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Revista Científica FAEMA v. 09, n. 1, jan./jun. 2018

Published by biblioteca, 2018-05-29 15:55:36

Description: A Revista FAEMA é um periódico eletrônico semestral que publica artigos de caráter acadêmico e cientifico originais e inéditos, que tratem de questões sobre ciências da saúde, ciências sociais e humanas, ciências exatas, educação, ciências biológicas e meio ambiente, relacionadas preferencialmente à região amazônica. O periódico aceita colaborações em português, reservando-se o direito de publicar ou não, após avaliação do material submetido espontaneamente. O projeto Revista FAEMA empenha esforços interdisciplinares com o fim de incentivar a publicação científica de dados relevantes às áreas afins, viabilizando o compartilhamento de dados de pesquisas realizadas na região amazônica, facilitando assim o acesso dos mesmos no cunho acadêmico.

Keywords: Revista Científica FAEM,FAEMA,Interdisciplinar

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Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.identidades para conseguir visibilidade e O conceito do estádio do espelho foiatenção, sociedade do espetáculo. desenvolvido a partir da experiência de Henry Wallon, que descreveu o modo como Tal conceito, sociedade do a criança, aos poucos, diferencia seu corpoespetáculo, inicialmente se desenvolveu da imagem que observa no espelho, opor Guy Debord, um teórico Francês, sua estádio do espelho é um momentocriação foi com a finalidade de descrever estrutural do ser humano onde ele seuma sociedade midiática e consumista, que reconhece na imagem de um outro nose movimenta em torno do consumo de espelho. Durante esse estádio pode-semercadorias e da própria imagem e em dizer que a experiência da criança a levarátorno da produção, o que acabou-se por a uma conquista progressiva da imagem,tornar valores na sociedade quando a criança nasce ela estabelece umacontemporânea (19). relação de dependência com a pessoa que cuida dela, geralmente sendo a mãe aquela Frederico (10) postula que para que irá exercer essa função, a qual supriráDebord, o espetáculo se faz notório quando todas as carências da criança tanto nose é vendida uma imagem de indivíduo plano biológico quanto no plano imaginário.totalmente feliz, através da imagem, damídia, da tecnologia, sendo que o primeiro O ato de satisfazer as necessidadesa comprar tal imagem como verdade é o físicas da criança é feito pela mãe segundopróprio indivíduo que está contracenando, o um código simbólico que determina essequal se expropria do seu verdadeiro estado. relação entre demanda e desejo, desteEsses indivíduos necessitam dessa modo, a mãe ocupa a função de Outrovisibilidade para se sentirem aceitos, provendo a criança de alimentos, amor ereconhecidos socialmente e somente palavras, e através dessa mediaçãoconseguirão tal visibilidade através do seu ocorrerá o acesso ao campo do simbólico.espetáculo. Como Lacan postulou ao falar Mediante isto, a partir desta imagem de umdo estádio do espelho, a imagem tornou-se outro a criança se identificará com o que vê,uma das formas mais primitivas de passando a ter um referencial de si mesmaidentificação do sujeito, uma sociedade e originando a constituição de um eudepende do olhar do outro passou a ser imaginário. O modo como o sujeito irá sevista, pois tal necessidade é justamente posicionar estruturalmente em relação àuma forma de lutar contra sua falsa realidade depende de sua articulação comfelicidade que ele por si só a vende como os registros do imaginário e do real.verdadeira.A UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 452CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.Entretanto, Pereira & Ornelas (apud ao singular – que é impar, pessoal e quePacheco) (20) isso apenas será possívelcom a mediação do simbólico, que se faz não pode ser transferido a outra pessoa,presente no sujeito pela palavra. diferenciando este mesmo indivíduo de Observa-se uma sociedade que se outra pessoa. O segundo é o universal –tornou dependente do espetáculo comouma forma de confirmação de si, de sua que, contrariamente, pode serexistência em meio a própria sociedadefugaz, a qual direcionamos a falsa compartilhado com os demais, como arealização quanto à felicidade (21). linguagem e as necessidades básicas, por Entretanto, essa necessidade do olhar exemplo. Por fim, o último é o particular – odo outro e de sua aprovação sobre umafalsa felicidade idealizada pelo indivíduo qual é distinto e ao mesmo tempo pode serpara dar sentido a sua vida, a qual medianteo processo civilizatório é por diversas vezes compartilhado com as outras pessoas, e éreprimidas e sublimadas ocasiona porvezes o furto da individualidade deste justamente neste que se encontra aindivíduo, que passa a pertencer àsociedade dos “indivíduos desacostumados subjetividade contemporânea, o qual éà subjetividade” formulada por Kehl (21) quefala sobre o papel da que da indústria caracterizado pela imposição de padrõescultural nesse processo que não é dirigir-seao indivíduo como um sujeito que pensa por propostos pela cultura vigente (9).si próprio sem a influência exacerbada dasociedade, mas sim extirpar desse sujeito Bauman (apud Ferreira) (9) compara asua subjetivação, sua capacidade depensar e acima de tudo, de sentir e existir. subjetividade com o fetichismo da A subjetividade pode ser influenciada mercadoria propagado pelo anseio por umapor fatores biopsicossociais, sendodeterminada a partir das experiências felicidade instantânea e perpétua, assimindividuais ou coletivas. Existe trêsaspectos da subjetividade determinados quanto mais o indivíduo, convocado asocialmente sendo que o primeiro refere-se responder como um personagem fictício da sua própria vida perde o norte de suas produções subjetivas singulares, devido a perca da sua individualidade sobre seus comportamentos mais a sociedade irá lhe devolver uma subjetividade espetacularizada, onde o mesmo padrão de comportamentos é identificado. Trata-se de uma desapropriação da identidade a qual conduz a pessoa a viver inteiramente sobre as influências grupais, abrindo mão de apresentar quem de fato é, assim, a cultura de massas alcança o objetivo de nortear uma identidadeA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 453CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.alienada, forjada e falseada, de traçar o controle de outras pessoas e relações,destino de quem permitir ou se enquadrar como fruto da própria insegurança. Robertnos padrões estabelecidos por ela. Esta Subby especialista em co-dependência asubjetividade industrializada aparece com o descreve como uma espécie de condiçãoobjetivo de preenchimento, um que pode se manifestar psicologicamente,preenchimento que se refere justamente ao comportamente e emocionalmente devido avazio existencial que o sujeito abre mão exposição do sujeito a um conjunto dedevido a necessidade de segurança e regras opressivas por um longo período depaixão, a paixão de pertencer à massa e tempo. Apesar da co-dependência e doidentificar-se com ela nos termos proposto Amor Patológico serem condiçõespelo espetáculo (16,9). díspares, no que se referem à3.5 Sublimação: a expressão nos manifestação, elas se assemelham em doisrelacionamentos co-dependentes comportamentos: a intromissão na vida do parceiro e a auto responsabilização pela Independentemente das variações vida dessa outra pessoa (22,23).histórico-culturais e da denominaçãoutilizada, Amélio (apud Sophia) (22) o Schopenhauer (apud Sophia) (22)relacionamento amoroso é uma das áreas destaca que na Idade Moderna, algunsfundamentais da nossa vida, sendo de filósofos consideravam o amor como umasuma importância para o nosso humor, patologia, levando esse momento históricopara a nossa capacidade de concentração, a ser conhecido pelo pessimismopara a nossa energia e para a nossa saúde. romântico. O percussor desse movimentoO momento em que vivemos traz uma foi Arthur Schopenhauer que acreditavaextrema fragilidade dos laços humanos, que o amor referia-se apenas a um impulsoconsiderada como um amor líquido. Essa que culmina a reprodução da espécie,forma de relacionar-se transita entre sendo este responsável em atrapalhar adesejos conflitantes de estreitar esses vida do sujeito, o desorientando. Quando alaços e ao mesmo tempo mantê-los maneira de amar é patológica e o indivíduofrouxos, e nessa tentativa de estreitar seus não se mostra apto nem para melhorar sualaços, podemos observar uma espécie de maneira de amar e nem para romper com orelacionamento co-dependente. A co- relacionamento insatisfatório, o sofrimentodependência, refere-se, à atitude passa a ser excessivo e a saúde mental docompulsiva e obsessiva que um indivíduo indivíduo pode estar comprometida.desenvolve estabelecendo como meta oA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 454CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. De acordo com Freud (apud Sophia) própria, e totalmente egoísta, não denota(22), o chamado instinto amoroso refere-se a preocupação com o