SUMÁRIO Epígrafe 13 Prefácio & Apresentação 15 19 1. A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE 19 PENAL DA PESSOA JURÍDICA: UMA BREVE 20 ANÁLISE SOB A LUZ DA PROTEÇÃO AMBIENTAL 21 Samara Silva Gomes; Felipe Emanuel Sousa Santos; Thamara 23 Duarte Cunha Medeiros 30 32 Introdução Metodologia Científica 34 Responsabilidade Penal no âmbito Ambiental 35 Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 38 Diferentes teorias acerca da Personalidade Jurídica Tese e reflexões sobre aplicação e legitimidade do 38 Direito Penal no âmbito da responsabilidade das 40 Pessoas Jurídicas 50 Considerações Finais 52 Referências 55 56 2. A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL EM DECORRÊNCIA DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO NO DIREITO À SAÚDE Lucas Fernando da Silva Julião; Arielle Melo Alves; Thaminne Nathália Cabral Moraes e Silva Considerações iniciais O Direito à saúde Características do Estado de Coisas Inconstitucional Ativismo judicial e o Estado de Coisas Inconstitucional Considerações finais Referências
3. ANÁLISE DA TEORIA DA CEGUEIRA 59 DELIBERADA FRENTE AO CRIME DE LAVAGEM 59 DE CAPITAIS 61 Josiel Brandão de Melo Filho; Maria Regina Barreto Limeira 62 65 Introdução 71 Metodologia 75 Conceituação sobre a Teoria da Cegueira 77 Deliberada 80 O crime de lavagem de capitais sob a ótica da Legislação Brasileira 80 A Teoria da Cegueira Deliberada sob análise do 81 crime de lavagem de capitais no Brasil 86 Considerações finais 88 Referências 94 95 4. ANÁLISE SOBRE O ENTENDIMENTO 97 LEGISLATIVO-JURISPRUDENCIAL EM RELAÇÃO 97 AO IMÓVEL RURAL NO BRASIL PARA FINS 99 TRIBUTÁRIOS E DE PARCELAMENTO DO SOLO Melina de Figueiredo Lopes Maia Pires; Aline de Figueiredo 107 Lopes Maia; Ciro Leite Pires Introdução Resultados e discussões: Urbano x Rural Imóvel agrário: definição e regras de parcelamento Hipóteses de incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano Considerações finais Referências 5. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA À LUZ DA CONCEPÇÃO SIGNIFICATIVA DA AÇÃO Rhayssam Poubel de Alencar Arraes Considerações iniciais A Pessoa Jurídica como sujeito capaz de uma ação: algumas considerações prévias sobre a concepção significativa da ação A Pessoa Jurídica como sujeito capaz de uma conduta criminosa
Considerações finais 112 Referências 113 116 6. COMPLIANCE TRABALHISTA E A 116 CRIMINALIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL NO 118 AMBIENTE DE TRABALHO: ANÁLISE DO 133 PROJETO DE LEI N° 4742/2001 134 Caio José Arruda Amarante de Oliveira; Josiel Brandão de 138 Melo Filho 138 Introdução 139 Metodologia 142 Considerações finais 150 Referências 152 153 7. DESENVOLVIMENTO, DESVIO E A FORÇA DO 153 SOCIAL SOBRE O INDIVÍDUO 155 Diana Freitas de Andrade 157 173 Introdução 175 Celso Furtado: desenvolvimento e a criação de valores substantivos Sociedade, desenvolvimento e desvio: a força do social sobre o indivíduo Considerações finais Referências 8. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: VALIDADE DO PRINCÍPIO DA SERENDIPIDADE Naara Luna Chaves; Caio José Arruda Amarante de Oliveira Introdução Metodologia Da interceptação telefônica como meio (de obtenção) de prova Considerações finais Referências
9. MEMÓRIAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO 178 VERSUS MEMÓRIAS DO DESENVOLVIMENTO 178 SOCIOECONÔMICO 179 José Flôr de Medeiros Júnior 185 192 Introdução 193 Desenvolvimento Econômico, Tempo E Espaço: O 197 Lugar Da Memória O Desenvolvimento Não Consegue Sair Da 197 Caverna 198 Conclusão 206 Referências 209 212 10. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SOB A 213 218 PERSPECTIVA DE CELSO FURTADO: O ESTADO COMO PROMOTOR DAS MUDANÇAS NOS 218 PAÍSES PERIFÉRICOS 219 Ana Beatriz Nóbrega Barbosa; Igor de Lucena Mascarenhas 232 236 Introdução 237 Desenvolvimento Econômico E Desenvolvimento 240 Sustentável A contribuição furtadiana para construção do desenvolvimento sustentável A necessidade do Estado para efetivação do direito ao desenvolvimento Considerações finais Referências 11. REGRESSIVIDADE DA TRIBUTAÇÃO E SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO: ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO Vinícius Vasconcelos Bronzeado; Nadine Gualberto Agra Introdução Desenvolvimento Resultados E Discussões Considerações finais Referências CONGRESSO JURÍDICO DO NUPOD De 26 a 28 de agosto de 2020
Notas 243 Sobre os autores 249
Indispensável que os cientistas vejam naquilo que eles produzem valores, algo que tem um sentido em si mesmo, que está relacionado com os fins da vida humana. Produzir valores implica ter consci‐ ência do contexto social em que vivemos. — FURTADO, [1979] 2013: 486
PREFÁCIO & APRESENTAÇÃO NUPOD/CCJ/UEPB - DGP/CNPq O Núcleo para Pesquisa dos Observadores do Direito é um grupo de pesquisa registrado no DGP – Diretório de Grupos de Pesquisa do Brasil, pertencente à plataforma do CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa Científica, inspirado no que aconteceu na Alemanha entre os anos de 1923 e 1929 com a criação do Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, que ficou conhecido como Escola de Frankfurt. Faziam parte deste grupo os pensadores: Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock, Erich Fromm, Otto Kirchheimer, Leo Löwenthal. O NUPOD tem como núcleo originário de autores pesquisados e estudados Tobias Barreto, Hans Kelsen, Heinz von Foerster, Niklas Luhmann, Rafaelle de Giorgi, George Spencer Brown, Ersnt von Glasersfeld, Michel Foucault, José Calvo Gonzalez, Humberto Maturana, Francisco Varela, porém com a cognição aberta para estudos de diversos autores contribuintes nos
