Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] numa doutrina de economia de ‘laissez faire’ que cria a base para o lema anti regulação que domina as receitas políticas das instituições económicas internacionais como o Banco Mundial onde a regulação por via do mercado devia substituir a regulação politica324. O projeto neoliberal faz parte dos projetos de anti esclarecimento que consiste em justificar as desigualdades sociais e a perpetuação das relações de dominação com o argumento de racionalidade económica criando a ilusão que as desigualdades económicas iriam representar o resultado justo da competição livre e igual ente indivíduos concorrendo pela posse de recursos escassez e para posições altas de poder e de privilegio. Está partindo do pressuposto que os resultados de um sistema competição onde prevalecem os mecanismos de mercado e são excluídas as influências institucionais de regulação criadas pela revolução francesa, iriem revelar nada mais que o facto que indivíduos diferem em termos de talento, de intelecto, de esforço e de sacrifício. Iria erradicar a distinção entre economia formal e informal e tornar o sistema de trocas económicas num único sistema informal.325 Acerca da teoria neoclássica do capitalismo que o descreve como sistema de regulação racional, descentralizado e justo, o resumo desta ‘teoria’ assim dizer que se encontra no acima já mencionado livro de Richard Wolff & Stephen Reznick, dois economistas Americanos revela que fica dentro do senso comum da filosofia utilitarista e dos seus axiomas sobre a natureza humana. “Capitalism conforms, then, to what neoclassical theory assumes to be the wealth-accumulating nature of human beings. The theory understands capitalism to be the optimum social system because it best facilitates what we all want to do: accumulate wealth for ourselves. It prompts and encourages each citizen to make decisions based on individual self-interest-that is, maximum wealth for each consumer and producer.”326 Por cause da sua natureza racional criando um “intrinsically 324 “O principal objetivo para o neoliberalismo é a maximização dos lucros dos empresários privados (lucros econômicos). A este critério estão submetidas todas as necessidades sociais. Para esta corrente, a satisfação das necessidades sociais não conta, o que conta é o lucro.” http://trabalhadornapolitica.blogspot.com/2011/03/objetivos-do-neoliberalismo.html 325 Becchio e Leghissa enfatizam sobre o ‘caracter contrarrevolucionário’ da ideologia neoliberal que transpira nas teorias de Hayek e de Milton Friedman. “In neoliberalism, markets are supposed to be deregulated, and any form of political interference is banned, at least in principle. Classical liberalism brought formal and effective freedom to individuals as well as societies; in contrast, social and economic conditions under neoliberalism have been reducing the effective freedom of both. This is the counter-revolutionary aspect of neoliberalism, which, in a paradoxical way, led individuals far away from liberty. There are two sources of neoliberalism when it is related to neoclassical economics: the shift from the classical notion of ‘political economy’ to the notion of ‘economics’, and the emergence of rational choice theory.” Giandomenica Becchio & Giovanni Leghissa (2017) The Origins of Neoliberalism: Insights from economics and philosophy, Routledge, NY, p. 12. Ou seja, a diferença entre teoria clássica e neoclássica é que a última ter eliminado a parte da teoria moral que ainda figura na primeira e onde é considerada como a ‘conditio-sine-qua-non’ para implementar um sistema de transações económicas motivado pela satisfação dos interesses egoístas e onde o mercado figura como único meio de mediação. 326 Wolff & Reznick (1987) ibid., p. 247. Esta característica cria outras implicações, por exemplo a crenca que “capitalism rewards hard work and personal saving. Since individual incomes flow from the contributions individuals make to production, the more labor individuals contribute, the higher their wage income will be.” Esta caracteristica iria criar um incentive para a) aumentar a produtividade do trabalho, e b) a produtividade de recursos. “Technological changes can and do increase the incomes of those who supply the resources whose productivity is raised by those 151
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] harmonious economic system” todos os países deviam encaminhar a via capitalista como o seu modelo de desenvolvimento. “One implication of this neoclassical argument is that the institutions of capitalism should be established everywhere as soon as possible since they are what all rational individuals and nations want for themselves. Where capitalism exists, it must be protected from the irrational persons or nations who would destroy it and establish irrational economic and social institutions-for example, 'collectivized property and centralized economic planning. The latterf because they are not capitalist, would impose all manner of inefficiencies and consumption dissatisfactions. Where capitalism does not exist, the clear and obvious interest of all rational, self-concerned people must lie in establishing it. In particular, poor nations must recognize that capitalism is the way to become rich.”327 Quanto ao fenómeno da pobreza a teoria neoclássica da pobreza pode ser efeito de barreiras sociais ou individuais impedindo o bom funcionamento do sistema capitalista e/ou o seu desenvolvimento. Segundo, a pobreza pode ser resultado de escolhas individuais trocando o trabalho pelo lazer e que está anunciando a volta da tese Malthusiana sobre a preguiça como causa da pobreza e que afecta as classes operários que, por esta razão, precisam ser submetidas a um regime rigoroso de disciplina e de controlo. No último, a falta de produtividade que resulta na pobreza. Assim “The poverty of individuals and nations can thus be explained in terms of their low- productivity resource endowments.”328 Para contrariar estas disfunções e imperfeições suscetível de criar situações de pobreza, a teoria neoclássica formulou uma lista de ‘prescrições políticas’. “A rational society must identify and eliminate barriers to free-market decisions made by prtvate property owners, whatever their source. The goal must be to create perfect capitalist market institutions in which each citizen has an equal chance to be rich or poor depending on his or her personal preferences and the given technological productivity of his or her privately owned resources. On this basic issue of removing market imperfections, both the liberal and the conservative, side of the neoclassical approach agree. Their disagreements concern rather the sources of and specific mechanisms for removing such imperfections.” Trata- se dos ingredientes do paradigma de desenvolvimento económico e social codificado no ‘Consenso de Washington’ de 1992 que serviu como modelo, como blueprint, para “ajudar os países em via de desenvolvimento em encontrar a via capitalista e, por esta via, aceder a riqueza e a felicidade individual e colectiva, segunda a promessa de John Stuart Mill.329. changes. Capitalism is thus a technically dynamic system since every citizen of a capitalist society has an interest in gaining more income by enhancing the productivity of whatever resources he or she contributes to production. Notice again the universally harmonious, mutually reinforcing interaction of capitalist institutions, technical changes, and rising incomes.”Ibid., p. 248 327 Wolff & Reznick (1987) ibid., p. 248 328 Wolff & Reznick (1987) ibid., p. 249 329 O documento de reflexão editado pela OECD sobre as novas perspetivas de desenvolvimento defende que as receitas neoclássicas do Consenso de Washington foram transformadas bum novo paradigma, este de um “goal based development’. Argumenta que a tese que o principal défice que caracteriza as economias nos países não industrializadas seria a falta de capital, mas teria subestimado as dificuldades nestas economias de absorber este ‘input’ externo de capital para desencadear o processo de desenvolvimento económico. Defende em termos de solução que os países desenvolver os seus próprios planos de desenvolvimento mas ofusca o facto que estes planos estão esperados de seguir o ‘blueprint’ desenvolvido pelas organizações transnacionais e protagonistas do referencial capitalista (tal como os planos estratégicas de redução da 152
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Esta descrição convite a duas observações: por um lado, revela o caracter ‘metafisico’ das axiomas de base da teoria neoclássica, metafisica porque fica na esfera de modelos, de construções ideal-típicos confundindo, apesar do aviso de Weber, o modelo com a realidade. A crítica de Bell, acima resumido concentrou sobre este aspecto. Por outro lado, está atribuindo a existência de fenómenos contrárias ao modelo a incapacidade da realidade e dos seus protagonistas de se revelar digne as prescrições normativas do modelo. E, no fim: enquanto a realidade não tem capacidade de se ver digne do modelo, deve confiar-se nestas camadas com mais alto grau de perfeição: a classe capitalista: os detentores de capital e os seus mais fiéis servidores, os sumo sacerdotes da ‘doxa’, neoclássica, o exército dos economistas neoclássicos que, como podia comentar-se com referência a Bourdieu são culpados de ter confundido opinião e conhecimento, especulação e ciência. O estudo de Saskia Sassen de 2014 concentrou, portanto, sobre o estudo da da logica ‘brutal’ deste paradigma neoliberal que se revelaria nas formas como passa tratando as camadas que não são consideradas como os seus sujeitos mas como meros objetos, uma expulsão que abre a via para torna-os em vítimas.330 É um processo que autores como Sassen ou Harvey têm descrito como processo de acumulação primitiva. “In the name of development, Special Economic Zones, mining concessions, agribusiness, major infrastructure, and real estate projects involve the deliberate dispossession of resources, especially land, from the poor through state- led combinations of legal measures and coercion (Cáceres 2014 ; Hsing 2010 ; Jones 1998 ; Levien 2013 ). In many ways, as Robert Bates (2001 : 34) puts it more broadly, economic production and capital pobreza vistos para complementar as politicas de ajustamento estrutural de ‘Washington’) que lidam a indústria de desenvolvimento e cuja avaliação impacta sobre o influxo do capital que, por sua vez, impacto sobre o bem-estar das elites politicas nestes países. Defende também que o novo consenso pós-Washington podia caracterizar-se surgimento de um novo conceito de desenvolvimento, “that development has to do with real improvements in people’s quality of life, and how satisfied they are with it.” OECD (2018) Perspectives on Global Development 2019: rethinking development strategies, p. 12ff 330 Saskia Sassen oferece um outro olhar sobre este novo paradigma descrita no documento da OECD acima citado. Revela as transformações epocais desde o início da década de 1980 que viu o ressurgimento de um capitalismo selvagem, a passagem de um capitalismo ‘tradicional para um capitalismo mais avançado: “We can characterize the relationship of advanced to traditional capitalism in our current period as one marked by extraction and destruction, not unlike the relationship of traditional capitalism to precapitalist economies. At its most extreme this can mean the immiseration and exclusion of growing numbers of people who cease being of value as workers and consumers. But today it can also mean that economic actors once crucial to the development of capitalism, such as petty bourgeoisies and traditional national bourgeoisies, cease being of value to the larger system. These trends are not anomalous, nor are they the result of a crisis; they are part of the current systemic deepening of capitalist relations. (…) For instance, from the perspective of today’s capitalism, the natural resources of much of Africa, Latin America, and central Asia are more important than the people on those lands as workers or consumers”. Saskia Sassen (2014) Expulsions: Brutality and Complexity in the Global Economy, Belknap Press, Cambridge, Massachusetts, p. 10. O novo capitalismo oligárquico dominado pelas instituições e investidores financeiras quanto trata-se do ‘doing business’ (World bank) nos países subdesenvolvidos recorrem para mecanismos mas antigos. “To put it bluntly, it is easier for rich foreign governments and investors to acquire vast stretches of land in sub- Saharan Africa and parts of Latin America and Asia if their dealings are with weakened and/or corrupt governments and local elites, with little if any voice and political representation left for the population.” Ibid., p. 87 153
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] accumulation have always been underpinned by various forms of instrumental violence, to the extent that ‘coercion and force are as much a part of everyday life as markets and economic exchange’. In other words, contrary to Keynes’s view that order and peace are achieved through opportunities for moneymaking, Bates suggests that order, violence, and economic accumulation generally operate together and in synch. This is something that obviously has significant implications for contemporary development agendas, not only potentially undermining the current consensus that negatively associates violence and development but also highlighting that development is not necessarily a benign process, and generally involves both winners and losers. Seen from this perspective, it can be argued that violence is in fact at the centre of development processes, both implicitly and explicitly.”331O emprego do termo ‘neo’ serve para salientar esta ancoragem numa teoria económica qua data do seculo 19 e que, já nesta altura deu uma descrição incompleta e tendenciosa da realidade, defeitos que não escaparam a sociologia clássica consciente do caracter exclusivo da regulação do mercado no capitalismo uma vez que ‘o mercado não esta preparado para satisfazer as necessidades económicas e sociais, mas somente as ‘necessidades solváveis’ como notou Schluchter 332 . O conflito entre regulação económica e o seu caracter exclusivo que condenou grandes partes das populações numa vida de pobreza, de precaridade e miséria contribuiu bastante ao surgimento do Estado moderno e a expansão das suas funções de regulação orientadas para mitigar os efeitos da economia capitalista e de propor soluções politicas para compensar a logica exclusiva das relações de mercado333. 331 Gareth A. Jones & Dennis Rodgers: The Violence of Development: Guerrillas, Gangs, and Goondas in Perspective, in: Grugel & Hammett (ed. 2016) ibid., p. 417 332 Wolfgang Schluchter (1985) Aspekte bürokratischer Herrschaft, Suhrkamp, Frankfurt/Main, p. 70, uma limitação que revela o conflito entre racionalidade formal e material. Em termos sociológicos a viragem neoliberal representa a tentativa de corrigir as realizações da revolução francesa que culminou na formulação de direitos humanos inalienáveis. A regulação pelo mercado não reconhece a existência deste tipo de direito inalienável; aqui direitos se resumem em direitos de propriedade cujo sistema de distribuição é fruto da competição social e passa associando o direito á propriedade ao mérito individual, um direito que se merece, e que recompensa o desempenho mostrado na competição no mercado das oportunidades. O narrativo neoliberal faz abstração das desigualdades estruturas, em particular estes entre capital e trabalho; desigualdades sociais e económicas que traduzem as desigualdades de mérito. A referência ao mérito que caracteriza a sociedade ‘aberta’ capitalista serve, portanto, não somente para justificar a existência de desigualdades sociais, mas declara a existência destas como efeito inevitável da sociedade meritocrática. O conceito tem a sua raiz na filosofia utilitarista e fez a sua aparência no estudo de Weber sobre o espirito capitalista. Conforme com os princípios meritocráticos “advancement in society is based on an individual’s capabilities and merits rather than on the basis of family, wealth, or social background (Bellows, 2009; Castilla & Benard, 2010; Poocharoen & Brillantes, 2013; Imbroscio, 2016). The idea of meritocracy has received much attention since British sociologist Michael Young first coined the term in 1958. In particular, meritocracy has increasingly been recognized as a positive system in Western societies, and the ideology has been tightly coupled with the notions of capitalism and egalitarian values, which are fundamental to the concept of the “American Dream” Kim, C. H., Choi, Y. B. (2017), How Meritocracy is Defined Today?: Contemporary Aspects of Meritocracy, Economics and Sociology, Vol. 10, No. 1, p. 112 333 Émile Durkheim: Préface a la seconde édition, in Durkheim (1998) ibid., e Durkheim (1983) ibid. A ideia que incumbia ao Estado de assumir funções económicas ganhou de corpo apos da 2ª guerra mundial através da teoria Keynesiana a e foi consequência da crise de legitimidade da teoria liberal cujos efeitos foram 154
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Portanto, é conveniente acrescentar que as interpretações e as avaliações divergentes sobre o papel do Estado vis-à-vis á economia e á regulação das relações sociais e económicas, representa o ponto de maior oposição entre as teorias sociológicas e económicas na época dos sociólogos clássicos com exceção talvez de Pareto. Este facto revela também que as teorias económicas e sociológicas referem-se á fundamentos e tradições filosóficas opostas que, para a teoria económica, é a filosofia utilitarista inglesa. 334 As ideias utilitaristas entraram no pensamento e no discurso sociológico através da teoria de escolha racional, um modelo explicativo que tem a sua origem na teoria microeconómica clássica e representa um interpretação mais radical do individualismo metodológico culturalmente temperado de Weber. Importa salientar que até hoje, representa um modelo explicativo sociológico bastante influente até hoje, como ilustram, a título exemplar as contribuições de autores tão diversos como Coleman, Giddens, Boudon, Crozier ou ainda Habermas. James Coleman, protagonista de uma abordagem em individualismo metodológico tentou fornecer um modelo explicativo sobre a articulação entre os níveis macro- e macrosociológicas, entre ideias e interesses com base do modelo explicativo de Weber na Ética protestante. As teorias de justiça elaboradas por autores como Pareto e Rawls podem servir como exemplo da influência do paradigma utilitarista no debate sobre a questão da justiça e na construção de modelos de distribuição justa. Além das teorias económicas focalizando sobre a questão da distribuição justa, por exemplo através do famoso ‘ótimo de Pareto’ ancorado na teoria utilitarista, importa evocar a teoria de justiça de John Rawls que se enquadra também numa logica filosófica utilitarista, e antes de mais na versão liberal de John Stuart Mill. O modelo quis se defender de julgamentos tendenciosos, a razão para reavivou uma ideia antiga de Smith sobre o espectador imparcial’ que fez a sua reaparição sob forma da figura teórica do ‘véu da ignorância’, para garantir que decisões distributivas sejam motivadas pela busca de soluções justos e imparciais suscetíveis de promover o bem- estar geral entendido no sentido utilitarista de Bentham e Mill.335 “Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em considerados como corresponsáveis do surgimento de regimes xenófobas e fascistas na Europa. Durante 30 anos o Keynesianismo representou o paradigma político dominante até o surgimento da viragem neoliberal orquestrada por Milton Friedman e a escola de Chicago, grupo de economistas neoliberais chamados os ‘Chicago Boys’ que a partir dos anos 1970 defenderam o retorno para as teses de Hayek. A ideologia neoliberal, desde então, tornou-se no modelo dominante de políticas económicas. https://plato.stanford.edu/entries/friedrich-hayek/ Vide também o panfleto de Hayek de 1945, Friedrich von Hayek (2001) The road to serfdom, Routledge, London, livro inspirador para os economistas de Chicago 334 Uma coleção de textos traduzidos em português encontra-se na serie sobre “Os Pensadores (1984) Stuart Mill, Bentham, Edição Vitor Civita, São Paulo. Vide também o resumo de Cícero Araújo (2006) Bentham, o Utilitarismo e a Filosofia Política Moderna, http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolmpt/12_araujo.pdf. 335 Samuel Freeman (ed. 2003) The Cambridge Companion to Rawls, Cambridge University Press. 155
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação”.336 Para Mill, que quis distanciar o utilitarismo do hedonismo antigo, o valor de uma ação humana iria revelar-se através da sua capacidade de ‘produzir a maior felicidade possível’ e, por esta razão, a ação do Governo devia limitar-se em garantir as liberdades individuais criadores da riqueza e da propriedade bem como a autonomia do mercado como mecanismo de regulação imparcial e descentralizado.337 Neste âmbito enquadra-se a discussão de Adam Smith sobre a questão se um soldado e um mineiro deviam receber o mesmo salario. A resposta é que o mineiro devia receber mais. Para justificar esta resposta Smith argumenta que quando morre o mineiro seria considerado como acidente enquanto a morte do soldado seria visto como sacrifício, algo que iria receber uma recompensa simbólica diferente da morte acidental do mineiro. Em razão da ausência desta possibilidade devia receber um salario mais alto.338 Este exemplo revela a diferença entre a teoria económica clássica e neoclássica; uma diferença que, para parafrasear Weber, revela o impacto crescente de uma gestão económica baseado sobre o princípio de ‘cálculo de capital.” É notável que Smith empregou um argumento moral para determinar um salario ‘justo’, em vez de recorrer ao critério de produtividade empregado na teoria económica actual como critério de justo porque sendo um critério ‘objetivo’ e ‘mensurável’.339 O modelo de Pareto continua exercendo uma grande influência sobre as políticas económicas, fiscais e sociais. Uma situação seria Pareto-ótima quando nenhum ator racional e motivado pela promoção do seu autointeresse podia proceder em ”melhorar a (sua) situação (…) sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente econômico.” Rawls que aplica o raciocina de teoria de escolha racional desenvolveu o seu modelo de diferença como modelo alternativo á este de Pareto mais interessada na questão da justiça social que em preservar uma situação de distribuição 336 Jeremy Bentham, https://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo. 337 Frederik Rosen: Introduction, in Rosen (2003) Classical utilitarianism from Hume to b, Routledge, London, p.9ff. Para Mill enquanto alegou que o capitalism devia promover “worker ownership of firms and perhaps the establishment of small village-sized communities where some or all property would be collectively owned (Marx dismisses this kind of scheme as “utopian socialism”)” ele rejeitou a possibilidade de expropriacao. “It is important to understand that while Mill wants to see experiments with these kinds of ventures take place (largely because of the desirable changes that he thinks they might produce in workers’ characters), he is very strongly opposed to the government or anyone else taking property away from its current owners to give it to workers; he thinks that workers will be ready to run their own productive enterprises only when they are able to save the money to acquire the necessary capital goods.” John Stuart Mill (2002) The basic writings on liberty, the subjection of women and utilitarianism, The modern library, Random House, NY., p. 322. Fico dentro do senso comum capitalista que defende a correlação entre a propriedade e a racionalidade e que serviu para restrição do direito de voto a classe proprietária considerando os non-proprietários como sendo impróprios para gestão da ‘rés pública’. Culmina na associação logica entre a falta de propriedade e comportamentos irracionais que vai em par com esta entre pobreza e criminalidade que caracterizam as prenoções culturais típicas para a sociedade burguesa. 338 Steven Hitlin & Stephen Vaisey; Sociological perspectives on morality, what is it?, in: Hitlin & Vaisey (ed. 2010 ) Handbook of the sociology of morality, Springer, NY, p. 22. 339 Claus Offe: Trabalho, a categoria chave da sociologia? in Claus Offe & John Keane (1986) Disorganized Capitalism: contemporary transformations of work and politics. Oxford, Basil Blackwell 156
