Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] da problemática do conhecimento e sobre o funcionamento do aparelho de conhecimento, pegando a programa de pesquisa de Kant. A fenomenologia, a filosofia da vida, incluindo a filosofia existencialista de Heidegger, que transformou a ideia da transcendalidade de Kant numa ontologia, focalizam sobre as condições desta existência, não num sentido Marxista, mas num sentido ontológico e a-histórico. Todavia, a concentração sobre o mundo da vida e sobre a experiencia quotidiana da existência (‘Dasein’) whose projects could still be construed in terms of the situation of the individual faced with ethical decisions”, (Bowie (2003) ibid., p. 219) mantem aberta a porta para investigações sociológicas comparativas sobre as estruturas materiais que caracterizam diferentes mundos de vida refletidas e sobre as diferentes formas como são experimentadas. Permite compreender o munda da vida como espaço de socialização cultural distinta cujas características se revelam através de estudos sobre o meio social donde faz parte. Roland Hitzler & Anne Honer (1984) Lebenswelt - Milieu - Situation: terminologische Vorschläge zur theoretischen Verständigung. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, vol. 36, no. 1. Neste âmbito, importa evocar o conceito de habitus de Bourdieu que encontra-se também ao cruzamento entre fatores e forças estruturais ambientais e entre o desenvolvimento de estruturas cognitivas e atitudinais fixas. Sobre o conceito de habitus e a sua ligação com mundo da vida vide também as observações figurando numa anotação mas em baixo. Conduziu o Husserl em desenvolver um método de conhecimento que iria permitir aperceber um objeto não só em função das suas aparências fenomenais como objeto para nos, mas das suas qualidades intrínsecas como objeto em si. Kant partiu de pressuposto de uma realidade dupla composta de númeno, as coisas em si ficando fora da nossa alcance de conhecimento e que existem só em termos da ideia que temos sobre eles, e de fenómenos, a parte da realidade que porque está a afetando os nossos sentidos, o nosso aparelho preceptivo e que, por esta razão, e concebível. Para o Kant, o nosso conhecimento sobre a realidade natural é fenomenal e não chega até a coisa por si, diferente do nosso conhecimento sobre a realidade social onde já não há espaço para a distinção entre o númen e o fenómeno. Embora que no ato de conhecimento da natureza e das suas leis, Kant atribuiu a razão o papel de um meio que consiste em dar sentido aos fenómenos observados utilizando as categorias de intelecto para estabelecer ralações de causalidade e que enquadram a nosso experiencia, no ato de conhecimento da sociedade a razão ocupa agora o papel de um fim. Se na ação da razão pura as categorias a-priori de conhecimento são estas permitindo estabelecer relações causais, temporais e espaciais entre os fenómenos, na razão pura pratica a categoria prima a liberdade (de escolha) como a categoria chave.102 Kant insiste que há uma única razão, uma única forma logica de pensar as coisas, mas que 102 “A liberdade, porém, é por sua vez a única entre todas as idéias da razão especulativa cuja possibilidade a-priori conhecemos (wissen) sem penetrá-la (einzusehen) contudo, porque ela constitui a condição (1) da lei moral, lei que conhecemos.” Immanuel Kant: Prefácio, in Kant (2004) Critica da razão pratica, eBooksBrasil.com, p. 12. Ainda mais na metafisica dos costumes onde defende que “o uso especulativo da razão, com respeito à natureza, conduz à absoluta necessidade de qualquer causa suprema do mundo; o uso prático da razão, com respeito à liberdade, conduz também a uma necessidade absoluta, mas somente das leis das acções de um ser racional como tal.” Immanuel Kant (2007) Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Edições 70, Lisboa, p. 116. Vide também: Ricard Kroner (1961) Von Kant bis Hegel, J.C.B. Mohr, Tübingen, p. 172. 51
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] está reagindo face aos conteúdos diferentes. Portanto, a diferença na atuação das nossas capacidades intelectuais e reflexivas atribuindo um significado as coisas observadas e percebidas permitindo a sua inclusão num sistema geral de sentido, algo que podemos chamar a cultura, não se localiza na razão que fica a mesma mas no seu objeto. A razão, segundo Kant, é a nossa arma criada para fazer sentido do mundo em nos e do nosso exterior. Esta distinção de Kant teve uma influência bastante forte que continua até hoje. O seu impacto imediato revelou-se através do debate sobre a questão da relação entre ciências naturais e sociais. Resultou na renascimento de Kant através da filosofia neo- Kantiana onde filósofos como Wilhelm Dilthey, que, por sua vez, influenciou a filosofia da vida, e Wilhelm Rickert, colega de Weber a Heidelberg, defenderam que enquanto as ciências naturais seriam interessadas em descobrir as leis gerais que podem ser representados em modelos, o interesse primária das ciências sociais e culturais seria, antes de tudo, ideográfico orientado para revelar o significado cultural dos fenómenos sociais na sua particularidade histórica social. Uma formulação e um programa que ressonaram na sociologia compreensiva e interpretativa de Weber. Influenciou o desenvolvimento ulterior de uma parte do pensamento filosófico, pelo menos no que diz respeito a filosofia continental103; a outra parte, e em particular a filosofia Marxista sendo influenciado por Hegel e a logica dialéctica. Husserl introduziu o conceito de mundo da vida para esclarecer sobre as condições do conhecimento. Representa uma sorte de rutura com os seus estudos anteriores mais viradas para esclarecer sobre as qualidades fenomenais do objeto de conhecimento. Entra agora o conceito de experiência, em particular sobre as condições transcendentais, isso é, sobre os seus requisitos, da nossa experiencia e como impacto sobre o conhecimento. Defende que a nossa experiencia é embebida no mundo da vida e, por este efeito, moldada pelas suas características. Descreve o mundo da vida como mundo conceptual onde tudo que existe, 103 O conceito da filosofia continental foi introduzido pelo filósofo inglês Bertrand Russel para desmarcar a diferença com a filosofia analítica que surgiu no mundo anglófono no início de seculo 20 e que concentra sobre análises linguísticas e a análise logico de conceitos entre quais os estudos de John Austin e John Searle. Para Russel que no entanto contou o filósofo continental Gottlieb Frege concentrado sobre análises linguísticos como fonte de inspiração da filosofia analítica, a filosofia continental foi mais uma corrente literária com défices analíticos e lógicos. https://en.wikipedia.org/wiki/Analytic_philosophy. Para o já evocado filosofo analítico John Searle a melhor maneira de caracterizar a filosofia analítica é o seu foco sobre os significados. “The simplest way to describe it is to say that it is primarily concerned with the analysis of meaning.” Mas aqui o foco já não é, como no caso de Weber, sobre o significado cultural dos fenómenos que sobre os significados dos conceitos e da pratica linguística. Esta programa encontra a sua expressão programática no livro de John Austin intitulado “How to do things with words”, ou seja, como fazer algo com palavras publicado em 1955. “Para Searle “the best philosophy departments in the United States are dominated by analytic philosophy, and among the leading philosophers in the United States, all but a tiny handful would be classified as analytic philosophers. Practitioners of types of philosophizing that are not in the analytic tradition—such as phenomenology, classical pragmatism, existentialism, or Marxism—feel it necessary to define their position in relation to analytic philosophy.\" John Searle: Contemporary Philosophy in the United States, in Nicholas Bunnin & E.P. Tsui-James (ed. 2003), The Blackwell Companion to Philosophy, Blackwell, Malden, USA, p. 1-2. 52
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] incluindo o individuo, já tem o seu significado, e este facto é experimentado como algo bastante familiar e portanto, como bastante normal.104 Para Husserl, representa o fundo inescapável do conhecimento, o fundamento de nosso julgamento caracterizada, para parafrasear Durkheim, pela identidade entre consciências subjetivas e a consciência coletiva. Husserl defende que representa o ponto de início de toda ciência tanto das ciências humanas que naturais.105 Devido a importância deste conceito de mundo da vida, importa incluir um breve excurso sobre a filosofia fenomenológica. A filosofia como disciplina autóctone estuda conceitos como os seguintes: o bem moral, a arte, o conhecimento, a verdade, a realidade, etc. O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias, a reflexão. É subdividida em quatro disciplinas principais: a Metafísica, a Epistemologia, a Ética, e a Lógica. Excurso 4: O conceito de mundo de vida e o seu papal nos debates sociológicos actuais. A tradução do conceito filosófico de mundo da vida num conceito sociológico em volta do conceito de meio social já foi discutida nos parágrafos precedentes. Na sociologia moderna o conceito foi utilizado em função de contextos e modelos teóricos respetivos. Habermas, por exemplo, concorda de interpretar o mundo de vida como lugar da intimidade social e como quadro sociocultural de socialização e de aculturação ao meio social. Descreve a tensão entre as prerrogativas de integração social e sistémica (Lockwood) em termos de intrusão do segundo no espaço do primeiro, como a ‘colonização do mundo da vida’ implementado pela organização burocrática do Estado e as prerrogativas do mercado de trabalho. Estão a invadir este espaço enquanto a socialização sociocultural responsável para criar este sentido de confiança básica e de familiaridade entre o individuo e o seu ambiente social e cultural é constrangido e incluir, no processo de socialização, os requisitos ‘sistémicos’ (Parsons), como por exemplo as exigências burocráticas ou do mercado de trabalho e o sentido da competição e da concorrência que, através da sua intrusão no espaço sociocultural, ficam normalizados. Estas exigências variam em função da localização e do estatuo social do meio social que esta a ambientar o mundo da vida e que representa a sua fronteira externa. Diferentes meios sociais estão a ambientar diferentes mundos e vida em termos de subculturas distintas, e figura como 104 Esta ideia ressurge na sociologia sistémica de Luhmann que interpreta este sentimento de familiaridade criada no mundo da vida como sendo a fonte da confiança mutua generalizada sem qual interações racionais não seriam possíveis. Niklas Luhmann (1975) Vertrauen: Ein Mechanismus der Reduktion sozialer Komplexitaet, Enke Verlag, Stuttgart. Idem Anthony Giddens (1991) As Consequências da modernidade, UNESP, São Paulo. 105 Rochus Sowa: Einleitung, in: Edmund Husserl (2008) Die Lebenswelt: Auslegungen der vorgegeben Welt und ihrer Konstitution,Springer, Dodrecht. Entra aqui a noção do conhecimento científico e a necessidade de rutura com estas prenoções, defendida por Gaston Bachelard (2002) The Formation of the Scientific Mind: a contribution to a Psychoanalysis of objective Knowledge, Clinamen Press Ltd, Manchester; e Émile Durkheim (1990) Les règles de la méthode sociologique, Puf, Paris por um lado, e por Marx por outro lado. Uma introdução sob forma de resumo na filosofia alemã e o seu impacto sobre a teoria social encontra-se em Andrew Bowie (2003) Introduction to German Philosophy: from Kant to Habermas, Polity Press, Cambridge. Importa também de mencionar a ‘Historia da filosofia ocidental’ de Bertrand Russel (1957) Lelivro, São Paulo que oferece um resumo da filosofia dos seus inícios ate ao seculo 20 mas que evita discutir articulações com a teoria social 53
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] operacionalização do sistema de estratificação mais vaste. Jürgen Habermas (2017) The theory of communicative Action, Volume 2: Lifeworld and System: A Critique of Functionalist Reason, Beacon Press, Boston. A figura teórica da ‘dupla hermenêutica’ de Giddens aborda este aspecto de um angulo diferente. Define que a fonte e o objeto principal da sociologia são as ideais, atribuições (Heider) e praticas que caracterizam o mundo da vida, constituindo um primeiro nível de discurso hermenêutico. O discurso sociológico e os seus conceitos e práticas racionais que constituem um segundo nível de discurso hermenêutico com objetivo de revelar os ‘elementos escondidos no primeiro (Portes) e de interpretar a natureza real das relações sociais cujas explicações e conceitos, por via da sua popularização se torna parte do discurso quotidiano. Anthony Giddens (1984) The Constitution of Society: Outline of the theory of structuration, Polity Pres, Cambridge, UK. A socialização sociocultural estende-se também, e antes de tudo, aos atos comunicativos. Neste sentido, o mundo da vida contem ”um estoque de sentidos (de crenças, critérios, valores, definições etc.) compartilhados entre falantes (e não problematizados por eles) que serve de pano de fundo para sua comunicação.” http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2012/10/o-que-e-mundo-da-vida-em-habermas.html. Iria representar o mundo de vida representado sobre forma do ‘outro generalizado’ e das expectativas atribuídas nele. “The lifeworld person” é esta “as seen from the socially shared perspective of the members of a group with a common culture” enquanto o ‘self’ representaria a maneira como o Eu da pessoa está a olhar para si, uma maneira que é influenciada, mas não determinada pela figura do mundo de vida. Donald McIntosh (1994) Language, Self, and Lifeworld in Habermas' Theory of Communicative Action, Theory and Society, Vol. 23, No. 1, p. 26. A crítica de McIntosh constatanda que esta construção iria omitir o papel do subconsciente não parece muito plausível tendo em conta que o mundo de vida bem como as construções cognitivas que compõem o senso comum e adquiridas ao longo do processo de socialização ficam logo de antemão a fronteira entre o consciente e subconsciente uma vez que o individuo não tem consciência completa sobre a origem e as limitações destas construções cognitivas tradicionais e, pelo menos, em parte internalizadas conforme com Berger & Luckmann. A figura teórica de Berger & Luckmann revela semelhanças com o conceito de habitus de Bourdieu uma vez que serve para colmatar o espaço social entre estruturas externas e disposições internas fixas formada através do processo de socialização acontecendo em circunstancias socioeconómicas e socioculturais distintas e que serve para perpetuar as diferenças socioeconómicas objetivas. Pierre Bourdieu (2007) A distinção: Crítica social do julgamento, Zouk, Porto Alegre, p. 96. Pode acrescentar que o processo de esclarecimento, o uso coletivo da razão (Kant) passa pela troca entre as representações que caracterizam os diferentes ‘mundos de vida’ através do surgimento de um discurso público promovido pelo desenvolvimento de um espaço público. No entanto, o surgimento de novos significados representa um processo dialético na medida em que corre o risco, como notaram os autores da ‘dialética de esclarecimento’ de ser apropriado pelas organizações da ‘indústria cultural’. Theodor W. Adorno & Max Horkheimer (1985) Dialética do Esclarecimento, Zahar, RdJ. O termo ‘fenomenologia’ vem do grego ‘phainómenon, que pode traduzir se como, as coisas que se autorrevelam. A fenomenologia consiste no estudo da experiencia e sobre a organização desta experiencia. As analises fenomenológicas de Husserl introduzida nas investigações logicas em 1901 e que mudou ao longo da vida dele, enquadra-se na epistemologia e na filosofia a mente, e teve, como ponto de referencia principal a teoria de conhecimento de Kant e das discussões subsequentes na filosofia neo-Kantiana, e, neste 54
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] contexto, o seu tratamento da experiencia. A fenomenologia de Kant partiu do pressuposto que a nossa consciência capta a realidade fenomenal da realidade, isto é, esta parte que a nossa consciência através dos sentidos consegue perceber e, depois, interpretar. Estes fenómenos iriem representarem reflexos das substâncias que ficam detrás, os númenes, que têm por particularidade que ficam fora do alcance da nossa capacidade de conhecimento. Ou seja, representam uma ideia. Obviamente, a construção em termos de fenómenos e númenos em Kant é bastante problemática, porque o conceito de númen que não tem um fundamento na experiencia qualifica como conceito ‘vazio’, como conhecimento especulativo. Neste âmbito importa mencionar o constructo de ‘ideal-tipo’ de Max Weber que tenta de criar uma ponte pragmática entre o conhecimento empírico e especulativo, sem qual uma reconstrução retrospetiva de eventos históricos tornaria se impossível Husserl teve com principal objetivo de fornecer uma descrição sobre o acto de experimentar desenvolvida em volta da ideia de Kant sobre a intencionalidade da nossa experiencia, virada pelo mundo exterior, da perspetiva subjetivo do autor da experiencia, e estuda diferentes formas de intencionalidade incluindo de fatores que a influenciam como, por exemplo, a língua ou fatores individuais e sociais. Na primeira versão da fenomenologia que qualificou como uma psicologia descritiva, Husserl partiu da ideia de uma fenomenológica realista concentrando, com já foi dito, sobre a estrutura intencional da nossa consciência direcionadas para objetos reais e ideias. Desenvolveu as suas ideias de modo de virar o seu interesse mais sobre e o acto de experiencia e a intencionalidade da consciência representam o ponto de partida para uma análise que agora concentra sobre a tarefa de identificar qual e a essência pura destas experiencias bem como do objecto experimentado. O conduziu para a distinção entre a noësis, o facto da intencionalidade da consciência, e os noemas, o mundo de fenómenos constituindo o conteúdo da experiência, entre ‘act quality’ e ‘act matter’, ou seja, entre a consciência e o acto de pensar. “Noesis gives meaning to intentional act and Noema is a meaning which is given to intentional act. In other words, any intentional act has an \"I-pole\" or Noesis and has an \"object- pole\" or Noema. Noesis and Noema of an act are not regarded as object of that act. The existence-independence of intentionality means, Husserl believes, that intentionality is a phenomenological property of mental states or experiences, i.e., a property they have by virtue of their own “internal” nature as experiences, independently of how they are “externally” related to the extra-mental world. To say that thought is “intentional” is to say that it is of the nature of thought to be directed toward or about objects. To speak of the “intentional content” of a thought is to speak of the mode or way in which a thought is about an object.” Resultou no conceito de ‘epoché, a suspensão do qualquer julgamento a-priori e que serve para vaziar a consciência, e do desenvolvimento do método da edução eidética ou fenomenológica que consiste em excluir a mais possível a realidade externa do objecto da consciência em mira com o fim de captar a sua essência. A evolução do seu pensamento o levou em reformular a sua teoria em ‘fenomenologia transcendental’, que se diferença da filosofia transcendental de Kant que através do conceito da 55
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] intersubjetividade como condição transcendental da experiencia e do conhecimento, e que, por esta razão, tornou-se mais interessante para os sociólogos e a pesquisa sociológica. A experiência da intersubjetividade consiste no sentimento da empatia, a capacidade de tomar conta da perspetiva do outro. A empatia exprime-se em particular vis-à-vis de indivíduos que, do ponto de vista do observador, revelam traços semelhantes. Husserl argumenta que esta crença funda sobre a experiência vital que o Eu o os seus contrapartidas fazem parte de um “already pregiven (and generally unreflected) intentional background, or “lifeworld”. Este conceito de mundo da vida tem, pelo menos, dois significados: no sentido de uma crença ou atitude “That is to say: a given subject's lifeworld consists of the beliefs against which his everyday attitude towards himself, the objective world and others receive their ultimate justification”. A descrição deste processo de ‘fazer sentido’tem dar conta das suas duas dimensões: “first approximation, as the system of senses or meanings constituting their common language, or “form of life”. A seguir, dar conta do papel transcendental do mundo da vida, a a- priori definição ”of senses or meanings that allows for the mutual translation of their respective languages into one another. The term “lifeworld” thus denotes the way the members of one or more social groups (cultures, linguistic communities) use to structure the world into objects.” Isso, porque o mundo de vida “is fixed by a system of (first and foremost implicit) intersubjective standards, or conventions, that determine what counts as “normal” or “standard” observation under “normal” conditions,” e que, por esta razão representa o “world-horizon” of potential future experiences”. Mas não só: “On Husserl's view, it is precisely this “subjective-relative lifeworld”, or environment, that provides the “grounding soil” of the more objective world of science.” 106 Ainda para acrescentar que a viragem para uma filosofia ontológica propagada por Martin Heidegger no seu estudo sobre ‘Sein und Zeit’, livro opaco e pouco acessível, publicada em 1927 resultou de uma revisão existencialista da fenomenologia de Husserl (e de Kant). Como notamos na caixa 3 mais acima, Heidegger objeta que seria impossível de separar o observador do mundo onde az parte. Este facto iria obrigar a filosofia fenomenológica de estender a sua reflexão sobre homem e o mundo, isto é, sobre a questão da sua existência que resulta na distinção – Heidegger fala da diferença ontológica - entre factos ontológicos e ônticos, entre Existência (Sein) e Existir (Dasein). Acusa o pensamento filosófico de tomar conta desta diferença ontológica e de ter esquecido de se colocar a questão da existência, isto é, sobre a condição transcendental do “Dasein’ no sentido de ‘estar no mundo’ que se concretiza através das formas de vida de dia-a-dia.107 A recuperação do conceito do mundo 106 O resumo é baseado sobre Beyer, Christian, \"Edmund Husserl\", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2018 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/husserl/>.T 107 Heidegger notou que “Basically, all ontology, no matter how rich and firmly compacted a system of categories it has at its disposal, remains blind and perverted from its ownmost aim, if it has not first adequately clarified the meaning of Being, and conceived this clarification as its fundamental task.” Heidegger in: Wheeler, Michael, \"Martin Heidegger\", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2018 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2018/entries/heidegger/>. 56