16 | PREFÁCIO & APRESENTAÇÃO diversos espaços científicos como Ciências Sociais, Biologia, Cibernética, Teoria dos Sistemas, Filosofia, Teoria do Estado e da Sociedade e Sistema do Direito. O referido grupo de pesquisa possui uma agenda de encontros semanais regulares todas às quartas-feiras das 15h às 17h30min com uma série de Programa de Lições estudados sob a direção do seu líder Profº. Pós-Doutor Luciano Nascimento Silva, lotado no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual da Paraíba CCJ/UEPB). O grupo de pesquisa também é vinculado ao PPGCJ/CCJ/UFPB e PPGDH/NCDH/UFPB. Além disso, o NUPOD também realiza diversos eventos acadêmicos como congressos, seminários, mesas redondas, colóquios, webinários etc. tanto na forma presencial quanto através das mais variadas plataformas digitais. E é exatamente de um desses eventos que surge a obra ora publicada em seu formato eBook, através do selo editorial NUPOD PUBLICAÇÕES, pelas páginas digitais da Plural EDITORIAL, reunindo uma série de artigos que foram submetidos os GTs do Webinário NUPOD - Direito, Economia e Desenvolvimento: um congresso em homenagem a Celso Furtado em seu centenário. O webinário Direito, Economia e Desenvolvimento, homenageou o centenário de Celso Furtado entre dias 26, 27 e 28 de agosto de 2020 através de uma parceria entre o NUPOD/CCJ – DGP/CNPq, a EDUEPB e a Editora A UNIÃO/EPC. Celso Furtado foi um grande economista brasileiro, nascido na Paraíba e instituiu políticas econômicas de suma importância em âmbito nacional e que repercutem até os nossos dias com vistas a melhorar o desenvolvimento econômico de países da américa latina. Jurista por formação e doutor em economia, Furtado desenvolveu estudos basilares na Universidade de Cambridge, na Inglaterra e, no Brasil, posteriormente atuando como economista
PREFÁCIO & APRESENTAÇÃO | 17 na Fundação Getúlio Vargas e ocupando cargos como a direção geral do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Sendo assim, resta cristalina a relevância social, cientí‐ fica e econômica do pensador para o nosso país e, nesses termos, foi organizado um webinário com vistas a homenagear o jurista e disseminar sobre seu pensamento científico em âmbito acadêmico. É notória a relevância de um grupo de pesquisa como o NUPOD, pois busca desenvolver pesquisas científicas pertinentes e estudar autores conterrâneos que contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento científico, social e econômico do país, pesqui‐ sando de forma colaborativa e coletiva tanto entre alunos da graduação, como pós-graduandos e livres docentes mediante discussões acerca de temas jurídicos e sociais, desenvolvendo pesquisas, congressos, eventos, periódicos e atividades acadêmicas. Campina Grande, Novembro de 2020 Serra da Borborema Luciano Nascimento Silva Raniely Maria de Andrade Oliveira Ana Carolina dos Anjos Medeiros Aline Barbosa dos Santos
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA: UMA BREVE ANÁLISE SOB A LUZ DA PROTEÇÃO AMBIENTAL SAMARA SILVA GOMES; FELIPE EMANUEL SOUSA SANTOS; THAMARA DUARTE CUNHA MEDEIROS INTRODUÇÃO AS PESSOAS JURÍDICAS, ENTIDADES COLETIVAS CRIADAS PELO Direito sempre suscitaram diversos debates em sede doutrinária, principalmente, com relação a responsabilização penal desses entes. Modernamente, subsistem ainda questões quanto a sua aplicabilidade e legitimidade no âmbito do Direito Penal, tendo em vista a sua franca utilização para o combate a crimes ambien‐ tais que se tornam tendência na atualidade. Nesse diapasão, sob um superficial olhar histórico, ao longo da breve história humana, nossa espécie sempre esteve em constante conflito com outras espécies e com o próprio ambiente que nos cercava. Continuadamente na incessante busca pela sobrevivên‐ cia, acabamos por vitimar diversas espécies e por degradar ecos‐ sistemas inteiros, moldando-os aos nossos interesses e necessidades. Desse modo, com o advento de acontecimentos notáveis que marcaram saltos em nosso desenvolvimento intelectual e tecno‐
20 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO lógico, como a revolução industrial e o crescimento dos centros urbanos, ocorreu o aumento exponencial da exploração de recursos naturais e da degradação ambiental, quase sempre vista em detrimento das predileções de grupos econômicos em prol da obtenção de lucros. Esse processo se intensifica nos dias atuais, onde tragédias ambientais tornam-se cada vez mais comuns em nosso país, fartos são os exemplos vistos, como o recente caso do derrama‐ mento de aproximadamente 2,5 mil toneladas de petróleo na costa do Nordeste Brasileiro1, e os episódios do rompimento de barragens de exploração mineral no Estado de Minas Gerais, que vitimaram centenas de pessoas. Em comum, tem-se que todos esses episódios foram provocados por empresas que exploravam atividades econômicas ligadas a extração de recursos naturais, e que pela não observância dos padrões mínimos de segurança acabaram por gerar danos irreversíveis ao ambiente natural. É nesse sentido onde se encontra o cerne da discussão do uso da tutela penal para o enfrentamento das práticas ilícitas ambientais cometidas por entes coletivos, posto que estes são responsáveis por grande parte das agressões feitas à aquele que é um dos bens coletivos mais importantes protegidos por nossa carta maior. METODOLOGIA CIENTÍFICA Para o desenvolvimento do presente artigo, realizou-se uma pesquisa dogmática, a partir do texto dos diferentes diplomas legais, jurisprudências, e dos conteúdos publicados em livros, artigos e outros materiais doutrinários. O método aqui utilizado foi o dedutivo, pois apresentou-se como premissa a responsabili‐ dade penal das pessoas jurídicas, utilizando-se dos princípios e dos valores sociais existentes na sociedade para firmar as conclu‐
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA … | 21 sões sobre a necessidade da admissibilidade deste tipo de respon‐ sabilização. RESPONSABILIDADE PENAL NO ÂMBITO AMBIENTAL Marco histórico e conceitual da proteção do Meio Ambiente Preliminarmente, faz-se mister apresentar alguns conceitos, prima facie, a lei 6.938/81 define juridicamente a noção de meio ambiente, sendo “o conjunto de condições, leis, influências e inte‐ rações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Dito isto, busca-se igual‐ mente por um conceito de dano ambiental, todavia, não sendo possível encontrá-lo em diplomas legais, dado o seu caráter aberto e dinâmico (OLIVEIRA, 2017, p.422). Contudo, a doutrina nos oferta lições valiosas, no qual o Ministro Herman Benjamin define o “dano ambiental como a alteração, deterioração ou destruição, parcial ou total, de qualquer dos recursos naturais, afetando adversamente o homem e/ou a natu‐ reza” (BENJAMIN, 2011, p. 132). Percebe-se, no entanto, que a preocupação dos legisladores brasi‐ leiros com o meio ambiente é fruto de uma longa evolução histó‐ rica, pois, o tratamento jurídico-penal dado em referência a evolução do amparo sobre as leis ambientais brasileiras encon‐ trava-se disperso na legislação extravagante. Anteriormente, as leis de conteúdo ambiental visavam a prevalência dos interesses econômicos sob os recursos ambientais. De maneira cronológica, os principais tratamentos legais ambi‐ entais brasileiros foram observados a partir da exploração do Pau-Brasil em 1605 (SCHINKE, 2004, p. 115), com o reconheci‐ mento das terras litorâneas, respaldada na Carta de Doação e
