Permissiva, roçava-lhe os hígidos seios que sobressaiam Jairo Ferreira Machado supremos pelo decote do vestido de onde lhe vinha um suave U perfume, parecendo, recentemente ali borrifado. 151 Edu priápico, Priápo, o deus grego da fertilidade, propício ao amor. Seu falo massageava-lhe a Vênus, trazendo junto um intenso desejo de um querer mútuo; e modo não decepcioná- la, na medida em que bailava, levou-a em direção à varanda onde a convidou a permanecer, fugindo do vexame de alguém vê-lo naquele estado de armado. Tanto o coração quanto o falo, impudicos; e já não se sentia muito à vontade também na varanda. Precisava livrar-se o quanto antes do inconveniente furor hormonal que lhe tomava o inteiro dos genitais. Da varanda, pouco se podia ver além do terreiro iluminado, a escuridão dando a dimensão enigmática do além. A noite se fazia plena. Outros casais, ainda que embalados pelo fulgor lúbrico, permaneciam por ali na varanda, num absorto clima de romantismo. Assim, Edu viu-se obrigado a buscar um ambiente mais privativo, ali, pelas reentrâncias do terreiro e à distância de uma morna luz artificial gerada a dínamo pendurada num poste, onde se encontravam outros casais de namorados. Tendo a desvantagem, naquela hora, do tesão fácil, precisava se recompor, quando não, dar vazão à explosão vulcânica vindo- lhe de dentro, quase já em erupção. Cândida mostrava-se irrequieta. E não era para menos, aquele instrumento fálico entre suas coxas encorajava-a e em contrapartida atraia-o com a fragrância de seus seios sensuais. Logo ele a envolveu pela cintura num afetuoso abraço, trazendo-a para junto de si, e beijou-lhe os lábios carregados de batom.
Permitiu que ele escorregasse por entre suas coxas, a sensação de uma maliciosa nudez em vista da seda cedendo a sua incursão. E mordia os próprios lábios e cerrava os olhos, como quem sentisse a plenitude daquele instante! Não muito longe dali, o ruído da cachoeira, tal qual das vezes que ali brincavam um com o outro no terreiro da fazenda. Diferentemente de outrora, agora Cândida transpirava a cio, embalada pelos hormônios da própria juventude. Afrodisíaca como Os olhos do Jacaió ninguém. Sentiu-o correr os dedos entre seus cabelos, como que cobrasse suas lindas tranças, em fatídicas lembranças: ele puxando suas tranças, quando se desentendiam. E quando ele, ardilosamente, aproveitava para desforrar-se da petulância dela de alardear-se ser V sua namorada, sem imaginar o momento de agora. Ainda que a recíproca não fosse verdadeira, – ele não gostava 152 dela – mesmo assim todo mundo acreditava que sim! – “Desgraçada de menina”. Ali, no lusco-fusco das luzes, queria a forra e atracou-se a ela, para subjugá-la e sugar-lhe o calor da língua. Iria às últimas consequências. O destino deveria tê-los colocado lado a lado, para terminar algo ainda inacabado. Entrava por ela adentro, ou quisera fazê-lo, pela via que ela mais gostaria, mas os trajes o impediam, tanto quanto havia o risco de alguém chegar de repente e os surpreender naquela situação, ainda que Cândida cedesse, obsequiosa. Agora, tinha a nítida sensação de que ultrapassara os limites do corpo e da alma, e em tempo, recordou, aquela entrega o fazia lembrar: Tami. Por isso mesmo precisava Impor limites à situação ou então logo, logo estariam em maus lençóis. Não estavam sozinhos à
sombra de um cajueiro; havia gente por perto. Não que desejasse Jairo Ferreira Machado parar, e sim por que era conveniente no momento! U Afinal, terem brincado juntos na infância – num período 153 ingênuo de suas vidas – e, ela, a Menina de tranças, acreditar ser sua namorada na época, não lhe dava a liberdade da investida de agora. Recuou-se a tempo, olhando-a nos olhos. Aquele par de olhos luminosos, no fundo, no fundo, pretendendo adivinhar porquê ele havia parado. A pele macia tanto quanto a seda que ela vestia, acrescia sedução ao seu corpo. O calor dos hormônios corria-lhe célere no sangue. Edu tocou-lhe os dedos nos lábios ainda úmidos do beijo com a intenção de descobrir os detalhes daquele singelo rosto, uma pista qualquer que o levasse ao passado e o porquê daquele desejo incontrolável de um pelo outro. Rebuscava, nos recôncavos de sua mente, minúcias daquele delicado semblante, necessitando antes de esquecer as tranças – a lembrança mais viva dela – onde ferozmente descarregava sua raiva. Agora, queria desforrar-se das inverossímeis afirmações – de que eram namorados. Seria alguma premonição dela? Cedo ainda para se dizer, estavam ali como de passagem; como o ribeirão que seguia adiante. Cândida olhou-o nos olhos como se esperasse a vida inteira por aquele momento de lubricidade. Na certeza de que um dia tornariam a se encontrar – o sonho de menina finalmente se realizando. Pedira tanto às estrelas e elas a atenderam muito tarde, mas agora Edu estava ali, em seus braços!
Aparecera tão subitamente na sua vida, quanto à passagem de uma estrela cadente e puxou-o para si e abafou sua boca com o calor dos seus lábios trêmulos de desejos, já com o batom borrado. Ele revirava-lhe os cabelos com as mãos, enquanto penetrava- lhe a ávida língua, não se importando de serem encontrados naquela situação. Mas o que importava isso agora? Já imaginava o desfecho final daquele instante, quando uma Os olhos do Jacaió voz veio-lhes do clarão do terreiro: – Cândida!... Sua tia está chamando! Era a prima, preocupada com seu precoce e repentino desaparecimento do salão, onde minutos antes dançavam. Edu gelou-se por inteiro. Embora o fato de estarem V ali no escuro do terreiro não fosse culpa sua. Cândida fora espontaneamente, como se já soubesse o caminho, o cantinho. 154 Talvez viesse daí a preocupação familiar, Cândida parecia muito liberal para os costumes da época. Assustados, ainda assim demoraram a se desfazerem dos efeitos da tentação, antes de atenderem os apelos da prima. Não sabia a prima, quantas vezes ele, Edu, precisara esconder- se de Cândida, na sua infância, quando precisava fazer suas necessidades e ela interessada em ver seu menino-falo, e ele tentando evitar. Inacreditável! Presentemente, estavam ali em incontida volúpia, como se fosse um reencontro de ex-namorados, assumidamente apaixonados! O alerta da prima, de certa maneira, arrefeceu-lhes o ímpeto. Cuidaram de voltar ao salão, onde dançaram par-constante até o alvorecer do dia. Ao se despedirem, naquele fim de noite, Edu sentia os grãos inchados e doloridos.
Na saída, combinaram um encontro na tarde do dia seguinte, Jairo Ferreira Machado no remanso da cachoeira, no lugar onde – quando crianças – muitas vezes brincavam ou mais comumente, brigavam! UV U 155
Repousando no banco de areia próximo à cachoeira, Edu viajava em pensamentos lúbricos, os mais distantes com Tami, os sonhos com a Prima, e o encanto por Lúcia, e, agora: Os olhos do Jacaió Cândida. Precisasse decidir entre uma e outra, decidiria por Cândida, naquele instante. Parecia enfeitiçado! Ainda doíam-lhe os tetículos em resultado daquela noite inteira agarradinho a ela e, mesmo tendo se masturbado em seu louvar ao chegar em casa naquela noite – modo seu corpo V e mente dormir em paz – ainda assim sentia-se necessitado. Irremediavelmente necessitado. 156 Se a ejaculação aliviara suas bolas, por outro, ressaltara mais ainda seus desejos, pois, muito pensara nela e assim fazendo ressaltou-lhe a animação libidinosa e da alma; mas o espírito não se apaziguara com o descarrego físico. A bolsa do esperma estava vazia mas a alma continuava órfã, mesmo que ao despedir-se de Cândida, naquela madrugada, tivesse a sensação da alma dela o acompanhando até sua cama. Ainda que sua mente desmentisse que ela estivera ali, que tudo não passava de ilusão, acordou pensando que sim! Deitado na areia amarelecida das águas barrentas do ribeirão, em sua cabeça ressoava ainda o som harmônico da sanfona misturado ao ruído da cachoeira próxima dali. Recordava os grandes olhos negros de Cândida olhando-o fundo na alma. Sentia ainda seu hálito gostoso e a fragrância de cio saída daqueles seios quase artesanais se insinuando
através do seu vestido decotado e seus olhos a mirá-los o Jairo Ferreira Machado quanto podiam. U Sentia ainda as coxas dela roçando as suas, e o seu falo 157 metendo-se lá nas sinuosidades daquele corpinho macio, quando dançavam colados um ao outro, indiferentes à censura dos presentes. Cândida não se deixou influenciar pelos preconceitos e costumes lá da roça. Isso, de certa forma, incomodava os mais castos. Quanto a si, pensava Edu, se ainda lhe restava uma réstia de sobriedade, naquela noite tratara de ignorá-la, esquecido totalmente da timidez, já escolado das últimas aventuras. E já temendo pelo próprio futuro, tendo que esquecer tudo aquilo, caso fosse mesmo para a guerra; a guerra que não era sua. Nunca mais usaria a discrição em detrimento do seu próprio prazer ou de fazer-se educado e até ingênuo, para se passar por bom rapaz – falava pra si mesmo! Cândida igualmente compartilhara de corpo e mente naquele momento da mais pura lubricidade. Ao tempo que se reciclava das experiências vividas, o estafante calor da tarde e o surdo murmúrio da cachoeira levavam-no a uma leve sonolência, e logo adormeceu. Quase sonhava, quando ouviu uma conversação vinda ao longe: era Cândida, a prima e o namorado dessa. Seria o momento de colocar à prova aquela que os inibira de véspera; se era assim, santinha, como se fez parecer, quando falou ríspida com Cândida naquela noite. Por outro lado, vinha-lhe também a curiosidade de ver Cândida sob a luz do sol do dia, quiçá vestida num maiô ou, se não fosse pedir muito aos céus, aos deuses olímpicos, que ela viesse num biquíni cavadinho.
