cumprir umapena, esta será justa e conforme os ditames legais. Para Canotilho(1941, p. 405), estas garantias correspondem a “garantias ou meiosprocessuais adequados para a defesa dos direitos”. Sendo assim, tem-se no Brasil uma Constituição que assegura aseus cidadãos garantias processuais em caso de processamento naesfera criminal. Isto porque a Constituição brasileira é democrática, eassim o processo penal, que dela deriva, será por óbvio democrático80 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOe “visto como um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistemade garantias constitucionais do indivíduo” (LOPES JR., 2012, p. 70). As garantias processuais se fazem presentes no processo penalpara afirmar que sua legitimação “enquanto instrumento a serviço doprojeto constitucional” se dê de forma efetiva, tendo “por conteúdo amáxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição,pautando-se pelo valor dignidade da pessoa humana submetida àviolência do ritual judiciário” (LOPES JR., 2012, p. 90). Como já referido anteriormente, não há possibilidade de se ter noBrasil uma condenação sem que haja processo. Assim, os princípios docontraditório e da ampla defesa – previstos no inciso LV, do art. 5º daConstituição Federal – se encaixam neste cenário como condição de queo acusado que responde a um processo legal faça valer suas garantiasconstitucionais em nome da sua dignidade como ser humano. Assim, oprocesso penal representa antes de qualquer outro tema, um instrumentode defesa do indivíduo contra o arbítrio punitivo estatal. Quanto ao princípio da presunção de inocência – contido no incisoLVII da Constituição Federal e, também, nos artigos XI, nº 1 e 8, daDeclaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto de São José daCosta Rica, respectivamente –, Silvio Carlos Álvares (2008, p. 46) ensinaque este princípio tem consequências sobre a busca da verdade real18relacionada à culpabilidade do réu, bem como em relação a todos osdemais atos do processo, que devem respeitar a honra, a integridade, amoral, o contraditório e a ampla defesa do acusado. A dignidade da pessoa humana tem uma ligação vultosa com avedação à prática da tortura (com previsão nos incisos XLVII, “e”; XLIX18 Em relação à verdade real, diz Avena (2011, p. 21, grifo do autor) que devem se adotar todas as providências para que se descubra como os fatos realmente ocorreram e, desta forma, o jus puniendi seja desempenhado efetivamente quanto àquele que praticou ou concorreu para a infração penal. Afirma ainda que o juiz deve motivar o processo, objetivando “aproximar-se ao máximo da verdade plena, apurando os fatos até onde for possível elucidá-los, para que, ao final, possa proferir sentença que se sustente em elementos concretos, e não em ficções ou presunções”. Oliveira (2012, p. 323, grifo do autor), aduz que a busca pela verdade real legitimou, em tempos não tão remotos, “desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz [...]. A expressão, [...], autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou acusação)”. Alega, ainda, que esta situação se verificava antes da Constituição Federal de 1988, já que, depois da entrada em vigor deste texto constitucional com suas garantias, já não podia mais se justificar tais atitudes. Por fim, ressalva Oliveira (2012, p. 324), que é absolutamente inadequado discorrer sobre o alcance da verdade real, por dois motivos, o primeiro frisa que essa busca versa sobre um fato que já ocorreu, ou seja, trata-se de um fato histórico e, ainda, por demonstrar que se assemelha muito – e tal semelhança não é recomendável – com o processo penal medieval, “quando a excessiva preocupação com a sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas de obtenção da confissão do acusado e de intimação da defesa”.(RE) PENSANDO DIREITO 81
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquesdo art. 5º da Constituição Federal, também, no art. 5º, nº 2 do Pactode São José da Costa Rica e, no art. 5º da Convenção Interamericanapara prevenir e punir a tortura). Para Sarlet (2012, p. 156), o exemplo da vedação da tortura [...] bem ilustra a já referida função da dignidade da pessoa humana como cláusula (ética e jurídica) de barreira, que fundamenta uma espécie de ‘sinal de pare, inclusive no sentido de operar como ‘tabu’ [...], a estabelecer um ‘território proibido’, onde o Estado não pode intervir e onde, além disso, lhe incumbe assegurar a proteção da pessoa (e sua dignidade) contra terceiros. Por fim, o direito constitucional de permanecer em silêncio(previsto no art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal) correspondeao princípio de que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra simesmo, já que isso ajudaria o Estado a relativizar de forma explícitaa dignidade humana e, de acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira(2012, p. 