Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] com Marx na sua caracterização do capitalismo como um sistema político de dominação de classe, onde a organização dos direitos de propriedade ocupam não somente um papel central, mas esta organização social legal é o serviço único dos interesses das classes proprietárias, entre quais “rentistas e creditores’. Portanto, caracteriza o capitalismo como sistema politico de dominação o detrimento dos interesses das “classes proprietárias negativamente privilegiadas”, entre quais classes que fazem “objecto de propriedade, desclassificados, endividados e pobres”. Dentro desta distinção figura a subcategoria das classes aquisitivas, as forcas vivas de capitalismo entre quais as “classes positivamente privilegiadas’ como “empresários, comerciantes, armadores, empresários industriais, agrários e banqueiros’, mas também “profissões liberais” e “trabalhadores com qualidades monopólicas”,206 que se opõem as classes negativamente privilegiadas ‘tipicamente’ compostas de ‘trabalhadores qualificadas ou “não qualificadas”, mas também membros de classes medias como “camponeses ou artesoes autónomos”, até “funcionários”, cujas características Weber discutiu no seu ensaio sobre a burocracia.207 Naturalmente, e devido a construção multidimensional da sua teoria de estratificação social, Weber que limitou o significado do conceito de classe. A situação económica e a localização dos grupos vis-à-vis aos mercados moldando as suas hipóteses respetivas de satisfazer os seus interesses, introduziu também o critério de estilo e “modo de vida”, através da distinção entre estamentos sociais, também caracterizada pela coexistência entre estamentos positivamente e negativamente privilegiadas. Todavia, mais de que Marx, Weber se interessou em revelar os ingredientes culturais do capitalismo. Defendeu que para haja o desenvolvimento de um “espirito capitalista” e de uma “ética de trabalho” devia ter ocorrido uma mudança cultural profunda que, por sua vez, mudou padrões de crenças e de atitudes. A reconstrução sociológica-histórica destas mudanças devia focalizar sobre as mudanças ocorridas nas crenças religiosas, uma tese que explica o papel importante da sociologia comparativa da religião nos estudos sobre o capitalismo e que deu luz as figurações mais marcantes do novo sistema político-económico de dominação capitalista: o empresário capitalista, a empresa burocrática, a prática de cálculo de capital que provocou, por sua vez, a demanda, e, através disso, a inovação da dupla contabilidade, e o trabalhador 206 Este aspecto resurgiu no conceito de renda de trabalho de Aage Sorensen: Foundations of rent based class analysis, in: Eric Olin Wright (ed. 2005), Approaches to class analysis, Cambridge University Press 207 Para Weber o caracter político da dominação capitalista se revela através daquilo que chamou a “ação de classe” que se caracteriza através de uma ação colectiva “contra os portadores imediatos de interesses opostos (trabalhadores contra empresários, e não contra acionistas, os quais de facto obtém renda sem trabalhar; tampouco: camponeses contra proprietários de terras”. Max Weber: Estamentos e classes, in Weber (2004a) Economia e Sociedade, UnB, São Paulo, p. 200-203. E este caracter politico do sistema capitalista que predomina ainda na sociologia clássica, que fica evacuada das teorias económicas neoclássicas e, visto a situação privilegiada desta corrente sobre as politicas de desenvolvimento, das teorias e politicas de desenvolvimento lancadas e implementadas pelos protagonistas da industria de desenvolvimento. Não é por acaso, portanto, que o termo capitalista ficando ausente nas publicações economistas do ‘mainstream’ e nestas das organizações de desenvolvimento do PNUD ate Banco Mundial. Vamos retomar esta discussão no penúltimo capitulo deste ensaio. 101
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] expropriado. 208 A caracterização do produto final do processo de racionalização que culmina num capitalismo burocrático descrito como o tipo de dominação racional-legal como sendo um produto irracional transpira a influência de Nietzsche.209 Ambos chegaram 208 Max Weber (2004a) Economia e Sociedade, UnB, São Paulo. Karl Polanyi defendeu que a economia pré-capitalista em razão do seu enquadramento nas relações sociais tinha imposta limites a ganancia e que esta precisava ainda de uma legitimação religiosa. Karl Polanyi (2000) A grande transformação: as origens da nossa época, Editora Campus, São Paulo. 209 A tese sobre o resultado irracional da racionalizacao occidental capitalista encontrou um eco nas teses de David Graeber apresentadas no seu estudo sobre ‘empregos idiotas’ (bullshit jobs) acusandpo a burocratização a ser responsável para a explosão de actividades irrisórias. “While corporations may engage in ruthless downsizing, the layoffs and speed-ups invariably fall on that class of people who are actually making, moving, fixing, and maintaining things. Through some strange alchemy no one can quite explain, the number of salaried paper pushers ultimately seems to expand, and more and more employees find themselves—not unlike Soviet workers, actually—working forty- or even fifty-hour weeks on paper but effectively working fifteen hours just as Keynes predicted, since the rest of their time is spent organizing or attending motivational seminars, updating their Facebook profiles, or downloading TV box sets. The answer clearly isn’t economic: it’s moral and political. The ruling class has figured out that a happy and productive population with free time on their hands is a mortal danger. (Think of what started to happen when this even began to be approximated in the sixties.) And, on the other hand, the feeling that work is a moral value in itself, and that anyone not willing to submit themselves to some kind of intense work discipline for most of their waking hours deserves nothing, is extraordinarily convenient for them. (...) But even more, it shows that most people in pointless jobs are ultimately aware of it. In fact, I’m not sure I’ve ever met a corporate lawyer who didn’t think their job was bullshit. The same goes for almost all the new industries outlined above. There is a whole class of salaried professionals that, should you meet them at parties and admit that you do something that might be considered interesting (an anthropologist, for example), will want to avoid even discussing their line of work entirely. Give them a few drinks, and they will launch into tirades about how pointless and stupid their job really is.” David Graeber (2018) Bullshit Jobs, Simon & Schuster NY., p. 11 – 13. Graeber defende que existir uma correlacao iintima entre esta irracionalidade intrinseca na organizacao de trabalho baseada sobre a separação entre trabalho intelectial e manual, improdutivo e produtivo e a dominação de classe. “If someone had designed a work regime perfectly suited to maintaining the power of finance capital, it’s hard to see how he or she could have done a better job. Real, productive workers are relentlessly squeezed and exploited. The remainder are divided between a terrorized stratum of the universally reviled unemployed and a larger stratum who are basically paid to do nothing, in positions designed to make them identify with the perspectives and sensibilities of the ruling class (managers, administrators, etc.)—and particularly its financial avatars—but, at the same time, foster a simmering resentment against anyone whose work has clear and undeniable social value. Clearly, the system was never consciously designed. It emerged from almost a century of trial and error. But it is the only explanation for why, despite our technological capacities, we are not all working three- to four-hour days. Ibid., p. 14. Postos administrativos de gestão, como notou Offe, se caracterizam pela propensa de representar “bullshit jobs’ na medida em que escapam a avaliação da produtividade marginal de uma posição que se aplica exclusivamente em avaliar a mais-valia de um posto de trabalho manual. Klaus Offe (2009) Inequality and labour markets: thories, opinions, models and practices of unequal distribution and how they can be justified. https://www.princeton.edu/csdp/events/Offe042910/Offe042910.pdf. A definição económica da produtividade ou do produto marginal consiste em medir a mais-valia criada pelo “the change in output resulting from employing one more unit of a particular input, assuming that the quantities of other inputs are kept constant.” en.wikipedia.org › wiki › Marginal_product. Obviamente, estas análises entram em colisao com a tese da racionalidade burocratica de Weber e esta alargando esta sobre o seu caracter irracional que, para Weber, consistia na transformação da regra e do procedimento de um meio num fim. A nova irracionalidade burocrática consiste que permite criar posições sem valor mas com atributos de privilégios materiais e simbólicas reservadas a classe dominante a busca de uma legitimação profissional e de capital simbólico. 102
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] a conclusão que a burocratização iria acabar em criando uma espirito de mediocridade que seria contrária as forças vitais e criativas, e que só a aparição de um super-homem, a figura carismática, a la Nietzsche teria o poder de quebrar até que o conservantismo inerente a burocracia iria restabelecer a o sistema de dominação anterior. Neste âmbito é interessante de acrescentar que, enquanto Adam Smith acusou a divisão industrial de trabalho e ter com efeito a debilitação dos operários, Weber está atribuindo este efeito á burocratização e á burocracia. A estrutura burocrática composta de regras e procedimentos que vão em par com uma divisão de funções e de uma cadeia de comando estrito iria acabar criar um efeito de nivelamento e de funcionamento burocrático promovendo a preguiça intelectual e moral. A razão para qual, Weber identificou a burocracia, apesar e em razão da sua supremacia técnica, como nova forma de racionalidade tradicional enquanto Merton mais interessado sobre o seu efeito sobre o desenvolvimento de personalidades identificou a personalidade burocrática como ‘marca particular’ da burocracia, voltando a descrição do homem organizacional moderno que Weber ofereceu na Ética protestante. Como já vimos, a caracterização Weberiano do funcionário administrativo, o funcionário de colar branco, concentra sobre a estrutura social e legal de posições e papeis e sobre o seu significado em termos de estatuto social do funcionário e como é percebido, e que deve ser cruzado com o conceito de papel social de Durkheim uma vez, como argumentou Merton, tem um papel moldando não somente sobre o comportamento mas sobre a personalidade, algo que Weber caracterizou como o desenvolvimento de um espirito de corpo. Se a organização burocrática representa, como defendeu Durkheim, um grupo secundário, este microcosmo social que representa o quadro de atuação para cada individuo em função da posição e do papel que ocupa, revela características de um mundo de vida onde o funcionamento regido por regras procedimentos e por cadeias hierárquicas se transforma num novo senso comum. O senso comum que deixou os seus traços na interpretação científica das organizações onde a estrutura hierárquica funcional ser interpretada como condição inevitável quando se trata de uma organização racional do trabalho coletivo. Neste senso comum, as teorias organizacionais se contentam em desenvolver formas para mitigar os seus efeitos colaterais, tal como a sua debilidade e irracionalidade funcional, mas não de questionar a racionalidade e a legitimidade da estrutura hierárquica pôr-se. Os estudos conduzidos por Robert Bales e Parsons ao longo dos anos 1950 sobre o comportamento de grupos serviram como justificações para a inevitabilidade deste processo de diferenciação vertical que resulta de uma diferenciação horizontal daa tarefas. Revelaram a coexistência de dois tipos de líderes: um líder ‘técnico’ consagrado na realização dos objectivos de eficácia e eficiência – que correspondem com as funções G e A no esquema de Parsons -; e um líder social concentrando sobre a coesão do grupo e do seu bem-estar psicológico – que correspondem 103
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] com as funções I e L no esquema de Parsons.210 As teses de Parsons foram incorporados no surgimento das teorias e métodos de gestão organizacional, teorias e métodos que visam a melhorar a ação dos quadros que ocupam uma posição de liderança. Já sublinhamos que uma das heranças do pensamento do esclarecimento foi de sensibilizar as ciências sociais e humanas contra o perigo do senso comum. Uma ciência incapaz de questionar os seus pressupostos, os seus a-priori axiomáticos e as suas escolhas paradigmáticas põe em causa o lema famoso de Kant sobre o equilíbrio frágil entre o empírico e a teoria. Caracterizou como ‘cega’ uma ciência que se contenta da acumulação e agregação de dados empíricos, e como ‘vazia’ uma que faz abstração da experiencia empírica e praticar a especulação metafisica. Mas há um terceiro risco, como notaram os autores da ‘dialéctica do esclarecimento’: o risco oriundo da especialização e da fragmentação das ciências que a resulta que têm por efeito de evacuar a totalidade, e, através disso, a perspetiva da teoria da sociedade. É a ideia da totalidade que transpira no conceito de facto social total de Marcel Mauss, na teoria crítica de Marx, Adorno e Habermas ou ainda no conceito e no método da ‘imaginação sociológica’ de Wright Mills.211 Pode criar uma brecha entre os sociólogos especialistas de pesquisa empírica e focalizando sobre questões sectoriais, e entre sociólogos que defendem a ideia da sociologia como ciência da sociedade. Os últimos precisam os trabalhos dos primeiros para não cair na especulação, os primeiros os últimos para fazer sentido dos seus estudos empíricos, da escolha das problemáticas ate a analise e interpretação dos dados. Já constatei que a questão de rutura com o senso comum estabelecido foi uma que preocupou cada um dos três autores: Marx através do método de critica das ideologias, Durkheim através da identificação e do afastamento das prenoções, e Weber através da busca dos significados culturais dos actos e construções sociais cujo significado verdadeiro, como revelaram os seus estudos históricos, só se desdobrariam a uma analise retrospetiva, uma que parte do conhecimento do resultado dos processos históricos. A rutura retrospetiva que Weber estava a propor, não somente faz alusão da frase de Hegel que \"a coruja de Minerva abre suas asas somente com o início do crepúsculo\".212 Mas fica incompleta quando se trata de questionar os axiomas utilitaristas 210 Wolfgang Staehle (1993) Management: eine verhaltenswissenschaftliche Perspektive, Vahlen, München, p. 290. Vide também: Amitai Etzioni (1965) Dual Leadership in Complex Organizations, American Sociological Review, Vol. 30, No. 5. 211 No caso de Mauss ilustrado através do conceito de facto social total’, como notou Claude Lévi-Strauss em 1950 “The total social fact therefore proves to be three-dimensional. It must make the properly sociological dimension coincide with its multiple synchronic aspects; with the historical or diachronic dimension; And finally, with the physio- psychological dimension. Only in individuals can these three dimensions be brought together. If you commit yourself to this 'study of the concrete which is a study of the whole' (my highlighting) (…) Consequently, the notion of total fact is in direct relation to the twofold concern (which until now we had encountered on its own), to link the social and the individual on the one hand, and the physical (or physiological) and the psychical on the other.” Claude Levi-Strauss (1987) Introduction to the works of Marcel Mauss, Routledge, London, p. 26-27. 212 Hegel defendeu que “a filosofia, como o pensamento do mundo, não aparecerá até a realidade concluir o seu processo formativo, e finalizá-lo. Esta história corrobora o ensino da concepção, que apenas na maturidade da realidade é que faz o 104
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] fundamentais da teoria económica neoclássica que apanhou sob forma da teoria marginalista Austríaca, como evocamos acerca do ‘debate sobre os métodos’ e, por conseguinte, as suas deduções racionalistas. Em vez, como fez Marx de questionar estas axiomas e construções racionais e racionalistas, Weber aceitou o senso comum económico, o seu axioma de base sobre o hedonismo económico como sendo a fonte de motivação que iria garantir o mais alto grau de comportamento racional. Assim, caracterizou a racionalidade em finalidade como incarnação mais pura e como tipo ideal de racionalidade individual, mesmo se, no fim da conta, como Weber admitiu, iria se tornar causa e fonte da irracionalidade e consumidora do espirito vivo. Mais uma vez, diferente de Nietzsche para quem a irracionalidade seria resultado dos esquemas perfides dos fracos contra os fortes, Weber, em razao da sua leitura de Marx, localizou a origem, como já foi dito, na dominação de um sistema de valores utilitaristas que encontra a sua apoteoso na logica do calculo de capital. Para entender a logica de argumentação de Weber importa colocar a distinção feita entre racionalidade formal e material através da qual ele retomou esta entre a razão, que envolve, como outrora constatou Kant, julgamentos morais, e entre a racionalidade, isto é, entre os aspectos meramente estratégicos que orientam a escola de meios para alcançar dados fins. Para Weber o interesse sociológico a problemática da racionalidade se limitaria ao estudo da racionalidade formal, isto é, a relação entre os meios para alcançar dados fins. A sociologia pode, como o próprio Weber ilustrou na Etica protestante, pode estudar e reconstruir o significado cultural dos valores. Mas a discussão sociologica dos últimos, que iria primar na sociologia Marxista, não devia fazer parte do spectro sociológico porque iria requer o sociólogo se investir em fazer julgamentos de valor. Iriem representar questões de mundividência e ultrapassar o âmbito científico da sociologia dedicada a respeitar a neutralidade axiológica e cuja única contribuição neste âmbito podia consistir em tentar uma reconstrução histórica sobre a origem, os fundamentos sociais e culturais destes valores e sobre as forças e factores sociais envolvidos que podem explicar porque um dado fim, uma dada mundividência foi capaz de se impor como culturalmente dominante e legítimo. Para Weber, a Ética protestante representa uma contribuição nesta obra de reconstrução sociológica e faz parte da sociologia das religiões que, no contexto de Weber, representa o coração da sua sociologia cultural e sobre processos de mudança sociocultural. Nas suas análises sobre a sociedade capitalista Weber porque concentra sobre o aspecto de racionalidade formal que transpiram do método de cálculo de capital e da administração burocrática, ele chega a conclusão que representa a forma a mais racional em termos de relação entre meios e fins. Todavia, a partir do momento que a sua análise toca ao significado cultural desta racionalidade, como no caso ideal aparecer como contrapartida para o real, de forma a compreender o mundo real em sua substância, e moldá-lo num reino intelectual. Quando a filosofia pinta sua cinza em cinza, uma forma de vida torna-se velha, e por meio da cinza não pode ser rejuvenescida, mas apenas conhecida. A coruja de Minerva levanta o seu voo apenas quando as sombras da noite estão a se reunir”. Georg Friedrich Hegel (1820) Principios da filosofia de direito. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Coruja_de_Atena 105
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] da Ética protestante, ele consta o seu caracter irracional e anti esclarecimento porque resultaria em fechar o homem moderno num ‘casaco de aço’ intelectual e social onde, uma vez criado, já não pode se escapar. O caracter fatalista da sociologia de Weber data deste conflito entre racionalidade formal e material. Em termos gerais importa salientar que a pesquisa sociológica critica, em vez de referir ao senso comum como ponto de partida, como pressuposto axiomático, tem como programa de questionar e de desconstruir estes pressupostos axiomáticos. Diferente da pesquisa social convencional, por assim dizer, que se caracteriza através de um método dedutivo que consiste em aceitar um pressuposto teórico como, por exemplo, o axioma que defende que o homem, por natureza, é um ser egocêntrico e que este egocentrismo ser o fundamento da sua capacidade de agir de forma racional e económica. O pressuposto determina e limita o âmbito reflexivo da pesquisa social ou sociológica onde figura como variável independente. Como já foi salientado, esta abordagem caracteriza, antes de tudo, a teoria económica, em particular a teoria neoclássica pronta de sacrificar o conhecimento da realidade em favor da defesa do senso comum e o derivado dos seus modelos explicativos.213 Não é por acaso que o debate sobre a rutura com o senso comum não ocupa um espaço importante no debate sobre os métodos económicos. Importa salientar que o método de crítica das ideologias herança da filosofia de esclarecimento e que foi percecionado por Marx deve considerar-se como o protótipo de pesquisa sociológica critica. Mas a problemático da rutura com ideias de senso comum não se limita a sociologia e a teoria crítica, mas encontra-se também na psicologia social. A psicologia social das atribuições que tenta revelar os mecanismos que actores empregam para explicar e justificar opiniões e atitudes representa um método que consiste em desconstruir as construções do senso comum e de revelar o seu caracter ideológico.214 Agora, antes de continuar comparar as posições teóricas e metodológicas dos três autores em questão e de tentar reconstruir os axiomas filosóficos detrás dos seus escolhas e posicionamentos teóricos e metodológicos, não pode faltar ter em conta das particularidades biográficas respetivos que, não somente, permitem de reconstruir a socialização académica e dar pistas sobre estas escolhas teóricas e as suas razões, mas, também, permitem discernir o impacto do contexto sociocultural, socioeconómico e politico, filosófico e académico sobre o seu desenvolvimento cientifico respetivo. Esta investigação biográfica não faz parte deste exercício. Vai se contentar em listar alguns autores e publicações focalizando sobre estes aspectos biográficos indispensáveis. No que 213 Vide a característica de Richard Wolff & Stephen A. Resnick sobre a teoria neo- classica do capitalismo que vamos encontrar nos parágrafos mais adiante. Richard Wolff & Stephen A. Resnick (1987) Economics: Marxian versus Neoclassical, The John. Hopkin. Unlversity. Press, Baltimore. Mas também a já evocada crítica de Daniel Bell sobre os modelos explicativos que primam na teoria económica. Daniel Bell: models and reality in economic discourse, in Daniel Bell & Irving Kariel (ed. 1981) The crisis in economic theory, Basic Books, NY. 214 Por exemplo Heider (1958) ibid. 106