Levantou-se e sacudiu a areia do short, procurando estar asseado e digno, para recebê-la. Cândida, de certeza, também deveria ter as mesmas curiosidades, pensou. Seja, desfazer o ditado de que “à noite, todos os gatos são pardos”. Precisavam que se vissem de dia para colocá-los à prova da verdade: ela, sem os cosméticos no rosto, ele, sem o terno e a gravata. Haveriam de passar pelo crivo um do outro, confirmando ou desfazendo-se da primeira impressão da noite. Era a vez Os olhos do Jacaió da admiração à luz do dia, quando, por natureza humana, o julgamento se fundamenta nos pormenores físicos: a lógica da insensatez social. Porém, carecia mostrar-se apessoado, modo não decepcioná- la logo na primeira análise, quando por certo, ele julgaria seus V dotes físicos também. Valorizaria o físico em detrimento de 158 outros valores que um não conhecia do outro. Valores os quais, ele, Edu, reconhecia, não os possuía a contento, se achando baixo, comparado a ela – esquecido que Cândida tivesse a vantagem dos saltos-altos. De longe, Cândida lembrava a Prima da cidade, garbosa e sensual como ela. Agora parecia tão formosa, quanto lá no baile: bonita, moderna – notara isto já no corte do cabelo – tanto assim que tivera dificuldades na primeira dança com ela, tão assediada era. E assim, imaginando todos aqueles predicados, pôs-se de pé, aguardando sua chegada. Cândida vinha num requebrado único e estonteante, vestida numa transparente saída de banho, as coxas maldosamente expostas. Trazia no rosto um sorriso levemente escondido sob a sombra de um chapéu de palha, de abas largas, que lhe protegia a pele fina de pêssego maduro.
Deslumbrantemente feminina. Jairo Ferreira Machado Edu agradecia tanto aos deuses Olímpicos quanto às estrelas U do céu, pela fervorosa ajuda de havê-la colocado novamente no seu caminho. 159 À luz do sol, a beleza dela acentuava-se mais ainda; a tez da pele, os dentes muito claros, os olhos feitos duas pedras preciosas a mostrar-lhe a incógnita alma ressurgida da noite. Adiantou-se e beijou-lhe suavemente os lábios que traziam ainda o sabor do batom do baile e aproveitou para mergulhar seus olhos na concavidade daqueles seios ainda exalando a fragrância que lhe vinha de dentro. Cândida apresentou a prima – como se fosse necessário – e essa logo foi se desculpando pela intromissão da noite passada, aproveitando-se para apresentar também o namorado. Em seguida, sentaram-se ali de frente para a cachoeira, exceção ao casal que agradeceu e foi arredando-se à procura de um lugar ao ermo dali, modo não incomodarem uns aos outros. Cândida despojou-se por inteira – de corpo e alma – sobre a areia. Ao repousar os olhos sobre ela, Edu rebuscava lembranças deles dois – crianças ainda – ali na enseada da cachoeira. Ela de tranças a brincar ou brigar com ele em outros tempos. O destino colocara-os novamente frente a frente, no mesmo lugar. Agora, já moça feita, divinamente bonita, cheia de graça e adereços pelos cabelos, braços e orelhas; os lábios grossos na simetria dos cílios longos – lembrando cílios postiços – a margear- lhe os olhos exuberantes e doces. Queria chupá-los como se chupa jabuticaba. A cintura fina e o corpo esbelto, conforme notara à noite, ao abraçá-la na hora da dança. Em nada se enganara, concluiu! Se
muito ela escondera de espetacular, era toda aquela feminidade desvendada pelo sol da tarde e pelo inteiro bronzeado da pele. Cândida também o reparava; varria com os seus grandes olhos cada centímetro de seu corpo, em busca de uma identificação com o seu passado, quando julgava ter direito em tudo dele, inclusive o de querer ver seus detalhes íntimos, o seu pequeno falo fazendo xixi. Notou-o mirando seus cabelos, e reagiu: Os olhos do Jacaió – Ainda não se conformou, não é? Edu sorriu, balançou a cabeça e a animou: – Pensando bem, as tranças eram só um detalhe; não fazem nenhuma falta – e acrescentou – Quem sabe, sem elas, seu gênio tenha mudado para melhor? V Disse–lhe em alusão às brigas do passado, quando mediam forças, muitas vezes, aos puxões de cabelo. 160 Cândida soltou uníssona gargalhada, lembrando os fatos ocorridos e a coincidência de estarem novamente juntos, no mesmo lugar, numa outra fase da vida. Talvez, num momento mais sublime do que aquele, para se despedirem. Mas antes terminariam alguma coisa ainda inacabada. Logo ela despia a saída de banho, expondo o maiô que contornava as minúcias das curvas do corpo, feita uma manequim de vitrine. Comportava-se com desenvoltura como jovem acostumada àquele ritual. Sem constranger-se da quase pura nudez que nascera. Nem o olhar de curiosidade de Edu a incomodava. Ao contrário, sentia-se lisonjeada. E falou: – Age como se nunca me viu? – brincou, olhando-o nos olhos. E completou o raciocínio. Esqueceste que tomávamos banhos nus ali no raso do ribeirão?