outro, pode sertudo aquilo que pode ser considerado como associado ao que entendemos hoje comoalvo de amor, por exemplo, a família, filhos, amor patológico, percebe-se um desejo deo saber, objetos específicos e a própria possuir e controlar o outro justamentehumanidade. Desta forma, Freud diz que devido o indivíduo acreditar que somentetrata-se de processos mentais que são desta forma, se entrelaçandointernos e que acabam por dirigir a libido do patologicamente ao outro, irá conseguirsujeito a um outro objeto que ele elenca alcançar a almejada felicidade. O amorcomo objeto de amor tendo como objetivo a afeto é saudável e busca o bem estar do serobtenção de prazer, de amar e ser amado. amado, além do mais, manifestaPsicologicamente isto pode ser visto como preocupação genuína pela outra pessoa.uma espécie de procura narcísica peloolhar do outro, como uma necessidade de Outro fator que deve ser levado emser aprovado e aceito, estabelecendo uma consideração é que o sujeito querelação simbiótica, assim como muitos desenvolve um amor patológico pelo outroestabelecem simbiose na relação com a acaba por repetir comportamentos quemãe. outrora foram aprendidos, possivelmente durante sua infância, geralmente essas A escolha amorosa do indivíduo pessoas são indivíduos que não tiveramrefere-se a uma atualização das relações relacionamentos saudáveis na infância eprimárias vivenciadas com as figuras distante de afetividade no relacionamentoparentais, comumente, o pai e a mãe. Esta com os pais ou até mesmo outrosprocura é uma tentativa do sujeito de cuidadores, logo, são carentes de afeto ereviver novamente o narcisismo infantil cuidados, e experienciaram momentos depara que consiga atingir novamente um infelicidade durante sua infância, fator osentimento ilusório de onipotência e qual propicia a busca desenfreada emcompletude vivenciada na relação com o encontrar a felicidade de alguma maneira,seu cuidador (24). o indivíduo então acaba por sublimar seu primeiro desejo, a felicidade, em um Ballone (apud Berton) (25) aborda os relacionamento amoroso, o qual por fim, setipos de amor, que foram postulados por torna patológico. Desta forma, na buscaKant, o qual os categorizou em amor ação, desenfreada pelo alcance da felicidade oamor afeto e amor paixão. O amor ação indivíduo lança sobre o outro atrata-se de um estado que busca satisfaçãoA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 455CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.responsabilidade de fazê-lo propiciar aquilo há mais espaço para conceitos fechados e dogmáticos, pois no tempo que vivemosque somente o indivíduo por si só pode tudo é questionável. Aliás, a própria ciência existe para que de fato a verdade possa serencontrar, sua própria felicidade e maneira esclarecida, tudo é líquido, até os relacionamentos humanos (27).de ser feliz, mediante isto, devido sua Maciel e Rocha (28) destacam que é demaneira patológica de lançar tal suma importância o conceito psicanalítico de sublimação quando se intensifica oresponsabilidade sobre o outro acaba por diálogo da psicanálise com a religião, pois a sublimação tem um papel de grandeestabelecer uma vinculação defeituosa que importância para a compreensão dos processos culturais, e em consequência,se origina através da projeção patológica para a compreensão do fenômeno religioso.desse indivíduo sobre o outro (25). Phillippe Julian, em seu livro intitulado3.6 Sublimação: a expressão na “A Psicanálise e o Religioso – Freud, Jung, Lacan” (26), se propõe abordar sobrereligiosidade religiosidade e psicanálise utilizando como referencial escritos de grandes A experiência do sagrado é psicanalistas existentes na história da universal, na medida em que é um psicologia. Em 1904, Freud afirma que a saber do numinoso de ordem religião é apenas uma projeção de psíquica. Com efeito, o primitivo símbolos e configurações psíquicas está presente em todo ser humano, internas no mundo exterior, e desde sempre. Ao contrário, a desconsiderando a ideia de sobrenatural chamada “fé” concerne a fatos dizendo que isso não passa de uma criação exteriores à nossa alma, do próprio ser humano, desta forma, o transmitidos por determinada homem atribui a Deus manifestações as religião particular com seus quais lhe são próprias. discursos teológicos, seus dogmas e, sobretudo, seus rituais. Ora, Mais tarde com o desenvolvimento de essas diversas religiões, que suas pesquisas Freud se propôs a falar impõem aquilo em que se deve crer, sobre a religião em 1907 em seu inscrito recalcaram o religioso em geral, comum a toda a humanidade (26). Desde o advento da modernidade,com a emancipação da razão e o grandeapogeu da ciência natural, os cristãos deum modo geral sempre tiveram muitadificuldade e resistência com relação aciência, isso se deve a todo um processohistórico, desde Aristóteles até Tomás deAquino ao fazer da ciência uma metafísicareligiosa do conhecimento, de modo detornar inquestionável e indiscutível a ideiasobre Deus, porém, em nosso tempo nãoA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 456CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.intitulado como “Atos obsessivos e práticas ausência de resposta, o responsável porreligiosas” no qual Freud constatava uma esse cuidado se ausenta, assim, origina-sesimilitude entre os atos do neurótico o primeiro trauma da infância, onde seobsessivo e o cerimonial público da prática diminui a proteção direcionada a essereligiosa, pois ambos são semelhantes, já sujeito, o qual se torna vulnerável aque os princípios são os mesmos, trata-se experienciar a infelicidade e os riscos.da mesma preocupação fundamental, osmesmos pormenores a serem compridos e Mediante isto, com o traumaexigidos, a mesma sensação de medo e instaurado, o que resta é a saudade doculpa, o que nos faz pensar em um sistema passado em que o pai ou a mãe interferiam,religioso que ao invés de libertar o ser esta saudade, de acordo com Freud, não éhumano, quebrando as cadeias e uma saudade propriamente da mãe que é ohumanizando o homem, deixa-o primeiro objeto de amor da criança, masdependente, alienado e carente de um sim saudade do pai, o objeto deprotetor. Mais tarde, Freud abordará a identificação, objeto que a criança atribui àverdadeira relação entre psicanálise e onipotência, ou seja, o Pai com letrareligião, mostrando como a análise nos faz maiúscula, o Pai divino, o Deus justo e todo-descobrir a própria razão da crença em poderoso aparecem-nos como magnasDeus. Freud intitulou de Hilflosigkeit uma sublimações do pai e da mãe, desta formaexperiência que ele considera que todo Freud reconhece no ser humano aquilo queindivíduo passa um dia na vida, que e um ele denomina “religiosidade”, religiosidadeestado de desamparo, de ausência de a qual provém primeiro da incapacidadeajuda, de abandono (27). física de ajudar a si mesmo, e, portanto, de uma necessidade de ajuda (26). Desde o nascimento o sujeito vive soba proteção de outro indivíduo, um bebê Em um de seus trabalhos, o qualquando grita ou chora obtém a atenção da Freud intitulou como “O futuro de umamãe, do pai, ou a pessoa responsável em ilusão” (29), Freud tenta explicar a origem daoferecer esse cuidado intervêm para religião, para isto ele utiliza suassatisfazer alguma necessidade do bebê, descobertas psicanalísticas através deconforme o bebê se desenvolve ela irá aplicações históricas sociais. Para Sigmundaprender a falar e manifestar verbalmente Freud, a religião surge no indivíduo atravéssuas necessidades até que surja alguém do desamparo, o qual, inicialmente, é opara atendê-la. Entretanto algum dia vem à desamparo enquanto criança.A UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 457CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. Sabe-se que ainda criança o indivíduo vivenciado por esse sujeito, o indivíduopassa pela fase de escolha do objeto, poderá, desta forma, recorrer à religião amediante isto deve entender que a libido do elegendo como um mecanismo de defesa,sujeito percorrerá em busca das visando sublimar seu desejo inicial que eranecessidades narcísicas buscando objetos o cuidado e amparo que lhe assegurava aque proporcione satisfação de suas felicidade no outro, devido ao anterior ternecessidades, a qual na maioria das vezes sido perdido e recalcado, desta forma,será a figura da mãe, aquela que cuida e o através da sublimação, o indivíduoalimenta e consequentemente será seu redirecionará o foco da sua tentativaprimeiro objeto amoroso e também sua frustrante de alcance da utópica felicidadeproteção contra os perigos do mundo plena para a religiosidade, o resultadoexterno, logo após, na função de proteção dessa ação será a transformação do sujeitoa mãe é substituída pela figura do pai, em um indivíduo totalmente alienado ereconhecido como mais forte, entretanto, a dependente da verdade imposta pelo outro,relação da criança com o pai será ambígua, sendo extirpado de sua capacidade depois ao mesmo tempo em que o pai será a pensar por si próprio, o próprio sujeito,figura que irá protegê-lo do perigo, este homem, passa