41, grifo do autor), o direito ao silêncio, ou a garantia contra a autoincriminação, não só permite que o acusado ou aprisionado permaneça em silêncio durante toda a investigação e mesmo em juízo, como impede que ele seja compelido – compulsoriamente, portanto – a produzir ou a contribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse. Diante das considerações acerca das garantias processuais, tem--se que um processo penal que respeite as garantias individuais sóreforça a aplicação íntegra do princípio da dignidade humana, antes,durante e após a persecução penal (ÁLVARES, 2008, p. 47). Contudo,percebe-se que a sociedade brasileira jamais observou, tanto nopassado quanto no presente, todas as regras do jogo democráticoque se estabeleceu no país a partir da promulgação da ConstituiçãoFederal em 1988. Esta se traduziu em um pacto ofertado a um novotipo de sociedade que nascia após o período ditatorial, fundada noarquétipo de um Estado Democrático de Direito (COPETTI, 2000, p.82). Nos moldes de um Estado Democrático de Direito, a ConstituiçãoFederal deve ser considerada como a instituição do Estado e dacomunidade. Diante dessa afirmativa, é tida como necessária a82 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOproteção constitucional contra as ações arbitrárias e ilegítimas doEstado em frente ao indivíduo. André Copetti (2000, p. 83) esclareceque no projeto de democracia social vigente “deve ser observada umaexpansão dos direitos dos cidadãos e, correlativamente, dos deveresdo Estado, o que em outros termos importa uma maximização dasliberdades e expectativas e uma minimização dos poderes”. Para Copetti (2000, p. 83), surge uma proposta de Estado liberalmínimo e de um Estado social máximo acarretando “[...] um Estado eum Direito mínimo na esfera penal e, por outro lado, um Estado e umDireito máximo na esfera social”. Acredita o autor ser essa uma chancede recuperar grande parte das aspirações de um Estado Democráticode Direito. Mas o que vem a ser um direito penal mínimo? Para dirimir a dúvida suscitada, traz-se a seguinte afirmação:direito penal mínimo é um tipo de ordenamento jurídico, no qual o poderpenal do Estado esteja minuciosamente vinculado e limitado à lei esubjugado a um plano processual (FERRAJOLI, 2002, p. 83). O direitopenal mínimo configura, então, um protótipo de racionalidade e decerteza. Para Luigi Ferrajoli (2002, p. 83), esta disposição refere que,quando indeterminados ou incertos os requisitos da responsabilidadepenal, esta deverá ser excluída. Ferrajoli (2002, p.84) salienta que uma norma que se refere aeste modelo de direito penal é o critério do favor rei, pois ele exigeque sejam feitas valorações acerca da exclusão ou da atenuação daresponsabilização, quando existir dúvida quanto aos requisitos dapena. Propõe o direito penal mínimo que “nenhum inocente seja punidoà custa da incerteza de que também algum culpado possa ficarimpune”. Esta certeza se traduz em razão do princípio in dubio proreo, ou seja, há a certeza de não culpabilidade do acusado, até que seprove o contrário. Exige-se a prova da culpabilidade, “não se tolerandoa condenação, mas exigindo-se a absolvição em caso de incerteza”(FERRAJOLI, 2002, p. 85). Corroborando com a análise realizada, Copetti (2000, p. 87)afirma que,(RE) PENSANDO DIREITO 83
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marques sendo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particularmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e vir dos cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva político- -jurídica deve-se dar preferência a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis [...]. Em relação ao contexto esboçado acima, Maiquel Ângelo DezordiWermuth (2011, p. 143, grifo do autor) assegura que, em razão deuma avalanche legislativa em matéria penal, que visa remediar a faltade atuação do Estado, o direito penal que deveria ser usado de formasubsidiária, acaba por se tornar a prima ratio de um sistema falho esem qualquer controle. O direito penal, em suma, torna-se repressivo – o que se revela a partir do aumento da população carcerária, bem como da elevação qualitativa e quantitativa dos níveis da pena privativa de liberdade – e simbólico – o que se revela a partir da proliferação das já referidas ‘leis manifesto’, manipuladas pela classe política como resposta às acusações feitas pela mídia de ‘afrouxamento’ do sistema punitivo na sua tarefa de ‘combate ao crime’. Esta simbologia do direito penal se dá em razão de que olegislador busca simbolicamente atender às reinvindicações cidadãsde segurança pública e eficiência estatal no combate à criminalidadecom leis que tem por escopo punir mais e mais severamente, sem,contudo, observar as garantias e princípios penais e processuais. Nas palavras de Laura Frade (2008, p. 58), como ferramenta, a lei não é