Edu concordou, embora não se lembrasse desses detalhes e Jairo Ferreira Machado o momento era outro. U O calor dos hormônios, agora, subia-lhe de baixo a cima, não 161 sabendo se vinha da areia aquecida ou de si mesmo, da magia dos hormônios inundando-lhe novamente o sangue. Bem que gostaria de mostrar-se alheio, insensível aos caprichos dela e não se entusiasmar de forma tão evidente diante de sua beleza. Precisava antes trocar algumas palavras de reconhecimento, já que a jovem sabia tudo de sua vida e ele, ao contrário, pouco sabia dela. O som da sanfona não lhes dera tempo de falar tudo um do outro. Cândida o identificara em meio aos cavalheiros, soubera-lhe o apelido eufêmico, o seu jeito turrão de tratá-la, e ele, precisara da ajuda das estrelas e das próprias dicas da jovem para assim, e a muito custo, resgatá-la de sua memória. Previa ser mais contido, mais devagar e mais romântico naquele momento. Contudo, a força hormonal vinha-lhe forte, já desobediente – estufando-lhe o short. O falo não lhe dava trégua, pouco importando com o que seu pensamento e boca estavam por dizer. Naquele momento, lembrou-se de Tami. Embora não devesse embaraçar as duas, ainda que Cândida parecesse também liberal – já demonstrara isso no baile daquela noite – tanto que ele saíra de lá com os cocos doloridos, e isso o levou a masturbar-se naquela noite. A experiência vivenciada durante o baile recomendava mais comedimento. Ainda que fosse complicado o domínio sobre si mesmo, o seu estado de armado sobrepondo a sua almejada paz espiritual a qual tanto precisava. Foi quando Cândida pediu que lhe aplicasse o protetor solar, virando-se debruço, pondo-se inteira ao seu dispor, após estirar-se
sobre uma toalha branca, contrastando as cores da pele morena com a pouca nuança do tecido. Edu correu-lhe os olhos por toda extensão do corpo, já entorpecido, tendo às mãos o recipiente do protetor, sem saber direito se devia ou não agir, sabendo-se o quanto inútil seria o esforço em manter-se indiferente àquele monumento olímpico. Preocupava-se com o efeito natural daquele gesto, que era a já tão conhecida ereção. E já se via de membro em riste. Aceitou o desafio e tratou de besuntar a mão de óleo, e Os olhos do Jacaió suavemente foi correndo-lhe a pele quente do calor: primeiro os ombros, depois o pescoço, costas e continuou em direção aos glúteos, onde notou os pelos dourados e a marca do contorno do maiô! Sobre sua tez natural assentava o efeito dos raios solares V que denunciavam a frequência com que ela expunha-se à luz do 162 astro maior; não só naquele momento, não só para ele ali, não só naquela enseada de ribeirão. Provável que fosse efeito da piscina de algum condomínio de primeira classe, longe dali. Isto explicaria aquele comportamento impudico, ou quase impudico, para os padrões e a pudicícia do lugar, despindo-se daquela forma descarada, para um rapaz que, na realidade, conhecera no baile daquela noite. Deveras, para que o sol a dourasse mais um pouco – acreditou – e para que ele, Edu, a apreciasse, à luz do dia. Ou quem sabe não fosse para os seus olhos, e sim para outros. Edu queria ser o sol e assim beijar cada centímetro daquele corpo, entrar por ela adentro. Então, encorajou-se e untou-lhe levemente os bem contornados glúteos. Para isso, besuntou mais a mão, modo essa escorregar aos recôncavos mais escondidos do maiô dela
– de modo o deslize parecer acidental – quando, o tudo que ele Jairo Ferreira Machado desejava mesmo era tocá-la, beijá-la e mordê-la insanamente, U indo até os declives mais profundos de seu corpo; lugares de seu total desconhecimento. 163 Tanto pensou que reacendeu-lhe o instinto sexual, revolucionando os genitais dentro do short, fazendo ideia de quanta sensação ela sentia também; bem certo compartilhasse do mesmo tesão, tal como sua irresistível vontade de agarrá-la ali mesmo, tirar-lhe o restante da vestimenta e logo possuí-la de todas as formas possíveis. A tez de Cândida condizia com a de uma jovem bem cuidada, evoluída. O corpo seminu, ali espraiado na areia, pouco importando se o conhecia a apenas algumas horas, no íntimo sabendo, lembrando que foi seu namorado, quando criança e assim se achando no direito. Lembrava a conversa dela, dos detalhes daqueles tempos, dos dois ali, fatos que pareciam nunca ter saído de sua mente, menos ainda de seu coração! Bastava ela retornar alguns anos no passado e se achava no direito de brincar com ele, ludibriá-lo, castigá-lo. O que fizera já no baile e agora, naquele instante, atormentando-o com sua impudicícia, com suas fantasias e malícias de moça da cidade. Da mesma maneira que fizera quando criança ainda, ameaçando-o aos limites da tolerância. Ela, a Menina de tranças. Não suportava sua implicância com aquela história de que era sua namorada, mas agora, naquele instante, desafiando seus hormônios, eram outros quinhentos. Os encontros ali, ao redor da cachoeira, naqueles tempos de criança, pareciam dar-lhe a liberdade de colocar-se a sua mercê, a intimidade à flor da pele. Querendo ser só dele.
Edu carregou a mão no protetor solar, sentindo cada vez mais o hormônio intumescendo seu sangue. Momento seguinte, Cândida virou-se, modo ele passar o protetor na face ventral do seu corpo. Aqueles olhos penetrantes, carregados em brilho, fulminando sua alma e seu corpo jovem, já inundado de desejos. Aquele bumbum bem torneado impunha-lhe efeitos os mais intensos, e mais profundo. Ela exibindo os suntuosos seios num sutiã minúsculo para os padrões da roça. Os olhos do Jacaió Bem provável viera com a intenção de banhar-se ali, sob o ruído da cachoeira e lembrar um tempo, uma vez... Enlouquecido, Edu mergulhou os olhos por inteiros na cavidade úmida daqueles seios – ali como feitos para ele – a seu bel-prazer e gozo. Pôs-se pasmo, inebriado, comovido, tendo V voltado a si, no reclame dela, interrogando-o – O que tanto me olha? Anda, passa logo esse protetor. 164 Edu mal ouviu, pois tinha a mente perdida em infinitas elucubrações. – Ah! Desculpe-me! Ele disse. E seguiu aplicando o creme, sentindo na própria pele um acentuado regozijo. Lia naqueles lábios trêmulos a consequência natural do seu toque lúbrico e umedecido. Sentia-a com a respiração cada vez mais descompassada e ofegante. Já não podia disfarçar: o toque lhe trazia de volta o fulgor dos hormônios; ela fêmea e sensual como nunca. Logo, fazia-se de rogado, embora o falo doesse no pequeno espaço do short. Precisava conter-se, frear os próprios instintos, mas a jovialidade não permitia. Impossível, curvou o corpo sobre o dela, como se assim precisasse para alcançar os pontos mais distantes onde haveria de passar o protetor – embora precisasse mesmo – mas com o intuito de aproximar-se do
calor daquela boca, e quando pouco, intrometer-se por ela Jairo Ferreira Machado adentro. Senão isso, ao menos tomar para si a quentura U daquele corpo febril. Mas tinha medo de si mesmo, das reações cada vez mais fortes de seus hormônios; sua animação 165 jovial reascendia bruta diante da fragrância do perfume dela – saindo de entre-lhe os seios – e impregnando suas narinas. O cérebro já intumescido. A mente vagando no tempo, no tempo presente. – “Meu Deus, onde você estava todo esse tempo?”, queria perguntar-lhe, sentindo o clamor daquela carne divinamente macia. Envolto a uma infinidade de estímulos que vinham do seu sistema límbico (dos núcleos cerebrais) ordenando suas glândulas a produzirem mais e mais hormônios – como se não bastasse o tanto que existia da sua fiel compulsão juvenil, assim, juntinhos um do outro, incorreriam em perigo, tanto quanto fogo e pólvora – concluiu. Absteve-se. Mediu os reais efeitos do seu possível ato, evitando tocá-la com os lábios o quanto pode –fisicamente falando – pois suas auras já se tocavam, atraídas! Era melhor comportar-se civilizadamente e para isso – pensou – tinha por perto a água fria do ribeirão. Já dera certo uma vez – lembrou-se do piquenique e de Lúcia – ocasião em que o rio salvara-lhe do furor da excitação. Cândida notou-lhe o jeito confuso, os olhos faiscados e intumescidos de desejo – o ataque iminente – e o deixou ao livre arbítrio; ao que parecia, estava disposta a aproveitar ao máximo aquele momento. Quem sabe, o único em suas vidas! Depressa Edu evadiu-se e se meteu sob a ducha fria da cachoeira. A água caía do penhasco diretamente em sua cabeça,
refrescando os seus miolos, permitindo que desaguasse junto ao fulgor dos seus órgãos. Livrava-se do tesão, masturbando sob o aguaceiro numa inusitada satisfação, deixando Cândida rindo da situação. Se o ato da ejaculação não apaziguasse seus prazeres carnais, ao menos lhe desafogava o ímpeto sexual, de forma que pudesse ser mais comedido nas ações futuras. E permaneceu ali, esmaecido, sob o impacto da água na Os olhos do Jacaió cabeça, trazendo em mente a inesquecível silhueta de Cândida. Não tardou muito e ela veio-lhe ao encontro. As águas do ribeirão alcançando-lhe a altura dos seios, os raios solares tocando a tangência do rio, refletindo nos olhos dela, exato o que os dela refletiam nos seus, como se buscassem V nos olhos um do outro, a verdade ou algo de bonito que o tempo preservara aos dois, ali, na angra da cachoeira. E que ele, Edu, não 166 lembrara ainda; ao menos, até aquele instante! Enquanto dançavam, na noite anterior, Cândida falava dos momentos vivenciados ali, como se nunca os tivesse esquecido, como se fossem fatos recentes; agora, fogosa, ela vinha se aproximando. E trazia consigo a lembrança longínqua deles ali, no raso da cachoeira, quando ela – a Menina de tranças – quase se afogara no buraco do remanso, e ele a puxou pelas tranças, tirando-a das profundezas das águas. E foi por um milagre. Edu, o seu salvador. Desde então, ela intitulara-se sua namorada, razão porque ele a detestava na época. As lembranças, por si mesmas, se explicavam. Os sentimentos de agora, ressurgindo dos recessos do tempo. Cândida, agora uma mulher feita, sensual, gostosa e bonita! A correnteza das águas mansamente parecia acariciar-lhe os seios, querendo novamente afundá-la. Depressa ele foi ajudá-la.