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] diz respeito a literatura biográfica sobre Marx, figura o estudo de Ernst Bloch ‘On Karl Marx’ de 1968 publicado por Herder & Herder, NY que tenta aproximar o percurso biográfico com o desenvolvimento teórico de Marx. Importa também evocar os estudos de David McLellan 1995) Karl Marx: a biography, Papermac, e de David Leopold (2007) The young Karl Marx, Cambridge University Press, UK. No caso de Max Weber recomenda se a introdução biográfica de Hans Gerth e Charles Wright Mills no livro sobre ‘Max Weber: Ensaios de sociologia’ de 1946, edição portuguese de LTC de 1982. Idem o estudo de Friz Ringer (2004) Max Weber: an intellectual biography, The University of Chicago Press. No que diz respeito a Durkheim, importa colocar o já mencionado estudo biográfico de Steven Lukes (1973) Émile Durkheim; his life and work: a historical and critical study, Penguin Books, ou o extenso estudo biográfico mais recente de Marcel Fournier (2013) Émile Durkheim: a biography, Polity Press, Cambridge. Trata-se de uma seleção não-exaustiva de obras de caracter biográfico sobre os três autores. Com certeza, tem outras obras de caracter biográfico sobre cada um dos três autores, mas são estas que encontrei e achei relevantes. Retomando, portanto, a fila da discussão sobre as abordagens sociológicas, tanto Nisbet, quanto Eisenstadt salientam que a sociologia nascente formou-se em volta de uma temática comum para quase todos as correntes teóricas e apesar das diferenças em perspetivas, abordagens e fundamentos filosóficos, isto é, o rejeito mais ou menos forte de teorias utilitaristas que dominaram a teoria económica neoclássica215. Shmuel Eisenstadt notou que a sociologia clássica, na sua busca para explicar os fundamentos e as características da ordem social tem em comum de ‘não aceitar’ os pressupostos da filosofia utilitarista adotados pela teoria económica que a ordem social seria resultado automático conjunto da divisão de trabalho e do mercado como mecanismo desinteressado de regulação das trocas e interações sociais. Pelo contrário, salientaram o papel de mecanismos institucionais inspirando a confiança mutua e a confiança na legitimidade de tal ordem social envolvendo mecanismos de regulação de poder e de poderes. 216 Para Robert Nisbet, a sociologia clássica ira fazer parte das correntes e portadoras de uma ‘revolta contra o individualismo’ que, mais uma vez, encontrou a sua fonte principal na filosofia utilitarista, e o seu defensor mais ardente na teoria económica neoclássica, entre quais a teoria marginalista.217 Talcott Parsons também quis distanciar a teoria social da filosofia utilitarista que, no seu foco sobre 215 A abordagem da teoria económica clássica se enquadrou ainda numa teoria moral geral, não uma que focalizou sobre o papel das instituições que sobre a existência de sentimentos morais; como notou Adam Smith, sem estes sentimentos a economia de mercado iria perder a sua funcionalidade. Na mentalidade burocrática da teoria neoclássica já não houve mais espaço teórico para incluir este tipo de sentimentos irracionais e suscetível de afetar a racionalidade utilitária do cálculo de capital. 216 S. N. Eisenstadt & H. J. Helle: General Introduction to perspectives on sociological theory, in Eisenstadt & Helle (ed. 1985) Macrosociological theory: perspectives on sociological theory, vol. 1, Sage Publications, p. 8 217 Nisbet (1966) ibid., p. 7ff. 107
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] a racionalidade medida em termos da organização eficaz e eficiente entre meios e fins não se pronunciaria sobre estes fins e sobre as relações entre diferentes fins.218 No entanto, importa salientar que esta desmarcação da filosofia utilitarista e da sua definição de racionalidade nunca foi nítida e apodítica e se desenrolou em etapas. Para Weber e para Pareto, por exemplo, o utilitarismo e o recurso aos motivos utilitaristas representaram as formas mais racionais de ação. Weber exprimiu esta crença na sua tipologia de ações racionais e qualificou a racionalidade em finalidade com a forma racional a mais pura. Portanto, concordam que mais um motivo se afastar de fim utilitarista, menos o seu grau de racionalidade. No entanto, há uma diferencia notável entre o tratamento de motivações egoístas e utilitaristas e o seu poder explicativo entre Weber e Durkheim. Para o primeiro, influenciado pelos debates sobre os métodos na filosofia pós-kantiana, motivos utilitaristas combinam com outras motivações axiológicas ou simplesmente costumeiras; um facto que só pode ser explicado através da introdução do conceito do actor reflexivo, interpretando, tanto situações, quanto as suas motivações. Ambos entram na definição dos objectivos e, por consequente, da atitude a tomar e das ações a lançar. Para Pareto, pelo contrário, a predominância de um motivo utilitarista é o garante para uma ação racional porque escapa da influência de outros motivos irracionais categorizados como resíduos. Aquilo que Weber caracterizou como tipos ideais de racionalidade, uma tipologia cujas distinções analíticas foram criadas para fins heurísticas e sem pretensão de caracterizar a realidade social empírica, no Pareto, esta distinção entre teoria e realidade evaporou de mesma forma que foi evaporada na teoria de ação económica e o seu modelo de actor racional. Para Pareto a predominância de um motivo utilitarista é o garante para uma ação racional porque escapa da influência de outros motivos irracionais categorizados como resíduos.219 Aquilo 218 “Utilitarian theory restricting itself to the means-end relationship, says nothing about the relations of ends to one another, nothing at least about ultimate ends”. Parsons in: Richard Grathoff (ed. 1978) The Correspondence of Alfred Schütz and Talcott Parsons, Indiana University Press, Bloomington, p. 15. No seu estudo inicial sobre a ‘Estrutura da Ação Social’ acima mencionado, Parsons que está retraçando o utilitarismo a religião crista, está aplaudindo a teoria económica sobre esta questão, notando que “the utility elements of human action are in fact, as will be seen, those to which utilitarian theory in the above sense came relatively near doing justice”. Talcott Parsons (1949) The structure of social action, The Free Press, NY, p. 60. Todavia, como elaborou mais tardem, as transações económicas cuja racionalidade tem a sua raiz nos motivos utilitaristas, enquanto fazem parte da estrutura da ação social, não estão esgotando-a. No estudo sobre o sistema social refere ao Sistema de valores normativas que orientam a profissão medical que usa como prova empírica que “medical values represent a central illustration of social action which is not dominated by utilitarian values of self-interest.” Bryan S. Turner: Preface to the new edition, in Talcott Parsons (1991) The social system, Routledge, London, p. xv 219 Pareto fez menção de seis classes de resíduos: “instinto das combinações”, “persistência dos agregados”, “necessidade de manifestar os sentimentos por meio de atos exteriores”, “resíduos relacionados com a sociabilidade”; “integridade do indivíduo e dos seus dependentes” e a dos “resíduos sexuais”. O utilitarismo económico representa algo que podia caracterizar-se como atitude sublinhada capaz de afastar-se das influências destes resíduos psicológicos. “Logical actions are, at least in their principal element, the result of a process 108
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] que Weber caracterizou como tipos ideais de racionalidade, uma tipologia cujas distinções analíticas foram criadas para fins heurísticas e sem pretensão de caracterizar a realidade social empírica, no Pareto, esta distinção entre teoria e realidade evaporou de mesma forma que foi evaporada na teoria de ação económica e o seu modelo de actor racional. Na teoria microeconómica, a única forma de reflexão que caracteriza o actor económico consiste em hierarquizar os seus impulsos, resultando na sua capacidade, não somente de hierarquizar as suas preferências, mas de adapta-las aos constrangimentos situacionais enfrentados, tanto em termos da oferta e os seus preços, quanto em termos da demanda, isto é, o seu poder de compra. A hipótese sobre a natureza utilitarista constitui o axioma de base para a modelização dos comportamentos racionais económicos; ou seja, para a teoria de escolha racional económica. O actor reflexivo económico se limita a sua capacidade de organizar a sua demanda e adaptá-la á oferta, ambas mediadas por via dos preços de mercado.220 No Durkheim, a interpretação do utilitarismo tomou um passo diferente: Durkheim deu uma reinterpretação colectiva e orgânica das máximas individualistas da filósofa utilitarista – Parsons fala do positivismo individualista - que abriu a via para uma reinterpretação funcionalista do utilitarismo e de associá-lo com os requisitos funcionais e objectivos de um corpo social. Portanto, procedeu em colocar as premissas utilitaristas num quadro teórico funcionalista. O paradigma utilitarista já não parte do pressuposto da utilidade funcional da atitude egoísta que só permitiria esta transformação mágica das ações egoístas individuais num resultado coletivo justo e equilibrado, mas da utilidade funcional dos papéis e das instituições sociais que garantem a criação e a manutenção de uma ordem social numa sociedade individualista. As atitudes, depois, se moldam e adaptam as exigências funcionais destes papéis que transmitem as exigências funcionais associadas a uma posição, um estatuto social. Se enquadram nos esquemas de estratificação social. Esta viragem das atitudes e as suas bases motivacionais para um raciocínio funcional Explica também a sua aversão contra a prática de recorrer á explicações psicológicas dos ações sociais. A utilidade em termos da sua funcionalidade de uma ação ou de uma construção social á não se aborda a partir do estudo de motivos e de motivações, mas a partir de uma perspectiva holística de ordem social e do seu equilíbrio sistémico. 221 . Determina a of reasoning; nonlogical actions proceed principally from a certain state of mind [etat psychique], sentiment, the unconscious, etc. It is the task of psychology to be concerned with this state of mind.“ Pareto em Parsons (1949) ibid., p. 218 220 É a razão por que a teoria comportamental, na sua reconstrução das bases psicológicas do actor racional económico se orientou ao modelo de racionalidade de Pareto o detrimento da tipologia de ações racionais de Weber e ao seu conceito de actor reflexivo, salientada por Boudon, in Boudon (2000) ibid. 221 A familiaridade axiomática entre utilitarismo e funcionalismo se destaca na forma como interpretam as desigualdades sociais e o facto que as sociedades ter uma estrutura estratificada representar ‘um facto social normal’. Tanto para as utilitaristas económicas, quanto para os teóricos funcionalistas, as desigualdades são vistas como materialização das desigualdades individuais em termos de capacidades intelectuais no caso das utilitaristas, e em termos de esforço e de ‘vocação’ no caso das funcionalistas. Moore & Davis, in Grusky (ed. 2001) ibid. 109
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] utilidade de um órgão, de uma instituição ou prática social: existe porque esta contribuindo positivamente a manutenção de uma ordem sistémica ameaçada pelo risco de entropia. Obviamente, a sociologia de Durkheim transpira a influência do biologismo orgânico de Herbert Spencer. Este elemento na sociologia de Durkheim encontrou o seu cumprimento no estruturo-funcionalismo de Parsons e na teoria funcionalista e de sistema de Luhmann. A maior dissociação vis-à-vis da filosofia utilitarista encontra-se na obra de Marx, como vamos discutir a seguir, uma vez que encontrou a sua base axiomática na teoria moral de Kant e a associação que Kant fez entre a racionalidade e a moralidade e onde os motivos utilitaristas e a sua definição de racionalidade como instrumento de promoção do seu estádio individual iriam representar apenas uma forma subdesenvolvida da racionalidade característica para uma consciência e uma organização social não-esclarecida. Em Marx, esta base axiomática se traduziu em categorias sociológicas, tal como esta do burgues e do cidadão representando a parte privada e publica da moral, a primeira construída em volta de motivos utilitaristas e ligada a propriedade e ao poder de comando que oferece sobre os não-proprietários; a segunda em volta de motivo deontológico e ligada ao discurso democrático entre iguais que requer a criação de um espaço pública libre. Destas duas teorias de moral, utilitarista e deontológica resultam também em duas conceções diferentes de disciplina, um conceito com significados múltiplas que introduzimos logo no início deste ensaio. Na teoria utilitarista a disciplina só tem legitimação quando fica ao serviço de satisfação dos desejos de felicidade. Na tradução económica capitalista, como argumentou Weber na ética protestante, a disciplina se manifesta em dois tipos de padrão de atitude: a priorização do investimento sobre o consumo que resulta na poupança, algo que Freud caracterizou como a sublimação dos desejos imediatos. Por outro lado, a ética vocacional criando um padrão de atitude ao serviço da produtividade e de obediência. Para Weber, que identificou as raízes culturais destas atitudes nas crenças religiosas e na deontologia protestante calvinista onde iriem representar respostas as incertezas existenciais sobre o bem-estar religioso, representam os pré-requisitos microsociológicos permitindo o desenvolvimento de um espirito e de uma economia capitalista. Na teoria moral de Kant, a disciplina e o sentimento deontológico de serviço que esta a exprimir, fica inteiramente ao serviço da moral universal que tem a sua raiz no princípio reciproco da regra de ouro que, em vez de servir como máxima de comportamento diária, é transformada num princípio universal, o imperativo categórico. O processo de sublimação já não consiste, somente, em conseguir o adiantamento da satisfação de desejos justificada na promessa de uma satisfação, de uma felicidade futura maior, como foi no caso anterior, mas representa o pré-requisito para o desenvolvimento da personalidade moral social, - uma ideia retomada por Lawrence Kohlberg e Ann Colby 110
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] – bem como para a criação de uma sociedade justa222. Foi, portanto, Freud, entre outros como Weber, Simmel, Foucault ou ainda Norbert Elias na sua reconstrução do processo de civilização, que salientaram tanto o caracter sub-cultural e etnocêntrico, quanto violente deste processo de sublimação.223 Portanto, estas desmarcações vis-à-vis do utilitarismo que, como vimos, se fez em graus diferentes nos pensamentos sociológicos de Durkheim, Weber e Marx, representa, no entanto, um passo característico no processo de constituição académica da sociologia. Deu luz a múltiplas construções teóricas estruturalistas, institucionalistas, culturalistas ou funcionalistas que defendem uma abordagem macrossociológica da ação social, e entre teorias construtivistas, interaccionistas ou de escolha racional que defendem uma abordagem macrossociológica de individualismo metodológico. É a questão, conforme a formulação de Weber, da articulação entre ‘ideais’ que referem a um quadro sociocultural e institucional particular, e entre ‘interesses’ que, por sua vez, referem a um conjunto de condições de vida específicas relacionados com um posicionamento social e com situações económicas específicos. A nível social a articulação entre deias e interesses é constitutiva para o meio social. Neste contexto, Esser falou de uma relação de complementaridade entre o conceito do sentido subjetivo que Weber usou na sua construção da teoria de ação social, e entre a teoria fenomenológica e as suas investigações sobre os processes de construção deste sentido lançados por Schütz e que influenciaram a etnometodologia e o interacionismo simbólico224.Esta ideia transpira também no estudo sobre a vida de dia-de- 222 Como já foi discutido, as teorias de justiça de Pareto, Rawls e Sen têm em comum o seu enquadramento nas máximas morais da filosofia utilitarista e aceitam o surgimento de desigualdades como facto social inevitável que a teoria de justiça tenta de acomodar mas não de remediar. 223 É neste sentido que Marx denunciou os valores morais como sendo os valores das classes dominantes criados para controlar as classes ‘oprimidas’. Acerca do conceito de sublimação refere á teoria psicanalítica de Sigmund Freud. “Para Freud, sublimação seria uma forma de transformar uma pulsão em algo socialmente aceito. Por exemplo, quando trabalhamos, estamos transformando nossa libido ou nossa pulsão sexual ou de vida em algo “produtivo”. Seria como se convertêssemos uma energia (interessante ao indivíduo) em outra (interessante à sociedade). Mas existem outras formas de entender o significado da Sublimação.” Reprsenta também um “mecanismo de defesa que transforma algum desejo ruim e inconsciente em determinados impulsos que são bem vistos pela sociedade. Ou seja, geram atitudes aceitas pela sociedade. (…) A Sublimação é uma energia de atos destrutivos e não é aceitável socialmente. É uma criatividade que se torna eficaz, e tem a função de promover o esquecimento das lembranças dolorosas. Ela é direcionada para a nossa realização e também para normalidade do indivíduo, no sentido de desviar das metas sexuais para novas metas. Sendo assim, serve para à construção do caráter, na edificação das virtudes humanas, é a defesa que busca a satisfação. Mas, quando usado em grande quantidade, ela se torna algo patológico, e o desejo sexual ou agressivo tem que ser transformado em algo produtivo.” https://www.psicanaliseclinica.com/sublimacao/. O que escapa a perspectiva psicológica é o facto que as definições deste ‘algo util’, das virtudes humanas’ são socialmente construídas. No caso da disciplina, a construção destas virtudes, como acabamos mostrando, varia bastante quande é vista de uma perspectiva moral utilitarista ou deontológica. 224 Hartmut Esser: Situationslogik und Handeln, in Esser (1999) Soziologie: spezielle Grundlagen vol. 1., Campus Frankfurt. 111
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] dia de Henri Lefebvre cujo objetivo foi de demonstrar o impacto da alienação sobre o mundo da vida considerando que “'Marxism as a whole, really is a critical knowledge of everyday life and that it does not already 'offer a complete critical knowledge of everyday life' (…) 'workers do not only have a life in the workplace, they have a social life, family life, political life; they have experiences outside the domain of labour'. The critique of everyday life must analyse the things that make us social and human beings, it must look at work and leisure together, for there is ''alienation in leisure just as in work”225 Defende, que o estudo sociológico da vida quotidiana e das suas manifestações e características, que tem por propósito de revelar o extraordinário no ordinário, está ganhando uma dimensão mais ampla, que só pode ser captada se o investigador ir alem das fronteiras do sentido comum.226 Enquanto há semelhanças entre o programa de Lefebvre e este da imaginação sociológica de Wright Mills e do conceito de mundo vital de Habermas, as análises de Lefebvre se enquadram numa teoria da prática. “The critique of everyday life is effectively a radical transformation of the concept of Lebenswelt (\"the lived\" or \"lifeworld\"). Its purpose is no less than a rehabilitation and secularization of philosophy — a metaphilosophy of the everyday for a revolutionary humanism.”227 Em termos gerais a sociologia Marxista abandonou este ímpeto revolucionário. Voltando para o tópico da sociologia clássica, cada um dos três autores clássicos selecionados ofereceu o seu modelo explicativo: Marx desenvolveu o conceito da ‘consciência falsa’ para explicar porque os Atores sociais racionais se mostram ‘incapazes’ de mudar as condições sociais de modo que correspondem com as três promessas racionais emblemáticas da revolução francesa: a liberdade, a igualdade e a fraternidade e a ideia de uma sociedade comunista.228 Desmarcou-se de Kant através do seu projeto de estabelecer uma lei objetiva da historia onde a passagem do capitalismo para o comunismo, com o regime socialista como fase transitória, seria inscrita na historia enquanto para Kant e a filosofia de esclarecimento esta transição iria depender do desenvolvimento de uma atitude racional síntese entre o desenvolvimento das capacidades de conhecimento e de julgamentos morais.229 Durkheim desenvolveu a figura ideal do facto social para captar a 225 P. 111. Marx notou, nos manuscritos económico-filosóficos de 1844 que “Political economy does not deal with [the worker] in his free time, as a human being, but leaves this aspect to the criminal law, doctors, religion, statistical tables, politics and the workhouse beadle.” Stuart Elden (2004) Understanding Henri Lefebvre: Theory and the Possible, Continuum, London, p.110 226 Elden (2004) ibid., p.111 227 Elden (2004) ibid., p. 120 228 Para Hegel como para Kant, a revolução francesa representou uma etapa decisiva no processo da emancipação da humanidade, Herbert Marcuse & Franz Neumann: Theories of social change, in Herbert Marcuse (2004) Technology, war and fascism, Routledge, London, p.123 229 Kain avançou que “Marx is seeking a historical agent that will make possible the realization of morality and in doing so is influenced by what Kant has to say about this sort of agency.” Segundo, “in his theory of Communist society (…) Marx's concept of freedom resembles the concept of freedom involved in Kant's categorical imperative.” Philip J. Kain (1986) The Young Marx and Kantian Ethics, Studies in Soviet Thought, Vol. 31, No. 4 112
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] empresa da sociedade e das instituições sociais sobre os indivíduos e as suas formas de pensar, sentir e agir. Para Max Weber e com base da sua distinção entre ideias e interesses, como já foi mencionada, a articulação entre factos sociais e escolhas individuais representa uma relação contingente e influenciada por uma multidão de fatores sociais e individuais que ultrapassa explicações deterministas ou em termos de consciências falsas. Enquanto a figura teórica de factos sociais de Durkheim estipulou a existência de uma relação causal unilateral entre factos estruturais e culturais, e pode ser lido como reflexo a figura teórica de Marx e a sua tese sobre a relação causal entre condições materiais e a sua influença determinante sobre as consciências, o modelo de Weber que aborda a mudança social como resultado da articulação cada vez especifica entre interesses materiais e económicos e ideias religiosas ou politicas permite melhor captar a dialética entre fatos estruturais e culturais. Abriu uma via para resgatar o aspecto construtivista vinculada pela filosofia idealista e que Parsons tentou captar através da sua teoria de ação voluntarista construída em volta de um conceito de ator social motivado, no mesmo tempo e em combinações variáveis, por interesses utilitaristas e valores morais e concretizadas através de papeis sociais e das exigências funcionais que estão esperadas de transportar. Parsons refere ao papel do médico para ilustrar como a combinação entre racionalidades utilitaristas e morais seria organizada em sociedades modernas 230 e que enquadra-se no modelo ‘famoso’ de variáveis padrão ‘pattern variables of value orientation’ que para Parsons iria permitir distinguir entre padrões de atitudes típicos para sociedades tradicionais e modernas e para as exigências funcionais que estão incorporando.231 Neste âmbito importa notar que Durkheim, e em particular no seu estudo sobre a religião defendeu ideias bastante críticas da teoria positivista de Comte. Defende que o conhecimento tanto com a moral não podia ser o fruto unilateral da observação dos fenómenos empíricos ou ainda ser resultado das trocas e interações interpessoais, mas tem 230 “Action must always be thought of as involving a state of tension between two different orders of elements, the normative and the conditional. As process, action is, in fact, the process of alteration of the conditional elements in the direction of conformity with norms ... Thus conditions may be conceived at one pole, ends and the normative rules at the other, means and effort as the connection between them”. Parsons, in: Uwe Schimank (1996) Theorien gesellschaftlicher Differenzierung, UTB, Opladen, p. 86. Esta passagem revela o esforço de Parsons de sintetizar o modelo utilitarista de hedonismo económico com o modelo normativo que herdou de Durkheim que combinou com um modelo de personalidade orientada e aberta pelo mundo. “The physical world is the ultimate source of the generalized resources on which all living systems on the earth depend, and it provides the ultimate conditions of their functioning.” Parsons (1978) Ibid., p. 362. Assim Parsons recuperou também a ideia da intencionalidade da filosofia fenomenologica e defende que “it is our view that all of the essential modes of human action orientation are relevant to man as actor's orientation to all of the environments to which, in the human condition, he is exposed. (…) If the external-internal axis is closer to that of space in its physical meaning, the axis labeled instrumental-consummatory is more closely related to time. An original prototype of this was the means-end relationship, with the clear proviso that the application of the means must precede the attainment of the end.” Ibid., p. 364-365 231 Uma crítica deste modelo se encontra, in Jürgen Habermas (1987) The theory of communicative action, Volume 2: Lifeworld and System: A Critique of Functionalist Reason, Beacon Press, Boston, p. 222ff 113