22 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Foral aos portugueses e, das prováveis riquezas naturais brasilei‐ ras, desejadas pelos estrangeiros com a finalidade econômica, com isso, firmando fundamentos colonizadores ao povo nativo, como a declaração de posse sob o pau-brasil, produto designado ao monopólio da Coroa (COUTO, 1999, p. 57-58). Desde então, o comércio ilícito de madeira resultou na devas‐ tação das florestas, produzindo os Regimentos dos Governado‐ res-gerais em 1605, uma tentativa de estabelecer critérios nos procedimentos de corte da madeira, apesar de não haver uma preocupação efetiva na exploração do pau-brasil e demais patrimônios naturais. Posteriormente a chegada de D. João VI, ressalta-se a preocu‐ pação dos colonizadores em manter o monopólio do comércio e a navegação dos produtos adquiridos sob os nativos, produzindo modificações, como o combate ao contrabando ilegal da madeira. Na investida da manutenção dos interesses da Coroa, com receio de outros países retirarem o poder português do atual Brasil, em razão riquezas naturais, visando o aumento do capital estrangeiro. As Ordenações Filipinas de 1603 reafirmaram a evolução das iniciais proibições dos cortes de árvores de frutos com fins mera‐ mente econômicos, além do Código Penal de 1830, prevendo o crime de corte ilegal de madeira e penalidades de multa até a prisão civil do proprietário desobediente à lei criminal, subse‐ quente a liberação do desmatamento em posses privadas sem autorização e fiscalização, em 1886. 2 Subsequentemente, com o avanço jurídico do Código Penal de 1890, salienta-se a determinação da prisão civil de um a três anos e multa referente ao dano provocado de 5% a 20% em razão de incêndios causados pelo infrator e, a observância no Código Civil de 1916 com a penalização da contaminação das águas de poço
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA… | 23 ou fontes fluviais em virtude de construções, negligenciando os recursos naturais. Inovações nos ditames legais ambientais Devido às inovações no campo das ciências humanas, o Estado reduzia a atuação geopolítica em torno dos recursos ambientais, descentralizando o poder ao particularizar ações governamentais nas mãos dos órgãos federais, apesar disso, até os dias atuais, a promoção da condução do poderio estatal causam atos desorga‐ nizados por meio da Administração Pública ambiental que impedem políticas estatais de desenvolverem subterfúgios direci‐ onados ao meio ambiente, como prioridade da continuidade humana na Terra. Subsequente à legislação internacional, o Brasil mantinha uma política ambiental atrasada e incoerente ao cenário nacional, seguindo a ideia de supremacia do estrangeiro e, com o fim do Estado Novo, a União progrediu nas questões ambientais (MILARÉ, 2005, p. 840-847), desaguando na promulgação da Constituição Federal de 1988 que elevou o meio ambiente a condição de bem constitucionalmente protegido. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA Sujeitos ativos nas ações ambientais Os sujeitos designados pelo envolvimento na ação, caracterizam- se através da infração tipificada praticada e consequentemente para aquele envolto na atividade resultante, com isso, os direitos difusos em relação ao âmbito ambiental, visam o máximo da preservação possível do uso dos recursos naturais para o meio empresarial no desenvolvimento da sociedade, salientando a
24 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO manutenção da natureza as demais gerações futuras. (CAPEZ, 2018, p. 249). O sujeito ativo da ação, possui um comportamento direto ou indiretamente condizente ao crime previsto na lei penal, chamado de autor do crime, praticado por um agente natural ou físico, de maneira presencial, realizando a ação do verbo núcleo penalista. A conduta humana positiva ou negativa (omissão) por meio de uma ação antijurídica presente no artigo 225, § 3º, CF/88, destaca ações lesivas ao meio ambiente serem responsabi‐ lizadas de forma administrativa ou penalmente, de acordo com Fernando Capez: “O homem só pode ser sujeito ativo de uma conduta típica.” (CAPEZ, 2018, p. 248), não somente por pessoas físicas (jus puniendi) mas também, na atualidade, a inclusão das pessoas jurídicas nas condutas danosas à natureza, tratadas como agentes típicos. O sujeito ativo deve possuir a capacidade penal para as possíveis sanções legais, de acordo com os atos cometidos que, assim, recaiam sobre o agente praticante das atividades delituosas, como ensina Amadeu Weinmann: “Alguns indivíduos não estão aptos a sofrer todos os efeitos provenientes da violação da norma penal. Quer dizer, alguns sujeitos não apresentam essa plena consci‐ ência do ato delituoso que praticaram e isso obriga a lei penal a desenvolver, em relação a estes agentes, um tratamento todo dife‐ renciado.” (WEINMANN, 2009, p. 165-166). Além dos artigos 26 e 27 do Código Penal que tratam da questão da inimputabilidade penal. Diante da lei específica, no artigo 2º está pontuado as descrições sobre o sujeito ativo da ação danosa ambiental, aqueles que concorrerem, de alguma maneira, para os crimes contra a preser‐ vação dos recursos naturais previstos na lei, considerados os níveis de culpabilidade de cada agente da ação criminosa para a