boa, nem ruim. Depende do uso que lhe é atribuído. Mas um fato é indiscutível: é ela quem estabelece o limite, que traça o marco entre o legal e o ilegal, o que pode e o que não pode. Ultrapassada a margem, ocorre o desvio, torna o indivíduo criminoso. Buscando sanar o frenesi popular quanto à segurança jurídica, oslegisladores brasileiros fornecem sumariamente mais e mais normas,com o único intento de ludibriar o povo no sentido de que trabalha84 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOpara garantir-lhes mais segurança. Ocorre que, ao criar essas normassimbólicas, o legislador brasileiro não aprecia os fundamentos de umEstado Democrático de Direito (WERMUTH, 2011, p. 144). Esta situação impõe àqueles que aumentam a massa carcerária,já existente no país, condições de sobrevivência sub-humanas,condições higiênicas insalubres, casos de abuso por parte daquelesque deveriam salvaguardar a integridade física e mental dos detentos,bem como abusos dos detentos entre si (ÁLVARES, 2008, p. 32).Portanto, de nada adianta o legislador buscar frear a criminalidadecriando normas penais mais severas para tentar contentar um lado damassa social, enquanto impõe ao outro, no caso a massa carcerária, ocumprimento de penas em um formato e locais desumanos. Assim, no intuito de diminuir o número de vítimas das atrocidades sociaise penais, que surgiu no ordenamento pátrio um instituto que busca amainaras consequências do processo penal impostas aos apenados. Trata-se darevisão criminal, instituto com o qual se ocupa o tópico a seguir.A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DEPOSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUSDIGNITATIS DO CONDENADO Como esclarece Hidejalma Muccio (2009, p.991), “nem sempre,[...], o selo do trânsito em julgado confere à decisão a certeza de suacorreção, a qualidade de verdadeira”. Assim como existem recursos,em função de o homem não aceitar decisões injustas, a revisãocriminal assume a função de possibilidade de retificação de sentençacondenatória após o trânsito em julgado, pois nada poderia justificar ocumprimento de pena por alguém que não deve cumpri-la. Além de retificar a sentença condenatória, a revisão criminal temo intuito de conceder ao cidadão o resgate do seu status dignitatis,seja modificando a sentença condenatória para absolutória ou, pelomenos, desclassificando a conduta, ou até mesmo atribuindo aoEstado o dever de indenizar o cidadão como forma de amenizaros danos sofridos em razão do processo criminal e consequentecondenação em virtude de erro.(RE) PENSANDO DIREITO 85
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marques Como afirma Paulo Rangel (2012, p. 1060), em todo o meio socialocorrem erros e, com o Poder Judiciário, não seria diferente, já queestes equívocos configuram uma realidade em nossa sociedade e,em sendo este erro identificado e o judiciário devidamente provocado,aquele deve ser remediado. Aury Lopes Jr. (2012, p. 1308), ao tratarsobre o assunto, faz a seguinte afirmação: a revisão criminal situa-se numa linha de tensão entre a “segurança jurídica” instituída pela imutabilidade da coisa julgada e a necessidade de desconstituí-la em nome do valor justiça. Se de um lado estão os fundamentos jurídicos, políticos e sociais da coisa julgada, de outro está a necessidade de relativização deste mito em nome das exigências da liberdade individual. A revisão criminal está contemplada pelo ordenamento jurídicopátrio nos artigos 621 a 631, do Código de Processo Penal.Erroneamente, está alocada na lei como tendo natureza recursal.Contudo, sua natureza jurídica varia no entender de cada doutrinador.Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e AntônioScarance Fernandes (2009, p.239), por exemplo, aduzem ser a revisãocriminal uma “ação autônoma, impugnativa da sentença passada emjulgado, de competência originária dos tribunais”. O entendimento acima narrado é compartilhado por Rangel (2012,p. 1061) e por Lopes Jr. (2012, p. 1307), sendo a majoritária entreos doutrinadores e a jurisprudência. Contudo, não é entendimentoisento de controvérsias, já que, para Hidejalma Muccio (2009, p. 996)e Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 460), trata-se de uma açãopenal de natureza constitutiva, enquanto que, para Norberto CláudioPâncaro Avena (2011, p. 1249), a revisão criminal configura uma açãopenal de conhecimento de caráter desconstitutivo. A doutrina pátria é pacífica ao afirmar que o pressuposto para que seadmita uma revisão criminal é possuir uma sentença penal condenatóriatransitada em julgado. Nas palavras de Muccio (2009, p. 997), transitada em julgado a sentença condenatória, a providência fica admitida, em tese. Nesse caso, pouco importa saber a natureza da pena aplicada (pecuniária ou privativa de liberdade) e sua quantidade, bem como se foi ou não iniciada ou já cumprida, e também