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] desigual. Estipula que seria justificado de desviar do modelo da igualdade a condição que os efeitos destas medidas políticas económicas ou fiscais iriem beneficiar as camadas sociais as menos privilegiadas e as mais necessitantes.340 No modelo de Pareto a redistribuição da riqueza é excluída enquanto neste de Rawls as possíveis medidas de redistribuição não podem por em causa as desigualdades estruturais entre capital e trabalho e dos ‘direitos de propriedade’ que defendem esta desigualdade e desfavoreçam as classes laboriosas. 341 Defende o princípio que desigualdades são moralmente justificadas se iriem contribuir a melhoria da situação das camadas as mais necessitantes levando a questão sobre quem ser juiz deste facto, quem ocupa o papel do ‘observador imparcial’. Ambos modelos partem do meso pressuposto da teoria estruturo-funcionalista que parte do princípio que a estratificação e a estrutura da divisão de trabalho que representa vão constituindo uma ‘exigência ‘funcional e estrutural’ inevitável nas sociedades modernas e consequência inevitável da aplicação do princípio meritocrático segundo qual “People are rewarded for intelligence and skill”342. Uma ideia que, como notou Stephen McNamee e outros, como o já citado Thomas Piketty, nada mais que um mito criado para legitimar as desigualdades estruturais entre classes sociais.343 “This is why the myth of meritocracy is harmful: it provides an incomplete explanation for success and failure, mistakenly exalting the rich and unjustly condemning the poor. 344 Quanto a validade e veracidade na aplicação do princípio de meritocracia que, nas teorias de estratificação estruturo-funcionalistas, se tornou o princípio organizador e legitimador de distribuição de posições e estatutos sociais justificando a estrutura estratificada nas sociedades modernas, 345 Weber salientou a ambiguidade em volta deste princípio. Por um lado, na teoria sobre a burocracia salienta o seu impacto na propagação do princípio meritocrático, através “da vinculação a regras abstractas” da qual “resulta a exigência de igualdade jurídica no sentido pessoal” e iria resultar na “condenação do privilégio e do repúdio” incluindo na adquisição e distribuições de cargos 340 Fonte: https://plato.stanford.edu/entries/justice-distributive/. 341 Robert Paul Wolff (1977). Understanding Rawls: A Reconstruction and Critique of a Theory of Justice, Princeton, New Jersey, p. 137. 342 Kinsley Davis & Wilbert Moore: Some principles of stratification, in David Grusky (ed. 2001) Social stratification in sociological perspective, Westview, Boulder. 343 G. William Domhoff: The role of public opinion, in Domhoff (2014) Who rules America: The triumph of the corporate rich, McGraw Hill Education, NY. Idem, Noam Chomsky (2014) Mídia: propaganda política e manipulação, Martins Fontes, São Paulo. 344 Thomas Piketty (2014) Capital in the Twenty-First Century, Harvard University Press. Thomas Piketty (2019) Capital and Ideology, Belknap Press, Cambridge. McNamee e Miller reportaram que baseado sobre dados empíricos levados nos Estados Unidos, o pais onde está ideia caracteriza a ideologia dominante que “most Americans believe that meritocracy is not only the way the system should work but the way it does work.” Stephen McNamee & Robert K. Miller (2009) The meritocratic myth, Rowman and Littlefiled, NY, p. 265 345 Kingsley Davis &Wilbert Moore: Some principles of stratification, in Fadic Grusky (ed. 2001) Social stratification in sociologicalperspective, Westview PressBoulder, Colorado. 157
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] burocráticos346, que “pressupõe, em regra, uma intensa instrução na matéria”347 e que criam ‘ramificações de longo alcance’ sobre a organização da educação e a aquisição de diplomas. Tem por consequência que o desenvolvimento de diplomas universitárias “and business and engineering colleges, and the universal clamor for the creation of educational certificates in all fields make for the formation of a privilegded stratum in bureaus and in offices. (…) Such certificates support their holder’s claims for intermarriages with notable families (…) claims to be admitted into the circles that adhere to code of honor, claims for respectable remuneration for work done, claims for assured advancement and (…) above all, claims to monopolize socially and economically advanced positions. When we hear from all sides the demand for an introduction of regular curricula and special examinations, the reason behind it is, of course, not a suddenly awakened thirst for education, but the desire for restricting the supply for these positions and their monopization by the owners of educational certificates.” 348 A competicao de diplomas, para Weber, e diretamente Ligada com o situação de classe tendo em conta quer requer do candidato de “considerable expennse and a period of waiting for full remuneration”; condicoes que desfavorizam os sem-propriedade “who have nothing to offer but their services (…) Property and the lack of property are, therefore, the basic categories of all class situations. It does not matter whether these two categories become effective in price wars or in competitive struggles”; incluíndo a luta de diplomas e de posições.349 Portanto, para Weber, tanto que para sociólogos de educação modernos como Bourdieu, Boudon e outros acima mencionados, o princípio de igualdade de oportunidades que prima no discurso sobre a educação e que representa o fundamento da ideologia meritocrática, são contrariadas pelas desigualdades sociais estruturais cujo impacto se manifesta através das carreiras escolares dos alunos e, na distribuição de cargos. Assim podemos resumir, conforme com as observações feitas nas páginas anteriores, a posição de Boudon e outros sobre a educação escolar, que tem por vocação de organizar a seleção ‘por mérito’ e a vinculação de alunos para diferentes saídas. Uma seleção que, como por magia, aumenta a probabilidade de alunos oriundo de meio sociais pobres de reencontrar-se nas profissões manuais e subalternas. As exempções servem para manter vivo o mito da promessa meritocrática, um mito que Weber, como vimos agora, já tinha desmascarado 350 . Os estudos sobre o processo de educação escolar não somente 346 Weber (1999) ibid., p. 219 347 Weber (1999) ibid., p. 200 348 Weber in Grusky (ed. 2001) ibid., p. 151 349 Weber in Grusky (ed.2001) ibid., 132-133 350 Entram aqui mecanismos com a atribuição de bolsas de estudo que, no mesmo tempo, servem para manter vivo o mito meritocrático, e para a entrada de organizações filantrópicas que, por sua vez, permitem as grandes corporações e bancos de ‘branquear a sua reputação’ e que oferecem oportunidades de cargo, e de honra, aos representantes das camadas altas, incluindo as esposas liberadas das necessidades de ganhar a sua vida por via do trabalho. Faz parte daquilo que Thorstein Veblen qualificou de ‘consumo conspicuoso’, incluindo “the claim for social leadership (…) and dignified leisure” Thomas Adam (2009) Buying respectability: Philanthropy and urban society in transnational perspective 1840 to 1930s, Indiana University Press, 158
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] contradizem a sociologia da educação de Durkheim que, em razão do seu foco unilateral sobre a escola como meio de integração social das novas gerações, ficou cego sobre o seu papel de seleção e sobre o facto que, de facto, a escola tem por vocação verdadeira, de reproduzir e cimentar o sistema de estratificação social. Violou a sua própria regra para o trabalho sociológico formulada nas ‘regras do método sociológico, isto é, de se liberar, de romper com as construções do senso comum, algo que fica no centro do método crítico das ideologias de Marx. 351 As consequências destes processos, Weber descreveram na Ética protestante onde caracterizou o homem moderno que “habitará essa estrutura vazia no futuro”; uma caracterização que pode ser interpretado como esta de um funcionário moderno ‘típico’ descrito como “especialistas sem espirito, folgazões sem coração, estes nadas pensam ter chegado a um estádio da humanidade nunca mais atingido.”352 Para Weber, a administração é, antes de tudo, o veículo da dominação. Ou seja, a estrutura hierárquica interna da burocracia é refletida no seu posicionamento vis-à-vis a sociedade e na maneira como ela organizar a necessidade de coordenar. Weber imagina a burocracia como estrutura hierárquica de comando ao serviço de um amo: pouco importa se o amo seja um proprietário capitalista ou um burocrato político. Internamente, a estrutura hierárquica torna e ética profissional numa ética de comando e obediência impessoal, e os estudos de Milgram representam uma confirmação impressionante desta tese de Weber. Para fora, e apesar do seu nivelamento formal das desigualdades sociais e económicas, de classe e de estatuto social uma vez que cada cidadão fica submetido aos mesmos procedimentos, pelo menos em teoria, cria um relacionamento de super- e de subordinação. É por estas razões porque Weber não somente não acredita na capacidade de uma revolução reestabelecer a liberdade, mas porque interpretou a burocracia como ‘casaco de ferro’ sem saída. A visão de Weber difere desta do Marx, e em particular do jovem Marx, mas também de Durkheim. O último, enquanto concordou com Weber sobre a necessidade da administração para organizar e coordenar a divisão de trabalho a nível da organização interna e externa da sociedade, onde representa a forca de ordem, o facto que aproximou a burocracia como grupo secundário agiu como corretivo contra as tendências de degradação da ética profissional numa atitude de obediência cega a regra. Uma atitude que, no caso de Weber, é profundamente amoral e desprovido de qualquer sentimento moral. Para Durkheim, abordar a burocracia como grupo secundário abre a possibilidade de atenuar esta rigidez fria de funcionalmente e de contrariar esta degradação ética. Iria também afectar o seu efeito de regulação social e económica externa. As necessidades da ordem, como elaborou Parsons que deu continuação a logicardes de pensamento de Bloomington, p. 7. Um debatesobre a filantropia nos tempos actuais encontra-se in Behrooz Morvaridi (ed. 2015) New philanthropy social justice: Debating the conceptual and policy discourse, Polity Press, Bristol. 351 Argumentamos, dizia Durkheim que o sociólogo devia ‘descartar’ todos os conhecimentos e suposições anteriores e antecipados que podia ter sobre o objecto, o fenómeno de estudo em questão. Émile Durkheim (1990) Les règles de la méthode sociologique, PUF, Paris, p. 142 352 Weber (2005) ibid., p. 140 159
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Durkheim, requer não somente assumir funções de regulação, capaz de responder as necessidades de adaptação a mudança social (A), sempre no sentido de manter o foco sobre o prosseguimento de objectivos (G). Mas requer também assumir as funções socialmente inclusivas, ou seja a função de integração social (I) e de manutenção de valores éticas morais que legitima as normas e regras de funcionamento estabelecidas e que é indispensável pela sua aceitação e promove a sua internalização, e a sua trasformacao em rutinas éticas profissionais. (L). Neste âmbito, e apesar das diferencias discutidas nos parágrafos anteriores, Durkheim fica mais próximo de Marx neste rejeito das teses de Weber sobre a burocracia como casaco de aço, uma proximidade que se deve, no meu ver, que ambos, todavia em maneiras diferentes, escolheram a filosofia moral de Kant, (e de uma certa maneira Hegel), como ponto de partida da sua reflexão. As análises de Weber sobre o capitalismo focalizam, portanto, sobre o estudo sobre as consequências da racionalização ocidental que, a nível institucional levou a burocratização, a nível individual, a atitude calculadora e a nível social a sociedade e o Estado de classe. As consequências desta redefinição da racionalidade e das suas origens são dramáticas; por um lado sustentam a tese sobre as burocracias tornando-se em casacos de aço que uma vez criadas não podem ser desfeitas mais; o casaco de aço burocrático iria mesmo resistir às revoluções. Por outro lado aproxima a teoria de mudança social de Weber as teorias de elite de Pareto e de Michels que ambos defenderem que as revoluções mesmo estas inspiradas pelas ideais de liberdade, igualdade e fraternidade iriem resultar em nada mais que na rotação de elites; em propulsar um novo grupo de elite ao poder, que, no regime antigo, representou uma minoria353. 353 Alasdair Marshall (2007) Vilfredo Pareto’s Sociology: A Framework for Political Psychology, Ashgate Publishing Limited, Aldershot. Marshall defende que “Pareto viewed the capacity to exploit others as having been distributed disproportionately amongst elites throughout western history. He also believed that the slow movement towards democracy and meritocracy which had taken place during the course of the late nineteenth and early twentieth centuries had done little to change this. Democratic political systems (or ‘plutodemocracies’ as he called them) were failing to reflect the will of the people because democratic elections merely provided mechanisms for the co-optation of new, more capable personnel into the political and economic elite strata. As elites are revitalised from below, Pareto believed, their potential to exploit (or to use his preferred term, to ‘spoliate’) the masses increases. Perversely, then, Pareto considered imbalances of wealth likely to increase along with the extension of the suffrage in the emerging European democracies.” Ibid., p. 10. As análises recentes de Thomas Piketty e colegas sobre o desenvolvimento das desigualdades na época pós-Keynesiana não somente ultrapassam as previsões de Pareto mas confirmam as teses de Weber sobre a irracionalidade intrínseca no capitalismo ocidental, e a tese de Marx sobre o capitalismo e a monopolização. Piketty (2014) ibid. Idem a serie de relatórios anuais da OXFAM sobre as inequalidades globais onde, em 2018, a riqueza acumulada pelas 26 pessoas as mais ricas equalizou a riqueza cumulada de 3.8 bilhões pessoas as mais pobres, uma distorção que, graças ao corrente sistema político-económico não parra de crescer. https://www.vox.com/future-perfect/2019/1/22/18192774/oxfam-inequality-report-2019-dav. Estes dados ilustram que o sistema capitalista actual e o seu sistema de divisão de trabalho e de propriedade não têm por objetivo de aumentar as riquezas nacionais e promovendo a Liberdade individual como previu Adam Smith, mas de promover os interesses excessivos dos detentores de capital. Ou como concluiu Marx, representa um sistema de dominação com eles como únicos beneficiários, e este facto seria responsável pela crise institucional permanente, a crise de legitimação nas sociedades modernas. As investigações famosas de Claus Offe (1984) Problemas estruturais do Estado capitalista, Tempo Brasileiro, RdJ; e de 160
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Porem, a visão sombra de Weber sobre o resultado do processo de racionalização, influenciada, como já foi dito pela filosofia niilista, contrasta com a teoria de mudança social que rejeita o determinismo do materialismo histórico bem como a teoria de evolução linear de Durkheim para quem a mudança social iria representar um processo de evolução institucional lente. Contra o primeiro defende o caracter contingente e não determinado da mudança social tudo em defendendo que mesmo se o capitalismo surgiu por acidente representa o fim da história uma vez que anda agora em círculos de rotação de elites – o papel das revoluções consistiria em propulsar esta rotação. Contra o segundo, e a tese sobre a relação causal entre crescimento demográfico e divisão de trabalho representando forças e fatores sociais sobre quais acores sociais não ter controlo agindo portanto detrás das costas dele, argumentou que primeiro, acores sociais ocupam um papel ativo e influenciam o curso da mudança social, e segundo que, por esta razão, devia rejeitar-se a ideia de um desenvolvimento linear entre dois tipos de solidariedade social, mecânica e orgânica. Deixou a sua marca sobre Parsons cujos estudos sobre o processo de evolução de sociedades foram motivados pelo objetivo “to bring some order’ into ‘the immense variety of types of society’, understood as ‘social systems.’354 Para Weber, não existia, nem automatismo, nem linearidade na maneira como o processo de desenvolvimento social está a decorrer. Este processo e a sua direção iria sempre depender da articulação casual entre ideias religiosas e a sua interpretação por grupos sociais e económicas influentes que, além disso, iriem encontrar-se em relações de concorrência e de competição. Quer dizer que a questão sobre quais as ideias e interesses e a sua combinação podiam sair ‘vitoriosos’ dependia de uma Jürgen Habermas (1980) A crise de legitimidade no capitalismo tardio, Tempo brasileiro, RdJ, escritas na época onde o paradigma Keynesiana previu politicas redistributivas mais acentuadas culminando na ideia do Estado providencia, identificaram como causa destas crises as contradições estruturas do capitalismo, e não, como foi no case de Durkheim e Parsons, relações disfuncionais entre subsistemas e entre papeis sociais, Mas partilham a tese sobre a necessidade de ter um Estado com papel de regulação, tudo contraio ao paradigma neoliberal de ‘Estado mínimo’, um paradigma codificado no ‘Consenso de Washington’. Construções como o Consenso de Washington, partem de três pressupostos de natureza filosófica, até metafisica: 1: uma teoria de ação construída sobre o pressuposto da racionalidade utilitarista. 2. A capacidade autorreguladora do mercado e o axioma de preços flexíveis que, no conjunto, sempre resultam em criar um equilíbrio entre oferta e demanda. 3. Os pressupostos 1 e 2 só funcionam sem intervenção de influenciais externos, ou seja, sem intervenção de instâncias com interesse politica. Para a ‘economics’ neoclássica, o principal inimigo da economia e o Estado. Não são os monopólios, os oligopólios, os direitos de propriedade ou ainda a lei da herança. Para defender esta tese está pronta de curvar a realidade até corresponde com o mito. Como notou Cassirer “physical reality seems to recede in proportion as man’s symbolic activity advances. Instead of dealing with the things themselves, man is in a sense constantly conversing with himself. He has so enveloped himself in linguistic forms, in artistic images, in mythical symbols or religious rites that he cannot see or know anything except by the interposition of this artificial medium.” Cassirer (1944) ibid., p. 43. Para desmascarar o caracter mítico da logica atras do famoso Consenso neoliberal, só falta substituir ‘man’s activity’ com ‘teoria neoclássica’. Esta substituição revela a forma como a última está desdobrando a realidade, até fica conforma com o seu pensamento mitológico. Voltaramos de discutir estes aspectos no último capítulo deste ensaio. 354 Parsons in John Goldthorpe (2015) Sociology as a population science, Cambridge University Press, p. 20 161
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] multidão de variáveis que somente a reconstrução histórica, trabalhando com tipos ideias podia revelar.355 O foco da sociologia consistiria portanto de desenvolver abordagens metodológicas suscetíveis de permitir conduzir estudos de caso sobre as formas como ideias e interesses se articulam e moldam o processo de desenvolvimento, uma analise construída em volta de ideal tipos de racionalidade Define o interesse central da sociologia de Weber.356 A decisão de Weber de abordar o processo histórico com articulação entre ideias e interesses, permitia lhe de criar uma ponte conceptual entre os estudos micro – e macrossociológicos357. Permite estudar esta articulação tanto a nível das racionalidades individuais por exemplo no conflito entre racionalidades (motivos) axiológicas, instrumentais ou tradicionais; quanto a nível das crenças religiosas onde cada uma está vista como transportando e legitimando uma ideia uma interpretação própria sobre o mundo (Welt – und Wertvorstellung) que, por sua vez, corresponde a uma articulação concreta e histórica entre ideias e interesses, entre racionalidades axiológicas e instrumentais, entre níveis institucionais e acionais que o estudo sociológico devia tentar de revelar e de identificar.358 Weber completamente abandonou a ideia que o estudo da história e do desenvolvimento social podia servir para reconstruir o processo de emancipação humana. Apropriou-se da ideia de Marx que, nos seus estudos sobre a pré-história, caracterizou as 355 “One word more about giving instructions as to what the world ought to be. Philosophy in any case always comes on the scene too late to give it. As the thought of the world, it appears only when actuality is already there cut and dried after its process of formation has been completed. The teaching of the concept, which is also history’s inescapable lesson, is that it is only when actuality is mature that the ideal first appears over against the real and that the ideal apprehends this same real world in its substance and builds it up for itself into the shape of an intellectual realm. When philosophy paints its grey in grey, then has a shape of life grown old. By philosophy’s grey in grey it cannot be rejuvenated but only understood. The owl of Minerva spreads its wings only with the falling of the dusk.” Hegel, in Knowles (2004) ibid., p. 78A abordagem reconstrutiva para estudar eventos e movimentos históricos empregada por Weber na Ética protestante reproduz portanto a tese famosa de Hegel que ‘a coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo’ que condiciona o processo de conhecimento como o processo de desdobramento do espirito da época que só iria revelar-se na sua fase final. Alexandre Kojève (1969) Introduction to the reading of Hegel: Lectures on the Phenomenology of Spirit, Basic Books, p. 163. Marx objetou contra esta interpretação da filosofia e confrontou, na critica da filosofia de direito de Hegel, a figura de Hegel com esta do galo francês que não está só anunciando a crepuscula, mas o alvorecer da humanidade. O galo francês é o símbolo da revolução francesa. 356 O ensaio de Boudon sobre a desordem, até hoje, oferece uma das melhoras apresentações da teoria de mudança social de Weber. Boudon (1991) ibid. 357 Weber aborda a dialética entre ideias e interesses na sua sociologia das religiões: Max Weber: Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen, Einleitung, in Weber (1986) Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie, vol. 1, Mohr, Tübingen, p. 252. 358 Vide por exemplo: Wolfgang Schluchter: Interessen, Ideen, Institutionen: Schlüsselbegriffe einer an Max Weber orientierten Soziologie, in Steffen Sigmund, Gert Albert, Agathe Bienfait & Mateuz Stachura (ed. (2009) Soziale Konstellation und historische Perspektive: Festschrift fuer Rainer Lepsius, Springer, Heidelberg 162