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA… | 25 dosimetria da pena e a responsabilidade de uma possível pessoa jurídica, não exclui a antijuridicidade da ação de outra pessoa física. Sujeitos passivos nas ações ambientais Quanto ao sujeito passivo, caracteriza-se como a vítima dos atos do sujeito ativo, são todos aqueles afetados pela conduta crimi‐ nosa, exposto aos danos da ação ou omissão do agente ativo, os titulares do bem jurídico ameaçado, no caso, de forma indireta, a coletividade, definidos como a União, os Estados, os Municípios e o titular do bem jurídico, ou seja, os sujeitos passivos diretos da ação delituosa ambiental. (BONAVIDES, 2004, p. 569) Seguindo a ideia do sujeito passivo, Júlio F. Mirabete entende a subdivisão da temática nas categorias do agente passivo formal ou constante, onde “o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é lesado pela conduta do sujeito ativo” e do agente passivo eventual ou material, no qual o “titular do interesse penalmente protegido, podendo ser o homem (art. 121), a pessoa jurídica (art. 171,§ 2º, V), o Estado (crimes contra a Adminis‐ tração Pública) e uma coletividade destituída de personalidade jurídica (arts.209, 210 e seguintes)”(MIRABETE, 1994, p.119), Ademais, cabe salientar que o artigo 14, §1º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente que promove o Ministério Público da União e dos Estados como agentes legítimos para propor uma ação civil ou penalista referente aos danos causados ao meio ambiente e a possibilidade do uso das excludentes gerais de ilici‐ tude, quando assim forem cabíveis diante da violação do bem jurídico comum aos demais indivíduos envolvidos. Dolo e culpa nas ações ambientais
26 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO O elemento subjetivo observado na tipificação dos crimes previstos no Código Penal, indicam o dolo ou a culpa da conduta delituosa do agente no crime praticado, diante do artigo 18 do CP, especificando a natureza da ação, quando descreve culposa‐ mente em lei a conduta lesiva ou de maneira dolosa, indicando o aminus do agente na execução, vinculada ao comportamento humano do agente da ação criminosa, excluindo as pessoas jurí‐ dicas, as quais não seria viável as sanções penais preventiva e/ou retributiva. (QUEIROZ, 2005, p. 124). O crime considerado de maneira dolosa, o agente prevê e dispõe da vontade de cometer a conduta criminosa conscientemente, subdividido em dolo direto ou indireto que engloba a especifi‐ cação em alternativo e eventual, o primeiro o autor deduz o pros‐ seguimento executório da sua ação e possui a vontade de um dos possíveis resultados a serem efetuados e, vale salientar que a maioria dos crimes referentes ao âmbito ambiental, não consta de maneira culposa, e sim, danosa ao ambiente, embora se tenha a observância do dolo eventual, no qual prevê a consciência do autor ao assumir o risco da atividade efetuada. (CAPEZ, 2018, p. 314). Ademais, a observância da finalidade da atividade do sujeito ativo ao meio ambiente, indica a formulação da pena cominada utilizada de acordo com cada caso concreto. Além da conduta dolosa, a culpa prevista no artigo 18, II, CP, entende o resultado da ação por negligência, imprudência ou imperícia, não possuindo a previsão dos seus atos, diferente‐ mente da conduta culposa consciente, na qual há a previsão dos possíveis resultados, porém acredita-se na capacidade de evitar os danos causados. Em relação a crime contra o meio ambiente, admita-se o benefício proposto pelo STF da Súmula 497 sobre a suspensão condicional da pena, desde que a pena privativa de liberdade não exceda a 3 anos. (CAPEZ, 2018, p. 709).
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA… | 27 Penas A consequência jurídica dos atos ou atividades contrárias a observância do regime legal preveem uma reparação social, resposta produzida pelo Estado sob o indivíduo causador de conduta antijurídica, típica aos ditames legais e contida de culpa ou dolo. Diante do que conceitua Paulo Queiroz: “a privação ou a restrição de um bem jurídico imposta por um órgão jurisdicional a quem tenha praticado uma infração penal (crime ou contraven‐ ção).” (QUEIROZ, 2005, p. 317). Princípio da personalidade da pena Insculpido no seio da Constituição Federal, o princípio da perso‐ nalidade da pena assevera que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”3, vedando-se, portanto, que sejam penalizados outros indivíduos que não aqueles que detenham a culpa e a autoria dos delitos (CAPEZ, 2018, p. 640). Neste sentido, dentro do prisma aqui analisado, em uma eventual hipótese em que as pessoas jurídicas não possuam consciência ou vontade e os atos antijurídicos por ela cometidos são de exclusiva atribuição de seus administradores ou prepostos, ao sofrer a sanção a pena estaria então ultrapassando os reais culpados pelo cometimento da infração, o que constituiria suposta transgressão a norma citada, e ensejaria a existência de uma base teórica que ofereça respaldo a tal afirmação, o que pode ser encontrado no cerne das obras dos diferentes teóricos que buscaram atribuir uma expli‐ cação a existência desses entes jurídicos. Disposições Constitucionais Atenta a uma visão moderna de bem-estar social, e em conso‐ nância ao modelo de sociedade mundial que se apresenta ao
28 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO futuro, a Constituição Federal de 1988 eleva o Meio Ambiente a categoria de direito subjetivo, conferindo ao Estado a obrigação de protegê-lo e resguardá-lo as gerações futuras, traçando fins programáticos ao tempo que reconhece a importância de uma natureza preservada para saúde e bem estar dos indivíduos. Neste diapasão, uma consciência ambiental cada vez maior surge no seio da sociedade, no entanto, práticas retrógradas e ultrapas‐ sadas que privilegiam o lucro econômico em detrimento do meio ambiente ainda subsistem e crescem em nosso país. E foi em atenção a este tipo de ato que a própria constituição inovou ao responsabilizar as pessoas jurídicas por atentados contra o meio ambiente: “Art. 225, § 3º, CRFB: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, inde‐ pendentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A imposição de sanções de caráter administrativo e penal pela carta maior vem a confirmar a tendência de proteção ao meio ambiente e a integrar o arcabouço punitivo estatal. Desta feita, a par do expresso comando constitucional, alguns juristas discutem acerca da aplicabilidade de tal comando, pois valendo-se da clas‐ sificação concebida por José Afonso da Silva, parece-nos mais correto entender de que se trata de norma de eficácia limitada definidora de princípios programáticos mediata, de modo que seus plenos efeitos dependem de regulamentação infraconstituci‐ onal (MASSON, 2020, p. 70-72). Contudo, tal discussão resta esvaziada com a promulgação da lei 9.605/98 que disciplina o tema tratado no texto constitucional.