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] a sua fonte em construções sociais coletivas pealáveis a observação e as trocas, nas instituições sociais através de quais iriem exprimir-se os sentimentos e energias picicas coletivas representando portanto mais que a soma dos seus componentes. 232 Assim, defende que a fonte do pensamento logico e do conhecimento é a sociedade. Neste âmbito, Jing Xie defendeu que a questão do simbolismo, e do simbolismo religioso ocuparam um lugar central na teoria de conhecimento de Durkheim: tentou provar o caracter sui generis da realidade social que tem a sua base nas representativas coletivas que por sua vez representam a expressão simbólica das energias psíquicas coletivas, de uma psicologia coletiva. Levi Strauss criticou esta construção como sendo tautológica uma vez que Durkheim teria continuando de defender o que as criações simbólicas emanado do realidade social. Durkheim, como notou Xie, concentrou a sua atenção sobre o estudo do caracter simbólico da vida social, um interesse que prima no estudo sobre a religião e sobre as formas de classificação editado em colaboração como Mauss. Segundo Xie, “Durkheim treated symbols in at least two different ways. First, they are considered as emblems representing social reality. Second, they are seen as categories and classifications organizing cosmological reality in the mind. Given this twofold dimension, it is not difficult to understand the central place of Totemism in Durkheim’s theory, from as early as the article he co-authored with Mauss in 1904 on classification.“233 A crítica de Levi Strauss foca sobre a natureza do simbolismo social. Objeta que o simbolismo não podia originar da vida social mas, pelo contrário, é o simbolismo e neste caso concreto, o totemismo que figura como expressão da ação sincrética da mente e, que fica a origem da vida social e a sua organização social, espacial e temporal.234 Durkheim, e ai ele não foge 232 Émile Durkheim (1995) The elementary forms of religious life, The Free Press, NY, p. 433ff. Marx descerveu o facto que a soma ser mais que a agregacao dos seus components atraves da formula de transformacao da quantidade em qualidade, uma ideia que ocupa um espaco prominente no pensamento de Durkheim sobre o desenvolvimento social onde o crescimento demográfico quando estava atingindo um nível critico acabou causando uma mudança na composição estrutural da sociedade, a passagem de uma estrutura segmentaria caracterizada pela solidariedade mecânica, para uma estrutura funcional caracterizada pela solidariedade orgânica. Durkheim (1998) ibid. 233 “Indeed, in a totemic society, the two aspects of symbolism – emblem and classification – overlap completely. For Durkheim and Mauss, the entire universe is divided and organized according to the model of totemic clans, so that totemic emblems also form an elementary vocabulary of cosmology. This argument (…) served Durkheim as the cornerstone on which the three main points of his sociology of knowledge are built: (1) the function of symbolism is both to represent and to strengthen social reality; (2) social reality is the source of the categories of understanding; and therefore, (3) the objectivity of the categories of the understanding can be established against skeptical philosophers and evolutionary ethnologists.” Jing Xie (2016) The structuralist twisting of Durkheimian sociology: Symbolism, moral reality, and the social subject, Journal of Classical Sociology, vol. 16, no. 1, p. 23 234 Xie comentou que Durkheim teria utilizado o símbolo como conceito com significado duplo. Primeiro, no sentido de reconhecimento mutuo, e semelhante do significado atribuído por Mead, e segundo como representação da realidade. Refere a origem etimológica da palavra para destacar as origens desta duplicidade, algo que sempre é uma boa estratégia para promover a compreensão de uma construção cognitiva. “A sumbolon, in its original, Greek meaning, was an object broken in two parts so that allies could recognize each other. Thus, the word originally referred to a social act. In ecclesiastical Latin, it is this idea that the word symbolum takes up. It referred to a formula expressing faith – the credo, hence it also required an act – what we might call a Speech 114
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] muito do modelo explicativo de Simmel, argumentou que o sistema de associação social é diretamente articulada com a estrutura do meio social interno – Durkheim salientou “a importância primaria dos factos de morfologia social que seria a origem de ‘todo processo social’235 - e nota que “le fait de l’association est le plus obligatoire de tous; car il est la source de toutes lesa utres obligations”. Sem duvida’, defendeu Durkheim “il ne peut rien se produire de collectif si des consciences particulières ne sont pas données ; mais (…) il faut encore que ces consciences soient associées, combinées (…) d’une certaine manière ; c ést cette combinaison que resulte la vie sociale et, par suite, cést cette combinaison qui l’explique’. (…) Voilà, dans quel sens et pour quelles raisons on peut et on doit parler d’une conscience collective distincte des consciences individuelles”.236 A partir daqui Durkheim formulou a regra que os factos sociais, tal como o facto social geral da associação, só devia ser explicado por outros factos sociais anteriores. Considerou fenómenos como o crime ou o suicídio como factos sociais normais, mas podem tornar-se patológicos a partir de momento que aumentar-se a sua frequência. Neste caso tornam-se indicadores de crise social. Considera que o homem moderno, antes de tudo, ser tirado entre o seu desejo de segurança e de Act. Yet, philosophers, after Hegel, stopped discussing this active function of symbols. Symbols became mere signs, considered as substitutes for reality. This is the origin of Lévi-Strauss’ misinterpretation of Durkheim’s theory”. Xie (2016) ibid., p. 23. Neste âmbito, é interessante de voltar para a comparação de Silverstone entre as teorias de simbolismo de Lévi-Strauss e de Cassirer, esboçada numa anotação anterior. Nota, enquanto abordam a problemática de perspetivas diferentes, filosófica versus antropológica, esta diferença de perspetivas se ilustra através da abordagem logica. Enquanto Cassirer, no seu estudo sobre o mito, interpreta o simbolismo como sendo um aspecto da actividade do pensamento humano, Lévi-Strauss interpreta o simbolismo e os mitos como a forma como este pensamento esta moldando a actividade humana. Assim, permitia ao filósofo de construir o homem, e ao antropólogo de o dissecar. “The study of myth for both Cassirer and Lévi-Strauss is a key to the understanding of man and his culture and for both myth is symbolic. It mediates in the space between mind and reality, between the I and the experienced world. Both seek to explore and define this space. (…) Cassirer's approach to mythology is that of the neo-Kantian phenomenologist; he is not interested in mythology as such but in the processes of consciousness which lead to the creation of myth (…) Cassirer is concerned with man's mind, the universal spirit from which he starts and where, via its cultural manifestations, he hopes to finish. He follows the clearly spiral path defined by the dialectic. Levi-Strauss's objective is also the mind of man and also its universality, but he begins firmly in the empirical world, with cultures not culture, and his path is neither so elegant, so simple or indeed so probable. Within the basic mind-symbol-reality structure Cassirer seeks the dynamics that depend on the activity of mind and which include reality, Levi-Strauss the forms that mind has already created and which might lead to its understanding. While the one stresses process, the other stresses form, and while one stresses affective power, the other stresses rational intellect.” Roger Silverstone (1976) Ernst Cassirer and Claude Lévi- Strauss: Two Approaches to the Study of Myth, Archives des Sciences Sociales des Religions, vol. 41/1976, p. 34 e p. 25. 235 Émile Durkheim (1990) Les règles de la méthode sociologique, Puf, Paris, p. 148 236 Durkheim (1990) ibid., p. 103-104. Na divisão social de trabalho Durkheim formulou a sua versão da teoria de racionalização de Weber que resulta numa teoria estruturalista de racionalização mais perto de Marx apesar que para Durkheim a estrutura social é fruto de um consenso social, de representação coletiva, de que de Weber. Nota que cada vez mais meio social interno ter uma extensão maior a consciência coletiva está ficando cada vês mais distante das consciências individuais o que tem por efeito que as ideias morais e regras jurídicas tornam-se cada vez mais abstrato deixando cada vez mais espaço para a ‘variabilidade individual.” Durkheim (1998) ibid., p. 413 115
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] ordem e do seu desejo de se autorrealizar. Em tempos de crise onde os quadros institucionais de regulação ficam fragilizadas, este equilíbrio pode ser quebrado resultando em diferentes formas de reação anómica, “If society loses its regulating vitality, anomie arises. This state is further heightened by the passions that are unleashed when men are denied discipline and social authority. Such a situation promotes anomie suicide, which differs from egoistic suicide. The latter results from the release of radical self-centeredness that occurs when the social bonds and collective obligations have grown so weak that they have lost the power to act as integrating forces. Anomie suicide, on the other hand, results when there are no social imperatives because there is no collective integration, a situation that leaves men suffering and forlorn.”237 Enquanto as crises económicas iriam provocar um aumento de suicídios anómicas, ambos formas de suicídio iriam baixar em tempos de Guerra ou de crises politicas onde a prospeção de perigo está ameaçando toda a comunidade e, por conseguinte, reduzir a tendência de suicídios individuais. É um exemplo da transformação de um facto social normal num facto patológico. A diferença, segundo Durkheim, é no aumento da quantidade da frequência do fenómeno. Mas além desta distinção, a diferença é muita mais que o primeiro, tanto no que diz respeito a crime, quanto ao suicídio, é considerado como normal em razão da sua existência em todos tipos de sociedade. Durkheim o trata como característica típica da vida social e ligada a estrutura que organiza esta vida social enquanto o segundo tipo é não somente ligada a estrutura social mas envolve particularidades individuais cujo estudo iria requer recorrer a explicações psicológicas; ou seja, requer sair do campo de estudo sociológico. Esta redução da perspectiva sociológica aos factos oriundo da estrutura social ou da sua superestrutura institucional levou pesquisadores como Halbwachs, e ainda mais o já citado Erich Fromm de preencher este vazio deixado por Durkheim e de tematizar, não somente estes aspectos psicológicos no estudo de factos sociais, mas também o impacto das estruturais sociais e das desigualdades sociais no seu seio. Enquanto já houve menção de Erich Fromm, um psicólogo social cujas ideias se enquadram mais na tradição da teoria crítica oriunda do pensamento Marxista que Durkheimiana, 238 voltaremos retomando esta fila de 237 Albert Salomon: Some Aspects of the Legacy of Durkheim, in Kurt H. Wolff (ed. 1964) Harper Torchbooks, NY, p. 260. Salomon acrescenta ainda que para Durkheim “Egoistic and anomic suicides do not occur in the same human groups. Egoistic suicide prevails in the professional and intellectual worlds; anomic suicide, in the worlds of industry and finance, among workers and managers alike.” Ibid., p. 260 238 Fromm contestou esta separação nítida entre factos sociais e psicológicos excluindo os últimos do horizonte sociológico. Argumentou que as características psíquicas e comportamentais não podem ser separadas das condicoes estruturais sociais. Assim, um conceito como este de facto social de Durkheim, não se encontra na teoria Marxista, onde os factos sociais ‘normais’ como o crime ou o suicídio, são interpretados como características típicas da sociedade de classe, e a perpetuação da separação social entre o ‘amo e servo’. O conceito de alienação que Marx introduziu nos seus ‘Manuscritos de Paris’ de 1944, figura como ilustração inicial para caracterizar as articulações recíprocos e típicas entre condições estruturais ligadas a situação de classe, isto é, ao posicionamento no processo de produção capitalista, e as características socioculturais e comportamentais características para este posicionamento. Abriu a porta para virar a atenção para os crimes de colares brancos em vez de associar o fenómeno normal do crime com camadas sociais mais baixas. Esta abordagem inclusiva Marxista tem um valor sociológico geral, e não 116
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] argumentação nas páginas mas adiantes, consagradas em discutir as revisões de Maurice Halbwachs e de Robert Merton sobre o conceito de anomia e, por esta via, do facto social. Mas antes disso, importa discutir mais um outro aspecto do pensamento teórico: a teoria de conhecimento cujos contornos foram desenvolvidos no quadro da sociologia da religião e que provocou uma reação de Lévi-Strauss. Durkheim apesar de o seu esforço não conseguiu escapar da necessidade de recorrer a um argumento baseado sobre a psicologia dos sentimentos coletivos, uma vez que os sentimentos coletivos, mesmo que iriem representar algo diferente, externo e uma influência exterior aos sentimentos individuais, tem a sua origem nas energias psíquicas individuais. Assim, interpreta o simbolismo religioso e o simbolismo em geral como sendo a expressão destes sentimentos coletivos que por sua vez representa a síntese de sentimentos individuais, Lévi-Strauss criticou que a teoria de conhecimento de Durkheim criado para substituir a construção indefensível do sujeito transcendental de Kant, com sociedade como nova base empírica de uma teoria de conhecimento, iria todavia resultar numa explicação circular239, que corre o risco de cair na cilada de ‘mentalidade primitiva’ de Lucien Lévi-Bruhl que, por este efeito, recorreu a sociologia da religião e do simbolismo de Durkheim. Dominique Merllié, que ofereceu um resumo bastante preciso sobre o assunto, notou que “In How Natives Think” que datou de 1910, “Lévy-Bruhl locates his research on the “path” opened by “Durkheim and his collaborators”, with the aim of formulating “a theory of knowledge, both new and positive, founded upon the comparative method.” As a “preliminary problem,” he intends “to find out exactly what are the guiding principles of primitive mentality,” and thinks he has managed to “show that the mental processes of ‘primitives’ do not coincide with those which we are accustomed to describe in men of our own type. His whole book, like the other five that followed, aims at demonstrating that there exist in “primitive” societies mental mechanisms whose “guiding principles” – or, to use a common term in his work, their “orientation” – differ from those described by philosophers and logicians.” Encontrou o seu ponto de partida na tese sobre a origem religiosa do pensamento logico sociologia que Durkheim formulou na sua teoria da religião. “In The Elementary Forms of the Religious Life, Durkheim does not just intend to account for the social origin of religion, but also for the origin of the knowledge or categories that constitute its “tools (…) The preliminary chapter, entitled “Religious Sociology and the Theory of Knowledge,” traces the origin of the latter to the former; since “categories of understanding” were “born in religion and of religion”, “they are a product of religious thought.” If “religion is something eminently social,” and “if the categories are of religious origin,” it follows that “they too should be social affairs”, or at least “rich in social elements” (…) The fica afectada pelo objectivo que motivou Marx, isto é, de identificar, através deste tipo de estudos, as condições que deviam ser reunidas para o surgimento de uma consciência de classe, a transformação de um classe em-si, numa classe pôr-se, o processo que resulta na criação de uma consciência de classe. 239 “The idea (...) according to which symbolism is the origin of social life, is largely due to Lévi-Strauss’ reading of Durkheim. The problem according to Lévi-Strauss is that Durkheim tried to ground the sui generis character of social reality on collective representations expressed in symbols, while explaining the origin of symbolism by social reality, a fatal circularity in his view.” Xie (2016) ibid., Abstract.. 117
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] intention to develop a “theory of knowledge” is thus common to both works, which also share the sociological grounding of this theory and the use of ethnographic data to illustrate it.”240 Para Lévi-Strauss a teoria sociológica do simbolismo que não quer cair também na cilada da mentalidade primitiva, uma ideia que Durkheim invitou através da sua tese sobre a articulação direta entre estrutura social e forma de pensamento, não pode, portanto, recorrer, como argumentou Durkheim, á um modelo explicativo que aponta, no fim da conta, para os sentimentos sociais, coletivos e individuais como fonte do pensamento simbólico, mas devia explorar outras pistas de explicação. Neste âmbito, Levi Strauss defende que o simbolismo e a sua forma de operar em estabelecendo um sistema de relações composto de uma logica binaria de oposições e igualdades seria nada mais que a expressão sobre a forma como a mente humana está operando. Lévi-Strauss, de facto, aplica um raciocino quase Kantiano e Hegeliano a uma diferença notável, que refere á razão subconsciente da mente e não a sua razão consciente241. Recorrendo a análise cross-cultural do mito, defende que o espirito humano segue uma logica binaria conceptual: opera em fazer distinções classificando todos os fenómenos em oposições, para depois introduzir formas de mediação entre ambos que cada um tem a sua expressão simbólica. Argumenta que aquilo que vale para o estudo das representações mitológicas também vale para o estudo das estruturas de parentesco e dos sistemas, na primeira vista complicados, de trocas e de tabus que está a pôr em prática242. Esta crítica, conforme com Xie, iria resultar em 240 Dominique Merllié (2012) Durkheim, Lévy-Bruhl, and “Primitive Thinking”: What Disagreement?, L’Année sociologique, vol. 62, no. 2, p. II. Todavia, como salientou, Merllié, Levi Bruhl mais que ‘exagerou’ a argumentação de Durkheim, que defendeu que não existe um abismo entre a logica religiosa e científica, Ibid., p. V. Ainda para acrescentar que o termo ‘primitivo’ em Durkheim significa ‘perto das origens’ e devia ser lido num sentido como pureza conceptual. É este significado de ‘primitivo’ como ‘forma elementar’ que transpira na sociologia da religião de Durkheim, algo que Levi Bruhl, em toda aparência, mis-interpretou. “In fact, what Lévy- Bruhl seeks in “primitive” thought is not an origin; it is an alterity, the mode of thinking that is most different from “ours.”. Ibid., p. XIV 241João Macedo Lourenço resumiu que “ Lévi-Strauss faz uma crítica nova da razão humana. Esta não pode ser concebida como consciência, como representação, como o fazem o positivismo e o hegelianismo (…) A actividade logica do pensamento do homem resultada de um conjunto de leis inconscientes por isso (…) \"o inconsciente está sempre vazio; ou, mais exatamente ele é tão estranho as imagens como o estomago aos alimentos que o atravessam. Órgão de uma função especifica limita-se a impor leis estruturais que enfraquecem a sua realidade a elementos desarticulados que provem de algures, pulsões, emoções, representações e lembranças”. João Macedo Lourenço (1997) A Racionalidade em Lévi-Strauss, Revista Portuguesa da Filosofia, T. 53, Fasc. 2, p. 250 242 Ainda para acrescentar que a teoria de simbolismo de Durkheim não somente entra em colisão com a teoria de Weber para quem símbolos representam construções cognitivas e, como revelou na famosa ‘Ética protestante’ articuladas com subjacentes estruturas históricas de dominação material e ideológica e a juncão de ideias e interesses dominantes, mas também com o modelo explicativo de George Herbert Mead abordando a problemática do simbolismo do ponto de vista da comunicação onde a transformação simbólica do gesto iria representar um passo indispensável para o nascimento da língua. Quanto á crítica de Claude Levi Strauss, Oppitz notou, que para Levi Strauss a função principal do simbolismo consiste em construir ‘relações necessárias’ entre fenómenos opostos, como por exemplo, entre fenómenos naturais e culturais que entrevem para construir relações e tipos de relacionamentos entre indivíduos e grupos; uma 118
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] liberar a teoria simbólica da vida social do seu caracter moral eliminando o caracter moral das representações simbólicas que encontram a sua forma mais clara no simbolismo religioso cuja função não somente é representativa, mas pratica: “they do not merely represent but maintain and revive collective forces and emotions”.243 Neste sentido, para Lévi-Strauss a função do símbolo é, antes de tudo, uma de representação de um significado, efervescendo a ‘outra’ função normativa moral que guardou na concepção de Durkheim. Levi Strauss defendeu que é na língua que iria revelar-se a função e o significado do símbolo. A sua conclusão, de facto, fica bastante perto de Kant quando está associando a língua e o simbolismo linguístico com a estrutura da consciência, da mente humana, uma vez que iria por em evidencia a capacidade inerente do espirito humano, do “human mind to impose structural laws, usually unconsciously, to a formless material and particularly to the affective and impulsive aspects of the mind.”244 Assim, nota que o foco sobre a língua como a forma mais exemplar da função simbólica em ação, levou-o á comunicação e, a partir dai, aos sistemas sociais de trocas reciprocas que representam formas de atuação das leis do parentesco e do sistema de alianças, é seriam estas a fonte social do simbolismo245. \"If men communicate by means of symbols and signs, then, for anthropology, which is a conversation of men with men, everything is symbol and sign, when it acts as intermediary between two subjects.”246 Levi Strauss apoiou-se mais sobre Mauss que sobre Durkheim e em particular sobre o ensaio de Mauss sobre ‘o dom’ que deu luz a uma teoria de troca e das relações de reciprocidade. Neste âmbito, Naoki Kasuga defendeu que Lévi-Strauss todas as formas de pensar seria nada mais que uma “variação gigantesca sobre o princípio de causalidade’ visto como principio que permite combinar fenómenos. Assim, a abordagem estruturalista de Lévi-Strauss tem semelhanças com a formulação de Simmel sobre as múltiplas articulações e interações reciprocas (Wechselwirkungen) que compõem a sociedade247. Ou, para citar Kasuga: \"That is tese que tem a sua origem na linguística estrutural de Ferdinand de Saussure. Michael Oppitz (1975) Notwendige Beziehungen: Abriss der strukturalen Anthropologie, Suhrkamp, Frankfurt/Main, p. 24-27 243 Xie (2016) ibid., p. 24 244 Lucien Scubla (2011) Le symbolique chez Lévi-Strauss et chez Lacan, Revue du MAUSS, no. 37, p. X ; Translated from the French by JPD Systems, p. VIII 245 A regra de parentesco e o seu sistema de oposições seria conforme com a estrutura da mente humana e da sua logica de pensar em oposições binarias resultando em diferentes sistemas sociais de interdições e permissões. Claude Levi Strauss (2002) les structures elementaires de la parente, Mouton de Gruyter, The Hague 246 Levi Strauss, in Nathan Rotenstreich (1972) On Lévi-Strauss' Concept of Structure, The Review of Metaphysics, Vol. 25, No. 3, p. 496. “In short, “symbolic function” and the “principle of reciprocity” are considered, in the end, to be two different names for one and the same thing.” Scubla (2011) ibid., p. X 247 Donald Levine notou que para Simmel “Society exists as one of the ways in which all experience can potentially be organized.so A given number of individuals, therefore, can be society to a greater or lesser degree, just as a given number of sounds can be music to a greater or lesser degree (…)In its concrete sense, society designates a complex of societalized individuals, an empirical network of human relationships operative at a given time and place. In the abstract sense of the term, society denotes the totality of those relational forms through which individuals become part of such a network.” Donald Levine: 119