a não ter mais poder sobreserá o pai que causará perigo, devido à sua criatura, perdendo o controle, sendodisputa com o pai pela mãe, estabelecida sequestrado de si mesmo (31).inconscientemente pela criança, assim, acriança admira e teme o pai. Mediante isto, De acordo com Souza (apud Cardoso)Freud vai afirmar que a formação da religião (31), a alienação humana pode ser definidaserá uma forma de defesa contra o como um processo de projeção, o sujeitodesamparo infantil, que se manifesta mais cria uma realidade que acaba por se tornartarde no adulto no desamparo que este não estranha a si próprio, o que pode serquer reconhecer. A religião seria a neurose conhecida como hipostatização, a qualobsessiva das crianças, a qual surgirá a define-se pela atribuição de existênciapartir do complexo de Édipo, a partir do concreta e objetiva a uma realidade fictícia,relacionamento com o pai (29,30). abstrata ou meramente restrita à incorporalidade do ser humano. Logo, tendo em vista que o objetivo 3.7 Sublimação: a expressão nas redesfinal do ser humano é encontrar a plena sociaisfelicidade e que a religiosidade surge maistarde a partir do primeiro abandono Além da propensão ao espetáculo encontra-se também o comunitarismoA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 458CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.considerado como uma das manifestações representação é essencial, pois mediante adessa histeria das massas. Ferreira (9)considera que um dos espaços que mais função da plateia o sujeito buscará se autotem se destacado como cenário doespetáculo são as Redes Sociais de afirmar feliz, buscando através das redesInternet, por meio das quais virtualmente aspessoas vivenciam o simulacro. Temos alcançar o ethos desejado, neste sentido,como exemplo os grupos e comunidadesvirtuais que atualmente tornou-se o centro a figura do outro é essencial nessedo espetáculo, redes onde todos os diasmilhares de sujeitos se auto-afirmam felizes processo de legitimação pois será o outroe donos de uma vida repleta de alegria, oque na verdade acaba por fugir da que proporcionará essa legitimação darealidade, e é justamente a internet quepropiciou isso, uma espécie de imagem construída nesse contexto em quecomunitarismo que tem como função abusca do olhar do outro, desta forma, dando o indivíduo existe de maneira colaborativa,a este voz e visibilidade. Desta forma, taisindivíduos não falam mais em si, mas em mediante isto, neste espaço virtual em quenome da comunidade da qual participam,uma forma de se sentir pertencente a um os aplausos da plateia são tão necessáriosgrupo, de atrair visibilidade da sociedadepara si (16) além de apregoar a necessidade para se sentir alguém, a ator segue seuem autenticar uma falsa obtenção defelicidade, se auto afirmando feliz durante percurso teatral correndo atrás daquilo quetodo o tempo através das redes. vem por si só, a felicidade. O que chama a atenção não é apenaso compartilhamento de experiências De acordo com Kehl (21):superficiais através de objetos adquiridos,mas a negociação com a subjetividade, O que se produz é uma versão docomo se esta fosse desprovida de valor (9). “inconsciente coletivo” em escala industrial, com o consequente Carreira (apud Ferreira) (9) destaca “apagamento” dos sujeitos doque o papel da plateia para o sucesso da inconsciente. Isso é: o inconsciente se manifesta como instância supra imaginária, que não diz respeito aos homens, mas se apresenta a eles como alheio à subjetividade, como resposta positiva ao enigma do desejo do Outro. O desejo do Outro, ao qual o sujeito do inconsciente tenta responder com suas produções sintomáticas e/ou simbólicas, se revela aos homens na universalidade do espetáculo, tornando as produções singulares obsoletas, dispensáveis. Este é um aperfeiçoamento da alienação e do desamparo – portanto, da produção subjetiva de submissão. 4 CONSIDERAÇÕES Através deste estudo, podemos apontar que todo indivíduo carrega em si o desejo de alcançar a plena felicidade.A UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 459CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.Entretanto, sabe-se que a civilização e a vivência real dos prazeres, o qual écultura são um dos grandes impasses que considerado o caminho da felicidadedificultam o alcance da utópica felicidade, verdadeira (32).além do mais, encontra-se o princípio derealidade que faz o princípio de prazer Entretanto, como indivíduosreduzir suas expectativas e converte-se a pertencentes a uma sociedade que nosele, o qual impõe uma série de limites ao impõe cobranças o tempo todo, somosprojeto de vida feliz do indivíduo. reprimidos em nossos mais íngremes desejos, desta forma, resta ao ser humano Prado e Gomes (32) observam que recorrer ao mecanismo de sublimação,torna-se ambígua a atuação na vida do ser sendo obrigados a desviar sua libido,humano, ainda que tenha como objetivo desejos e prazeres a objetos maisproteger o indivíduo de situações que o leve socialmente aceitos de acordo com osao sofrimento, esta acaba por provoca-lo, o critérios de aceitação da civilização.que acaba levando o indivíduo desenvolversentimentos negativos contra a própria Devido à necessidade do indivíduo desociedade que está inserido. São as se auto afirmar feliz por conta de taispróprias restrições que a vida civilizada imposições sociais que são introjetadasimpõe que acaba por produzir os como critério para serem aceitossofrimento, surgindo, desta forma, as socialmente, origina-se a teatralidade, ondeneuroses justamente devido a o sujeito passa a pertencer à sociedade doincapacidade do homem de suportar o espetáculo, preso a sua necessidade desofrimento que surge por meio do processo alcançar a utópica felicidade. Mediante isto,civilizatório como destaca Sigmund Freud. ocorre o sequestro da individualidade e subjetividade desse indivíduo, originando a No trabalho de Freud intitulado como subjetividade industrializada, a qual“O mal-estar na civilização”, o autor faz desencadeará a histeria das massas quesignificativas considerações sobre a busca provoca a perca da noção de autenticidade,da tão sonhada e utópica felicidade pelo ser e o único objetivo do sujeito passa a ser ohumano e sobre as fontes do sofrimento de afirmar uma falsa felicidade a qual éque atinge o ser humano. Diante disto, vista como necessária para a satisfaçãoFreud percebe que a felicidade é o egóica do próprio indivíduo, fazendo-opropósito da vida de todo sujeito, a qual acreditar e considerar como verdade o seupode tomar dois caminhos, o de evitação de próprio engano. A partir disto, chega-se atudo que provoque desprazer e dor e o da conclusão de que vários são os caminhosA UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 460CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.de uma vida feliz, mas por nenhum deles se único, encontrar, identificar e aceitar suaconseguirá alcançar tudo que desejamos, maneira particular de ser e se fazer feliz.cabe ao próprio individuo subjetivado eREFERÊNCIAS http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rel/v1n2/v1n2 a07.pdf.1. Inada JF. Felicidade e Mal-Estar na 4. Graziano LD. A Felicidade Revisitada: Um estudo sobre bem-estar subjetivo naCivilização. Rev AdVerbum 2011; 6(1): 74- visão da Psicologia Positiva. São Paulo. Tese [Doutorado em Psicologia em Escolar88. [citado em 01 de outubro de 2017]. e do Desenvolvimento Humano] - Universidade de São Paulo; 2005. [citadoDisponível em: em 20 de agosto de 2017]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/4https://www.psicanaliseefilosofia.com.br/ad 7/47131/tde-23052006-164724/en.php.verbum/vol6_1/06_01_06felicidademalesta 5. Sponville AC. A Felicidade, Desesperadamente. 4ª ed. São Paulo (SP):rciviliz.pdf. Martins Fontes; 2010. [citado em 20 de agosto de 2017]. Disponível em:2. Zimerman DE. Fundamentos http://abdet.com.br/site/wp-Psicanalíticos: Teoria, Técnica, Clínica – content/uploads/2014/10/A-Felicidade-Uma Abordagem Didática. Porto Alegre Desesperadamente.pdf(RS): Artmed; 2009. [citado em 01 deoutubro de 2017]. Disponível em: 6. Saroldi N. O Mal-Estar na Civilização: Ashttps://books.google.com.br/books?hl=pt- Obrigações do Desejo na era daBR&lr=&id=c1R7x_Z_0scC&oi=fnd&pg=PA Globalização. 1ª ed. Rio de Janeiro (RJ):6&dq=Fundamentos+Psicanal%C3%ADtic Civilização Brasileira; 2012.os:+Teoria,+T%C3%A9cnica,+Cl%C3%ADnica+%E2%80%93+Uma+Abordagem+Did 7. Llosa MV. A Civilização do Espetáculo:%C3%A1tica&ots=IYsi9Bd1wv&sig=RoRq Uma Radiografia do Nosso Tempo e daF9RX1QVOjH7e2l4a_ejMxIs#v=onepage& Nossa Cultura. Rio de Janeiro: Objetiva;q=Fundamentos%20Psicanal%C3%ADtico 2013.s%3A%20Teoria%2C%20T%C3%A9cnica%2C%20Cl%C3%ADnica%20%E2%80%9 8. Sebold RL. Reflexões Sobre a Felicidade3%20Uma%20Abordagem%20Did%C3%A e Sofrimento: Alguns Litorais. [Trabalho de1tica&f=false Conclusão de Curso]. Porto Alegre (RS):3. Santiago J. Freud e sua Política daFelicidade. Rev Estudos Lacanianos 2008;1(2): 1-14. [citado em 01 de outubro de2017]. Disponível em:A UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 461CONTEMPORÂNEIDADE