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] da vida para a sociologia por parte de Alfred Schütz foi feita através da fenomenologia ‘mundana’, a focalização sobre a problemática de ‘compreender o outro’ promovendo métodos de pesquisa partindo do mundo e como transpira nas experiências subjetivas dos atores sociais. Representam etapas de passagem de uma filosofia de conhecimento onde representa o estádio pré epistemológico da análise fenomenológica, para uma teoria sociológica de conhecimento onde o conceito de mundo de vida faz parte do processo hermenêutico onde representa o conjunto de experiências da vida quotidiana dando luz a ‘psicologia ingénuas’, como notou Fitz Heider. Assim, a transformação sociológica do conceito filosófico de ‘mundo da vida’ se revela nas teorias de estratificação socioculturais e socioeconómicos focalizando sobre a diferenciação social em meios sociais, que, na sociologia urbana são abordadas sob forma de meios sociais-espaciais108, e sob os seus efeitos sobre processos de integração social, de socialização, e de estilos de vida e de padrões de atitudes tal como a construção de ‘habitus’109; isto é de aspectos que vão nos fazer companhia ao longo deste ensaio. Portanto, a assimilação sociológica do conceito de mundo da vida de Husserl requer associar o conceito com condições matérias da vida social e de integra-o numa sociologia que tem por objecto o estudo dos meios sociais e como estes se enquadram no sistema de estratificação social geral. Adorno notou que, apesar da sua obscuridade linguística, Heidegger, em introduzindo o conceito de ‘Sorge’ de preocupação, que devia ser liberada do seu significado ontológico, abriu uma brecha para o mundo real e para o conceito de meio social. O conceito do meio social, não somente ajuda de colocar o conceito do mundo da vida num contexto social e socioeconómico concreto articulado com os seus elementos socioculturais, sentimentais e cognitivos, mas, ainda mais, no contexto maior do sistema e da estrutura da estratificação social que passa por via dos meios sociais estratificados. O levou de reconhecer que há a coexistência de múltiplos mundos da vida, cujas características em termos de senso comum que moldam as visões sobre o mundo e como está experimentado e interpretado, que molda ideias e julgamentos sociais (Bourdieu). Variam e criam as suas expressões características em função das características socioeconómicas do meio social que tem um impacto estruturante sobre a distribuição das ‘life chances’ de Weber, isto é, sobre as hipóteses de vida dos seus membros. 108 Importa evocar a sociologia urbana de Henri Lefebvre que, através da introdução de um segundo circuito de capital onde a produção do lucro se realiza através do investimento no espaço urbano e que representa um exemplo concreto de ‘colonização do mundo da vida’, uma figura teórica que prima na teoria de agir comunicativo de Habermas. Um resumo sobre a teoria urbana encontra-se em Marc Gottdiener (1994) The new urban sociology, McGraw Hill 109 Pierre Bourdieu (1979) La distinction: critique social du jugement, Les Éditions du Minuit, Paris. Roland Hitzler & Anne Honer (1984) Lebenswelt - Milieu - Situation: terminologische Vorschläge zur theoretischen Verständigung. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, vol. 36, no. 1. Vide também o estudo de Henri Lefebvre sobre a critica da vida quotidiana e o sumario de Elden reportado mais em baixo, 57
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Para Bourdieu, enquanto a estratificação socioeconómico determina os campos sociais onde actores se encontram em diferentes posições respectivos, as expressões e praticas culturais que caracterizam um dado mundo da vida têm a função da distinção social.110 É portanto possível, como fez a sociologia Marxista de associar padrões de situações de vida (Lebenslagen) com o sistema de estratificação social e com situações de classe (Klassenlagen),111 que podem ser reveladas através de uma sociologia da vida quotidiana, como esta de Henri Lefebvre. Durkheim optou para uma outra via face a problemática do 110 Bourdieu (1979) ibid. Através do conceito de campos sociais Bourdieu prestou homenagem a teoria de classe de Weber e distinção conceitual entre classes económicas, - as classes sociais de Marx – as classes sociais ou estamentos, e onde a última categoria, os partidos e movimentos políticos ocupam um papel transversal traduzindo interesses de classe económico ou social em acções de luta politica para o poder. Weber (2004a) ibid., p. 199-206. Por outro lado, o ensaio de Bourdieu sobre a distinção social pode também ser lido como uma descrição teórica dos vários mundos de vida e como articulam e sustentam o sistema de classes e de estratificação social geral. Ambos determinam a posição de indivíduos e grupos nos respectivos campos sociais cuja articulação ‘determina’ no sentido de favorizar ou de mitigar as hipóteses de vida dos diferentes grupos e intervenientes. Sobre a influenca da teoria de estratificação de Weber sobre a sociologia de Bourdieu vide também Brubaker que defende que “Bourdieu's general approach to the study of the class structure as a structure of power and privilege is distinctly Weberian. For Weber's distinction between classes and status groups is at root a distinction between two modes of existence and exercise of power - between power that is exercised and accumulated in accordance with the strictly impersonal laws of the market and power that is exercised and accumulated in accordance with conventionally or juridically guaranteed status distinctions that permit particular groups to monopolize particular material or ideal goods or opportunities. Bourdieu systematically develops this notion of different modes of existence and exercise of power, seeing in the analogy between power and energy remarked by Bertrand Russell - both exist in many forms, mutually interconvertible under certain conditions, with no one form constituting the source of the others - the \"principle of a unification of social science.\" Besides this basic Weberian notion of mutually irreducible but potentially interconvertible forms of power, Bourdieu develops a number of subsidiary Weberian themes. The notion of a hierarchy of prestige or honor that is irreducible to any economic base; the notion that positively privileged status groups tend to develop a distinctive style of life; the notion that this stylization of life often requires an inhibition of strict or blatant economic calculation; and the notion that positively privileged status groups tend to legitimize their privilege through the cultivation of a sense of \"natural\" dignity and excellence - these and other ideas articulated by Weber in the seminal essay on \"Class, Status and Party\" are appropriated and developed by Bourdieu”. Brubaker (1985) ibid., p. 761. A teoria de dualidade estrutural e a sua distinção entre regras e recursos que tenta abordar esta mesma problemática de distribuição de ‘life chances’ (Weber) tenta de fornecer uma versão mais apolítica das competições e da menos peso ao facto que estas regras e a distribuição de recursos que vai em par são expressões do sistema de dominação existente. 111 Esta interpretação vai no sentido de Ludwig Wittgenstein e a sua concepção de ‘jogos linguísticas’ (Sprachspiele) que representam também uma ‘forma de vida’ (Lebensform). Apesar da semelhança com o conceito de mundo de vida de Husserl, Wittgenstein é consciente que a vida é caracterizada pela multidão de formas de vida e de jogos linguísticos. Hajo Greif & Martin Gerhard Weiss (ed. 2012) Ethics, Society, Politics: Proceedings of the 35th International Ludwig Wittgenstein Symposium. Kirchberg am Wechsel, Austria 2012, p. 194. A psicologia social de Fritz Heider focou sobre o estudo destes jogos linguísticos e da sua expressão nos processos de atribuição, isto é, a criação de teorias de ação ingénuas utilizadas para explicar e fazer sentido de fenómenos e de comportamentos sociais. Fritz Heider (1958) The Psychology of Interpersonal Relations, John Wiley, NY. Criou ‘inputs’ para a teoria politica focalizando sobre as técnicas de manipulação e de propaganda desenvolvidas para instrumentalizar e manipular estas teorias de ação ingénuas. 58
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] ‘mundo da vida’. No seu ensaio sobre as formas primitivas de classificação, redigido em cooperação com Marcel Mauss, que ofereceu, não somente, um outro olhar sobre o mundo da vida, mas também sobre a sua capacidade de representar uma síntese entre ‘representações coletivas’ e ‘afeções coletivas’, segundo a leitura feita de Albert Salomon.112 Notou também que para Durkheim, sob influência de Mauss, as representações coletivas que garantam a coesão social, cultural e intelectual da sociedade ainda mais em sociedades com fraco grau de diversificação social, têm os mesmos atributos que Husserl usou para caracterizar o mundo da vida. Em ambos casos trata-se de caracterizar aquilo que está, no mesmo tempo, precedendo e moldando a experiencia individual e coletiva; algo que é apropriado através do duplo processo de socialização e de desenvolvimento da personalidade. Representa a parte da realidade e da sua representação e interpretação cuja validade é aceite sem questão. Referem á língua como protótipo desta realidade sempre já dada e do seu potencial racional.113 No artigo sobre as formas de classificação primitiva, Durkheim e Mauss defendem que ‘os padrões logicas’, que as comunidades australianas estão utilizando, não são nada mais que o reflexo das suas experiencias sociais. “Collective representations are the basis for classifying the world, which is a totality of the divine and the demonic, and men, who are part of this totality. Man is by nature sociocentric: society is the center of all early conceptions of nature.”114 Empregaram este argumento para rejeitar a ideia que estes padrões lógicos iriam apontar para existência de uma logica primitiva. Como vamos ver mais em baixo, este debate ressurgiu com Claude Levi Strauss, e com sociólogos como Habermas e Giddens. 115 Este debate sobre o conhecimento não se 112 “Collective representations, which give cohesion to society, are, at the same time, collective affections. For this reason, logical and affective categories merge; value attitudes and logical procedures are intertwined. The Australians, for example, divide everything into sacred and profane, pure and impure. They conceive of a whole, for example, as a dual structure of positive and negative elements.” Albert Salomon: Some Aspects of the Legacy of Durkheim, in Kurt H. Wolff (ed. 1964) Essays on Sociology and Philosophy by Emile Durkheim et., al., Harper Torchbooks, NY., p. 251 113 Na teoria de agir comunicativo Habermas argumentou que a estrutura linguística em baixo desta multidão de línguas é feita para permitir uma comunicação razoável entre atores sociais. Este concerne depoimentos sobre cada uma dos três mundos de Popper, o mundo do exterior, das ideias e dos sentimentos subjetivos. Estabelece a possibilidade de diálogo onde cada um das revindicações pode ser questionado, em termos da sua exatidão, adequação e veracidade. Este facto, Habermas caracterizou como a pragmática universal porque seria valida em todas as línguas. Acerca disso, vide a discussão no capítulo 5. 114 Salomon in Wolff (ed. 1964) ibid., p. 251. Salomon notou que na sua classificação das problemáticas sociológicas, esta das representações coletivas ocupou um lugar central cujo estudo devia focar sobre dois aspectos interativos: “the collection and systematization of the ideas that constitute the collective representations, and the examination of the collective behavior patterns that correspond to these representations (…) Mauss states emphatically that the explanation of collective representations and affections is the task of the sociologist, not the psychologist; for the sociologist can penetrate to the deep layers of social cohesion, which results from the density and intensity of the collective recollections and affections.” Salomon in Wolff (ed. 1964) ibid., p. 255 115 As diferenças entre Durkheim e Mauss’ interpretação das representações coletivas e entre Husserl’s conceito de mundo da vida consiste no facto que os primeiros tentaram de fornecer uma caracterização sociologia focando sobre os aspectos demográficos e sociais que ultrapassa o âmbito mais restrito da 59
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] limitou a filosofia neo-Kantiana, a filosofia fenomenológica e ontológica, mas teve repercussões na sociologia e na economia onde resultou em provocar o famoso debate sobre os métodos económicos, o “Methodenstreit’ que voltamos discutir mais a frente, e que terminou com a vitoria dos protagonistas da ciência de ‘economics’ e com a vitoria da teoria económica neoclássica que, por sua vez, teve como objecto programático de substituir a economia politica Marxista que se viu como continuação critica da economia politica da teoria clássica. Se a teoria Marxista representa uma crítica externa dos axiomas da teoria neoclássica, a corrente da teoria económica neo-institucionalista, corrente associado como economistas como Oliver Williamson ou Douglass North, representa uma tentativa de impor uma dose de realismo nos modelos neoclássicos salientando e impacto de fatores não-económicos.116 filosofia de conhecimento que continuou dominando no Husserl. A recepção sociológica do conceito conseguiu ultrapassar esta limitação através do seu enquadramento numa teoria sociológica de ação (Schütz), numa sociologia da vida quotidiana (Lefebvre), e finalmente numa teoria de agir comunicativo (Habermas), sem falar da figura teórica da dupla hermenêutica que Giddens usou para caracterizar o processo de produção do conhecimento sociológico. 116 Vide a presentação de Krishna Rao Pinninti (2003) The Economics of Transaction Costs, Palgrave McMillan. Oliver Williamson, na sua distinção entre hierarquias e mercados como duas formas extremas de regulação e de integração social cuja racionalidade em termos de eficácia e eficiência ele aborda através de um lente de ‘custos de transação’ que devia completar o critério de racionalidade mais ‘convencional’ referindo aos ‘custos de produção’ fez um argumento em favor de uma abordagem interdisciplinares. “Good interdisciplinary exchanges require that the participants talk with rather than by one another, which requires respect for several points of view.” Esta interdisciplinaridade devia concentrar sobre a re-conceptualização do conceito de racionalidade. “To be sure, all of the social sciences have a stake in rationality analysis. What distinguishes economists is that they push the approach further and more persistently. As it turns out, that has been a productive exercise. Rationality is a deep and pervasive condition that manifests itself in many subtle ways (recall Adam Smith's reference to the 'invisible hand'). It has application to spontaneous and intentional governance alike, which is to say that it applies to organizations of all kinds — markets, hybrids, public and private bureaus. Yet rationality excesses — of which four kinds can be distinguished: oversimplification, maximization, natural selection and hyperrationality — are a chronic hazard.” Oliver Williamson (1995) Hierarchies, Markets and Power in the Economy: An Economic Perspective, Industrial and corporate change, vol. 4, no. 1, p. 21-22. O que se destaca da conceptualização de Williamson é que, primeiro, a sua discussão da racionalidade fica completamente dentro do tipo da racionalidade instrumental, a racionalidade em finalidade e que, segundo, não tem noção da parte axiológica, “la dimension non consequentialiste de ‘axiologie’, Raymond Boudon: Max Weber: La rationalité axiologique et la rationalisation de la vie morale, in Boudon (2000) Études sur les sociologues classiques, PUF, Paris, p. 215. O que se destaca portanto da pretensão de interdisciplinaridade de Williamson é que faz prova de uma compreensão lenta do conceito de racionalidade que limita a gama das razões detrás das decisões racionais ao motivo utilitarista de maximização e minimização em acrescentando uma componente estratégica tanto no que diz respeito a realização da racionalidade utilitarista quanto no que diz respeito ao se uso. Quanto ao último aspecto recorre ao conceito de March & Simon sobre a ‘racionalidade limitada’. Mais ainda, o teorema de custos de transação que visa monetizar os riscos emanando dos ambientes sociais e institucionais que enquadram as transações económicas e sociais visa a completar a logica racional do cálculo do capital, algo que para Weber representa a marca cultural, a racionalidade axiológica, da economia capitalista. Ai a racionalidade apanha um significado onde não há espaço para considerações morais e que exclui formas democráticas e consensuais de escolha racional, algo que Habermas, como vamos discutir ainda, chamou a racionalidade 60
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Neste âmbito importa evocar o renascimento de uma sociologia económica ligada com sociólogos como Richard Swedberg, ou Mark Granovetter que descartou também a abordagem de economia política de Marx em favor da abordagem de economia social de Weber.117 Influenciou bambem a acima já mencionada teoria dos três mundos de Karl Popper distinguindo entre o mundo dos objetos e artefactos materiais, o mundo das construções espirituais como as instituições socias, e entre o mundo dos estados e das sensações subjetivos.118 O estudo de cada um destes mundos requerer métodos de estudo diferentes. Finalmente influenciou também a distinção de Habermas sobre a razão instrumental e comunicativa que tem a sua raiz na distinção entre trabalho e interação criando os fundamentos da sua comunicativa, uma racionalidade que, não somente, está obrigando fazer uma avaliação ética-moral dos meios, mas antes de tudo dos fins das escolhas, tendo em conta as suas eventuais resultados e efeitos sobre o bem-estar coletivo. Foi o John Rawls que debruçou sobre estas questões na sua teoria de justiça que se quer como alternativa ao modelo de distribuição justo de Pareto e de uma distribuição Pareto-ótima que tem a desvantagem, entre outros, de permitir antecipar os efeitos de longo duração dos seus modelos justos de distribuição e que cimenta a estrutura de estratificacao social ao longo do conflito entre capital e trabalho. 117 Richard Swedberg (1998) Max Weber and the idea of economic sociology, Princeton University Press, New Jersey. O sociólogo alemã Jens Beckert nota, acerca deste renascimento da sociologia económica que, além do seu desinteresse na economia política de Marx, a sua articulação com Weber fica, pelo mínimo, duvidosa. Nota que o “Handbook of Economic Sociology”, de 2005, editado por Smelser & Swedberg, não incluiu “not a single entry for “price.” In many studies on markets coming out of economic sociology, prices are not mentioned at all.” Uma omissão enorme considerando que, e em oposição a teoria económica da sua época, Weber insistiu de os preços não se fazem no mercado, mas que “prices are the product of conflicts of interest and of compromises; they thus result from power constellations” Jens Beckert (2011) Where Do Prices Come From? Sociological approaches to price formation, MPIfG discussion paper, No. 11/3, p. 3. Ainda mais considerando que o Mercado é um Mercado de preços, um facto que explica porque o mercado é condicionado para satisfazer unicamente as ‘necessidades solváveis’ (kaufkräftiges Begehr), como notou Marx. Marx, in Wolfgang Schluchter (1975) Aspekte bürokratischer Herrschaft, Suhrkamp, Frankfurt/Main, p. 70 Beckert oferece também uma avaliação crítica do neo-institucionalismo económico. Parte da observação que “The new economic approaches developed as criticism of equilibrium theory with respect to its assumptions about market structures and the supply of information of market participants. They show that, often, under realistic premises, either no unequivocal equilibria exist or that stable equilibria with inefficient resource allocation develop. This results in market failure. But market failure calls into question the central link of economic theory between rational individual action, unlimited markets, and optimal distribution of economic goods; the claim of the superiority of rational individual action cannot be generally maintained under the more realistic assumptions. The close connection between self-interested action and economic efficiency becomes precarious.” Jens Beckert (2002) Beyond the market: the social foundations of economic efficiency, Princeton University Press, p. 2 118 Karl Popper (1978) ibid. 61
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] crítica sobre os conceitos de racionalidade de Marx e de Weber e que utilizou o modelo de Popper como axioma de base.119 Kant tinha insistida que a partir do momento o nosso pensamento torna em volta sobre a vida social, os sus valores, leis e praticas, a nossa reflexão torna-se, antes de tudo, numa autorreflexão, e entra num diálogo com si próprio. Defendeu que a organização da sociedade e das relações sociais é um indicador sobre o desenvolvimento da razão e da liberação das suas capacidades. O filósofo tem, portanto, adotando uma posição crítica face a sociedade e a sua ordem social e vai medindo o progresso social com base no progresso da razão individual e coletiva que, por sua vez, é refletido na articulação entre a ordem social e os máximas éticas morais oriundos da razão pratica e da sua teoria social e moral.120 A justiça social não depende só de mecanismos distributivos, mas precisa ter um fundamento microsociológico, um fundamento que, para Kant, se resume nas premissas e máximas do imperativo categórico.121 Esta ideia inspirou Hegel que, inspirada das receções críticas de Fichte e Schelling, fundou a sua filosofia em sua volta focalizando sobre a relação dialéctica entre a consciência e como está desdobrando-se no curso da história. 122 Eliminou as duas separações 119 Jürgen Habermas (1984) The theory of communicative action, vol.1, Reason and the rationalization of society, Beacon press, Boston, pp. 76ff. 120 Immanuel Kant (1783) Resposta a pergunta: o que é o esclarecimento, Traduzido por Luiz Paulo Rouanet. Max Horkheimer, num artigo sobre Schopenhauer, forneceu uma caracterização bastante precisa da teoria de conhecimento de Kant e sobre a relação entre causalidade e liberdade, as funções diferentes do intelecto e da razão. Max Horkheimer: Die Aktualität Schopenhauers, in Horkheimer (1986) Zur Kritik dr instrumentellen Vernunft, Fischer, Frankfurt/Main, p, 254f. 121 Tanto na metafisica dos costumes quanto na critica da razão pura, Kant enfatiza a existência de dois tipos de imperativos: um chamado imperativo hipotético ou técnico como caracterizou na metafisica, que refere a capacidade racional, isto é, a capacidade de criar uma articulação logica entre dados fins e os meios e estratégicas escolhidos para alcançar estes fins implicando avaliações económicas em termos de eficácia e de eficiência. Através do imperativo hipotético Kant conseguiu incluir os elementos chaves da filosofia utilitarista, antecipando já sobre a racionalidade em finalidade de Weber. O imperativo categórico, pelo contrário, se posiciona acima dos hipotéticos uma vez que tem, como o seu ponto de referência a sociedade e a organização das relações sociais de forma justa e reciproca, diferente do horizonte egocêntrico do imperativo hipotético que aborda o outro como um meio para um fim, e não como fim, segundo as máximas do imperativo categórico humano. 122 Georg Friedrich Hegel (2001) The Philosophy of History, Batoche Books, Kitchener. Pode concluir-se que, enquanto Kant abordou o processo de esclarecimento numa perspetiva ontogenética do desenvolvimento da personalidade, Hegel colocou-o numa perspetiva filogenética do desenvolvimento da humanidade. Jürgen Habermas, recorrendo a teoria de Kohlberg sobre os estádios do desenvolvimento da consciência moral no individuo e a teoria materialista de mudança social de Marx, organizou a sua ‘reconstrução do materialismo histórico’ de 1976 e, mais tarde na sua reformulação da teoria de racionalidade teoria que realizou com referencia explicita á teoria do ‘ato de falar’, e que resultou na formulação de uma ‘teoria de agir comunicativo’ de 1981, em volta da relação dialéctica entre a filo- e a ontogénese. Habermas (1983) Ibid. Incluimos um breve discussão desta teoria no 5º capítulo deste ensaio. 62