se é vivo ou morto o sentenciado.86 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADO Nesse sentido, e em concordância19 com o disposto no caput doartigo 622, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a revisãopoderá ser requerida a qualquer tempo, antes da extinção da pena ouapós”, argumenta-se acerca do prazo para se ingressar com a revisãocriminal. Francis Rafael Beck (2009, p. 334), afirma que o pleito da revisãocriminal não obedece a nenhum decurso de prazo prescricional oudecadencial, sendo cabida após o cumprimento da pena, e inclusive,após a morte do condenado. Avena (2011, p. 1256), explica queessa maleabilidade temporal do prazo para intentar uma revisãocriminal fundamenta-se na “circunstância de que o seu objetivoé, primordialmente, evitar a consolidação de uma injustiça com asubsistência de decisão condenatória injusta”. Quanto às possibilidades de cabimento, elas estão legalmenteprevistas nos incisos I, II e III, do art. 621, do Código de ProcessoPenal. A primeira hipótese, prevista no inciso I do referido artigo, prevêa possibilidade de revisão criminal quando a sentença condenatóriafor contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. Asegunda hipótese, referida no artigo citado, se dá quando a sentençacondenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentoscomprovadamente falsos. Por fim, a terceira hipótese de cabimento derevisão criminal, se confirma quando, após a sentença, se descobriremnovas provas de inocência do condenado ou de circunstância quedetermine ou autorize diminuição especial da pena. Avena (2011, p. 1251), ao abordar as hipóteses de cabimentode revisão criminal, aduz que elas são taxativas, ou seja, não há19 Apesar de indicar como requisito para a revisão criminal a existência de uma sentença condenatória transitada em julgado, muitos doutrinadores aduzem ser possível a utilização da revisão criminal em caso de sentenças absolutórias impróprias. Tais sentenças impõem ao condenado não o cumprimento de pena no sentido literal da palavra, o indivíduo é internado em um hospital penitenciário, até que se recupere. Beck (2009, p. 342), afirma que a sentença é suscetível de execução forçada, representando, portanto, uma carga condenatória. Lopes Jr. (2012, p. 1309) aduz que, geralmente, a situação vivenciada por quem cumpre medida de segurança é até mais grave do que aquele que cumpre pena privativa de liberdade. Assim, é pacífico o entendimento de que a revisão criminal tanto pode ser originária de uma sentença condenatória, quanto de uma sentença absolutória imprópria, buscando sempre, a devolução do “status dignitatis” do condenado. Também se discute a possibilidade de revisão criminal em se tratando de sentença homologatória de transação penal. Ansanelli Junior (2007) aduz que a sentença homologatória de transação penal faz coisa julgada material, conferindo a ela condição de sentença condenatória, já que homologa um acordo entre as partes e outorga a uma delas a satisfação de uma obrigação. Para o autor, caso seja vedada a possibilidade de intentar uma revisão criminal nesses casos, “estar-se-ia violando o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal) que fundamenta a própria revisão”, sendo assim, perfeitamente cabível a revisão criminal de sentença homologatória de transação penal.(RE) PENSANDO DIREITO 87
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquespossibilidade de revisão criminal fora do rol do art. 621 do CPP.Rangel (2012, p. 1067) também afirma que as hipóteses previstassão numerus clausus, e constituem o mérito da ação revisional, pois,em caso de ausência de qualquer uma das hipóteses elencadas emlei, como fundamento da revisão criminal proposta, esta será julgadaimprocedente, com julgamento do mérito. Quanto aos legitimados, apesar de ter a lei especificado umrol (artigo 623, Código de Processo Penal – “a revisão poderá serpedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou,no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ouirmão”), há na doutrina e na jurisprudência discussão a respeito dapossibilidade de o órgão do Ministério Público ser ou não legitimadopara intentar revisão. Manifestamente contra é o posicionamento de Lopes Jr. (2012,p. 1315), pois entende ser uma distorção total do processo penal.Diz o autor que não é possível conceber a ideia de que o MinistérioPúblico, órgão sinteticamente criado para se contrapor à parte passivano processo penal, ser legitimado para propor a revisão criminal “afavor do réu, para desconstituir uma sentença penal condenatória quesomente se produziu porque houve uma acusação (levada a cabopelo mesmo Ministério Público, uno e indivisível)”. Nucci (2012, p. 461) segue a mesma linha de raciocíniosupracitada ao afirmar não ser razoável ter legitimidade o MinistérioPúblico para ingressar com ação de revisão criminal, visto que