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] structuralism, which in lieu of explaining overly complex phenomena focuses on the relationships between phenomena.” 248 Viu nestas relações de reciprocidade a manifestação das regularidades estruturais (Strukturgesetzlichkeit) que regulam os processos de sociabilidade (Sozialität) e que, como notou Gouldner, incluem relações de reciprocidade assimétricas típicas nas relações de clientelismo e que, como revelou Marx, tomam figura de relações de troca ‘soma zero’ nas sociedades capitalistas.249 Esta tese que a sociologia devia concentrar o seu esforço sobre estudo das interdependências e articulações complexas no estudo sobre os fenómenos e factos sociais fez careira no pensamento sociológico e o principal causa para o desenvolvimento da abordagem sistémica que caracteriza a sociologia deste o seu início – Hegel figurando com dos facilitadores desta transição - e que permitiu-a de se desmarcar de uma tradição filosófica que, como ainda foi o caso de Kant e a sua filosofia da consciência, não conseguiu liberar-se das ciladas da filosofia de origem. Acabamos evocando Alvin Gouldner e frisando a teoria sociológica de trocas propagada, entre outros, por George Caspar Homans e Peter M. Blau.250 No entanto, não deve se confundir a aplicação de uma logica sistémica com a teoria de sistema e a sue terminologia cibernética. Neste âmbito, o debate entre Wright Mills e Parsons reavivando a tradição de pensamento Marxista e Weberiana contra a tradição Durkheimiana pode servir como ilustração. Para Parsons apropriando se da logica funcionalista e organicista de Durkheim, as ‘Wechselwirkungen’ estão obedecendo a uma logica supra-humana criando uma analogia entre as articulações necessárias entre os órgãos dentro do corpo para manter o organismo saudável e que segue uma logica que deve ser caracterizada como logica cibernética de autorregulação sistémica. O livro sobre ‘Economia e sociedade de Parsons & Smelser de 1956, cujo titulo faz referencia a obra pós-hum de Weber sobre Economia e Sociedade Introduction, in David Frisby & Donald Levine (ed. 1971) Georg Simmel on individuality and social forms, University of Chicago Press, p. XXVH. Vide tambem Walter Schmid (1983) Zur sozialen Wirklichkeit des Vertrages, Dunker & Humblod, Berlin, p. 87. O autor associa as teorias de reciprocidade de Alvin Gouldner bem como de Levi Strauss a figura teoria de Simmel que coloca como fundador da teoria de redes sociais. Betina Hollstein (2001) Grenzen sozialer Integration: Zur Konzeption informeller Beziehungen und Netzwerke, Springer, Wiesbaden, p. 102. A semelhança entre Simmel e Mauss revela a seguinte anotação de Mauss que notou que “Social phenomena have between them the most heteroclite affinities. Habits and ideas project their roots in all senses. The mistake is to neglect these numberless, deep anastomoses”. [Naoki Kasuga (2010) Total Social Fact: Structuring, Partially Connecting, and Reassembling, Révue du Mauss, no. 36, p. 15 248 Formando um “endless process in which sensible factors fabricate a group of transformations while repeating homology, opposition, inversion and the like. Lévi-Strauss describes this thought as “a sort of metaphorical expression of science.” Kasuga (2010) ibid., p. 3. 249 Alvin Gouldner (1960) The norm of reciprocity: a preliminary statement, American Sociological Review, vol. 25, no. 2. Também: Ulrich Oevermann: Strukturale Soziologie und Rekonstruktionsmethodologie, in Ludwig v. Friedeburg & Wolfgang Glatzer (ed. 1999) Ansichten der Gesellschaft, Frankfurter Beitrage aus Soziologie und Politikwissenschaft, VS Verlag für Sozialwissenschaften, p. 75. 250 Citados em: Craig Calhoun, Joseph Gertais, James Moody, Steven Pfaff & Indermohan Virk (ed. 2002) Exchange and rationality,, in: Contemporary Sociological Theory, Blackwell, Malden USA. 120
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] reunindo ensaios em volta do conceito da economia social em desmarcação contra a abordagem Marxista de economia politica, presenta a sua tese sobre as complexas interações complementares de input, throughput e output entre economia e a sociedade, a politica e a cultura orientando as ações das suas sub-organizações bem como estes dos atores sociais 251 , que obedecem a uma logica superior sistémica representa um 251251251251 Trata-se das três grandes inovações conceptuais de Parsons: por um lado a teoria das ‘variáveis de padrão’ (pattern variables) para caracterizar os cinco series de padrões de atitude típicos que não somente servem para caracterizar, atitudes típicas para sociedades modernas e pré-modernas (as sociedades a solidariedade orgânica e mecânica de Durkheim) e que resultam dos processos de socialização sociocultural respetivos e, na sociedade moderna, orientam a educação formal. Durkheim concorda portanto com Jule Ferry que salientou o caracter univerdal e a aplicação do princípio meritocrático da educao formal que considera como aspecto essencial para criar o espirito da cidatania. “L’inégalité d’éducation est, en effet, un des résultats les plus criants et les plus fâcheux, au point de vue social, du hasard de la naissance. Avec l’inégalité d’éducation, je vous défie d’avoir jamais l’égalité des droits, non l’égalité théorique, mais l’égalité réelle, et l’égalité des droits est pourtant le fond même et l’essence de la démocratie. » Jean-Claude Caron (2014) « Jules Ferry, « De l’égalité d’éducation ». Extrait de la conférence donnée à la salle Molière, 10 avril 1870 », Parlement[s], Revue d'histoire politique, vol. 22, no. 3, 2014, pp. 115-123. A educação para disciplina, tanto em termos éticos morais (Foucault), quanto em termos vocacionas-profissionais (Weber), evocada já, logo no início deste ensaio, é um exemplo. Foi Claus Offe que focalizou sobre a forma como a diferençação entre sistema de educação académica e vocacional serve para cimentar a separação estrutural entre trabalho intelectual e manual e as funções subsequentes; resultando numa segmentação de mercados de trabalho. Claus Offe (1975) Berufsbildungsreform: eine Fallstudie über Reformpolitik, Suhrkamp, Frankfurt/Main. As leituras de Offe foram ecoadas por autores tao diversos como Raymond Boudon (1973) L’inégalité das chances, Collin, Paris; Pierre Bourdieu & Jean-Claude Passeron (1964) Les héritiers, Minuit, Paris; (Idem (1970) La reproduction, Minuit, Paris); Samuel Bowles & Herbert Gintis (1976) Schooling in Capitalist America, Basic Books, NY, ou ainda Paul Willis (1977) Learning to work, Gower, Westwead que salienta a logica de diferença social reprodutiva encoberta no sistema de educação escolar e cuja leitura recomendo ‘very much’. Nesta perspetiva, o sistema de educação formal e descrito como um sistema não somente de promover a ilusão de princípio meritocrático, mas como um desenhado para reforçar as desigualdades socias que, por sua vez, como revelou James Coleman condicionam o sucesso escolar bem como os percursos individuais. James Coleman (1988) Social Capital in the creation of human capital, The American Journal of Sociology, vol. 94, 1988. No edifício teórico de Parsons, o modelo das variáveis padrão servem para explicar a estrutura da ação social enatado através de múltiplas interações sociais entre indivíduos e entre indivíduos e instituições, servindo também para orientar o estudo das dinâmicas de grupo. Da continuidade a ‘teoria voluntarista de ação’ de Parsons, introduzida, através de uma revisão das teorias de Durkheim, Weber, e Pareto e po economista Alfred Marshall, desenvolvida no estudo sobre a estrutura da ação social de 1937. (Parsons (1949) ibid. Parsons reconstruiu como as duas tradicoes da teoria social uma corrente positivista representada por Marshall, Pareto e Durkheim, e uma idealista que, grosso modo seria composta, antes de tudo por Weber, mas incluira também autores como Marx e Werner Sombart e a filosofia idealista alemã. Enquanto ignorou Simmel, a discussão incluiu alguns parágrafos sobre Marx que, no entanto, revelam o seu desinteresse a abordagem Marxista que, pelo menos nesta altura, Parsons teve problemas de entender. Por outro o sistema de regulação sistémica AGIL, isto é, o modelo das interações (Wechselwirkungen) sistémicas organizado por ‘media de comunicação simbólicas, tal como, a moeda, o poder ou sentimentos como o amor; um modelo que ‘importou’ o teorema económico sobre o mercado como mecanismo cibernético de autorregulação no discurso sociológico. O modelo de media de comunicação simbólica que permitem que atores, como no mercado e através do mecanismo do preço, podem comunicar sem entrar uma relação direta entre eles e ligar indivíduos distantes. Talcott Parsons & Edward Shils (ed.1951) Toward 121
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] impressionante exemplo não somente do raciocino estruturo-funcionalista, mas também de uma versão inicial da teoria de sistema, que encontrou a sua forma mais explicita através da obra vaste de Niklas Luhmann.252 Wright Mills objetou que no modelo explicativo teórico as relações de poder e do seu impacto estruturante sobre as escolhas individuais, os seus recursos e capacidades, e sobre as estruturas de oportunidade que podem aceder ficam não somente ofuscados, mas, mais ainda, descartadas do discurso sociológico.253 Coloca o estudo das Wechselwirkungen no centro da sua definição da imaginação sociológica, descrita no 1º capítulo neste ensaio; um estudo que formula a exigência ao sociólogo de ter capacidade de fazer ligação (e neste âmbito de revelar) as estruturas de poder e as suas raízes históricos, embebidas, de forma desigual, na composição dos diferentes meios socias, articulam com diferentes percursos biográficos e a distribuição da ‘hipóteses da vida’ (Weber).254 Voltando para Durkheim e a sua recepção de Kant, a figura sobre o caracter transcendental da sociedade está a substituir esta da transcendalidade do sujeito e do seu aparelho cognitivo sobre qual Kant tinha construído a sua teoria de conhecimento teórica e prática. Uma substituição que, tem, como já vimos custos em termos do destino que reserva para o ideal Kantiana de emancipação humana que, na logica funcionalista de Durkheim, toma a forma do homem integrado, de homem que se conforta com o seu papel social e os direitos e deveres que está incluindo, confrontando a imagem positiva do homem do individualismo institucionalizado a imagem negativa do homem alienado e preso nas caixas de ferro burocráticas de Weber que estão a invadir, até a colonizar a vida social.255 a general theory of action, Haper Torchbooks, NY. Uma revisão excelente do modelo teórico de Parsons se encontra no ensaio de Jürgen Habermas, no 1o volume da teoria de agir comunicativo, publicado em 1981. 252 Talcott Parsons & Neil Smelser (2005) Economy and Society, Routledge, London. Luhmann (1991) ibid. 253 A teoria de dualidade estrutural de Giddens representa uma tentativa de propor um modelo explicativo do modelo explicativo de Parsons e de ofercer um quadro teórico mais adequado para estudar as múltiplas Wechselwirkungen entre estruturas e instituições sociais por um lado, e escolhas e ações racionais dos atores sociais por outro lado. O modelo de Giddens partilha com este de Parsons a ambição de oferecer uma teoria geral da sociedade. Anthony Giddens (1984) The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration, Polity Press, Cambridge. 254 Mills (1959) ibid., Esta abordagem no estudo das Wechselwirkungen pode ser lido como ilustração sociológica da frase famosa de Marx, colocada na crítica da economia politica, que os homens enquanto autores e produtores da sua história, são condenadas de produzir e reproduzir a sua vida em condições impostas que agem como forças exteriores e constrangedoras (Durkheim) e que ficam fora da sua alcance, até ao momento que os agentes sociais, através de um processo de consciencialização á la Kant tomam conta destes obstáculos sociais e dos interesses e grupos de interesse atras deles. 255 Importa notar que o homem actor descrito por Goffman representa uma figura que se localiza entre o modelo moderno de homem integrado de Durkheim e o homem alienado e largamente absurdo de Weber, 122
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Todavia, o quadro conceptual de Parsons que resulta da sue tentativa de sintetizar a teoria estruturalista de Durkheim e o individualismo metodológico de Parsons fica detrás do modelo de Weber uma vez que Parsons corta a parte potencialmente desviante do sistema de ordem existente que, para Weber, não somente iria caracterizar as ideais mas iria explicar porque constituem potenciais fatores de mudança social, uma tese que encontrou a sua elaboração no estudo de caso sobre a ética protestante e o espirito do capitalismo. A doutrina religiosa do calvinismo faz parte do processo de individualização através da criação de uma consciência individual. Embora que no regime antigo a estratificação social e as relações de dominação entre classes e estamentos sociais justificou-se com sendo resultado de uma vontade divina, de destino, desculpando o individuo e lembrando-lho da sua impotência face á estes poderes divinos e criando um certo sentido de autossuficiência hostil a ideia de produtividade, a ética protestante estuda o processo que contribuiu em quebrar esta ideologia em transferindo as ideias que ate agora serviram para explicar e justificar as desigualdades sociais e económicas e desculparam o individuo em inculpando este individuo colocando-o como responsável da sua situação. Trata-se de um primeiro momento não somente de distinguir entre vencedores e perdentes, mas de ancorar este facto objetivo nas consciências individuais. O sucesso ou o fracasso na vida são vividas como resultados dos seus atos individuais respetivos 256 . Neste âmbito a logica que caracteriza a ética protestante fica ainda no quadro religioso: toma o sucesso como prova da graça divina, e o fracasso com prova da sua falha. Resulta em criar uma autoimagem, algo para pacificar a consciência, mas também a imagem social que acompanha o estatuto social. Consequentemente muda também as ideias sobre o trabalho e o que representa resultando em criar uma ética profissional de funcionar ao seu melhor independente do lugar que está ocupando no sistema de divisão de trabalho. 257 Weber insiste que só depois de ter deixado de lado o quadro religioso, foi possível de recolher as frutas destas mudanças incluindo alguns aspectos da teoria de escolha racional. Erving Goffman (1993) A apresentação do EU na vida de todos os dias, Relógio d’Água, Lisboa. 256 “Nos jansenistas falta todo traço de um elo entre certeza da salvação e ação intramundana. Sua concepção de “vocação”, muito mais que a luterana e até mesmo que a genuinamente católica, tem ainda o sentido de resignar-se a uma dada situação de vida, imposta não só pela ordem social, como no catolicismo, mas pela própria voz da consciência.” Max Weber (2004) A Ética protestante e o espirito de Capitalismo, Companhia das Letras, São Paulo, p. 155. “A razão “natural” nada sabe de Deus (Barclay, op. cit., p. 102). Com isso se alterava a posição que de resto a lex naturae ocupa no protestantismo. Não podia haver em princípio general rules, um código moral, porquanto a “vocação profissional” que cada qual tem, e que é individual de cada um, Deus a mostrou através da consciência. Não se trata de fazer “o bem” — no conceito generalizante de razão “natural” —, mas de fazer a vontade de Deus, tal como numa nova aliança foi escrito em nosso coração e se expressa na consciência” Ibid., p. 173. As investigações psicanalíticas de Sigmund Freud e as suas terapias utilizaram o método de consciencialização do trauma criado por este processo de internalização da ideologia individualista e que, para ele, fico ao fundo do mal-estar cultural da sociedade capitalista ocidental. Juliane Wagner (2003) Das Gewissen (Sigmund Freud), GRIN Verlag, München. 257 James Coleman (1994) Foundations of Social Theory, Harvard University Press, Cambridge, p.8. Comentários críticos da teoria de escolha racional encontram-se in: Joel Spring (ed. 2015) Economization of Education: Human Capital, Global Corporations, Skills-Based Schooling, Routledge London 123
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] e valida-as na organização capitalista de trabalho. Obviamente, o nascimento do Espirito capitalista é acompanhado com o surgimento da filosofia utilitarista com qual partilha os axiomas básicas: a ideia de uma responsabilidade individual, a ideia sobre a sociedade como grande campo de competição entre indivíduos competindo por recursos e posições sociais ou, como formulou Weber, por oportunidades de vida, e a ideia que o resultado desta competição tem validade moral que resulta em formular um sistema de moral consequencialista. Quando se fala sobre a questão do surgimento do Espirito capitalista que ocupou a sociologia alemã jovem, importa também evocar o estudo de Werner Sombart sobre ‘The Jews and Modern Capitalism” publicado em 1911, isto é, 7 anos apos da Ética protestante de Weber, onde defende a tese que a exclusão dos judeus dos guildas e corporações económicas da idade media que teve a sua origem na cultura religiosa antissemita que dominou nesta altura, teria criada uma atitude ética desfavorável a economia pré-capitalista e favorável a economia de mercado regido pela única lei da competição e, desta maneira, teria preparado a passagem da economia antiga para economia capitalista.258 O debate sobre a natureza de homem que acompanhou a discussão sobre o surgimento e a natureza do Espirito capitalismo é um debate que ate hoje ocupa o pensamento sociológico. A titulo exemplar pode evocar-se a figura teórica de Anthony Giddens que não somente localiza o actor social na interseção entre estruturas sociais e interesses individuais – interesses materiais e ideias – mas que aborda-lo como actor competente, como actor reflexivo com capacidade de ponderar entre os sus interesses, sobre como aproveitar as oportunidades sociais tendo em conta os constrangimentos bem como sobre o significado ético moral e legal das suas escolhas racionais e com base das lições tiradas das experiencias semelhantes no passado.259 A descrição da ‘dualidade estrutural’ tem semelhanças com o modelo explicativo de Michel Crozier & Erhard Friedberg que referem ao conceito de jogo para ilustrar a forma da articulação entre fatores individuais e institucionais nas escolhas estratégicas e ético – morais individuais: enquanto o jogo determina o quadro social, estratégico e moral em vigor, não determina como cada Actor aproxima o jogo e define os seus movimentos.260 Defende-se aqui que as diferenças de pensamentos entre Marx por um lado, e Weber e Durkheim por outro e entre estes três têm também a ver com a maneira como qual cada um deles se relacionou com a filosofia de esclarecimento e da sua promessa sobre a 258 Wener Sombart (2001) The Jews and Modern Capitalism, Batoche Books, Kitchener, Canada. Sombart que na altura foi uma figura importante no universo académico alemã durante a 1ª metade do seculo 20 e que influenciou autores como Schumpeter, não goza mais da mesma notoriedade, um facto que se deve também as tendências antissemitas do autor que, em 1915 público “heróis e comerciais’ (Händler und Helden) que emprega argumentos étnico-culturais comunitárias de ‘Volksgemeinschaft’ para construir dois tipos ideias opostos: a cultura heroica coletivista germânica com a cultura ‘mercenária’ individualista inglesa. 259 Giddens (1986) ibid. 260 Michel Crozier & Erhard Friedberg (1977) L’Acteur et le Système, Éditions du Seuil, Paris 124
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] possibilidade de uma sociedade esclarecida, humanista e racional. A última não somente impactou sobre a escolha e a construção das abordagens teóricas e metodológicas – cada um dos três autores acabou formulando a sua teoria de conhecimento – mas também sobre a definição do papel da ciência social. Para Marx, por exemplo, os estudos sobre a economia política do capitalismo e do seu modelo social que efetuou através de uma revisão crítica das teorias económicas e dos seus modelos explicativos como etapa indispensável para a promoção do conhecimento suscetível de produzir um efeito de esclarecimento e de consciencialização que iria acabar com as ideias falsas e ajudar os indivíduos de se liberar das bandas de opressão social e individual. A crítica da economia política enquadrou-se, portanto, no programa de Kant que viu o conhecimento como etapa indispensável para fazer sair os sujeitos do seu ‘estádio de minoria’ intelectual e social.261 Para Kant este acto de libertação por via de conhecimento racional representa a etapa crucial do processo de emancipação individual e coletivo.262 Acerca disso, importa notar que Kant tornou a sua atenção para a estrutura linguística para caracterizar o acto de conhecimento, uma viragem linguística que completa a sua discussão sobre os fundamentos a-priori de tudo acto de conhecimento e descreveu este acto em termos da relação entre um sujeito de uma constatação linguística e os predicados utlizados para descrever o seu sentido.263 261 Immanuel Kant (1783) Resposta a pergunta: o que é o esclarecimento, traduzido por Luiz Paulo Rouanet. É por esta razão que Kant se envolveu em estudar as fontes e limitações do conhecimento distinguindo entre conhecimento teórico da natureza e o conhecimento teórico social e estético 262 Habermas salienta a importância deste ponto na obra de Kant e da sua insistência sobre a criação de um espaço publico na transformação de atores sociais em cidadãos e cidadãs. Habermas (1991) ibid. Este livro representa a tese de doutoramento de Habermas sob supervisão de Wolfgang Abendroth e foi publicada em 1962. Nota-se também que a emergência de um espaço público não afetou somente o discurso político, resultou também num interesse nas condições psicológicas dos sujeitos e de questionar-se sobre relações de género, a intimidade, que alimentaram a reação romântica características para a nova sociedade burguesa. É um outro exemplo da articulação entre ideias e interesses. Detlef Kremer & Andreas B. Kilcher (2015) Romantik: Lehrbuch Germanistik, Springer-Verlag, p. 6 263 Kant aborda a distinção entre juízes sintéticos e analíticos na introdução a crítica da razão pura, notando que “em todos os juízos, nos quais se pensa a relação entre um sujeito e um predicado (apenas considero os juízos afirmativos, porque é fácil depois a aplicação aos negativos), esta relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo que está contido (implicitamente) nesse conceito A, ou B está totalmente fora do conceito A, embora em ligação com ele. No primeiro caso chamo analítico ao juízo, no segundo, I sintético. Portanto, os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação do sujeito com o predicado é pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa ligação é pensada sem identidade, deverão chamar-se juízos sintéticos. I Os primeiros poderiam igualmente denominar-se juízos explicativos; os segundos, juízos extensivos; porque naqueles o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito e apenas pela análise o decompõe nos conceitos parciais, que já nele estavam pensados (embora confusamente); ao passo que os outros juízos, pelo contrário, acrescentam ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposição. Quando digo, por exemplo, que todos os corpos são extensos, enuncio um juízo analítico, pois não preciso de ultrapassar o conceito que ligo à palavra corpo para encontrar a extensão que lhe está unida; basta-me decompor o conceito, isto é, tomar consciência do diverso que sempre penso nele, para encontrar este predicado; é pois um juízo analítico. Em contrapartida, quando digo que todos os corpos são pesados, aqui o predicado é algo de completamente diferente do que penso no simples conceito de um corpo em geral. A adjunção de tal predicado produz, pois, um juízo sintético. [Os juízos de 125