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] características para a filosofia de Kant: a separação entre o sujeito e o objeto e, por conseguinte, entre a razão pura e a razão pratica. Por um lado tanto na sua relação com a sociedade quanto na sua relação com a natureza a razão, que Hegel agora chamou o Espirito, sempre encontra um reflexo de si próprio. O sujeito e o objeto do conhecimento representam as duas faces de uma mesma medalha.123 A relação com a natureza e mediada através do trabalho e a sua organização que, por sua, indica o estádio ético moral que caracteriza a sociedade, algo que Hegel captou no seu estudo sobre a relação entre a família, a sociedade civil e o Estado representando três níveis e três modi diferentes de integração social.124 Defende que a realidade social é a forma como apercebemos ela é. No meu ver, a ideia que o mundo é aquele que é percebido representa também um ponto de partida para a filosofia fenomenológica de Husserl. O levou para rejeitar a ideia de uma realidade dupla em avançando que o ponto da partida do conhecimento é o facto que o mundo iria manifestar-se na sua forma fenomenal, ergo não há necessidade de ficar com esta ideia Platónica da diferença entre o fenómeno e o seu númen, representando uma outro realidade detrás da realidade que o nosso aparelho de conhecimento chega de captar.125 Todavia, seria necessário de refinar este nosso aparelho de conhecimento e de criar métodos mais adequadas para captar o sentido dos fenómenos. Assim, se dedicou, numa primeira fase, de formular os princípios de uma teoria de conhecimento fenomenológica ‘científica’ e de desenvolver um método de aperceção capaz de reduzir a influencia das ideias e dos seus quadros conceptuais no ato de conhecimento, algo que Husserl caracterizou como a ‘redução eidética’, isto é, um procedimento de conhecimento que tenta eliminar o impacto das ideias sobre o processo da experiencia e, desta forma, permitir captar o fenómeno nas suas qualidades verdadeiras. Husserl, como já foi notado no ‘excurso sobre filosofia fenomenológica’, numa segunda fase, virou o seu interesse para o 123 Georg Friedrich Hegel (2003) A fenomenologia do Espirito, Editora Vozes, Petrópolis 124 Georg Friedrich Hegel (1967) Linhas Fundamentais da filosofia do Direito, ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio, Editora Unisinos, São Leopoldo. Hegel viu o Estado como a forma mais alta “Sittlichhkeit” isto é, dos valores éticos-morais da sociedade que opõe á sociedade civil descrita como campo de conflitos entre interesses particulares, uma tese que encontrou um eco na teoria social de Durkheim. Pois, diferente da família o Estado, através da sua Constituição, de seu quadro legal instituindo a cidadania representa um modo de integração inclusivo que contrasta com a exclusividade ‘étnica’ ou comunitária’ de um quadro de regulação costumeiro; um aspecto que Weber acentuou na sua comparação entre ‘ordem jurídico, convenção e costume’, in Max Weber (2004a) ibid., pp. 215ff. Diferente de Hegel e de Durkheim, Marx viu o Estado como representante dos interesses da classe dominante. 125 Bowie (2003) ibid., p. 185 “Phenomenology begins with the undeniable everyday experiences of the world of things, noises, smells, etc., a world of immediate significances. These experiences were thought by Husserl and others to have been obscured by the mistaken idea that what we experience are only images of things. This would mean experience is of an intermediary between us and the things, rather than being an experience of the 'things themselves'. When we see a tree, though, Husserl insists, we do not see a tree image, or a packet of sense-data that we make into a tree, we see the tree itself. The task is to describe how this is the case.” Ibid., p. 185 63
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] estudo do processo da experiencia, estudar os a-priori da experiência e os seus fundamentos de conhecimento; uma linha de pesquisa que lhe levou para a formulação da teoria de mundo da vida.126 Apesar da familiaridade entre o conceito de mundo da vida de Husserl e o conceito da consciência coletiva empregado por Durkheim no estudo sobre a divisão de trabalho, a maior diferença é que na interpretação de Husserl, o conceito é despojado do seu significado macrossociológico em favor de um significado microsociológico caracterizando o impacto de ambiente sociocultural sobre o processo de socialização dos indivíduos, onde se constituem os preconceitos socias e culturais que o processo de conhecimento cientifico devia ultrapassar. Importa também acrescentar que esta descrição não esta a fugir muito da tese de Marx sobre a relação causal entre o estar (Sein) e consciência (Bewusstsein), uma causalidade que pode ser rompida através do processo da reflexão e de consciencialização sobre as condições reais deste estar, um aspecto que volta a ser discutido nos parágrafos mais adiante neste ensaio. De facto, estas observações já estão a fornecer pistas sobre a influência das ideias filosóficas sobre o pensamento sociológico, uma influência que se manifesta em graus e em direções diferentes dependente das perspetivas teóricas sociológicas. Os já mencionados sociólogos francesas Weil & Durand evocam três tradições de pensamento filosófico, a tradição francesa, alemã e inglesa. A francesa representa a filiação positivista de Saint Simon e Comte127; a alemã sendo a mais multidisciplinar e a mais complexa em termos de debates e correntes filosóficas, enquanto a inglesa seria mais próxima do utilitarismo económico e de uma concepção organicista da sociedade (Spencer).128 O pensamento filosófico de Spencer incorporou elementos da teoria de evolução biológica de Darwin caracterizada através da sua tese sobre o “survival of the fittest” e da filosofia utilitarista inglesa. A tese de Darwin sobre a luta para a sobrevivência direcionou- se para o mundo natural e caracterizou a lei que iria organizar apenas o mundo 126 Edmund Husserl (2012) A crise das Ciências Europeias e a fenomenológica transcendental: Uma Introdução à Filosofia Fenomenológica, Forense Universitária, RdJ. “O grande objetivo de Husserl com a criação da fenomenologia era o de encontrar um fundamento absolutamente evidente que pudesse servir de enunciado das ciências positivas” https://psicologado.com.br/abordagens/humanismo/husserl-e-a-reducao-fenomenologica- como-e-o-mundo. Notou que “The question for Husserl is no longer merely how to return to the world of \"things themselves,\" but rather the very nature of such a world experienced prior to (and as the basis of) any abstract con? ceptualization. He explicitly formulates his program as an ontology of this life world and adds to his array of methods the necessity of uncovering the very tradition within which transcendental questions themselves are addressed to a given conception of the world.” Earl Taylor (1978) Lebenswelt and Lebensformen: Husserl and Wittgenstein on the Goal and Method of Philosophy, Human Studies 1, p. 187 127 Ambos advogando em resolver o problema de dominação através da criação de uma sociedade igualitária gerida pela elite tecnocrata. 128 Weil & Durand (1997) ibid., p. 19ff. 64
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] inconsciente da natureza orientada pelo instinto, enquanto o mundo consciente, como defendeu o pensamento de esclarecimento de Immanuel Kant até Sigmund Freud, se caracterizaria pela liberdade vis-à-vis ao instinto, a capacidade de controla-o, capacitando a humanidade de se dar o seu próprio lei com base na razão e não com base no instinto. Na sua adaptação utilitarista de Darwin, filósofos utilitaristas, que substituíram a luta sobre a sobrevivência com a luta para a felicidade, esta luta iria resultar num conflito entre ‘o homem e o Estado’ acusado de entrevir nesta luta para felicidade. “For Spencer as for Mill, liberty was sacrosanct, insuring that his utilitarianism was equally a bona fide form of liberalism. For both, respect for liberty also just happened to work out for the utilitarian best all things considered. Indefeasible liberty, properly formulated, and utility were therefore fully compossible.”129 A filosofia social do utilitarismo consiste em reclamar que a ordem social seria resultado colateral da agregação de ações individuais egoístas. Esta ideia encontra-se também na teoria das ‘vantagens comparativas’ de David Ricardo. Defende que a melhor estratégia para aumentar a riqueza nacional é de concentrar o emprego dos fatores de produção no sector que oferece a maior vantagem comparativa e iria estimular o comércio internacional. A título de ilustração Ricardo deu o exemplo das trocas comerciais entre a Inglaterra (têxtis) e o Portugal (vinho). No entanto, pode levar custos em termos de criar uma economia bastante pouca diversificada. Acerca da questão do relacionamento entre filosofia de esclarecimento e teoria sociológica clássica defende-se aqui que está a continuar transpirando no pensamento de Marx e diferente de Durkheim que efetuou uma revisão reformista onde a sociologia parece mais como ciência de engenharia social. O objetivo de tornar a sociologia num instrumento de 129 https://plato.stanford.edu/entries/spencer/. 65
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] engenharia social transpirou também na sociologia de Parsons 130 e, mais tarde de Luhmann131. Contrasta com a visão mais niilista de Weber, e influenciada pela filosofia e vida de Simmel. Como vamos discutir, sobre a possibilidade de mudar o curso do desenvolvimento social e onde as irracionalidades encrustadas no processo de 130 Ambos representam respostas as ideias filosóficas influenciadas por mitologias religiosas sobre a natureza destrutiva de homem, uma ideia que transpira na famosa tese de Thomas Hobbes sobre o ‘Homo homini lupus’, de homem vitima de impulsos destrutivos que somente um Leviatão iria conseguir por controlar; uma ideia que, de uma certa forma, fez a sua reaparição ainda na filosofia política de Hegel e na sua caracterização da relação entre o Estado e a sociedade civil. A tese de Hobbes ainda jogou um papel importante no processo da institucionalização da sociologia como disciplina académico particular. Trata-se da interpretação da problemática de ordem e de desordem, desta vez por via de uma construção sociológica funcionalista, o ‘individualismo institucionalizado’. Representa uma figura teórica que Parsons desenvolveu com recurso a teoria da religião e do sagrado de Durkheim, a teoria politica e de legitimação de Weber e a teoria de personalidade e de superego de Freud que iria explicar a possibilidade de ordem social em sociedades individualistas sem recorrer a figura do Leviatão. Talcott Parsons: Chapter III. Some Phases of the Historical Development of Individualistic Positivism in the Theory of Action, Parsons (1966) ibid. A construção funcionalista que Parsons herdou de Durkheim defende também a ideia que a ordem social significa a regulação de conflitos sociais conforme com os ‘impedimentos práticos funcionais’ do sistema social, onde o surgimento de conflitos iria apontar para a existência de relações disfuncionais entre níveis ou segmentos sociais. Esta interpretação de conflitos suscitou interpretações funcionais diferentes mais alinhadas com a teoria de Simmel sobre o conflito e o seu papel em fortalecer a identificação com o grupo, teses conformadas para a psicologia social. Georg Simmel: A natureza sociológica do conflito, in Evaristo de Morais Filho (org. 1983) Georg Simmel: Sociologia, Livraria técnica, São Paulo. Um maior representante da teoria de conflitos, influenciado por Simmel foi Lewis Coser (1964) The functions of social conflict, The Free Press, NY. 131 Jürgen Habermas & Niklas Luhmann (1974) Theorie der Gesellschaft oder Sozialtechnologie, Suhrkamp, Frankfurt/Main. Adorno & Horkheimer identificaram a transformação das ciências sociais em instrumentos de engenharia social como um caso que revela a transformação da ideia de esclarecimento no seu contrário. Acusam os “expurgadores positivistas” de ter mudado “o sentido da ciência. O que os fascistas ferrenhos elogiam hipocritamente e os dóceis especialistas da humanidade ingenuamente levam a cabo: a infatigável autodestruição do esclarecimento força o pensamento a recusar o último vestígio de inocência em face dos costumes e das tendências do espírito da época”. Teria recebido a sua descrição mais clara na “filosofia impiedosa de Nietzsche“, ou podia-se acrescentar, nas visões sombras de Weber. “O positivismo (…) eliminou a última instância intermediária entre a ação individual e a norma social.” Esta eliminação tem por resultado a ‘anulação completa’ do individuo “em face dos poderes econômicos (…) porque a própria razão se tornou um mero adminículo da aparelhagem econômica que a tudo engloba (…) e cujos resultados para os homens escapam a todo cálculo.” Adorno & Horkheimer (1985) Dialéctica do esclarecimento, Zahar Edições, RdJ., p. 10, p. 35, e p 12. Infelizmente, e como vamos discutir ainda no último capitulo, as reformas recentes de Bologna têm bastante contribuído em empurrar a sociologia mais na direção de uma engenharia social focando sobre problemas sectoriais e sem vontade ou capacidade de enquadramento destes estudos sectoriais num conceito de totalidade, ou seja, numa teoria da sociedade. A volta para a teoria clássica já vala a pena unicamente para lembrar que a sociologia nasceu como vocação de formular teorias de sociedade e não teorias de engenharia social. 66
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] racionalização ocidental e, a partir dai, universal só pode ser interrompido por outros factos irracionais, a figura carismática.132 A tese da irracionalidade que, como Weber argumentou na Ética protestante, iria descrever o resultado final do processo de racionalização ocidental foi desenvolvida no âmbito da distinção entre racionalidade material e formal. Toma conta das análises filosóficas do seculo 19 que, como no caso de Hegel, tomaram consciência das forcas socialmente disruptivas da emergente economia capitalista criando novas formas de marginalização e de exclusão social que entraram em conflito com os ideias revolucionárias da sociedade burguesa. Enquanto a última refere diretamente ao princípio da economia que iria caracterizar a relação racional entre meios e fins, a racionalização ocidental mudou também a definição cultural da racionalidade material, isto é, o sistema de valores sobre qual a última está a se fundar. Através da impulsão dos valores da economia capitalista defendeu Weber, a transformação deste sistema de valores consistia em impor o sistema de valores utilitaristas como fundamento de base que, a partir de agora, caracteriza a racionalidade material da sociedade ocidental capitalista. O termo de desencantamento não refere, portanto, a desaparição da superstição religiosa ou mágica, mas a substituição de máximas éticas-morais em máximas utilitaristas de lucro; a substituição de uma logica cooperativa numa logica competitiva. A irracionalidade da cultura ocidental, algo que Simmel caracterizou como a tragedia, tem a sua origem na reinterpretação da racionalidade material e a sua submissão aos interesses da classe capitalista. A comparação das teses de Weber com estas sobre a solidariedade orgânica de Durkheim revela que o primeiro, diferente do segundo, tentou dar uma descrição do significado cultural deste novo tipo de funcionalidade. Uma descrição que encontra a sua expressão nas teses finais da Ética protestante. Onde Durkheim identificou a falha de regulação como fonte principal da anomia, Weber fez uma ligação directa entre esta mesma regulação e a sua organização por via da administração e o risco de anomia. Weber, diferente de Weber tentou associar o facto de anomia com a experiencia de vida focalizando sobre o seu significado cultural. Weber não duvidou a funcionalidade de uma sociedade regida pelos princípios do cálculo do capital e do seu emprego eficaz e eficiente. Mas foi suficiente lucido de ver que um mundo deste iria requerer seres humanos despojados de criatividade, de identidade, de autonomia e de liberdade, ‘estes nadas’ criados para funcionar num mundo que já não tem o poder e controlar. A tese sobre a irracionalidade que caracterizaria o processo de racionalização ocidental, como acabmos a notar, foi influenciada por Simmel onde toma forma da relação conflitual entre a cultura subjectiva e objectiva. Portanto, para a defesa desta tese vale a pena resumir as interpretações de Simmel sobre este aspecto com ajuda de um dos seus intérpretes mais 132 Max Weber: A dominação carismática e a sua transformação, in Weber (1999) Economia e Sociedade, vol. 2, Editora UnB, Brasila. 67
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] instruído, o sociólogo inglês David Frisby que foi um dos meus professores na universidade de Heidelberg. Frisby nota que para Simmel parte de uma problemática Durkheimiana mas aplicando uma perspectiva influenciada pela filosofia de vida, uma posição epistemológica oposta ao positivismo funcionalista do primeiro. 133 Defende, portanto que a “Sociology must seek to solve ‘the equation which structures like the metropolis set up between the individual and the superindividual contents of life’ and inquire ‘how the personality accomodates itself in the adjustments of external forces’. This is predicated upon the assumption that ‘the person resists being levelled down and worn out by a social-technological mechanism’ such as the metropolis. But this ‘social-technological mechanism ’ is one that we have created but which, as a reified objective culture, stands over against our subjective culture as something alien.”134 Esta interpretação que toma conta do caracter resistente da cultura subjectiva permite dar um outro olhar sobre os diferentes tipos de anomia discutido por Durkheim acerca do suicídio. Acerca disso Frisby notou que para Simmel “the result of this very levelling, namely the attempt to accentuate individuality and subjectivity. As com pensation for this levelling process we find the ‘exaggerated subjectivism of the period’ to which Simmel so often refers. This extreme subjectivism as a response to the extrem e objectification of culture reaches its apogee in the metropolis (…) the seat of the money economy. Indeed ‘the money economy dominates the metropolis’. The extension of the m oney economy and the domination of the intellect ultimately coincide. The pure objectivity of the treatment of people and things leads to an indifference as to what is distinctive since money transactions are concerned only with exchange values.”135 Enquanto Simmel optou de enquadrar os estudos sobre este conflito anómico entre cultura subjectiva e objectiva numa abordagem de sociologia urbana, Weber escolheu um caminhou diferente. Para desenvolver a sua argumentação Weber seguiu o caminho de 133 Acerca da relação entre filosofia de vida constituindo uma grupo de pensadores na época pré-datando a primeira guerra mundial e composto de uma grande variedade de filósofos e artistas sobre o a sua influencia sobre a forma como Simmel interpretou a ‘tragedia da cultura’ ocidental que tomou forma através da oposição entre culturas subjectiva e objectiva, Donald Levine, outro interpreta influente de Simmel nos EU, notou que “In his last years, under the influence of Bergson, but with renewed interest in Goethe, Hegel, Schopenhauer, and Nietzsche as well, he was chiefly concerned with developing a philosophy of life. Through the vicissitudes of these periods, however, there is a continuous effort to deepen and expand an interpretation of the basic nature of cultural forms, social forms, and forms of individuality.” Donald Levine (1971) Georg Simmel on individuality and social forms, Introduction, university of Chicago Press, Chicago, p. xiv 134 David Frisby (1988) Fragments of Modernity: Theories of Modernity in the Work of Simmel, Kracauer and Benjamin, Routledge, London, p. 79 135 “The subjective objectivity or ‘dissociation’ in dealings w ith other hum an beings in the urban context ‘without which this mode of life could not at all be led’, is in fact ‘only one of its elementary forms of socialisation’. Like the developed money economy, it has a positive side, ‘namely, it secures for the individual a kind and measure of personal freedom for which there exists no analogy under other circumstances’.” Frisby (1988) ibid., p. 80. A notar que as formas de afirmação da subjetividade evoluíram ao longo do desenvolvimento da economia capitalista utilizando o meio de consumo (Por exemplo: Jean Baudrillard (1970) La société de consommation, Denoël, Paris. Wolfgang Fritz Haug (1996) Critica da estética da mercadoria, UNESP, São Paulo) ou a encenação de gostos (Pierre Bourdieu (1979) La distinction: critique social du jugement, Les Éditions du Minuit, Paris), e no mesmo tempo, que estão servindo,em comunicar a sua apartencia numa classe e categoria social. 68