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] ideias morais como estas que correspondem a realização dos interesses de grupos dominantes, mas rejeitou a ideia de emancipação. Viu a emancipação como um privilégio das classes poderosas e com capacidade de impor a sua vontade sobre o resto tudo em colocando os seus interesses como interesses legitimas. O papel atribuído ao estudo da empresa capitalista e a tentativa de captar o seu significado cultural revela a que ponto as diferenças entre Marx, Weber e Durkheim são significantes: Enquanto Marx identificou a empresa capitalista, o seu sistema de divisão de trabalho e de propriedade como no central do sistema capitalista, representou para Weber o protótipo de racionalização que expandiu-se sobre todos os sectores da sociedade. Para Marx a questão da posse de propriedade (‘property ownership’) determina o sobre o posicionamento no processo da produção; para Weber a posse de propriedade determina também a posição que as categorias sociais ocupam face ao mercado e revela-se como o maior fator social que não somente determina a situação de classe mas também sobre a distribuição das hipóteses de vida. (‘Life chances’). 359 Parte da distinção entre ‘classes proprietárias 359 Para Marx, tanto que para Weber, a classe de proprietários que ganham a sua vida sem depender da venda da sua força de trabalho, é subdividida em duas grandes subclasses: a classe burguesa cujo rendimento vária em função das taxas de lucro que resulta do seu investimento no processo de produção capitalista, e a classe rentista onde a maior parte do seu rendimento vem da propriedade sobre a terra. Naturalmente, nada impede á classe capitalista de obter os seus rendimentos de uma combinação entre o lucro tirada da mais-valia do trabalho e a renda tirada da posse da terra e o seu uso para fins de produção. Weber, na Economia e Sociedade oferece uma apresentação esquemática sobre os diferentes tipos e fontes de rendimento. Max Weber: Categorias sociológicas fundamentais de gestão económica, § 41, p. 136ff, in Weber (2004a) ibid. Neste contexto convém referir á Henri Lefebvre e a sua tese do ‘2ndo circuito de capital’ caracterizada pelo investimento no mercado do imobiliário, (real Estate) que não somente representa uma fonte alternativa de rendimento em períodos caracterizados pela sobre acumulação do capital, mas que está nivelando as fronteiras entre lucro e renda. Henri Lefebvre que defendeu que “O capitalismo parece estar sem fôlego. Ele encontrou nova inspiração na conquista do espaço — em termos triviais, na especulação imobiliária, projetos de capital (dentro e fora da cidade), e compra e venda do espaço. E o faz em escala mundial”. Portanto, “o espaço não é mais um meio indiferente, a soma de lugares nos quais mais-valia é criada, realizada e distribuída”. Em vez disso, “se torna o produto do trabalho social, o próprio objeto geral da produção, e consequentemente da formação de mais-valia”. Assim, em uma depressão, o capital flui para ele e “o circuito secundário serve como um amortecedor”. Henri Lefebvre, in: Maria Ceci Misoczky & Clarice Misoczky de Oliveira (2018) A cidade e o urbano como espaços do capital e das lutas sociais: notas sobre a duradoura contribuição de Henri Lefebvre, Revista de Administração Publica, vol 52, no. 2, Rio de Janeiro, p.1022. Vide também: Mike Savage, Alan Warde & Kevin Ward (2003) Urban sociology, capitalism and modernity, Palgrave Mcmillan, p. 84ff. O conceito do segundo circuito de capital não somente dá explicação sobre os motivos para estas deslocações constantes do capital saindo do circuito de produção e entrando neste de especulação financeira e imobiliária. Representam campos de investimento alternativo em tempos de crise de superprodução industrial, acompanhada pela queda de taxas de lucro. Apesar da problemática de gentrificação investimentos no Real Estate são suscetíveis de beneficiar de apoio politico financeiro público. John R. Logan & Harvey L. Molotch (1987) Urban fortunes: the political economy of place, University of Caligornia Press, Berkeley. Serve para revelar a articulação entre economia legal e ilegal, uma vez que o segundo circuito se revelou como sendo um que é bastante propício para a lavagem de dinheiro. Representam formas modernas do famoso “pecúnia non olet, dos velhos Romanos. Sobre este aspecto, por exemplo: Fausto Martin De Sanctis (2017) International Money Laundering 163
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] positivamente e negativamente privilegiadas’. No que diz respeito a primeira categoria seria composta da classe rentista, e da classe aquisitiva cujo poder reside na sua capacidade ‘de monopolizar a direção da produção de bens no interesse dos fins lucrativos dos membros da sua classe”, e “no asseguramento de suas possibilidades aquisitivas pela influência sobre a política económica das associações politicas” isto é: de partidos políticos.360 As classes e negativamente privilegiadas, “são tipicamente objetos de propriedade”, isto é: “dependentes, desclassificados, endividados e pobres.” Quanto á outra categoria, as “classes aquisitivas negativamente privilegiadas” figuram as diferentes categorias de ‘trabalhadores’ com ou sem qualificações, e, entre eles e a classe capitalista e rentista, “as classes medias’, entre quais, os camponeses, trabalhadores com qualificações monopólicas e artesoes autónomos”; os funcionários públicos e privados, a pequena burguesa e os intelectuais.361 A posse de propriedade transforma se em duas formas de poder: o poder sobre o mercado que, na última instancia, resultaria na criação de monopólios, e ‘o poder de fecho’ (social closure), “which instead of leading to restriction of output leads to the exclusion of inputs. Exclusion is brought Through Real Estate and Agribusiness: A Criminal Justice Perspective from the “Panama Papers, Springer, Cham, Switzerland. No caso de Africa: Charles Goredema (2004) Money laundering in Southern Africa Incidence, magnitude and prospects for its control, ISS Paper 92. Tanto Lefebvre, quanto Harvey usaram o conceito do segundo circuito para explicar o movimento de capital em tempo de crises de superprodução que resulta numa queda de taxas de lucro no sector produtivo. Mas iriem representar flutuações mais momentâneas tendo em conta que em cada novo ciclo de produção pelo menos em provocado pela inovação tecnologia, o capital iria voltar para o sector produtivo. “For Harvey, investment in the urban form offers a temporary solution to crises in capitalism, but then in turn it becomes a problem, which needs to be addressed by switching capital investment elsewhere. Cities, and other spatial units – hence grow and decline in an almost cyclical way”. Savage, Ward & Savage (2003) ibid., p. 50. Estas crises cíclicas urbanas ficam articuladas com estas de superprodução que caracteriza o processo geral de acumulação de capital. Esta figura do segundo circuito de capital ganha um significado diferente face às dinâmicas económicas e financeiras nos países localizadas na periferia dos centros de capital e onde a ausência de uma indústria está empurrando a nova classe capitalista nacional de investir na transformação de espaço urbano em vez de na agricultura ou na indústria pouco lucrativos face à concorrência das indústrias transnacionais. O investimento no segundo circuito de capital que é causa de gentrificação que pode observar-se, por exemplo, nos centros urbanos Africanos, não somente pode competir em atratividade com investimentos nos sectores financeiros ou de serviços, mas é fortemente ligado com estes. O segundo circuito de capital representa portanto um traço característico do processo de acumulação de capital nos países periféricos e compensa a falta de oportunidades de investimento no primeiro circuito produtivo. Representa um modelo particular de combinação entre a busca de lucro e da renda permitindo articulações múltiplas entre a economia legal e ilegal tendo em conta que, como notou De Santis (2017) o investimento neste segundo circuito representa a forma a mais prominente e notória de lavagem de dinheiro. 360 Irving Louis Horowitz (1963) Power politics and people: the collective essays of Charles Wright Mills, New York. O estudo de Mills sobre a estrutura de poder de 1956 provocou um debate com o Robert Dahl e outros sobre a organização e a estrutura do poder nos EU; debate documentado in: Harry Kariel (ed. 1970) Frontiers of democratic theory, N.Y. E estudos contemporâneos como estes de Martin Gilens (2012) Affluence and Influence: economic inequality and polítical power in America, Princeton, e de Martin Gilens & Benjamin I. Page (2014) Testing Theories of American Politics: Elites, Interest Groups, and Average Citizens, Perspectives on politics, American Polítical Science Association. 361 Weber (2004a) ibid., p. 200ff 164
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] about by a property monopoly and does not experience the same degree of idle capacity. The emphasis here is on excluding others from gaining economic advantages. This is done through legal rights in the form of patentes or by \"plutocratic\" exclusion.”362 Os fundamentos do conceito e da instituição de propriedade moderno capitalista encontram se em diferentes fontes legais, o direito romano, o direito medieval e o direito natural ocidental. Assim, o processo de acumulação teria iniciado com a apropriação do produto do trabalho antes de tornar-se uma apropriação sistémica e de grande escala capitalista. Iriem existir duas vias ou estratégias para expandir a propriedade: a acumulação do capital através do seu investimento no processo produtivo e a exploração do trabalho assalariado, e a sua apropriação por via legal entre quais a herança, o casamento, o controlo sobre terras e/ou recursos naturais com valor estratégico, a conquista, e o roubo, isto é: formas que tem uma comparação favorável em termos de benefícios comparados com os custos.363 A desconstrução do conceito e da instituição da propriedade em uma de capital e uma de trabalho ocupa um papel central na teoria social de Marx e em particular na sua sociologia politica. Quanto á ultima e como já foi notado antes, para Marx, a revolução proletária iria acabar com a instituição capitalista da propriedade, mas somente com um certo tipo de propriedade: com a ‘posse de propriedade sobre os meios de produção’ que iria desaparecer no mesmo tempo que o sistema de divisão capitalista. Iria acabar com as duas instituições chaves da economia capitalista, do seu sistema de classes e do seu regime politico. Importa salientar a importância que este ponto ocupa no pensamento de Marx. Portanto, quando fala da expropriação364, faz uma distinção nítida entre dois tipos de propriedade. “Todas as 362 Thomas D. Curtis (1968) Marshall and Weber on Wealth and Property: A Comparative Appraisal, The American Journal of Economics and Sociology, Vol. 27, No. 1, p. 96. Sobre a influência do conceito de relações fechadas e o poder de controlar o acesso á oportunidades e às hipóteses de vida que incorporam vide também Frank Parkin (2002) Max Weber, Routledge, London, p. 100ff. Uma crítica do uso feito deste conceito encontra-se em J. M. Barbalet (1982) Social Closure in Class Analysis: A Critique of Parkin, Sociology, vol. 16, no. 4 363 Curtis (1968) ibid., p. 97 364 A expropriação em Marx tem um significado duplo na medida em que é acusada para ter preparada a propriedade em capital. Trata-se da expropriação dos pequenos proprietários que transformou a mão-de- obra feudal numa mão-de-obra livre e sem propriedade outra que a sua força de trabalho que, para Marx coo para Weber representou uma etapa decisiva no desenvolvimento da economia e da sociedade capitalista “.Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital quanto os meios de produção e de subsistência. Eles requerem sua transformação em capital. Mas essa transformação só pode realizar-se em determinadas circunstâncias, que se reduzem ao seguinte: duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante compra de força de trabalho alheia: do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. Trabalhadores livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os escravos, os servos etc., nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês economicamente autônomo etc., estando, pelo contrário, livres, soltos e desprovidos deles. Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista. A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das 165
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] relações de propriedade estiveram submetidas a uma constante mudança histórica, a uma constante transformação histórica. A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em benefício da burguesa. O que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas sim a abolição da propriedade burguesa (…) Censuraram a nós, comunistas, querer abolir a propriedade adquirida de forma pessoal, finito do próprio trabalho; a propriedade que constitui a base de toda a liberdade, atividade e autonomia pessoais. Propriedade adquirida, fruto do próprio trabalho e do mérito! Vocês estão falando da propriedade do pequeno-burguês, do pequeno camponês, a qual precedeu a propriedade burguesa? Nós não precisamos aboli-la, o desenvolvimento da indústria aboliu-a e vai abolindo-a diariamente. Ou vocês estão falando da moderna propriedade privada burguesa? Mas o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, cria-lhe propriedade? De forma alguma. Ele cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado, que só pode multiplicar-se sob a condição de produzir novo trabalho assalariado para explorá- lo renovadamente. Em sua forma atual, a propriedade move-se no interior do antagonismo entre capital e trabalho assalariado. Contemplemos os dois lados desse antagonismo. Ser capitalista significa assumir não apenas uma posição meramente pessoal na produção, mas também uma posição social. O capital é um produto coletivo e só pode ser posto em movimento mediante a atividade comum de muitos membros, e até mesmo, em última instância, mediante a atividade comum de todos os membros da sociedade. O capital, portanto, não é uma potência pessoal, ele é uma potência social. Assim, ao transformar-se o capital em propriedade coletiva, pertencente a todos os membros da sociedade, então não é propriedade pessoal que se transforma em coletiva. Transforma-se apenas o caráter social da propriedade.”365 A proposição de Marx sobre a propriedade e a distinção que faz, entre propriedade adquirida por meio do seu trabalho e a ‘propriedade burguesa’ fruto da apropriação ilegítima do trabalho dos outros transformados em trabalho assalariado não somente foge muito das ideais de Hegel sobre este assunto, mas também estas de Durkheim. Hegel interpretou a propriedade privada como instituição chave que “enhances my freedom since it permits persons to achieve mutual recognition of each other’s status as discrete moral beings. Recognition is afforded when respect is granted to the authority of the will of other persons concerning the property at their disposal”.366 Todavia, Hegel estava consciente dos efeitos colaterais da propriedade como fator suscetível de comprometer o princípio de igualdade das hipóteses, uma ideia que completa esta que a propriedade devia resultar do esforço combinado do trabalho e das trocas que deviam ser organizados em condições de igualdade formal. Para Durkheim a questão sobre a propriedade ilegítima toca também a forma como foi adquirida. Primeiro, concorda com Hegel sobre a propriedade e o direito a propriedade como facto social condições da realização do trabalho.” Karl Marx: A Assim Chamada Acumulação Primitiva, in Marx (1996) O Capital. Vol. 1, Livro 2, Editora Nova Cultural, São Paulo, p. 340. 365 Karl Marx & Friedrich Engels: Manifesta Comunista, http://www.scielo.br/pdf/ea/v12n34/v12n34a02.pdf, p. 16-17. É um reflexo de passagens semelhantes colocadas alguns anos antes na ‘ideologia alemã’. 366 Knowles (2004) ibid., p. 119. Para Hegel, a ataque contra a propriedade devia ser visto como ataque contra a pessoa e a sua liberdade. “Criminal activity is conceived of as coercion, as the exercise of force upon the will of another person as this will is embodied in their property.” Ibid., p. 142 166
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] central. Durkheim defende que a instituição da propriedade residia na ideia do sagrado e iria partilhar ‘o mesmo caracter contagioso’ da ‘posse legítima’ que caracteriza a propriedade coletiva onde “o género humano é o proprietário ideal da terra“ (ibid., p. 118) que iria transmitir para o proprietário individual; o ‘individuo possessor” e o seu direito inviolável.367 Com base destas proposições onde encontramos um eco do conceito de propriedade de Marx e Hegel, Durkheim evoca também o surgimento de formas ilegítimas de propriedade. 368 367 É por esta razão que Durkheim foi um crítico ardente do direito a herança que iria dar acesso a propriedade imerecida. Durkheim (1998) ibid., pp. 291ff. Durkheim (1983) ibid., p. 118, e p. 157. 368 Neste âmbito importa a lembrar que nas primeiras Constituições republicanas, na Constituição Americana e Francesa de 1701 e de 1793, a posse de propriedade da qual dependeu o direito de votar foi interpretada como sendo um direito ‘direito natural’. Assim, o revolucionario francès Danton representante da Gironde’ declarou que “Chacun en entrant dans le pacte social y aporte ses propriétés, et la protection de ces propriétés est object du contrat social. Elles sont donc sacrées.” Todavia, a legitimidade desta concepção da propriedade como direito natural entrou em conflito com a realidade social na época revolucionário caracterizada pela divisão da sociedade entre proprietários e não-proprietários, uma divisão que resultou em conflitos sociais e que provocou a desagregação política do terceiro Estado; enquanto as diferentes frações da classe proprietária se juntaram no ‘partido político’ da ‘Gironde’, o ‘partido’ de “Montagne’ que representou mais os interesses das classes de não-proprietários. Elisabeth Botsch (1992) Eigentum in der Französischen Revolution: Gesellschaftliche Konflikte und Wandel des sozialen Bewusstseins, Oldenburg Verlag, München, p. 148. Como já foi notado, para Marx, a único tipo de propriedade que qualifica como ‘direito natural’ é a propriedade de trabalho. No entanto, a expansão da economia capitalista agravou a divisão da sociedade em classes de proprietários e não-proprietários e contribuiu a implosão da ideia da propriedade como direito natural, uma vez que a propriedade capitalista, como argumentou Marx já na ideologia alemã e ainda no Manifesto Comunista, não é uma que não é fruto de um esforço próprio, mas que resulta da expropriação dos esforços coletivos dos não-proprietários. Todavia, como revela o debate sobre a legitimidade do direito de herança, um direito ferozmente contestado por Durkheim que, sobre este ponto, concordou com Adam Smith que qualificou a lei da herança como ‘ instituição barbária’ e tinha avisado contra os seus efeitos nefastos e contrários aos princípios da economia de mercado. Emma Rothschild & Amartya Sem: Adam Smith’s Economics, in: Knud Haakonssen (ed. 2006) The Cambridge companion to Adam Smith, Cambridge University Press, p. 335. O estudo de Piketty sobre o Capital no seculo 21 reavivou o debate sobre a herança e os seus efeitos sobre a sociedade e as desigualdades económicos e sociais. Piketty consegue mostrar, com base de dados empíricos, que nas economias capitalistas o crescimento medio das taxas de lucro ultrapassa o crescimento económico representado pelo BIP. “Piketty's argument is that, in an economy where the rate of return on capital outstrips the rate of growth, inherited wealth will always grow faster than earned wealth. So the fact that rich kids can swan aimlessly from gap year to internship to a job at father's bank/ministry/TV network – while the poor kids sweat into their barista uniforms – is not an accident: it is the system working normally”. Esta demonstração serviu também para desmistificar uma das teses centrais da teoria económica neoclássica introduzida pelo economista Simon Kuznets, que tentou demonstrar que o surgimento das desigualdades económicas iria reduzir-se a fase inicial do capitalismo e ter tendência de nivelar-se no capitalismo organizado. Não podemos subestimar a influência desta curva de Kuznets sobre as políticas de desenvolvimento defendidas pelas organizações da indústria de desenvolvimento e não somente sobre as politicas avançadas pelo Banco Mundial, porque serve para legitimar o surgimento de desigualdades como facto inevitável para arrancar o processo de desenvolvimento nos países do ‘3º mundo’. World Bank (2006) Equity and development: world development report 2006, Washington, p. 43ff. Uma análise mais detalhada sobre esta indústria de desenvolvimento encontra-se no último capítulo neste ensaio. As análises de Piketty revelam 1º que este nivelamento aconteceu durante a fase dominada pelas políticas económicas Keynesianas, mas recomeçaram 167
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Todavia, diferente de Marx e o seu foco sobre a relação entre capital e trabalho assalariado, concentra a sua crítica sobre o código civil cuja concepção legal da propriedade que protege a instituição da herança como modo de acesso de trabalho que, por si, não teria nenhum mérito369 e iria representar um obstáculo á divisão de trabalho370. A concepção de Marx sobre a instituição da propriedade e a distinção feita entre propriedade legítima e ilegítima serve para sublinhar que nunca deixou em defender o programa da filosofia do esclarecimento que colocou a promoção da emancipação humana como desafio e como finalidade do processo histórico, conforme com a relação dialética entre amo e servo, onde um é a negação do outro. Marx usou o exemplo para introduzir o conceito de sujeito em distinção deste do actor socia, uma distinção que, no seu fundo, tem esta entre imperativo categórico, o reino da liberdade, e hipotético, o reino da luta e da competição. Ao longo que ficam presos nestas posições que a força de assumir os seus papéis respectivos podem constituir-se como actores sociais, capaz de estratégias e astucias racionais. Mas como actores sociais são condenados de reproduzir, querer ou sem querer, estas condições de escravidão e da dependência mutua. Somente a partir de momento que a parte oprimida, o servo, começar e conseguir de sacudir o jugo desta ‘consciência de escravidão’ (Hegel empregou a palavra de (“knechtisches Bewusstsein”)371 que é nada mais que o reflexo desta condição de escravidão, ambos podem aspirar de deixar detrás estes definições de papel e enfrentar-se como iguais, livres e independentes das vontades do outro. Portanto, para Marx, o sujeito da história não pode ser uma categoria abstracta, a razão no Kant, ou o espirito no Hegel, mas só pode ser o ser humana na sua totalidade. Os estudos sobre o capitalismo conduziam Marx em identificar e de carregar o proletariado como a tarefa de assumir o papel de sujeito da história. Em oposição contra Hegel, que aposta para a classe burocrática como classe universal, atribuiu esta qualidade ao proletário e não ao funcionário público de Hegel. Esta tese sobre a classe universal foi vítima de críticas servas em particular por parte dos representantes da de acentuar com a volta para as políticas neoliberais. “In fact, the curve goes in exactly the opposite direction: capitalism started out unequal, flattened inequality for much of the 20th century, but is now headed back towards Dickensian levels of inequality worldwide.” https://www.theguardian.com/books/2014/apr/28/thomas-piketty-capital-surprise- bestseller 369 Durkheim (1983) ibid., p. 154 370 Durkheim (1998) ibid., p. 291 371 „Vimos somente o que a escravidão é em relação à dominação. Mas a consciência escrava é consciência de si, e importa considerar agora o que é em si e para si mesma. Primeiro, para a consciência escrava, o senhor é a essência; portanto, a consciência independente para si essente é para ela a verdade; contudo para ela a verdade ainda não está nela, muito embora tenha de fato nela mesma essa verdade da pura negatividade e do ser para si; pois experimentou nela essa essência. Essa consciência sentiu a angústia, não por isto ou aquilo, não por este ou aquele instante, mas sim através de sua essência toda, pois sentiu o medo da morte, do senhor absoluto. Aí se dissolveu interiormente; em si mesma tremeu em sua totalidade; e tudo que havia de fixo, nela vacilou.” Georg Friedrich Hegel (2003) Fenomenologia do Espírito, Editora Vozes, São Paulo, p. 149. 168