nãoestá prevista em lei. Fernando Capez e Rodrigo Colnago (2013, p.311) também alegam ter o órgão em tela a legitimidade para propora ação penal pública, objetivando a satisfação do jus puniendi, o quenão justificaria ter este mesmo órgão a possibilidade ou o interesse depromover ação em favor do réu. Em oposição, surge o entendimento de Muccio (2009, p. 1001)que diz que, apesar de a legitimidade do Ministério Público nãoestar prevista em lei, faz parte de sua incumbência controlar a justaaplicação da lei corrigindo injustiças. Sob uma óptica mais recente doProcesso Penal, apesar de silente a lei, o Ministério Público deve ser88 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOlegitimado para promover a ação de revisão criminal, cumprindo comseu status de fiscal da lei (BECK, 2009, p.332). Nestor Távora e Rosmar Antoninni (2009, p. 894) aduzem que, pormais que o Código de Processo Penal não faça menção à legitimidadedo órgão do Ministério Público para propor a ação, a ConstituiçãoFederal, no artigo 127, autoriza o órgão a propor a ação. Este tambémperfaz o entendimento de Oliveira (2012, p. 930) que aduz não haverrazão para que não seja admitida a legitimidade do Ministério Público,já que se justifica pelo cumprimento de norma constitucional, alémdo fato de que tem o órgão legitimidade para “impedir a privação daliberdade de quem esteja injustamente dela privado, seja por meio dehabeas corpus, seja pela via da revisão criminal”. Rangel (2012, p. 1064, grifo do autor) coaduna com a afirmaçãoacima e sustenta que há que se interpretar a lei ordinária de acordo com a Constituição e não a Constituição de acordo com a lei ordinária, o que significa dizer: a lei (art. 623, CPP), realmente não legitima o Ministério Público a propor a revisão criminal, porém, a Constituição, em seu art. 127, caput, incumbe o Ministério Público de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, e, óbvio que, se incumbe, deve dar a ele todos os meios legais para, via jurisdicional, cumprir sua incumbência. Pinto (2006, grifo do autor) afirma que o Ministério Público há temposdeixou de ser o órgão que atuava como acusador profissional e buscavaa todo custo a condenação. Hoje, o Ministério Público faz as vezes dointeresse estatal, que busca uma sentença justa, independentemente deser absolutória ou condenatória. Alega ainda que, quando da entrada emvigência do Código de Processo Penal em 1941, o papel do MinistérioPúblico era muito diferente daquele que é representado hoje e, por essarazão, não consta no rol exemplificativo do art. 623. Para findar o estudo relativo às características gerais da ação derevisão criminal, apresenta-se a análise doutrinária acerca dos efeitosda procedência do instituto. O art. 626 do Código de Processo Penaltraz a seguinte informação: “Julgando procedente a revisão, o tribunal(RE) PENSANDO DIREITO 89
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquespoderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificara pena ou anular o processo”, e, no parágrafo único, traz a seguinteafirmação: “de qualquer maneira, não poderá ser agravada a penaimposta pela decisão revista” (grifo nosso). Em relação à dualidade de julgamentos, trazem-se as figurasda revisão criminal pro societate, que busca a revisão de sentençasabsolutórias transitadas em julgado, e a revisão criminal pro reo,prevista na legislação brasileira, que admite a revisão de sentençascondenatórias ou absolutórias impróprias, conforme já amplamenteexplanado. Em países como a Alemanha, Suíça, Suécia e Áustria, porexemplo, a revisão criminal pro societate é aceita em determinadoscasos previstos em lei. Na República da Colômbia, a revisãocriminal pro societate é aceita quando, depois da sentença, houvercomprovação, com sentença transitada em julgado, de cometimentode crime praticado pelo julgador ou por terceiro, que tenha influenciadono resultado do primeiro julgamento. A segunda hipótese se dá quandoo julgamento tenha se pautado, total ou parcialmente, em prova falsa(ARRUDA, 2009, p. 254). Outro país que aceita a ocorrência da revisão pro societate éCuba. O Código de Procedimiento Penal cubano (Lei 05/1977) prevêa revisão quando a sentença absolutória tenha se pautado em provasfalsas, desde que também reconhecido por sentença transitada emjulgado, ou quando fatos ou circunstâncias que foram ignoradosquando do julgamento por si só ou unidos aos fatos já constantes noprocesso demonstram a responsabilidade de quem fora absolvido ouquando há participação em delito mais grave (ARRUDA, 2009, p. 256). Por fim, traz-se a legislação sueca, que, em seu Código deProcedimentos Judiciais (1948), classifica a revisão criminal como umrecurso extraordinário e possibilita a revisão quando o juiz, jurado,integrante do Ministério Público, autoridade policial, perito, testemunhaou advogado, tenha cometido alguma ação ou negligência de carátercriminoso com impacto na decisão; quando o juiz ou promotor tenhamsido desqualificados, tendo sua atuação efeitos sobre o julgamento;90 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOo julgamento se orientar em evidências ou provas falsas; e, ainda,quando houver evidências ou circunstâncias não consideradas nojulgamento original que ostentaram aptidão a conduzir à condenação(ARRUDA, 2009, p. 261). No Brasil, como já referido, este desdobramento do instituto não éaceito, já que não é previsto em lei, por ser, nas palavras de Lopes Jr.