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Marx e concentrou sobre a análise da economia política do capitalismo a organização do trabalho e a divisão que criou entre trabalho manual e intelectual Um mundo onde representam ‘recursos humanos’ cujo emprego e cujo destino vão ser controlados pelos princípios abstratos de cálculo de capital que representa o ultimo valor cultural. Somente os mestres, as classes privilegiadas podem ainda aspirar de escapar deste mundo desencantado por que neste nível, como mostrou Thorstein Veblen através do conceito antropológico de consumo conspícuo, a logica de capital se vaporiza no gasto e na encenação da distinção social.136 Esta a ideia atras do conceito de hipóteses de vida e da sua distribuição desigual. Trata-se de um processo que Weber abordou em olhando para as características de administração, isto é, daquela instância de coordenação com carga de orientar o trabalho manual conforme com as necessidades de cálculo de capital. Neste âmbito, importa lembrar que, para Weber, a burocratização e a expansão ilimitada da burocracia resultaria em reproduzir as características irracionais típicas para a atitude tradicional; isto é, a vontade de obediência cega as regras instituídas, e o recuso de questionamento destas regras que representa o recuso de pensar do seu próprio chefe, característica, segundo Kant, do homem esclarecido. Weber imaginou duas saídas deste novo irracionalismo burocrático: a primeira seria criada pela forca interruptora do homem carismático cujas características pessoais de um profeta se transformam em contra-autoridade contra o senso comum, incluindo contra as regras e rutinas burocráticas. Weber definiu que o atributo de carisma “will be applied to a certain quality of an individual personality by virtue of which he is considered extraordinary and treated as endowed with supernatural. superhuman, or at least specifically exceptional powers or qualities. These are such as are not accessible to the ordinary person, but are regarded as of divine origin or as exemplary, and on the basis of them the individual concerned is treated as a \"leader.\" In primitive circumstances this peculiar kind of quality is thought of as resting on magical powers, whether of prophets, persons with a reputation for therapeutic or legal wisdom, leaders in the hunt, or heroes in war. 137 O homem carismático representa uma renovação de sistemas de valores políticos morais e tenta reformar as rutinas e práticas burocráticas da administração em vez de acabar com esta. 136 Thorstein Veblen (2007) The Theory of the Leisure Class, Oxford University Press, Oxford. Foi publicado em 1899. 137 Max Weber (1978) Economy and Society: an outline of interpretive sociology, University of California Press, Berkeley, p. 241. Weber salientou que “What is alone important 'is how the individual is actually regarded by those subject to charismatic authority, by his \"followers\" or \"disciples.” Notou que, nos casos onde o charisma nao ser verdadeiro, “It is recognition on the part of those subject to authority which is decisive for the validity of charisma. This recognition is freely given and guaranteed by what is held to be a proof, originally always a miracle, and consists in devotion to the corresponding revelation, hero worship, or absolute trust in the leader.” Ibid., p. 241. Portanto a autoridade do lider carsmatica se funda sobre a sua capacidade de criar esta aparencia atraves do uso de mídia de comunicação como meio de propaganda politica para criar esta imagem do líder como figura magica e super-humana. Assim, a transformação de figuras como Mussolini, Estaline ou Hitler em de líderes carismáticos não teria acontecido sem o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação social, com o radio e a indústria cinematográfica. 69
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Portanto, representa somente uma etapa no sistema de dominação e fica mais perto da tese de Pareto sobre a circulação dos elites, que deste de Marx sobre a abolição desta dominação por via da revolução proletária sob orientação da ‘avant garde’ do partido comunista. A renovação carismática, para Weber, não é uma saída verdadeira das rutinas: por um lado deixa intacto a administração como veículo de dominação social. Por outro lado cria um efeito periférico de mudança que começa de desaparecer gradualmente depois da desaparição do líder. A renovação das rutinas por via de poder carismático pode ser comparada com o tipo de dominação patrimonial na medida em que resulta também numa personalização do poder e das instituições de Estado e da sua lealdade não a Constituição mas a pessoa do líder. A forma moderna do regime pessoal carismático é, portanto, o regime ditatorial neo-patrimonial a la Corrêa de Norte ou, na sua versão religiosa, os regimes ditatórios dos países da península arábica. O vaticano ainda é o protótipo de um regime ditatorial carismático onde a burocracia eclesial deve ser leal a figura do líder, do Papa. Defende-se aqui que esta ideia do homem carismático transpira a influência de Nietzsche e da teoria de elite que inspirou. Para Nietzsche a ultima utilidade de uma ação seria a conquista do poder. Nesta luta, só os mais fortes iriem prevalecer. Mas iria criar um sentimento de ressentimento por parte dos fracos cuja arma principal seria de inventar a moral como veiculo para restringir os poderosos.138 Todavia, para Weber, as ruturas criadas pelo homem carismática ficam superficiais e representam uma interrupção apenas temporário das rutinas burocráticas introduzindo reformas que visam a fortalecer a sua autoridade sobre o aparelho tornando o seu funcionamento ainda mais autoritário, e ainda mais irracional. A outra saída que ressurgiu somente no fim da vida de Weber e que foi resultado da experiência da derrota da Alemanha imperial e militarista conduziu Weber a uma revisão da sua tipologia de racionalidade e resultou na introdução de um conceito mais Kantiano, a chamada ‘ética de responsabilidade’. 139 Através deste conceito Weber parece 138 No ensaio polemico de 1887 sobre a ‘genealogia de moral’ Nietzsche avança que “A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação. Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a um \"fora\", um \"outro\", um \"não-eu\" - e este Não é seu ato criador. Esta inversão do olhar que estabelece valores este necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto - sua ação é no fundo reação. O contrário sucede no modo de valoração nobre: ele age e cresce espontaneamente, busca seu oposto apenas para dizer Sim a si mesmo com ainda maior júbilo e gratidão - seu conceito negativo, o \"baixo\", \"comum\", \"ruim\", é apenas uma imagem de contraste, pálida e posterior, em relação ao conceito básico, positivo, inteiramente perpassado de vida e paixão, \"nós, os nobres, nós, os bons, os belos, os felizes!\" https://www.academia.edu/41791732/PARA_A_GENEALOGIA_DA_MORAL_U_M_A_P_O_L_Ê_M _I_C_A_1877_Friedrich_Nietzsche, p. 10 139 Max Weber: Politica como vocação, in Hans H. Gerth & Charles Wright Mills (1982) Max Weber: Ensaios de Sociologia, LTC, RdJ. Niilismo, na sua forma extrema, representa o sentimento de ressentimento, ou seja, como notou Peikoff num livro que esta oferecendo interpretacoes dubiosas sobre a epoca de Weimar, “the hatred of values and of their root, reason. Hatred is not the same as disapproval, contempt, or 70
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] defender uma a volta para um comportamento que não somente seria regido pelas máximas utilitaristas de competição económica, mas também por máximas éticas e a uma reflexão moral e não-utilitarista tanto no que diz respeito um exame sobre os motivos e razões detrás das escolhas, quanto sobre as consequenciais das mesmas. Representa uma sorte de síntese entre moral deontológica e consequencialista que, a nível individual, consiste em submeter escolhas, motivadas pela ‘racionalidade em valores’ (valores éticos), á uma avaliação sobre as suas eventuais consequências e, deste modo, sobre o seu valor ético. Weber não se debruçou sobre a questão do desenvolvimento de personalidades e o que seria necessário para criar esta autonomia de reflexão e de autorreflexão moral capaz de sair do sair do senso comum moral e deontológico que, como mais tarde Lawrence Kohlberg e colegas, dando continuação a filosofia moral de Kant, se esforçaram de desenvolver requer o desenvolvimento de uma moral pós-convencional. Esta última só podia desenvolver se em condições regidas pelas regras de discurso democrático que, como Habermas demonstrou, representa o princípio oposto à estrutura hierárquica da organização burocrático e o seu sistema de discurso autoritário sobre forma de comando e obediência. Vamos voltar discutir estes aspectos no âmbito de uma breve discussão sobre as experiencias de Milgram sobre a autoridade e a obediência e os seus perigos. Neste contexto, importa, portanto, salientar o âmbito limitado desta ética de responsabilidade uma vez que não conseguir remediar o resultado irracional do processo de racionalização. Acerca disso, se defende aqui que mesmo se Weber salientou que a racionalização ocidental simbolizada através da burocratização das relações sociais, não somente iria sobreviver o capitalismo de competição, mas se juntou a tese de Schumpeter que iria provocar a sua transformação num capitalismo corporativo e resultar em encaixar as sociedades capitalistas numa sorte de caixa de ferro burocrática. No caso de Marx, a influência da filosofia de esclarecimento e das mudanças politicas que provocou é ainda mais forte. Combina as revindicações racionalistas com a teoria de progresso histórico de Hegel, e análise crítica da economia politica e da teoria de divisão de trabalho de Smith. Durkheim, apesar de fazer parte desta tradição do esclarecimento, tentou harmonizar a tradição positivista de Saint Simon e de Comte e a ideia da ciência como motor de um progresso linear representado pela sociedade industrial nascente e dirigida de uma nova elite tecnocrata, com a perspetiva organicista e evolucionista de Spencer 140 . Importa notar que a influência positivista baixou na época das formas elementares da vida religiosa que, de uma certa forma, lhe obrigou de adicionar alguns anger. Hatred is loathing combined with fear, and with the desire to lash out at the hated object, to wound, to disfigure, to destroy it.” Leonard Peikoff (1982) The ominous parallels, Meridan Books, London, p. 214 140 A ideia de Saint Simon sobre uma sociedade industrial de trabalho universal inspirou o socialismo utópico e as suas expressões alando das ideais sobre comunidades de trabalho ‘os falanstérios’ de Charles Fourier até as comunidades socialistas de Robert Owen experimentado formas alternativas da divisão e de organização de trabalho. Eric J. Hobsbawm (1984) Worlds of Labor: further studies in the history of labor, Weidenfeld & Nicolson, London. 71
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] toques idealistas a imagem de Weber141. Todavia, na sua teoria de ordem que manteve durante toda a sua vida e cuja elaboração foi publicado deforma póstuma na edição das famosas lições de sociologia fica devedora da teoria de ordem de Hegel e da diferença que fez entre a sociedade civil e o Estado. Assim, fica possível de constatar que o conceito da ética, algo que Hegel caracterizou como ‘Sittlichkeit”, isto é, o conjunto de valores éticos- morais socialmente dominantes e aceitados como tendo uma validade ideal, encontrou o seu eco no conceito de ‘consciência coletiva’.142 De facto, o desfio maior da sociedade moderna nascente, consistia em desenvolver e criar instituições suscetível de assumir o papel de regulação e de integração na sociedade individualista moderna que pode figurar como um equivalente funcional a consciência coletiva enfraquecida e ameaçada pelo 141 Enquanto Durkheim, confrontado com as dificuldades sociais de regulação social que caracterizam as sociedades modernas industriais, rejeitou a ideia de progresso que dominou a filosofia positivista de Saint Simon e de Auguste Comte, que viu na sociedade industrial a realização da sociedade racional. Este novo tipo de sociedade ainda não tinha conseguido de criar um novo quadro institucional conforme com as necessidades de uma sociedade individualizada e dota-la com os requisitos necessárias para a socialização e a integração dos seus membros e ameaçadas pelo risco de anomia. Todavia, o otimismo temperado de Durkheim que este quadro podia surgir de uma serie de reformas legais e culturais contrastou bastante com a visão sombra e Nietzschiana de Weber sobre a nova sociedade. O processo de racionalização não teria aportado nem a liberação, nem emancipação humana, pelo contrário teria culminado na criação da burocracia racional, instrumento maior de dominação. A sua descrição da burocracia e dos burocratas fez uma zombaria da tese de Hegel sobre a burocracia como sendo ‘a classe universal’, e ecoou a crítica de Marx em comentando que “a autoridade burocrática assenta uma universalidade ilusória, que esconde realmente interesses de classe específicos”. Giddens (2005) ibid., p. 316 142 Importa notar que Hegel, com base na filosofia moral de Kant, faz distinção entre moral – referendo aos máximas éticos que os indivíduos usam para justificar as suas escolhas racionais, e entre a ‘moralidade, a ideia de ‘Sittlichkeit’ que rira representa os valores morais coletivos e representados através das normas e leis sociais. Georg Friedrich Hegel (2003) Elements of the Philosophy of Right, Cambridge. A teoria de moralidade de Hegel tem semelhanças com a teoria moral, de ordem e de integração social de Durkheim e pode ser interpretado como sendo o elo em falta entre as teorias morais de Kant e de Durkheim. Steven Lukes notou que, enquanto a problemática da ordem social predominou na filosofia política de Durkheim e de Hegel, Durkheim qualificou a teoria de Estado de Hegel como uma ‘solução mística’ onde os indivíduos são reduzido em meras instrumentos servindo para a sua gloria enquanto na realidade o Estado iria não somente reagir as exigências funcionais mas representar o veiculo para a emancipação do individuo. Lukes (1981) ibid., p. 270. Pode objetivar-se contra esta interpretação que Durkheim, na necessidade de desmarcar-se da filosofia idealista, usou o instrumento da interpretação errônea voluntaria devido o facto que Hegel viu o Estado como a realização da liberdade individual ameaçada pelos conflitos de interesses entre indivíduos como poderes iniquais. Para o Dudley Knowles “It is extremely difficult to locate the temper of Hegel’s Philosophy of Right along the liberal–authoritarian spectrum on the basis of internal evidence within the book. Authoritarian sentiments are expressed directly, but Hegel’s commitment to freedom as the greatest of values is articulated in ways that the philosophical liberal will endorse (and, indeed, cheer) and the detail of life in the rational state requires that specific liberal freedoms (freedom of conscience, freedom of the press, notably) be recognized.” Dudley Knowles (2004) Hegel and the Philosophy of Right, Routledge, London, p. 10 72
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] inevitável progresso da diferenciação social capaz de produzir um novo tipo de ordem social.143 Já houve algumas observações sobre a teoria de mudança social de Durkheim. Na versão apresentada no estudo sobre ‘a divisão de trabalho social’ de 1893 a mudança social é desencadeado por factores e forças estruturas, como a pressão demográfica e os seus efeitos sobre a organização social. Homens são descritos como actores sociais passivos que apenas estão reagindo a estas mudanças. Identificou como motor da mudança social das sociedades segmentarias para sociedades a solidariedade orgânica estrutural, o crescimento demográfico que, por sua vez é responsável para a divisão de trabalho social que, por sua vez, provoca a mudança das relações sociais e dos padrões de atitudes em curso de se individualizar. Enquanto tornou obsoleto o tecido institucional antigo, falhou ainda de se dotar de um novo quadro institucional capaz de regular e integrar os indivíduos ameaçadas pelas forças centrífugas, provocando reações anómicas. A anomia e o grau e a frequência de reações anómicas, isto são: a falta de regulação social que deixa grupos e indivíduos ma- integrado e desorientado, para Durkheim, representam um indicador para avaliar a coesão social e a estabilidade da ordem social. Defende que numa sociedade moderna individualista que teria conseguido de eliminar o crime, isto é, uma forma prominente de anomia “collective sentiments would have reached a degree of intensity unparalleled in history. Nothing is good indefinitely and without limits. The authority enjoyed by the moral consciousness must not be excessive, otherwise no one would dare attack it, and it would too easily become fixed in an immutable form. For it to evolve, individual originality must be allowed to express itself.”144 A diferença entre Durkheim e Marx é que o primeiro interpretou esta desordem como desarticulação entre desenvolvimento estrutural e institucional enquanto para Marx é resultado inevitável das contradições internas do sistema capitalista que tinha subsumido a sociedade toda a logica 143 O pensamento teórico de Durkheim assenta-se em pressupostos funcionais sobre as exigências ‘orgânicas’ institucionais de ordem social nas sociedades modernas em duas obras principais: em Durkheim (1998) De la division du travail social, Puf, Paris publicado em 1893, e em Durkheim (1983) Émile Durkheim: Lições de sociologia, a Moral, o Direito, e o Estado, Queroz, São Paolo, publicada, de forma pós-hum em 1922 144 Durkheim, in: Kenneth Thompson (ed. 1985) Readings from Emile Durkheim, London, p. 54. “For socialists, it is capitalist organization, despite its widespread nature, which constitutes a deviation from the normal state, produced by violence and artifice. For Spencer, on the other hand, it is our administrative centralization and the extension of governmental powers, which are the radical vices of our societies, in spite of the fact, that both progress regularly and universally throughout history. We do not believe that one is ever systematically obliged to decide on the normal or abnormal character of social facts according to their degree of generality. It is always with the help of the dialectic that such questions are settled.” Ibid., p. 55. Ainda para notar que para Durkheim, a função da punição do crime, consiste, em primeiro lugar, de reavivar os sentimentos morais coletivos. É semelhante da caracterização do filósofo utilitarista inglês Jeremy Bentham (1748-1832) que, desde já, defendeu que “a punição de um crime não termina no delituoso, mas em toda a sociedade, uma vez que a pena deve coibir futuras ações ilícitas.” https://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo. 73
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] da acumulação do capital. Esta perspetiva colocou, como já foi dito, o problema de anomia no centro das reflexões de Durkheim. O texto que apresenta elementos de um diálogo direto com Marx são as ‘lições sobre o socialismo’ publicadas em 1928. Na sua obra anterior sobre a divisão social da divisão de trabalho, Durkheim, como já foi notado recusou-se em empregar o conceito de capitalismo mesmo nos parágrafos consagradas ao estudo das formas anormais da divisão de trabalho onde, entre outros, fiz alusão ao conflito entre capital e trabalho.145 Nas ‘lições sobre o socialismo’ a questão do Estado ocupa um lugar central e criou a oportunidade de realçar a tese sobre o Estado e o seu papel unificador que associa a teoria política de Durkheim a esta de Hegel. Representa a peca chave de uma organização socialista da sociedade. Durkheim não somente faz uma distinção nítida entre socialismo e comunismo, mas esta associando o ultimo com as teorias microeconómicas de troca. “On sait, en effet, que, de tout temps, les économistes orthodoxes ont eux aussi professé que l'ordre social était spontané et que, par conséquent, l'action gouvernementale était normalement inutile. Eux aussi, ils veulent réduire le gouvernement au rôle de policier, avec l'espoir que ce rôle lui-même deviendra de plus en plus inutile (…) Or, dans l'un et l'autre système, les peuples n'ont pas d'autre but que leur bien-être temporel. »146 Durkheim tentou em destacar a sua teoria de conhecimento em procedendo para uma critica do pragmatismo Americano que caracterizou como manifesto de um ‘empirismo radical’.147 Esta caracterização pode parecer estranho tendo em conta que Durkheim, em direção de Henry James, critica que iria defender que a realidade é uma construção mental (“construction of thought”) reproduzindo, portanto, as teses da filosofia idealista. Neste conflito não resolvido entre duas teses incompatíveis, entre, por um lado, um epifenomenalismo’ e, por outro lado, um idealismo’ que explicam porque o pragmatismo “therefore lacks those basic characteristics which one has the right to expect of a philosophical doctrine.” 148 Durkheim questionou as motivações detrás da filosofia pragmática que, segundo ele, se resumem na tentativa de aplicar os princípios da filosofia utilitarista na definição da verdade. Durkheim fala de um ‘utilitarismo lógico’. “Its dominant trait is the need to 'soften the truth', to make it 'less rigid', as James says - to free it, in short, from the discipline of logical thought (…) Therefore, thought has as its aim not the reproduction of a datum, but the construction of a future reality. It follows that the value of ideas can no longer be assessed by reference to objects but must be determined by their degree of utility, their more or less 'advantageous' character.” A partir dai, passa discutir os paralelos entre a filosofia pragmática e a sociologia, estipulando que ambas ter em comum de ‘restaurar’ ao significado dos conceitos de ‘verdade e a ‘razão’ “their human interest (…) To 'soften' truth is to 145 Durkheim (1998) ibid., pp. 344-367 146 Durkheim (2002) ibid., p. 105 147 Émile Durkheim (1983a) Pragmatism & Sociology, Cambridge University Press, Cambridge, Second Lecture, p. 8. 148 Durkheim (1983a) Preface to the French edition of 1955, ibid., p. xxi 74
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] make it into something that can be analysed and explained”149. A diferença entre ambos, como Durkheim explica na 13ª lição sobre o pragmatismo, é que enquanto para o pragmatismo a verdade é algo subjetivo, esta explicação não é aceitável de um ponto de vista sociológico e a sua enfase sobre o caracter social dos indivíduos e as suas construções cognitivas. “Thus we see the advantage of the sociological over the pragmatist point of view. For the pragmatist philosophers, as we have already said several times, experience can take place on one level only. Reason is placed on the same plane as sensitivity; truth, on the same plane as sensations and instincts. But men have always recognised in truth something that in certain respects imposes itself on us, something that is independent of the facts of sensitivity and individual impulse. Such a universally held conception of truth must correspond to something real. It is one thing to cast doubt on the correspondence between symbols and reality; but it is quite another to reject the thing symbolised along with the symbol. This pressure that truth is seen as exercising on minds is itself a symbol that must be interpreted, even if we refuse to make of truth something absolute and extra-human.”150 A única instancia suscetível de representar este ‘algo extra- humano’, para Durkheim, é a sociedade. Esta qualidade da sociedade se manifesta na função dupla: ser fonte dos valores morais, mas também, como vamos discutir mais adiante, das categorias e conceitos que organizam o nosso pensamento logico. “We have seen that pragmatism, that logical utilitarianism, cannot offer an adequate explanation of the authority of truth, an authority which is easy to conceive of, however, if one sees a social aspect of truth. That is why truth is a norm for thought in the same way that the moral ideal is a norm for conduct.”151 Portanto, usou a sua discussão do pragmatismo Americana para sublinhar a validade das teses defendidas na sociologia da religião onde identifico o ‘coletivo humano’, isto é, a sociedade como fonte, não somente das representações sociais, mas também do pensamento logico.152 Durkheim até caracteriza as representações como sorte de construções ideias, como tipos ideias’, “type notions in which individuals share.”153 Excurso 5: Durkheim: o debate entre funcionalismo e o pragmátismo Americana Inspirado pela filosofia pragmática Americana de Charles Sanders Peirce, William James, e John Dewey formularam uma teoria pragmática de conhecimento e da verdade onde o critério de avaliação é a utilidade pratica deste conhecimento, um facto que localiza a filosofia pragmática no âmbito da filosofia utilitarista. Defende que “O método pragmatista é, antes de 149 “By applying the historical point of view to the order of things human, sociology is led to set itself the same problem. Man is a product of history and hence of becoming; there is nothing in him that is either given or defined in advance. History begins nowhere and it ends nowhere. Everything in man has been made by mankind in the course of time. Consequently, if truth is human, it too is a human product. Sociology applies the same conception to reason. All that constitutes reason, its principles and categories, has been made in the course of history.” Durkheim (1983ª) General criticism of pragmatism, Ibid., p. 67 150 Durkheim (1983a) General criticism of pragmatism, ibid., p. 68 151 Durkheim (1983a) Conclusions, ibid., p. 98 152 Émile Durkheim (1995) The elementary forms of religious Life, The Free Press, NY, Conclusions, pp. 433ff. 153 “The category is a concept of totality that can be suggested only by society.” Durkheim (1985) ibid., p. 442 75