E ali mesmo beijou-lhe os lábios rubros de batom, já respingados Jairo Ferreira Machado das águas que a cachoeira espraiava sem parar. U Cândida fechou os olhos modo a água não incomodar-lhe a 167 visão, confiante nele, tanto quando confiara daquela última vez que ele a salvara do afogamento. Lembrou-se dele carregando-a nos braços até o banco de areia, onde momentos antes estavam. Eram ainda crianças, e ela não sabia nadar. Cuidou, no entanto, de aguçar os ouvidos, modo o murmúrio da cachoeira penetrar sua alma, enquanto ele a tomava nos braços, agora, com imenso desejo, já pensando em afogá-la... Desta feita, de carinho; ou afogá-la de tudo aquilo que sentia por ela naquele instante. Bastava, para isso, atender aos seus prementes desejos. Que eram muitos! Cândida sentiu-se agraciada naquele remanso, ao lado dele, como muitas vezes sonhara desde as últimas férias, quando ele se foi e não mais voltou. Ocasião também em que ela se foi e, desde então nunca mais se viram, até aquela noite, lá no salão, no casarão da fazenda. A sanfona ainda ressoando longe na sua memória como se ressoasse em seus corações. E Cândida perguntava-se, onde Edu andava todo aquele tempo. E já não tinha forças para resistir à atração, como se o murmúrio da cachoeira resgatasse-lhe os sentimentos da Menina de tranças. Apesar das brigas, o amava: uma criança ainda fazendo o impossível para permanecer ao lado dele e ele a rechaçá-la a todo instante. Não era o momento para perguntas. Talvez mais tarde, ou quem sabe, nunca! Pensara muitas vezes nele, lembrando os tempos em que brincavam ali, construindo castelos de areia.
Os mesmos castelos que serviam aos seus conflitos, quando um acabava destruindo a obra do outro, por ciúmes ou coisa semelhante. Ou quiçá, já fossem sinais das estripulias do amor. Amor, que tanto bate, quanto afaga! Cândida pensava e em tempo, agia com as mãos e com os lábios. Agora, ele ressurgia do seu real imaginário, com jeito de moço sabido. Quem sabe não?... O gosto implacável do próprio cio. A língua dele tocando a sua, como um beijo que sempre estivera em sua memória, mesmo Os olhos do Jacaió que não tivesse acontecido. E não era um sonho. Estava nos braços dele. Mais forte que a correnteza do rio, sentiu em suas coxas o seu falo, e não se opunha e nem impunha resistência às suas investidas; nem era esse o propósito, senão o de desfalecer- V se naqueles braços, como muitas vezes sonhara e acordava chorando, ao descobrir que tudo não passava de um sonho – 168 apenas sua mente fazendo lembrar, dele mais uma vez – fantasias da Menina de tranças. A água fazia redemoinhos em seu rosto, indo mergulhar sob a presilha do seu maiô que escondia parcialmente a intimidade de seu corpo: seus seios e mamilos sensíveis, nus e rigidamente aprumados. Consentia que ele tocasse suas coxas, em descarada sujeição e sugasse seus seios. Esfregava-se nele, mordia-o, confiante da própria proteção do maiô, excitando-o aos limites do desejo, como também a si mesma! Aquele menino travesso que a rejeitava, o ribeirão tinha levado água abaixo, afogando-o de vez! Ao contrário, agora, precisava contê-lo. Edu, no fundo, tinha a fraqueza e o receio de não saber se controlar.
Mergulhasse aos recônditos de suas glândulas e mente – Jairo Ferreira Machado raciocinava – ia dar numa complicada miscelânea de substâncias, U muitas das quais ele, Edu, nem imaginava existirem: a mais castiça devassidão. Coisa que só conhecia de modo superficial, quando 169 precisava se masturbar – e não o fazendo, passaria pela vergonha, perante as moças da cidade, quando se excitava, em sintonia com o fervor químico, a ebulição, o fulgor dos testículos e do falo, no instante em que as águas despencavam do penhasco diretamente em sua cabeça e isso mais ainda massageava o seu ego. Entregava-se de corpo e alma aos atrativos da sua Menina de tranças. A ela, Cândida. O falo contraindo, em repetidos espasmos, tocando suas coxas e adjacências. Cândida percebeu-lhe o rubor da face. Ele, novamente, na plenitude do gozo. Notou-o revirando e convergindo os olhos para o centro do cérebro, como que agradendo a glândula pineal de onde vinha o momento mágico do orgasmo, mais uma vez. Cândida não o interrompeu como bem conhecesse os meandros do prazer, entoada na vibração daquele intento. Ele, objeto de seus deleites. E se esfregava ao membro dele, com todo o ardor de sua impudicícia. Percebeu-o lasso nas pernas, mas logo se recuperaria, sabia, – como bem se lembrava de outras experiências vividas – falava a si mesma! Quanto ao produto do gozo dele, a correnteza das águas cuidaria de levar rio abaixo... Passaram-se reles segundos. Edu desvencilhou-se do abraço dela, tomou fôlego, mergulhou a cabeça sob as águas do rio e foi submergir entre- lhe as coxas, para provar daquele desvairado fulgor; não antes de arriar-lhe a parte de baixo do biquíni, esquecido do mundo lá fora.
Cândida se fez receptiva – mil vezes gozando – respirando fundo, como se afogasse de prazer. Vez em quando Edu vinha à tona, tomava fôlego e novamente mergulhava, dentro dela, no seu âmago. No seu furor uterino. Ela não o desestimulava, ao contrário, adorava, amava cada carícia da língua dele nos seus lábios, aqueles, nunca antes beijados assim, com tanta veemência. Ele agia como exímio nadador e era o jeito mais eficaz de fazê- la feliz, sem riscos, já que não tinham em mãos os preservativos. Os olhos do Jacaió Um momento inusitado. Fora ali quase por obrigação de visitar os parentes – preferia a convivência dos grandes centros – mas levou consigo toda a disposição liberal da modernidade. Edu que penetrasse e saísse do seu âmago, quantas vezes ele quisesse, até se cansar e ela também. V Tempos depois, sentiram fome. A lassidão, o desgaste físico, sentido em suas pernas 170 bambas e cambaleantes, era o sinal do excessivo descarrego. De ambos. Mas não se renderam a esse pormenor, não naquele instante, cuidando de aproveitar o máximo que podiam da situação. E daquelas únicas horas. O peso das águas da cachoeira caindo sobre suas cabeças. Já tinha perdido o sentido lógico das coisas e de quantas vezes tinham gozado, naqueles minutos que estavam ali. Quando não ela, era Edu quem a bolinava, pondo de lado todo o acanhamento antes existido. O sol, o calor, rescendendo lá fora. A água morna do rio massageava seus corpos seminus, enquanto a cachoeira se despencava formando uma cortina de névoa, atrás da qual eles passavam despercebidos os minutos, as horas. Melhor ainda que estavam inundados até a cintura. Sabiam daquele esconderijo somente a prima e o namorado dela, que lhe
falaram, em surdina. O que significava risco nenhum de serem Jairo Ferreira Machado surpreendidos, naquela situação. U O murmúrio das águas como música aos seus ouvidos, 171 tanto quanto um ambiente propício ao êxtase. E era tudo que precisavam, naquele instante da mais pura devassidão. Edu sentiu uma mão quente e macia apalpando-lhe os órgãos sob a água. Pensou antes tratar-se de fantasias de sua mente pecadora. O pensamento tentando desvendar naquele olhar algum sentimento enrustido que respaldasse toda a atração entre eles; vez que nem namorados eram! Abençoada sordidez. A disposição de Cândida seria um atrevimento natural dela – Cândida agia da mesma maneira com os outros namorados? – Edu perguntava-se! Tinha razões para assim imaginar; mas porque se achar seu dono, naquela hora? Desfez-se dos pensamentos. Mais dúvidas suscitavam a si mesmo e, quanto mais se aprofundava na luz daquele olhar, menos explicação encontrava; talvez nem Cândida mesma soubesse; só queria levá-lo ao delírio, vez que perdera o controle sobre si mesma. Louco de desejos, Edu mergulhou entre-lhe os seios. A essência daquela feminilidade estava ali ao seu dispor, como um banquete do qual podia saciar-se à vontade. Cândida também se esmerava no manuseio explícito de seu falo, primeiro com os dedos, depois com os lábios, com a boca. Edu tomava daqueles mamilos, o doce néctar dos deuses. Tinha-os totalmente à mercê de sua boca; eram como dois cones perfeitos para serem sentidos pelos seus lábios e sua língua. E deles, bebia. Os demais seguimentos de seu corpo eram simples detalhes anatômicos.