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Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. Como citar (Vancouver)Rocha VHC, Bergamini GB, Samuelsson E, Joner C, Schneider LF. A utopia da plena felicidade e a expressãoda histeria das massas na contemporaneidade. Rev Cient Fac Educ e Meio Ambiente [Internet]. 2018;9(1):442-464. DOI: http://dx.doi.org/10.31072/rcf.v9i1.558A UTOPIA DA PLENA FELICIDADE E A EXPRESSÃO DA HISTERIA DAS MASSAS NA 464CONTEMPORÂNEIDADE

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. PSICOLOGIAGeração de pílulas azuis: a intensa busca pela felicidade na contemporaneidade DOI: http://dx.doi.org/10.31072/rcf.v9i1.562GENERATION OF BLUE PILLS: INTENSE LOOKING FOR HAPPINESS IN CONTEMPORANITY Victor Hugo Coelho Rocha98; Gabriele Pacheco Santos99.RESUMO: A sociedade contemporânea carrega consigo uma gama de características queprecisam ser alcançadas para que o indivíduo consiga a famigerada felicidade: comprardeterminados produtos, pertencer a um determinado grupo, possuir determinadas formas deentretenimentos, etc. Contudo, todos esses empecilhos surgem para garantir a felicidade dosujeito, tornando os momentos melancólicos e tristes – que são naturais do ser humano –inadmissíveis. Objetivou-se abordar nesta revisão de literatura como ocorre o processo de“sequestro” da subjetividade do sujeito, o qual reprimido em seus mais íngremes desejos,somatiza e adoece, abordando também o quão exacerbado tornou-se o uso descontrolado demedicamentos, além do mais, visa fazer uma reflexão acerca disto: por que torna-se mais fácilvelar um problema a refletir sobre o mesmo? Fazendo um comparativo com os filmes deMatrix: por que é mais fácil tomar a pílula azul e ter uma vida velada a tomar a pílula vermelhae enxergar a verdade? Tratou-se de uma pesquisa bibliográfica realizada em periódicoscientíficos no período de abril a agosto de 2017. Através deste estudo, pode-se apontar quetodo indivíduo carrega em si o desejo de alcançar a plena felicidade. Entretanto, sabe-se quea civilização e a cultura são dois dos grandes impasses que dificultam o alcance da utópicafelicidade. A crítica que aqui é feita não é de banir os medicamentos – até porque estes sãode um imenso auxílio à prática psicoterápica –, tampouco à indústria farmacêutica, mas simdirecionado a ausência de reflexão.Palavras-chave: Contemporaneidade. Felicidade. Psicanálise. Medicamentos. Depressão.ABSTRACT: Contemporary society carries with it a range of characteristics that need to beattained in order for the individual to achieve the famous happiness: to buy certain products,to belong to a certain group, to possess certain forms of entertainments, etc. However, all theseobstacles arise to guarantee the happiness of the subject, making the melancholy and sadmoments - which are natural of the human being - inadmissible. In this review of the literature,the objective of this study was to analyze the \"kidnapping\" of the subjectivity of the subject,which is repressed in its steepest desires, somatizes and falls ill, also addressing theexacerbation of the uncontrolled use of drugs, moreover, it aims to reflect on this: why is iteasier to veil a problem to reflect on it? Doing a comparison with the Matrix movies: Why is it98 Acadêmicos em Psicologia pela Faculdade de Educação e Meio Ambiente – FAEMA. Email:[email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4783-8359;99 Graduada em Psicologia e Orientadora desta pesquisa. Faculdade de Educação e Meio Ambiente – FAEMA.Email: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2645-7004.GERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 465

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.easier to take the blue pill and have a veiled life taking the red pill and seeing the truth? Thiswas a bibliographic research carried out in scientific journals from April to August, 2017.Through this study, it can be pointed out that every individual carries the desire to achieve fullhappiness. However, it is known that civilization and culture are two of the great impasses thathinder the attainment of utopian happiness. The criticism that is made here is not to ban themedicines - even because they are of immense assistance to the psychotherapeutic practice -nor to the pharmaceutical industry, but rather directed to the absence of reflection.Keywords: Contemporaneity. Happiness. Psychoanalysis. Medications. Depression.INTRODUÇÃO menor na vida”, e que a felicidade não está em ganhar todos os dias, e sim fazer o [...] Olha lá quem vem do lado melhor para possuir uma vida plena. oposto e vem sem gosto de viver Olha lá os que os bravos são Parte da explicação teórica para isto escravos sãos e salvos de sofrer encontra-se no livro “A Psicoterapia ao Olha lá quem acha que perder é ser Alcance de Todos”, livro no qual Viktor menor na vida Frankl (2) questionou o leitor sobre a noção Olha lá quem sempre quer vitória e básica acerca do desejo que o ser humano perde a glória de chorar possui em ser feliz, questionando o leitor se Eu que já não quero mais ser um não é verdade que o homem aspira, vencedor, levo a vida devagar pra naturalmente, a ser feliz. E, finalizando os não faltar amor. questionamentos, disse pensar que o (...) Eu que já não sou assim muito homem não quer, necessariamente, ser de ganhar junto às mãos ao meu feliz, mas sim quer um motivo para ser feliz, redor as razões que levam à felicidade. Faço o melhor que sou capaz só pra viver em paz [...] Esta visão nunca foi tão atual: (O Vencedor – Los Hermanos). (1) percebe-se, na sociedade contemporânea, o que Frankl chamaria de busca pela A música, de um modo geral, possui felicidade, na qual nota-se um gradiente de indivíduos que almejam a vida perfeita, ecaracterísticas reflexivas positivas, sonham, baseando-se nos ideais de felicidade já propagados pela sociedade:permitindo que, quem a ouça, identifique-se ter o carro do ano, o casamento dos sonhos, estudar na melhor universidade.e reflita sobre a mesma. Este é o caso de Caso o sujeito não enquadre-se em um“O Vencedor”, da banda Los Hermanos. Amúsica que inicia-se tal revisão foi propostacom o objetivo de demonstrar e explanarnesse trabalho o sentido de ser feliz,demostrando que a felicidade não é sempreganhar, mas também perder e não fazerdessa perda uma vivência definitiva davida. Na composição de Marcelo Camelo,torna-se notável que perder não é “serGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 466

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.requisito, já é uma razão para ele conviver Mas afinal, vale a pena ignorar acom a tão temida vida imperfeita. verdade, com medo de encarar sua própria Isto manifesta-se diretamente nascaracterísticas psíquicas dos sujeitos melancolia? Em uma sociedade que visacontemporâneos: não sucumbir ouconseguir conviver com as metas sociais apenas esta felicidade, por que torna-se tãotorna o ser humano cada vez maismelancólico. Simultaneamente, tal difícil não ser feliz a todo momento?infelicidade não é aceita pela sociedadequase hedonista, que propaga o prazer a 2 MÉTODOStodo instante. Isto faz com que o serhumano busque, cada vez mais, formas de Esse trabalho foi realizado por meiolivrar-se destes sentimentos ditos comonegativos. de uma pesquisa bibliográfica que buscou O fato é que a generalização dos nas bases de dados indexadas Scielo,sentimentos faz com que muitos casossejam vistos como depressão ou BVS-Saúde, Pepsic, Redallyc, Googleansiedade, levando o sujeito a umaautomedicação errônea, distanciando-o de Acadêmico, artigos, trabalhos acadêmicosum dos principais atos que deveriaacontecer: a reflexão acerca da sobre a temática, livros teóricos. Utilizou-seproblemática moderna em não possuirmomentos tristes. ainda uma referência musical e uma Diversificadas são as formas que cada referência cinematográfica.indivíduo desenvolve para se livrar da tãoassustadora infelicidade – que vão desde Os descritores utilizados foram:gastar desenfreadamente como uma formade camuflar a tristeza, até tentativas felicidade, contemporaneidade,naturais como o tratamento fitoterápico oua meditação –, uma destacou-se por ser psicanálise, medicamentos e depressão.extremamente utilizada: os medicamentosantidepressivos; as famigeradas “pílulas da Ao total foram encontradas vinte e oitoalegria”. literaturas e destas vinte e três foram selecionadas e incluídas para a construção deste trabalho, tais como artigos científicos, monografias, teses de doutorado, livros e periódicos eletrônicos, sendo uma referência em língua estrangeira (espanhol), incluindo os materiais que estivessem em consonância com o tema proposto. Como critério de exclusão foram selecionados aqueles trabalhos que não abordaram diretamente o objetivo proposto desta pesquisa. 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICAGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 467