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] tudo, um método de terminar discussões metafísicas que, de outro modo, seriam intermináveis. O mundo é um ou muitos? Livre ou fadado? Material ou espiritual? Essas noções podem ou não trazer bem para o mundo; e as disputas sobre elas são intermináveis. O método pragmático nesse caso é tentar interpretar cada noção identificando as suas respectivas consequências práticas (...) Se nenhuma diferença prática puder ser identificada, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e a disputa é inútil.” William James (1907) What pragmatism means, in Louis Menand (ed. 1997) Pragmatism: A reader, Vintage Books, NY. Tanja Bogusz que salienta a influência crescente da filosofia pragmática no seculo 21 nota que a filosofia pragmática seria construída em volta de três questões fundamentais: 1) The meaning of experience for the constitution of social reality, 2) The centrality of action and practice to gaining knowledge and, finally, 3) The search for a method to gauge the relationship between empirical facts and individual and collective consciousness.” A filosofia pragmática Americana parte do pressuposto antropológico que a diferença fundamental entre seres humanos e animais é que nos primeiros o papel orientador do instinto é reduzido. “As a result, they meet crisis situations with neither a universally given nor internalized spectrum of action, but rather must experiment. (…) Theories become thus instruments, not answers to enigmas, in which we can rest.” Este pressuposto deu luz a tese sobre a ‘pratica’ a praxis’ figurar como o último critério sobre a validade da teoria e daquilo que defende como verdade, uma tese contestada por Durkheim que objetou que contra a ideia da separação entre teoria e pratica uma vez que a ultima e as experiencias sobre qual está basear-se não escapam da influência de normas sociais mas estão submetidas ao impacto das construções culturais e do senso comum que traduz as ideias e praticas do mundo da vida e sancionadas como sendo normal. Neste debate sobre o papel da prática, a ‘praxis’ houve também a intervenção de Bourdieu através da sua teoria da prática. Tanja Bogusz (2012) Experiencing Practical Knowledge, European Journal of Pragmatism and American Philosophy [Online], IV – 1, p. 4-5. É com base do mesmo argumento que Durkheim refutou o conceito pragmático de verdade. Argumenta que a verdade iria ultrapassar o horizonte da experiencia individual e devia ser associada as representações coletivas. Resulta numa concepção culturalista de verdade onde a verdade mística e e a verdade científica representam duas expressões diferentes de representações coletivas a diferença sendo, todavia, que a ultima iria basear-se sobre uma experiencia constituída através do uso de métodos de investigação racionais. “These scientific truths, or scientific représentations, are subjected to stringent verification and methodological control, and while they express these truths through inadequate symbols and in an approximated way, they are more perfect and more reliable than other représentations collectives.Despite the fact that they are of a fundamentally different nature (expressing reality as it is and not the reality of society), scientific représentations operate in the same way and are just as instrumental to society as other représentations collectives. Scientific truths deal with the same subject matter as mythological truths (nature, man, society), and like other représentations collectives they serve to reinforce and unify the collective conscience around one idea.” Fonte: https://www.iep.utm.edu/Durkheim. Durkheim defendeu a sua versão de uma sociologia funcionalista como melhor forma de explicar as revindicações levadas pela filosofia pragmática. Gérard Deledalle (2002) French Sociology and American Pragmatism: The Sociology of Durkheim and the Pragmatism of John Dewey. Transactions of the Charles S. Peirce Society, Vol. 38, No. 1/2, Essays in Honor of Richard S. Robin, JSTOR. Importa notar a vizinhança entre a teoria pratica defendida na filosofia pragmática na versão de Mead, e a ‘teoria da prática’ de Bourdieu. Mitchel vai até caracterizar as teorias da prática de Bourdieu e de Mead como ‘almas gêmeas’. Mitchell Aboulafia: A (neo) American in Paris: 76
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Bourdieu, Mead, and Pragmatism, in Richard Shusterman (ed. 2000) Bourdieu: a critical reader, Blackwell, Oxford, p. 153 Sobre a questão das influências filosóficas sobre o pensamento de Weber, é conveniente de colocar a teoria Marxista sobre o capitalismo. De Marx tirou a ideia de tratar o capitalismo como sistema político de dominação para fins de exploração do trabalho do outro e não, como sistema racional de troca de bens e serviços que resulta da agregação de escolhas racionais individuais. Mas importa também evocar a crítica niilista de Nietzsche sobre a filosofia moral de Kant (um autor não incluído na lista de leituras)154 que contraste 154 Nietzsche faz parte do universo da filosofia utilitarista e representa a filiação niilista e irracionalista do utilitarismo. Adotou uma postura de anti esclarecimento rigorosa, rejeitando, acima de tudo, a teoria moral de Kant. Criticou do processo de civilização e os seus valores que acusou de hipocrisia cuja razão de ser consistia em provocar a efeminação do homem e de defender a mediocridade. A civilização e o seu código moral, para Nietzsche, seriam nada mais que uma astucia dos fracos contra os fortes que tem a sua raiz na religião crista. Enquanto numa primeira fase defendeu os princípios hedonistas da filosofia utilitarista, mudou para uma filosofia em volta do ‘sobre-humano’ movido pela ‘vontade de poder’ que o opõe ao homem manada. A vontade para poder fica contrariada pela existência de valores civis, como esta da empatia que considera como a marca desta efeminação do poderoso. Neste sentido reinterpretou a já evocada relação dialéctica entre amo e servo de Hegel. Argumentou, contra Hegel, que o servo, tanto como amo são movidos pela vontade de poder e não aspiram a reconciliação atraves da mudança dos seus estatutos. Hans-Georg Gadamer (1999) Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. UTB, Tübingen, p. 366. A caracterização simpática de Nietzsche por parte de Gadamer que caracterizou o niilismo de Nietzsche como um ‘extremismo desesperado’. Ibid., p. 130, anotação 229, contrasta com a descrição mais nítida de Andrew Bowie (2003) Introduction to German philosophy: from Kant to Habermas, Polity Press, Cambridge. Bowie nota que “Nietzsche contends that modern moral life is a result of the 'slave revolt in morality. This revolt derives from the resentment of the weak against the strong, and is therefore merely 'reactive', in contrast to the 'active' naming of values by the aristocratic originators of values.” Uma caracterização que levou-lhe para formular conclusões como a seguinte: “that a 'good and healthy aristocracy' will 'accept with a good conscience the sacrifice of a host [Unzahl] of people who will have to be repressed and diminished to incomplete people, to slaves, to tools for its sake' . Ibid., p. 149. Nesta vontade de poder a moral só pode ter um significado negativo. A moral de escravos iria manifestar-se agora sob forma de criar um sentimento de culpabilidade no sobre-homem, motivado para enfraquecer a sua vontade de poder. Ibid., p. 150. A influência de Nietzsche sobre o pensamento de Weber enfraqueceu em particular graças a experiência da 1ª guerra mundial e das suas consequências e foi mais acentuada durante os anos pré-guerra, onde Weber se comportou como um nacionalista ardente a imagem da maioria da classe burguesa alta e descrita por Heinrich Mann na novela sobre o Sujeito (Untertan). Fritz Ringer (2004) Max Weber: an intellectual Biography, The University of Chicago Press, p. 52ff. Não é difícil de constatar algumas semelhanças entre o conceito do ‘sobre-humano’ e do ‘poder carismático de Weber. Foi também não por acaso que os Nazis fizeram uso desta figura na construção do culto de líder, que usou o seu controlo sobre o novo de mídia de comunicação de fabricar a personalidade carismática, uma figura quase-sagrada, que fica acima das leis e das avaliações morais e que tem todo direito de exigir a obediência completa. Uma obediência cuja forma racional foi cultivada através, e no seio, das organizações burocráticas, como revelaram, muitos anos depois Nietzsche, as experienciares de Stanley Milgram sobre a ‘obediência e a autoridade’ e que foram inspiradas pelas reportagens de Hannah Arendt sobe o processo de ‘Eichmann em Jerusalém’. Stanley Milgram (1974) Obedience to Authority: an experimental view, Tavistock, London. Sobre os estudos de Milgram vide também na anotação mais adiante. 77
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] com a outra fonte de inspiração, a filosofia neo-Kantiana de conhecimento, em particular Heinrich Rickert, Wilhelm Dilthey que representaram a escola de sul-ouest, enquanto Hermann Cohen e Ernst Cassirer esta de Marburg.155 Foram os primeiros que defendiam a tese sobre a particularidade distinta das ciências sociais vis-à-vis das ciências naturais empregando métodos de estudo ideográficas de compreensão em vez de métodos contabilistas de medição dos factos. Acerca deste aspecto o jovem Parsons notou que “The empirical subject matter with which this study is concerned is that of human action in society. A few of the main characteristics peculiar to this subject matter which raise methodological problems may be noted. It is a fact, however it may be interpreted, that men assign subjective motives to their actions. If asked why they do a given thing, they will reply with a reference to a \"motive.\" It is a fact that they manifest the subjective feelings, ideas, motives, associated with their actions by means of linguistic symbols as well as in other ways. It is, finally, a fact that both in action and in science when certain classes of concrete phenomena are encountered, such as black ink marks on sheets of paper, they are interpreted as \"symbols\" having \"meanings,\" These facts and others like them are those which raise the central methodological problems peculiar to the sciences concerned with human action. There is a \"subjective aspect\" of human action. It is manifested by linguistic symbols to which meaning is attached. This subjective aspect involves the reasons we ourselves assign for acting as we do. No science concerned with human action can, if it would penetrate beyond a superficial level, evade the methodological problems of the relevance of facts of this order to the scientific explanation of the other facts of human action.”156 Naturalmente, como mais tarde Popper elaborou, o mundo de simbolos deve incluir o mundo das ideais. Parsons continou defender numa linguagem quase Kantiana que “It is fundamental that there is no empirical 155 Ernst Cassirer concentrou sobre o estudo de símbolos e seu papel na vida social. Primeiro, faz uma distinção entre um Símbolo e um sinal: ambos fazem parte de mundos diferentes. Enquanto um sinal fazem parte do mundo físico, um símbolo faz parte do mundo humano, do mundo dos significados e das representações. “Signals are ‘operators’; symbols are ‘designators’. Ernst Cassirer (1944) An essay on man: an Introduction to the philosophy of human culture. Anchor Books, NY, p. 51. Cassirer usa a tese sobre a centralidade de símbolos na vida humana como argumento contra o positivismo antecipando também uma figura teórica do interacionismo simbólico de Herbert Blumer, que descreveu o processo de conhecimento como um de conversação interna. Herbert Blumer: Society as symbolic interaction, in Blumer (1969) ibid. Depois, Cassirer passou para salientar que “physical reality seems to recede in proportion as man’s symbolic activity advances. Instead of dealing with the things themselves, man is in a sense constantly conversing with himself. He has so enveloped himself in linguistic forms, in artistic images, in mythical symbols or religious rites that he cannot see or know anything except by the interposition of this artificial medium.” Desviou de Kant em salientando que “his situation is the same in the theoretical and the practical sphere. Even here man does not live in a worlds of hard facts, or according to his immediate needs and desires. He lives rather in the midst of imaginary emotions, in hopes and fears, illusions and disillusions, in his fantasies and dreams.”. Ibid., p. 43. O caso contra o positivismo mobilizou também o Talcott Parsons que justificou a sua oposição com referência á sociologia compreensiva de Weber e ao facto que o mundo interno e externo ser representado sob forma de construções e construtos e artefactos com significado simbólico, para “mark off my own position quite decisively from a positivistic position that implies that only empirical science is a source of valid understanding of the human condition. I think it fair to say that on such positivistic premises Weber's sociology of religion would not make sense.” Talcott Parsons (1978) Action theory and the human condition, The Free Press, NY, p. 354. 156 Parsons (1949) ibid., p. 26 78
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] knowledge which is not in some sense and to some degree conceptually formed. All talk of \"pure sense data,\" \"raw experience\" or the unformed stream of consciousness is not descriptive of actual experience, but a matter of methodological abstraction, legitimate and important for certain purposes but, nevertheless, abstraction. In other words (…) all empirical observation is \"in terms of a conceptual scheme.\" This is true not only of sophisticated scientific observation but of the simplest common-sense statements of fact. Conceptual schemes in this sense are inherent in the structure of language and, as anyone thoroughly familiar with more than one language knows, they differ in important respects from one language to another.”157 O reconhecimento da estrutura simbólica que caracteriza a vida humana e social, os processos sentimentais e mentais que encontra a sua principal forma de expressão na língua, - a língua não ser a única forma, a arte sendo a outra – é ligado com o debate sobre a articulação entre ciências naturais e os seus métodos de conhecimento constituindo em pesar, medir, analisar, calcular e explicar, e as ciências sociais e humanos confrontadas com a problemática de sentido e cujo principal método de conhecimento consiste não somente em produzir estatísticas sociais, mas de compreender e de interpretar o seu significado cultural subjetivo e de o relacionar com o seu significado cultural ‘objectivo’. Mas relaciona também com o debate sobre os métodos, o famoso ‘Methodenstreit’ na economia opondo representantes de uma económica institucional e histórica contra a escola marginalista Austríaca, querendo uma ciência económica teórica e a histórica e matemática, isto é, uma ciência com capacidade de traduzir as principais articulações entre padrões motivacionais utilitaristas e escolhas, entre oferta e demanda em funções matemáticas. Este debate teve uma sorte de continuação na sociologia no início dos anos 1960 sob forma da discussão sobre o positivismo – o acima já mencionado Positivismusstreit - entre representantes do racionalismo critico como Karl Popper e Hans Albert por um lado, e da teoria critica em volta de Theodor W. Adorno e Jürgen Habermas por outro158. Acabou cimentando a 157 Parsons (1949) ibid., p. 28 158 Theodor W. Adorno, Hans Albert, Ralf Dahrendorf, Karl Popper, Jürgen Habermas & Harald Pilot (1977) The positivist dispute in German sociology, Heineman, London. Um resumo encontra –se em David Frisby (1972) The Popper-Adorno Controversy: the Methodological Dispute in German Sociology, Philosophy of the Social Sciences, no. 2/1972, e em Matthias Benzer (2011) The Sociology of Theodor Adorno, Cambridge University Press. Benzer resumiu a posição epistemológica de Adorno face ao positivismo de forma seguinte revelando a influência da teoria de conhecimento de Kant: “Adorno distinguishes between reality as it is subjectively perceived and objective reality itself (…) Empirical material is never reality as it is but its subjective reconstruction. The devices subjects employ for recreating the world are concepts. (…) ‘Perception . . . can be interpreted . . . only as a thinking performance, as “apprehension in intuition”, as categorisation’. Ibid., p. 88. Em outras palavras como um processo de criação de sentido que por sua vez fica sob influência de variáveis contextuais, sociais e cognitivas que, como defendeu Durkheim, apontam sobre a influência das estruturas sociais e simbólicas. Benzer faz menção da reação quase-perplexa de Popper que lembrou que ninguém tinha defendido a volta para uma ciência positiva á la Comte. Idem Frisby que avançou que a crítica de Adorno falhou o seu destino e visou mais o ‘positivismo ingénuo’ que o positivismo logico defendido por Popper. Ainda mais que Adorno, nos anos 1930, caracterizou o positivismo logico como sendo uma combinação necessária ‘entre a filosofia e pesquisa empírica’. Benzer (2011) ibid., p. 61. Duma certa forma, estas questões ressurgiram no debate entre Jürgen Habermas por um lado e Niklas Luhmann por outro sobre a questão do papel e do caracter das ciências sociais: e oscilou em volta da questão da função da 79
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] supremacia da ‘economics’ sobre abordagens históricas, sem falar do paradigma Marxista de economia politica. No que diz respeito a participação de sociólogos neste debate, nota se o envolvimento, no entanto periférico de Max Weber neste debate. Adotou uma posição de compromisso revindicando que estudos sociológicos deviam buscar a compreender o significado cultural de um fenómeno social ou económico antes de passar a tentar explica- o; compreensão do seu significado cultural significa, para ele, estabelecer a perspetiva, as ideias e motivações dos atores sociais e envolvidos que viviam naquela época enquanto a explicação iria consistir em construir relações de causais entre os fenómenos.159 Mas Weber não parrou aqui. Salientou, primeiro, que “toda interpretação pretende alcançar a evidência” e, segundo e em referência com “toda a ciência em geral”, que o sociólogo pode empregar diferentes métodos de interpretação. “A evidência da compreensão pode ser de caracter a) racional (e, neste caso, ou logico ou matemático) ou b) intuitivamente compreensão (emocional, recetivo-artístico).”160 Obviamente, estas distinções entre métodos interpretativos não somente faz referência com o debate sobre métodos uma vez que os participantes da escola Austríaco defenderam o uso de métodos matemáticos para empregar o raciocino marginalista, mas encontramos aqui uma antecipação daquilo que Giddens, mais tarde chamou a dupla hermenêutica, onde a compreensão intuitiva-artística faz referência a vida diária onde a compreensão de atos, rituais e símbolos refere a força unificador do mundo da vida refletindo influência da filosofia neo-Kantiana de Dilthey e de Husserl. Esta referência com a dupla hermenêutica fica ainda mais evidente considerando que Weber exige que o sociólogo confrontado com a tarefa se interpretar as ações e comportamentos sociais seria “racionalmente evidente, antes de mais nada’ o que se compreende intelectualmente de modo cabal e transparente, em sua conexão do sentido visado (…) Toda interpretação de uma ação deste tipo, racionalmente orientada por um fim possui – quanto á compreensão dos meios empregados - um grau máximo de evidência”. Weber considerou a ação social como como elemento ou unidade básica para a sociologia. A sua definição já faz alusão ao conceito de ‘Wechselwirkungen’, sobre as influenças reciprocas múltiplas de Simmel, e defende que para “ação social’ entende-se “uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando por este em seu curso,” e fruto de uma interpretação do seu sentido seja que for. Excurso 6: O ‘debate sobre métodos’ (Methodenstreit) sociologia: a sociologia como teoria da sociedade ou como ciência de tecnologia social. Jurgen Habermas & Niklas Luhmann (1974) Theorie der Gesellschaft oder Sozialtechnologie: was leistet die Systemforschung, Suhrkamp, Frankfurt/Main. 159 No § 1 dos conceitos fundamentais, Weber define a sua definição da sociologia como “uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explica-la causalmente em seu curso e em seus efeitos”. Com referencia a correntes positivistas sociológicas, Weber sentiu-se obrigado de incluir a instrução que esta definição tem validade somente para uma sociologia compreensiva e interpretativa “no sentido aqui entendido desta palavra com tantos significados diversos.” Max Weber: Conceitos sociológicos fundamentais, in Weber (2004a) ibid., p. 3. 160 Weber: Conceitos, in Weber (2004a) ibid., p. 4 80