Contudo, sua mente exigia precaução. Mesmo tendo o compromisso de atendê-la nas mais prementes necessidades – para que ela falasse para suas amigas, exaltando seus feitos – assim, foi em frente, engolindo aqueles seios, um a um, embevecido por eles. Era tudo que Cândida queria naquele instante. Agora, os olhos de Edu não precisavam adivinhá-los como no momento da dança naquela noite – aquela formosura de bustos Os olhos do Jacaió escapando pelo decote do vestido para o encanto dos seus olhos – quando só podia imaginá-los. Presentemente, eram seus, lindos como se mostravam e totalmente nus. A tez morena de Cândida confrontando com o dourado e V a delicadeza sensual de suas auréolas viçosas, feito dois botões róseos, pulcros. 172 Exatamente onde ele debruçou muitas vezes sua boca, sem saber qual primeiro chupar, e se os devia sugar com força ou suavemente, embora quisesse mais mordê-los como se fossem a poupa de alguma fruta madura e ele estivesse com fome. Cândida retesou-se de cima a baixo, tal como acontecera com ele momentos antes, quando alcançou o êxtase... A quase certeza disso era a mão dela apertando seu falo como se quisesse esmagá-lo e mais depressa ele a acariciava, alternando vez em quando os seios, procurando exercitar seus pontos mais eróticos, modo ela também alcançar a plenitude do orgasmo. Precisava satisfazê-la, retribuir as carícias daquelas mãos tocando sua intimidade. Impossível era saber quanto tempo duraria aquele instante – se minutos ou segundos – a dimensão daquela sublimidade física,
psíquica e emocional. Estavam em pleno estado de volúpia – o Jairo Ferreira Machado epílogo daquele invulgar instante. U E já perto do fim. 173 O entardecer chegando aos poucos; talvez o astro maior parasse no firmamento para que aquelas horas não passassem tão rápido. Depois disso, iriam embora como da outra vez, feito as águas rolando ribeirão abaixo. E tampouco Edu, ou Cândida, ou as águas saberiam se voltariam algum dia ali, ou não! O murmúrio da cachoeira, soando ao longe; muito longe. Tão absortos pareciam estar, como se fossem um só, indiferentes a tudo ao redor. Um inexorável folguedo, como toda coisa bonita que num piscar de olhos se vai feito a estrela cadente. Mais tarde, algum dia, ambos teriam do que se lembrar e mais facilmente alcançariam o êxtase, lembrando um do outro, quando juntos de seus verdadeiros pares. Cândida contorcia-se, cruzando as pernas, buscando o alto acaricio, comprimindo as partes íntimas contra os dedos do parceiro, querendo que ele mais lhe tocasse a vulgaridade. O fascínio, o desejo maior de sentir-se dele e mais uma vez ele inteiro dentro de si. Logo depois, exausta, pesou nos braços dele, obrigando-o a interromper o ato libidinoso e as carícias que lhe fazia. Chegavam ao apogeu do clímax; seus corpos há muito tempo ali, em pé, no limite da exaustão. Entreolhavam-se meigamente abraçados um ao outro, enquanto voltavam às areias, ao lugar de antes. Antes de se despedirem, mais uma vez se amaram, já que não havia mais ninguém pelas proximidades; a prima e o namorado, naquele momento, tinham ido embora.
Os olhos do JacaióEdu segurou-lhe uma das mãos, como se não quisesse mais deixá-la, antes de cair no sono. Não antes de vê-la fechar também aqueles grandes e meigos olhos, que se esmaeceram ao calor da tarde. Acordaram já no andar do lusco-fusco do entardecer. Cândida retornou aos braços do namorado, como ela mesma, pretensiosa, cuidou de dizer depois daquela memorável noite e inesquecível dia. Talvez se vissem novamente, em outra ocasião, ou em outra vida. Quem sabe... UV V 174
No dia seguinte, Edu retornou daquelas bandas, mais confuso Jairo Ferreira Machado ainda em relação aos sentimentos do que quando para lá U fora. Trazia consigo o mais atroz pensamento: a iminência da convocação para o exército, vivendo ao mesmo tempo a altivez 175 do amor e o ameaço da guerra. O suor transformara em brancas espumas o entorno do peitoral do cavalo, no instante em que ele apeou à sombra do cajueiro naquela tarde. Por nada nesse mundo passaria por ali, indiferente ao que de bom acontecera no seu passado. Parecia ver e ouvir ainda, os sinais de Tami e seus gemidos de prazer. Tal o animal, esbaforido, o cavaleiro também demonstrava sinais de cansaço; na mente e no corpo. As lembranças do baile. Os momentos vividos na cachoeira e toda a sensualidade de Cândida ainda estavam vivos em sua memória: o seu corpo ainda perfumado pelo dela. Longe o acompanhava o chorado da sanfona, como se também o instrumento ficasse triste, na despedida. A guerra, que não era sua, poderia acabar com toda a beleza vivida intensamente pelo seu coração naqueles últimos dias. Flagrou-se entretido olhando o jacaió pousado no galho da árvore. O pássaro fora a única testemunha da sua iniciação, lembrava-se, recapitulando aqueles momentos com Tami. E ainda o pássaro estava ali, morador habitual do cajueiro, birrento, dono de um buraco no barranco próximo, para onde eventualmente voava. Olhava o pássaro, imaginando quanto
tempo se passara desde aquele dia, do início de tudo. De certeza, anos. Eventualmente sabia notícias de Tami, mas nunca teve coragem de ir visitá-la. Sua vida se enveredara em episódios os mais improváveis e arriscados, o último dos quais, o recente encontro com Cândida, longe dali. E o pássaro ainda permanecia no galho, sorumbático e só. Ou não era o mesmo pássaro, aquele? Era possível que fosse outro, semelhante... Mas era o mesmo, Edu tinha a certeza que sim. Os olhos do Jacaió O jacaió sempre tinha preferência pelo mesmo galho de onde voava para pegar os insetos que rodeavam o cajueiro, na busca da resina odorífera que esse produzia e depois se enfiava no buraco do barranco, levando no bico uma presa. Logo, era o mesmo, concluía Edu! V E sentia-se tão triste quanto o pássaro. O coração dividido, 176 entre o passado, o presente, o futuro, os riscos da guerra, a solidão e a iminência de ser mandado para longe dali. Longe de Lucinha, que agora seu coração resgatava. Tinha vivido apenas um sonho, desses que se acaba ao ser acordado. A realidade o acordava, para Lucinha e uma guerra, que não era sua nem de ninguém que conhecesse. Muitos, que eram levados das cidades e dos campos para a guerra, nunca mais voltariam. Enquanto isso o jacaió continuava ali onde cavara o próprio buraco e se nidificava, se é que tivesse mesmo uma companheira... Edu desconfiava que sim, senão, para quem ele levava o alimento que pegava, num vôo certo, vez em quando? E voltava de lá com os olhos lacrimosos, na quietude de uma paz aparentemente santificada. Nem sequer atinava uma cantoria, como se não soubesse nenhum gorjeio, ou antes, não tivesse motivos para gorjear...