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Para Marx é a condição indispensável permitindo os homens de sair da pré-história caracterizada de uma interminável sequencia de luta de classes e de se preparar para fazer a sua própria historia em condições conscientemente escolhidas acabando com esta luta de classes. 264 Sendo uma construção social feita em condições sociais impostas, Marx considerou que qualquer sistema de divisão de trabalho capitalistas ou não capitalistas é reversível e pode ser alterado. No que diz respeito a divisão de trabalho capitalista e a instituição da propriedade, a abolição da divisão de trabalho e, subsequentemente, da sua estrutura hierárquica de comando devia figurar como objetivo primeiro para mudar a instituição da propriedade, que figura como objetivo final do acto revolucionário. Voltamos sobre este ponto nos parágrafos a seguir. Marx fica, portanto, na tradição filosófica de Kant265 - e de Hegel por este efeito - aceitando a crítica do último sobre a filosofia transcendental do primeiro, nomeadamente sobre o caracter a-histórico e ontológico do sujeito transcendental. Para Hegel, a razão não é um a-priori no sentido que fica acima do processo histórico, mas algo que está desdobrando as suas qualidades e é este processo que caracteriza as épocas históricas, a sua sucessão e o seu espirito. Hegel viu a história como progressão de etapas, onde cada época representa um estádio de desdobramento da razão ate que o espirito da época representa o espirito universal o “Weltgeist”, caracterizando uma época onde, como preconizou Kant, os homens se afirmam como arquitetos da sua historia. Hegel rejeitou, portanto, a ideia do sujeito a-histórico e transcendental mas fica com a ideia de Kant que o critério de avaliação do progresso da razão, agora interpretado com o desenvolvimento cognitivo e moral dos atores sociais refere à capacidade deles de estabelecer uma ordem social e um tipo de governação justo e racional e em harmonia com as revindicações éticas e morais exprimidas nas diferentes versões do imperativo categórico. De facto, este debate que parece antigo ressurgiu, de uma certa forma, nos debates sobre a ‘mentalidade primitiva’ e sobre o caracter do pensamento mitológico provocados pela antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss e que resultou do estudo de Edward Evans- experiência, como tais, são todos sintéticos”. Kant apresenta um exemplo para ilustrar este facto: “Que um corpo seja extenso é uma proposição que se verifica a priori e não um I juízo de experiência. Porque antes de passar à experiência já possuo no conceito todas as condições para o meu juízo; basta extrair-lhe o predicado segundo o princípio de contradição para, simultaneamente, adquirir a consciência da necessidade do juízo, necessidade essa que a experiência nunca me poderia ensinar. Pelo contrário, embora eu já não incluía no conceito de um corpo em geral o predicado do peso, esse conceito indica, todavia, um objeto da experiência.” Immanuel Kant (2001) Critica da razão pura, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 68-69. Acerca de uma critica desta distinção: W. V. Quine (1951) Main Trends in Recent Philosophy: Two Dogmas of Empiricism, The Philosophical Review, Vol. 60, No. 1. 264 Jürgen Habermas (1978) Theorie und Praxis: sozialphilosophische Studien, Suhrkamp, Frankfurt, p. 220ff. A nota ainda que o raciocino de Kant influenciou a distinção entre teoria tradicional e critica. Max Horkheimer (1986) Zur Kritik der instrumentellen Vernunft, Fischer, Frankfurt/Main 265 Williams defende que têm em comum o “commitment to critique, freedom, equality, human betterment and cosmopolitanism”. Howard Williams (2017) The Political Philosophies of Kant and Marx, Kantian Review, vol. 22, no. 4. 126
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Pritchard sobre a dança de chuva no povo de Azande. É um debate que, depois, ressurgiu na sociologia funcionalista e em particular em volta do conceito das funções latentes de Robert Merton que vamos discutir no 4º capítulo neste ensaio Em Hegel, o pressuposto de descrever este desdobramento da razão como um processo histórico resultou em desconstruir a ideia do sujeito transcendental em favor de um sujeito representando as imitações da sua época que somente o processo dialética consegue superar. A notoriedade e Hegel não somente reside no facto de ter ultrapassado as limitações de uma filosofia de sujeito de Kant e a sua distinção entre sujeito e objeto, entre númeno e fenómeno, o universo de conceitos e das coisas cuja existência para nos se manifestaria nas sensações que iria conseguir criar em nos, representando dois universos separadas para sempre, em estipulando que sujeitos e objetos, númeno e fenómeno, encontrar-se inevitavelmente numa relação dialética e se constituindo mutualmente. Esta reinterpretação de Kant criou um eco forte e permanente no pensamento de Marx cuja contribuição maior consistia em corrigir a ideia de Hegel que este processo de desdobramento devia ser interpretado como movimento do espirito que em termos do desenvolvimento das condições materiais da vida moldados pelo estádio respetivo de desenvolvimento de modi de produção; isto é: do desenvolvimento dialética entre forças e ralações de produção.266 Durkheim, por sua vez, abandonou esta ideia de emancipação por via de esclarecimento em favor de analisar a problemática de ordem social em condições de crise institucional generalizada. Para ele, o homem emancipado é o homem capaz de assumir as suas diferentes funções com sucesso e de preencher a multidão de papéis sociais sem perder o seu equilíbrio psicológico. Mais tarde Parsons, discípulo de Durkheim sintetizou as ideias de Durkheim através do conceito do ‘individualismo institucionalizado’ caracterizado como capacidade de homem de ‘agir’ de forma socialmente competente nas condições e situações encontrados participando na sua estabilização e garantindo a seriedade das interações sociais (meaningfulness).267 O conceito serviu para ilustrar a articulação intima entre estruturas sociais e de personalidades, que provocou reações críticas da primeira geração da teoria critica representada por Adorno e Horkheimer, ou ainda do psicólogo 266 Dialética quer dizer que algo ser capaz de transformar em seu oposto. “O método filosófico» de Marx pretende «colocar sobre os pés» a dialéctica hegeliana; mas, esta «dialéctica de Hegel \"revirada\"» ou seja, removida da sua postura (idealista, acrescento eu) de cabeça para baixo —, pasme-se: «permaneceu, apesar disso, dialéctica de Hegel» (…) A inversão da dialéctica em Hegel repousa em que [segundo ele] ela deve ser [um] \"autodesenvolvimento do pensamento\", e, por conseguinte, a dialéctica dos factos [deve ser] apenas [uma] imagem reflectida [Abglanz] dele [do pensamento], enquanto [para Marx e para Engels] a dialéctica na nossa cabeça é contudo apenas o reflexo [die Widerspiegelung] do desenvolvimento efectivo que se completa no mundo histórico-natural e histórico-humano, obedecendo a formas dialécticas.” José Barata Moura (2018) Dialética Materialista na Compreensão de «O Capital», http://www.pcp.pt/dialectica-materialista-na- compreensao-de-capital-um-apontamento.. 267 Por exemplo: Bryan S. Turner (2005) Talcott Parsons’s Sociology of Religion and the Expressive Revolution: The Problem of Western Individualism, Journal of Classical Sociology, vol. 5, no. 3/2005 127
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] social Erich Fromm acima mencionado focando sobre a articulação entre estruturas sociais e o desenvolvimento de tipos de personalidade268, acusando-o para ter omitido que a ordem e uma que enquadra-se e segue as ‘leis da acumulação capitalista’ e a sua divisão da sociedade em classes. Importa também acrescentar que Parsons’ ficou também influenciado por Weber, em particular na sua ideia inicial de colocar ‘ações’ como elementos básicas da teoria sociológica. A problemática sociológica ocupada em estudar as articulações entre o desenvolvimento de estruturas e de personalidades, entre ordem e comportamento relaciona-se com o debate filosófico sobre a articulação entre a sociedade civil, o campo de conflitos entre interesses opostos, e o Estado e os seus aparelhos, cujo papel consistia em sintetizar estas divergências de interesses. A única instância, como dizia Weber, dotado com o poder legítimo de impor a sua vontade, isto é: aquilo que representaria o interesse geral. 269 Obviamente, esta concepção do Estado não corresponde a concepção de Marx que viu o Estado como instrumento da dominação de classe mas que, no entanto, atribuiu ao Estado também um papel eminente na gestão de conflitos de interesse, algo que Marx resumiu no conceito do Estado como capitalista geralista (“Gesamtkapitalist). Como já transpirou, Durkheim rejeitou interpretar o desenvolvimento social e humana em termos de pré-história e história, onde história representa a época ainda não atingida do desenvolvimento humana. 268 Erich Fromm: Sozialpsychologischer Teil, in Max Horkheimer (ed. 1936 ) Studien über Autorität und Familie, Schriften des Instituts für Sozialforschung, vol. 5, reprint 1986, Verlag GbR, Lüneburg. Esta temática por Talcott Parsons, por exemplo: Parsons (1970) Social structure and personality, The Free Press, NY, que não somente ignora as teses de Fromm mas que representa a tentativa de Parsons de opor a abordagem funcionalista de Durkheim e a sua pretendia ‘convergência’ com a teoria de personalidade de Freud, com a abordagem critica Marxista. 269 Conforme coma concepção idealista sobre a relação e articulação entre o Estado e a sociedade, a separação do primeiro das influências e ‘antagonismos destrutivos’ do último seria primordial. A burocracia pública devia assumir um papel central porque somente “An “estate” of government officials responsible solely to the sovereign and occupied exclusively with the business of government seemed to be the principal means for achieving independence of the state from the pressures of social interests.” Marcuse & Neumann, in Marcuse (2004) ibid., p. 124. Mas esta construção tem perigos entre quais este da personalidade burocrática rígida descrita por Robert Merton. Tem a sua origem no estatuto privilegiado que, como salientou Weber no seu ensaio sobre a burocracia, iria caracterizar “o funcionário moderno, seja o público, seja o privado” e no facto que podia “aspirar sempre a estima social estamental, especificamente alta, por parte dos dominados, e quase sempre desfruta desta. Sua posição social é garantida por prescrições referentes a ordem hierárquica e, no caso, dos funcionários políticos, por disposições penais especificas relativas a ofensas a funcionários, desprestígio de autoridades estatais”. Abre a porta para o abuso de posição e de função para promoção não da ‘rés pública’, mas da ‘rés privada’ do funcionário, um aspecto que encontra o seu eco na teoria organizacional de Crozier e Friedberg (1977) ibid. In particular nas burocracias autoritárias que dominam nos Estados e organizações na Europa continental. Nos países onde, por variares razoes, o Estado Central fica menos desenvolvido, o abuso ainda pode acontecer, mas o estatuto de honra do funcionário fica menos desenvolvido. Assim Weber notou que “os funcionários costumam encontrar pouca estima social particularmente onde (…) estão muito pouco desenvolvidas tanto a necessidade de uma administração especificamente instruída quanto a dominação de convenções estamentais. Assim, particularmente nos Estados Unidos’. Weber (1999) ibid., p. 201. 128
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Enquanto a pré-história representa o estádio actual do desenvolvimento humana onde a humanidade, apesar de tudo o progresso tecnológico alcançado, continua vivendo segundo as leis e constrangimentos que parecem emanar de forças externas, a entrada da humanidade na historia iria começar a partir do momento que começa a se liberar destas forças externas e, em fazendo pleno uso das suas capacidades intelectuais e morais, iria dotar-se de leis e regras que garantiam a cada um a liberdade e autonomia moral. Nada disso tem um lugar na teoria de evolução social de Durkheim. Concorda com os economistas a divisão de trabalho não tem por fim de liberar o homem das autoridades externas ou de contribuir a felicidade dos homens; esta felicidade que notou o poeta Friedrich Schiller, compatriota de Wolfgang v. Goethe descreveu como sentimento que iria aproximar o homem á divindade. Pelo contrário, nasce e tem por propósito de acomodar indivíduos e as suas relações sociais com as novas exigências funcionais causadas pelo crescimento demográfico criando as necessidade de diversificação dos papeis e funções sociais para gerir a intensidade de contactos entre membros sociais incluindo com membros externos do quadro comunitário parental. Na concepção positivista que domina o pensamento sociológico do jovem Durkheim não há necessidade para atribuir ao processo histórico um significado ‘metafisico sob forma de propósito moral tal como formularam Kant e Hegel através da figura de emancipação humana ou do desdobramento do espirito, que para a questão da manutenção da ordem social. Neste âmbito, as novas instituições sociais que nascem com a crescente divisão de trabalho têm por função de figurar como equivalente funcional às instituições de parentesco e da sua capacidade de regulação e de integração social, e de socialização e do desenvolvimento das personalidades. A resposta de Durkheim é portanto uma resposta dupla: a nível macrossociológico a crescente divisão de trabalho iria necessitar de desenvolver um novo quadro institucional de regulação dotado com autoridade e capaz de inspirar o sentimento de desejabilidade270. A nível microsociológico devia surgir um novo sistema de socialização composta de um sistema de educação moral e profissional transmitindo um sentimento positivo face aos valores e normas sociais tudo em preparando cada individuo para o preenchimento de funções sociais e profissionais e as normas em ética de trabalho e de serviço que estão enquadrando. Parsons, em particular, gostou desta ideia que deu luz ao conceito de ‘individualismo institucionalizado’, um individualismo preparado de aceitar que cada homem ter o seu destino distinto e que a sociedade moderna ser caracterizada pelo facto de desigualdades sociais e económicas inevitáveis, criando relações hierárquicas de ‘supra - e de subordinação.’271 A sociologia de Durkheim, e este aspecto confirma a influência da filosofia positivista, evacuou a ideia de emancipação traduzindo-a numa teoria de sociedade industrial regida 270 Émile Durkheim (1990) Les regles de la methode sociologique, PUF, Paris, p. xx, anotação 2. 271 Wolff (ed. 1950) ibid. Donald N. Levine (1971) Georg Simmel: on individuality and social forms: selected writings, The University of Chicago Press 129
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] por necessidades objetivas e não-discutíveis determinando o sistema de funções e papéis sociais. Numa figura teórica quase Hegeliana defende que é da responsabilidade do Estado, das instituições públicas e das corporações privadas de garantir estas regras e de ‘mediar’ conflitos de interesse entre grupos sociais poderosos capitalistas; uma figura teórica que encontrou um eco na teoria de regulação de um capitalismo regulado por regras institucionais.272 Enquanto Durkheim transformou a ideia de emancipação numa teoria de regulação que não questiona a economia política do sistema capitalista, a objeção de Weber contra esta ideia de possibilidade de emancipação humana foi ainda mais radical, uma radicalidade que revela a influência de teorias de inspiração niilista de Nietzsche, Pareto e Michels.273 As suas leituras contrastam com a posição de Marx sobre a questão da moral que combina critica a moral capitalista caracterizada como conjunto de valores cuja função seria de legitimar os interesses da classe capitalista e, numa viragem Hegeliana, de ‘vender’ estes interesses como sendo a manifestação do interesse geral – na língua alemã as corporações capitalistas são designadas como ‘doador’ ou ‘dador’ de emprego, enquanto os trabalhadores são designadas como ‘detentor’ de trabalho representando um jogo linguístico’ designado para esconder a ideia de conflito estrutural que caracteriza a relação entre capital e trabalho – com a defesa do projeto moral de Kant. Defende que, enquanto a transformação dos valores morais em moral de classe seria uma característica típica de uma humanidade que ainda não tem conseguida de se livrar do jugo da dominação de homem sobre homem violando os princípios do imperativo categórico humano, a liberação do homem desta moral de classe seria a razão principal e a legitimação moral da luta para emancipação humana. Harmonizando entre a filosofia moral de Kant e a filosofia da história de Hegel identificou o proletariado com esta classe social como sujeito e como agente histórico cuja emancipação do jugo da dominação capitalista significaria a realização do processo da emancipação humana e a saída da humanidade do estádio da pré-história e a sua entrada na história. 274 Obviamente, a esperança de Marx que a classe operário 272 Um comentário recente do economista Moçambicano Castel Branco revela a ininterrupta atualidade destas questões; defendeu que “o capitalismo está a ficar cada vez mais um sistema inútil de um ponto de vista de resolver os problemas da sociedade e perigoso do ponto de vista da instabilidade e problemas que traz, este é um problema que é bom alertar (...) O capitalismo não é uma saída, não só em Moçambique mas globalmente, não existe um capitalismo honesto, transparente, com boa governação, etc., se olharmos na óptica do desenvolvimento da sociedade de uma forma ampla, de proteção do ambiente ou melhoria das condições de vida das pessoas” Nuno Castel Branco, em Verdade, 02 Janeiro 2020: Moçambicanos devem ser donos dos deputados e do processo político em Moçambique. 273 Hans Gerth & Charles Wright Mills: Introduction: The man and his work, in Gerth & Mills (1946) From Max Weber: Essays in Sociology, Oxford University Press, NY. Turner que faz parte do comentário de Raymond Aaron sobre a influença de Nietzsche sobre Weber da seguinte forma: o que conta para ambos não seria a busca sobre as condições da felicidade humana, mas para a sua grandiosidade medida em termos de poder; “not the happiness of mankind, but the greatness of man”. Aaron in Bryan S. Turner (2011) Max Weber and the spirit of resentment: The Nietzsche legacy, Journal of classical sociology, vol. 11, no. 1, p. 2 274 Na ‘questão judaica’ a argumentação de Marx não somente adota ainda uma linguagem filosófico mas enfatiza que a emancipação humana vai em par com o desenvolvimento das consciências morais, representando a condição através do qual o homem podia emancipar-se da sua qualidade como agente 130
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] representar o agente da emancipação humana foi frustrada e levou as diferentes correntes da sociologia Marxista, e antes de tudo os representantes da teoria critica de abandonar esta ideia e, por conseguinte, e em recorrendo a teoria de burocracia de Weber e as teorias de elite de Pareto associadas á teoria de racionalização burocrática de Weber, a ideia da emancipação por via da revolução. Em direita oposição de Max, Weber adotou a posição a mais radical vis-à-vis a impossibilidade de emancipação por via de esclarecimento intelectual, uma posição que talvez só a sociologia de Pareto ainda superou. Ente os três, o Weber é o sociólogo o mais influenciado pela teoria económica e do seu conceito de racionalidade por um lado, e a filosofia niilista e a sua rejeição de valores morais por outro que lhe colocou em nítida oposição á filosofia de esclarecimento e a filosofia de história de Marx, e mesmo de Durkheim e a construção de individualismo institucionalizado. Contra esta ideia de uma ordem social onde as pessoas acomodados com a eternização as desigualdades sociais encontram uma certa harmonia, com exceção de casos inevitáveis de indivíduos mal- adaptados, onde o processo de socialização e de integração moral e funcional falhou criando reações de anomia, o Weber colocou a sua visão da sociedade administrada, sociedade submetido ao regime total do poder burocrático encaixando os indivíduos num casaco de aço e povoado por um novo tipo de homem, o ‘homem profissional’ (Berufsmensch). Weber tem o mérito de ter incluído na sua análise sobre a dominação burocrática o seu efeito sobre o burocrata e sobre o que significa na sua interação e relação com o cidadão. Notou que “o funcionário moderno, seja o publico ou o privado, aspira a estima social estamental especificamente alta”. Weber depois continuou em detalhar sobre os fundamentos do poder do burocrata vis-à-vis ao cidadão em argumentando que tem a “sua posição (…) garantida por prescrições referentes a ordem hierárquica”. Weber depois parece reservar ao ‘funcionário político’ um estatuto particular na medida em que iriem existir “disposições penais gerais relativas a “ofensas a funcionários’, desprestígio de autoridades estatais e eclesiásticas, etc.”; isto é, uma proteção que hoje em dia já caracteriza o funcionário pôr-se. 275 Estudos organizacionais e neste âmbito por exemplo estes de Crozier & Friedberg acima já evocado, revelaram que os funcionários passam em adotar uma postura estratégica utilizando as suas posições por seus fins e interesses próprios. Por outro lado, estudos sobre burocracias publicas revelam que há praticas de oferecer tratamentos especiais aos ‘clientes’ em troca social e portador de um papel social, e de se tornar em sujeito da historia. Assim Marx defendeu que “Portanto, nosso lema deverá ser: reforma da consciência, não pelo dogma, mas pela análise da consciência mística, sem clareza sobre si mesma, quer se apresente em sua forma religiosa ou na sua forma política.” Karl Marx (2010) A questão judaica, Boitempo, São Paulo, p. 12. Arturo Morão resumiu que o “fito da emancipação humana é fazer que o carácter coletivo, genérico, da vida dos homens seja vida real, isto é, que a sociedade, em vez de ser um conjunto de mónadas egoístas e em conflito de interesses, adopte um carácter colectivo e coincida com a vida do Estado. O homem individual deve recobrar em si o cidadão abstracto e, como ser privado, utilizar as suas forças próprias como forças sociais, inserir-se na circulação da espécie no seu trabalho e nas suas relações.” Morão: Apresentação, in Karl Marx (?) A questão judaica, Luso Sófia Press, p. 3 275 Max Weber (1999) Economia e Sociedade. Vol. 2, UnB, Brasília, p. 201 131