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] teoria critica que, confrontado com os resultados da revolução Russa e da realidade Estalinista concluiu que esta tese sobre o proletariado como sendo a classe universal, defendida por Georg Lukács no seu ‘história e consciência de classe’ de 1921, devia ser abolida.372 Este debate influenciou outros autores a procura de solução como por exemplo Karl Mannheim que propus substituir o proletariado com os intelectuais que caracterizou como sendo um ‘estrato social desvinculado’ cuja contribuição, ainda que seja ligada a situação de classe burguesa, porque vinculado pelo interesse geral iria ultrapassar o horizonte restrito de interesses estreitos de classe e tornar-se motor da mudança social.373 Esta distinção entre sujeito e actor social é importante porque cada um destes conceitos é portador de um significado bem específico. Por isso, o facto que a sociologia passou de utilizar o conceito de actor social, por exemplo Giddens, que fala do actor informado, que é nada mais que uma nova forma de continuar com as teorias de ação de Weber, Parsons ou da teoria de escolha racional, é não só uma convenção científica mas portador de um significado bastante forte que forma o seu axioma de base. Para além da cada vez maior sofisticação das teorias de ação, as suas múltiplas casamentos com teorias estruturais, funcionais e sistémicas, todo que conseguem ver e descrever utilizando ângulos e perspectivas diferentes, os vários tipos, históricos e sociais, das relações e relacionamentos entre amo e servo. O impacto da herança do lema de liberação que orientou a filosofia do esclarecimento representada na teoria moral e social de Kant e na logica dialéctica de Hegel sobre Marx tornam-se visível nas teses sobre Feuerbach. Na segunda tese, Marx defende que “a questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objectiva não é uma questão teórica, mas 372 Herfried Mtinkler & Richard Saage (ed. 1989) Kultur und Politik: Brechungen der Fortschrittsperspektive heute, Für Iring Fetscher, Westdeutscher Verlag, Opladen, p. 55-56. 373 Karl Mannheim (1986) Ideologia e Utopia, Guanabara, São Paulo. O conceito da intelligentsia flutuante foi introduzido por Alfred Weber, o irmão de Max que também lecionou a Heidelberg. Bryan Turner notou que ”in Ideology and Utopia the discussion of the ‘free-floating intellectuals’ appears as a rather neutral discussion of the class position of intellectuals in modern societies. Adopting Alfred Weber’s expression ‘the socially unattached intelligentsia’ (freischwebende Intelligenz), Mannheim argued that the intellectuals were not a class in Marx’s sense and furthermore they were not attached to or identified with a specific social class. In contemporary societies, ‘intellectual activity is not carried on exclusively by a socially rigidly defined social class, such as a priesthood, but rather by a social stratum which is to a large degree unattached to any social class and which is recruited from an increasingly inclusive area of social life’ (Mannheim, 1936: 139). This structural independence from the class system opens up the possibility that intellectuals will be socially free from the determination of class interests and will therefore have an insight into social processes, which are denied to other classes. (…) However, there are both analytical and empirical problems with his argument – in addition to the fact that Mannheim did not continue or persist with this argument in his subsequent work. One issue is that intellectuals were often not free floating with respect to contemporary political movements such as fascism. While many intellectuals left Germany, an equally large group of influential intellectuals co-operated with national socialism. Today there is still a debate about the relationship or connection between Martin Heidegger, to take but one major German thinker, and national socialism. At a more general level, the precise way in which intellectuals might be free or independent is problematic. For example, in many European universities, the intellectual as an academic has been regarded as a civil servant, and thus the exact character of their free-floating status is questionable. (…) Only in rather exceptional circumstances would an intelligentsia be ’unattached’ in Alfred Weber’s terms.” Turner (1999) ibid., p. 133 169
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] sim uma questão pratica”. Antes de concretizar na 11ª tese que “os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é do transforma-lo.” 374 Olhando para as terias sociológicas de ontem e de hoje, esta acusação podia também ser direcionada para elas. Nota se, que nas construções sociológicas de Weber e Durkheim, em passando de Parsons e Coleman, de Bourdieu e Boudon, ate Giddens e a dualidade estrutural, não há espaço por isso; na há saída destas condições. No caso de Weber, os dois tipos de ação racional motivados pela racionalidade instrumental e axiológica, a primeira refere a realização de objectivos, a segunda liga estes objectivos as crenças e convicções oriundas do senso comum cultural. No caso de Durkheim, a caracterização de fenómenos como crime como facto social normal que torna-se patológico somente quando a frequência da sua manifestação ultrapassa os ‘níveis’ normais, é que uma outra forma de expressão deste mesmo senso comum que parte do pressuposto que o mundo regido pelos imperativos hipotéticos ser o único mundo possível. No caso de Parsons cuja teoria de ação social voluntarista tentou fazer uma síntese entre Weber e Durkheim, o axioma do actor social racional fica ainda mais acentuada na medida em que salienta o impacto das agenciais de socialização para garantir a sua integração social e cognitiva no sistema de ordem social estabelecida que, no seu ver, oferecem as melhoras garantias contra o risco de anomia e de rebelião. No final da conta, e comparado com Parsons, o modelo da dualidade estrutural de Giddens não é muito mais que uma versão mais sofisticada do modelo integrativo de Parsons e de Merton. Todos estes modelos têm em comum que sempre haverá amos e servos, podem talvez inverter os posições e papéis, mas amos sempre ficaram amos e servos sempre ficaram servos. O actor social de Weber, Parsons, Durkheim e Giddens lida com as condições impostas e tenta fazer o seu melhor para lidar com estes constrangimentos em fazendo uso das suas capacidades intelectuais e materiais. No final da conta, a sociologia está contentar-se de produzir descrições cada vez mais detalhadas desta eterna ‘caixa de ferro’, deste ‘casco de aço’ sem saída, como chamou Weber. Weber, pelo menos, e sob influência de Marx evitou de camuflar o facto que as ordens sociais históricas e actuais representam nada mais que formas de dominação que têm requisitos materiais e culturais. Algo que caracteriza em particular as teorias de ordem na tradição de Durkheim e Parsons que tratou a ordem social como algo sacrossanto e a assimilação dos actores, a sua integração funcional nesta ordem, como um fim em si, com um fenómeno social e não com um fenómeno politico. Uma sociologia deste tipo, talvez mereceria a posição subalterna, onde ocupa o papel de servo face ao amo da teoria económica e a sua forma mais radical, a teoria económica neoclássica, que a tinha atribuído o economista Gary Becker375. 374 Karl Marx: As teses sobre Feuerbach, in Marx (1989) A ideologia alemã, Martin Fontes Editora, São Paulo, p. 100ff 375 Por exemplo, Gary Becker (1976) The economic approach to human behaviour que defende que para explicar a conduta humana é suficiente de fazer uma analise cruzada e implacável entre o motivo de maximização, a existência de preferências estáveis e o mercado e o seu equilíbrio, isto é, com um quadro 170
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Portanto, nesta oposição entre sujeito e actor, chegamos de marcar o grande ponto de clivagem entre a teoria crítica e as teorias sociológicas de mainstream que, como acabamos de demonstrar e apesar das lutas entre elas, partilham o mesmo axioma de actor que, apesar de ser um actor inteligente, como um hamster na roda, deve lutar para ocupar o seu lugar nesta caixa de ferro e cujas perspectivas não vão alem das fronteiras da mesma. Para as ciências sociais e humanas do mainstream cujas representantes sociológicos são Weber, Durkheim, Simmel, Pareto, Park Parsons e Coleman, entre outros, a tentativa de mudar estas condições sempre terá algo de suspeito, de irracional. Podemos imaginar as explicações teóricas: para o sociólogo representaria, seja um caso de anomia ou de suposição. Mas pode também ser um caso motivado pela vontade de poder e de dominação. Para o psicólogo representaria, talvez, um caso clinico de neurose oriundo de um sentimento forte de insatisfação e de frustração. Para o economista finalmente representaria uma astúcia de criar-se uma vantagem sobre os competidores ou simplesmente uma ação irracional com um objetivo irracional. Chegamos também de marcar um outro ponto de clivagem, este entre a filosofia de esclarecimento onde nasceu esta distinção entre sujeito e actor cheio de significado, e a sociologia que, na sua maioria, optou para no aceitar esta herança filosófica. A aceitação da herança do esclarecimento explica a enfase de Marx sobre a identificação de uma categoria social que tem os ingredientes reunidas para figurar como classe universal no sentido de Hegel, e que pode ser o protótipo de sujeito da história. Neste âmbito Marx apontou para o proletariado certo, mas devido as necessidades de criar uma consciência de classe, pré-requisito para levar a cabo uma ação colectiva, apontou também para intelligentsia. A intelligentsia, para Marx, tem uma natureza ambígua: figurou como força de esclarecimento no sentido de Kant, algo que podia justificar a sua possível função de figurar como ‘avant garde’ no processo de criação uma consciência de classe. Mas figurou também como força inovador da produtividade, no sentido de Smith onde representa a divisão entre trabalho intelectual e manual, uma das condições estruturais básicas da produção capitalista.376 A teoria de intelligentsia de Marx, mais tarde, foi retomada pelo sociólogo alemã Karl Mannheim que acentuou o argumento sobre a intelligentsia como classe universal e como portador da consciência critica. “There are certain peculiar features of the intellectuals as a social group which Mannheim thinks are particularly significant. Firstly, their nonmanual labour typically requires some system of patronage, whereby intellectuals can avoid entering into the labour force in order to withdraw into a contemplative role. In western societies, the two major patrons of the intellectuals historically have been the Church and the State, but this very dependence on patronage does, of course, threaten that autonomy which is an essential feature of their intellectual independence. This paradox has continued to exercise the attention of sociologists (Bauman, 1987; Gouldner, 1982; Jacoby, 1987). conceptual que vem do coração da teoria económica. Becker in Richard Swedberg (ed. 1990) Economics and Sociology: redefining their boundaries – conversations with economists and sociologists, Princeton University Press 376 Jürgen Habermas (1994) Técnica e ciência como ideologia, Edições 70, Lisboa 171
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Secondly, the intellectuals are an interstitial stratum existing between social classes and parties. Thirdly, because these interstitial intellectuals are also recruited from a broad range of social groups and classes, they are potentially able to see social reality in neutral terms or from many perspectives. They are in this specific sense a ‘relatively uncommitted intelligentsia’ (relativ freischwebende Intelligenz)”.377 Marx identificou o proletariado como classe universal e, por conseguinte como classe portadora do processo da emancipação humana através da crítica da filosofia idealista de Hegel e da crítica da economia clássica. Duas críticas, por um lado feita com base da filosofia moral de Kant que formulou este objetivo da emancipação humana, por outro lado utilizando a logica dialéctica para transcender a logicarem do social por assim dizer. Para a teoria económica clássica e, a seguir para Marx e ainda para Weber, economia política caracteriza uma abordagem que requer estudar fenómenos económicos não numa forma isolada, mas em função da sua articulação com a sociedade e as relações sociais e políticas, incluindo aspectos da sociologia de conhecimento, algo que a sociologia Marxista caracterizou como ‘hegemonia’ e a sociologia Weberiana como ‘legitimidade’. Já foi dito que a passagem da economia política clássica para a economia neoclássica que deu luz a ‘economics’ é uma que aboliu incluir o estudo dos aspectos sociais e políticos nos modelos explicativos económicos em favor de uma articulação com a filosofia utilitarista permitindo de interpretar e descrever a economia como um sistema de transações entre indivíduos a procura da sua vantagem. Nos anos 1990 uma versão neoliberal de economia politica, a economia de bens públicos, no quadro de ‘economics’ articulada com a corrente do institucionalismo económico tem por objetivo de alargar o individualismo económico e o paradigma de racionalidade em incluindo o impacto de variáveis institucionais com a ação política legal do Estado, ou a relação entre relações contratuais, horizontais ou verticais, e a confiança. Deu continuação aos esforços da teoria económica do já mencionao Gary Becker378 em utilizando o paradigma individualista de economics para estudo de fenómenos sociológicos, como por exemplo, a explicação dos comportamentos eleitorais. Acerca disso, Robert Heilbronner notou que „Economics is about capitalism. It has no relevance to any other form of social architecture.”379 Continua reduzindo a natureza humana aos seus impulsos egoístas e coloca ideias como justiça ou altruísmo no mundo de fantasias. Assim, James M. Buchanan, um dos protagonistas da economia política neoliberal caracterizou-a como ‘política sem romântica’. 380 Nota-se ainda que este debate enquadra-se no ‘debate sobre métodos’ resumido na caixa 5 mais acima. 377 Turner (1999) ibid., p. 147 378 Gary Becker: The economic approach to human behaviour’, in: Jon Elster (ed. 1986), Rational Choice: Readings in Social & Political Theory, New York University Press, NY 379Alfred Bürgin & Thomas Maissen (1999) Zum Begriff der politischen Ökonomie heute, Geschichte und Gesellschaft, vol. 25, no. 2 Politische Ökonomie, p. 23 380 Iconomix (2019) Politiscche Őkonomie: Einstieg ins Thema, https://www.iconomix.ch/fileadmin/user_upload/iconomix/mat/de/a027_politische_oekonomie_einsti eg.pdf. Vide tambem, Sam Tannenhaus (2017) The Architect of the Radical Right: How the Nobel Prize– 172
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] A questão da propriedade e da instituição da propriedade ocupou um espaco central nesta crítica da economia política de Marx. A crítica da instituição da propriedade não somente consiste em identifica-la como instituição central da sociedade capitalista, mas também demonstrar qual é a sua relação com os direitos humanos. Tratou-se, primeiro, de desconstruir a tese sobre a ligação inseparável entre os direitos humanos e a instituição da propriedade que dominou a filosofia politica desde o seculo 18 até hoje. A tese do filósofo inglês John Locke, que considerou o direito de propriedade como o mais importante dos direitos humanos pode servir como exemplo, resumindo o pensamente filosófico da época pre e pos revolucionaria francês. Locke defendeu que para Locke e devido ao caracter subdesenvolvida da economia capitalista, a diferença entre propriedade de capital e de trabalho ainda não existe mas que esta em curso de nascer. Portanto, defende que “The right to hold, use and bequeath property that one has legitimately acquired is treated as inherently valuable. In fact, Locke’s classical defence of property rights takes this form. For him, extensive property rights are supposed to have existed already in the state of nature, and the aim of the government is to protect these rights. This is because he advocates the idea that human beings have a ‘natural right’ to own their labour and by extension to what they mix their labour with. ‘Every man has a property in his own person: this nobody has any right to but himself. The labour of his body, and the work of his hands, we may say, are properly his.”381 Naturalmente, o ponto crítico neste comentário ser a parte sobre a aquisição ‘legítima’ da propriedade. Este condicionalismo que caracteriza a maioria dos comentários filosóficos sobre a propriedade ganhou uma nova importância na posição de Marx sobre a propriedade. A questão filosófica sobre os direitos humanos pode também servir para ilustrar a diferencia entre um raciocínio filosófico e sociológico. Na altura da formulação dos direitos humanos, o senso comum dos filósofos da época foi que estes direitos iriem naturalmente visar o homem branco Europeu. Este senso comum que a filosofia do esclarecimento falhou de problematizar e questionar, mais tarde se tornou objecto do raciocínio sociológico que não somente questionou este senso comum, mas o identificou como causa da marginalização, tanto das mulheres – o direito de voto de mulheres na Franca datou de 1946, quanto dos homens e mulheres não Europeus – enquanto a escravagem foi declarada ilegal em 1794, foi re-legalizada em 1802 e finalmente abolida em 1848. winning economist James M. Buchanan shaped today’s antigovernment politics, The Atlantic, Juky/August 2017 381 John M. Alexander (2016) Capabilities and social justice the political philosophy of Amartya Sen and Martha Nussbaum, Routldege, London, p. 90. Importa também notar para Locke o problema de escassez não se coloca ainda. Ou seja, o efeito exclusivo dos direitos de propriedade que serve para excluir o outro do uso dos recursos e oportunidades e/ou de regular o seu usufruto, para ele, ainda não é visível, graças a ausência e/ou escassez de grandes corporações com capacidade de monopolizar o acesso á estas oportunidades. “Locke does foresee a ‘proviso’ that qualifies the exercise of property ownership subject to the condition that ‘enough, and as good’ resources are left for the common use. However, in practice Locke dispenses with or weakens this ‘enough, and as good’ proviso by his conviction that a strict regime of property rights would in fact add to common resources: ‘he who appropriates land to himself by his labour, does not lessen, but increase the common stock of mankind.“ Ibid., p. 90 173
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Mas antes, algumas breves observações sobre o estatuto da problemática da propriedade e da instituição da propriedade nas teorias sociológicas e económicas modernas. Já foi dito que o tema de direitos de propriedade ocupam um papel central, tanto na sociologia clássica que contemporânea e, neste âmbito, em particular na corrente teórica de escolha racional, quanto na teoria institucional de economia. No que diz respeito á primeira, Coleman reenquadrou o debate sobre a propriedade numa teoria de ação, a teoria de escolha racional, dissociando a questão da propriedade do contexto capitalista e do seu sistema de estratificação social. Interpretou a instituição da propriedade e direitos de propriedade não como marca de situação e de posição de classe, mas como capacidade de ação, num sentido mais perto da abordagem em capacidade de Sem, uma abordagem que vamos apresentar mais em baixo. Esta nova abordagem acionista em direitos de propriedade encontra a sua aplicação mais adequada nas interações de troca de mercado. Não há, como defendeu Weber ainda, uma diferençação entre classes proprietários e não-proprietários; pelo contrário, a desagregação da instituição de propriedade em direitos de propriedade serviu para ofuscar esta diferença estrutural e institucional e de mesmo modo que Parsons reinterpretou o conceito de poder como capacidade de ação desigualmente distribuída, e não só como veículo de constrangimento sobre o outro.382 Para Coleman, os direitos de propriedade “or rights of ownership (…) ordinarily includes rights of use (in various ways), rights of consumption (if the good is consumable), and rights of disposal (see Honoré, 1961). It is because these rights are commonly bound together that systems of exchange of private goods operate as they do: The usage or consumption rights provide the incentive to obtain a good, and the disposal rights make possible exchange of the good.”383 Nota também que o surgimento da corporação económica moderna criou uma divisão na instituição da propriedade privada, “”which can be described as the right to benefit from the property and the right to use it as a resource, or benefit rights and usage rights”384. Coloca a questão sobre a criação da propriedade pública que surgiu com o desenvolvimento do Estado providência e da propriedade pública e que coloca o problema de ‘cavaleiro livre’, do “free rider”, do cavaleiro livre’ e que iria mudar o significado desta definição de direitos 382 “A major tendency is to hold that somehow \"in the last analysis\" power comes down to one or the other, i.e., to \"rest on\" command of coercive sanctions, or on consensus and the will to voluntary cooperation. If going to one or the other polar solution seems to be unacceptable, a way out, taken for example by Friedrich, is to speak of each of these as different \"forms\" of power. I shall propose a solution which maintains that both aspects are essential, but that neither of the above two ways of relating them is satisfactory, namely subordinating either one to the other or treating them as discrete \"forms.” Talcott Parsons (1963) On the concept of political power, Proceedings of the American Philosophical Society, Vol. 107, No. 3. Num outro artigo Parsons define o poder simplesmente como um ”generalized medium of (…) mobilizing the performance of binding obligations, with the conditional implication of the imposition of negative sanctions-in the situational case, \"punishment\"-in case of noncompliance.” Talcott Parsons (1963) On the Concept of Influence , The Public Opinion Quarterly, Vol. 27, No. 1, p. 45. 383 Coleman (1994) ibid., p. 45 384 Coleman (1994) ibid., p. 451. 174