O indumento escuro contribuía para o seu aspecto Jairo Ferreira Machado melancólico. Os olhos lacrimosos seriam por circunstâncias de U permanecer algum tempo metido no buraco escuro e depois ter que se adaptar novamente à claridade. Edu concluía. 177 E por tal motivo, seus olhos sofriam. No complemento da roupagem escura, as penas do peito esbranquiçadas e aquele insinuante bico que lhe facilitava a pegar o alimento voejante, tanto pudesse ser uma borboleta ou inseto qualquer. O bico afinado, como agulha. A calda comparava-se, em tamanho, à cabeça e ao bico, somados. Do alto dos galhos onde pousava, sempre em vigília, olhava de esgoela para cima, para baixo, para os lados, rastreando com o olhar, na intenção de surpreender alguma presa incauta passando por ali. O cajueiro era a sua árvore preferida, a sua casa, o seu sustendo, a sua vida. “De certeza, dali nunca sairia, a menos que um vendaval arrancasse sua pousada, o seu galho, e o levasse junto para longe”, Edu confabulava consigo mesmo, enquanto escutava as incertezas do próprio coração. A mente, cheia de incertezas. Sorriu quando o jacaió falhou na investida contra um inseto. Nunca pensou que o pássaro pudesse fracassar, tão autoconfiante ele lhe parecia no jeito de levar a própria vida. Mas o que importava se vez em quando o pássaro falhasse? Tinha-o todo o tempo de sua existência para tentar novamente. Bastava permanecer ali e esperar pela caça, que essa, sem muito perceber, vinha-lhe ao encontro. Nesse particular, Edu o invejava. Quisesse sobreviver, haveria de trabalhar, plantar e colher o próprio sustento. Quisesse uma companheira, precisaria
aprender a conquistá-la, de uma forma diferente daquela aprendida com Tami – o corpo dela assim o ensinado: mais ação e conversa de menos. Ele, Edu, vivendo somente de sua testosterona, mas tudo acabava no instante seguinte, como a própria ejaculação. Quanto ao pássaro, bastava que voasse de um galho a outro e tinha a presa aprisionada: o seu alimento. No entanto, a calma do jacaió o intrigava, o pássaro parecia ter a vida resolvida, quanto à sua, ainda vivia de fantasias, como a Os olhos do Jacaió noite e aquele dia com Cândida. Entre outras situações parecidas: Tami, Lúcia e a própria Prima, que lhe vinham roubando a paz de espírito – sossego que pareciam sobrar ao pássaro. Talvez a guerra o levasse a enfrentar um novo desafio, dali em diante. O que não seriam coisas de se orgulhar, tanto quanto V não se orgulhava agora. 178 “Coisa estranha era o mundo dos humanos”, refletia. Quando pensava em Tami ou mesmo junto dela, tudo parecia tão natural, tão puramente orgânico: excitava-se, ejaculava e pronto. Ainda que momentaneamente, havia uma satisfação pessoal. Boa, mas ínfima! Como se fosse à distração, o comum da vida, feito o acasalamento eventual de alguns animais da natureza; muitos, que só se encontram nesses momentos de cio, sem nenhum compromisso com a prole. Dias antes, tentara desvencilhar-se, em vão, do sentimento por Lúcia, indo para um lugar distante da cidade. Mas encontrando Cândida, as coisas pareceram ficar mais confusas, pensava. Os murmúrios da cachoeira e do moinho ainda soando longe em seus ouvidos. Cansado, deitou-se à sombra fresca da árvore, antes de seguir viagem. Reciclava-se nas cenas que tomaram parte da sua
vida – desde a primeira aventura ali com Tami até o momento Jairo Ferreira Machado atual – lembrando algumas colegas de escola, a Prima, e a briga U de Tami e Lúcia. Por fim, o encontro com Cândida. E a despedida, na enseada do ribeirão. O murmúrio do moinho ficando na 179 lembrança. O ânimo no esmoreço do calor da tarde. Tudo que lhe acontecera nos últimos anos foram situações comuns a qualquer adolescente, uns mais outros menos, passariam pelo crivo do amadurecimento, não tinha dúvidas disso. Sua mente sublevara, seu físico se rejuvenescera, sua energia se revigorara, seus órgãos tinham renascido para a nova vida; tudo em seu corpo despertara. Até sua alma engrandecera. Embora o coração ainda batesse tristonho no seu peito; como se ele, Edu, não tivesse tomado as decisões certas, e por isso, via-se infeliz. Letargo, logo pegou no sono. No sonho, aviões e mais aviões passavam entre nuvens no céu fazendo ruídos onde momentos antes ele olhava, imaginando ser aquele o caminho da guerra, de onde muitos não voltavam. Quem sabe seus sentidos já soubessem e só queriam avisá-lo. Acordou sobressaltado, e mais confuso ainda. Montou o cavalo e seguiu o seu destino, embora não soubesse qual seria... UV
Os olhos do JacaióOmundo passava por um revés político-social na medida em que aumentavam a população mundial, a ambição e os interesses de alguns mal intencionados “humanos”. Lideranças autoritárias buscando a conquista, o expansionismo territorial, através das armas, em detrimento de nações vizinhas ou à distância dessas e a qualquer custo. Os mandantes, em seus gabinetes, fazem a guerra. Os soldados que lutem ou morram por eles. Tudo, mentirosamente dito, “em V nome da pátria”. Edu questionava-se, sem obter respostas plausíveis. 180 O que era esse tal de patriotismo?... Mesmo que lhe dissessem que é o sentimento de amor e devoção à pátria, não explicaria por que haveria de morrer por ela e se não haveria outros caminhos... Tratava-se da guerra mundial, e já era a segunda, como se não bastara as drásticas implicações da primeira, vez que os dirigentes das nações não tinham se convencido de que através das armas, da opressão e da matança, não se chega a lugar nenhum, a não ser ao sofrimento e ao desatino de quem dela participava, ganhasse ou perdesse. Os aviões iam e voltavam como aves em arribação. Um seguido do outro. Os trens, carregados de blindados, iam e voltavam, em incontido frenesi. Exato no dia do encontro marcado com Lúcia – na casa da Prima – quando então ele e Lúcia iriam ao cinema e lá trocariam carícias, beijos, promessas de amor, mas o mundo cuidou de mudar os seus planos.
Foi como uma torrencial chuva de granizo esfacelando Jairo Ferreira Machado uma rosa de jardim que se acabara de abrir. Sobrando no galho, U apenas o perfume de uma flor que por uns tempos ali viveu: o amor dos dois, Edu e Lúcia. 181 Edu correu como nunca, naquela hora, na direção da “pedra do urubu” e desapareceu no matagal levando às costas sua matula, depois de o pai abrir o envelope que o oficial do exército acabara de entregar – GOVERNO MILITAR BRASILEIRO – SEÇÃO DE RECRUTAMENTO – dizendo que ele, Edu, haveria de se apresentar para o exército, no dia seguinte. Eram os idos de 1944. E havia uma grande chance de terminar seus dias muito longe dali, muito longe de Lúcia e de sua liberdade... UV
Os olhos do JacaióNão ficou para ouvir o desaforo que o pai dissera ao oficial, antes de cair morto; já havia algum tempo, o pai sofria do coração. Evadido, naquele instante, cuidou de encontrar o rumo do esconderijo sem que ninguém soubesse para onde estava indo, seguindo o próprio instinto, no meio da selva. Como um trapo humano, chegou ao destino: à “pedra do urubu”, sob a qual se refugiaria, tendo o cuidado, antes, de verificar se não havia algum bicho morando lá. Surpreendeu-se. V Tinha mesmo eram outros companheiros, que chegaram antes, 182 fugidos pela mesma causa, cada um contando a sua história. Agora, como uma ave de rapina, olhava a mansidão das planícies e dos brejos, onde, pensou que nunca mais voltaria. Desertor da pátria, não tinha perdão! Ali era um lugar estratégico – desconhecido ainda – para quem quisesse se esconder. Esconder do mundo, da guerra, sem esconder-se de si mesmo, fazendo companhia aos bichos como se fosse bicho também! Gente nenhuma, em sã consciência, alcançara aquelas alturas – se muito, algum caçador desajuizado atrás de bicho acuado de cão – que só voltou de lá com muita sorte e a certeza de nunca mais retornar ao lugar. O lugar era como um assombroso casulo edificado pela natureza. O esboço da rocha compondo com a solidez do chão, uma misteriosa gruta, como se fosse um túnel cavado por alguma civilização ancestral, um Neandertal qualquer, quem sabe, cujo