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] de pagamentos e/ou outras formas de compensação276. Portanto, esta descrição do estatuto do funcionário e da sua posição de poder nas interações com os seus ‘clientes’ está abrir vias múltiplas para passar de uma teoria estrutural ideal-típica da burocracia para investigações sociológicas focalizando mais sobre os processos de interação entre a burocracia e a sociedade suscetível de ultrapassar as fronteiras da sociologia das organizações, porque podia e devia incluir investigar a relação entre burocracia e democracia, representando dois princípios discursivos bastante opostos. Neste âmbito, Habermas notou a possibilidade de ter um Estado de direito e um Estado social sem ter democracia, isto é, de uma constelação que transpira na teoria política de Weber e que iria entrar em colisão com a teoria discursiva da democracia e do conceito de Estado democrático, onde o termo de direito tem um duplo sentido jurídico e moral277. A uma exceção notável só: para Weber o “empresário capitalista” não somente é imune de ser submetido ao controlo burocrático, mas como o Chefe de partido politico face ao aparelho partidário, é ele que tem a capacidade de empregar o poder burocrático para a realização dos seus objetivos, uma capacidade que depende do seu capital económico e financeira.278 O desprezo de Weber se revela através das linhas famosas escritas na Ética protestante onde descreveu o novo tipo de Actor como antítipo do homem esclarecido e moralmente maduro. Pelo contrário, o processo de racionalização teria culminado em produzindo “especialistas sem espirito, folgazões sem coração, estas nadas (que) pensam ter chegado a um estádio da humanidade nunca mais antes atingido.” 279 Esta descrição sobre o caracter do homem profissional preparado para fazer funcionar os aparelhos burocráticos, o reino de ‘impersonalidade formalística sem amor e sem entusiasmo’ completa a caracterização do seu papel estrutural como meio de dominação definido como “caso especial de poder” baseada sobre a 276 Marc Granovetter (2006) A Construção Social da Corrupção, Politica e Sociedade, no. 9. Vide também: United Nations/Social Affairs (2007) Public Administration and democratic Governament: Governments Serving Citizens, 7th Global Forum on Reinventing Government Building Trust in Government 26-29 June 2007, Vienna, Austria. 277 Jürgen Habermas (1994) Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, Suhrkamp, Frankfurt/Main, p. 103. Vide também: United Nations/Social Affairs (2007) Public Administration and democratic Governament: Governments Serving Citizens, 7th Global Forum on Reinventing Government Building Trust in Government 26-29 June 2007, Vienna, Austria. 278 Weber (2004a) ibid., p. 147. O economista Austríaco Joseph Schumpeter, na sua obra sobre Capitalismo e Democracia defendeu que esta independência do empresário capitalista vis-à-vis o poder burocrático que teria sido característica somente durante a fase inicial do desenvolvimento da economia capitalista teria acabado com o desenvolvimento do último. Joseph Schumpeter (1961) Capitalismo, Socialismo e Democracia, Editora Fundo de Cultura, RdJ, 279 Max Weber (2005) A Ética protestante e o espirito do capitalismo, editorial presença, Lisboa, p, 140. Herbert Marcuse traduziu a visão sombra de Weber sobre a sociedade burocrática no conceito do ‘homem unidimensional’ produto do regime totalitarista suave da ‘sociedade administrada’. Herbert Marcuse (1973) A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional, Zahar Edições, RdJ 132
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] obediência voluntaria 280 . Neste âmbito, é interessante de comparar esta leitura da racionalidade burocrática que, conforme com Weber teve de emancipar-se das suas origens religiosas para tornar-se instrumento da dominação capitalista consagrada a logica de ‘cálculo de capital’, com esta do jovem Marx. Já nos manuscritos económico-filosóficos, o ultimo notou que ‘o dinheiro’ é a necessidade real central pela economia capitalista e a única que continua criando. Este facto se revela, comentou Fromm “subjectively, partly in the fact that the expansion of production and of needs becomes an ingenious and always calculating subservience to inhuman, depraved, unnatural, and imaginary appetites”.281 Assim, Marx na questão judaica não somente aponta sobre as raízes religiosas da burocracia mas, diferente de Weber, defende que a burocracia capitalista iria continuando cultivar este significado religioso como meio de propaganda e de enganar as consciências sobre o seu caracter de classe. Ou, como defendeu no capítulo sobre ‘o caráter fetichista da mercadoria e seu segredo’ que figura no 1º volumo do ‘Capital’ transformou o feiticismo religioso num feiticismo da mercadoria282. Esta análise em termos de antagonismo de classe fica na base da sua crítica de Hegel e da sua concepção da burocracia como ‘classe universal’ formulada na crítica da filosofia de direito de Hegel. Marx escreveu no ‘Manuscrito de Kreuznach’ de 1843 que “As corporações são o materialismo da burocracia, e a burocracia é o espiritualismo das corporações. A corporação é a burocracia da sociedade civil; a burocracia é a corporação do Estado [...] [Ela é a] consciência do Estado, a vontade do Estado, o poder do Estado encarnado numa corporação que forma uma sociedade particular e fechada dentro dele. A burocracia enquanto corporação perfeita vence as corporações enquanto burocracias imperfeitas [...] O espírito burocrático é um espírito fundamentalmente jesuíta, teológico. Os burocratas são os jesuítas e os teólogos do Estado. A burocracia é a república eclesiástica. Ela se considera “o objetivo final do Estado”: Toda manifestação pública do espírito político, até mesmo do espírito cívico, parece então à burocracia uma traição a seu mistério. A autoridade é o princípio de seu saber; e o culto da autoridade, seu modo de pensar” (…) A supressão da burocracia só é possível se o interesse geral se tornar efetivamente – e não como para Hegel puramente em pensamento, na abstração – o interesse particular, o que somente pode acontecer se o interesse particular se tornar efetivamente o interesse geral (…) A transformação propriamente dita dos “estamentos políticos” (Stände) em classes civis foi realizada na monarquia absoluta. A burocracia fazia valer a ideia da unidade entre os diferentes estamentos no Estado, mas a diferença social deles continuava a ser uma política dentro e ao lado da burocracia do poder governamental absoluto. Foi a Revolução Francesa que concluiu a transformação dos 280 A relação entre dominador e dominado seria uma onde as ações dos dominados “se realizam como se os dominados tivessem feito do seu próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações, a ‘obediência’. Ibid., p. 190 281 Fromm (2013) ibid., p. 35 282 “Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação social geral de produção consiste em relacionar-se com seus produtos como mercadorias, portanto como valores, e nessa forma reificada relacionar mutuamente seus trabalhos privados como trabalho humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, é a forma de religião mais adequada, notadamente em seu desenvolvimento burguês, o protestantismo, o deísmo etc. (…) O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza.” Marx (1996) O capital, Vol. 1, tome 1, ibid., p 204-295 133
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] estamentos políticos em classes sociais e reduziu as diferenças de status da sociedade civil a simples diferenças sociais concernentes à vida privada, sem importância na vida política. Assim, completou‑se a separação da vida política e da sociedade civil.”283 Obviamente, como já foi enfatizado, a supressão da burocracia para Weber, seria coisa impossível. Seria impossível porque representa a forma organizacional da sociedade de massa moderna, uma ideia que Weber desenvolveu na sua sociologia de dominação que ate hoje representa uma influente fonte de inspiração da sociologia moderna. A título de exemplo, é conveniente salientar a influência da tipologia de dominação de Weber sobre a sociologia e a teoria politica, seja a sua caracterização da dominação burocrática, carismática ou das formas tradicionais de dominação tal como o Patrimonialismo que ‘apadrinhou’ o conceito de neopatrimonialismo que é frequentemente utilizado para caracterizar Estados em via de desenvolvimento e onde “for a variety of historical reasons, this distinction between the public and the private realms was never well established in a number of developing country states, especially African states. As a result, a number of distorted states emerged with weakly centralized and barely legitimate authority structures, personalistic leaders unconstrained by norms or institutions, and bureaucracies of poor quality. These states are labeled here as neopatrimonial because, despite the façade of a modern state, public officeholders tend to treat public resources as their personal patrimony. These are therefore not really modern, rational-legal states. Whether they are organized as a nominal democracy or as a dictatorship, state-led development under the auspices of neopatrimonial states has often resulted in disaster, mainly because both public goals and capacities to pursue specific tasks in these settings have repeatedly been undermined by personal and narrow group interests..”284 Para Weber, a dominação por via da organização iria ofercer duas vantagens: primeiro: “a vantagem do pequeno numero, isto é, na possibilidade existente para a minoria dominante de comunicar-se internamente “que iria “dar origem, a cada momento, de ma ação social racionalmente organizada”. Segundo, de estabelecer relações sociais hierárquicas baseado sobre o princípio de impersonalidade, ou seja, “obedece-se as regras a não a pessoa.”285 Weber não quer deixar nenhuma duvida sobre o caracter instrumental da burocracia como o meio mais racional de dominação seja para a dominação do capital sobre o trabalho ou seja para a ditadura politica. A teoria de racionalização burocrática é a reversão da tese otimista defendida pelo ramo positivista da filosofia de esclarecimento, e em particular da interpretação de Saint Simon sobre o papel da burocracia na nova sociedade industrial ‘como sistema de 283 Karl Marx, citado in Daniel Bensaid: Apresentação, in Karl Marx (2010) ibid., p, 12-13 284 Atul Kohli (2009) States and Economic Development, Brazilian Journal of political Economy, vol. 29, nº 2. P. 3. Revela a familiaridade entre este conceito e as teorias de elite. Acerca do uso do conceito no contexto Moçambicano e como impacta sobre o sistema político e as políticas publicas, vide o ensaio de Derick W. Brinkerhoff & Arthur A. Goldsmith (2002) Clientelism, Patrimonialism and Democratic Governance: An Overview and Framework for Assessment and Programming, USAID. 285 Weber (1999) ibid., p. 197f. “Naturalmente. A subsistência de toda dominação (…) depende da autojustificação mediante o apelo aos princípios de sua legitimação”.Ibid., p. 197 134
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] administração organizando a dominação sobre ‘coisas’ e não sobre pessoas’. 286 A sua descrição da burocracia se distingue também da tese de Durkheim que interpretou organizações burocráticas como ‘grupos secundários’; como sociedade dentro da sociedade onde, como salientou Luhmann, os laços de solidariedade não representam relações afetivas, mas relações funcionais concretizadas em termos de posições organizacionais e papéis profissionais.287 Esta distinção aponta para diferençais teóricas mais profundas: enquanto para Marx, os fundamentos da sociedade capitalista, a supremacia do capital sobre o trabalho, residem na organização capitalista de trabalho, e para Weber, o espirito capitalista e a sua racionalidade encontram o seu pleno desenvolvimento na empresa capitalista e no método de cálculo de capital, Durkheim parte da via oposta: para ele, a empresa capitalista representa o microcosmo da sociedade e dos seus desafios de integração social. Antes de aprofundar esta ideia de Durkheim, importa acrescentar que Weber e Marx chegaram a conclusões diferentes sobre o significado cultural da burocracia. Enquanto para Marx representa um pilar central na economia política do capitalismo e do seu sistema de direitos de propriedade baseado sobre a dialéctica entre capital e trabalho, para Weber apesar que concordou com Marx de atribuir um papel de catalisador á economia política capitalista, atribuiu á burocratização um significado cultural muito mais vaste e irreversível. Assim Weber defendeu, como salientou, entre outros, Schluchter que o proletariado não teria nada para ganhar de uma revolução proletária uma vez que não somente não iria acabar com os princípios da organização burocrática, de que resultar na substituição de uma camada de elite para outra. Esta conclusão que se aproxima a teoria de circulação de elite de Pareto e a lei de ferro de burocracia de Robert Michels influenciou a posição política 286 Göhler & Klein, in Hans-Joachim Lieber (ed. 1993) ibid., p. 486-488. Pelo contrário, Weber, sobre esta questão, concorda com Marx que defendeu que a função única de ‘um sistema de dominação’ seria fornecer a forma legal ao sistema de explotação económica’; uma forma legal que serve para a sua legitimação. Marx, in Julius H. Schoeps, Alfons Silbermann und Hans Süssmuth (ed. 1996) Franz Oppenheimer: Gesammelte Schriften, Akademie Verlag, Berlin p. 418. Uma crítica que facilmente pode estender-se sobre o sistema de organização industrial burocrático Leninista e os seus princípios hierárquicos de organização de trabalho. Bendix: Managerial Ideologies in the Russian Orbit, in Reinhard Bendix (1974) Work and Authority in Industry, University of California Press. 287 No prefácio para a segunda edição sobre ‘da divisão de trabalho social’ Durkheim clarifica que o Estado porque foca distante dos indivíduos não podia ‘penetrar’ as consciências individuais como seria necessário. Requer o surgimento de instancias caracterizadas como “uma serie de grupos secundários’ intercalados entre o Estado e os indivíduos “pour les attirer fortment dans leurs sphere d’action et les entrainer ainsi dans le torrente general de la vie sociale”. Durkheim (1998) ibid.,p. xxxiii. Uma ideia que ocupou um lugar central na teoria estruturo- funcionalista, na sua teoria organizacional bem como na sua teoria geral através do modelo de AGIL de Parsons. Ute Gerhrad (2002) Talcott Parsons: an intellectual portrait, Cambridge University Press, p.233. Gerhard nota que a ideia do esquema tomou corpo, pela primeira vez, na teoria sobre a evolução das sociedades. “A society must constitute a societal community that has an adequate level of integration or solidarity and a distinctive membership status.” Ibid., p. 232 135
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] de Weber que, em vez de defender a superação do capitalismo argumentou em favor de ‘liberar’ tanto a actividade empresarial, quanto a política das bandas burocráticas.288 A argumentação de Durkheim se desenvolve, como já foi salientado no capítulo anterior sobre o fenómeno de anomia, as suas causas e os seus remédios; um debate que levou Durkheim de entrar num diálogo direto com Marx e a teoria Marxista sobre a questão do socialismo. Não vamos voltar reapresentar as teses de Durkheim sobre a anomia mas antes de mais fazer uma breve revisão sobre as reinterpretações deste conceito primeiro por autores próximos de Durkheim, e depois por dois sociólogos Americanos, o Robert Merton289 e o Alvin Gouldner. Obviamente devia incluir-se nesta lista, o Talcott Parsons 288 Schluchter (1985) ibid., p. 205. Schluchter defende que argumentação re-enfaizar a oposição entre racionalidade formal e material. Ibid. p. 204 289 O nome de Merton é mais associado com a acima já mencionada distinção entre funções manifestes e latentes, onde, como notou-se já na anotação 78 acima, os primeiros representam os resultados observáveis, previstos e planejados. Esta distinção provocou bastantes debates onde autores chegaram a diferentes conclusões sobre o significado desta distinção. Acerca de funções manifestes, Merton nota, que são observáveis. A observação pode constatar reações ou resultados qualificados como disfuncionais porque falam de produzir o desejado efeito sistémico. Diferente disso, o conceito de funções latentes representa algo que Blumer caracterizou como um conceito sensitivo, um instrumento heurístico para orientar estudos sociológicos e cuja validade explicativa pode ser testada e melhorado. Herbert Blumer: what is wrong with social theory, in Blumer (1967) ibid., p. 151. No caso de Merton serve para alargar a perspetiva e chamar a atenção sobre eventuais efeitos ‘invisíveis’ criados, sem querer, pela ação e sobre quais não e possível de pronunciar-se se tem um efeito positivo ou negativo, de estabilização ou de destabilização sobre o sistema social e a sua estrutura de ordem. Robert K. Merton: Manifest and latent function, in Merton (1967) ibid. Merton aumentou a confusão quando escolheu o exemplo do ritual da dança de chuva que, pelo antropólogo, mas não para o Hopi, em vez de representar uma expressão de superstição tem por função latente reavivar os laços sociais. Aqui aquele que e invisível, segundo Merton, e visível para o antropólogo ocidental. Mas este pressuposto, que tem algo de paternalista, que os antropólogos sabem que o ritual ser uma ação ineficaz para mudar as leis da natureza, mas eficaz para gestão das ansiedades, fica bastante questionável segundo Giddens. Anthony Giddens: R.K. Merton on structural analysis, in John Clark, Celia Mogdil & Sohan Mogdil (ed. 1990) Robert Merton: Consensus and Controversy, Falmer Press, London, p. 102. Ainda mais que aumenta a confusão sobre os conceitos de Merton considerando que aquilo que, na perspetiva dos Hopi, seria função latente e, portanto, algo que fica invisível e incompreensível, enquanto para o antropólogo, que conseguiu ver a verdadeira natureza deste ritual, a sua função é manifeste. A confusão de Merton provocou um outro debate entre quais, ente Giddens e Habermas. Por outro lado, Merton identifica a criação involuntária das funções latentes com causa principal da mudança social, uma vez que os seus efeitos estão opostos destes das funções manifestes. Nesta definição de funções latentes encontramos a influência do estudo de Weber sobre o espirito capitalista e a sua abordagem reconstrutiva de fatores socioeconómicos e socioculturais. No seu estudo sobre a ética protestante, a perspetiva de Weber é comparável daquela do antropólogo no caso do estudo sobre os Hopi. A diferença sendo que Weber, cujo objecto de estudo já não e observável, é obrigado de aplicar uma perspetiva reconstrutiva, isto é, numa operação retrospetiva a partir do ‘resultado’ do processo histórico. Esta reconstrução consiste em sintetizar os processos históricos bastante complexos com os seus atores, agentes e as suas ações e motivos, em ‘tipos ideias’, numa construção informada mas subjetiva capaz de a) reduzir esta complexidade e b) através disso, tornar visível, entre a multidão de os processos e fenómenos, estes que são portadores de uma mudança cultural, em termos de crenças e em termos de atitudes e que, por esta razão, jogaram um papel importante 136
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] mas tendo em conta que discutimos a teoria de ação dele desenvolvida em volta do conceito de individualismo institucionalizado num outro lugar, decidiu-se de omitir o Parsons nesta discussão. Antes de frisar a reinterpretação de Merton do conceito de anomia importa frisar esta de Maurice Halbwachs que já tem elementos que, mais tarde, ressurgem no Merton. Conforme com o já evocado Albert Salomon Halbwachs, apesar de ser um discípulo dele, se desmarcou de Durkheim em dois aspectos: por um lado, e influenciado pelos estudos sobre o capitalismo monopolístico, ou, melhor, oligopólico290, contestou a ideia de Durkheim de um estado corporativo, cujo esboço apresentou no prefácio a segunda edição ‘Da divisão social do trabalho’, e que exprimiu a sua esperança de um capitalismo esclarecido, e capaz de reduzir as tensões de classe e onde as corporações profissionais podem assumir o papel de integração social e de enquadramento moral. Tomou conta do surgimento de grandes empresas, em particular nos Estados Unidos e previu que iriam provocar outros tipos de suicídio que estes discutidos por Durkheim que apresentamos, com exceção do suicido altruísta nas paginas anteriores e também com ajuda de Salomon. O outro desvio foi acerca da teoria de anomia e a necessidade de recolocar entre factos estruturais e estádios psicológicos. Concretamente, constatou que existe uma relação reciproca entre anomia e neuroses, algo que Durkheim não conseguiu ver. A ocorrência de catástrofes, notou Salomon resumindo a argumentação de Halbwachs, tal como a perda de uma pessoa amada, “economic failure, continuous lack of success, cultural and social displacement, exile, and disgrace—produce déclassés, men who are removed from their accustomed groups and are discriminated against by the codes of honor or the conscience collective of those groups. This feeling of being outside the social framework—a framework that has been taken for granted —produces a consciousness of isolation até preponderante no surgimento do sistema capitalista que representa o ponto de partida desta reconstrução e que fecha portanto o círculo investigativo. Fez uso do conceito de ‘tipo ideal’ para reorganizar os factos e para torná-los consistentes com o resultado histórico. Obviamente, é uma solução metodológica bastante questionável, tal como esta de Merton. Giddens Ainda acerca do conceito de disfunção, definido com uma ação cujas consequências são julgadas contrárias ao objetivo de adaptação ou de ajustamento previsto, (Anthony Giddens: Functionalism: aprés la lutte, in Giddens (1996) In Defence of sociology, Polity Press, Cambridge, p. 84) ganhou nova vida através do surgimento de departamentos de monitoria e avaliação, ou de controlling nas burocracias públicas e privadas. A teoria funcional de Merton e a sua distinção entre funções manifestes, latentes e disfunções, e apesar da sua imprecisão conceptual (Giddens (1996) ibid., 109f) ganhou notoriedade na aprendizagem académica. É comparável com a distinção ‘famosa’ de Kant entre o númen, que fica fora de alcance do nosso aparelho de conhecimento, representando portanto uma ideia pura, e o fenómeno, aquela parte da realidade visível que o nosso aparelho sabe captar mas cuja essência, em termos do númen do qual esta decorrendo, fica para sempre escondida. Portanto, a distinção de Merton em razão da retumbante imprecisão e da ‘natureza ambígua’ dos conceitos funcionalistas “is the basic deficiency in social theory.” Herbert Blumer: What is wrong with social theory, in Blumer (1967) ibid., p. 144 290 Sobre a diferença entre capitalismo dos oligopólios e monopolista, vida a anotação no fim do último capítulo neste ensaio. 137
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] and loneliness; and men who become aware of solitude in a social vacuum are driven to suicide.”291 Salomon concluiu que as correções feitas por Halbwachs a teoria de Durkheim e inspiradas pelos estudos do último sobre as classes laborais representam passos importantes, de reconciliar o estudo de fenómenos sociais e de casos de neuroses. Permite combinar uma análise sociológica ao estudo de neuroses com uma análise psicológica dos aspectos patológicas das crises sociais e económicas e os seus efeitos de destabilização sobre os indivíduos. Mas não da mesma maneira como concluiu Robert Merton na sua reinterpretação da teoria de anomia de Durkheim. Por este efeito Merton procedeu em criar ligações entre o facto de anomia por um lado e padrões de atitudes por outro lado que, por sua vez, são associáveis com diferentes meios socias e que fazem que diferentes grupos sociais tem feito prova de diferentes respostas face á uma situação anómica. Merton parte da tese que estas situações anómicas traduzem uma desarticulação entre o prosseguimento de objetivos socialmente e culturalmente institucionalizado por um lado, e a falta subjetiva ou objetiva dos meios, recursos e oportunidades previstos para alcançar estes objetivos por outro lado. Esta desigualdade entre ideologia de ganhar e a experiencia da impossibilidade de conseguir em respeitando as regras de jogo, portanto, permite de operacionalizar o fenómeno de anomia e de associa-o com sentimentos de frustração e de ressentimento cuja expressão varia em função dos meios socioculturais292. Portanto, há casos de anomia onde a resposta consiste em rejeitar os objetivos, e lutar contra estes em empregando meios legais ou ilegais, representando casos de rebelião. Há também casos onde atores identificam com os objetivos, mas não com os meios previstos para alcança- os, e onde são levados em empregar meios e estratégias ilegais, representando casos de crime. 293 A revisão do conceito de anomia porta também sobre a distinção entre racionalidade formal e material de Weber e sobre a tese que transporta que somente questões de racionalidade material – a definição de propósitos – iria envolver julgamentos 291 Salomon in Wolff (ed.1964) ibid., p. 265. “Halbwachs held that no neurotic is adapted to his social environment, and that every mental illness is an element of social disequilibrium and. must be explained by the interpenetration of social and organic causes.” Ibid. 292 A reinterpretação de Merton abriu caminhos para estudos de psicologia social que resultou em formular modelos teóricos introduzindo o conceito da frustração, um sentimento que resulta da experiência de blocagem, isto é, da vivida incapacidade de alcançar os objetivos socialmente impostos cujos efeitos podem resultar em reações de ansiedade, de resignação ou ainda de agressão. A última resultou na formulação da teoria de frustração-agressão que está atribuindo reações anómicas com á frustração sobre a incapacidade de alcançar os objetivos apesar de ter respeitado todas as regras previstas e o sentimento de frustração que esta falha está provocando. Por exemplo: David G. Myers (2005) Social Psychology, McGraw Hill. Acerca da teoria de frustração-agressão: Steven Breckler, James Olson & Elizabeth Wiggins (2006) Social Psychology alive, Thomson, Wdsworth, pp. 445ff . 293 Robert K. Merton (1938) Social Structure and Anomie, American Sociological Review, Vol. 3, No. 5, (Oct., 1938). Uma interpretação do individualismo inspirado por Durkheim encontra-se em Alain Ehrenberg (1991) Le culte de la performance, Paris. Alain Ehrenberg (2010) La société du malaise, Pari 138