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA… | 29 Lei 9.605/98 Tendo, portanto, a finalidade de regulamentar o tema, o legis‐ lador redigiu então a conhecida lei dos crimes ambientais que dispõe sobre as sanções impostas aqueles que cometerem atos atentatórios ao meio ambiente, e em especial as pessoas jurídicas: “Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas admi‐ nistrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” A partir do texto legal, algumas conclusões são retiradas de seus trechos. Preliminarmente, observa-se que a lei reitera o comando constitucional quanto a responsabilização das empresas, reite‐ rando o caráter penalista da sanção. Da leitura da segunda parte do artigo, os tribunais interpretavam até então que seria neces‐ sário a presença de concurso de agentes entre a pessoa jurídica, e seus membros ou mandatários envolvidos na prática do crime, e, portanto, o processamento dos indivíduos naturais constituiria requisito para a punição da empresa. Entretanto, tal entendimento parece ter sido afastado no ano de 2013 por meio de decisão prolatada em face do julgamento do recurso extraordinário STF 548181/PR, em que uma empresa foi responsabilizada e processada penalmente por gerar danos ambi‐ entais ao poluir rios e mananciais pelo derramamento de óleo. Segundo a Ministra Relatora Rosa Webber, não há necessidade do processamento das pessoas naturais envolvidas para a respon‐ sabilização da pessoa jurídica, pois “a dificuldade de identificar o
30 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física.”4 A lei traça ainda as penas aplicáveis as pessoas jurídicas, sendo de caráter pecuniário, restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade. Chama atenção o fato de que o legislador optou por realizar a dosimetria das penas de multa segundo os critérios do código penal, além de permitir a utilização subsi‐ diária tanto códex criminal como do diploma processualista. Ressalte-se ainda uma interessante disposição da referida lei, observando-se aquela que constitui a pena capital aplicada as pessoas jurídicas. O art. 24 traz em seu corpo a possibilidade de liquidação da empresa, tendo seus bens patrimoniais perdidos em favor do fundo penitenciário nacional e considerados instru‐ mentos do crime, para isso a empresa deverá ser constituída ou utilizada em sua maior parte para o cometimento do ilícito ambi‐ ental, e assim, ante o exposto, verifica-se que a lei dos crimes ambientais embasada no texto constitucional faz uso de todo um arcabouço subsidiado no direito penal, especialmente quanto as pessoas jurídicas aplicando naquilo que for cabível as penas dispostas em seus comandos. DIFERENTES TEORIAS ACERCA DA PERSONALIDADE JURÍDICA O conceito de Pessoa Jurídica tem estado em meio a discussões jurídico doutrinárias desde a sua concepção, o fato é que, o conceito tal qual é conhecido hoje, só veio a ser formulado no período pós-clássico, mesmo tendo recebido menções de dife‐ rentes maneiras dentro do Direito Medieval e do Direito Canô‐ nico. Em vista disso, historicamente, o ser humano do ponto de vista individual, possui necessidades e interesses que não é capaz
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA … | 31 de realizar através de meios próprios, daí nasce a necessidade de se reunir em grupos concebidos a partir dessa reunião de inte‐ resses (VENOSA, 2017, p. 234, 238). O Estado em determinado momento observou a premência de garantir a esses grupos alguns direitos próprios dos indivíduos naturais, foi nesse momento que surgiu a personalidade jurídica dos entes não naturais, as pessoas jurídicas, caracterizadas como “entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obri‐ gações”(GONÇALVES, 2017, p. 233). Nesse interim, surgiram diversas correntes que procuraram atri‐ buir sentido a noção de pessoa jurídica, inclusive aquelas que procuraram negar a sua existência conhecidas como negativistas, no entanto, tiveram maior relevância as teorias da ficção e da realidade. Capitaneada por Savigny, vigente na Alemanha e na França entre os séculos XVIII e XIX, a teoria da ficção afirma que somente as pessoas naturais podem ser titulares de direitos subje‐ tivos, e que se um ente diverso vem a possuir tais direitos, esta não passa de uma criação da mente humana, uma mera ficção, restringindo, assim, sua existência a aspectos patrimoniais (GONÇALVES, 2017, p. 234, 235). Dentro dessa visão, falta a pessoa jurídica caracteres inerentes ao indivíduo natural, como o direito de ação, consciência de culpabilidade e elementos voliti‐ vos, o que iria de encontro a responsabilização da mesma pelo cometimento quaisquer crimes ou atos infracionais. Em contraposição, aos ensinamentos da doutrina da ficção, a teoria da realidade busca afirmar que as pessoas jurídicas são entes vivos e reais resultado da união da vontade coletiva, e não meras abstrações como querem seus antecessores. Duas visões aqui despontam na tarefa de explicar a referida teoria. A reali‐ dade objetiva ou orgânica sustentada por Otto Gierke, diz que a vontade humana pública ou privada é capaz de criar entes distintos daqueles que se faziam unos no ato de sua criação
32 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO através de uma imposição social (GONÇALVES, 2017, p. 235). Este posicionamento fora adotado por Clóvis Beviláqua em solo nacional (VENOSA, 2017, p. 243). Em outra via, defendida por Saleilles, a realidade técnica afirma que a criação de pessoas jurí‐ dicas é ato técnico proveniente do Estado que ao observar a necessidade de conferir certos direitos subjetivos a um grupo de indivíduos, o faz, em vista da observância de certos requisitos (GONÇALVES, 2017, p. 236), assim as pessoas naturais e as pessoas jurídicas existem em planos diferentes, sob diferentes objetivos. Esta última noção elucidada é a que confere uma melhor expli‐ cação a existência das pessoas jurídicas no ordenamento, e é aquela adotada em nosso país. Sob esse prisma as empresas teriam uma existência e uma vontade diversa de seus criadores ou proprietários, e, portanto, seriam capazes sofrer sanções por parte do Estado pela prática de atos ilícitos. No entanto, essas teorias não são suficientes para pacificar a celeuma aqui tratada, o que se discute é a responsabilização penal desses entes jurídi‐ cos, e a utilização do aparato do Direito Penal para repressão de entidades desprovidas das características mais basilares ao ser humano, fato este que perpassa por uma análise mais apro‐ fundada. TESE E REFLEXÕES SOBRE APLICAÇÃO E LEGITIMIDADE DO DIREITO PENAL NO ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS Em vista de todo exposto até aqui, observa-se a colisão de duas visões distintas situadas em diferentes planos temporais. Numa primeira acepção, figura a visão clássica do direito penal alicer‐ çada no brocardo latino societas delinquere non potest, segundo o qual é inadmissível a responsabilização penal das pessoas jurí‐
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA … | 33 dicas pela ausência dos pressupostos mínimos a aplicação de pena, a exemplo da culpabilidade e da capacidade de ação. Esse tipo de posicionamento encontra fundamentação na já citada teoria da ficção de Savigny, e remota ao período pós revolução industrial, onde os interesses políticos da classe burguesa favore‐ ciam a isenção punitiva das empresas.5 A parcela da doutrina que defende tal pensamento, invoca ainda outros princípios penais plenamente vigentes e que constituem as próprias bases da ciência criminal, como o princípio da persona‐ lidade das penas, onde somente aquele que executou material‐ mente a conduta delitiva é punível, o princípio da intransmissibilidade da pena, em que a sanção punitiva jamais poderá ultrapassar a pessoa que praticou o crime. E o princípio da intervenção mínima onde apenas as agressões mais graves aos bens jurídicos mais importantes devem ser tuteladas pelo aparato repressivo estatal.6 Na verdade, percebe-se que aqui cuida-se de uma visão antropo‐ centrista do direito penal e do direito como um todo, dada a época em que vigiam estes entendimentos, torna-se compreen‐ sível a sua defesa, mas ao analisar a sociedade atual com seus contornos profundamente complexos, perdem força essas afir‐ mações, pois, hodiernamente, num contexto mundial pautado numa busca incessante pelo lucro econômico, muitas empresas utilizam-se de seus instrumentos de produção de maneira indis‐ criminada provocando por vezes inúmeras degradações ambientais. Neste deslinde, parece mais razoável a visão atualmente confe‐ rida ao tema da responsabilização penal dos entes coletivos. A teoria da realidade técnica fornece os meios teóricos necessários para imputação de sanções penais a estas figuras jurídicas, uma vez que dado o caráter precípuo da proteção do meio ambiente