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] de propriedade.385 O sociólogo inglês Peter Saunders, com já foi notado, interpretou a distinção entre bem privado e bem publico como novo critério de estratificação social onde a questão de satisfação de necessidades por via de mercado ou por via de programas públicos iria representar a nova fronteira de diferençação em classes sociais; uma tese que está a relacionar-se com a distinção de Weber entre classes proprietários e não-proprietários (propertyless classes) que figura logo no início da sua teoria de estratificação que faz distinção entre classes económicos e estamentos sociais. 386 Quanto a teoria económica neo- institucionalista, o conceito de direitos de propriedade e transversal a problemática da teoria de contrato e a problemática da confiança mutua que a teoria aborda através da relação entre o agente e o principal. A questão de contratação e de enforçar as condições de contrato ocupa um espaço central na teoria de custos de transação criada para completar e alargar o método de custos de capital. Assim o neo-institucionalismo económico defende que o cálculo de custos e de benefícios devia incluir, além dos custos relacionadas a produção de um bem e da sua mercantilização custos oriundo de configurações institucionais.387 Para Marx, as teses filosóficas sobre a instituição da propriedade como direito humano da primeira ordem, a condição que seja legitimamente adquirida, ficaram debilitadas em razão da transformação capitalista da sociedade acompanhada pelo um processo maciço de expropriação; um aspecto que Marx tratou no capítulo sobre a ‘acumulação original’ no volume 1 do Capital. Um processo de expropriação que visou, antes de tudo, as pequenas agriculturas da subsistência e dos dependentes que, neste contexto, perderem o seu direito costumeiro sobre a terra que cultivaram ao benefício dos seus senhores feudais e que foi indispensável para criação de uma classe de operários expropriados cuja única saída consistia em oferecer a sua força do trabalho nos nascentes mercados de trabalho. Concluiu que o sistema do direito de propriedade capitalista tem por condição a expropriação da propriedade de trabalho que examinou sob forma de um estudo de caso sobre a 385 Coleman (1994) ibid., p. 60. Coleman nota também que “a disparidade entre o objetivo de maximizar o benefício individual e entre ação corporativa podia resultar em criar um problema de bem púbico”. Ibid., p.451 386 Weber (2004a) ibid., p. 199ff. Peter Saunders (1993) Social theory and the urban questions, Routledge, London. 387 Oliver Williamson: Transaction cost economics and organization theory, in Oliver Williamson (ed. 1995) Organization Theory: From Chester Barnard to the Present and Beyond, Oxford University Press, NY. Krishna Rao Pinninti (2003) The Economics of Transaction Costs, Theory, Methods and Applications, Palgrave McMillan. Rao define a transação como sendo um tipo de troca que pode involver ” (a) (the) exchange of commodity or service, through market or other institutional arrangement; (b) transfer of rights and/or duties among parties; (c) activity undertaken or chosen to be not undertaken by an entity, whether legal or otherwise; and (d) the largest unit of economic activity that cannot be subdivided for the purpose of transacting between two or more economic agents/entities.” Custos de transação cosntituem custos (a) of undertaking a transaction, including search and information costs, bargaining costs and monitoring-enforcement costs of implementing a transaction; and (b) the opportunity costs of non-fulfilment of an efficient transaction.” Ibid., p. XVI 175
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] acumulação primitiva na Inglaterra, que considerou como condição sine qua non da transformação do trabalho numa mercadoria que se vende e que se compra como qualquer outra mercadoria num mercado de trabalho.388 Como já foi dito nos parágrafos anteriores a questão da propriedade e a sua relação com direitos humanos e o processo de emancipação humana ocupou um lugar central na crítica da economia política de Marx bem como das teorias filosóficas sobre a propriedade que confrontou com a realidade bruta das expropriações para produzir uma nova categoria social complementar ao burgues, o operário. Discutimos também que Marx, na sua crítica da propriedade, voltou para a condicionalidade que caracterizou a teoria de Locke e outros que confrontou com a realidade capitalista e da produção da mais-valia. O levou a distinção entre um tipo legitimo de propriedade – a chamada propriedade de trabalho, e um tipo ilegítimo – a chamada propriedade de capital adquirida sobre o trabalho e o suor do outro. Assim, o programa de expropriação da propriedade privada visou exclusivamente a propriedade de capital e não esta de trabalho. A logica dialéctica detrás desta revindicação é a mesma que esta que caracteriza a relação entre o amo e o servo. A prevista abolição da instituição capitalista da propriedade e dos direitos de propriedade que vão em par e que figuram no manifesto comunista, representa, para Marx e para Engels uma etapa necessária no processo da emancipação humana; uma condição necessária para ‘liberar’ o capitalista e o proletário dos mascaras de caracter nas quais tem ficando presas, e, através disso, a sociedade inteira. Como já observamos em varias ocasiões, o projecto da emancipação humana representa a herança da filosofia de esclarecimento para qual o progresso do desdobramento da razão coletiva se avalia em função do progresso alcançado na emancipação socioeconómica e sociopolítica e cultural da humanidade e onde a declaração dos direitos humanos, como já vimos, marcou uma etapa importante. Já foi dito algo também sobre a relevância das questões da propriedade nas teorias modernas. Neste contexto, e porque representa uma transição para as discussões apresentadas no último capítulo, segue, aqui, a já avisada breve discussão sobre as contribuições de Amartya Sen e a sua abordagem baseada em direitos humanos. Ganharam uma nova prominência na discussão sobre as políticas de desenvolvimento discutidas, mais uma vez, no último capítulo. Todavia, o conceito de direitos humanos, defendido por Sen e outros limita-se bastante a promoção de direitos legais e incluiu uma estratégia dê consciencialização e de advocacia adiante dos grupos marginalizadas. Ou seja, não tem nada em comum com a crítica Marxista. Neste âmbito, Alexander constatou que para Sen, através da ideia de direito e de gozar de um direito se exprime um importante principio moral. Em vez de constatar que os 388 Karl Marx (1996) O capital, vol. 1, capitula 24, A Assim Chamada Acumulação Primitiva, ibid. Ainda para notar que Weber concordou com Marx sobre a importância crucial que esta transformação do trabalho em mercadoria teve para o desenvolvimento da economia e da sociedade capitalista e em particular para o método de cálculo de capital. Weber (2004a) ibid.§ 22 e 23, p. 89ff 176
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] interesses servidos pelos direitos de propriedade e estes reclamados de um ponto de vista de direitos humanos para garantir a cada um uma vida digna, Sen optou em aplicar uma abordagem Weberiana em ‘ética de responsabilidade’. Esta abordagem revela-se na maneira como Sen aborda eventuais conflitos entre direitos d propriedade e direitos humanos: Assim, para Sen, “normally we uphold property rights and find them valuable for individual freedom. We would therefore support economic, legal and political institutions that protect and promote private ownership. However, if it turns out that unqualified property rights directly or indirectly cause famines and starvation, and are responsible for environmental problems and aggressive depletion of natural resources, should we not put a restriction on them? Just because we find certain rights to be intrinsically valuable, it does not foreclose the fact that they can come into conflict with other values. In the case of famines and starvation, the right to property should be balanced against another equally valuable human right not to die of hunger. In such cases, it might be irresponsible to adhere mindlessly to antecedent rights and moral precepts literally, no matter whatever the consequences.389. Sen, e a sua defesa de uma ‘moral consequencial’ que segue o principio pragmático e define o valor moral de uma ação em termos da sua utilidade, fica portanto mais perto de Weber que de Kant e a sua defesa de uma moral deontológica que, na tradução de Weber refere o tipo de racionalidade axiológica caracterizada como racionalidade limitada uma vez que o ímpetos moral que está empurrando o individuo de agir desta maneira sem considerar os custos iria correr o risco de criar efeitos colaterais e, por eta razão, não pode servir como modelo para a ação politica390. Todavia, o princípio de ponderação casual entre efeitos positivos e negativos do direito de propriedade que Sen está a defender para resolver conflitos entre direitos de propriedade e humanos só pode funcionar em abstração das relações de poder e dos desequilíbrios estruturais de poder que caracterizam as relações e capacidades de ação de diferentes categorias socias. Neste âmbito, o modelo de Sen não chega alcançar o nível de análise de Bourdieu e a sua transformação da abordagem em capacidades de Sen toma a forma de teoria de capital cuja posse define a posição e o peso de uma categoria de atores num dado campo social. 391 As análises de Gilens & Page sobre a influência desmesurada dos corporações e dos seus representantes políticos sobre o processo legislativo e político americano revelam os obstáculos estruturais criadas para harmonizar entre direitos de propriedade e direitos sociais e humanos.392 Os autores identificaram uma característica 389 Alexander (2016) ibid., p. 82. “Sen therefore is drawn to validate the need for a broad consequential reasoning by focusing on the strengths as well as the limits of the market in protecting and promoting citizens’ capabilities. If the market causes good consequences, then it should be deemed as efficient. When it is found to be responsible for an undersupply of public goods and for causing huge social and economic inequalities, it should be regulated such that equity in terms of basic capabilities for all can be realized.” Ibid., p. 83 390 Max Weber: a política como vocação, in Geerth & Mills (1982) ibid. 391 Pierre Bourdieu (2007) ibid. 392 Gilens & Page (2014) ibid. No que diz respeito ao conflito entre direitos de propriedade e humanos em Moçambique convém fazer menção da organização feminista WLSA investida em conduzir estudos de caso 177
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] típica do Estado de classe, isto é, a sua cumplicidade estrutural com os interesses das classes proprietárias que caracteriza o seu quafro legislativo bem como as políticas fiscais, sociais, económicas e jurídicas. Estas características representam elementos estruturais básicas para tudo tipo de Estadode classe burocrático-capitalista. A diferencia entre a versão Keyensiana e social-democrata e entre a sua versão neoliberal é esta entre uma actuacao mais ponderada e socialmente equilibrada destas politicas e entre uma forma mais radical e mais desrespeituosa dos interesses das classes ‘negativamente priviligiadas’. Ou seja, enquanto a grande maioria dos Estados capitalistas ocidentais fez referência as ideias democráticas formuladas na filosofia de esclarecimento, o caracter de classe se revela através da interpretação destes valores com o direito de propriedade figuram como valor de referência chave e inquestionável por outros direitos humanos como o direito de ter uma vida digna, que orienta a implementação destes direitos. É por esta razão que fenómenos anómicas como o desemprego, o subemprego, a falta de habitação, os sem-abrigo, as situações habitacionais precárias, a precaridade e a exclusão social representam características estruturais típicas das sociedades ‘desenvolvidas’, representam, na linguagem de Durkheim ‘factos sociais normais’ traduzindo em violências materiais e psíquicas, ansiedades e preocupações prontas para ser exploradas por movimentos racistas, xenófobos e fascistas, beneficiando de cumplicidade e de financiamento de partes das classes dominantes. Estas características anómicas ganham de força porque contrastam com os modos e estilos de vida das classes ‘positivamente privilegiadas’ cujo modo de vida reflita, não somente a sua dominação socioeconómica, mas cultural escondendo a sua situação privilegiada393, como já evocamos, através de um veio de méritocratismo que serve para inculpar as classes negativamente privilegiadas de modo que mereciam a sua situação.394 Revela o fundamento em particular, mas não, no que diz respeito ao impacto dos investimentos das empresas transnacionais da indústria de gaz e petróleo no Norte e no Centro do Moçambique e como se faz a gestão dos direitos humanos dos grupos sociais afetados. Por exemplo: Conceição Osório & Teresa Cruz da Silva (2018) Silenciando a Discriminação: conflitos entre fontes de poder e os direitos humanos das mulheres em Pemba, Wlsa Moçambique, Maputo, citado em: Peter R. Beck, Alair Ubisse et., al (2019) How social norms shape gender ideologies and inequality in Maputo, Sofala and Nampula. Delphi Research and Consulting, final report, Oxfam, Mozambique. 393 Estudos psicológicos sobre perceções e julgamentos sociais revelam o peso da classe social e o seu estatuto como variável independente que entrevem, de forma directa, sobre os processos de atribuição. For example: Pia Dietze & Eric Knowles (2016) Social Class and the Motivational Relevance of Other Human Beings. Psychological Science, Oct. 2016 394 Estudos recentes revelaram a corelacao direita entre estilos e modo de vida das classes positivamente privilegiadas e a destrucao do ambiente. “Recent scientists’ warnings confirm alarming trends of environmental degradation from human activity, leading to profound changes in essential life-sustaining functions of planet Earth (...) However, they fall short of clearly identifying the underlying forces of overconsumption and of spelling out the measures that are needed to tackle the overwhelming power of consumption and the economic growth paradigm.“ A avaliação dos dados conduziu os autores de concluir a existencia de um factor de classe na degradação do ambiente. Concluem que “the world’s top 10% of income earners are responsible for between 25 and 43% of environmental impact. In contrast, the world’s bottom 10% income earners exert only around 3–5% of environmental impact35. These findings mean that 178
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] utilitarista Malthusiano que caracteriza o conceito de méritocratismo capitalista. Um facto que confirma a relevância do método crítica das ideologias para tirar os véus falsos de ilusão cuja única função consiste em manter os actores sociais no seu estado de minoria intelectual outrora deplorado por Kant. Para Weber, tanto que para Durkheim, a problemática da propriedade e dos direitos de propriedade faz parte da discussão sobre a divisão de trabalho e dos seus efeitos. Todavia, enquanto Durkheim aplicando uma perspetiva macrossociológica de diferenciação social deixou por lado a divisão de trabalho industrial, defendida por Adam Smith e que Durkheim aborda somente no quadro das ‘formas anormais de divisão de trabalho’ e incapazes de criar os laços de solidariedade, Weber aborda a problemática de divisão de trabalho industrial no quadro da sua teoria de burocracia concentrando sobre a descrição das estruturas de comando. Neste âmbito, importa olhar para as teorias organizacionais normalizando a forma antidemocrática das estruturas organizacionais e ‘elogiando’ as virtudes de líderes e de liderança como constituintes indispensáveis para a eficácia e eficiência organizacional. Como já notamos, para Weber, esta característica iria reduzir bastante o desenvolvimento de estruturas cooperativas e democráticas propagado nos modelos de ‘gestão por resultados’, onde se reduz a auto-organizar a forma como dados objectivos deviam ser resultados e onde esta auto-organização fica sujeitada ao critério de eficácia e de eficiência. A única forma que as teorias organizacionais abordam a problemática da democracia, portanto, é em termos de ‘flat hierachies’, isto é, em introduzindo formas que visam a reduzir a rigidez das estruturas de comando sem, todavia, questionar as mesmas.395 Encontra o seu correspondente na teoria sociológica de Talcott Parsons e o modelo socio econométrico de SMYLOG, resultante de experiencias conduzidas em cooperação com o psicólogo Robert Bales que revelou que liderança seria environmental impact is to a large extent caused and driven by the world’s rich citizens36. Considering that the lifestyles of wealthy citizens are characterised by an abundance of choice, convenience and comfort, we argue that the determinant and driver we have referred to in previous sections as consumption, is more aptly labelled as affluence.” Wiedmann, T., Lenzen, M., Keyßer, L.T. et al. Scientists’ warning on affluence. Nat Commun 11, 3107 (2020). https://doi.org/10.1038/s41467-020-16941-y. Se combinarmos esta informação com o resultado dos estudos de Gilens e Page (2014) sobre a influencia desproporcionado dos mesmos ‘elites’ sobre a interpretação dos direitos e sobre a direção e atuação das politicas publicas – uma analise que, como se defende aqui, ultrapassa o quadro de analise Americano -, acrescenta o impacto social e ambiental negativo dos mesmos. Importa acrescentar, neste âmbito, a sua influencia sobre a opinião publica, seja sob forma de questionar a realidade da mudança climática, seja em obscurizando a sua responsabilidade particular em tentando apresentando a destrucao social e ambiental para qual devem assumir a maior parte da responsabilidade como ‘culpa da humanidade’. A propaganda das classes dominantes aplica o método que consiste em inculpar todo o mundo para, de facto, evitar de identificar os verdadeiros culpáveis. 395 Uma visão panorâmica compreensiva das teorias organizacionais e os seus modelos de gestão associados encontra-se in Wolfgang Staehle (1991) Management: eine verhaltenswissenschaftliche Perspective, Vahlen, München. Na língua portuguese importa mencionar ‘O manual de psicossociologia das organizações’ de J. M. Carvalho, José Neves & António Caetano, publicado em 2001 por McGraw Hill, Lisboa. 179
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] uma condição inevitável e natural que surge em âmbitos de qualquer ação colectiva.396 Concluiu ainda mais, que a liderança que faz parte da sobrevivência e da operacionalização de pequenos grupos está a enquadrar-se na logica funcional de AGIL, de modo que a ação colectiva sempre produzir dois tipos de lideres, um líder orientado para adaptar o grupo a tarefa, e a eficácia (A e G). Bem como um líder orientado pela integração do grupo e dos seus membros e para garantir altos níveis de motivação, de aplicação (I e L). Outros, como Etzioni utilizaram este esquema para distinguir entre líderes formais (A e G) e informais, (I e L) tendo em conta do conflito entre a disciplina e os papéis organizacionais e a sua execução e as vontades e preferências individuais de cada membro. Ainda para acrescentar que os resultados deste tipo de estudos e outros conduzidos a partir dos anos 1920, como os famosos estudos de Hawthorne que deram luz a ‘escola de relações humanos’397 criaram um impacto importante sobre a definição do perfil profissional do gestor que devia representar uma síntese entre atributos de orientação e de motivação dos seus subalternos. Ainda para acrescentar que as teorias de gestão que surgiram a partir do momento da transformação de empresas familiares em empresas anonimas, e representam a separação entre propriedade e gestão profissional. Esta normalização cultural destas estruturas de comando que a burocracia está a promover deve ser visto, portanto, como resultado e como veículo da dissociação entre a instituição da propriedade privada e a sua gestão económica e deu luz as teorias de capitalismo organizado398. Sabemos que todas estas teorias têm, com a sua base a teoria de burocracia de Weber que alem de salientar a sua supremacia técnica, salientou a sua indispensabilidade e indestrutibilidade. Usou o último aspecto para rejeitar a teoria de revolução de Marx que previu, como já discutimos, a abolição das estruturas de comando. Esta abolição iria concernir, no primeiro lugar, a oposição entre capital e trabalho, mas também, em termos técnicos-organizacionais, a separação entre trabalho intelectual e manual. Weber, pelo contrário, defendeu que as exigências técnicas de produção iriam representar uma limitação bastante forte e desvalorizar, para já, a tese de abolição da divisão de trabalho e de estruturas de comando. Como já discutimos, defendeu que, por esta razão, as estruturas burocráticas iriem continuar sobrevivendo a transformação socialista da propriedade privada em propriedade do Estado. Em vez de obedecer aos comandos do investidor privado irem obedecer aos 396 Parsons & Bales, in Staehle (1991) ibid., p. 298ff 397 For exemple: Goerge Caspas Homans: The Hawthorne Experiments, ou Dana Brumel & Ronald Friend: Howthorne and the myth of the docile worker, in Michael J. Handel (ed. 2003) The sociology of organizations: classic, contemporary and critical readings, Sage Publications, Thosand Oaks. 398 Enquanto Weber e Schumpter concentraram em descrever os efeitos macrosociológicas e culturais desta transformação da empresa capitalista, outros concentram, seja, sobre o seu impacto sobre a teoria de classes ou sobre os efeitos sobre a organização do trabalho. Quanto á revisão da teoria de classe, por exemplo: Ralf Dahrendorf (1959) Class and Class conflict in industrial society, Stanford University Press. Quanto aos efeitos extras- e infra-organizacionais, por exemplo: Reinhard Bendix (1974) Work and authority in Industry, John Wiley & Sons, USA. John Kenneth Galbraith (1978) The new industrial State, Houghton Mifflin, Boston. 180
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] comandos da classe dominante do partido. Mais ainda, defendeu que, alem destes aspectos técnicos, o impacto cultural e social criado pela racionalidade burocrática iria tornar impossível qualquer tentativa de abolir a burocracia e as suas estruturas de comando. Entramos aqui no grande debate sobre a burocracia, a burocratização e o seu efeito sobre o sistema de estratificação como transformou o sistema de classes sociais.399 Representam reformulações da tese de Mannheim sobre os ‘intelectuais desvinculados’ acima mencionados e sobre o seu papel social e cultural. Mesmo em alterando o direito de propriedade sempre seria necessário de manter uma divisão de trabalho hierárquica com base da distinção entre trabalho intelectual e manual, entre planificação e gestão dos processos e a sua execução.400 Esta situação é valida, tanto para o sistema, para sociedades e economias capitalistas, quanto para sistemas, para sociedades e economias socialistas, um facto que foi recuperado pelos intelectuais soviéticos debruçando se sobre o fenómeno de burocratismo e de burocratização.401 O acima mencionado sociólogo americano Alvin Gouldner que também focou sobre o papel da intelligentsia chamou-a a classe universal imperfeita que surgiu no âmbito da luta contra o antigo regime mas que acabou associar- se com a burguesia cujo poder e cujos privilégios residem sobre o controle sobre o capital cultural e o profissionalismo.402 Charles Wright Mills enfatizou a influência crescente das organizações financeiras sobre a pesquisa social criando dependências financeiras utilizadas para influenciar seleção das problemáticas, isto é, do campo na pesquisa onde o pesquisador tem maior liberdade. Num artigo publicado em 1944 notou que “Research in social science is increasingly dependent upon funds from foundations, and foundations are notably averse to scholars who develop unpopular theses, that is, those placed in the category of \"unconstructive.\"403 Uma observação que encontrou o seu eco no Bourdieu que avisou contra o risco de uma sociologia a procura de uma proximidade com o poder político ou económico-financeiro, 399 Por exemplo: Habermas (1994) Técnica e ciência como ideologia, ibid. Alvin Gouldner (1979) The Future of Intellectuals and the Rise of the New Class: A Frame of Reference, Theses, Conjectures, Arguments, and an Historical Perspective on the Role of Intellectuals and Intelligentsia in the International Class Contest of the Modern Era, Macmillan Press, London. 400 Bendix (1974) ibid. Bendix adotou a tese de Weber sobre as exigências fatuais criadas pela sociedade industrial em salientando que a organização da produção capitalista e socialista iria aplicar os mesmos métodos de produção, isto é: a divisão entre o trabalho intelectual e manual, e o Taylorismo. 401 Milovan Djilas (1957) The New Class: An Analysis of the Communist System, Harcourt Brace Jovanovich. Idem as criticas de Mikael Bukharin que escreveu durante a época de Stalin sobre os riscos da burocratização na União Soviética e o perigo de criar um novo Leviatã, in: Theodor Bergmann, Gert Schaefer & Mark Selden (ed. 2017) Bukharin in retrospect, Routldege, London. 402 Ivan Szelenyi (1982) Gouldner’s theory of intellectuals as a flawed universal class, Theory and Praxis, no. 11/1982 403 Charles Wright Mills (1970) The contribution of sociology to the studies of industrial relations, Editor’s note, Berkeley Journal of Sociology, vol. 15, p. 11. Um risco que multiplicou através da privatização do ensino superior e/ou da promoção de parcerias publicas privadas (PPP). 181