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] de valor294 enquanto questões formais de escolha de meios para alcançar dados fins seria dominada por considerações de eficácia e de eficiência, isto é, por considerações puramente técnicas e económicas. Weber aplica o mesmo raciocino na sua reflexão sobre o processo de pesquisa estipulando que julgamentos de valor iriem influenciar a escolha de problemáticas, de perspetivas teóricas e quadros conceptuais mas uma vez estas escolhas feitas, o processo de implementação da pesquisa seria ou devia ser livre de qualquer julgamentos de valor. 295 Merton tentou mostrar que este não é o caso, mas que os meios, em termos de recursos e escolhas estratégicas são frutos de julgamentos de valor anteriores que só tem a aparência de representar escolhas neutras. A interpretação de Merton permite também discutir o facto como é possível que meios, tanto como objetivos podem mudar o seu significado cultural e legal e que estas mudanças resultam de julgamentos de valor influenciados por interesses políticos, religiosas e ou económicos poderosos. A influência de Durkheim sobre o pensamento de Merton está coincidindo com esta sobre Parsons que incorporou elementos chaves do seu pensamento teórico na sua teoria geral da sociedade e que teve como propósito de reunir teorias micro- e macrosociológicas num único edifício teórico, representando um primeira tentativa de grande síntese sociológica, a criação de um quadro conceptual único capaz de ligar o desenvolvimento das personalidades com a teoria geral de sociedade. É conveniente de atribuir o interesse que Parsons desenvolve para teorias psicológicas de motivação, pelo menos em parte, a sociologia compreensiva de Weber e não só a psicologia de Freud. Importa também evocar Alvin Gouldner e a sua interpretação do conceito de anomia de Durkheim que pegou elementos discutidos por Merton, nomeadamente esta sobre o conflito entre a estrutura de valores e a estrutura social. Neste âmbito referimos ao comentário de Bryan Turner que notou que para Gouldner o pensamento de Durkheim sofreu mas a influencia de Saint Simon de que de Comte. Assim, Gouldner tentou 294 “Chamamos ‘racionalidade material’ o grau em que o abastecimento de bens de determinados grupos de pessoas (…) mediante de uma ação social economicamente orientada ocorre conforme determinados postulados valorativos”. Este último que Weber associa como ‘comunismo ou socialismo’ iria repor sobre critérios de distribuição “inteiramente vago” e, por este efeito, aberta a considerações partidárias, Weber (2004a) ibid., p. 52. 295 Max Weber (1904) A objetividade” do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política, in: Weber (2001) Metodologia das Ciências Sociais, Cortez editora, São Paulo. Esta distinção já figura na obra de Kant que notou acerca disso que “Todo conhecimento racional é: ou material e considera qualquer objecto, ou formal e ocupa- se apenas da forma do entendimento e da razão em si mesmas e das regras universais do pensar em geral, sem distinção dos objectos. A filosofia formal chama-se Lógica; a material porém, que se ocupa de determinados objectos e das leis a que eles estão submetidos, é por sua vez dupla, pois que estas leis ou são leis da natureza ou leis da liberdade. A ciência da primeira chama-se Física, a da outra é a Ética; aquela chama-se também Teoria da Natureza, esta Teoria dos Costumes. (…) Pode- se chamar empírica a toda a filosofia que se baseie em princípios da experiência, àquela porém cujas doutrinas se apoiam em princípios a priori chama-se filosofia pura. Esta última, quando é simplesmente formal, chama-se Lógica; mas quando se limita a determinados objectos do entendimento chama-se Metafísica. Desta maneira surge a ideia duma dupla metafísica, uma Metafísica da Natureza e uma Metafísica dos Costumes.” Immanuel Kant (2007) Fundamentação da metafisica dos costumes, Edições 70, Lisboa, p. 13f 139
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] demonstrando, notou Turner a divisão de trabalho seria, antes de tudo, uma crítica das teses de Comte.296 Assim, Durkheim viu o socialismo como veiculo que garanta a regulação moral das relações económicas, uma questão que requer investigar sobre a forma como esta regulação podia ser organizada na prática. Para Gouldner o ensaio pós-hum de Durkheim sobre ‘a Moral, o Direito e o Estado ‘ devia ser lido como manifesto para criação de um sistema socialista de regulação socioeconómica que permitia reequilibrar o sistema de reciprocidade social, não de forma imposta e negativa como no sistema capitalista, mas desta vez baseada sobre um consenso normativo.297 Conforme com Gouldner “one of the central issues in Civic Morals concerned inheritance and its moral consequences. Thus, Durkheim ‘holds that it is the existence of social classes, characterized by significant economic inequalities, that makes it in principle impossible for “just” contracts to be negotiated’ (Gouldner, 1962: 30). Civic Morals can thus be read as a treatise on the problem of justice in modern societies, and how the sense of injustice in relationship to the property system is a feature of their political instability. Durkheim’s attempted answer to this problem was socialist in arguing that a new economic order – a corporative system – would be required to function as a replacement for the archaic order of the guild. Durkheim’s sociology of morals was not, therefore, a conservative theory of social order. It was a political response to the malaise which he saw in France in the second half of the nineteenth century, but it was also a socialist response to the negative impact of an anarchic economy on moral life. (…) In the absence of a system of moral regulation, capitalist economic relations would be regarded as illegitimate, because capitalist forms of inheritance and property relationships failed to reward merit and effort adequately. The reform of an anomic society required a radical approach to political change and economic organization. Durkheim’s analysis of the instabilities of a society based upon contract, his defence of the state as the basis of individual rights, and his ethical critique of inequality and inherited wealth have a clear relevance to the social and political problems of the late twentieth century. This relevance is one important reason for reading Professional Ethics and Civic Morals.”298 Gouldner tentou reaproximar a sociologia de Durkheim a esta de Marx, uma tentativa que enfrenta muitos obstáculos nomeadamente no que diz respeito a teoria dialéctica da história, a figura de antagonismo de classe, e a tese sobre a abolição do Estado299, revindicações sociais que 296 “Durkheim’s position was not that modern society cannot exist without consensus, but rather that the reciprocity of organic solidarity produces a basis of social order without a normative consensus. Second, Gouldner argued that anomie was not normlessness, but rather a disjuncture between existing norms and changing social structures. Third, the real dislocation of modern society was the absence of intervening social institutions between the individual and the state; occupational and professional associations were intended to fill this gap. Another dislocation of modern society was the division between local commitments to the nation State and the growth of internationalism, cosmopolitanism, and globalism.” Bryan S. Turner (1999) Classical Sociology, Sage Publications, London, p. 110 297 Como já foi mais acima anotado para Gouldner “Durkheim’s position was not that modern society cannot exist without consensus, but rather that the reciprocity of organic solidarity produces a basis of social order without a normative consensus.” Turner (1999) ibid., p. 110. 298 Turner (1999) ibid., p. 122. “Durkheim did not look back with nostalgia to the medieval guild system, because he realized that the guild was no longer adequate to the task”. Ibid., p. 121. 299 Durkheim, no seu ensaio sobre o socialismo defende que « il est clair que le seul moyen d'adoucir au moins cet assujettissement, et d'améliorer cet état de choses, est de modérer la puissance du capital par une autre qui soit d'abord de force 140
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Durkheim não aprovou e considerou como sendo incompatível com a teoria reformista300. No entanto, a maior diferença entre a sociedade e a empresa capitalista é que na última, o quadro regulador é muito mais perto dos indivíduos e permite não somente a monitoria regular das atitudes e dos comportamentos de grupos e indivíduos, mas a implementação de modelos de gestão activa e proactiva das interações sociais iniquais. A regulação empresarial dispõe de uma capacidade regulador que ultrapassa a capacidades das instanciais e das instituições sociais, razão para podem assumir a função de instancias intermediares de regulação organizada em volta de requisitos funcionais. Na sociologia de Durkheim, Parsons encontrou dois dos ingredientes principais para uma teoria social da sociedade moderna: transformou a oposição Durkheimiana entre sociedades a solidariedade mecânica e orgânica que prima na ‘divisão de trabalho social’ representando dois tipos de valores culturais e de padrões atitudinais opostas e típicas para sociedades de parentesco e sociedades modernas e para a definição de papéis sociais (role orientation).301 A seguir, transformou a teoria de burocracia de Durkheim que defendeu que égale ou supérieure mais qui, de plus, puisse faire sentir son action en conformité avec les intérêts généraux de la société (…) Il n'y a donc que l'État qui soit capable de jouer ce rôle modérateur ; mais, pour cela, il faut que les organes économiques cessent de fonctionner en dehors de lui, sans qu'il en ait conscience ; il faut au contraire que, grâce à une communication constante, il sente ce qui s'y passe et puisse à son tour y faire sentir son action (…) Il n'y a pas de socialisme ouvrier qui ne réclame un développement plus considérable de l'État ; il n'y a pas de socialisme d'État qui se désintéresse des ouvriers. » Emile Durkheim (2002) Le socialisme: sa définition, ses débuts, la doctrine saint-simonienne, http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html, p. 23f. Aplica um raciocino de sociologia de desenvolvimento para explicar que o desenvolvimento do Estado ser ligado ao desenvolvimento socioeconómico. « Mais, pour cela, deux autres conditions sont nécessaires. D'abord, il faut que l'État ait pris assez de développement pour qu'une telle entreprise ne semble pas dépasser ses forces (…) En second lieu, si développé qu'il soit, il ne peut rien si, par leur organisation, les entreprises économiques n'offrent pas de prise à son influence. Tant que, par suite du peu d'étendue de chacune d'elles, elles sont multipliées à l'infini, tant que chaque citoyen presque a la sienne, cette dispersion rend impossible toute direction commune (…) En un mot, il faut que le régime de la grande industrie soit constitué. » Ibid., p. 34 300 Marcel Mauss, que escreveu a introdução no ensaio de Durkheim sobre o socialismo salientou que « Durkheim connaissait assez bien le socialisme dans les sources elles-mêmes : par Saint-Simon, par Schaeffle, par Karl Marx, qu'un ami finlandais, Neiglick, lui avait appris à étudier pendant son séjour à Leipzig. Toute sa vie, il n'a répugné à adhérer au socialisme proprement dit qu'à cause de certains traits de cette action : son caractère violent ; son caractère de classe, plus ou moins purement ouvriériste, et aussi son caractère politique et même politicien. Durkheim était profondément opposé à toute guerre de classes ou de nations ; il ne voulait de changement qu'au profit de la société tout entière et non d'une de ses fractions, même si celleci était le nombre et avait la force (…) Même la crise sociale et morale de l'affaire Dreyfus, où il prit une grande part, ne changea pas son opinion. Même pendant la guerre, il fut de ceux qui ne mirent aucun espoir dans ce qu'on appelle la classe ouvrière organisée internationalement. » Durkheim (2002) ibid., p. 7 301 Talcott Parsons (1991) The social system, Routledge, London, p. 101 “Durkheim’s excellent functional analysis has since been enormously reinforced by the implications of modern psychological knowledge with reference to the conditions of socialization and the bases of psychological security and the stability of personality, as well as much further empirical and theoretical analysis of social systems as such.” Ibid., p. 27 “Institutionalized role behavior has been defined as behavior oriented to a value-orientation pattern or system of them. But there are many different kinds of such patterns and many different ways in which role-expectations may be structured relative to them.” Ibid., p. 28. “The pattern variables of role-definition, may be schematically outlined as follows: I. The Gratification-Discipline Dilemma Affectivity vs. Affective 141
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] burocracias deviam ser tratadas, em termos sociológicos, como ‘grupos secundários’ cujo bom funcionamento iria depender da sua capacidade de manter um sistema de ordem e de integração social motivador. Introduziu o modelo AGIL (adaptation – goal attainment – integration – latency) como ponte entre papéis sociais que moldam expectativas comportamentais reciprocas e entre as necessidades funcionais de um sistema, seja orgânico, pessoal ou social. Alem disso, o esquema de AGIL permite detalhar entre as quatro funções principais e, a nível do sistema social, destacar subsistema em carga de organizar os papéis em função da sua função principal; sistema politica para a função de alcance de objetivos, sistema económico para função de adaptação por um lado, e sistema social e cultural para integração social e a manutenção de valores.302 Parsons partiu do pressuposto que todas funções do AGIL, e portanto, os quatro subsistemas abrigando estas funções encontram-se num equilíbrio. Esta tese fez objeto de muitas críticas dentro e fora do universo estruturo funcionalista, como por exemplo de David Lockwood que criticou que Parsons teria subestimado o desequilíbrio entre funções de regulação e de integração social, ou de Niklas Luhmann que, na sua sociologia de direito, deu um eco a teoria Marxista em constatando a supremacia das funções económicas de adaptação sobre as funções políticas de orientação. A tese de Habermas sobre a ‘colonização do mundo de vida’ responsável para a manutenção das funções de integração social e de manutenção de valores, que resulta da intrusão crescente de regulações burocráticos representa uma sorte de síntese entre as críticas de David Lockwood e de Luhmann.303 Uma das consequências Neutrality. II. The Private vs. Collective Interest Dilemma Self-Orientation vs. Collectivity-Orientation. III. The Choice Between Types of Value-Orientation Standard Universalism vs. Particularism. IV. The Choice between “Modalities” of the Social Object Achievement vs. Ascription. V. The Definition of Scope of Interest in the Object Specificity vs. Diffuseness.” Ibid., p. 43 302 Parsons (1991) ibid., p. 92. A tabela 3 revela, de forma esquemática, a ação cominada entre padrões de valor e exigências funcionais económicas e sociais que moldam a definição de papéis sociais. Nos parágrafos seguintes faz a mesma coisa referente as funções do subsistema político e cultural organizados em torno das funções de atingimento de objetivos e a manutenção de sistema de valores que considera elemento básica para manutenção de um alto nível motivacional. O estudo sobre economia e sociedade publicado com Smelser de 1956 oferece uma ilustração muito mais detalhada sobre o sistema social do ponto de vista da interação entre sistemas económicos e sociais. Retoma também a discussão de Weber sobre a economia como sistema social. Talcott Parsons & Neil Smelser (2005) Economy and Society, Routledge, London. 303 Lockwood chamou a atenção sobre o facto que existe um desequilíbrio entre os sistemas de regulação social (A + G) e de integração social (I+L) que resulta em conflitos entre ambos. David Lockwood Soziale Integration und Systemintegration, in Wolfgang Zapf (ed. 1979) Theorien des sozialen Wandels, Athenäum, Hanstein. Esta observação levou Habermas para sua tese sobre a colonização do mundo da vida responsável para as funções I+L por parte dos subsistemas económicos e políticos de regulação (A+G). David Lockwood Soziale Integration und Systemintegration, in Wolfgang Zapf (ed. 1979) Theorien des sozialen Wandels, Athenäum, Hanstein. Luhmann, por sua vez, defende que a constituição do direito moderno como sistema autónomo de redução de complexidade tem por pressuposto que o subsistema económico ter substituído o subsistema político como subsistema de regulação principal; ou seja, em parafraseando o esquema de AGIL de Parsons, as demandas de adaptação representam o ponto de referência principal para a construção das políticas publicas e são reconhecidas como um 142
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] desta colonização é a sua estratificação em meios socioculturais estratificando costumes e praticas culturais (Bourdieu) e que impactam sobre e tipificam percursos, oportunidades e hipóteses de vida (Weber). A diferençação de mundos da vida em meios sociais e socioculturais representa, portanto uma nova forma de colonização, porque serve para vincular os prerrogativas capitalistas e os seus padrões estruturais: oposição entre capital e trabalho, entre trabalho manual e intelectual, nos mudos da vida e moldando os processos socialização sociocultural em analogia com e conforme com as exigências do sistema de estratificação preestabelecido. São aspectos que entram no conceito de colonização de Habermas. A educação formal e escolar assume um papel importante na racionalização do processo de socialização como confirmam os estudos sociológicos respectivos sobre a educação e seu papel de selecionar os alunos para caminhos escolares e profissionais diferentes e conforme com a diferençação entre trabalho intelectual e manual304. Em outras palavras, o processo de colonização do mundo da vida consiste em estabelecer a hegemonia dos direitos sobre os direitos sociais e humanas. Portanto, esta colonização tem também um outro aspecto ligada a hegemonia dos direitos de propriedade sobre os direitos humanos: não somente tem um efeito estruturante sobre a distribuição das hipóteses de vida (life chances), mas também sobre as experiencias e a sua preservação nas memoriais individuais criando um sentimento de insuficiência individual, de falta de competitividade que, por sua vez, serve como legitimação desta diferença das hipóteses da vida e da distribuição desigual dos estatutos, posições, estilos de vida e dos seus recursos materiais e simbólicas, que tem por função de recompensar e gratificar a prestação da vida de cada um conforme com o seu mérito. Revela o caracter ideológico do princípio meritocrático, algo que vamos discutir nos parágrafos a seguir, sobre o mito de meritocracia São aspectos omitidos mo sistema de diferençação funcional de Parsons. O sistema AGIL de Parsons, porque é o mesmo para organismos que para sistemas sociais complexos, tem por particularidade que tem uma estrutura entrelaçada, isto é, cada subsistema, para conseguir assumir a sua função tem de organizar o seu sistema AGIL próprio, a imagem da organização 305 – os grupos secundários, e a família, os grupos primários. A caracterização das organizações burocráticas como ‘grupos secundários’ e o seu impacto, tanto sobre a sociologia de Parsons, quanto sobre as teorias de gestão, revela também que existe um certa idiossincrasia que caracteriza a recepção da sociologia clássica306. Giddens, no seu ‘constrangimento fatual e objetivo’. Niklas Luhmann (1999) Ausdifferenzierung des Rechts: Beiträge zur Rechtssoziologie und Rechtstheorie, Suhrkamp, Frankfurt/Main, p. 149. Esta substituição resulta numa crise de legitimidade do Estado capitalista moderno discutido por autores como Offe e Habermas. Neste âmbito, vide também as observações mais em baixo. 304 Estudos conduzidos por Boudon (1973) idid. Bowles & Gintis (1976) ibid. Willis (1977) ibid. 305 Talcott Parsons (1956) Suggestions for a Sociological Approach to the Theory of Organizations, Administrative Science Quarterly, Vol. 1, No. 2. 306 Wolfgang Staehle (1991) Management, Vahlen, München. J.M. Carvalho Ferreira, José Neves & António Caetano (2001) Manual de psicossociologia das organizações, McGraw Hill, Lisboa 143
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] já evocado ensaio sobre a sociologia clássica optou de comprar as teses de Marx e Weber sobre a burocracia em omitindo Durkheim que, por sua vez domina a discussão sobe a divisão social de trabalho. Falha de reconhecer que a interpretação da burocracia, a sua racionalidade e a sua função, representa um dos campos de maior desacordo teórico entre Durkheim por um lado, e, apesar as suas diferenças, entre Marx e Weber por outro. Um desacordo teórico que, ate hoje, continua divisar no debate sociológico, e em particular sobre a sociologia das organizações.307 Weber deixou nenhuma dúvida sobre o facto que a burocracia devia ser abordada no contexto da sociologia de dominação “A dominação nos interessa aqui, em primeiro lugar, sob a sua vinculação à administração” declarou Weber em concluindo que “toda dominação, manifesta- se e funciona como administração”.308 Esta perspetiva domina no seu ensaio sobre a burocracia e as suas características. Interpreta-la como um novo tipo de ordem institucional cuja estabilidade e cujo sucesso residia sobre a sua capacidade de articular entre as exigências funcionais de um sistema de ação hierarquicamente organizado, e de um novo padrão cultural de atitudes que permitia de povoar este sistema com atores sociais preparadas de funcionar ‘sem amor e sem paixão’. Importa salientar que se trata de uma descrição ideal- típica; Weber estava consciente que a o sistema de ordem burocrático não podia erradicar nem os sentimentos, por exemplo sob forma de nepotismo, nem o autointeresse, sob forma de corrupção 309 . Enquanto Durkheim ainda estava a procura de um quadro 307 Jeffrey Pfeffer (1997) New Directions for Organization Theory: Problems and Prospects, N.Y. 308 Weber (1999) ibid., p. 193 309 Neste contexto importa citar um estudo recente do Banco Mundial motivado pelas revelações sobre os paraísos fiscais que revelou que “Aid capture by ruling politicians, bureaucrats and their cronies is consistente with the totality of observed patterns: it can explain why aid does not trigger to non-havens, why the capital out occur precisely in the same quarter as the aid inand why the estimated effects are larger for more corrupt countries.” Jørgen Juel Andersen, Niels Johannesen & Bob Rijkers (2020) Elite Capture of Foreign Aid Evidence from Offshore Bank Accounts, Policy Research Working Paper 9150, Worldbank, p. 19. O ‘cabritismo’, que Bayart descreveu como ‘a política da barriga’ não iria representar uma característica de regimes neopatrimoniais Africanos, mas iria constituir um fenómeno geral do funcionamento dos sistemas político-administrativos públicos ou corporativos que escapou da descrição ideal-típica de Weber. Jean-Francois Bayart (2006) l’ État en Afrique: la politique du ventre, Fayard, Paris. Estudos sobre estruturas patrimoniais compostas de redes complexas de clientelismo revelam o valor do conceito de ‘rede social’ e focalizar sobre as interações entre tipos de atores cujas ligações ultrapassam os fronteiras institucionais e sectoriais, (S.N. Eisenstadt & L. Roninger (1984) Patrons, Clients and Friends: interpersonal relations and the structure of trust in society, Cambridge University Press, Cambridge) cujas origens são associadas com Georg Simmel e a sua enfase sobre as interações e as articulações reciprocas (Wechselwirkungen) através das quais os indivíduos se tornam sociais e se socializam (Vergesellschaftung) criando formas sociais ‘objectivas’. John Scott & Peter J. Carrington (ed. 2011) The Sage Handbook of social network analysis, Sage Publications, London, p. 14. A tese defendida por Bayart sobre o caracter universal do cabritismo é espelhada nas teorias burocráticas modernas como estes aplicando o teorema da ‘ação estratégica’ focalizando sobre a apropriação de estruturas burocráticas por parte de atores racionais e motivados por interesses egoístas seja a nível de interesse individual ou a nível de interesse de grupo. Crozier & Friedberg (1977) ibid. Encontra a sua forma organizada mais elevada nas empresas multinacionais de investimento (equity firms) como a Blackwater ou a Bridgewater gerindo cada uma 144