34 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO para a saúde e bem estar da população presente na Constituição, bem como as insistentes agressões desmedidas ao ambiente natural pelas empresas e entidades coletivas, constituem razões mais que suficientes para invocar a intervenção coercitiva do Estado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A natureza sempre impôs diferentes adversidades a sobrevivência de nossa espécie, e é notável que muitos desses desafios atual‐ mente são causados pelos próprios seres humanos. A preservação do meio ambiente constitui franco desafio para os líderes mundi‐ ais. O direito acompanhando este processo eleva o mesmo a cate‐ goria de direito fundamental e bem jurídico coletivo essencial à saúde, e bem estar da presente e das futuras gerações. Dito isto, está mais que justificado o uso de coerção punitiva por parte do Estado com o fim de promover a manutenção da preser‐ vação ambiental, seja contra indivíduos naturais, seja contra cole‐ tividades dotadas de personalidade jurídica. Pois, mesmo que isto signifique o abandono de noções clássicas de aplicação de sanções penais, é necessário que o Direito Penal cumpra sua função, qual seja a de proteger os bens jurídicos mais importantes a sociedade. Assim, deixar de responsabilizar penalmente as pessoas jurídi‐ cas, relegando o tratamento desses ilícitos a outros ramos do direito, resultaria num processo impunidade, pois a dificuldade de investigar e encontrar os reais responsáveis pelo cometi‐ mento do dano, acarretaria um processo de inutilização das sanções em vista do grande poderio econômico de muitos desses entes coletivos. A sanção coercitiva contra as pessoas jurídicas constitui medida preventiva e educativa, de modo a dissuadir os administradores de novas práticas de degradação
A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA … | 35 ambiental, sendo, portanto, indispensável para a proteção do ambiente. Desta feita, é premente que o direito passe um processo de reno‐ vação para que possa acompanhar as dinâmicas sociais, sob o risco de perder sua efetividade e tornar-se um mero conjunto de normas distantes da realidade. É necessária uma reforma do sistema penal que abandone a noção antropocentrista de que somente o homem enquanto indivíduo possa ser sujeito na prática de crimes, e que reconheça imputabilidade de entes coletivos. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antônio Herman. Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental. São Paulo: RT, Volume V, 2011. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral I. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: editora saraiva, 2011 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 22. ed. São Paulo: editora saraiva, 2018 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017 JÚNIOR, Eudes Quintino de Oliveira. Caso Brumadinho e a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/295572/caso-
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A ADMISSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL DA … | 37 SHIBUYA, Fernanda Anacleto. Princípio \"Societas Delinquere Non Potest\" e a sua inaplicabilidade no Direito Penal atual. Disponível em: https://fernandaacm.jusbrasil.com.br/artigos/ 184237558/principio-societas-delinquere-non-potest-e-a-sua- inaplicabilidade-no-direito-penal-atual. Acesso em: 25 jul 2020. SILVA, Daniel Alves. Exploração do Pau Brasil. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/ paubrasil.htm. Acesso em 25 jul 2020. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017 WEINMANN, Amadeu de Almeida. Princípios de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria do advogado editora, 2009
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL EM DECORRÊNCIA DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO NO DIREITO À SAÚDE LUCAS FERNANDO DA SILVA JULIÃO; ARIELLE MELO ALVES; THAMINNE NATHÁLIA CABRAL MORAES E SILVA CONSIDERAÇÕES INICIAIS NOS DIAS ATUAIS A SOCIEDADE BRASILEIRA CLAMA POR UMA MAIOR atenção do Estado em situações relacionadas a saúde, a título de exemplo é quando um indivíduo solicita a realização de exames médicos, cirurgias e fornecimento de medicamentos ao Poder Público. Essas súplicas realizadas por comunidades, sobretudo as mais carentes, demonstram a falta de interesse do Poder Público que possui o dever e competência constitucional de prestar o serviço de saúde e muitas vezes não o desempenha. Com isso, as pessoas costumam recorrer ao Judiciário, como forma de legitimar seu direito constitucionalmente garantido, enxergando o meio jurídico como última esperança de serem atendidos pelo serviço público de saúde.
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE… | 39 Nesse contexto, surge a seguinte pergunta norteadora do trabalho científico: Há possibilidade jurídica do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional relacionado ao direito à saúde? O presente trabalho tem por justificativa discutir o atual estado da saúde pública que se encontra em descaso, sendo uma manifesta violação aos direitos fundamentais e do princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo tem como objetivo geral discorrer acerca do Estado de Coisas Inconstitucional relacionando ao tema do direito à saúde. Como objetivos específicos: demonstrar a saúde como um direito fundamental; apresentar o Estado de Coisas Inconstitucional; e convencer a sua necessidade como formar de efetividade do direito à saúde. O primeiro tópico teórico irá apresentar a saúde como um direito fundamental, estabelecendo a competência de cada ente federativo e mostrar as graves omissões estatal no que tange a saúde pública. Já o segundo versará sobre o Estado de Coisas Inconstitucional, fazendo alguns apontamentos no que se refere: ao aspecto histórico e conceito; suas características; e as hipó‐ teses em que se poderá aplicar este instituto. E o terceiro tópico, irá demonstrar a necessidade da utilização do ECI, por parte do Supremo Tribunal Federal, como forma de se efetivar os direitos relacionados a saúde. No que tange a metodologia empregada foram utilizadas as pesquisas exploratória e a bibliográfica. Sobre a primeira, cumpre destacar o conceito trazido por Severino (2016) que se baseia, de maneira apertada, na busca para agregar informações relacionado a um determinado objeto, otimizando assim o campo de análise. Sobre a segunda, para Gil (2017) é aquela elaborada por meio de materiais já publicados, e costumam-se, serem encontrados em
40 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO arquivos impressos, como livros e trabalhos científicos publicado na rede mundial de computadores. E, por fim, apresentar as considerações finais sobre o presente trabalho científico. O DIREITO À SAÚDE O presente tópico irá abordar de forma mais aprofundada a consagração do direito à saúde sob a égide constitucional, como também, no âmbito infraconstitucional e os problemas que a sociedade vem arcando com a ineficiência do Estado. A evolução do Direito à saúde Existiu uma época marcada pelas as constituições liberais, donde era pregada a não intervenção do Estado nos assuntos de particu‐ lares, que se fundamentava nas ideias do “Estado mínimo”. Com o fracasso deste modelo político e jurídico, e com o advento da Constituição Weimar de 1919 e da Constituição mexicana de 1917 consagrou-se a previsão de alguns direitos sociais. Com a transição das constituições com ideais liberais para as sociais, de igual modo a influência do constitucionalismo moderno, que tem como objetivo garantir e efetivar direitos sociais para seu povo, acabou inspirando a atual constituição brasileira. Segundo Agra (2018) a Constituição de 1988 foi pioneira a garantir o direito à saúde, porque, nas constituições anteriores não se tinha nenhuma previsão. Atualmente, a saúde está discipli‐ nada no art. 6º e nos arts. 196 e seguintes da Carta Magna de 1988. Tendo em consideração a esse direito comenta Gonçalves
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE… | 41 Fernandes (2017, p. 728): “é indiscutível que o direito à saúde se relaciona de forma direta com o direito à vida”. Logo, não se pode negar à saúde como um direito fundamental merecendo sua efetividade de imediato. Nesse sentido, é o art. 2 º da Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) que prevê a saúde como um direito fundamental, em que o Poder Público deverá promover as condições essenciais ao seu exercício. Feitas essas considerações introdutórias ao assunto, no seguinte tópico será aprofundado o direito à saúde. Noções gerais acerca do direito à saúde Como aludido anteriormente, a Constituição da República consagrou como direito social à saúde, de forma explícita, dispondo no art. 6º e arts. 196 e ss. que a saúde é direito de todos e obrigação do Poder Público, sendo feito por meio de políticas públicas que tenham como objeto a redução do risco de doença e outras enfermidades, sendo seu acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Além de estar previsto como status constitucional, a saúde também está prevista em normas que possuem status infraconsti‐ tucional, sendo assim, regulado na Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica de Saúde). Com a dificuldade de definição do que vem a ser saúde, pois é considerada genérica, para Reissinger (2008, apud GONÇALVES FERNANDES, 2017) consiste em um estado absoluto de bem- estar mental, físico e social e não a mera ausência de enfermida‐ des. Assim, se considera a saúde como sendo o pleno gozo de suas capacidades metafísicas.