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.3.1 Felicidade – de uma perspectiva que pode levar a sofrimento, como porhistórica à contemporaneidade exemplo, os demasiados compromissos sociais e medos que tornam-se empecilho É um fato que todo e qualquer ser para a famigerada felicidade, que sehumano deseja a felicidade plena em sua consegue levar o indivíduo a umamais completa forma: com uma vida existência feliz. Sêneca (2 a.C. a 65 a.C.)perfeita, pessoas perfeitas, trabalho partia do princípio que para encontrar aperfeito, estudo perfeito. Deste modo, não felicidade o sujeito deve se recusar a seguiré difícil compreender que qualquer situação a multidão, isto é, tomar consciência eque migre para uma posição oposta à entender de fato quem ele é, somentefelicidade seja vista até mesmo como um assim, conseguirá encontrar a felicidade(3).caos pelo ser humano, levando-o amedidas paliativas para lidar com esses Russel (apud Graziano)(3) fala amomentos sem a famigerada felicidade. respeito da necessidade social do homem de fazer parte do meio social, desta forma, A busca pela felicidade no decorrer da ser inserido na sociedade tendo comohistória levou os seres humanos a percorrer objetivo a busca não somente da suauma vida em busca de um grande e comum própria felicidade, mas também daobjetivo, sendo este, a felicidade. Em todas felicidade do outro, mediante isto, aas épocas vividas a meta final a ser visibilidade da conceituação de felicidadealcançada sempre foi o desejo de uma vida transcende a noção de dádiva divina emelhor. Aristóteles (384 a 322 a.C.) passar a ser vista como algo valioso quebaseava sua crença justamente nisso, ele deve ser conquistado perante a promoçãoacreditava que o objetivo de todo homem da felicidade ao outro.era a felicidade e a mesma só seriaalcançada por ele se este tivesse uma vida Ao abordar sobre a vida, Aristótelesrepleta de virtudes e características (apud Andreoni e Gomes)(4), diz quepositivas que o levassem a merecer tal existem três formas de vida, a primeirafelicidade. forma corresponde àquela que satisfaz a vida de gozo, sendo que os homens Epicuro (341 a 270 a.C.) acreditava e identificariam o bem com o prazer, e,menciona em uma de suas cartas sobre o consequentemente, com a felicidade. Arespectivo tema, a felicidade, que o segunda forma de vida seria nomeada deindivíduo somente pode alcançar a uma política, associando bem à honra. Já aexistência feliz a partir do momento que terceira forma chama-se vida daeste abrir mão de todos excessos, de tudoGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 468

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.especulação, caracterizada pelo acúmulo até mesmo o sujeito que busca a morte,de dinheiro. Independente da vida, tendo por diversos métodos encontra-la, nacompreende-se a felicidade como a verdade, tem como único objetivo ser feliz,finalidade de todas as ações, fazendo com a sua vontade de encontrar uma felicidadeque o indivíduo baseie suas escolhas com que já não existe no interior de si. Buscar aintuito deste resultado final. morte passa a ser uma forma desse sujeito de fugir da tão apavorante e sofrida Analisando a história, observa-se que infelicidade.a felicidade baseia-se sobre dois tipos depremissas, no que se refere a premissas de O mesmo acontece com um sujeitonatureza extrínseca nota-se que a que pratica a automutilação, por exemplo.característica que se destaca é que o Brito6 afirma que a automutilação não temsujeito passa a buscar a felicidade para como intuito acabar com a vida, mas simmuito além de si mesmo, acreditando que uma forma de transferir a dor psíquica parapoderá encontrá-la na aquisição de um a dor física, havendo uma espécie de “êxitocarro novo, uma casa nova, um aparelho momentâneo”, mesmo que seja um êxitoeletrônico que esteja em alta no mercado e negativo.os demais tipos de conquistas de caráterexterno. De outro lado, referindo-se a Deste modo, pode-se observar quepremissas de natureza intrínseca o sujeito até mesmo os atos mais dolorososbusca em si mesmo a felicidade, este tem praticados pelo ser humano contra sicomo fonte sua própria existência, mesmo têm como objetivo garantir umaacreditando que tal felicidade somente será espécie de alívio: mesmo que doloroso,encontrada se este trabalhar seu interior, a este alívio possui uma característica desi, transcender a tudo que está externo a “retirar” da psique aquilo que fere eele(3). machuca – mesmo que para isso seja necessário gerar uma nova dor, a dor física. Pascal(5) compartilhava de umpensamento muito valioso e que se Contudo, a felicidade almejada pelocorrelaciona com o que é decorrente dos ser humano é aquela que se realiza a partirdias de hoje, principalmente a aqueles de características quase perfeitas, as quaisindivíduos que apresentam ideação suicida. os ideais de felicidade perpetuam-se,Usando tal exemplo, sabe-se que muitos independentemente do local e época emsão os julgamentos sobre estes, entretanto, que o sujeito se encontra. Tudo que fogede acordo com o pensamento de Pascal, deste ideal (como melancolia, tristeza, ou quando o indivíduo sente-se cabisbaixo eGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 469

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.introspectivo) passa a ser visto com uma usar o medicamento para esquecer ouperspectiva patológica e negativa. ignorar os sentimentos, e não refletir sobre3.2 Felicidade – a partir de uma os mesmos.perspectiva psicanalítica A busca ao prazer visando a Fala-se que este ideal independe do necessidade de alcançar a felicidade é vistatempo e lugar, pois, apesar de cada lugar como uma forte marca da nossa sociedadepossuir suas próprias características, contemporânea. Tenta-se evitar todo epossuem um ideal em comum: a felicidade qualquer tipo de contato com o sofrimento.plena. Qual a diferença dos pacientes na Entretanto, permitir uma buscaViena de Freud e os sujeitos na desenfreada e um alcance da supostacontemporaneidade? São, em sua grande evitação do sofrimento seria muito perigosomaioria, indivíduos que não vislumbram a para a estrutura da personalidade dofelicidade (a pregada pela sociedade) em indivíduo, pois torna-se necessário aseu momento de vida atual. Assim como os introdução do princípio de realidade.pacientes de Freud somatizavam perdendo Segundo Saroldi(7), há uma dificuldade naa sensibilidade de certas partes do corpo, atualidade em pensar coletivamente e essaatualmente também percebemos um busca por prazer de forma exacerbadagradiente de sujeitos que somatizam com introduz o homem no mundo da barbárie,dores físicas a partir de seu emocional. A distanciando-o da cultura. Para a autora, acompensação vem, em grande proporção, renúncia – que conduziria aos processosatravés do uso farmacológico, como uma civilizatórios – é algo que tem sidomaneira de camuflar e ignorar a dor que expurgado do imaginário comum. Vargasdeveria ser levada para a psicoterapia. Os Llosa(8) destaca que têm-se valorizado ofármacos atuam como uma espécie de prazer, a fuga ao tédio, a leveza. Contudo,“pílulas da felicidade”, embora o efeito seja a sociedade (e os seres que nela vivem)de curta duração. não vive um processo hedonista de prazer atemporal, onde tudo está sempre bem, e o O uso farmacológico não é, ser humano sempre é regido e tem todas asprimordialmente, negativo, pelo contrário: suas decisões tomadas pelo Id.em muitos casos de psicoterapia, éimportante que também seja feito um O grande precursor da psicanálise,acompanhamento medicamentoso como Sigmund Freud, ao falar sobre a primeiraforma de auxiliar o paciente. A crítica é tópica do aparelho psíquico, fazendorelacionada, então, ao uso indevido, como referência a prazer e desprazer, chegou àGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 470

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.conclusão que não existe a possibilidade de nenhum. Além do mais, o ser humanoencontrar prazer sem também encontra-se submetido a um ideal socialexperimentar o desprazer, torna-se uma que preexiste ao próprio nascimento, poismeta utópica, Freud dizia que quanto maior mesmo antes de nascer, aqueles que seo nível de prazer no interior do aparelho dedicarão ao próprio nascimento e cuidadopsíquico humano maior também era o já predeterminam os destinos e tornam asdesprazer que este experimentava e que escolhas limitadas, logo, cada indivíduoprecisava ser descarregado por algum passa a ser construídos por ideais emeio, pelo fato de vivermos em sociedade, expectativas que não é de si próprio, masuma das formas utilizadas é através de sim inicialmente de seus pais e mais tardeexercícios, de motricidade, e é justamente da sociedade de acordo com os critérios depor esse motivo que se pauta tal certo e errado perante a civilização.impossibilidade de satisfação irrestrita, poiso fato de vivermos em sociedade nos priva Defronte a dificuldade do alcance daem demasiadas formas de viver nossos felicidade plena, surge um estado demais íngremes desejos (9). infelicidade considerada por Freud como de mais fácil alcance. Inada (9) acredita que Suzuki (apud Sebold) (10) fala sobre o existe fontes que proveem a infelicidade no“distanciamento dos afetos”, no qual o interior do indivíduo, sendo oshomem encontra-se distante da experiência relacionamentos humanos podendo serde felicidade, alegria e sentimentos que o muitas vezes muito inconstante elevam a tal estado feliz, por isto, em muitas superficial, o próprio mundo exterior quesituações este passa a viver em estados refere-se também a sociedade com seusdepressivos, que influencia na maneira pré julgamentos e determinações e ocomo o indivíduo relaciona-se com o outro próprio corpo, demarcado pela insatisfaçãoe em como vive no mundo e nos rumos que do sujeito com si mesmo, buscando sempreestá dando aos destinos. Empiricamente, a perfeição. Segundo Suzuki (apud Sebold)pode-se perceber as consequências desse (10) o que se impregnou no interior do sujeitoprocesso, o enfraquecimento do laço social, da contemporaneidade é que se tem muitoamizade, família, além disto, o ser humano mais valor socialmente ter algo, ecultiva uma rotina demarcada por horários apresentar algo, do que ser, e dentre ser,de durabilidade e prazos de validade, onde ser verdadeiramente feliz.o tempo é o senhor do nosso destino, umacaminhada constante em direção a lugar Inicialmente, o indivíduo é um ser meramente biológico que busca satisfaçãoGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 471