(2012, p. 1309), “uma autêntica reformatio in pejus”. Marjorie Kelli M.Maia (2005, p. 62) afirma que a Constituição brasileira é pautada pelosprincípios da razoabilidade e da igualdade, então, por mais que não setenha a previsão de revisão criminal pro societate, não deve ser estapossibilidade dispensada do ordenamento e da prática jurídica, poisnão seria razoável nem mesmo igualitário, garantir o direito de revisãoapenas ao condenado. A questão maior suscitada nesta espécie de revisão criminal dizrespeito ao tempo decorrido entre o trânsito em julgado da sentençaabsolutória e o aparecimento da prova da culpabilidade do autor dodelito. Como exposto, não há prazo para o ingresso com a revisãocriminal pro reo, portanto, partindo da igualdade e da razoabilidade,não haveria prazo também para o ingresso da revisão pro societate. Por esta razão que Muccio (2009, p. 994) propõe que deveria serpermitido o ingresso da revisão pro societate legalmente, utilizando-separa tanto um limite de tempo. Este limite se daria nos termos do art.109, do Código Penal, utilizando-se do prazo prescricional em abstratodo delito, ou, em parecendo ser este um prazo muito extenso, poderiase usar o prazo da pena mínima cominada ao delito. Uma vez analisadas as questões dogmáticas acerca do instituto, équanto à possibilidade de resgatar a dignidade do condenado por meioda revisão criminal que o foco deste estudo se volta neste momento. O instituto da revisão criminal se utiliza de duas possibilidadespara que se proceda com o resgate do status dignitatis do condenado.A primeira possibilidade consiste em se requerer a revisão dasentença criminal transitada em julgado. A segunda possibilidade é ade reconhecer o direito à indenização pelos prejuízos sofridos, comoserá demonstrado a seguir.(RE) PENSANDO DIREITO 91
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marques Em sendo julgado procedente o pedido de revisão e tendo orevisando requerido expressamente, poderá o Tribunal reconhecer odireito à justa indenização pelos danos sofridos. Tal disposição estácontida no artigo 630 do Código de Processo Penal. Além disso, háprevisão constitucional expressa sobre o tema, como se lê no artigo5º, inciso LXXV: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Porém, assim como na relação de hipótese de cabimento derevisão criminal, deve estar provado quando do ingresso com a açãorevisional o erro judiciário, sob pena de se ter provida a revisão dasentença, mas não a fixação de indenização. Muccio (2009, p. 1021)explica que, para que se possa ter direito à indenização, é necessárioque a condenação se origine de dolo ou culpa pelos representantesdo Estado no processo (peritos, juízes, membros do Judiciário,representantes do Ministério Público, delegados de polícia, entreoutros). Avena (2011, p. 1258) menciona haver na lei duas situaçõescapazes de impedir a busca de indenização por erro judiciário, ambascontidas no §2º, alíneas “a” e “b” do art. 630 do Código de ProcessoPenal. A primeira alínea refere que não será possível o pedido deindenização se “o erro ou a injustiça da condenação proceder deato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão oua ocultação de prova em seu poder”, ou seja, em ocorrendo estasituação, o próprio revisando deu causa ao erro judiciário, portanto,não terá direito à indenização, por mais que a revisão criminal possater sido julgada procedente. Muccio (2009, p. 1021), em estudo ao presente caso, afirma que adisposição da alínea “a” do §2º, sob a óptica da Constituição Federal,92 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOnão é mais observada, visto que, por mais que o acusado confesse aprática delituosa ou venha a ocultar prova a seu favor, o Estado falhoucom a sua obrigação de comprovar a culpa do acusado no processoe, assim, deve indenizar o revisando, mesmo que tenha ele concorridoou colaborado para a ocorrência do erro judiciário. Percebe-se que, de acordo com o modelo de processo penalvigente no Brasil, o entendimento acima delineado deveria ser oentendimento majoritário, seguido de decisões jurisprudenciaisneste sentido. Como já anteriormente referido, o processo penalestá formatado com base no princípio da dignidade da pessoahumana, sendo necessária a observação do princípio em todos osentendimentos e decisões, deixando de lado os juízos pessoais quesão irrelevantes quando há a incidência de garantias processuais. A alínea “b” do §2º do citado artigo indica que não será casode indenização se a acusação houver sido meramente primária. Deuma forma geral, a doutrina rechaça este entendimento, visto que,ao dispor sobre o erro judiciário, o constituinte não fez qualquerreferência quanto à natureza jurídica da ação penal que antecedeua sentença penal condenatória. Assim é o entendimento de Lopes Jr.