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] O ‘debate sobre métodos’ entre protagonistas de teoria económica pura, em particular entre os representantes do marginalismo Austríaco liderados por Carl Menger ou Eugen Böhm Bawerk, e entre os representantes de escola histórica e de política social liderada por Gustav Schmoller. O debate sobre métodos pus em oposição as abordagens dedutivas com base de modelos lógicos defendidas pelas representantes da teoria marginalista Austríaca, contra as abordagens indutivas e ideográficas defendendo que o estudo dos fenómenos económicos devia tomar conta do seu contexto histórico institucional particular. Vide: Jürgen Backhaus & Reginald Hansen (2000) Methodenstreit in der Nationalökonomie, Journal for General Philosophy of Science, Zeitschrift für allgemeine Wissenschaftstheorie,vol. 31, No. 2/2000. Wilhelm Hennis (1998) The pitiless ’sobriety of judgement’: Max Weber between Carl Menger and Gustav von Schmoller – the academic politics of value freedom, History of the Human sciences, vol. 4, no. 1, Downloaded from hhs.sagepub.com. A vitória dos Austríacos contribuiu em estabelecer a teoria economica como ciência a-histórica, com pretensão apolítica, uma pretensao que serviu para rejeitar a logica de economia política da teoria classica e, mais tarde, Marxista. Com esta nova ciência de ‘economics’. A teoria económica conseguiu aquilo que Auguste Comte imaginou para a sociologia, a sua transformação numa física do económico regida por leis cujos princípios podem ser resumidas em modelos lógicos cuja validade é independente de contextos históricos, sociais ou culturais. Daniel Bell lançou uma crítica assassina da modelização económica que parece reproduzir a crítica de Whitehead sobre „the Fallacy of Misplaced Concreteness:“ descrito como ‚o erro de confundir o abstrato com o concreto‘ (Fonte: Stanford Encyclopdia of Philosophy). Daniel Bell: Models and Reality in economic discourse, in Bell & Kristol (ed. 1981) ibid. Este debate na economia encontrou uma sorte continuação através do surgimento da economia institucional e o institucionalismo económico voltando enfatizando a necessidade de incluir variáveis contextuais, culturais, sociais e situacionais nos estudos e modelos económicos devido ao seu impacto sobre as escolhas racionais individuais. James March & Herbert Simon (1979) Teoria das organizações, Rio de Janeiro. Oliver Williamson (2000), The new institutional economics: taking stock, looking ahead, Journal of Economic Literature, vol. XXXVIII/Sept.2000. A ideia de definir a sociologia como teoria de ação, marcou bastante o pensamento teórico de Parsons, até a viragem dele para a teoria de sistema onde abandonou a ideia da ação social como unidade elementar sociológico em favor de uma concepção de regulação impessoal onde primou o conceito da comunicação; uma viragem que encontrou a sua versão teórica mais radical na versão de Niklas Luhmann. Esta referência com a racionalidade em finalidade que prima na teoria de ação económica, já revela que Weber se sentiu obrigado de cruzar a sua versão da dupla hermenêutica, com a distinção entre sentido subjetivo visado e o sentido objetivo de uma ação, por um lado, e com esta entre racionalidade material e formal, por outro. Defende, portanto, que “ao contrário, muitas vezes não conseguimos compreender, com plena evidência, alguns ‘dos fins últimos’ e ‘valores’ pelos quais podem orientar-se, segundo a experiência, as ações de uma pessoa, eventualmente conseguimos apreendê-los intelectualmente, mas, por outro lado, quanto mais divergem de nossos próprios valores últimos, tanto mais dificuldade encontramos, em torná-los compreensíveis por uma revivência mediante a imaginação intuitiva. Nessas condições, temos de contentar-nos, conforme com o caso, com a sua interpretação exclusivamente intelectual, ou, eventualmente, quando até esta tentativa falta, aceita-los simplesmente como dados. Trata-se, neste caso de tornar inteligível para nos, o desenrolar da ação por eles 81
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] motivadas, a partir dos seus pontos de orientação interpretados intelectualmente, na medida do possível.”161 No entanto, defende que “a construção de uma ação orientada pelo fim de maneira estreitamento racional serve, nesses casos, a sociologia como tipo (tipo ideal) Permite compreender a ação real, influenciada por irracionalidades de toda espécie (afetos, erros) como desvio do desenrolar a ser esperado no caso de um comportamento puramente racional.”162 Portanto, Weber, não somente coloca a sociologia numa vizinhança estreita com a ciência económica e os seus fundamentos utilitaristas focalizando sobre a articulação racional entre meios e fins, mas também em oposição de Vilfredo Pareto, cujo sistema de ciências previu que o estudo de ações racionais ser o domínio único da economia, devida que a sua logica de pensamento é virada para a problemática racionalista pura de eficácia e eficiência, enquanto a sociologia teria o seu lugar no estudo dos ‘desvios’ (afetos, erros), ou seja, os aspectos residuais caracterizando que afectam a racionalidade de ação e manifestando-se em múltiplos tipos de ‘derivados’163 O sociólogo alemã Maurício Bach propus reinterpretar a teoria social de Pareto e o significado da distinção entre acções logicas e ilógicas e, neste âmbito, sobre o significado sociológico dos conceitos de resíduos e derivados. Através da sua leitura culturalista dos resíduos e derivados, Bach tentou, portanto, de defender Pareto contra as acusações de biologismo e de redução psicologista. 164 Todavia, são estes aspectos em particular que foram reavivadas, 161 Weber: Conceitos, in Weber (2004a) ibid., p. 4 162 Weber: Conceitos, in Weber (2004a) ibid., p. 5 163 A interpretação recente de Maurício Bach sobre a sociologia de Pareto aproxima o conceito de resíduos á este de mundo de vida, uma vez que ambos serviam para apontar sobre a existência social de ‘construções de sentido pré-racionais’ e as suas racionalizações que caracterizamos ambientes socioculturais imediatos dos agentes sociais. Rejeita a ideia que Pareto ter desenvolvida uma perspetiva biológica dos resíduos. Em outras palavras remetem a influência do meio social. Derivados, por outro lado, servem para sistematizar estas racionalizações dos resíduos, que Bach caracterizou como sendo os complementos ‘discursivos’ dos resíduos, isto é, “den prä- oder semi-reflexiven Handlungsmustern dar. Sie sind diskursiv, auf verbale, zumeist zwischenmenschliche Kommunikation hin angelegt, insofern damit Handlungen begründet, erklärt, gerechtfertigt, begleitet, kurz: rationalisiert werden. Reflexive Kommunikation in diesem Sinne ist nach Paretos Modell des Handlungssystems Ausdruck handlungsbegleitender Sinnstiftungen.“ No nosso ver, a interpretação de Bach, adota uma posição alinhada com a sociologia de Weber, sobre a sociologia de Pareto, apresentada no „Tratado de sociologia‘. Esta perspetiva levou-lhe de comparar a distinção entre ações racionais e resíduos com o conceito da dupla hermenêutica de Giddens; isto é, a existência de níveis diferentes entre um discurso a nível do mundo da vida e u discurso sociológico-científico. “Entscheidend für ein genaues Verständnis von diesem Begriff der Rationalisierung ist, dass der Prozess der reflexiven Sinnstiftung scharf von wissenschaftlicher Erkenntnis im engeren Sinne zu unterscheiden ist.“ Mauricio Bach (2004) Jenseits des rationalen Handelns: Zur Soziologie Vilfredo Paretos, VS-Verlag, Wiesbaden, p. 12-13 164 “Auf dieser Grundlage vollzieht Pareto sogar eine explizite Soziologisierung des ökonomischen Diskurses. Der Grenznutzen- und der Gleichgewichtsbegriff erweisen sich dabei als die zentralen und weichenstellenden Paradigmen. Die in den ökonomischen Frühschriften noch weitgehend immanente Kritik des ökonomischen Reduktionismus im Hinblick auf die erkenntnistheoretischen Prämissen und Rationalitatsannahmen des Homo-oeconomicus-Modells, der theoretischen Leitfigur der psychologischen wie der mathematischen Grenznutzenanalyse, eröffnet neue Perspektiven fur eine soziologisch erweiterte Handlungstheorie.“ Bach (2004) ibid., p. 50. „Tatsächlich erweist sich bei Pareto die ausdriickliche Ausgrenzung der 82
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] com força, através do ‘novo-velho’ quadro da teoria económica comportamental que seduziu tanto as organizações ‘líderes’ da indústria de desenvolvimento, levando questões que vamos discutir no último capítulo deste ensaio. Como já foi dito, e além da influência generalizada das críticas fenomenológicas vis-à-vis a teoria de conhecimento de Kant, as construções de Husserl entram no discurso sociológica através das interpretações de Alfred Schütz. Partilha com a sociologia interpretativa de Weber o foco sobre o sentido social que iria necessitar uma abordagem compreensiva, vizinhanças que exprimem-se através de, agora, conceitos sociólogos como o ‘senso comum’ e o ‘mundo da vida; o primeiro servindo para descrever um modo específico de pensar que é característico para um dado grupo de pessoas; o senso comum representa as noções comumente admitidas pelos indivíduos. O mundo da vida ou mundo vital (Lebenswelt) é a forma através a realidade imediata é experimentada como uma realidade “permanentemente dada como efetivo na nossa vida concreta”.165 Quer dizer, algo que, como já foi salientado nos parágrafos iniciais não deve ser dissociado das características socioeconómicas e socioculturais dos meios sociais e das situações de vida e de classe que representam. Portanto, a teoria sociológica rejeitou a interpretação ontológica do mundo da vida em singular em favor de uma interpretação sociológica de mundos da vida em plural cujos característicos em termos de construção social da realidade refletem estas do meio social onde fazem parte. Weber focalizou na sua sociologia interpretativa sobre a relação entre tipos de racionalidade e comportamentos sociais, algo que culminou na sua distinção entre ideias e interesses como os dois antípodes explicativos da sociologia interpretativa. A sua abordagem contrasta com esta da sociologia fenomenológica na medida em que a ultimo está focalizando mais sobre o estudo das formas e processos envolvidas na construção do sentido como operação básica na construção social da realidade. Embora que para Weber o sentido subjetivo ou objetivo (no sentido histórico) atribuído a um fenómeno, evento ou objeto representa um axioma a-priori, a sociologia fenomenológica focalizou sobre a psychologischen Kausalanalyse aus dem Erkenntnisbereich der allgemeinen Soziologie von fundamentaler Bedeutung für die theoretische Systematik seiner Handlungstheorie.“Bach (2004) ibid., p. 146 165 Husserl in Juliana Missaggia (2018) A noção Husserliana de mundo da vida em defesa da sua unidade e coerência, Trans/Form/Ação, Marília, vol. 41, no. 1. Nos parágrafos anteriores defendeu-se que a teoria económica e o seu monopólio sobre a definição do conceito de racionalidade representa o senso comum teórico que reflita o mundo de vida capitalista dominando pelo calculo de capital, um calculo que se autonomizou de qualquer determinações substantivais e que fica insensível sobre a questao de valor. Pelo contrário, se a produção de água com açúcar prometer o maior lucro, os custos que cria em termos de destruição do ambiente a de degeneração da saúde público não somente se justificam, mas a decisão de proceder assim tem todas a características de escola racional. 83
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] construção deste sentido na articulação entre o individuo e o seu ambiente social.166 Tomar conta destes aspectos é crucial para compreender a sociologia de Weber e a sua articulação com a sociologia fenomenológica por um lado, e as diferentes formas de interacionismo simbólico por outro. Porem, o estudo sobre a ética protestante pode ser lido com um estudo ideal-típico sobre o mundo da vida de um segmento específico do Calvinistas com objetivo de identificar os aspectos suscetíveis de provocar o nascimento de um ‘Espirito Capitalista’, em particular a criação de uma consciência individual. Importa, mais uma vez, dissipar a ideia que a constituição da sociologia como disciplina académica autónoma podia reduzir-se a contribuição destes três autores ou que outros autores não se ligar em outras tradições filosóficas. Importa salientar também que as influencias dos autores e das teorias filosóficas não se reduzem nestes três autores, mas inspiraram outras direções teóricas. Esta observação relaciona-se em particular á filosofia idealista alemã e a sua influência sobre o pensamento sociológico de autores não incluídos como Georg Simmel e a sua relação a filosofia da vida de Dilthey. Mas importa também mencionar Alfred Schütz que, apesar que representa já a segunda geração de sociólogos em companhia de Talcott Parsons, liga- se com premissas e conclusões oriundas, alem da sociologia compreensiva de Weber já mencionada, referiu às filosofias fenomenológicas de Husserl e de vida de Dilthey. Acerca da sociologia fenomenológica de Schütz, Giddens resumiu que “Although Schütz makes his due obeisance to the transcendental ego, his programme is actually completely devoted to a descriptive phenomenology of the life-world; intersubjectivity appears not as a philosophical problema, but as a sociological one (…) Man in the natural attitude does not suspend his belief in matetial and social reality, but the very opposite; he suspends doubt that i tis anything other than how it appears”.167 Tenta combinar, acrescentou Giddens, o conceito de Acão e o só significado de Weber com este de atitude natural’ e as construções de ‘senso comum’ que transporta e, por esta razão, aplica- se á todo tipo de ação. Tomando a perspetiva do actor social individual e embebido no seu mundo da vida, Schütz critica, portanto, a distinção de Weber entre ação e ação social, salientando que “the attaching of meaning to experiences, which implies a reflexive look ast the acxt by the acxtor or by others, is something which can only be applied retrospecively, to elapsed acts. Thus i tis misleading to say that experiences are intrinsically meaningful: only the already experienced is meaningfukl, not that which is being experienced.”168 Para operacionalizar a sua crítica propus de distinguir entre dois tipos de motivos: entre motivos intencionais (in-order-to motives) e motivos 166 Foi Husserl que introduziu o conceito do ‘mundo da vida’ na sua crítica a teoria de conhecimento de Kant para enfatizar o facto que o nosso conhecimento é influenciado por a-priori sociais e culturais, algo que foi transportado para a sociologia por via de Alfred Schütz. 167 Giddens (1976) New rules, ibid., p. 26 168 Giddens (1976) ibid., p. 28. Schütz, Segundo Giddens, caracteriza a compreensão interpretativa da conduta do outro numa interação social como processo de tipificação, mas o seu modelo seria incapaz de ‘restituir a realidade como uma realidade objectiva (to reconstitute social reality as an object-world). Ibid., p. 31 84
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] justificativos (because motives) cuja distinção impacta sobre a compreensão interpretação dos actos.169 Vamos parrar aqui. A lista devia, portanto, incluir ainda o já mencionado filósofo francês Henri Bergson e o seu conceito da memória, a distinção feita entre tempo objetivo e subjetivo e cujo conceito de ‘la durée’ captou o interesse da física moderna e que influenciou, como acabamos de ver, a sociologia de Schütz. 170 Esta reação filosófica contra as revendições racionalistas da filosofia de esclarecimento criou um outro campo influente de discurso e de debate filosófico. Importa também incluir, neste debate, a filosofia pragmatista Americana que influenciou, primeiro, a teoria social Americana e a partir daqui, a teoria social geral. 171 Não pode subestimar-se também a importância da sociologia fenomenológica de Schütz 172 sobre o interacionismo simbólico, em par com George Herbert Mead, bem como sobre a teoria de dualidade estrutural de Giddens e o seu conceito de ‘dupla hermenêutica’.173 Defende que o processo de conhecimento científico, apesar que tem o seu início nas construções cognitivas do mundo da vida não acaba aqui, 169 Giddens (1976) ibid., p. 28-29 170 Por exemplo: Jemena Canales (2015) The Physicist & the Philosopher: Einstein, Bergson and the debate that changed our understanding of time. Princeton. 171 Neste âmbito convém mencionar as receções de George Herbert Mead e de Charles Horton Cooley. A influencia do pragmatismo revela-se na teoria pragmática de ordem social que critica no mesmo tempo a teoria de Durkheim que as teorias utilitaristas. “The deciding point is that social order is not guaranteed either through the inner drive or outer nature (behaviorism and empiricism) or through the internalizing of social norms (normativism), nor is it reflected in a transcendental mind (idealism) or in rational individual action (utilitarianism); rather it derives from constant interpretations and reconstruction of generalized meanings (pragmatism). Social order is, for Cooley, not a ‘state’, but a ‘process’ of creative and experimental action”, entre indivíduos unidos em interações e relações de ‘simpatia – hostilidade.” Hans – Joachim Schubert (2006 The Foundation of pragmatic sociology, Charles Horton Cooley and George Herbert Mead, Journal of Classical Sociology, vol. 6, no. 1, p. 60-61 172 Peter Berger & Thomas Luckmann (1966) The social construction of reality: a treatise in the sociology of knowledge, Anchor Books, New York. A notar ainda, que o construtivismo sociológico de Berger & Luckmann encontrou o seu eco tardio no construtivismo linguístico de John Rogers Searle (1995) The construction of social reality, NY., que, por sua vez, foi influenciado pela teoria de ato de falar (speech act) de Austin. John Langshaw Austin (1962) How to do things with words: The William James Lectures delivered at Harvard University 1955, Oxford. Ainda para notar que influenciam bastante a viragem linguística de Habermas no final dos anos 1970 que culminou na ‘teoria de ação comunicativa’ de Habermas publicada em 1981, Suhrkamp, Frankfurt/Main, e continuando influenciando os debates filosóficos e sociológicos até hoje. Vide a discussão na penúltima secção deste ensaio 173 Anthony Giddens (1986) Die Konstitution der Gesellschaft, Frankfurt/Main. Pode evocar-se, ainda, o debate sobre a racionalidade das crenças e práticas mágicas que surgiu acerca da descrição de Edward Evans Pritchard (1976) Witchcraft, Orcales and Magic among the Azande, Clarendon, Oxford, e que envolveu autores tao diferentes como Merton e Giddens. Anthony Giddens (1996) In defense of Sociology, Polity Press, Oxford. Neste âmbito, vide também o debate entre Lévi Bruhl. Durkheim e Lévi-Strauss sobre a mentalidade primitiva, a natureza do simbolismo e a crítica sobre a teoria de totemismo, bem como sobre a teoria de conhecimento que encontra-se mais em baixo deste ensaio. 85
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] mas necessita operar uma rutura; uma ideia defendida por Marx, que na sua crítica da economia política atacou as construções de munda da vida da economia clássica, mas também por Weber, Durkheim, Bachelard, bem como por Bourdieu, Giddens e Habermas.174 Na sociologia, foi a etnometodologia que focalizou sobre o estudo dos métodos aplicados na construção subjetiva da realidade social e inteligível. A sociologia de conhecimento virada pelo estudo da construção de sentido e dos processos cognitivos coloca também a questão sobre a necessidade de articular com abordagens mais experimentais da psicologia social. Neste âmbito, e a título exemplar importa evocar as experiencias de Solomon Asch sobre a pressão do grupo, os estudos do já mencionado Fritz Heider sobre os processos de atribuição, ou estes de Leon Festinger sobre o fenómeno da dissonância cognitiva. 175 Estas contribuições metodológicas e teóricas oriundas da psicologia social, enquadram-se, no somente, nos estudos microsociológicos e/ou culturais a la Weber, Simmel, ou Schütz mas em particular nos estudos de sociologia compreensiva sobre a construção de sentido.176 Pode concluir-se, portanto, que estes debates sobre o mundo vital oriundos da filosofia fenomenológica, apesar da sua influência sobre o pensamento sociológico, pelo menos em partes, escapou a atenção dos sociólogos clássicos. Estudos e interpretações das teorias sociológicos de Marx, Durkheim e Weber: Consensos e controversas, e as articulações com a teoria social moderna Neste capítulo tenta-se de aprofundar e completar alguns aspectos já levados nos parágrafos anteriores. Enquanto as diferentes correntes teóricas da sociologia aceitam a 174 Weber (2004a) ibid. Durkheim (1990) ibid. Bachelard (2002) ibid. Pierre Bourdieu, Jean Çlaude Chamboredon & Jean-Claude Passeron (1991) The craft of sociology, deGruyter, NY, p. 93ff 175 Entre as obras clássicas da psicologia social e de um ponto de vista sociológico, é possível mencionar autores como Solomon Asch (1956) Studies of Independence and Conformity: A Minority of One Against a Unanimous Majority, Psychological Monographs: General and Applied, vol. 70, no, 9. Heider (1958) ibid. Leon Festinger (1968) A theory of cognitive dissonance, Stanford University Press, Stanford. O manual sobre teorias de psicologia social, editado por Derek Chadee (ed. 2011) Theories in Social Psychology, Blackwell, Oxford salienta a existência de pontos de cruzamento entre a fenomenologia e o pragmatismo e a psicologia social, cruzamentos que se revelam também na teoria de atribuição de Fritz Heider que, como avançou Malle, foi construída em discussão com a filosofia fenomenológica de Husserl. Bertram F. Malle: Attribution Theories: How People Make Sense of Behavior, in Chadee (ed. 2011) ibid., p. 73. 176 Acerca da ‘ausência’ de um discurso transdisciplinar entre a sociologia atual e a psicologia social que caracteriza o período pós-Parsonsiano vide o comentário de Ralph H. Turner (1988) Personality in Society: Social Psychology's Contribution to Sociology, Social Psychology Quarterly, vol. 51, no. 1. Uma síntese entre abordagens microsociológicas e de psicologia social se encontra na sociologia pragmática Americana. Além de George Herbert Mead: Charles Horton Cooley (1902) Society is in the mind, in Randall Collins (1994) Four sociological traditions: selected readings, Oxford. 86
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] premissa que a origem das instituições sociais e as suas influências estruturantes sobre as formas de pensar, sentir e comportar têm a sua origem nas ações e interações sociais, diferem portanto sobre a questão de como interpretar a relação entre o social e o individual. Uma questão fundamental para a sociologia e dos seus modelos explicativos é sobre a relação entre fatores sociais institucionais e individuais e a sua articulação reciproca. Estas questões não foram ausentes da reflexão filosófica; só que, todavia, muitas vezes foi discutindo estas questões em adotando uma atitude normativa, adereçando-se aos dirigentes de cada época. Uma atitude que, até hoje, caracteriza uma das suas filhas, a teoria económica e, antes de tudo, a ciência de ‘economics’. Foi somente a partir da filosofia de esclarecimento que houve uma mudança de atitude e que a filosofia perdeu o seu foco sobre ensinar os dirigentes endereçando-se ao povo ou, pelo menos, as camadas sociais as mais educadas e as mais interessadas. Assim, a enciclopédia editado por Denis Diderot em cooperação com Jean d’Alembert, mas ainda mais os famosos panfletos de Jean-Paul Marat intitulados de ‘l’Ami du peuple’, ‘de amigo do povo’ e publicadas antes e durante a revolução francesa visaram este povo educando-o sobre a sua situação com objetivo de estimular um processo de esclarecimento. Representa a forma amorfa de um espaço público esclarecido que tomou maior forma no seculo a seguir como revelou Jürgen Habermas, no seu estudo sobre o espaço público de 1962.177 O surgimento de um espaço público não somente criou um público novo para as produções filosóficas e as suas reflexões sobre a coisa publica, mas serviu também para popularizar as inovações cientificas e tecnológicas fortalecendo o interesse dos filósofos seja de posicionar-se face ao desenvolvimento das ciências cuja vitoria obrigou-a, seja de identificar nichas novas para a reflexão filosófica, seja de incorporar princípios e métodos cientificas no raciocino filosófico. Se a filosofia de esclarecimento, antes de tudo, teve como programa de desenvolver uma filosofia que não somente tentou incorporar o progresso científico que, antes de tudo marcou as ciências naturais, a biologia, a física, a química e outros, mas que se viu como promotor deste processo. Influenciou o desenvolvimento da filosofia que encontrou o seu pico nas filosofias positivas de Henri Saint Simon, Auguste Comte, mas também na filosofia utilitarista britânica, como Adam Smith, por exemplo, mas que, no mesmo tempo, afetou também outros ramos da filosofia como, por exemplo, a fenomenologia de Edmund Husserl ou o simbolismo de Cassirer. Esta influência das ciências naturais e dos seus métodos que marcou o discurso filosófico a partir do esclarecimento, caracteriza portanto o universo filosófico na época da transição da filosofia, da filosofia de conhecimento ate a filosofia social e politica para as novas ciências sociais e humanas, entre quais, a sociologia. A transformação das sociedades em sociedades de massa onde o mercado de trabalho se tornou o principal modo de integração social e que criou desafios novos para a regulação 177 Jürgen Habermas (1991) The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society, The M IT Press, Cambridge, Massachusetts 87