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.das necessidades ligadas somente à fizesse conotação com sofrimento,sobrevivência, mais tarde, conforme éinserido em seus interior os princípios vivenciar suas dores representavasociais, tais como, o que é errado e o que écorreto, o homem passa a se tornar cada fraqueza. Contudo, Bruckner destaca quevez mais insatisfeito com o que tem e como que é, buscando cada vez mais por o que deve desaparecer do discurso dodesejos e necessidades que excedem averdadeira necessidade, desta forma, no sujeito não é o fato de sentir dor e sofrer,impossível alcance de tais desejos, o serhumano passa a ser reprimido, tendo seus mas sim o fato de expressar taisdesejos postergados ou desviados de suafinalidade original (9). sofrimentos através de vias públicas, como Desta forma, de acordo com o jargão a expressão através do discurso ou atésocial, para “ser alguém na vida” é precisoter uma profissão, um bom emprego, casa mesmo das redes sociais, exigindo-se queprópria, uma família, a possibilidade deconsumir produtos de boa qualidade e a espécie humana passe a simular a própriarecém-lançados pelo mercado, objetivosque acabam sendo elencados de forma felicidade Bruckner (apud Sebold) (10), destainconscientemente levando o indivíduoacreditar que somente encontrará a forma o indivíduo passa a reproduzirfelicidade se aderir ao sistema capitalistaque aparece vinculada a possibilidade de papéis, vivendo em simulacro.consumo. Observa-se que foi dada afelicidade um caráter de dever, aparecendo Ser plenamente feliz em umaatrelada também ao status social e aimagem e supervalorização do corpo (10). sociedade que obriga, a todo o momento,3.3 Vida em simulacro mediar desejos tornou-se um objetivo Antigamente, sentimentos negativosnão podiam ser mencionados e muito inacessível. Logo, existir namenos sentidos pela espécie humana, eraproibido fazer menção de termos que contemporaneidade trata-se muito mais de contracenar papéis do que viver de fato quem se é, creditado isto a sociedade que determina o que é socialmente aceitável, sendo que tudo que transcender a isso se torna promíscuo e patológico. Deste modo, alcançar a felicidade é uma ilusão de caráter social, organizada e desempenhada pela própria sociedade, como se refere Fontenelle (11), pois a linha entre o aceitável e o profano é muito tênue. Assim, o indivíduo encontra-se obrigado a todo o momento sublimar seus desejos por outros mais socialmente aceitos. Mas que o impede de alcançar a tão desejada meta da felicidade?GERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 472

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. Na atual sociedade, percebe-se que convocado a responder como umfoi retirado do indivíduo o direito de sofrer,de se permitir sentir-se tristonho, pois este, personagem fictício da sua própria vida,ao ser percebido assim, passa a serrotulado como o desanimado, o depressivo, perde o norte de suas produções subjetivaso “baixo-astral”; impera-se a necessidadede ser feliz, pois a mesma sociedade que o singulares, devido à perda da suaproduz também o rejeita, rejeita a suapossibilidade de perceber-se fora da carga individualidade sobre seusde expectativa lançada sobre ele por partedo sistema civilizatório e suas exigências. comportamentos, mas a sociedade iráHoje é preciso ser feliz, diante do fácilacesso a tudo, tecnologias e meios de devolver-lhe uma subjetividadecomunicações não há espaço para o fraco,o controle social se intensifica cada vez espetacularizada, no qual o mesmo padrãomais garantindo que a sociedade secomporte e apresente um posicionamento de comportamentos é identificado.aceitável, retira-se o luto e impera-se afelicidade. Mediante a isto, o indivíduo não Isto é, à medida que o sujeito notase permite sofrer, vivenciar sua tristeza, oque este poderá necessitar apenas da que, na sociedade, aqueles que estãooportunidade de vivenciar sua dor e não dasua retirada. Impera-se o gozo, pois a real cabisbaixos, tristes e cansados sãonecessidade é ter a sonhada felicidade eafastar tudo que provoca sofrimento (12). rotulados como depressivos, ele irá Na sociedade contemporânea, nota- procurar soluções imediatas, para quese que o ser humano precisa estarcotidianamente feliz, propagando uma falsa quando sinta-se de tal maneira, consiga terideia de felicidade imediata. Bauman (apudFerreira)(13) compara a subjetividade com o em mãos algo que retire a dor e, quase quefetichismo da mercadoria propagado peloanseio por uma felicidade instantânea e automaticamente, devolva-lhe o ideal deperpétua, assim, quanto mais o indivíduo, felicidade. Por não permitir-se viver a genuidade do que sente, não permitir-se vivenciar momentos difíceis, este sujeito vive, então, através de um mecanismo egóico representado por uma sociedade também egóica. O Ego não é algo que tem sua existência do nada, ele é construído no decorrer da existência do sujeito, assim como o Id e o Superego, o Ego também tem sua função, sendo esta a de mediar as pulsões do Id que grita pelo prazer e as exigências do superego que atua ao lado das exigências sociais, que realmente leva o indivíduo a realidade socialmenteGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 473

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.imposta. Desta forma, entende-se que é a onde o Doutor Sigmund Freud era procurado para atender pessoas quepersonalidade que desenvolve os apresentavam sintomas, tais como paralisação, que fugia totalmente asmecanismos de defesa necessário do Ego, explicações cientificas da época. Freud encontrou-se com pacientes sobre os quaistendo entre os principais mecanismos de a ciência não tinha todo o saber, na qual a medicina não conseguia exercer o controledefesa do Ego existentes se encontra o e não sabia o que desenvolver para promover a cura a sujeitos com taismecanismo de negação que consiste sintomas, ainda existia algo que iria além da ideia de corpo anatomo-fisiológico, existiriasimplesmente na recusa do sujeito em uma causa subjetiva para tais somatizações, o anseio por uma felicidadeconsentir com situações que levam ao que lhe eram retirados pela própria sociedade, onde o sujeito sofre e não podesofrimento, que causa angustia nesse externalizar sua dor. Percebe-se que as exigências em não externalizar osujeito (14). sentimento real do sujeito possui uma carga histórica, não é algo daAo negar sua dor, o homem recalca contemporaneidade, na era Vitoriana já se percebia essa imposição sobre opara si suas angústias não as homem(15).externalizando, dificultando sua A perpetuação dessa impossibilidade lançada sobre o sujeito contemporâneo deelaboração. Logo, o homem, sujeito o qual ser e expressar o que realmente se é teria uma carga cultural transpassando décadasé diferenciado dos animais pela capacidade até os dias de hoje?de comunicar-se pela palavra, guarda para Considerando que este sujeito convive em sociedade e carrega uma cargasi e sofre. Sabe-se que corpo e palavra são que antecede sua existência, a resposta é sim. Afinal, esse sujeito não tem controlepartes indissociáveis da existência, o corpoque se apresentará ao médico será o corpode um ser falante, além do mais, o corpotambém falará através de suas disfunçõese dores. A ciência médica atua sobre ocorpo humano de acordo com aquilo quepode ser visualizado externamente, é umsaber universal, se não mecânico. Namedicina, a doença, desde os primórdios, édiagnosticada por seus sinais e sintomas, osintoma é identificado e examinado até serformado o quadro nosológico da doença.Entretanto, seria apenas a medicina a únicasuficientemente capaz de responder asrespostas do corpo? Para encontrar talresposta, pode-se voltar a antiga Viena,GERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 474