(2012, p. 1321) ao discorrer que, se privada a ação penal, não háqualquer incongruência ou isenção quanto à responsabilidade objetivado Estado, pois a ação que gerou prejuízo foi a sentença condenatóriaproferida pelo magistrado e não a acusação. Apresentadas as características e vantagens de se obter ojulgamento positivo de uma revisão criminal, observando seusrequisitos e características particulares, resta agora o estudo acercada possibilidade de o instituto efetivamente contribuir para o resgatedo status dignitatis do condenado. Pimentel (2008, p. 3), em estudo do princípio da dignidade dapessoa humana e sua aplicação no Processo Penal, afirma que,quando da transformação social do Estado, configurando o EstadoDemocrático de Direito, a dignidade humana sofreu uma transformaçãoque deu lugar a um conceito mais amplo e prático, compreende-se apartir de então a “segurança da vida individual e social, a proteção(RE) PENSANDO DIREITO 93
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquesjurídica a salvaguarda da identidade e da natureza humana, a limitaçãodo poder do Estado e o respeito da integridade corporal do indivíduo”.Assim, em um histórico do processo penal, se no passado os princípios tradicionais (da ampla defesa e do contraditório, acusatório, da publicidade, da presunção da inocência, da verdade, etc.) moldaram-lhe o rito, agora é o princípio da dignidade da pessoa humana que nos dirige à modernização do processo. É ele quem determina que incorporemos ao processo penal soluções inovadoras para otimizá-lo como instrumento da apuração e punição dos fatos delituosos e como anteparo do imputado (PIMENTEL, 2008, p. 10). Então, abarcando tanto o social quanto o individual, o princípioda dignidade humana se divide em duas vertentes. De um lado, dávalidade à repressão estatal, do outro, também impõe limite à atividaderepressora do Estado quando da ocorrência de algum fato típico, emdecorrência da observância da dignidade ínsita a cada um dos sereshumanos. Desta forma, tem-se um processo penal com garantias aosacusados, mas também com a possibilidade estatal de punir osindivíduos que transgredirem as normas. Portanto, “mesmo quetoda carga acusatória atinja o acusado, este continua sendo pessoahumana, sujeito processual e não objeto do processo; é sujeito dedireitos e garantias processuais” (GIACOMOLLI, 2007). Contudo, mesmo que com todo o aparato constitucionalmentelegalizado de defesa dos interesses individuais do réu durante otrâmite de um processo penal, este vier a ser condenado ilegalmente,o Estado, também constitucionalmente, oferece uma saída, qual seja,a revisão criminal. E é com base neste instituto que o condenado,vendo-se renegado pela sociedade e muitas vezes pela própriafamília, pode alcançar a restituição da sua dignidade. Conhecida de todo o meio jurídico é a famosa e sofrida históriados irmãos Joaquim e Sebastião Naves, vendedores de arroz, que teveinício em meados de 1937. Em novembro daquele ano, Benedito, filhode um rico fazendeiro mineiro, simplesmente desapareceu, sumindojuntamente com ele uma grande quantia em dinheiro. Apavorados, os94 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOirmãos Naves procuram o sócio por toda a parte sem sucesso, quandodecidem contatar com a polícia. Passado algum tempo, em 29 de dezembro do mesmo ano, o1o Tenente Francisco Vieira, que acabara de assumir a Delegacia deAraguari, conclui que os irmãos eram responsáveis pelo sumiço deBendito e manda prendê-los. A partir de então, os irmãos passam asofrer maus tratos, a viver em condições sub-humanas e insalubresna cadeia pública de Araguari. Diante de todo o horror sofrido, acabaminventando uma confissão para o crime não cometido. Apesar de nãoexistir cadáver nem corpo de delito, os irmãos são pronunciados.Cabe ressalvar que naquela época o promotor de justiça do casoera um farmacêutico, substituindo o promotor efetivo, cujo cargo seencontrava vago, enquanto que o juiz de direito responsável era juizde paz, substituindo eventualmente o juiz criminal (ALAMY FILHO,1993, p. 83). Depois de passar por dois julgamentos populares, os irmãos sãocondenados a 25 anos e 6 meses de prisão celular e multa de 16 ¼ porcento sobre o valor do objeto roubado. Em julho de 1940, o advogadodos irmãos ingressa com a primeira revisão criminal. Juntando comoprova novos depoimentos dos irmãos e de