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] onde as ciências ocupam um papel de justificação e de legitimação. Bourdieu concordou com Marx sobre a função das ciências sociais que consiste em adotar uma atitude critica e aplicar o método de ‘crítica das ideologias e viu o sociólogo no papel do ‘perturbador da paz’ que tem por vocação de promover o esclarecimento contra os narrativos falsos. Portanto, o trabalho do sociólogo consistia em revelar as relações de dominação e das inequalidades sociais e de desmascarar os véus simbólicos e ideológicos criados para esconde-las e para criar a ilusão de normalidade.404 Bourdieu interpreta a necessidade de rutura com as construções de senso comum em reproduzindo a perspetiva da filosofia de esclarecimento. No âmbito de um projeto imaginação sociológica a desconstrução destas construções de senso comum requer a desconstrução dos pressupostos escondidos e não- refletidos que constituem o fundamento de muitas teorias sociais e económicas e cuja função é de legitimar e normalizar as relações de dominação e de exploração. Durkheim viu a empresa, tal como corporações em geral, como grupos secundários cuja ordem e cuja coesão social dependeria de um quadro institucional cujas regras devem inspirar a autoridade e a confiança, ser vistas como obrigatórias e desejadas405. Não tem resposta concreta sobre a questão sobre a composição de um quadro regulador para a empresa capitalista capaz de satisfazer os dois critérios no mesmo tempo. Enquanto a obrigatoriedade pode ser garantida através de um sistema de comandos e de controlo, a desejabilidade fica mais difícil. De facto, a decisão de conceber organizações como grupos secundários não somente resultou no nascimento de terias gerências, o que deu luz de diferentes ‘escolas de gestão’, das relações humanos até a escola dos recursos humanos, mas virou a atenção do papel e do significado geral das organizações capitalistas que para 404 Uwe H. Bittlingmayer & Rolf Eickelpasch: Pierre Bourdieu: Das Politische seiner Soziologie, Zur Einführung, in: Uwe H. Bittlingmayer, Rolf Eickelpasch, Jens Kastner & Claudia Rademacher (ed. 2002) Theorie als Kampf? Zur politischen Soziologie Pierre Bourdieu’s, Springer, Wiesbaden, p. 16. Bourdieu concordou com Weber que, como vamos discutir a seguir, colocou a sociologia politica no campo mais abrangente da sociologia de dominação, uma decisão que, no caso de Bourdieu, se transformou num ímpeto crítico. Em razão desta sua vocação ética profissional de esclarecimento o sociólogo encontra-se em oposição aos detentores de poder e ao lado dos dominados e destes que não tem voz, Ibid., p. 17. Bourdieu distinguiu entre duas formas de capital da intelligentsia, entre “academic capital', which is linked to power over the instruments of reproduction of the university body; and `intellectual' or `scientific capital', which is linked to scientific authority or intellectual renown.” Rajani Naidoo (2010) Fields and institutional strategy: Bourdieu on the relationship between higher education, inequality and society, British Journal of Sociology of Education, vol. 25, no. 4, p. 458. Serve também para interpretar o significado do ‘processo de Bologna” que resulta numa restruturação curricular orientada para desenvolver competências técnicas profissionais estreitas o detrimento de uma educação virada para a promoção do pensamento critico, isto é, das competências intelectuais que caracterizam, antes de tudo, a intelligentsia segundo Mannheim. Está a impor um conceito de competência onde o processo de educação é “only about markets, not about developing what is special about the person.” Felix Grigat da German Association of University Professors and Lecturers, citado em: Jack Grove (2012) Bologna not to taste of German critics: https://www.timeshighereducation.com/news/bologna-not-to- taste-of-german-critics/419845. article 405 Durkheim (1990) ibid. 182
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] Marx representam os lugares de divisão em classes e, para Weber, o berço da racionalização instrumental capitalista. Caracterizou a economia não somente como campo de competição, mas como campo de guerra levada com meios pacíficos; uma caracterização que está ecoando o conceito Hegeliano da sociedade civil como campo de luta entre grupos de interesses com poderes e capacidades de ação desiguais devido ao seu posicionamento em termos de trabalho e de capital.406 O termo ‘recurso humano’ que significa ‘human resources’ em inglês representa algo que Kant chamou um julgamento sintético uma vez que está complementando o qualitativo ‘humano’ como um novo qualitativo ‘recurso’ que, neste âmbito, qualifica o humano como um meio para um dado fim. Todavia, conforme com a teoria de moral deontológica de Kant o emprego de um outro ser humano como meio, a sua degradação como recurso, representa uma violação do imperativo categórico humano, ou seja, na teoria de Hegel uma oposição dialéctica não resolvida. Enquanto o termo ‘recurso humano’ faz parte do vocabulário normal nas teorias organizacionais e de gestão, a volta para a filosofia serve para revelar o caracter violente deste conceito, ensinando-nos sobre o perigo que representa a normalização semântica deste facto.407 A volta para os clássicos nos ajuda também de fazer distinção entre a vitória de uma ideologia de dominação, do capitalismo em ocorrência e entre o esclarecimento da razão. Não e a mesma coisa. Para Kant a vitória da razão passa através do processo de emancipação, isto e a capacidade da humanidade de investir-se em projetos razoáveis para todos. Weber uso a diferença entre racionalidade formal e material para explicar como e 406 Weber (2004a) ibid., p. 23. Swedberg nota que a competição no mercado porta ou sobre ‘a luta sobre o preço’, ou sobre a ‘luta entre concorrentes económicos’ e representam tentativas (lutas) pacificas para ganhar o controlo sobre oportunidades “that others are also interested in”. Richard Swedberg (1998) Max Weber and the idea of economic sociology, Princeton University Press, Princeton, p. 43, e p. 34. Hegel para quem a sociedade civil representa uma forma de Estado necesariamente incompleta porque é, antes de tudo, o campo da competição económica. In the economic world of Civil Society we begin with persons who are pursuing their own particular ends. (…) it does not procure the welfare of all.” Knowles (2004) ibid., p. 187-188. O conflito estrutural entre capital e trabalho manifesta-se na organização empresarial e no estatuto que reserva ao trabalhador bem como no facto do desempego. Hegel defendeu que “The factory system (…) turns workers into machine hands (§198) and work into drudgery (§243). Workers develop ‘an inability to feel and enjoy the wider freedoms, and particularly the spiritual advantages, of civil society’ (§243).” Ibid., p. 289, onde figuram como “servants of the hegemonic powers of the bourgeois capitalist state”. Ibid., p. 317. Tanto como Durkheim mais tarde, evoca o sentimento do patriotismo como força unificante e capaz de colmatar estas diferenças de classe e de estatuto social. Knowles salienta a familiaridade entre este sentimento de patriotismo com o conceito de altruísmo na teoria moral de Kant. Ibid., p. 318. 407 Voltar para pensamentos antigos para reavivar e rever o mundo das ideais e representações actuais não é tanto uma prática religiosa para fortalecer ou introduzir um novo dogma, quanto uma prática laica como ilustra o movimento de renascimento que surgiu na idade média. Consistia de voltar para a filosofia e estética da antiguidade para criticar e corrigir os dogmas religiosos que já não conseguem satisfazer os interesses de uma nova burguesa urbana. Estimulando o nascimento de um outro modelo de homem e do mundo através do desenvolvimento das ciências, criou as bases para a filosofia revolucionária de esclarecimento. Sobre os aspectos políticos do renascimento incluindo o ressurgimento da ideia da Republica como alternativa á Monarquia, vide: Jürgen Miethke: Politsche Theorien im Mitteltalter, in Lieber (ed. 1993) ibid., pp. 142 183
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] possível que o capitalismo foi possível através de um progresso radical de racionalidade formal, a combinação entre o cálculo de capital e a organização burocrática. Mas influenciado pela filosofia niilista de Nietzsche Weber qualificou a racionalidade material do capitalismo como bastante irracional e desaprovado de razão. Qualificou o capitalismo e a cultura capitalista com bastante irracional. Concorda com Simmel que ‘a tragedia da cultura moderna’ é consequência desta irracionalidade. Acerca disso, Frisby avançou que que Simmel referiu ao conceito de fetichismo de Marx que considerou como sendo apenas “a special case of this general fate of contents of culture’. In the same vein, the ‘extreme and total specialisation’ produced by the division of labour ‘is only a special form of this very general cultural predicament’, namely the alienation of objective from subjective culture.”408 Marx, como sabemos, ofereceu uma outra explicação; esta de mascaras de caracter onde agentes económicos estão a perder a sua razão em seguir estes leis irracionais que caracterizam a logica capitalista, e cuja criação não tem nada a ver com a descrição de Kant que defendeu que na definição daquilo que deve ser aceite como as leis sociais a razão goza da sua liberdade que lhe fez falta face as leis da natureza. A caracterização de Marx do processo económico e dos ciclos conjunturais como crises cíclicos, que, na perspetiva dos agentes económicos são experienciadas como forças da natureza sobre qual o homem não tem poder; são vividas como desastres naturais é prova de mais, para ele, a ausência da razão na organização e gestão das relações económicas. Uma ausência que, por sua vez, aponta sobre o estado não esclarecida da sociedade e dos membros da sociedade, incapaz de meter fim o regime destas forças míticas. Enquanto o homem fica vítima de crenças míticas, de superstição, não qualifica para ser o portador da história. Fica preso na pré- história e incapaz de se liberar de forma como Kant tinha enviesado. Para Marx, como já salientamos, e mais tarde para a teoria crítica, a vitória do capitalismo significa o enterramento da esperança para uma sociedade racional oriunda da filosofia do esclarecimento de Rousseau via Kant ate Marx, o ultimo verdadeiro filósofo de esclarecimento. Portanto, a volta para clássicos significa muito mais que confrontar as teorias com ‘desafios empiristas’ e denunciar as suas ‘ingenuidades fenomenológicas’, como notou Alexander. A volta serve de lembrar-nos do conteúdo e do âmbito da imaginação sociológica que parte da hipótese que os factos sociais são interdependentes e parte de uma totalidade social, no sentido de Mauss e o seu conceito de ‘facto social total’ que não se 408 Frisby, in Georg Simmel (2005) The Philosophy of money, Routledge, London, p. 30. Frisby chegou a conclusão que para Simmel, semelhante da tese de Weber sobre as consequencias da racionalidade occidental entre quais a figurar a eternização da burocracia, capitalismo iria representar apenas “only one historically specific instance of the tragedy that is inherent in culture—the irreconcilable contradiction between subjective and objective culture, between the subjective spirit and objective formations. It is this problematic that lies behind Simmel’s account of reification rather than the origins of commodity fetishism as in Marx’s analysis.” Ibid. p. 35. O autor faz menção da influencia de Nietzsche sobre o pensamento de Simmel, notando que “the delineation of the growing gap between subjective and objective culture, which assumes an even greater role in Simmel’s later essays ‘The Concept and the Tragedy of Culture’ and ‘The Conflict of Modern Culture’, is itself not without Nietzschean undertones.” Frisby in y, p. Lviii. 184
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] limitação estudo dos fenómenos religiosos, mas antes de tudo, dos fenómenos económicos cujo estudo requer portanto de tomar conta das implicações e repercussões socias, económicas, culturais, e politicas e estéticas. As análises de Weber e de Marx servem como exemplos sobre como analisar um facto social total. Voltando para Durkheim, ele caracterizou as corporações privadas, e as suas associações e guildas, não somente como grupos secundários mais largos, mas também como entidades intermedias entre o Estado e a sociedade civil necessárias para colmatar a diferença entre ambas. Conjunto com o individualismo institucionalizado, que implica a aprendizagem da autodisciplina através dos processos de socialização e educação e que é na teoria moral de Durkheim o complemento microsociológico da influência disciplinante – na filosofia de Direito Hegel fala da administração da justiça - das instituições sobre a personalidade, uma ideia que Nietzsche rejeitou.409 Para Durkheim, e ainda mais para Parsons constituem os pilares para manutenção da ordem social. Neste âmbito é farpante que Durkheim apresentou uma teoria de ordem que, em alguns aspectos, é semelhante a de Hegel. Durkheim concordou com Hegel em ver o Estado como representante da vontade geral, mas que seria necessário de criar instancias intermedias de integração social e moral adaptadas á estrutura da sociedade diferençada e individualizada; instancias inspiradas pelas corporações económicas da idade media Europeia. Para Durkheim oferecem a vantagem de um quadro de regulação e de integração social mais pertos de atores investidos em diferentes funções e papeis profissionais. Por esta razão Durkheim tratou organizações como grupos secundários, uma decisão que teve um impacto decisivo, no somente, sobre a formulação de uma teoria organizacional estrutura-funcionalista, mas também sobre a construção da sua teoria social geral, e simbolizada através do esquema funcionalista de AGIL. Este breve excurso serviu para reafirmar a tese apresentada acima, sobre a existência de uma uma rutura maior entre a sociologia de Marx e estas de Durkheim e de Weber que ultrapassa as grandes diferenças teóricas e metodológicas entre os últimos. A fonte desta rutura encontra-se nos fundamentos filosóficos e na recepção de pensamentos filosóficos e nomeadamente de Kant. Enquanto os ideais da emancipação por via de crescimento cognitivo moral ainda é viva nos pensamentos de Marx, evaporou-se nas sociologias de Durkheim e de Weber. No primeiro o ideal de emancipação foi substituída pela uma logica de integração funcional; o homem emancipado é o homem integrado capaz e preparado para assumir posições e papéis funcionais. No segundo, o ideal de emancipação se transformou num processo de racionalização sem fim e sem sentido que iria encontrar a sua apoteose na organização burocrática. Esta descrição sombra da modernidade revelou- 409 Para Nietzsche, as leis morais, em vez de civilizar o homem, como defendeu ainda Kant “are another form of anthropomorphic projection, of the kind that requires a law-giver, and that is precisely the idea of the world he wishes to get rid of (…) Nietzsche contends that modern moral life is a result of the 'slave revolt in morality' (…) This revolt derives from the resentment of the weak against the strong Bowie (2002) ibid., p. 143 - 149. São teses como esta que explicam a fascinação com a filosofia de Nietzsche típico para os movimentos fascistas dos anos 1920 e 1930. 185
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] se também nas obras literárias de Bert Brecht até Franz Kafka e Samuel Beckett, cuja peça sobre ‘Esperando a Godot’ pode ser lida como alegoria sobre a esperança de liberação frustrada.410 Importa também evocar, nesse contexto, os estudos de Michel Foucault sobre as instituições sociais e as suas raízes numa ideologia de dominação, ou de Norbert Elias sobre o processo de civilização e a disciplina ou ainda de Sigmund Freud sobre o caracter opressiva da cultura411. Em jeito de um resumo podia concluir-se que é na tradição do pensamento Marxista que sobrevive a tradição humanista do esclarecimento a diferença da sociologia de Durkheim que deu mais continuação a sua tradição tecnicista e positivista. É a sociologia de Weber, também graças a influência acumulada de Nietzsche, do utilitarismo económico da teoria marginalista Austríaca, que fica a mais distante das ideias do esclarecimento; um facto que transpira na sua interpretação do processo de racionalização que, em vez de descrever o desenvolvimento da humanidade para a sua liberação e emancipação resulta no seu aprisionamento nas estruturas burocráticas. Defende se aqui que a teoria de burocracia de Weber representa uma sorte de síntese entre as ideais criticas de Marx, sem no entanto, abraçar a teoria da pratica e o conceito da emancipação humana dele. Mas concorda com Marx sobre o papel da burocracia como instrumento da dominação de classe e que é um instrumento indispensável e tecnicamente superior para a coordenação da ação coletiva com racionalidade em finalidade e, em consequência, para a manutenção da ordem social. Ou seja, a burocracia está substituindo o controlo sobre os meios de produção em Marx. Rejeita a teoria de revolução de Marx como motor de mudança social em favor do modelo de rotação de elites avançado por Robert Michels e de Vilfredo Pareto, e defende que a revolução, em vez de resultar na liberação, seria nada mais que a substituição de um grupo de elite para outro que toma controlo sobre os aparelhos burocráticos. Como já foi dito, não há saída desta caixa de ferro cada vez mais forte e cada vez mais irracional que representa o sistema capitalista burocrático e a sua racionalidade. O conceito de legitimidade representa a peça central da teoria de dominação de Weber e capta a importância das ideias sobre as atitudes humanas. Caracteriza dominação com um tipo especial de poder onde não prima a capacidade de exercer uma força física superior, mas a crença na legitimidade daquele que tenta impor a sua vontade sobre esta do outro. Cria situações “em que uma vontade manifesta (mandado) do dominador ou dos dominadores quer influenciar as ações de outras pessoas (do dominado ou dos dominados), e de facto as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio 410 Na parábola sobre ‘A boa alma de Setsuan’ o escritor alemã Bertolt Brecht tentou ofercer uma caracterização sobre a forma como a cultura capitalista entrevir sobre o desenvolvimento de personalidades e do desenvolvimento de características sociopáticas. Bert Brecht: A boa alma de Setsuan, https://laracoutouvv.files.wordpress.com/2016/02/a-alma-boa-de-setsuan-brecht.pdf 411 Michel Foucault (1987) Vigiar e punir, Editora Vozes, RdJ. Norbert Elias (1996) O processo civilizador, Zahar Edições, RdJ. Sigmund Freud (2010) O Mal-Estar na Cultura, L&PM, Porto Alegre 186
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] conteúdo do mandado a máxima de suas ações (obediência).”412 Nota ainda, que “a dominação nos interesse aqui, em primeiro lugar., sob o aspecto da sua vinculação à administração.”413. É a crença na legitimidade que tem o poder de transformar o poder – a capacidade de impor uma vontade – em autoridade. Através da dupla entre legitimidade e obediência Weber caracteriza aquilo que Durkheim identificou como poder moral representado nas das instituições sociais; um poder moral caracterizado pela combinação entre o constrangimento e a desejabilidade da ordem social, sem qual as instituições iriem perder a sua funcionalidade e criar a desordem414. Todavia, na versão de Weber, o conceito de legitimidade mesmo se ter a sua raiz em crenças morais e em construções de racionalidade material, uma vez um sistema de ordem fica estabelecido como tal, a questão da legitimidade torna-se uma da racionalidade formal. Este processo culmina no sistema de dominação legal-racional, onde a questão sobre a legitimidade de uma ordem, de uma autoridade seria pendente do respeito dos procedimentos estabelecidos para este efeito. Assim, a questão sobre a legitimidade em Weber não é uma que devia ser respondida em termos da sua racionalidade material; pelo contrário, deve considerar-se como legitimo um poder que foi constituído em respeito das normas legais e os sus procedimentos formais considerados como validos. A teoria de legitimidade encontrou o seu reflexo mais forte em Niklas Luhmann que incorporou-a no seu estudo sobre processos jurídicos. Defende que a avaliação da 412 Weber (1999) ibid., p. 191 413 Weber (1999) ibid., p. 193. Constata que “toda dominação manifesta-se e funciona como administração”. Ibid. 414 “Car, en même temps que les institutions s’imposent à nous, nous y tenons; eles nous obligent et nous les aimons; eles nous contraignent et nous trouvons notre compte à leur foncionnement et à cette contrainte même. Cette antithèse est celle que les moralistes ont souvent signalée entre les deux notions du bien et du devoir qui expriment deux aspects differents, mais egalement réels, de la vie morale ». Durkheim (1990) ibid., p. xx, anotação 2. Achamos conveniente de associar o critério de desejabilidade, um atributo central no conceito do sagrado e da sua capacidade de comício social coletivo, á figura teórica da ‘boa vontade’ de Kant. A construção de Durkheim é também associável ao conceito de consciência falsa de Marx; enquanto Durkheim interpreta a identificação com a ordem social como condição da integração social e da manutenção de valores da qual depende a sua capacidade motivadora (as funções de integração social I e L no sistema AGIL de Parsons), Marx ofereceu uma interpretação negativa e considera esta identificação como uma ‘astúcia’ para defender as relações de dominação. É neste sentido que Interpreta o papel da religião e do sagrado como droga para ofuscar a realidade. A sociologia Marxista tentou de captar esta duplicidade entre força e obediência voluntaria através do conceito da hegemonia que para António Gramsci serve apar descrever um tipo de dominação ideológica de “uma classe social sobre outra, particularmente da burguesia sobre o proletariado e outras classes de trabalhadores”; uma figura teórica que capta a necessidade de uma classe dominante de assumir a “liderança cultural e moral’ adiante as classes dominadas. António Gramsci: Hegemony, Relations of Force, Historical Bloc, in David Forgacs (ed. 2000) The Gramsci Reader: selected writings 1916-1935, New York University Press, p. 194 Esta figura oferece também uma explicação ao facto da autonomia relativa do Estado face aos interesses da classe dominante. “O Estado não é um puro instrumento de força a serviço da classe dominante, como o definiam versões mecanicistas do próprio marxismo, mas uma força revestida de consenso e coerção, acompanhados de hegemonia. O Estado ampliado, assim, cabe na fórmula: sociedade política + sociedade civil”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Hegemonia 187