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.direto sobre as cobranças impostas pela igualmente importante que o sujeito passe pelo processo psicoterápico, para quesociedade. possa refletir sobre as questões que o3.4 Felicidade e a psicofarmacologia – deixam de tal maneira.implicações quanto a banalização do Considera-se isto, pois o problema da medicação é que o sujeito passa a ver amedicamento solução, o modo de livrar-se da dor, através da lógica psicofarmacológica Margarido (16).Cada sujeito tem sua constituição Isto faz com que o indivíduo prive-se de outras possíveis ajudas, bem com a terapia,pautada sobre uma perspectiva que é por ver que sua “cura” se restringe ao medicamento. O sujeito, então, perpassabiológica, psicológica e social, o que por certa dependência, e quando sentir-se triste, provavelmente fará uso dochama-se de biopsicossocial, e medicamento com intuito de que o sofrimento passe.compreender isto é compreender também Um sujeito que desenvolva sintomascertas determinações da sociedade. tais como fadiga, dores corporais, diminuição de apetite, perda de peso,Margarido (16) afirma que a grande alterações de sono, facilmente pode ser diagnosticado pela medicina como umproblemática envolvendo a paciente que apresenta um quadro clínico de depressão. Entretanto, necessita-sepsicofarmacologia quando trata-se de atentar que um apunhado de sintomas não determinam um quadro patológico,depressão, por exemplo, é a banalização: diagnósticos pautados apenas em aspectos nosológicos correm um preocupante riscocom o avanço farmacológico e o marketing de não serem fidedignos com a realidade do indivíduo. A depressão torna-se cada diaque é realizado sobre os medicamentos, mais naturalizada, Prata (17) indo além em pesquisas, descobriu que atualmente apessoas com depressão leve, que a priori depressão é um grande problema de sáude de caráter público, atinge milhões denão precisariam utilizar o medicamento,passam a fazer uso indevido. Isto porque,em primeira instância, os medicamentosdevem ser utilizados apenas em casos dedepressão severa.Isto faz com que ocorra não apenasuma banalização, mas uma espécie de“solução rápida”. A problemática não estáem utilizar o medicamento – quandoprescrito pelo médico psiquiatra, omedicamento pode ser de grande ajuda –,e sim em como a psicoterapia passa a serignorada nesses casos, além dadependência do paciente. Mesmo que sejanecessário fazer uso do medicamento, éGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 475

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.pessoas em toda terra, independente de a internet torna-se o instrumento devalores culturais, crenças e etnias, além do identificar uma patologia sem amais, de acordo com o aumento da necessidade de ir ao médico. Logo, umaincidência de depressão, esta apresenta pessoa que está com alterações de sono egrande probabilidade de se tornar a de apetite por trabalhar exaustivas horas esegunda maior doença mundial até 2020. E não conseguir realizar suas refeições notorna-se ainda mais assustador quando se horário correto como de costume e,analisa os dados das vendas de fármacos, consequentemente, sente-se cansada, comsendo as “pílulas da felicidade”, infalíveis dores corporais, com muitos sintomas quecontra a depressão, as mais vendidas nem possuem ligação direta com aatualmente no Brasil. A que deve esse depressão, mas que geralmente dão aoaumento? Seria a negligência de muitos indivíduo a ideia de sofrimento e mal estarprofissionais da saúde que padronizam que deve ser remediado comsintomas e diagnosticam ou ao próprio antidepressivos, se diagnostica comsujeito que se automedicam e determinam depressão, e isto tudo, sem sair de casa.o próprio diagnóstico? A partir dessas explanações, Prado e Dada à globalização, o avanço da Gomes (4) observam que torna-se ambíguamídia que alcança cada dia mais um a atuação na vida do ser humano, aindanúmero maior de pessoas e ao fato de o que tenha como objetivo proteger oenfrentamento de algum sofrimento ter se indivíduo de situações que o leve aotornado “fora de moda”, a indústria sofrimento, esta acaba por provoca-lo, ofarmacêutica passou a contar com um que acaba levando o indivíduo desenvolverenorme arsenal de medicamentos, as sentimentos negativos contra a própriamágicas “pílulas das felicidades”, as quais sociedade que está inserido.tem solução para tudo, para combater tudoque possa provocar algum tipo de angústia Proteger-se desse sofrimento ee mal-estar, desde a depressão até a uma interpretá-lo de maneira errônea torna odor de cabeça. Nota-se que não sente-se sujeito um eterno ser humano que busca ador de cabeça porque está cansado e esta felicidade e meios de alcançá-la.foi a forma que o emocional escolheu parase expressar, através do corpo; se existe tal Na logoterapia, teoria de Viktor Frankl,dor é porque algo de errado está o mesmo diz que quem busca a felicidadeacontecendo no organismo, mediante isto, em si, parece desejá-la de modo absoluto, incondicional e individual, desconsiderando que nela esteja implicada uma concepçãoGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 476

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.de “razão” para ser feliz – ela não existe por tolerada. Criou-se uma aversão àexistir, algo gera esta felicidade. A possibilidade de ser confrontado consigofelicidade não deve ser buscada, se houver mesmo, com a realidade existente dentrouma razão para esta, ela surgirá de si, logo, negar a realidade tornou-se algoautomaticamente. A máxima da logoterapia prazeroso, que pode ser alcançado comé “não se pode perseguir a felicidade”, doses medicamentosas.buscá-la. Se buscar, não é uma felicidadeverdadeira, e sim um desejo(18). Isto é, o sofrer e o sentir-se triste, mesmo que momentâneos, tornam-se A felicidade não é uma totalidade inadmissíveis perante a sociedade, ehedonista, ela é natural, e devido tal quanto mais o sujeito tenta proteger-se (anaturalidade irá surgir quando esta por si só partir do uso exacerbado de medicamentos,encontrar razão para existir. Compreender por exemplo), mais ele irá sofrer, poisisto é compreender que não existem seres enquanto não ir à fundo, refletir, considerarhumanos felizes todos os dias, a todo e aceitar quais são os movimentosmomento, pois isto não seria uma verdade, pessoais que causam essas dores, oe sim um desejo. Se não houverem sujeito só conseguirá camuflá-la, e nãomomentos tristes, como o ser humano pode tratá-la.discernir tristeza de felicidade? Mas afinal, vale a pena ignorar a Apresentar algum comportamento verdade, com medo de encarar sua própriaque fere aquilo que é imposto pela melancolia.sociedade apresenta-se de forma tão 3.5 Felicidade e Matrix – pílula azul oupreocupante que o indivíduo abriu mão do pílula vermelha?direito de olhar para si, de analisar quemeste é e porque sente-se de determinada No filme Matrix(19), o telespectador éforma. Nota-se a razão pelo descaso apresentado por uma concepção dedirecionado à psicoterapia, a qual é ambiguidade entre encarar a verdade eimprescindível para que o sujeito consiga conviver com uma camuflagem. Em umaolhar para si e identificar-se, perceber-se cena dos filmes, Morpheus apresenta aalém de uma patologia. O sujeito do século Neo a ideia de levar uma vida comum ouXXI tornou-se um ser que tem medo de encarar a verdade. Morpheus fala que Neopensar, pois pensar dói, e a dor não é deveria fazer uma escolha importante:compatível com a felicidade, e se não é escolher entre a pílula azul e a pílulacompatível, esta também não merece ser vermelha.GERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 477

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. Apresentando que o ser humano é que é difícil, e considerar as falsas ilusõesuma espécie de escravo da sociedade, de felicidade a encarar a verdade?Morpheus diz que não pode-se explicar oque é a Matrix (uma possibilidade elencada A geração de pílulas azuis leva umaseria de que a Matrix seria uma metáfora vida dita como normal pela sociedade:para designar o próprio conceito de vida) trabalhe, case, viva, viaje, e faça tudo issonaquele momento, mas que se Neo com conforto e um sorriso no rosto. E casoquisesse ver a verdade, poderia. Para isto, seja difícil sorrir, existe sempre uma pílulaele deveria fazer a escolha entre a pílula para ajudar.azul, que garantiria que ele acordasse em 4 CONSIDERAÇÕESsua casa e levaria uma vida comum, ou apílula vermelha que mostraria a verdade. A partir da revisão de literaturaMorpheus usa como analogia o fato de que utilizada, nota-se que, na sociedadetomar a pílula vermelha deixaria Neo no contemporânea, grande parte dosPaís das Maravilhas, e Morpheus mostraria sentimentos melancólicos são vistos comoaté onde iria a toca do coelho – uma sinônimo de depressão. Isto faz com que areferência à Alice no País das Maravilhas – pessoa que se sinta com tais, para que Neo passasse a compreender o características busque resultados rápidos eque a Matrix era, de fato, por mais difícil que que ela julgue eficazes para tirar afosse. melancolia e tristeza de si. Cada vez mais, o mecanismo utilizado se encontra voltado Tomar a pílula azul garantiria conforto, para a indústria farmacológica.felicidade e estagnação em uma vidacomum. Enquanto que a pílula vermelha Na sociedade contemporânea, sãogera um extremo desconforto, por mostrar estabelecidas várias características quea verdade: que o ser humano nem sempre ditam o que o sujeito precisa ter ou fazerterá apenas momentos confortáveis, e que para ser feliz. Isto faz com que, cada vezpara compreender o conforto, é necessário mais, os sentimentos como tristeza sejamcompreender características ditas como vistos apenas como negativos enegativas. inadmissíveis. A partir do momento em que o indivíduo enquadra-se em vários pontos A partir disso, é feito um sociais (como emprego, casamento, filhos,questionamento ao leitor: a sociedade têm estudo), torna-se inaceitável que ele tenhavivido em uma geração de pílulas azuis? momentos de desprazer.Uma geração que prefere camuflar aquilo Logo, nota-se que o sonho da sociedade é como uma utopia doGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 478