arcabouço ainda persistia ali como lembrança de um tempo Jairo Ferreira Machado existido. U Quem diz que não! 183 Sobrepunha à gruta um conjunto de rochas escondidas parcialmente por uma variedade de arbustos circundantes, lugar de difícil e arriscado acesso, transformando a caverna num espaço propício ao refúgio; alguém assim dissera um dia... O interior folgava às alturas de um ser humano em pé, e outros tantos na largura e nos labirintos que a rocha compunha com distintos ambientes menores contíguos à caverna principal. Moradia de bicho, mesmo! Sobre o espigão mais alto da pedra sempre pousava triste o nosso representante carniceiro – com seu agouro de morte – o que rendeu à gruta o enfático apelido: “pedra do urubu”. Encontravam-se ali, agora, Edu e mais outros refugiados da pré-convocação para a guerra. O assunto daqueles dias, na cidade, era a segunda guerra mundial. Quem ia para a guerra e quem não voltava de lá. Os anos passavam e a guerra persistia. A cívica e mal conduzidas manobras políticas. O exército brasileiro agora convocava para as armas os jovens moços, até mesmo quem nunca havia servido à pátria. Não era uma guerra de nossa pátria – na defesa das nossas divisas – mas sim um confronto entre nações, longe, na Europa. Situação que causava preocupação e desconfiança no mundo inteiro, inclusive aqui, na nossa pátrial. Mesmo ali nos arredores de Recreio, pequena cidade da zona da mata, de Minas Gerais, onde o autor desse livro se inspirou para contar essa história. O desfecho da guerra dera-se, em primeiro de setembro de 1939, fruto da ambição humana e interesses políticos e territoriais
dos dirigentes de algumas nações, entre elas: Alemanha, Itália e Japão – que declara a fatídica guerra a outros países – iniciando com a invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler. E agora pela necessidade de combatê-los, o Brasil, como um dos aliados dos defensores da rebeldia, também entrou na guerra. Era o ano de 1944. Alguns jovens apresentavam-se corajosamente para o alistamento militar. Outros eram convocados e entre os quais Os olhos do Jacaió havia aqueles que davam um jeito de renegar a pátria, com ou sem razão aparente, e fugiam, escondendo-se nas matas da redondeza, esperando que a situação se resolvesse por si mesma. A “pedra do urubu” foi um desses esconderijos. Muitos anos depois, soube-se, que ali se refugiara alguns desertores. As V pessoas já sabiam, na ocasião, mas ninguém tinha coragem de tocar no assunto, com receio da reprimenda militar. 184 Póstuma confissão, tardia? Não! Fazia parte de muitos segredos que a guerra enterrava junto com os pracinhas mortos em batalha, cujos exércitos não tinham tempo de contabilizar ou mesmo queriam esconder os fatos. Muitos jovens fugiam da convocação com a conivência dos próprios pais, temerários, pelas razões óbvias da guerra, de que eles voltassem de lá mortos ou com a vantagem de que ficando por ali, esses poderiam, passados aquele momento, ajudar nas tarefas dos campos, na batalha da enxada, em vez de pegar em fuzil. Chegada a convocação de praxe – uma carta trazida por um funcionário do exército – alguns pais negavam a existência daquele filho, ou mesmo lhe davam como já morto. isso não era de tudo inverossímil, vez que a carência de cartórios para o armazenamento de dados, e muitas vezes do médico para atestar
o óbito – no caso da morte de alguém – contribuíam para as Jairo Ferreira Machado inverdades sobre a existência ou não, daquele filho. U Assim, tanto era possível um pai não registrar o nascimento 185 de um rebento, quanto não fazer o atestado de óbito do mesmo, caso esse viesse a falecer. O censo populacional ainda falho, na ocasião. Em algum lugar do interior desse nosso país, é possível que persistam ainda esses tipos de absurdos. Fato mesmo, podendo ser verídico ou intencional, é que a “pedra do urubu” se tornou esconderijo para muitos dos propensos pracinhas daquela região. Um ou outro morador daquelas estâncias, ainda guardando esse segredo, como segredo de estado, receando tocar no assunto, já passados muitos anos da terminada segunda guerra mundial. Segredo que foi passado de pai para filho, junto com o conselho de nunca revelá-lo. O local transformara-se num verdadeiro covil, de onde os sitiados desciam à noite para recolher os alimentos deixados ao pé da serra por algum familiar qualquer, dentro do maior sigilo. Permaneceriam ali, na expectativa do fim da guerra e do esquecimento da convocação, quando então voltariam à vida normal. No espaço de tempo em que vinte e cinco mil soldados brasileiros eram mandados para a Itália, combater com os ALIADOS, o dito e maldito EIXO formado pela irreverência e a presunção dos três cobiçosos chefes de suas nações: Hitler, Mussolini, Hirohito, seja: Alemanha, Itália e Japão. Pagavam agora, os Pracinhas e eles ali, refugiados da “pedra do urubu” o preço de uma profunda crise econômica e grandes tensões político-sociais na Europa, geradas lá na primeira guerra
mundial, em 1914, com repercussões vinte e cinco anos, tudo porque certo cidadão um dia assassinou um duque, ou esse foi apenas o pingo-d’água que faltava para estabelecer na região uma guerra anunciada. O coração de Edu, não queria saber disso. O lugar ali denominado “Serra”, onde se localiza a “pedra do urubu”, fica nos arredores da Volta da Ferradura, nas imediações do cruzamento da estrada de ferro com a rodovia, à Os olhos do Jacaió esquerda de quem vai da cidade de Recreio, Minas Gerais, para a BR Rio - Bahia. Hoje, olhando de longe, vê-se acolhida pelo matagal a “pedra do urubu”, o lugar já bem modificado pelo homem em relação aos tempos de 1945. Antes, naturalmente e fartamente em meio V a uma mata espessa, de muito difícil acesso. Pode-se imaginar, no entanto, o habitat propício à fauna e flora de décadas atrás. 186 Quando muito, ao pé da serra, havia algum pasto de capim gordura, senão uma ou outra plantação de milho, feijão e mandioca. E às margens dos riachos e córregos que corriam a extensão do varzeiro, a cultura do arroz. Presentemente, uma região forrada de capim braquiaria, seja, região de criação de gado e redutos de pecuaristas; muitos já morando na cidade próxima, Recreio. Por tradição do lugar, trabalhavam ali um exército de homens, mulheres, meninos, meninas, na mão de obra braçal, na plantação, na colheita, no roçado e nos cuidados das moradias e quintais que havia pelas adjacências. Uma comunidade de trabalhadores, ditos colonos, empregados, sitiantes, fazendeiros. E os jovens, filhos desses, moços, agora, alguns refugiados na “pedra do urubu”, junto com outros citadinos, a exemplo também de outros jovens de outras localidades do país, refugiados
também, pela mesma razão: fugindo da guerra. Da guerra que Jairo Ferreira Machado não era deles. Sem esquecer que muitas famílias sobreviviam da lavoura e da criação de gado, necessitando da mão de obra dos filhos, mas esses, agora, sendo levados às armas. Para uma batalha, como pracinhas brasileiros. UV U 187
Os olhos do JacaióPelos arredores da gruta predominavam as urticáceas, uma variedade delas – cujas folhas e caules causavam intensa reação alérgica a quem nelas se esbarrassem – tão pruriginosas, como se estivessem ali de propósito para defender os abrigados; os “traidores da pátria”, os “foras da lei”; gente simples, inocentes. Mais preparados para amar do que para matar. Também as gramíneas cobriam o chão como um extenso tapete verde, que ora se agigantava formando verdadeiros V espigões em meio à vegetação, camuflando os atalhos para 188 que ninguém descobrisse as trilhas que pudesse levá-los à “pedra do urubu” – pondo os refugiados a escudo de algum anseio do exército em encontrá-los. Tempo depois de refugiados, e sem se saber notícias deles, o povo desconfiava que já faziam parte de outros mundos, o mundo dos espíritos. Melhor mesmo que continuassem pensando assim! À distância, pelos caminhos onde transitivam as pessoas, não se imaginava ali alguém escondido; quando muito existiam seriam bichos predadores no encalço de caças, que desciam à noite para beber água. Qualquer outro ser, homem nenhum de juízo, viveria ali para contar sua própria história. O cenário, por perto, era composto de rochas, aclives, pirambeiras, vales, árvores frondosas – a impotência de um ou outro jequitibá – que de longe se anunciava gigante, ao lado dos jacarandás, dos angicos, sob as quais o sol nunca tinha vez.