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] normativo de ordem social para a sociedade individualista e das instituições para representa-o, para Weber a organização burocrática tem de se reunidas todos os ingredientes desta nova forma de ordem adaptada a gestão de sociedades massas e da sua capacidade de as transforma em ‘massas dominadas’310. É também a razão por que a sociologia da burocracia de Weber fica mais perto de Marx que de Durkheim. Todavia, a diferença entre Weber é que, para o último, a fonte da dominação burocrática iria residir na produção capitalista e resultar dos múltiplos processos de alienação que iriam ‘envenenar’ a vida e as relações sociais.311 Uma das formas sociais deste processo de valores acima de 6 trilhos de USD representando a forma mais radical de uma gestão em ‘cálculo de capital’, e agindo como agentes principais na criação das desigualdades económicas registadas pela Oxfam. As chamadas a atenção para reavivar as virtudes éticas morais que alimentam o discurso oficial contra a corrupção ou o ‘deixou andar’ têm o seu fundamento nas teorias morais de Adam Smith defendidas em Adam Smith (1976) The theory of moral sentiments, Oxford University Press que defendeu que uma economia de mercado seria possível somente com base de sentimentos morais. Para Smith a compaixão e de empatia figuram como fonte ‘natural’ de moral social e compara a sua função social com esta da gravitação necessária para mitigar as forças centrífugas e destrutivas que se exprimem através dos interesses egoístas e livres de considerações morais. Adam Smith crítica foi endereçada contra a teoria mercantilista e o papel do Estado como garante de esferas de influência conquistadas e defendidas com poder militar. Argumentou em favor de uma pacificação das transações económicas fora da influência do poder de Estado e regida por instituições próprias como esta de contrato e de mercado mais adaptadas para deixar as coisas andar na sua ordem natural. Nos ‘sentimentos morais’ que fazem parte da construção da racionalidade microeconómica e portadora desta ordem natural, Smith fica mais perto de Rousseau de que de Hobbes e fica longe do conceito do homo económicos e a sua propensão para o egoísmo e a competição que, por sua vez, incorporou traços da filosofia Hobbesiana. Como notou Dowd, defendeu que o comportamento humano, por natureza seria motivado por seis características: o amor para si-próprio, a simpatia, o desejo para liberdade, o sentido de propriedade, o trabalho, e a inclinação para a troca e o comércio entre pessoas. Graças a esta disposição seria possível de guardar um certo grau de igualdade entre atores económicos e de criar uma ordem social do bem-estar coletivo; uma esperança que, como mostrou Marx na sua crítica de Smith, foi frustrado logo que surgiram as grandes indústrias absorbendo os pequenos produtores, explorando os trabalhadores e investindo o seu poder para manipular os mercados tornando o modelo da ‘ mão invisível’ num ‘ punho invisível’. Dowd (2000) ibid., p. 29-30. Importa também lembrar que para Weber que o sistema capitalista constituiu-se com base de valores morais, como a vocação, o sentido de dever, e a autodisciplina, valores morais constitutivas para o formação do espirito capitalista. Concluiu que o capitalismo moderno iria funcionar sem estas virtudes religiosa-morais onde as decisões seriam baseadas sobre os princípios amorais do ‘cálculo de capital’, onde não há espaço nem para sentimentos de simpatia, ou de empatia. A teoria neoclássica concentrou unilateralmente sobre os aspetos de produtividade e a autorregulação das transações económicas por via de mercado; não deixou espaço para sentimentos irracionais e românticos como a simpatia. É um debate que, no que concerne o Banco Mundial e outras organizações que compõem a indústria de desenvolvimento, vamos reencontrar no último capítulo deste ensaio. 310 Weber (1999) ibid., p. 196 311 O conceito da alienação que iria manifestar-se em três formas dominou no pensamento do jovem Marx nomeadamente nos ‘manuscritos económico-filosóficos’ de 1844, ainda sob influência direta do 145
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] alienação que corresponde com a descrição da personalidade burocrática em Weber e que iria resultar de uma vida não-emancipada seria a absorção do individuo pelo seu estatuto social e o seu papel profissional. Marx na sua tentativa de descrever o impacto da racionalidade capitalista sobre o desenvolvimento das personalidades referiu ao conceito de ‘mascara de caracter’ para exprimir esta tendência atribuída às classificações económicas que iriem reduzir as pessoas em “máscaras de personagens econômicas, um comprador e um vendedor” e revelando a natureza da divisão de trabalho capitalista que consistia em transformar o caracter social do trabalho numa relação entre coisas. De facto o conceito do caracter fetiche da mercadoria que representa o ponto de culminação da coisificação312 daquele que antes foi percebida como relação social deve ser lido como o correspondente crítico do conceito de facto social de Durkheim e da sua instrução metodológica de abordar estes factos ‘como se forem coisas’, e não obstante do facto que têm a sua ordem em sentimentos sociais partilhados coletivamente e que, por este razão, conseguiram de institucionalizar- se313, um processo que considera como condição chave para tomar a forma social de autoridade externa. Habermas, mais tarde e com referencia a teoria de comunicação de Mead, caracteriza esta transformação em ideias como processo de ‘verbalização’.314 O pensamento filosófico do esclarecimento. Ainda para lembrar que os Hegelianos da esquerda entre quais Marx, interpretaram Hegel como sucessor da filosofia de esclarecimento. 312 Karl Marx (1996) O capital, Vol. 1, tome 1, Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo, p. 269. Para Marx o conceito da máscara é ligado com este de consciência falsa: “Como o trabalho passado se disfarça sempre em capital, isto é, o passivo do trabalho de A, B, C etc. torna-se o ativo do não-trabalhador X, burgueses e economistas políticos se excedem em louvar os méritos do trabalho passado que, segundo o gênio escocês MacCulloch, deve até mesmo receber um soldo próprio (juros, lucro etc.). O peso sempre crescente do trabalho passado, que colabora no processo vivo de trabalho sob a forma de meios de produção, é atribuído, portanto, à figura em que o trabalho passado é alienado pelo próprio trabalhador, como trabalho não-pago, isto é, à sua figura de capital. Os agentes práticos da produção capitalista e seus rábulas ideológicos são incapazes de conceber o meio de produção separadamente da máscara social antagônica, que hoje adere nele, assim como um possuidor de escravos não concebe o próprio trabalhador separado de seu caráter de escravo.” Karl Marx (1996) O capital, vol.1, tome 2, ibid, p, 240 313 Berger & Luckmann defendem que importa “keep in mind that the objectivity of the institutional world, however massive it may appear to the individual, is a humanly produced, constructed objectivity (…) The institutional world is objectivated human activity, and so is every single institution (…) The paradox that man is capable of producing a world that he then experiences as something other than a human product will concern us later on. At the moment, it is important to emphasize that the relationship between man, the producer, and the social world, his product, is and remains a dialectical one. That is, man (not, of course, in isolation but in his collectivities) and his social world interact with each other.’ The product acts back upon the producer” Berger & Luckmann (1966) ibid., p. 60. 314 Já foi dito que a teoria social de Mead incorporou os princípios da filosofia pragmática Americana, uma herança que, para Habermas, iria revelar o seu valor teórico na descrição do processo comunicativo, nem que seja para introduzir os aspectos de verificação dos depoimentos e de aprendizagem coletivo. Na teoria de agir comunicativo de Habermas que serviu para fornecer uma base sociológica a pragmática formal em identificando as condições necessárias para chegar a um entendimento por via de comunicação e de troca entre atos comunicativos, defende que. “Mead develops the basic conceptual framework of normatively regulated and linguistically mediated interaction (…) starting from interaction mediated by gestures and controlled by instincts, and passing through the stage of symbolically mediated interaction in signal languages” It can also apply to “Durkheim's assumptions 146
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] processo de institucionalização das crenças é completado pela configuração de papéis social que, no mesmo tempo, correspondem e implementam-nas. O uso que Marx faz do conceito sociológico do papel social contrasta bastante com este de Durkheim e de Weber. Para Durkheim, o papel social devida a sua ancoragem na ordem institucional representa, portanto, uma adenda estrutural cuja função principal consistia em orientar e de organizar os comportamentos, interações e relações sociais. Para Weber a definição de papéis sociais encontra a sua forma mais avançada na estrutura burocrática e aproxima-se, desta forma, ao conceito de Marx de mascara social caracterizando para ilustrar o poder total dos aparelhos sobre as personalidades. É manifestação de ‘consciência falsa’, um conceito que tem a sua origem na filosofia de Kant acusando a incapacidade intelectual de transcender as aparências que impedem o conhecimento da realidade como causa principal da sua minoria politica e social. Portanto para Marx a saída desta empresa de forças externas sobre a vida iria começar, antes de tudo, com o ‘sapere aude’ de Kant, um projeto de consciencialização. O programa de Kant direcionou-se em particular contra uma forma de ignorância, a ignorância informada, caracterizada pela uma atitude oportunista e covarde e de preguiça intelectual que rejeita fazer uso das suas capacidades intelectuais, uma atitude que é motivada mais por interesses políticos ou ideológicos e não interessados no desenvolvimento e aperfeiçoamento do conhecimento. Kant, como notou Alfred North Whitehead em 1929 mesmo se a sua filosofia de sujeito foi rejeitada por Comte ‘cavou uma separação entre a ciência e a razão especulativa.”315 Neste âmbito enquadra-se na tradição dos heréticos como Giordano Bruno ou Galilé Galileu que tinham a coragem de questionar os dogmas religiosos desmascarados como falsos pela razão científica, ou de filósofos da revolução questionando a legitimidade de um regime político opressivo, imoral e injusto. “O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra em ferros” escreveu Rousseau no contrato social de 1762. Esta atitude de revolta que questiona a legitimidade do regime motiva não somente os revolucionários de 1789 mas caracterizou também a atitude dos oponentes contra a restauração política que seguiu às guerras Napoleónias, resultando nas tentativas de revolução de 1830 e 1848. concerning the sacred foundations of morality, the ritually preserved fund of social solidarity. (…) Taking as our guideline the idea of a \"linguistification\" [Versprachlichung) of this ritually secured, basic normative agreement, we can arrive at the concept of a rationalized lifeworld with differentiated symbolic structures.” Ou seja, representam estruturas que, como já foi dito antes, simbolizam algo que é considerado como cognitivamente valido e socialmente correto e, em razão disso, têm, no mesmo tempo, um quadro de orientação constrangedor e ‘desejado externo. Para Habermas, “This concept takes us beyond the conceptual limitations of the Weberian theory of action, which is tailored to purposive activity and purposive rationality”. Habermas: The Paradigm Shift in Mead and Durkheim: From Purposive Activity to Communicative Action, in Habermas (1987) The theory of communicative action, Volume 2, ibid., p. 2 315 Alfred North Whitehead (1958) The function of reason, Beacon Press, Boston, p. 60. Tradução minha 147
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Importa lembrar que o pensamento filosófico, bem como o religioso não somente são influenciados por fatores culturais mas políticos também.316 A ideia que a ignorância e a preguiça intelectual317 iriem constituir o maior obstáculo ao esclarecimento encontrou uma ressonância forte no pensamento de Marx que viu nascer o regime capitalista que viu, primeiro, como traição às ideais da revolução burguesa e, depois, como ultima fase da pré- história humana. Introduziu o conceito da consciência falsa para caracterizar o caracter ideológico do novo regime; um conceito que colocou no centro do seu conceito de classe social, conceito bastante sociológico construída em volta da distinção entre ‘a classe em si’ e ‘a classe para si’, entre o critério objetivo de situação de classe, e entre o critério subjetivo de consciência de classe. Para Marx, uma classe social ganha o poder de ação a partir do momento que os seus membros ganhar consciência sobre a sua situação social coletiva. Tratando-se, agora, da classe proletária o seu objetivo seria universal no sentido que a sua luta de emancipação iria representar a luta para a emancipação humana. Revela a continua influencia da filosofia Hegeliana cuja logica foi simbolizada na descrição famosa da dialética entre o amo e o servo; nenhum pode existir sem o outro, mas a liberação do primeiro das cadeias de classe, a fonte da sua ignorância informada, passa através da liberação do segundo da sua situação da servitude. Enquanto a luta do amo de manter esta relação de servitude seria contrario ao esclarecimento, a luta do ultimo representaria mais que a luta de uma classe, uma vez que incluirá a emancipação moral do primeiro – manter o outro na condição de servitude é imoral porque violação do principio do imperativo categórico humano, a luta pela emancipação do servo é a luta para a emancipação da humanidade da sua minoria intelectual, moral e social.318 316 As lições da filosofia de esclarecimento e os seus efeitos podem ser lidos como exemplificações das relações entre atos comunicativos locutivos, ilocutivos, e perlocutivos; um aspecto que voltamos abordar na secção final deste ensaio. 317 Bourdieu empregou o conceito de habitus para enfatizar a força deste padrão de atitude sobre a personalidade individual e a forma como está a ver ele mesmo e o mundo em torno dele; o habitus descrito como um conjunto unificador e separador de preferências, classificações, e gostos, de pessoas, bens, consumos e práticas. Conforme com Bourdieu as Instituições e o habitus representam os \"two modes of objectification of past history\". No habitus iria exprimir-se o resultado do processo de socialização sociocultural que culmina no desenvolvimento de uma ‘atitude natural’ pratica através da qual se manifestam “the sense objectified in institutions\" Pierre Bourdieu in: Charles Taylor: Follow the rule, in Shusterman (ed. 2000) ibid., p. 43. No ensaio sobre a distinção Bourdieu nota que é “o habitus (que) permite estabelecer uma relação inteligível e necessária entre determinadas praticas e uma situação, cujo sentido e produzido por ele em função de categorias de Percepção e de apreciação; por sua vez, estas são produzidas por uma condição objetivamente observável. (…) Convérn (portanto) retornar ao principia unificador e gerador das praticas, au seja, ao habitus de classe, como forma incorporada da condição de classe e dos condicionamentos que ela impõe.” Bourdieu (2007) ibid., p. 96-97. Usa o conceito para descrever a dualidade estrutural entre condições objetivas e logicas subjetivas, onde o habitus figura “como principio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, (como) sistema de classificação (principium divisionis) de tais praticas.” Ibid., p. 162 318 Georg, W. F. Hegel (2001) The philosophy of history, Kitchener, Ontario, Canada, p. 274. Importa evocar a forma como o filósofo Georg Friedrich Hegel, na famosa dissertação sobre a ‘fenomenologia do 148
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Weber descreveu o processo de racionalização primeiro como processo de desencantamento, uma interpretação que fica na tradição da filosofia do esclarecimento. Todavia, representa somente uma parte da sua teoria de racionalização; a outra parte consiste a) em revelar os custos deste processo, e b) de clarificar que este processo de racionalização não deve ser confundida com qualquer ideia de emancipação humana, tema chave que prima na filosofia de esclarecimento e na teoria Marxista. É notável, neste contexto, que Weber, para caracterizar o duplo caracter do processo de racionalização, fez uso de um raciocino dialético.319 A racionalização consistia bem em visar ultrapassar todas as formas de superstição e de pensamento magico e misterioso religioso representando, portanto, processo de racionalização é concebido como processo e, por este efeito, faria parte integral do processo e da filosofia do esclarecimento e o seu programa de emancipação humana. Todavia, Weber rejeitou esta última parte. Para ele o processo de racionalização não devia ser confundido com a ideia emancipação humana. A componente moral embebida neste processo iria revelar-se através do surgimento da autodisciplina e de uma visão do mundo onde o destino do individuo iria depender da sua competitividade requerendo aplicar uma atitude racional e calculadora, um padrão de atitudes que – e neste ponto torna-se visível a influencia de Nietzsche bem como esta de Adam Smith - teria nada a ver com um objetivo social emancipadora, mas que iria servir para a gloria nacional320. Esta atitude utilitarista calculadora iria encontrar a sua expressão mais pura no cálculo de capital que iria servir como quadro orientador dos aparelhos burocráticos e em particular espírito’ de 1807, tentou fazer sentido da revolução francesa. Interpretou-a como resultado do desdobramento da razão e em analogia com a relação dialética entre ‘amo’ e ‘servo’, colocada por Rousseau no seu tratado sobre o contrato social e que influenciou Hegel. A relação entre amo e servo seria o resultado de uma organização das relações sociais regida pela competição e a lei do mais forte. A força maior do amo obrigou o servo na submissão para evitar a sua destruição. Todavia a natureza dialética da coisa fez que, ao longo do tempo, o amo vai acabando tornar-se cada vez mais dependente do servo, ate o último conseguiu explorar este facto para agarrar-se do poder. Não para replicar uma nova forma de dominação entre amo e servo, mas para liberar ambos desta lógica. Isso, argumenta Hegel, é o que aconteceu na revolução francesa e o seu efeito de sublimação. Descreve um estado no desdobramento dialética da razão que levou o homem da época obscura de dominação para uma nova época iluminada pela liberdade, pela igualdade, e pela fraternidade. Marx tinha identificado o proletariado como classe universal, a imagem do servo na equação famosa de Hegel, e como classe portadora do processo da emancipação humana, uma vez que a burguesa teria falhado de levar a cabo a promessa da filosofia de esclarecimento e rer optando para o capitalismo em vez da liberdade. 319 Adorno & Horkheimer (1985) ibid. 320 As tendências positivistas no pensamento de Weber não têm a sua raiz na filosofia positivista de Comte, como foi o caso de Durkheim, mas vêm do utilitarismo filosófico e da sua interpretação na teoria racional económica na versão da teoria marginalista Austríaco e o seu debate com a escola económica histórica, institucional que alimentou o já mencionado ‘Methodenstreit’. A combinação entre factos sociais e sociologia compreensiva podia ser caracterizada como ‘um casamento infeliz entre o positivismo e a filosofia de vida”. Wolfgang Schluchter in: Stefan Breuer (2016) Kritische Theorie: Schlüsselbegriffe, Kontroversen, Grenzen, Mohr Siebeck Tübingen, p. 223 149
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] das burocracias corporativas. Uma vez que se manifesta através da divisão de trabalho burocrática iria servir para cementar e reproduzir a dominação dos interesses do capital sobre estes do trabalho.321 Esta concepção quase niilista, não somente afastou os princípios do imperativo categórico humano, cuja aplicação iria deslegitimar a crença dominante, tanto capitalista quanto burocrático, impedindo o uso do outro para fins egoístas, mas acaba de tornar-se num novo dogma, dogma secular criadora de um novo pensamento mitológico, como mera ilusão e fantasia romântica. Neste contexto é notável que Weber e Durkheim, e de forma quase uníssona, rejeitam a ideia que a divisão de trabalho devia servir a algo diferente que ao aumento da produtividade o que implicaria criar posições e relações hierárquicas entre o capital e o trabalho. Representa o campo de maior rutura entre a filosofia de esclarecimento ainda presente no pensamento de Marx por um lado, e as teorias sociais de Weber e Durkheim por outro que, em graus diferentes, tem viradas as costas às ideias de esclarecimento e as suas promessas. O que importa reter é que Weber, mo final da conta, optou de desenvolver o seu conceito de racionalidade não no quadro da sua teoria de ação, mas no quadro da sua teoria sobre a empresa capitalista burocrática, o (‘Betrieb’) capitalista. É através da estrutura burocrática que a empresa capitalista consegue desenvolver e impor um funcionamento estritamente baseado sobre o cálculo de custos e de benefícios. Diferente de economistas como Adam Smith que viu o mercado como ‘local de nascimento’ do comportamento racional individual, tanto Marx, quanto Weber, como já foi observado, localizam o local de nascimento desta racionalidade instrumental na empresa capitalista; é a partir da empresa racional que os comportamentos racionais conquistam os comportamentos individuais, tanto no que diz respeito nas suas relações sociais e económicas, quanto no que diz respeito aos papeis profissionais.322 Importa acrescentar que Weber tinha consciência das limitações estruturais que caracterizam a capacidade de mercado de figurar como mecanismo decentralizado e desinteressado de integração social, uma ideia que ocupa um lugar central na teoria económica neoliberal cujos princípios centrais são: a mínima participação estatal nos rumos da economia de um país e livre circulação de capitais internacionais. A ideologia neoliberal que tem a sua origem nas ideias do capitalismo de Manchester323 que a escola Austríaco, nomeadamente de Friedrich von Hayek e Ludwig van Mises tornaram 321 “Chamamos racionalidade formal de uma gestão económica o grau de cálculo tecnicamente possível e que ela realmente aplica.” Weber (2004a) ibid., p. 52. Este tipo de racionalidade e a atitude calculadora que está a incorporar encontraria a sua forma mais ‘pura’ no ideal-tipo da empresa capitalista onde toda a tomada de decisão “baseia-se em cálculo do capital”. Ibid., p. 109. 322 Defende-se aqui que para Weber a teoria marginalista, em particular na sua versão Austríaca – Weber completou este processo de racionalização que culminou na empresa capitalista oferecendo-a agora um método para refinar a sua capacidade de cálculo racional. Max Weber: Die Grenznutzenlehre und das pschophysische Grundgesets, in Weber (1988) Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Mohr, Tübingen. 323 David Ricardo: se querer a paz, deixar o Governo passar fome (starve the Government”) 150
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