42 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Com a promulgação da Carta Magna vigente, em seu art. 198, fora instituído o sistema único de saúde (SUS), que compreende ações e serviços de saúde que fazem parte de uma rede regionali‐ zada hierarquizada, que tem as seguintes diretrizes: descentrali‐ zação, com direção única em cada ente federativo; atendimento integral, com objetivo principal atividades de cunho preventivo, sem prejuízo dos serviços de cunho assistencial; e, com a partici‐ pação da comunidade. A competência em promover esse direito social está prevista no art. 23, II, da CRFB/88 aduzindo que é competência comum de todos os entes da federação de cuidar da saúde e assistência pública, a proteção e garantia das pessoas portadoras de defi‐ ciência. Tavares (2017) alerta que o Estado possui a obrigação de promover políticas sociais e econômicas com vistas a possibilitar o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promo‐ ção, proteção e recuperação das pessoas que possuam problemas de saúde. Caso o Poder Público se omita em realizar atividades de cunho preventivo e recuperativo os particulares poderão se socorrer no âmbito do Poder Judiciário para compelir o ente federativo descumpridor do mandamento constitucional, e com isso, conse‐ guir a efetividade da prestação deste serviço público. Neste sentido, segue esse mesmo raciocínio Agra (2018) que na situação da Administração Pública se negar a prestar esse atendi‐ mento fundamental ao cidadão, será possível recorrer ao Poder Judiciário, com a finalidade de se cumprir o que está disposto na Constituição brasileira. Feitas estas breves considerações referente á saúde como um direito de todos e um dever estatal, a seguir se irá fazer uma
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE… | 43 relação importante do direito à saúde com o princípio interpreta‐ tivo da constituição da máxima efetividade. O direito à saúde a luz do princípio da máxima efetividade Como se sabe, a Carta Magna vigente no seu art. 5º, § 1º, garante que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (direito individuais e coletivos, direitos sociais, direitos políticos e entre outros) possuem a aplicação imediata. Barcellos (2011) assevera que quando se fala de eficácia positiva ou simétrica do mínimo existencial na área da saúde implica afirmar que existe um conjunto de prestações de saúde exigíveis no âmbito do Judiciário, em manifesta força da constituição. De início, cumpre destacar a distinção entre eficácia jurídica para a efetividade, que para Sarlet (2018) afirma que a primeira expressão está ligada ao fato do “deve ser”, já a segunda se rela‐ ciona com o “ser”. Isso implica dizer que todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, servindo também como parâmetro de controle de constitucionalidade, porém não se pode dizer que toda norma constitucional possui efetividade, é o caso da saúde pública. Existem legislações, como dito anteriormente, que normatizam de forma específica a saúde, porém em termos praticados, encon‐ tra-se totalmente distinto da realidade social. A constituição e a lei dizem “x”, e o Estado faz totalmente ao contrário fazendo “y”, em manifesta inconstitucionalidade de direitos fundamentais. É muito comum, encontrar-se nos hospitais públicos do país e unidade de atenção básica, graves violação a dignidade da pessoa humana, quando se tem pessoas dormindo no chão dos hospitais, falta de vagas em UTI`s e CTI`s, falta de medicamentos e equipa‐
44 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO mentos hospitalares, além da grave falta de profissionais do ramo. Para os intérpretes da Constituição, no caso do Brasil o STF, se faz necessário aplicar o princípio da máxima efetividade como forma de concretizar direitos e garantias fundamentais. Em relação a este princípio, Cunha Júnior (2016) aduz que ele estabelece um norte ao intérprete para atribuir às normas consti‐ tucionais uma maior efetividade, com objetivo de se maximizar a norma extraindo-se toda sua potencialidade, é comumente apli‐ cado aos direitos fundamentais. Assim, o judiciário quando provocado deveria criar meios para se dar efetividade à saúde, e infelizmente, por determinadas vezes se omite do seu papel cons‐ titucional. Por isso, com base no princípio da máxima efetividade da consti‐ tuição o Judiciário deveria ser mais proativo em resolver os problemas da população quando vão em busca de uma tutela jurisdicional para tratamento hospitalar. O que não faltam são fundamentos na Constituição para a proteção efetiva da saúde da população. Trazidos os pontos inerentes ao direito à saúde sendo interpre‐ tado a luz do princípio da máxima efetividade da constituição, a seguir, será abordado as graves condutas omissivas do Poder Público, e por sua ineficiência a necessária judicialização com o objetivo de cessar a omissão estatal. As graves omissões do Estado na saúde e sua judicialização É muito comum se ter notícias de reclamações do povo relativa‐ mente a prestação de serviço público de saúde ser ineficiente e lenta, e a partir disso as pessoas costumam ir ao Judiciário em
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE… | 45 busca do cumprimento das diretrizes estabelecidas na Carta de 1988. Costumeiramente nota-se reportagens que relatam acerca do assunto acima aludido, à guisa de exemplo tem-se as notícias do dia 06/02/2020, segundo Fontes e Góes (2020, p.1): “falta de remédios na Farmácia do Estado prejudica tratamento de pacientes com doenças crônicas”, assim como, também no site do G1 (2020, p. 1) no dia 22/04: “pacientes denunciam falta de remédios para tratar doença de Parkinson na Farmácia do Estado”, e no tocante a falta de infraestrutura, o Conselho Federal de Medicina (2018, p.1) realizou um mapeamento e constatou que “menos de 10% dos municípios brasileiros possuem leito de UTI”. Infelizmente, é do cotidiano as reclamações das pessoas que necessitam do serviço público. No Brasil, a reportagem realizada por Laboissière (2018) demonstra que 81% dos brasileiros classificam a saúde (pública e privada) como péssima, ruim ou regular, ainda na pesquisa destaca-se que a dificuldade das pessoas ao acesso na rede saúde estão nas seguintes situações: consultas com médicos com especi‐ alidade (74%); cirurgias (68%); atendimentos com profissionais não médicos (59%); e procedimentos específicos (58%). Não se pode esquecer que também é um direito fundamental do indivíduo ir buscar no Judiciário proteção a lesão ou ameaça a direto, é nesse sentido o que dispõe o art. 5º, XXXV, CRFB/88 (p. 9): “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, aqui se destaca, de forma explícita, o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, caso qualquer pessoa venha a sofrer uma negativa do seu atendimento seja em postos de saúde, hospitais ou quando não ocorra o fornecimento de exames e remédios, poderá ir ao Judi‐ ciário buscar para que o Estado cumpra com sua obrigação.