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] social que, por sua, impactou sobre o desenvolvimento do Estado e da sua organização burocrática. Um dos efeitos ligado ao nascimento do Estado moderno foi o surgimento da estatística social que coincidiu mais ou menos com a época de Marx e Engels. Neste âmbito é interessante de recapitular o papel e uso feito das estatísticas sociais por parte de Durkheim e de Weber, o primeiro usando-os como ponto de partida para o seu estudo sobre o suicídio, o segundo para o seu estudo sobre a génese do espirito e da estrutura capitalista, tendo em conta que a sua estrutura de comando representa a forma institucionalizada da organização hierárquica de trabalho intelectual e manual, e tendo em conta que institucionaliza a expropriação do trabalhador dos seus meios de produção, um ponto que Weber salientou com muita enfase. Não somente têm em comum de utilizar dados sociais recolhidos no âmbito de gestão burocrática-administrativa da sociedade pelas entidades administrativas sectoriais especializadas, mas também de ter dissociado a sociologia e o projecto sociológico deste exercício de contabilidade social. Usam estatísticas sociais ou administrativas como meras fontes de informação cujo significado sociológico requer outros meios e modelos explicativos que transcendem a estatística social. Ou seja: a sociologia nunca podia ser reduzida a estatística social. Esta lição dos clássicos é bastante importante quanto ao papel dos métodos e técnicas de pesquisa social, não são um fim em si, mas representam um meio para um fim. Importa se lembrar desta articulação entre modelos interpretativos e métodos de construção de amostras e de recolha de dados nos cursos e vocacionadas ao ensino de métodos. Fala se aqui de modelos interpretativos em vez de modelos explicativos: estas distinções têm a ver com o debate sobre abordagens sociológicas e de ciências naturais. Neste âmbito importa salientar mais uma concordância de fundo entre as abordagens de Marx, Weber e Durkheim; isto é, o reconhecimento da natureza simbólica da realidade social que determina a forma da sua percepção e da sua representação que faz que todos os modelos explicativos, o estabelecimento de relações de causalidade, de reciprocidade ou de interdependências mútuas estão baseados sobre as interpretações que o autor faz sobre a realidade social e que, hoje em dia, são orientadas e influenciadas pelas interpretações anteriores e ‘formalizadas’ em termos de modelos explicativos teóricos. Esta concordância se manifesta também no rejeito de recorrer a modelos explicativos psicológicos. No caso de Marx e de Durkheim os levou de recorrer a factores social - estrutural e institucionais para explicar comportamentos, estados de consciência e sentimentos individuais; no caso de Weber a explicação de comportamentos e estados de consciência foi feita de forma hermenêutica, recorrendo as interpretações de sentido por parte dos indivíduos que também serviu como fonte de explicação das razoes, motivos e motivações subjacentes. Revela toda a amplidão do seu foco sobre o estudo dos significados culturais dos fenómenos e artefactos sociais e como estes se espelham nas crenças e convicções individuais. Este rejeito de explicações psicológicas foi uma reação a limitação estrutural que caracteriza os últimos e que a psicologia cognitiva tentou de remediar com bastante sucesso; isto é, de estabelecer uma ligação causal directa entre energias psíquicas, impulsos, emoções e sentimentos, e entre comportamentos sociais que tem como falha de ignorar o 88
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] papel da consciência que, como salientou Freud, não somente encontra-se intercalada entre a parte psíquica e comportamental, mas cujas interpretações são essenciais para fazer sentido do um e do outro e, por esta via, permitir estas articulações. Ou seja, em condições normais da vida social, esta energia psíquica fica sob controlo da consciência e em particular daquilo que Freud chamou o superego social, George Herbert Mead o ‘social me’, e Durkheim a socialização e o individuo socializado, um processo que, na sociedade individualista, passou de uma logica parentesco e comunitária, para uma logica funcional onde estatutos e papéis são definidos de forma diferente e conforme com as exigências cidadãs, profissionais ou familiares. O surgimento de novas formas de integração e de regulação e as suas consequências institucionais, Weber interpretou como duplo processo de diferenciação das esferas de valor que deu luz a um processo de racionalização ocorrendo nas sociedades ocidentais onde coincidiu com o nascimento do capitalismo. O processo de racionalização ocidental, constatou Weber, afetou, no mesmo tempo as crenças, as atitudes e as instituições, e que culminou no surgimento da organização burocrática moderna; isto é, um tipo de organização característica para o capitalismo e caracterizada pela organização metódica racional e cientifica das relações de comando, de subordinação e de separação entre trabalho intelectual e manual bem como entre o produtor e os meios de produção, considerada como a forma mais eficaz e eficiente no contexto de ação racional coletiva. Foi neste sentido que a sociologia nascente justificou a sua oposição contra as explicações metafísicas filosóficas, forçando-se de adotar uma abordagem científica ainda mais radical comparado com as filosofias da sua época. Deu a questão da experiencia como método de conhecimento uma acentuação cientifica mais acentuada, como ilustram o método de crítica das ideologias de Marx, ou o conceito de facto social cujo estudo requer o uso e desenvolvimento de métodos científicos baseadas na realidade empírica de Durkheim. Direcionou o interesse dos primeiros sociólogos de colocar a questão da perspetiva; isto é, se o método sociológico devia concentrar-se em estudar até que ponto é conveniente assumir que para compreender as ações e as suas razões seria necessário de começar com o estudo das condições estruturais e quadros institucionais sociais ou, pelo contrario de focalizar sobre os atores e as suas motivações para depois, focalizar sobre a agregação e os seus efeitos, entre quais, a ordem social. Reavivou debates antigos e filosóficos sobre a natureza do homem e ate que ponto as formas de pensar, sentir e agir são ‘produtos’ de condicionamentos e determinações sociais estruturais vinculados pelos quadros institucionais sociais respetivos versus até que ponto deviam ser interpretados como escolhas individuais racionais conduzidas por atores com base dos seus interesses e valores individuais ou dos seus impulsos naturais. A acima colocada observação de Alexander, sobre o desafio empirista que a teoria social moderna ter lançado em relação as teorias clássicas deve, portanto, ser visto no contexto deste progresso tecnológico que ofereceu possibilidades inimagináveis comparado com os clássicos sobre o levantamento e a análise de dados impulsionando a realização de estudos 89
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] empíricos. A potencial desvantagem deste desenvolvimento é que o aumento de capacidade de recolha de dados que vaio em par com a sofisticação cada vez maior de métodos de pesquisa pode ser pago com uma certa degeneração teórica, por assim dizer. Como vamos discutir no último capítulo neste ensaio, uma sociologia cada vez mais disposta de aceitar a cumulação de dados empíricos como a sua vocação principal, e que acha, que não pode ganhar grande coisa no desenvolvimento das suas capacidades teóricas, corre o risco de, de facto, defender, até reificar modelos explicativos ‘antigos’, originando da filosofia utilitarista. Mesmo se este fenómeno é mais espalhada na ciência de ‘economics’ , afecta também a sociologia reduzindo a reflexão teórica aos pressupostos de ‘common sense’, expressão da hegemonia ideológica que de competência e de maturidade científica que exige a rutura com estas construções de sentido comum, constituindo dos níveis diferentes de discurso hermenêutico, como notou Giddens.178 A questão de rutura interessa também a pesquisa antropológica onde o pesquisador encontra-se numa situação onde ainda tem de apreender o senso comum que ao e o seu. Precisa efetuar uma dupla rutura: primeira tem de adotar uma atitude natural vis-à-vis o mundo estranho que enfrenta e que serve para limpar a percepção das prenoções culturais por um lado emanando do senso comum cultural bem como científico, transportados pelos conceitos e teorias sociológicos, psicológicos ou económicos e os julgamentos e avaliações que implicam. Esta primeira rutura anda na direção inversa da dupla hermenêutica descrita por Giddens. Ela é necessária para entrar na logica de pensamento e comportamental do mundo de vida que faz ‘objeto’ do seu interesse sociológico ou antropológico. A socióloga Meredith McGuire descreveu esta rutura em termos de adotar uma atitude de ‘empatia metodológica’ através do qual o pesquisador conseguir guardar as suas distâncias em termos de julgamentos de valor sobre as construções sociais que caracterizam o mundo de vida em questão.179 É uma descrição que esta ecoando as proposições de Weber sobre a objetividade e neutralidade que devia orientar o processo de pesquisa científica, reservando julgamentos de valor para a escolha de problemática, da perspectiva teórica e de abordagem e metodologia científica. Correm o risco de transportar construções cognitivos de senso comum cultural e socioculturais características para um dado meios social culturalmente dominantes se não foram questionadas, refletidas e rompidas. A necessidade de rutura das construções de senso comum representa um tópico comum a Marx, Weber e Durkheim: em Marx toma forma de crítica das ideologias, em Weber a rutura com as ‘Weltanschauungen’, isto é, com as ideias sobre o mundo que, segundo ele, orientariam o “interesse de conhecimento’; e em Durkheim a rutura com as prenoções. 180 Para 178 Anthony Giddens (1984) The Constitution of society, Polity Press, Cambridge, p. 374 179 Meredith McGuire in: Royce A. Singleton & Bruce C. Straits (1999) Approaches to Social Research, Oxford University Press, Oxford New York, p. 322 180 Tendo em conta que para Weber o interesse sociológico consiste em estudar os significados culturais dos fenómenos sociais e económicos em particular como, por exemplo a organização das trocas e transações económicas, a economia monetária etc., a referência ao conceito da cultura, per se, implica 90
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Weber, a parte da realidade já equipada com um significativo cultural representa um fragmente da realidade, uma ideia que encontrou o seu eco na teoria de conhecimento de Merton que, como elaborou ao sujeito do conceito seu sobre as ‘funções latentes’ tem por risco de limitar o interesse de conhecimento sociológico ao estudo das funções manifestes, isto é, ao estudo de fenómenos que já tem um significado. Tendo em conta que funções latentes se caracterizam pela ausência de um significado cultural e só captam o interesse sociológico de conhecimento a partir do momento que se manifestam na vida social, seria neste momento que o conhecimento sociológico iria transbordar as fronteiras do senso comum estabelecido em identificando novos fenómenos sociais e atribuindo um significado social e cultural neles.181 Uma vez estas escolhas sejam feitas, o desenrolar do processo de pesquisa é esperado de respeitar os princípios de neutralidade e objetividade científicas. O desfio do pesquisador aplicando o método de observação não-participante, mas ainda mais na sua versão participante consiste em conseguir acesso as construções de senso comum que transpiram através das manifestações de mundo de vida e que caracterizam a construção do sentido e legitimam crenças, praticas e costumes. Todavia trata-se de um processo de socialização de aprendizagem e não de uma socialização no mundo de vida com o fim da sua inserção e integração neste mundo de vida como fim de tornar-se parte integrante neste mundo. O pesquisador antropólogo não vai perder o seu estatuto de estrangeiro que entra, faz parte e depois volta a siar deste mundo, como notou Simmel. A seguir tem de proceder a rutura hermenêutica descrita por Giddens e de sair das logica indígena para uma cientifica. Obviamente, como revelam as discussões entre Durkheim e Lévi-Strauss acerca do totemismo e da sua forca de combinação, ou entre Evans-Pritchard, Richard Merton, Anthony Giddens e Jürgen Habermas sobre a questão do pensamento magico e a mentalidade primitiva, neste ciclo da dupla rutura hermenêutica o risco de erro ainda é ainda mais forte resultando, seja em termos de conceções etnocêntricas, seja em termos de um romantismo antropológico.182 julgamentos de valor na medida em que cultura, para ele, representa esta parte da realidade a qual nos, que fazemos parte desta cultura, atribuímos um significado ou seja, um valor. Nesta definição de senso comum de Weber o senso comum cultural representa uma pré-seleção da realidade que está moldando o nosso interesse de estudos, ou seja, olhamos somente para estas secções da realidade que fazem sentido para nós. Max Weber: Die Objektivität sozialwissenschaftlicher Erkenntnis, in Weber (1988) Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, UTB, München, p. 173-178 181 Robert K. Merton: Manifest and latent function, in Merton (1967) ibid. Vide também a discussão mais em baixo deste ensaio. 182 Vide a discussão mais em baixo neste ensaio. Quanto a questao de evitar o perigo de etnocentrismo moral em correndo o risco de uma identificação com as práticas culturais que caracterizam o mundo de vida e o senso comum do objecto de pesquisa antropológica, influenciada pelo motivo de advocacia, vide o debate sobre as interpretações de ritos sociais de iniciação em Moçambique produzidas pela antropóloga dinamarquesa Signo Arnfred em Peter R. Beck, Aliar Ubisse, Carlos Bavo & Paulina Santana: Signe Arnfred on initiation rites in Northern Mozambique, in: Delphi Research and Consulting, (2019) How social norms 91
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Chegamos a um aspecto crucial do pensamento sociológico. Se houver um tópico onde existe um consenso entre Marx, Durkheim e Weber é, como já salientamos, sobre a necessidade de romper comas construções de senso comum. De facto, o campo principal da sociologia, o seu objecto prioritário é transversal a qualquer estudo sectorial ou de caso, consiste na desconstrução destas construções de senso comum. Uma desconstrução que não somente capta os seus aspectos semânticos e ideias, mas uma que revela o seu caracter sociológico através do seu interesse e a direção da sua pesquisa. Uma pesquisa orientada e vocacionada em identificar as suas raízes e fundamentos sociais estruturais e culturais destas construções de senso comum, e em reconstruir o seu processo de criação. Uma pesquisa orientada para identificar os grupos portadores e beneficiários destas crenças, como dizia Weber, estudando as articulações, os Wechselwirkungen dialécticas entre estas crenças e as características sociais, estamentais ou de classe de grupos e categorias sociais. Exige olhar para os sistemas de estratificação e de distinção social (Bourdieu) para ver quais as categorias que conseguem legitimar-se através da defesa e da reprodução destas construções de senso comum, e quais os grupos cujos interesses ficam mal representadas nestas construções de senso comum. Chegamos também a um ponto que permite esclarecer sobre esta resistência que uniu a sociologia nascente contra a filosofia utilitarista e o seu usa na teoria económica com qual iniciamos esta reflexão. Esta crítica do utilitarismo culmina numa crítica sobre os seus pressupostos axiomáticos que alimentam o senso comum micro- e macroeconómico, como vimos: que o comportamento humano ser motivado pelo hedonismo, a satisfação das necessidades e desejos individuais e egoístas, e que esta constituição hedonista representar a base das ações e escolhas racionais económicas primeiro, mas também sociais e culturais. Defendem que iriem representar, até constituir os ingredientes necessários para estudo de qualquer tipo de comportamento social (Gary Becker). O que uniu, portanto, os sociólogos da 1ª geração, com exceção, como já vimos, de Pareto, foi o rejeito do hedonismo económico com variável explicativa do comportamento social e económico. Esta crítica quase uníssona dos sociólogos – excluindo Pareto – revelou-se através da necessidade de concentrar a análise sociólogo sobre estas construções de senso comum, e de investir-se em estudos históricos e sociológicos de desconstrução. Marx fez isso através do método de crítica das ideologias, nomeadamente a crítica da economia política clássica. Durkheim através da defesa da necessidade de rutura com o senso comum, e Weber através da distinção entre sentido subjetivo e objectivo e a diferencia epistemológica entre ambos.183 shape gender ideologies and inequality in Maputo, Sofala and Nampula, Oxfam Mozamique, 05/04/2019 Maputo, Mozambique, p. 107-114 183 Neste sentido, Alejandro Portes caracterizou a sociologia como a ciência que visa de revelar aquilo que é escondido nas construções e práticas institucionais sociais para depois reintegrar estes elementos, primeiro, num discurso sociológico, e depois num discurso social geral. Alejandro Portes (2000), The hidden above - sociology as the analysis of the unexpected, ASR, vol. 65. De facto está a aproximar o trabalho sociológico ao metodo psicoanalitico visando de capacitar os indivíduos de reganhar consciência 92
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Esta rutura com o axioma utilitarista revela-se também na discussão sobre a ordem social que, como vimos, para os filósofos utilitaristas como Adam Smith, representa o resultado justo e racional da regulação do mercado a condição que as transações económicas e sociais entre indivíduos motivados pela maximização do prazer e a minimização das depravações, se realizar sem intervenção de fatores externas, do Estado e das considerações politicas e/ou de costumes e praticas discriminatórias. A teoria económica clássica fica devedora ao ideal do esclarecimento em estipulando o princípio de igualdade entre indivíduos e em introduzindo, como mostramos nos parágrafos anteriores, o princípio de distribuição de hipóteses de vida por mérito. Se resumo no lema do “you make your own luck’; o Você faz sua própria sorte”; uma crença, como mostrou Weber na Erica protestante, que tem a sua raiz religiosa na reinterpretação da ideia da salvação e a promoção das hipóteses de salvação através do sucesso económico. Esta construção utilitarista e individualista de ordem propagada pelas economistas clássicas e, depois e de forma mais radical, pela teoria neoclássica, foi mal recebida pelos sociólogos da 1ª geração. A reação critica que caracteriza a maioria dos sociólogos da 1ª geração incluindo Marx, Durkheim e Weber se devia a forma como os últimos tem interpretado o sistema capitalista. Segundo a definição de wikipedia, “Capitalismo é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e sua operação com fins lucrativos. As características centrais deste sistema incluem, além da propriedade privada, a acumulação de capital, o trabalho assalariado, a troca voluntária, um sistema de preços e mercados competitivos. Em uma economia de mercado, a tomada de decisão e o investimento são determinados pelos proprietários dos fatores de produção nos mercados financeiros e de capitais, enquanto os preços e a distribuição de bens são principalmente determinados pela concorrência no mercado.”184 Para Marx, como sabemos, a ordem social não somente não é resultado justo e racional da regulação de mercado, mas representa uma nova forma de dominação e, de facto, é a causa principal de desordem que produz no seu seio e que pode conter somente através da manipulação dos espíritos e das instituições politicas e legais. Por um lado interpreta a passagem da sociedade tradicional para sociedade moderna como processo natural e inevitável do desenvolvimento social, retomando ideais evolucionistas de Comte e de Spencer185. Por outro lado considera que a criação de um quadro institucional dependia da ação humana, um facto que lhe fez acreditar na possibilidade de criar uma ordem social e económica e capaz de mitigar os efeitos negativos da regulação de mercado e, por esta via, a ameaça de reações anómicas. Para Durkheim, a ordem social moderna ainda é um projecto cujo tecido institucional está em processo de ser constituído, um facto que iria exprimir-se através de crises morais e expor a sociedade á varias formas de reações anómicas que caracterizam a estrutura individualista de uma sociedade com alto grau de divisão social de trabalho e que resultam de uma falta de regulação das desigualdades sobre as suas experiencias traumáticas para levantar o peso que tem sobre o desenvolvimento da personalidade e sobre o comportamento. 184 https://pt.wikipedia.org/wiki/Capitalismo 185 Durkheim (1998) ibid. 93