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] legitimidade de um julgamento jurídico ou de um acto burocrático qualquer não iria depender de considerações morais, mas simplesmente da questão se os procedimentos estabelecidos foram devidamente aplicados e respeitados. É a evidência do não respeito destas regras e procedimentos que podia resultar em invalidar um julgamento jurídico ou um ato burocrático-administrativo. Concorda, portanto, com Weber que a questão da legitimidade não podia envolver considerações oriundo de racionalidade material sob forma de julgamentos de valor, mas que faz parte exclusivo do âmbito da racionalidade formal, sob forma da aplicação devida das regras e procedimentos legais-racionais estabelecidos por este efeito e que representam um sistema de “decisões programadas.”415 Esta enfase sobre as criações de racionalidade formal não pode surpreender que Weber, influenciado por Nietzsche, avaliou a racionalidade ocidental como criando resultados irracionais. Antecipou as avaliações dos autores da ‘dialéctica de esclarecimento’ e qualificou o processo de racionalização ocidental e o desencantamento das crenças míticas não como liberação ou como passo para emancipação como imaginou ainda a filosofia de esclarecimento, mas como processo que, no final da conta, leva em resultados irracionais; a uma sociedade onde o pode burocrático se tornou um casaco de aço pronto de sufocar a criatividade e a liberdade. Como já foi observado mais a acima, a visão sombra de Weber é perto das ilustrações de Michel Foucault sobre a modernidade e as suas realizações. Para descrever estas consequências culturais ‘irracionais’ da racionalização ocidental, Weber faz referência á figura da ‘boa vontade’ de Kant, que chamou-a “o sorridente herdeiro” da filosofia de esclarecimento, mas que “esmoreceu” face á racionalidade burocrática “vinculada às condições económicas e técnicas da produção” que “com uma força irresistível, determina hoje o estilo de vida, não apenas da população activa mas de todos os indivíduos que nascem dentro deste engrenagem.”416. Uma avaliação que pode revindicar a sua validação empírica através dos estudos sobre o caracter autoritário levados pelos membros da escola de Frankfurt ‘em exil’, e das experiencias de Stanley Milgram sobre os perigos da obediência, influenciados pela reportagem de Hannah Arendt sobre o processo de ‘Eichmann em Jerusalém.”417 No final da conta é uma figura 415 Niklas Luhmann (1980) Legitimação pelo procedimento, Editora Universidade de Brasil, p. 47. Esta teoria Weberiana de legitimidade constituiu um ponto central de desconcordância como Habermas no somente com respeito a sociologia de direito, mas ainda mais, a sociologia politica e a teoria de democracia. Vide também a discussão no último capítulo deste ensaio. 416 Weber (2005) ibid., p. 139. Esta passagem tem semelhanças com as teorias de gestão Tayloristas cujo modelo de dominação é desenvolvido em volta do princípio da separação nítida entre trabalho intelectual e manual. Bendix (1974) ibid., p. 274-281. Charles Wright Mills caracteriza o ideal tipo de operários Tayloristas como tendo “the morale of the cheerful robots’. Charles Wright Mills (2002) White collar: the American middle classes, Oxford University Press,, p. 233 417 “A essência da obediência” constatou Milgram “é que uma pessoa passa a se ver como instrumento que executa os desejos de outra e que, portanto, deixa de se considerar responsável pelas suas ações (…) A consequência mais distante é que a pessoa se sente responsável perante a autoridade que a dirige, mas não sente nenhuma responsabilidade pelo conteúdo das ações prescritas pela autoridade. A moralidade não desaparece – adquire um enfoque radicalmente diferente: a pessoa 188
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] teórica circular: o poder que controla a burocracia ganha o poder de definir normas e procedimentos que, por sua vez servem como legitimação deste mesmo poder. Não é por acaso que a concepção de democracia de Weber está adotando argumentos oriundos da teoria de elite, enquadra-se na teoria de dominação e não de emancipação adotando a perspetiva destes que dominam418, e culmina no conceito do líder democrático plebiscitário (plebiszitäre Führerdemokratie) e dotado de características carismáticas necessárias, cuja legitimidade resulta da sua capacidade de ganhar a luta politica pelo voto majoritário e que iria dispor de qualidades de líder não, como é o caso nas corporações económicas, do controlo sobre o capital.419 Importa notar, como fez Schmidt, que Weber introduziu, em 1917 e consciente das falhas do seu conceito inicial de poder legítimo, a democracia como um quarto tipo de dominação ao lado da dominação tradicional, carismática e formal legal. A democracia combina elementos da dominação carismática, que entra na luta partidária pelo poder e, depois, na luta eleitoral, e da dominação formal-legal e a sua enfase sobre os procedimentos formais que regula o processo eleitoral. Ambos entrevem no processo eleitoral que serve agora para conquistar a majoria de votos. Na democracia a vitória eleitoral conquista em eleições livres representa agora a principal fonte de legitimidade para o poder político e o seu exercício.420 Mas tendo em conta que Weber teve pouca confiança na racionalidade dos eleitores e acredita mais no impacto racionalizante da competição política, ele viu a campanha eleitoral mais como uma luta que favoriza ‘os demagogos’ dominada pela propaganda política mais do subordinada sente vergonha ou orgulho dependendo do quão adequadamente executou as ações solicitadas pela autoridade”. Milgram (1974) ibid., Preface. Milgram fornece também uma crítica sobre o discurso filosófico sobre as virtudes da disciplina e da obediência que caracteriza, em particular, a filosofia anti esclarecimento. “Conservative philosophers argue that the very fabric of society is threatened by disobedience, and even when the act prescribed by an authority is an evil one, it is better to carry out the act than to wrench at the structure of authority. Hobbes stated further that an act so executed is in no sense the responsibility of the person who carries it out but only of the authority, that orders it. But humanists argue for the primacy of individual conscience in such matters, insisting that the moral judgments of the individual must override authority when the two are in conflict. (ibid., p. 2) George Orwell caught the essence of the situation when he wrote: As I write, highly civilized human beings are flying overhead, trying to kill me. They do not feel any enmity against me as an individual, nor I against them. They are only “doing their duty,” as the saying goes. Most of them, I have no doubt, are kind-hearted law-abiding men who would never dream of committing murder in private life. On the other hand, if one of them succeeds in blowing me to pieces with a well- placed bomb, he will never sleep any the worse for it.” Ibid., p. 12 418 Esta interpretação corresponde com esta de Giddens que notou que, para Weber, a organização da liderança nos Estados modernos “must be the prerogative of a minority: this is an inescapable characteristic of modem times. Any idea 'that some form of \"democracy\" can destroy the \"domination of men over other men\" is utopian.” Anthony Giddens (1972) Politics and Sociology in the Thought of Max Weber, MacMillan Press, NY., p. 18 419 Manfred G. Schmidt: Elitistische Demokratietheorie: Max Weber, in Schmidt (2008) Demokratietheorien, VS Verlag, Wiesbaden, p. 171. O caracter elitista da teoria de democracia de Weber reside sobre a ideia que o que iria a caracterizar as ‘massas populares’ é a sua racionalidade limitada. Ibid., p. 173. Weber torna a imaturidade que Kant colocou como obstáculo ao esclarecimento como característica normal das sociedades modernas. 420 Schmidt (2008) ibid., p. 175 189
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] que para a competição de argumentos421. A decisão de Weber de abordar as suas análises sobre as instituições e práticas políticas nas sociedades capitalistas levou-o a conclusões diferentes sobre a natureza do político e das instituições de Estado. Embora que a teoria Marxista que contestou a ideia Hegeliana sobre o Estado como incarnação do interesse geral salientou o seu caracter instrumental no âmbito da dominação da classe capitalista, o que provocou um debate sobre a natureza desta relação entre o Estado e a classe capitalista que abraçou autores como Nicos Poulantzas422, ou como os já mencionados Jürgen Habermas ou Claus Offe, Weber escolheu concentrara sobre a figura do politico, sobre a luta partidária e sobre a relação entre a politica e a burocracia. Propus uma tipologia de homem politica, estes que vivem para e estes que vivam da politica, bem como uma sociologia da luta partidária cujo estudo devia ter conta, alem dos aspectos burocráticos do aparelho burocrático, dos interesses e das motivações dos atores políticos e nota que “todas as lutas entre partidos não são apenas por fins objectivos, mas também, e sobretudo, lutas pela patronagem dos cargos.423 Neste âmbito, Weber fez alusão ao facto que o surgimento da ‘máquina plebiscitária, característica para o processo de seleção de líderes de partido resultou em produzir uma nova figura, a figura do boss que iria caracterizar, antes de tudo, o sistema politico americano. “O boss é um empresário político capitalista que, por sua conta e sob o seu risco, junta votos.424 Assegura a articulação entre grupos de interesse económicos e o aparelho político e torna o partido político numa “empresa partidária fortemente capitalista, organizada, de cima para baixo, apoiada também por clubes extremamente sólidos e organizados a maneira de ordens religiosas.425. Estas estruturas que favorizam o surgimento da figura do boss servem também para fortalecer a sua posição como líder. “O boss é indispensável como receptor direto de dinheiro dos grandes magnatas do mundo das finanças.”426 Devido a monopolização do acesso aos 421 A participação politica e a troca de opiniões que respeita as normas de discurso racional ficam no centre da teoria discursiva de democracia de Habermas, algo que vamos frisar no capitulo seguinte. Nada disso, respondeu Weber insistindo que “A democratização e a demagogia formam um par.” Defende que “O significado da democratização activa as massas consiste em que o líder político já não é proclamado candidato, em virtude do reconhecimento da sua competência no círculo de uma camada de notáveis (…) mas sim passou a conquistar a confiança e a crença das massas em sua pessoa (…) com os meios da demagogia de massas. Pela essência da coisa significa isto uma tendência Cesarista na seleção do líder. E este é um facto em toda democracia.” Weber (1999) ibid., p. 572. Esta passagem revela a concepção autoritária de democracia de Weber que reproduz a relação dialéctica entre ‘o amo e o servo’ de Hegel, mas desta vez concebida como relação dialéctica limpada da esperança Hegeliana sobre a capacidade humana de superar (Aufhebung) esta relação de imaturidade mutua através da transformação das estruturas de dominação em estruturas democráticas. Lembra-se que na figura de Hegel, é a liberação do servo que resulta naquela do amo criando a possibilidade para a sua reconciliação como cidadãos e cidadãs livres e iguais. 422 James Martin (ed. 2008) The Poulantzas Reader: Marxism, law and State, Verso, London 423 Weber (1999) ibid., p. 546 424 Weber (1999) ibid., p. 555 425 Weber (1999) ibid., p. 556 426 Weber (1999) ibid., p. 555 190
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] meios financeiras e conforma com o objetivo pela patronagem dos cargos, a capacidade do líder para criar laços de lealdade com os membros está residindo sobre o seu poder de atribuir ofícios políticos em troca desta lealdade. Aplica, portanto, uma perspetiva em sociologia de ação o detrimento de uma abordagem funcionalista do processo politico e de Governação que não tem nada a ver com a busca de um interesse geral. “Os motivos do comportamento dentro de um partido são tão pouco exclusivamente idealistas quanto o são os interesses habituais de ascensão e prebendas entre os concorrentes de uma hierarquia de funcionários. Tanto aqui quanto ali se trata, na maioria de casos, de interesses pessoais do individuo”. Todavia, o que importa, concluiu Weber “é que não impeçam a seleção de homens com qualidades de liderança.’427 A sociologia dos partidos políticos tem como ponto de culminação a conquista de poder político que tem, com a sua representação mais alta, o Estado. Alguns parágrafos já contêm algumas observações sobre o Estado. Assim, e de forma resumida, a teoria funcionalista de Durkheim que focalizou sobre a função integrativa e moral do Estado moderno que se encontra face á uma sociedade cada vez mais diversificada e individualista tratou o Estado como o “único depositário da força moral capaz de retirar o indivíduo de seu comportamento puramente utilitarista”.428 Marx, como já foi observado, viu o Estado não somente como o veículo de dominação, mas antes de tudo está agindo como uma cola para manter unidas as diferentes frações que compõem a classe capitalistas e, neste sentido, figura como representação universal dos seus interesses, como o seu “Gesamtkapitalist’. Na sua sociologia de Estado que faz parte da sua sociologia politica, Weber optou para uma outra via. Em vez de concentrar sobre a determinação da função do Estado focaliza sobre aquilo que torna o Estado numa instituição particular e especifica dentro da rede institucional que nasceu com a sociedade moderna. Declarou que “de ponto de vista da consideração sociológica, uma associação politica e particularmente um Estado, não pode ser definida pelo seu conteúdo daquilo que faz (…) Ao contrário, somente se pode, afinal definir sociologicamente o Estado moderno por um meio especifico que lhe é próprio (…) o da coação física. (…) Hoje, o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território- este, o território faz parte da qualidade característica – reclama por si (com êxito) o monopólio da coação física legitima”. 429 Portanto, esta definição da característica específica do Estado serve para determinar a violência desta da luta politica para o poder porque promete ao vencedor de apropriar-se deste poder de coação física legitima e, como notou Weber ainda, de usufrutuar do privilegio que vai com este poder e que consiste em ‘atribuir o direito d exercer coação física” às “demais associações e 427 Weber (1999) ibid., p. 563-564 428 Giddens, in Márcio de Oliveira (2010) O Estado em Durkheim: elementos para um debate sobre a sua sociologia politica, Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 128. “Para Durkheim, a relação entre a sociedade política (Estado, governo, funcionários etc.) e o indivíduo é central para a manutenção da sociedade” onde o Estado teria como a sua função primordial “a promoção e a proteção dos indivíduos”.“Ibid., p. 129-130. 429 Weber (1999) ibid., p. 525. 191
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] pessoas individuais” 430; um privilégio que abre todas as portas para coligações e associações de interesse mútuo informais entre poderosos atores económicos e financeiros e partidos políticos e/ou figuras políticas individuais que cooperam no projeto de conquista do poder sobre Estado; um projeto que aplica técnicas do mundo corporativo e pode portanto incluir recorrer a práticas de suborno e de corrupção.431 Um das características da sociologia de Weber é que é possível de aplicar as suas teorias sectoriais sobre o estudo de outros sectores. Assim, a teoria estrutural de Estado encontra o seu complemento na sociologia de partidos políticos. A teoria de burocracia de Weber que tem o estatuto de uma teoria ideal típica, isto é, um modelo teórico que trabalho com conceitos intelectuais e sem fundamento na empírica, - neste âmbito é conveniente recapitular as palavras de Kant que, na sua teoria de conhecimento, declarou que o conhecimento teórico sem relação com dados empíricos teorias, mesmo se for legítimo em termos heurísticos, representa nada mais que um conhecimento, um saber especulativo – de repente torna-se uma teoria social empírica quando está abordada de uma perspetiva de sociologia politica. “Politica’ define Weber “significa para nos (…) a tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários Estados (quando trata-se de politicas estrangeiras, meu acrescimento) seja dentro de um estado entre os grupos de pessoas que este abrange”.432 Esta definição de política facilmente aplica-se para o estudo de organizações burocráticas, estudos que concentram, diferente da teoria ideal típica da burocracia, sobre as lutas de poder entre membros organizacionais, entre departamentos e entidades organizacionais. Este a linha de pensamento que prima nas teorias politicas de organização que concentra não somente sobre as lutas de poder interpessoais e intergrupais infra organizacionais, mas também sobre a forma como regras e procedimentos burocráticos influenciam estes ‘jogos de e para o poder”, e como atores ‘inteligíveis os “knowledgeable actors” de Anthony Giddens433 430 Weber (1999) ibid., p. 526 431 O verdito ‘famoso’ do tribunal Supremo Americano no caso de “Citizens United’ de 2010 que atribuiu as corporações capitalistas o estatuto de cidadão abriu as portas às grandes e poderosas corporações Americanas de influenciar o processo eleitoral e, através disso, o processo legislativo Americano. Gilens & Page (2014) ibid. Há uma longa lista de literatura sobre a influência política dos TNC (corporações transnacionais) cujo poder financeira ultrapassa estes de múltiplas Estados de terceiro mundo, e a existências de esquemas de grande corrupção. A titulo exemplar e aplicando uma perspetiva histórica, Alfred Chandler & Bruce Mazlish (ed. 2005) Leviathans: multinational corporations and the new global history, Cambridge University Press. Vide também: B.N. Ghosh & Halil M. Guven (ed. 2006) Globalization and the Third World: A Study of Negative Consequences, Palgrave, McMillan. Debdas Banerjee & Michael Goldfield (ed.2007) Labour, Globalization and the State: Workers, women and migrants confront neoliberalism, Routledge, London. Vide também a literatura sobre o crime corporativo que figura na ultima anotação neste Ensaio. 432 Weber (1999) ibid., p. 526 433 Giddens (1984) ibid., p. 21ff. O conceito de actor inteligível vem da tradição fenomenológica de Husserl e de Schütz e refere ao conceito do ‘mundo da vida’ resumido no inicio deste ensaio. Giddens nota que “As 192
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] conseguem de utilizar estas regras e os procedimentos da sua aplicação para inverter relações hierárquicas formais estabelecidas. Ainda para acrescentar que Giddens usou o conceito de ‘actor informado’ do ‘knowledgeable actor’ no debate com Merton sobre a interpretação desta ‘dança de chuva’ e do seu significado. Lembra-se que Merton colocou- a como exemplo de ‘funções latentes’ neste caso de acções coletivas que, de ponto de vista dos Hopi representam um ritual magico e, de ponto de vista do antropólogo, uma forma de refortalecer os laços sociais como meio para mitigar as ansiedades individuais vis-à-vis de eventos naturais cuja natureza teria ficado incompreensível provocando explicações em termos de forças supranaturais.434 Já fizemos alusão que esta interpretação de Merton pode ser visto como correspondente funcionalista do famoso comentário de Marx sobre a ‘astucia da razão’ que, as vezes, passa de desdobrar a sua logica nas costas dos agentes sociais e que, diferentemente da concepção de Merton’ revelaria as contradições não reconciliáveis que caracterizam uma dada ordem estrutural social. O Giddens, através do conceito de actor informado contesta a interpretação de Merton que os Hopi não ter consciência sobre o propósito ‘a função’ Schutz and many others have pointed out , actors employ typified schemes (formulae) in the course of their daily activities to negotiate routinely the situations of social life. Knowledge of procedure, or mastery of the techniques of 'doing' social activity, is by definition methodological. That is to say, such knowledge does not specify all the situations, which an actor might meet with, nor could it do so; rather, it provides for the generalized capacity to respond to and influence an indeterminate range of social circumstances. Those types of rule which are of most significance for social theory are locked into the reproduction of institutionalized practices, that is, practices most deeply sedimented in time and space.” Ibid., p. 22. “Analyzing the structuration of social (systems means studying the modes in which such systems, grounded in the knowledgeable activities of situated actors who draw upon rules and resources in the diversity of action contexts,) are produced and reproduced in interaction. Crucial to the idea of structuration is the theorem of the duality of structure, which is logically implied in the arguments portrayed above. The constitution of agents and Structures are not two independently given sets of phenomena, but represent the duality’ of structure. Ibid, p. 23. A importância do conceito do ator inteligível na teoria de estruturação de Giddens é comparável com esta do conceito de individualismo institucionalizada na teoria social de Parsons. 434 A interpretação de Merton, na toda a sua inocência científica transporta uma atitude que, até hoje, é típica para as políticas de desenvolvimento oriundas das organizações desta indústria. Assumem o papel dos antropólogos na logica de Merton descritos com representantes de uma inteligência superior que vaio em par com esta atitude ingénua do: nos-somos-os-mais-inteligentes, por isso têm de seguir as nossas receitas, os nossos blue-prints que implementam os princípios sacrossantos de Consenso de Washington. Os mais inteligentes nem conseguem entender que estes princípios não ter nada de apolítico que, atras deste discurso tecnocrático-cientifico, fica a negócio bastante banal de preparar o campo para expansão da economia capitalista e da sua estrutura oligopólico. A questão é, portanto, quem é o crédulo? Os elites nacionais nos países clientes da indústria de desenvolvimento que, no processo da sua constituição como futura classe alta, foram objecto desta diferença de saber e saber fazer ligado com o domínio dos procedimentos e da linguagem burocrática e tecnocrática que, muitas vezes, está escondendo um vazio intelectual enorme, um espirito burocrático á la lettre, compreenderem que, para fazer parte deste mundo têm de dominar os códigos e adotar a mesma atitude. Abre as portas para o influxo de créditos e para carreiras nacionais ou dentro da indústria. No fim do processo mostram o mesmo desprezo contra os ‘populares’ do qual se sentiram vítima no início e, agora são eles, a lamentar o backwardness das populações que qualificam como obstáculo principal de desenvolvimento que, agora é sinonimo da expansão capitalista. 193