46 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Segundo Barroso (2017), a judicialização está sendo bastante apli‐ cada em assuntos de interesses políticos, sociais ou morais, sendo levados ao crivo do Poder Judiciário como decisão final, em suma, o fenômeno da judicialização nada mais é de que uma transferência de poder para os órgãos judiciais, em face das instâncias das políticas tradicionais, quais sejam o Executivo e o Legislativo. Consoante a essa questão, Mendes e Branco (2018) comentam que não cabe ao Judiciário elaborar políticas sociais e econômicas no âmbito da saúde, mas é a sua obrigação averiguar se as polí‐ ticas escolhidas pelos órgãos responsáveis atendem as regras constitucionais do acesso universal e igualitário. Ou seja, não cabe ao Judiciário criar diretrizes e planejamento para o exercício do direito à saúde, e sim cobrar o cumprimento do mandamento constitucional que estabelece a promoção da saúde de forma universal e gratuita, cobrar eficiência e responsa‐ bilizar o Estado em eventuais danos ocorridos durante a sua prestação do serviço. Nesse sentido, Barcellos (2011) afirma que cabe ao Judiciário garantir o mínimo existencial independentemente de qualquer outra coisa, devido as normas constitucionais acerca da digni‐ dade humana e sobre a saúde. Com isso, compete aos juízes obrigar o Poder Público a garantir o mínimo existencial para prevenção ou recuperação da saúde de um determinado paciente. O Poder Judiciário resolverá o caso por intermédio de um Tribunal Constitucional, o qual, nos ensinamentos de Silva (2018), tem papel transformador, possuindo a legitimidade neces‐ sária e em muitos casos se tornam elemento indispensável para a manutenção e equilíbrio do Estado Democracia.
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DE… | 47 E, desabafa, Barcellos (2011, p. 323) “a saúde básica não é acudida nem pelo o Poder Público, embora este seja um dever jurídico que lhe é imposto pelas Constituição, e nem pelo Judiciário”, em suma, a população que mais precisa do serviço de saúde encon‐ tra-se desamparada pelos os três poderes. Realizadas as breves apresentações ao direito de saúde, bem como, os seus problemas e a sua judicialização, será abordado no tópico seguinte o Estado de Coisas Inconstitucional. Do Estado de Coisas Inconstitucional No presente tópico do artigo científico serão tecidos alguns apontamentos acerca do instituto do Estado de Coisas Inconsti‐ tucional (ECI), trazendo seus aspectos teóricos e práticos, bem como, fazendo uma abordagem a respeito do ativismo judicial. Noções gerais sobre o Estado de Coisas Inconstitucional – ECI O Estado de Coisas Inconstitucional consiste em uma técnica de poder decisório desenvolvido pelo o Poder Judiciário da Colômbia para o combate e a solução das graves violações dos direitos fundamentais, do qual necessita-se de participação de todos os órgãos estatais (GUIMARÃES, 2017). No tocante à sua origem, Cunha Júnior (2016), seguindo o posici‐ onamento da autora anterior, define que o Estado de Coisas Inconstitucional tem surgimento nas decisões da Corte Constitu‐ cional Colombiana em virtude da constatação de violações de forma genérica, habituais e sistemáticas de direitos fundamentais. De acordo com Azevedo Campos (2015), o ECI vem a ser utili‐ zado diante da gravidade excepcional do quadro, o tribunal cons‐ titucional se declara legitimado a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em destinação de recursos
48 | DIREITO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO orçamentários e a comandar as medidas concretas imprescindí‐ veis para superação da inconstitucionalidade. Ainda sobre o tema, Cunha Júnior (2016, p. 581) afirma que a finalidade do ECI consiste em: “[...] soluções estruturais, dialó‐ gicas e pactuadas voltadas à superação desse lamentável quadro de violação massiva de direitos das populações em face de ações e omissões lesivas do poder público”. Diante disto, o ECI tem como objetivo a efetivação dos direitos fundamentais, que se encontra diariamente sendo atingindo por condutas estatais lesivas ao particular. Trata-se de um instrumento importante para o enfretamento de violações a direitos e a garantias fundamentais, que é comumente praticada por parte do Estado brasileiro, à guisa por exemplo, a saúde pública. Segundo Azevedo Campos (2015) o ECI é oriundo das consequências de situações de inércia do Legislativo e do Execu‐ tivo, com essa conduta omissa por estes poderes, o ativismo da Corte Constitucional acaba sendo o único meio para superar os desacordos políticos e institucionais. No ano de 2015, o STF, na ADPF nº 347/DF promovida pelo o PSOL, reconheceu de forma expressa o pedido da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional nos casos dos graves problemas existentes no sistema carcerário brasileiro, sendo uma manifesta violação de direitos e garantias fundamentais. No voto do relator, o Min. Marcos Aurélio, na ADPF nº 347/DF, destacou que Estado de Coisas Inconstitucional possui uma defi‐ nição indeterminada, mas nem por isso não impede o seu conhe‐ cimento, para o julgador (p.30): “[...] não seria possível indicar, com segurança, entre os muitos problemas de direitos enfren‐ tados no Brasil, como saneamento básico, saúde pública,
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