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.hedonismo: onde tudo é prazeroso e mensalmente estranhos navios sendoindolor. O fato é que a realidade é lotados de “loucos”, a nau dos loucos,manifestada através de pontos positivos e navios os quais levavam sua carga insananegativos. A partir disso, o necessário seria de uma cidade para outra como forma derefletir a partir desses pontos, mas como controle, pois tais loucos eram confinados etorna-se inaceitável possuir pontos considerados a ociosidade da sociedade.negativos, os indivíduos passam a buscarresultados rápidos para obter uma vida Tal necessidade de controle por parteinteiramente prazerosa, ignorando qualquer da sociedade ainda é identificada no séculocaracterística que julguem como negativa. vigente, mas o que mudou? Difere-se que as cruéis punições corporais como forma E o que motiva essa busca? de controle foram substituídas pelaJustamente a predeterminação da desapropriação da autenticidade do sujeito,sociedade sobre este indivíduo, o qual do direito de ser ele mesmo, sujeito queperde seu direito de sujeito pensante, tendo sente, fala e manifesta. Nasua subjetividade e percepção de si contemporaneidade, expressar o que senteroubada pelo sistema, e, por meio disto, tornou-se sinônimo da loucura, fator quepercebe-se que não é algo único da perturba a ordem do sistema social, fator ocontemporaneidade, mas sim uma qual percebe-se impregnado de tal formarealidade que acompanha o passar dos que o próprio indivíduo abdica do seu direitoséculos, e que Foucault (20) retrata de ser e sentir e assume uma condiçãoperfeitamente em suas análises da passiva, encenando e adoecendo.sociedade dos séculos passados com aatual condição e posicionamento da Aceitar-se em felicidade e infelicidadesociedade do século XXI, o autor retrata em tornou-se difícil, e o ser humano costumaseu livro Vigiar e Punir que entre os séculos buscar formas para camuflar os momentosXVII e XVIII a sociedade soberana utilizava que não são prazerosos, desconsiderando-o suplício e a punição corporal como forma os como naturais. Logo, há uma buscade controle sobre a população. Em sua rápida pela felicidade, e, infelizmente, éobra, A história da Loucura, Foucault(21) irá uma busca que não valoriza, em suaretratar que no Renascimento tudo que grande maioria, a reflexão da psicoterapia.fosse identificado como “errante eperturbador da paz social” deveria ser Através deste estudo, pode-seextinto, e desta forma, assistia-se apontar que todo indivíduo carrega em si o desejo de alcançar a plena felicidade. Entretanto, sabe-se que a civilização e aGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 479

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente.Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.cultura são dois dos grandes impasses que acompanhado de uma prescrição médica,dificultam o alcance da utópica felicidade. caso que não deve acontecer: o psiquiatraAlém disso, encontra-se o princípio de saberá ver o sujeito com um olharrealidade que faz o princípio de prazer individual, e a partir disso saberá se oreduzir suas expectativas e converte-se a paciente precisa do medicamento, e seele, o qual impõe uma série de limites ao precisar, qual é a melhor dosagem e oprojeto de vida feliz do indivíduo. Pôde-se melhor medicamento, estimulando tambémobservar também que ao mesmo tempo em a psicoterapia. Em segundo lugar, a críticaque a civilização cria meios para proteger aqui feita é realizada acerca da ausência deos indivíduos das fontes de sofrimento ela reflexão: não é refletir se deve ou não tomaracaba por ser tornar ambígua a partir do o medicamento, mas refletir sobre asmomento que passa a produzir o próprio e razões e emoções que levam ao ato emtemido sofrimento no interior do sujeito que questão. E, além disso, propor que aé reprimido em sua liberdade de psicoterapia, em auxílio com a psiquiatria,experimentar e sentir. Mediante isto, mostra-se como uma prática eficaz,reforça a condição miserável do ser buscando sempre um interesse em comum:humano, ambiguidade que gera no seio da ajudar o indivíduo.sociedade um sentimento de hostilidade eao mesmo tempo obediência direcionado a Os profissionais da psicologia devemcivilização. Objetivou-se abordar nesta visar sempre a reflexão do indivíduo, e fazerrevisão de literatura como ocorre esse isto baseando-se na prática reflexiva. Aqui,processo de “sequestro” da subjetividade antes mesmo de refletir acerca dasdo sujeito, o qual reprimido em seus mais possíveis soluções, é importante refletiríngremes desejos, somatiza e adoece, sobre as causas: por que o sujeitoabordando também o quão exacerbado contemporâneo não consegue tertornou-se o uso descontrolado de momentos de dor ou tristeza? Por quemedicamentos. torna-se tão difícil refletir sobre o que está causando aquilo? Muitos indivíduos não A crítica que aqui é feita não é de banir permitem-se fazer isso, recorrendoos medicamentos – até porque estes são de rapidamente a formas de amenizar a dor.um imenso auxílio à prática psicoterápica –, tampouco à indústria farmacêutica. Por que a atual geração tornou-sePrimeiramente, nota-se que, em vários uma “geração de pílulas azuis”? Quecasos, o uso medicamentoso não é preferem tomar a pílula azul – aqui, a pílula azul não é, necessariamente, umGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 480

Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200.representativo medicamentoso, mas toda e Conclui-se que o trabalho não terminaqualquer forma que o sujeito encontra para aqui: é um tema que sempre deve serignorar o problema – e fingir ter uma vida refletido, e, ainda hoje, é pouco falado eperfeita, a tomar a pílula vermelha, que muitas vezes até mesmo ignorado, maspode ser dolorosa e verdadeira, mas que é começar a abordá-lo é uma forma deo único caminho para a real felicidade? começar a diminuir o estigma social que tem-se sobre o tema, pois consiste em ver A felicidade não é uma vida sem além do estigma, do estereótipo e da utopiamomentos tristes, pelo contrário: a de que a felicidade é uma constância e defelicidade é nem sempre estar feliz e alegre, que estar introspectivo é sempre ruim.mas refletir acerca desses momentos, oscausadores, e então conseguir lidar e rumarnaturalmente até ela. A felicidade não ébuscada, ela o busca.REFERÊNCIAS Comunicação e Cultura 2016; 15(30): 241- 255. [citado em 20 de agosto de 2017].24. Camelo M. Los Hermanos, Ventura: Disponível:O Vencedor [CD-ROM]. Rio de Janeiro http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/co(RJ): BMG Brasil, 2003. nexao/article/view/4626/2850.25. Frankl V. La Psicoterapia Al Alcance 28. Sponville AC. A Felicidade,de Todos. 7ª ed. Espanha: Herder; 2009. Desesperadamente. 4ª ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2010. [citado em 20 de26. Graziano LD. A Felicidade agosto de 2017]. Disponível em: http://abdet.com.br/site/wp-Revisitada: Um Estudo Sobre Bem-Estar content/uploads/2014/10/A-Felicidade- Desesperadamente.pdf.Subjetivo na Visão da Psicologia Positiva.[Tese de Dourado]. São Paulo (SP):Universidade de São Paulo – USP; 2005.[citado em 20 de agosto de 2017]. 29. Brito I. Ansiedade e Depressão naDisponível em: Adolescência. Rev Portuguesa de Medicinahttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/4 Geral e Familiar 2011; (27)2: 208-214.7/47131/tde-23052006-164724/en.php. [citado em 20 de agosto de 2017].27. Gomes VMLR, Andreoni R, Gomes Disponível em:LB. As Emoções e a Felicidade na http://rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/viContemporaneidade: Reflexões em Torno ew/10842/10578.Da Abordagem Discursiva da Animação 30. Saroldi N. O Mal-Estar naDivertida Mente. Rev Conexão – Civilização: As Obrigações do Desejo naGERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 481

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Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes: FAEMA, v. 9, n. 1, jan./jun., 2018. ISSN: 2179-4200. Como citar (Vancouver)Rocha VHC, Santos GP. Geração de pílulas azuis: a intensa busca pela felicidade na contemporaneidade. RevCient Fac Educ e Meio Ambiente [Internet]. 2018;9(1):465-483. DOI: http://dx.doi.org/10.31072/rcf.v9i1.562GERAÇÃO DE PÍLULAS AZUIS: A INTENSA BUSCA PELA FELICIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 483


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