testemunhas obtidos pormeio de ação de justificação, ele buscou demonstrar que toda aconfissão acostada aos autos do processo de conhecimento foi obtidasob coação e tortura. As Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal deApelação do Estado de Minas Gerais reduziram as penas dos irmãoscominadas anteriormente em grau submáximo para grau submédio,ou seja, passaram a ter uma pena de 16 anos e 6 meses de prisãocelular (ALAMY FILHO, 1993, p. 320). Anos depois, em 1948, Joaquim Naves morre doente e vivendocomo indigente. Qual a surpresa de Sebastião, quando usufruindo delivramento condicional em julho de 1952, encontra Benedito Caetanovivo! Com a maior prova do não cometimento do delito em mãos, oadvogado dos irmãos Naves ingressou novamente com uma revisãocriminal. E é o relator da revisão criminal que em seu voto aduz que opedido de revisão foi fundado no art. “621, n. 3, 1a hipótese, do Código(RE) PENSANDO DIREITO 95
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth - Tamyse de Christo Marquesde Processo Penal”, aduzindo que “o fato novo foi a ressurreição doreferido Benedito, o qual, em carne e osso surgiu após longa e frutuosaperegrinação pelo Brasil” (ALAMY FILHO, 1993, p. 352). Diante do erro absurdo cometido pelo Judiciário, o Tribunal deJustiça mineiro julgou a nova revisão criminal, e somente em 1960 oSupremo Tribunal Federal concedeu a Sebastião e aos herdeiros deJoaquim Naves o direito à justa indenização pelo cometimento de errojudiciário. Diante desse evento e de tantos outros, é que se percebe que oinstituto efetivamente é capaz de colaborar com o resgate da dignidadedo condenado vítima de erro judiciário, pois mesmo em tempos dahistória brasileira em que a dignidade humana não tinha nenhumarelevância em frente ao sistema, foi somente a partir da revisãocriminal que a família Naves pôde reconstruir e recontar a imagem e ahistória, respectivamente, de Sebastião e Joaquim.CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da exposição supra, percebe-se que a dignidade da pessoahumana, por ser característica inerente a todos os seres humanos, édever do Estado. A Constituição Federal, ao contemplar o princípiocomo fundamento da República, teve este intuito. No entanto, o Processo Penal brasileiro, por mais que sejapautado por normas garantistas, nem sempre garante aos cidadãosa certeza jurídica em razão de vícios e erros cometidos no decorrerda instrução, o que significa uma afronta ao princípio em questão.A revisão criminal se apresenta, então, como um meio eficaz degarantir ao cidadão a retomada de seu status dignitatis relativizadoem razão da condenação injusta por processo criminal. Se durantea instrução não for possível garantir ao cidadão, apesar de todo osistema de garantias formulado pela Constituição, a concretização dasua dignidade, é por meio da revisão criminal que o condenado, vítimade erro judiciário, terá a possibilidade de retomar seu status quo ante. Desta forma, entende-se que a revisão criminal é uma dascondições de possibilidade para que se recupere a dignidade de96 Ano 4 • n. 8 • jul/dez. • 2014
A REVISÃO CRIMINAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE PARA O RESGATE DO STATUS DIGNITATIS DO CONDENADOum condenado, vítima de erro judiciário. E é com base em institutoscomo este que os legisladores devem se pautar no momento daredação de novas leis penais no Brasil. Como já referido, não se iráresolver o problema da criminalidade brasileira apinhando pessoassobre pessoas dentro de penitenciárias insalubres e com tratamentosdesumanos e degradantes. A solução está em aprimorar o direito penal e processual penalde forma que se satisfaçam ambas as correntes em que se partedo princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, do individual– referente ao indivíduo transgressor das normas, que, também édotado de dignidade – e também do social – para que o Estado possapunir sem exceder os limites. Assim, cada vez mais será possíveladequar o ordenamento jurídico aos postulados que embasam oEstado Democrático de Direito brasileiro.REFERÊNCIASALAMY FILHO, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário.Belo Horizonte: Del Rey, 1993.ÁLVARES, Silvio Carlos. Revisão criminal compulsória emdefesa dativa – a dignidade da pessoa humana e a ampla defesaconstitucional. São Paulo: PUC/SP, 2008. 182 p. Tese (Doutorado) –Setor de Pós-Graduação da PUC/SP. Pontifícia Universidade Católicade São Paulo/SP, São Paulo, 2008.ARRUDA, Élcio. Revisão criminal pro societate. 2. ed. Leme: BHEditora e Distribuidora, 2009.AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado.São Paulo: MÉTODO, 2011.BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos eoutros temas. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. SãoPaulo: Malheiros Editores, 2010.(RE) PENSANDO DIREITO 97
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