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] verdadeira do ritual que, em diferença do antropólogo que, confrontado com a tarefa de fazer sentido de um mundo da vida estranho (Weber), não somente não enfrentam a mesma urgência de exprimir aquilo que, no mundo da vida deles, representa algo de obvio, de autoexplicado, mas onde a explicação em termos ‘científicos racionais’ riscaria afetar a eficácia social do rito em refortalecer os laços sociais para gerir as ansiedades. O fato que não recorrem a um discurso científico não devia ser interpretado, em termos funcionalistas, como evidência da sua ignorância, mas, pelo contrário, como forma ‘astuciosa’ de defender a coesão social faxe ao risco da entropia. Usam as formas de comunicao que têm a sua disposição. A linha de pensamento que transpira através do raciocino de escolha racional num contexto estratégico político, não somente está a completar os estudos feitos no âmbito de teoria ideal típica da burocracia, mas estão, de uma certa forma, antecipar sobre a abordagem de ação estratégica que orientou os estudos organizacionais de Crozier & Friedberg435. Este parágrafo pode talvez também explicar a fascinação que as ideias de Weber têm sobre um grande número de sociólogos modernos e atuais: é esta combinação entre niilismo e a capacidade de observação que serve como vacina contra o risco de idealismo. Não concorda com Thomas Hobbes sobre a natureza destrutiva de homem mas caracteriza a vida dos homens a ser enquadra por forças que mal entende e mal controla que precisa todos os seus ‘juízos’ para cavar o seu caminho, tanto na vida social que na vida profissional. Caracteriza também o destino do modelo democrático e as esperanças de emancipação humana e de autodeterminação associadas com esta; longe de quebrar com a logica de dominação torna-se objeto e campo de competição para jogos de luta para o poder o para o privilégio orientado por interesses estratégicos e motivações utilitaristas. Excurso 1: A razão em ação: Jürgen Habermas’ grande sintese entre o pensamento filosófico do esclarecimento e a teoria social classica e moderna Nos parágrafos anteriores já foi questão de exemplos concretos sobre a forma como as teorias clássicas e a sua interpretação de problemáticas filosóficas têm deixadas as suas marcas nos pensamentos e teorias modernas até atuais. Neste capítulo, o penúltimo, voltamos às questões levadas logo no início sobre a questão da relevância e da atualidade da sociologia clássica e sobre as linhas de influência entre os pensamentos sociológicos clássicos e modernas. Utilizamos o termo de pensamento para fazer a distinção entre o processo de pewnsar de reflectir e o seu produto. Neste sentido o acto de pensar e a constituição de teorias formam um processo sequencial: é a forma de pensar as coisas que resulta em formular teorias, e para entender as teorias é precisa de reconstruir o pensamento detrás destas e as identificar que ou quem influenciou este processo de 435 Crozier & Friedberg (1977) ibid. 194
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] pensamento. 436 É através da reconstrução deste processo de reflexão que permite identificar as premissas e axiomas que depois entram na construção de teorias, de modelos explicativos que tem por característica de ofuscar as suas bases e premissas axiomáticas virando a atenção mas sobre o seu caracter paradigmática seja funcionalista, utilitarista ou simbólico. Alem disso, o emprego do termo pensamento refere a terceira categoria da realidade segundo a teoria de três mundos de Popper, composta pelos produtos do espirito humano. 437 Neste âmbito, está distinguindo entre dois tipos de produções ou saberes: o saber subjetivo e objetivo: o primeiro descrevendo o processo de pensamento que caracteriza um individuo como, por exemplo Max Weber e que faz parte da sua biografia intelectual; o segundo descrevendo os conteúdos deste processo de pensamento e a direção que tomou que, por sua vez, refere às influências teóricas, as perspetivas teóricas e modelos explicativos, isto é, os blocos de construção que o pensador individual escolheu e usou no seu processo de construção teórico. 438 Trata-se, aqui, de um caso concreto da interação entre o mundo das ideais objetivas (o mundo da vida ideológico seja religioso, filosófico e/ou cientifico) e o mundo das ideias subjetivas usando estas ideias para o conhecimento e a construção da realidade seja da realidade material composto dos objetos físicos ou cultural composto de instituições e praticas cerimoniais e rituais. O modelo dos três mundos retoma a distinção de Kant, entre ciências descritivas, normativas e estéticas: no primeiro caso a razão usa métodos científicos, isto é: métodos de observação empírica; a 436 A relação dialética que caracteriza a articulação entre pensamentos através dos quais se exprimem os ‘modos de tempo’ e a construção teórica representando as conclusões tangíveis de um processo de pensamento pode ser comparada com a relação entre o ‘me’ e o ‘I’, entre a articulação entre o meu social e o Eu individual descrita por George Herbert Mead, onde o ‘me’ representa o resultado de um processo de integração social promovida através do processo de socialização sociocultural e intelectual transportando a forma como entendemos as expectativas sociais, enquanto o Eu iria representar o âmbito da reflexão sobre estes expectativas e o seu significado onde entram sentimentos e experienciais individuais. George Herbert Mead: Thought as an internal conversation, in Collins (ed. 1994) ibid. A relação é dialética porque o processo de autorreflexão que culmina na construção teórica afeta a maneira de pensar as coisas e pode, por sua vez, modificar modelos teóricos. Encontra-se já na afirmação de Mead que o ‘self’, sendo ‘a expressão individual do ‘social me’, pode figurar, no mesmo tempo, como sujeito e objeto’ no processo de pensamento teórico. A passagem de uma perspetiva em volta do conhecimento para uma em volta da comunicação que caracterizou o desenvolvimento teórico de Habermas, outra vês, podia servir como exemplo desta relação dialética, uma vez que as conclusões teóricas resultaram numa reorganização do processo de pensamento. 437 Este significado que concentra mais sobre os aspectos epistemológicas que metafisicas das ciências sociais colocados por Simmel, acima citados, corresponde, portanto, com a crítica de Kurt H. Wolff sobre a concepção da filosofia sociológica de Simmel. Kurt H. Wolff: Introduction, in Wolff (ed. 1950) ibid., p. XXXIV. 438 “Knowledge in the subjective sense consists of concrete mental dispositions especially of expectations; it consists of concrete world 2 thought processes, with their correlated world 1 brain processes. It may be described as our subjective world of expectations. Knowledge in the objective sense consists not of thought processes but of thought contents. It consists of the content of our linguistically formulated theories; of that content which can be, at least approximately, translated from one language into another”. Popper (1978) ibid., p. 156 195
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] combinação logica entre factos e ideias; bem como, a formulação de hipóteses operacionáveis e falsificáveis. No segundo caso, a razão usa métodos hermenêuticos, isto é: a comparação entre princípios morais a submeter a uma leitura crítica das ideologias, enquanto, no último caso, métodos psicológicos viradas ao estudo de sentimentos. A distinção entre métodos descritivos e normativos fica no centro da teoria critica e da sua defesa de reintegrar as ciências naturais e sociais descritivas num quadro moral comum, formulada na filosofia de esclarecimento: isto é: contribuir a promoção do processo da emancipação humana.439 Obviamente, e como vamos frisar anda nas observações finais neste ensaio, o controlo sobre os conteúdos do pensamento sob forma de imposição ou de hegemonia teórico, representa uma via para controlar o processo de pensamento. Este controlo inclui a capacidade de controlar o uso de conceitos como, por exemplo, a capacidade de eliminar alguns conceitos em favor de outros nas formas de representação da realidade. Neste âmbito apontamos sobre o afastamento do conceito de capitalismo que caracteriza as teorias dominantes sobre o desenvolvimento lançadas pelas grandes instituições de desenvolvimento, do Banco Mundial ate as Nações Unidas. Representa, para já, a imposição de uma perspetiva teórica que visa influenciando o processo de pensamento e de produção teórico e, por esta via, o desenvolvimento das ciências sociais e a socialização académica da nova geração de sociólogos, economistas e cientistas sociais. Pode perguntar-se o que finalmente é o desenvolvimento? A definição de Walter Rodney revela toda a problemática que, de um ponto de vista sociológico, vai a par com esta forma de definir o desenvolvimento e, a mesma medida, o subdesenvolvimento. “More often than not, the term \"development\" is used in an exclusive economic sense--the justification being that the type of economy is itself an index of other social features. What then is economic development? A society develops economically as its members increase jointly their capacity for dealing with the environment. This capacity for dealing with the environment is dependent on the extent to which they understand the laws of nature (science), on the extent to which they put that understanding into practice by devising tools (technology) and on the manner in which work is organized”440. Trata-se de uma definição que, 439 Como notou James Bohman na Stanford Enciclopedia, a descricao do ‘problema de esclarecimento’. Segundo Habermas, “the solution to which is twofold: to reconstruct those human capacities that have such reflexivity built into them and to tie the operation of Enlightenment institutions to the conditions of their successful exercise. (…) it could be said without exaggeration that Habermas's basic philosophical endeavor from Knowledge and Human Interests to The Theory of Communicative Action has been to develop a more modest, fallibilist, empirical account of the philosophical claim to universality and rationality. This more modest approach rids Critical Theory of its vestiges of transcendental philosophy, pushing it in a naturalistic direction. Such naturalism identifies more specific forms of social scientific knowledge that help in developing an analysis of the general conditions of rationality manifested in various human capacities and powers. Thus, Habermas's alternative sees practical knowledge, or reason in the robust sense, as it is “embodied in cognition, speech and action”. Bohman, James, \"Critical Theory\", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2019/entries/critical-theory/>. 440 Walter Rodney (1982) How Europe Underdeveloped Africa, Howard University Press, Washington DC, p. 4 196
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] conforme com a tradição positivista, que recorre ao desenvolvimento das capacidades técnicas e organizacionais cujo estado de progresso servir como indicador para medir o grau de desenvolvimento. Encontramos, neste definição a distinção de Kant entre o intelecto e a razão; somente que, na definição de Rodney a razão, para Kant a força criativa par excelência e prova da liberdade de homem face as leis da natureza cujo campo de expressão central é a organização das relações sociais inter-individuais e entre países conforme com normas morais, e as suas máximas que resultam de um processo coletivo de discurso com objetivo de esclarecimento. É o capitalismo sem socialismo para Marx. É a diferença entre trabalho e interação no jovem Habermas, entre racionalidade instrumental e comunicativa. O potencial racional do último fica ausente nesta definição. Consequentemente, subdesenvolvimento se define em função e na perspetiva do desenvolvimento económico consistindo portanto numa serie de insuficiências económicas, politicas, sociais ou culturais e que tornam, como já discutiu Adam Smith, um país vulnerável a ser dominado para um outro. Estas distinções não são de interesse académico e filosófico mas ao coração daquilo que identificamos como referencial das políticas de desenvolvimento, algo que discutimos no próximo capítulo. Neste momento contemos de notar que estas distinções têm repercussões metodológicas que podemos ilustrar em usando o exemplo de Habermas e a sua teoria de agir comunicativa uma das mais influentes construções teóricas interessando no mesmo tempo e da mesma força, o pensamento social e sociológico de hoje, que o pensamento filosófico contemporâneo.441 Os parágrafos a seguir têm o caracter de um esboço teórico com objetivo de exemplificar esta relação entre ideias e teorias sociais, entre o mundo da vida intelectual, que aqui iria representar o primeiro nível de discurso hermenêutico, e a sua incorporação nas construções teóricas e abordagens metodológicas, representando o segundo nível de discurso hermenêutico. Ou seja, representa a passagem do pensamento filosófico para a teoria social e sociológica. Algo já foi dito, nos parágrafos precedentes sobre o pensamento teórico e, neste âmbito, sobre a teoria de agir comunicativo e a sua relação com o discurso filosófico e com o discurso da sociologia clássica e moderna. Esta teoria é, portanto, fruto de um processo de pensamento que não somente incluiu uma vastidão de teorias442 mas, no mesmo tempo, 441 A centralidade de Habermas no discurso sociológico actual fala por si próprio. A lista de sociólogos está a incluir autores como Giddens, por exemplo Anthony Giddens (1996) In defence of sociology, Polity Press, Cambridge, ou como Stewart Clegg (1997) Frameworks of Power, Sage, London. Quanto ao discurso filosófico importa evocar, a título exemplar: Karl Otto Apel (1990) Diskurs und Verantwortung, das Problem des Űbergangs zur postkonventionellen Moral, Suhrkamp, Frankfurt/Main. John Rawls ou Charles Taylor. Freeman (ed. 2003) ibid. Ruth Abbey (2000) Charles Taylor, Acumen Publishing Limited, Teddington 442 Além de Marx, Weber, a teoria critica, e Parsons, de Durkheim e de George Herbert Mead a teoria de agir comunicativo faz referências a teoria dos três mundos de Popper e, como já foi mencionado em varias ocasiões, a teoria linguística de comunicação. Habermas (2017) ibid. 197
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] testemunho de um processo de maduração refletivo, isto é: revela o processo de desenvolvimento das ideais e como influenciou o processo de pensar as coisas. Tentar compreender e analisar esta teoria sem tomar conta deste processo de pensamento iria deixar buracos de saber e podia levar a uma interpretação errada. Se coloca na tradição Kantiana no sentido que quer explicar o processo de desenvolvimento e o funcionamento da razão Kantiana443. A teoria de agir comunicativo deve ser lido como descrição da ‘razão em ação’. Neste âmbito, Fazem parte deste processo reflexivo Habermasiano a sua releitura das teorias filosóficas inspirada, primeiro para uma recepção crítica da ‘teoria crítica’ de Adorno e colegas e da sua interpretação de Marx, Durkheim e Weber e, segundo, para inclusão de outras tradições filosóficas e sociológicas como a filosofia analítica, hermenêutica ou linguística que provocou uma mudança de paradigma de uma problemática em volta do conhecimento para uma em volta da comunicação.444 A critica de Habermas sobre a teoria critica culminou na acusação que em razão de ter aceitado o conceito de racionalidade de Weber e a sua conclusão sobre a burocratização como sendo a inevitável consequência do processo de racionalização que iria cimentar a divisão de trabalho e colocar a sociedade num inescapável casaco de aço445. Concordaram com Weber que a revolução proletária não somente não significou a vitoria da classe universal e o fim da logica capitalista, mas resultou numa nova forma de dominação despótica e burocrática sobre o mundo446. Privado do seu sujeito histórico de progresso, Marcuse e Adorno foram procurando portadores alternativos de uma razão ainda não comprometida pela indústria cultural. Enquanto Marcuse focalizou sobre o papel de categorias sociais periféricas, menoridades e, em analogia como Mannheim, a intelligentsia447, Adorno virou-se para a expressão artística448, porem, em risco de perder a sua aura por força do desenvolvimento tecnológico como notou o seu amigo Walter Benjamin.449 Para Habermas, as aporias ou ‘contradições’ da teoria critica tem a sua causa nesta concepção de racionalidade que, em continuação de Weber e de Marx, teria atribuído um sentido único de racionalidade técnica instrumental cujo progresso foi avaliado em termos 443 Helga Gripp (1986) Jürgen Habermas: Und es gibt sie doch – Zur kommunikationstheoretischen Begründung von Vernunft bei Jürgen Habermas, Schöningh, Paderborn, p. 23 444 Gripp (1986) ibid. 445 Schluchter (1985) ibid. 446 Wolfgang Schluchter (1980) Rationalismus der Weltbeherrschung: Studien zu Max Weber, Suhrkamp, Freankfurt/Main 447 Herbert Marcuse (1991) One-dimensional Man: studies in ideology of advanced industrial society, Routledge, London 448 Theodor W. Adorno (2013) Aesthetic theory, Bloomsbury Academic. 449 Walter Benjamin (2012) The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction, Prism Key Press 198
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] de desenvolvimento das forças produtivas e a capacidade de dominar o mundo, o detrimento do outro campo da racionalização, o desenvolvimento das relações sociais e de produção. Considerando que este campo sub-investigado pela teoria critica está a coincidir com o campo da sociologia virada pela problemática das relações e das interações sociais concentrando não somente em estudar as diferentes formas de interação, mas as articulações com forças e fatores sociais e institucionais, Habermas virou a sua atenção para a busca de teorias sociológicas suscetível de colmatar o buraco deixada pela concepção unilateral da racionalidade, e suscetível, portanto, de ajudar em reconstituir um conceito de racionalidade mais completo e evitando as aporias da teoria critica. 450 Foi portanto necessário comentou Habermas, de passar de uma filosofia transcendental de sujeito e da consciência (Kant) para uma teoria social que sabe tomar conta dos factos e forças sociais detrás da construção dos sujeitos e das suas capacidades de conhecimento e que necessitam conduzir análises comparativas socio-históricos. 451 Uma passagem cujo processo de reflexão iniciou com a releitura dos textos filosóficos e, alem das teorias sociológicas, incluiu também as novas teorias linguísticas, em particular a teoria do ‘acto de falar’ de John L. Austin and John R. Searle452 que, no raciocino de Habermas devia ser lida como reformulação da teoria de razão de Kant, Hegel e Marx. Na teoria de agir comunicativo de Habermas argumenta que um acto comunicativo podia ser desagregado em dois elementos constitutivos, de um elemento ilocutivo e uma 450 Habermas (2017) ibid. 451 Habermas, num esforço de resgatar a ideia de transcendalidade propôs substituir o conceito do sujeito transcendental com este da ‘transcendalidade de aprendizagem’. Iria abrir o caminho para estudar o desenvolvimento das personalidades e do senso comum que caracteriza um ‘mundo de vida’, cujas particularidades em termos de convicções, habitus e costumes e práticas éticas e morais correspondem a um meio social e se revelam através de uma perspetiva holística estrutural da sociedade e do seu sistema de estratificação e de distinção social. Stefan Müller-Dohm (2014) Jürgen Habermas: eine Biographie, Suhrkamp, Berlin, p. 496. Habermas tenta de desconstruir o sujeito transcendental numa ‘ontologia do Eu, que revelaria os estádios de desenvolvimento das competências comunicativas, cognitivas e interativas com base dos modelos de desenvolvimento cognitivo e moral de Piaget e Kohlberg. Helga Gripp (1986) Jürgen Habermas, UtB, Paderborn, p. 57ff. O conceito de ‘Habitus’ de Bourdieu definido como “princípio gerador de práticas’ sociais, e no mesmo tempo, como ‘sistema de classificação’ destas práticas, como ‘principium divisionis’. Pierre Bourdieu (2007) A distinção: crítica do julgamento social, São Paulo p. 162. Enquadra-se nesta tentativa de encher conceitos filosóficos com conteúdos sociais e de substituir conceitos filosóficos com conceitos sociólogos. Meio social, a distribuição de capitais económicos, sociais e culturais, o mundo da vida e o Habitus devem ser entendidos como as fronteiras externas e internas da experiencia social subjetiva. 452 John R. Searle (1968) Austin on Locutionary and Illocutionary Acts, The Philosophical Review, Vol. 77, No. 4. Searle diferenciou entre cinco tipos de atos comunicativos: “One can tell people how things are (assertives); one can try to get them to do things (directives); one can commit oneself to doing things (commissives); one can express one's feelings and attitudes (expressives); and one can bring about changes in the world through one's utterances (declarations).” John Searle: Speech acts, mind and social reality, in Guenther Grewendorf & Georg Meggle (ed. 2002) Speech acts, mind and social reality: Discussions with John Searle, Springer Verlag 199
Introdução crítica aos pensamentos sociológicos de Marx, Durkheim e Weber, Draft lecture Script. Autor: Peter R. Beck, Departamento de sociologia, UEM, 09/2020; [email protected] elemento locutivo, onde a primeira determina como o segundo – Habermas fala também da parte proposicional - deve ser entendido. Ou seja, a parte ilocutivo determina o significado e o uso (‘Verwendungssinn’) da parte locutiva. Ambos elementos deviam ser presentes para que haja um acto comunicativo, constituiu a sua ‘conditio sine qua non’. Habermas está a distinguir entre quatro tipos de atos comunicativos, quatro tipos constitutivos453, onde cada um deles resume-se em formular um tipo de revindicações. A validade de cada depoimento dependia, agora, da força da sua argumentação face as questões e duvidas que é suscetível de provocar. O modelo de atos comunicativos de Habermas está a distinguir entre ‘comunicativa’ que respondem ao critério da compreensibilidade; ‘constativa’ que respondem ao critério da verdade no sentido de apresentar uma caracterização factualmente correcta do fenómeno ou do evento em questão; representativa ou expressiva que respondem ao critério de autenticidade no sentido de veracidade e honestidade subjetiva; regulativa que respondem ao critério da exatidão normativa no sentido de legitimidade. Atos comunicativos têm em comum que servem ao mesmo objetivo: a busca de um consenso baseado sobre um diálogo verdadeiro, honesto, factualmente correto e mutualmente compreensível; ou seja: define os parâmetros de uma situação de comunicação ideal.454 Podemos interpretar a teoria de agir comunicativo também como resposta a revindicação de Kant que a saída da minoria não pode ser realizado através de uma ato individual de reflexão, que “de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios”.455 Ofereceu, portanto, uma descrição destes domínios bem como sobre as regras que deviam regular esta expressão pública da razão456. Contem não somente os parâmetros de uma comunicação a altura das capacidades de razão, mas também de uma teoria discursiva de democracia que desenvolveu em textos que seguiam a publicação da obra maior do autor em 1981.457 Uma teoria discursiva de democracia que quer liberar a capacidade da razão da caixa de ferro de Weber e da teoria critica antiga, de dar continuação a ideia moral da emancipação humana de Marx, e de permitir incluir aquilo que para Durkheim foi identificado como resultado 453 Habermas modificou a tipologia de Austin que distinguiu entre atos comunicativos ilocutivos, locutivos e perlocutivos, os últimos referendo as consequências dos dois primeiros: Por favor (ilocutivo), lavar loiça (locutivo), pedido aceitado (perlocutivo). “Saying something will often, or even normally, produce certain consequential effects upon the feelings, thoughts, or actions of the audience, or of the speaker, or of other persons (…) We shall call the performance of an act of this kind the performance of a perlocutionary act or perlocution”. Austin further emphasizes that “the consequential effects of perlocutions are really consequences, which do not include such conventional effects as, for example, the speaker's being committed by his promise (which comes into the illocutionary act. “ Austin (1962) ibid., p. 101-102 454 Gripp (1986) ibid., p. 46ff 455 Immanuel Kant (1783) Resposta a pergunta: o que é o esclarecimento, p. 3 456 Jürgen Habermas (2001) Justification and Application: Remarks on Discourse Ethics, MIT Press, Cambridge, Massachusetts. 457 Jürgen Habermas (1997) Direito e democracia: entre facticidade e validade, Vol. 1 e 2, Tempo Brasileiro, RdJ. 200
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