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] económicas que, por sua vez, têm a sua origem na relação não regulada entre capital e trabalho. ”No prefácio à segunda edição da Divisão do trabalho social” nota Freire, ”Durkheim é enfático em seu diagnóstico: o capitalismo de sua época se encontra em um “estado de anomia jurídica e moral”, carente de mecanismos aptos para regulá-lo. Ao seu ver, trata-se de um contexto crítico, pois as relações de trabalho, a concorrência industrial, a situação do consumidor são orientadas por “fórmulas indecisas” e “generalidades imprecisas”, mais pela opinião pública do que pela lei, de modo que: Os atos mais censuráveis são com tanta frequência absolvidos pelo sucesso, que o limite entre o que é permitido e o que proibido, entre o que é justo e o que não é, não tem mais nada de fixo, parecendo poder ser modificado quase arbitrariamente pelos indivíduos [...] Daí resulta que toda essa esfera da vida coletiva é, em grande parte, subtraída à ação moderadora da regra).186 Esta tese encontra o seu eco na crítica da teoria económica de contrato e de autorregulação por via de mercado, ou seja, por via de um mecanismo que consiste em equilibrar interesses egoístas. Como notou Freire “Os utilitaristas e outras correntes de pensamento liberal enxergam nas trocas no mercado e nos contratos a expressão plena e material da liberdade e da capacidade de cálculo e de cooperação dos indivíduos, de maneira que o fundamento da regulação e interdependência que assegura a coesão social estaria alicerçado no próprio mercado e nos contratos. Entretanto, Durkheim se encarrega de desmistificar essa compreensão atomista e ilusória sobre as interações sociais no mercado e mediada por contratos. Para Durkheim (1999, p. 203), os utilitaristas e os economistas liberais esquecem que os contratos possuem uma dimensão “não- contratual”, uma regulação social prévia: “[...] o contrato não basta por si, mas só é possível graças a uma regulamentação que é de origem social”.187 Durkheim percebeu que o sistema de trocas descrito pela filosofia utilitarista e adotado pela teoria económica clássica e neoclássica não visa criar relações de cooperação suscetível de transformar em relações de solidariedade. Durkheim concorda com Marx que, no capitalismo, a cooperação ser apenas um meio estratégico empregado para promover a competitividade. Esta ideia transpira no ensaio de Oliver Williamson e a sua distinção entre dos modelos de cooperação opostos cuja racionalidade se destacaria através da sua funcionalidade, medida em termos de custos e de benefícios definidas como custos de transação, para a realização de fins competitivos188. A teoria 186 Alyson Thiago Fernandes Freire (2019) Émile Durkheim e a Crítica do Capitalismo, Mediações Revista de Ciências Sociais 24(2), 154, September 2019, p. 165 187 “Se o interesse aproxima os homens, nunca o faz mais que por alguns instantes e só pode criar entre eles um vínculo exterior. No fato da troca, os diversos agentes permanecem exteriores uns aos outros e, uma vez terminada a operação, cada um se reencontra e se reapropria de si por inteiro. As consciências são postas apenas superficialmente em contato: nem se penetram, nem aderem fortemente umas às outras. Se olharmos as coisas a fundo, veremos que toda harmonia de interesses encerra um conflito latente ou simplesmente adiado. Porque, onde o interesse reina sozinho, como nada vem refrear os egoísmos em presença, cada eu se encontra face ao outro em pe de guerra e uma tregua nesse eterno antagonismo não poderia ser de longa duração.” Durkheim, in Freire (2019) ibid., p. 172 188 Para o Williamson, a competicao ja involve o problema de controlo e de governacao. Defende que “Transaction cost economics works out of an economizing perspective in which markets and hierarchies are alternative modes of governance and the object is to ascertain which transactions go where and why.” Oliver Williamson (1995) Hierarchies, Markets and Power in the Economy: An Economic Perspective, Industrial and corporate change, vol. 4, nr. 1/1995, p. 21 94
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] clássica de Adam Smith até John Stuart Mill, tentou remediar esta falha em recorrendo a sentimentos morais, como a simpatia e a empatia para reduzir os excessos egoístas que, no entanto, representam o ultimo motivo para entrar nestas relações de trocas. Sentimentos morais que a teoria neoclássica classificou como suscetíveis fontes irracionais e, por esta razão, eliminou nos seus quadros teóricos, e cujo origem como argumentou Durkheim, não se encontram na natureza humana de que nos padrões éticos e morais institucionalizadas nas instituições sociais que, por sua vez, representam a síntese das energias psíquicas individuais de passado e de presente. A crítica de Durkheim ao interesse egoísta e ao seu modelo de autorregulação por via de relações contratuais de mercado está ecoando a crítica formulada pela maioria de representantes da nova sociologia adiante a filosofia utilitarista. Apesar das diferencias em termos de perspectivas e de interpretações, têm em comum de criticar o pressuposto utilitarista que, no final da conta, está a prever uma sociedade onde o outro ocupa o papel do inimigo e onde o bem-estar individual dependia da vontade de querer vencer este inimigo. Esta atitude, a vontade de vencer, é a única forma de mobilizar em pleno os seus interesses egoístas que representam o fundamento da racionalidade individual, e o fundamento racional do sistema de contratos e de autorregulação por via do mercado. Iniciamos este capítulo com a observação dupla que a sociologia e teoria social nascente e representada pelos três autores se constituiu como revisão crítica da filosofia e do paradigma utilitarista que domina na teoria económica clássica e neoclássica, mas que esta revisão foi influenciada pelos axiomas filosóficas de esclarecimento, no caso de Marx, e de pós-esclarecimento, no caso de Weber e de Durkheim. Na vertente da filosofia politica a propriedade e os direitos de propriedade que está a ofercer ocupam um lugar central na nova lista dos direitos humanos e são interpretados como garantia da, e como a manifestação tangível da liberdade individual. Este significado da propriedade como direito humano e como afirmação do valor individual, do seu estatuto social fez objecto de uma revisão crítica por parte dos representantes da sociologia nascente. Uma revisão critica que parte do caracter socialmente divisivo da propriedade e o poder que vai com ela, uma vez que representa um critério distintivo em termos de localização social e espacial numa classe social e das oportunidades e possibilidades de vida que diferem em função deste posicionamento social e espacial. Para Marx e, a seguir, para Weber e, de uma certa forma para Durkheim, a economia política do capitalismo é um sistema de dominação de classe. O debate entre Marx e Weber não era sobre este ponto mas sobre qual é a classe dominante, um debate que encontrou a sua continuação na sociologias e na ciência política da época de pós-guerra mundial nos anos 1960 e 1970. 189 Um debate que encontrou uma 189 Henry S. Kariel (ed. 1070) Frontiers of democratic theory, Random House, NY. Esta caracterização se aplica também a forma a mais esclarecida do regime capitalista representada pela época caracterizada pelos governos social-democráticas consagrada em implementar as políticas redistributivas e de regulação Keynesianas. Vide os estudos respectivos de Habermas (1973) e de Offe (1975). Os princípios de Consenso de Washington, em termos de economia política de capitalismo, representam a volta para uma estrutura de classe onde os avanças em termos de participação de classes operários ‘negativamente privilegiadas’ em 95
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] continuação na sociologia urbana190. Enquanto concordaram que o sistema económico capitalista está representando um sistema político de dominação das classes proprietárias detentores do capital sobre as classes que em razão da ausência de capital que do acesso ao controle e a posse dos meios de produção e, por esta via, sobre o mercado de trabalho, representam as classes e categorias socias “negativamente privilegiadas’ conforme com a formulação de Weber, o debate entre Marx e Weber concentrou mais sobre a questão de quem está governando191. Enquanto Marx, no seu fragmento sobre a estrutura de classe nas sociedades capitalistas fez menção de surgimento de ‘classes intermedias’, estes classes medias ganham importância no esquema de estratificação de Weber que salienta o seu caracter ambígua dependente do facto se fazer parte de uma “classe proprietária” e/ou “aquisitiva” positivamente ou negativamente privilegiada, uma classificação que cruza com a sua respetiva “situação estamental” oferecendo “um privilegiamento típico positivo ou negativo quanto a consideração social, eficazmente reivindicado”, em termos de “modo de vida, de modo formal de educação, de prestigio derivado de descendência ou profissão” que, por sua vez resulta na “apropriação monopólicas de oportunidades de aquisição privilegiadas ou na estigmatização de determinados modos de aquisição”, para evocar só estas características. 192 No esquema de Weber a sociologia da sociedade de classe capitalista toma forma de um complexo sistema hierárquico de posições e papeis que esta a reger não somente as relações hierárquicas entre classes e categorias positivamente ou negativamente privilegiadas, mas também as relações de poder e de autoridade dentro da cada classe e categoria. Foi graças a este sistema complexo de relações hierárquicas que se desenvolve a ideia de uma estrutura pluralista o detrimento da teoria de luta de classe de Marx. Ainda mais que a sociologia de capitalismo de Weber abriu a porta para estudar a articulação entre a estrutura capitalista e as influências culturais e ‘estamentais’ cujas influências se revelam não somente sobre a estrutura social da sociedade capitalista, mas também na maneira como esta articula com formas de estratificação mais antigas. “Chamamos uma sociedade estamental quando esta orienta-se preferencialmente pelos estamentos, e classista quando esta orienta-se preferencialmente pelas classes. Entre as classes, a mais próxima é a classe social e a mais distante a classe aquisitiva.”193 Todavia, como termos de tomada de decisão, da proteção de trabalho, de aceso a propriedade, isto é, avanços que caracterizaram a época do capitalismo Keynesiano, foram sucessivamente cancelados e revocados, começando com os governos de Reagan e Thatcher nas década 1980. 190 Por exemplo: Mike Savage, Alan Warde & Kevin Ward (2003) Urban sociology, capitalismo and modernity, Plagrave, McMillan 191 Empregando o título de um estudo controverso de Robert A. Dahl (2005) Who governs: democracy and power in na American city, Yale University Press 192 Weber (2004a) ibid., p. 202 193 Weber (2004a) ibid., p. 202, A atracão de uma carreira administrativa, como Weber salientou na sua sociologia de burocracia reside no facto que está ecoando estes privilégios estamentais. Weber fala, portanto, do “estima social estamental,’ que cada funcionário publico ou privado podia, com direito, esperar e reivindicar. Weber (1999) ibid., p. 201. São estes privilégios estamentais que tornam a carreira administrativa profissional uma saída bastante atrativa para uma categoria de actores que Weber, na “Ética protestante”, 96
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] salientou Weber, a questão de posso ou não posse de propriedade e de direitos de propriedade representa o critério comum tanto para estrutura do sistema de classe, quanto para estrutura do sistema de estamentos. “Com frequência, estamentos são constituídos basicamente por classes proprietárias.” Mas como defende Weber, representam padrões atitudinais diferentes ate antagonistas, pelo menos durante e ao longo da época histórica de constituição do capitalismo onde “as normas de vida” características para a sociedade estamental representam e resultam e praticas e “condições de consumo economicamente irracionais e impedindo, deste modo, por apropriações monopólicas e eliminação da disposição livre sobre a própria capacidade aquisitiva, a formação livre do mercado.”194 A sociologia de classe de Weber, ainda mais se fica alinhada com a sua sociologia da administração e da burocracia, se torna muito mais próximo a interpretação funcionalista de Durkheim que, como vimos, se interessou menos a analise do caracter antagonista entre capital e trabalho – algo que todavia reconheceu no capitulo sobre as formas anormais de divisão de trabalho de 1893 – de que a questão de como um sistema como este podia produzir uma estrutura de ordem e manter a ordem social. Marx Durkheim e Weber, como já vemos, não somente oferecem interpretações diferentes sobre a estrutura de classe das sociedades capitalistas, mas também, como já transpirou nas observações feitas agora, na busca de soluções: O jovem Marx, ficando numas linha mais perto de Kant e de Hegel, acreditou na consciencialização dos indivíduos e na possibilidade de mudança social por via de voto democrático, uma esperança que foi frustrada pela reação violente do poder contra os movimentos democráticos. Para Weber, a solução consistia em enquadrar as relações sociais egoístas num sistema hierárquico burocrático conforme a tripla natureza do processo de racionalização das crenças, das atitudes e das instituições. Rejeitou a ideia que a revolução proletária podia representar uma saída valida do dilema utilitarista em salientando a necessidade funcional irreversível de coordenação das interações sociais e económicas criada pela diferenciação social cada vez maior; um argumento que prima na sociologia de Durkheim. Assim, a solução Durkheimiana do dilema utilitarista e individualista é dupla: ela consiste, por um lado, em criar novas instâncias de regulação moral das relações e interações económicas e sociais; por outro lado na criação de um sistema de regulação moral institucional por via de instâncias, no mesmo tempo, intermedias e especialidades; uma ideia que o levo em reavivar a instituição de guildas ocidentais de idade media, através das associações económicas, sindicatos e corporações socioprofissionais. Face á sociedade e o modo de produção e de distribuição capitalista, o Durkheim se presentou, não somente como primeiro teórico de crise social, mas também como reformista social advogando a adoção de políticas de gestão participativas e democráticas suscetíveis de equilibrar entre os diferentes grupos de caracterizou como “especialistas sem espirito, folgazões sem coração, estes nadas que pensam ter chegado a um estádio da humanidade nunca mais atingido.” Weber (2005) ibid., p. 140 194 Weber (2004a) ibid., p. 203 97
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] interesse195. A crença numa política de reformas moralmente esclarecida encontrou um eco na teoria de governação de Max Weber apresentada em 1919 na intervenção sobre ‘a política como vocação’ advogando a necessidade dos homens políticos de ser capaz de gerir o monopólio de violência caracteriza o Estado moderno, como responsabilidade. Seria este o padrão de atitude de um político como vocação.196 Ambos sociólogos rejeitam a saída revolucionária de Marx197. Para Weber, a ordem social representa o jogo de força entre diferentes camadas. Estratos e classes sociais e deve, por esta razão, ser entendido em termos de dominação de uma classe, de um estrato sobre os outros. Neste âmbito, a questão de propriedade representa o critério critico principal porque decide sobre as hipóteses de vida de cada camada e de cada individuo oriundo desta camada e do seu meio social. Não pode falar-se de uma ordem justo que de uma ordem legal capaz de suscitar a sua legitimidade quem para Weber, é a base para aceitação geral de uma ordem social. Foi Niklas Luhmann que elaborou mais sobre a teoria de legitimidade de Weber no seu ensaio sobre a sociologia de direito de 1969 publicado como a “Legitimacao sobre Procedimento” que defendeu que a abordagem que consiste em defender que a legitimidade de decisões sobre direito, sobre a sua interpretacao e a sua aplicacao, dependia, antes de tudo, da sua conformidade como critérios morais de verdade e de exactidao, iria subestimar o papel de procedimentos. Assim, o sistema de direito nas sociedades organizadas e burocratizadas se deixaria caracterizar pela mudanca do concepcoes de valor que passou da aplicação de valores morais para valores referente a boa aplicação e ao respeito dos procedimentos estabelecidas que rientam o processo de tomada de decisão.198 Para o sociólogo Stefan Machura “Contrary to the established view, Luhmann stated that institutions produce their own legitimacy with the social mechanism of procedures, regardless of the intentions of the parties. Nowadays, empirical research has shown that procedural fairness is pivotal for the acceptance of decisions and for the legitimacy of the authorities. Even more, the behaviour of the people representing the authority is of paramount importance. The article argues that to elicit legitimation, procedures must demonstrate that they are fairly conducted. The development can be 195 Durkheim (1983) ibid. Freyre nota que “Durkheim segue um caminho diferente da crítica de Karl Marx ao capitalismo e à economia política de sua época. Se o pensador alemão dirige suas baterias críticas às relações de exploração e coação capitalistas na produção e apropriação dos valores excedentes (…), o sociólogo francês, por sua vez, se volta para a insuficiência normativa da noção de livre mercado e da busca do autointeresse econômico.” Freire (2019) Ibid., p.171 196 Weber: A política como vocação, in Geerth & Mills (1982) ibid. 197 No caso de Marx importa tomar conta do contexto histórico. Marx desenvolveu os seus ideais na época do Vormärz, isto é, durante o período entre 1815 e 1848 que viu a restauração do antigo regime e o surgimento de movimentos revolucionais nacionalistas por um lado, e pró-democráticas por outro. Marx foi influenciado pelo fracasso do segundo em favor do primeiro, uma experiencia que o fez duvidar a possibilidade de políticas de reforma sem atacar os antagonismos estruturais do capitalismo que podiam superados somente através de uma ação revolucionaria. 198 Niklas Luhmann (1980) Legitimação pelo procedimento, Editora Universidade de Brasil, Brasília 98
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] characterized as from legitimation by procedure to legitimation by fair procedure.”199 A argumentacao nao somente se enquadra no raciocinhio de Weber e a sua definicao legalista da legitimidade, mas a alusao ao criterio moral de ‘fairness’, de ‘justiça em termos de equidade’, faz alusão a teoria utilitarista de John Stuart Mills cuja definição de justiça foi desenvolvido com base da relação ideal-tipica entre dois actores que se encontram numa relação de mercado e unidos num mesmo interesse que a transação económica seja acomplida em pleno respeito das obrigações mutuas. Assim defendeu que “justice can be distinguished from other forms of morality by looking at the difference between perfect and imperfect obligations. Imperfect obligations are those that no one person has the right to require of another. Perfect obligations are those that a person may demand of another.” 200 Como já foi dito, o pressuposto contra-factual da argumentação de Mill é que os agentes económicos se encontrar numa situação de igualdade e de autonomia mutual; uma premissa que fecha os olhos sobre as relações de poder estruturais que caracteriza as posições respectivos de agentes e que tem a ver com a desigualdade entre capital e trabalho. O próprio Weber salientou o impacto desta desigualdade estrutural sobre a distribuição de hipóteses de vida que caracterizaria a interação entre membros de grupos e categorias sociais positivamente e negativamente privilegiados 201, e cujas diferencias de interesse caracterizariam a luta politica para o poder e o direito de determinar os procedimentos utilizados no processo de legislar e de legiferar e que atraves disso deviam ser considerados como legítimos.202 No nosso ver, a teoria de justiça de Luhmann e semelhante daquela de John Rawls se caracteriza pela interpretação utilitarista da teoria legalista de legitimidade de Weber que salientou que “a forma de legitimidade hoje mais corrente é na crença na legalidade: a submissão a estatutos estabelecidos pelo procedimento habitual e formalmente correcto. Nestas condições, a oposição entre ordens pactuadas e ordens impostas é apenas relativa, pois, quando a vigência de uma ordem pactuada não reside num acordo unanime – o que, nos tempos passados, frequentemente foi considerado indispensável para alcançar a verdadeira legitimidade - mas na submissão efetiva, dentro de determinado circulo de pessoas, dos discordantes a vontade da maioria – caso mais frequente – temos, na realidade, a imposição desta vontade a minoria”.203 Neste âmbito importa notar que esta imposição da vontade da maioria, para Weber, deve ser considerada como valida e legítima independente da questão sobre a validade moral a decisão e da maneira como esta maioria foi criada. Na logica de Weber e de Luhmann as 199 Stefan Machura (2020) Legitimation durch Verfahren – was bleibt? Soziale Systeme | Volume 22: Issue 1-2, https://www.degruyter.com/view/journals/sosys/22/1-2/article-p331.xml 200 https://www.sparknotes.com/philosophy/utilitarianism/section6/#:~:text=Mill%20argues%20that%20j ustice%20can,person%20may%20demand%20of%20another. 201 Weber (2004a) Economia e Sociedade, vol. 1, ibid., pp. 199ff. 202 Este último aspecto faz referência às ideias de Weber sobre o Estado racional e a competição partidária desenvolvidas no capítulo 8 no segundo volumo de Economia e Sociedade intitulada como a “sociologia do Estado’. Weber (1999) Economia e Sociedade, vol. 2, ibid., pp.517ff 203 Weber (2004a) Economia e Sociedade, vol. 1, ibid., p. 23 99
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] leis sobre a escravagem gozam da legitimidade a partir do momento que foram decretadas em respeito dos procedimentos estabelecidos e que conseguiram reunir a maioria dos votos das pessoas legalmente legitimadas para participar no processo de votação; uma legitimidade que é validade independente da validade moral da vontade da maioria e da questão em que medida as pessoas participando neste processo de votação ter um interesse pessoal na institucionalização legal da escravagem. Para Marx, a caracterização do capital como factor de produção ao lado da terra, do trabalho, e da tecnologia, falharia de captar a verdadeira natureza do capital. Por um lado, como Marx tentou de fazer demonstração através da analise sobre a transformação da moeda em capital, representa, no circuito económico capitalista que visa o aumento da riqueza na sua forma abstracta e dissociada de qualquer utilidade social, o valor de auto- utilização (“selbst verwertender Wert”) que fica a origem da logica interminável do capitalismo de transformar o dinheiro em ainda mais dinheiro. Esta característica do capital iria criar a ilusão que iria representar um factor de produção oposto ao trabalho enquanto, na realidade, seria nada mais que a representação de um trabalho passado, a acumulação de um ‘trabalho morte’ que foi dispensado na sua constituição e extraída em mais-valia expropriada que, agora, serve no mercado de trabalho para ‘comprar’ um trabalho vivo’.204 Para Marx, o antagonismo entre capital e trabalho é forca motriz da organização social capitalista e da sua estrutura social de divisão em classes sociais que, para ele, representam o principal obstáculo a realização da sociedade racional democrática bem com da auto- realizacao do homem205. Vê-se também que a crítica de Marx para desmascarar o caracter fetiche do conceito económico do capital, tem a sua raiz na teoria de valor da teoria económica clássica de Smith ate Mill. Enquanto os estudos históricos e sociais de Marx representaram estudos de caso sobre situações de luta de classe e consistiam em dissecar os diferentes categorias e grupos sociais, os seus interesses e as suas capacidades de ação colectiva ou não, os estudos de Max Weber concentraram mais sobre os aspectos culturais e simbólicas e o seu papel nos processos de mudança socioeconómica e estrutural. O estudo de Weber sobre a ética protestante, que revela o caracter complexo e contingente dos processos de mudança social, e cuja captura e entendimento representa um enorme desafio para as ciências sociais em geral e a sociologia em particular pode servir como ilustração. Weber, a procura dos indícios para identificar quais dos fatores e forças sociais são suscetíveis de ter contribuído para quebrar a inercia institucional social, tornou-se para o estudo das crenças e como articulam como grupos de interesse influentes, mas subscrevidos pela ordem existente. Defendia que motivos com a ganância ou a procura do lucro não podem ser associados ao capitalismo só, mas fizeram parte da faixa motivacional em todas épocas da história. Weber concordou 204 Karl Marx (1996) O Capital: crítica da economia politica, vol. 1. Livro Primeiro: O processo de producao do capital, Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo. 205 Karl Marx & Friedrich Engels (1999) O Manifesta Comunista, e-book.brasil.com 100
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