Jaguatiricas, onças caçando o que comer ou em busca de Jairo Ferreira Machado parceiros para o recato cio. Também os tatus, couraçados, com U seus cascos rudes, se enfiando por debaixo do martagão, fuçando e cavando os labirintos em busca do sustento. 189 Tanto fazia, fosse noite ou dia. Em outros momentos a presença de lobos guarás que corriam empinando o corpo – o pescoção erguido por cima do capim jaraguá – indo saltitantes à caça de caprinos e ovinos dos fazendeiros da redondeza. Era mesmo um cafundó, o inóspito lugar. À distância às planícies, às várzeas, e em volta das moradias, os terreiros, os quintais e vez em quando, de longe, notava-se a presença de alguém. Mesmo permanecendo temporariamente na “pedra do urubu”, tanto fazia se gente boa, bandido ou desertor, só por muita sorte, viveria. Nas orlas – já no encontro dos riachos com os córregos cortando as várzeas – viviam os moradores – dos mais abastados fazendeiros aos colonos – pessoas pobres, serviçais, mão de obra, quase escrava. O comum da vida do campo. Em torno dos casarões das fazendas, avultavam-se os quintais na composição das árvores frutíferas, hortaliças e pelos terreiros sobejavam os animais domésticos: galinhas, patos, marrecos, porcos, todos na costumeira vivência com a constante vigília dos cães. Os quais farejavam longe os ouriços-caixeiro, os gambás, os guaxinins, – bichos de hábito noturno – e muito eventualmente acuavam, era gente chegando ou passando nas imediações. Se não uivavam algum perigo ou alguma caça, uivavam o faro de um cio de uma cadela trazido de longe pela aragem da noite. Ao pé da “serra”, na sede da fazenda mais próxima à “pedra do urubu” assentava-se o moinho de fubá, tocado pela
força das águas de um riacho que declinava caudaloso de cima das colinas. As águas, oram se mergulhavam entre as fendas das pedras sossegadas, como se o riacho imergisse profundo em si mesmo, ora brotavam novamente do chão, feito enormes raízes líquidas retorcidas murmurando serra abaixo. Vinham em seguidas cambalhotas, rolando sobre si mesmas, rasgando verdadeiras fendas em meio à vegetação. A “serra” chorava pelas suas vertentes. Os riachos e seus sussurros que se Os olhos do Jacaió intensificavam à noite quando batia ali o silêncio. Uma vez movido o moinho, às águas continuavam vargem afora, por um desvio feito pelas mãos do homem, indo servir ao cultivo dos arrozais, dos bebedouros, além de alimentarem os mananciais de riquezas que ela própria, ia deixando pelos V caminhos onde passava. 190 Seguiam o rumo das fazendas, dos chiqueiros e dos currais. A vida difundida em toda sua extensão, como ouro que nascia do chão. Era uma paisagem bonita de se vê contrapondo-se a triste vida e os momentos de refugiados. Ao longe, o murmúrio do moinho ressoava como uma canção de acalanto aos seus ouvidos. E quando chegada a noite – após silenciados os gorjeios dos pássaros, os cânticos das seriemas e os grunhidos longe de porcos nos chiqueiros –, o choro das águas voltava a se intensificar, invadindo o silêncio que a noite incorporava em si. Para novamente, ao amanhecer, silenciar-se, abafados pelos cantos dos galos, dos melros nas colinas e pelos berros das vacas e bezerros, anunciando a fome nos arredores do curral. Era a exata hora da ordenha, quando todo o amanhecer acompanhava-se de uma inteira sinfonia de gorjeios, falas, berros e grunhidos.
O vale ia se enchendo de música, com as cantigas dos carros Jairo Ferreira Machado de bois, o aboiar dos carreiros e candeeiros, o grito dos guaxes, o U canto das galinholas ao longe nos pastos, algum menino indo ao pastoreio. E vez em quando o vozeio longe de gente trabalhadora. 191 Logo, não estavam sozinhos naquela cafua, só longe de suas casas, concluíam. Distante, alguém da casa gritava anunciando à hora do almoço para quem trabalhava por perto; era o momento mais triste do dia, pensar numa refeição quentinha com a barriga vazia. Os cães latiam a presença de alguma visita chegando. As galinhas cantavam a desova no ninho, enquanto, nas colinas, a seriema proclamava o achado de uma cobra, seu alimento preferido. Os melros faziam arruaças nos cimos dos angicos enquanto os joões-de-barro, com suas asas abertas e cânticos estridentes, festejavam, próximo ao ninho, a chegada da primavera. Cada estação do ano tinha a sua particularidade, o seu jeito especial de se manifestar, ali, às margens da “pedra do urubu”, dando ao lugar um significado incomum, um enigma, um bem- estar à vida do campo. UV
Asilados no recinto da caverna, os moços espiavam por entre a vegetação o longínquo horizonte com o olhar de ave de rapina. Se muito lhes vinha à mente, era o boato sobre a guerra Os olhos do Jacaió – antes de saírem às pressas de suas moradas, – sem que um soubesse do paradeiro e destino do outro. Assim, surpreendiam-se, à medida que mais desertores iam chegando, ou mais que se surpreendiam: alegravam-se! Não V estavam sozinhos. Realmente aquele era um lugar seguro para quem não 192 queria ser encontrado; os cafundós de Judas, lugar de ninguém ir e tampouco durar. Do momento em que ali se estabeleceram em diante não tomariam mais pé da atual situação e dos efeitos nefastos da guerra. Tampouco ele, Edu, teria notícias de Lúcia ou de quem quer que a conhecesse e fosse importante em sua vida. Dividiriam os espaços com os bichos da natureza, tendo em contrapartida o bálsamo do mato-verde e a fragrância das flores silvestres ao redor. E o zumbido das abelhas e marandovás colhendo o néctar, perto dali. Uma saudade imensa batia no coração de Edu, mexendo com a sua estirpe masculina e quando mais se aprazia do renascer das emoções, mais se preocupava. Os dias de sublimes momentos se tornavam um inferno.
Igualava-se a uma árvore primaveril em franca fluorescência Jairo Ferreira Machado e em vias de frutificar os mais doces frutos, os mais carnosos e U apetitosos, que secava antes do tempo. 193 Casaria com Lucia e teria muitos filhos; como os rapazes e moças de sua idade, que no caminho da adolescência, apaixonavam-se. Isso, é claro, não fosse aquele fatídico instante da convocação, da resolvida fuga e o desencontro com Lúcia: o cinema adiado e o que mais acontecesse naquele dia ou depois, ele, Edu, nunca mais saberia. Recém conhecera os verdadeiros sentimentos, os eflúvios do amor, os anseios da adolescência, e nada, nada de querer morticínio, matanças. Por conta de quê haveria de pegar em armas? Perguntava-se, olhando os demais companheiros trazendo no olhar as mesmas perguntas. Muito menos carregaria e recarregaria um pesado fuzil, com os pés ferrados de botas, necessitando transpor barreiras, passando por cima de cadáveres, pisando sobre os seus semelhantes, ou então ser um deles, banhado em sangue. E caso, sobrevivesse, não teria honrarias à altura do mérito – se há méritos em matar pessoas – e nem mereceria dos governantes – aqueles que declararam a guerra – um pouco de consideração; se muito, um nome de rua. Tinha ainda o risco de se tornar um perturbado neurótico de guerra, que ao ouvir um ruído de avião, se jogaria ao chão e com os braços e mãos – como se empunhasse um fuzil – saia atirando a esmo, cheio de cicatrizes na alma. Ou talvez a pátria o agraciasse. Mas no íntimo conviveria com o próprio fantasma de ter se tornado um assassino, sem saber de fato, por que tomara a decisão de puxar o gatilho, e se mesmo se achava no direito de fazê-lo.
Até então, não tinha nenhum inimigo! Ninguém jamais o convenceria de que a guerra era a solução. Olhava os companheiros, todos ali juntos, jovens, macambúzios, pensativos. Uns da cidade, outros da roça, mas todos agora, vivenciando o mesmo sentimento de revolta e impotência. Na mente de cada um havia uma menina-moça, uma moça- mulher, o amor de uma mãe, o orgulho de um pai, um sentimento Os olhos do Jacaió verdadeiro, e mãos calejadas da enxada ou da caneta. E ainda que a vida fosse difícil, preferiam os campos, a liberdade, os pés no chão, mas não a sentença de morte sua ou de alguém, longe de sua pátria, em algum lugar qualquer, do outro lado do oceano. V Reservado, naturalmente, o direito daqueles heróis que estavam indo para a guerra – por amor à pátria – e que por certo 194 matariam e morreriam em batalha. Edu considerava-se, entre todos, o de mais tirocínio por causa das últimas experiências vivenciadas e por ser o mais sentimental, pois já provara todos os efeitos hormonais, a magia e a aflição de uma paixão: o amor por Lúcia. Não era muita coisa, ou era nada, levando em consideração as artimanhas da guerra, as manhas da sobrevivência e, agora, a necessidade de resistir àquele infortúnio, no meio de uma mata cerrada, vivendo em toca como bicho do mato. Pensava a todo instante em Lúcia, a razão principal de estar naquele esconderijo – o amor por ela falou forte ao seu coração e fora mais forte que a obrigação-pátria. Morresse, morreria de amor, não por outra causa que considerava irrelevante. Talvez guerrear tivesse nobreza sim, mas nada o convenceria a ir à guerra, no momento em que o
amor falava alto ao seu peito, ao seu coração. Pensava assim, Jairo Ferreira Machado no instante em que uma enorme serpente passou silenciosa em U frente à entrada da caverna. Decerto à busca de uma suculenta refeição, um ninho de urubu, uma raposa, um javali, andando por 195 ali pelas enseadas dos riachos, e resolveu fazer ali mesmo um aperitivo. Edu paralisou-se, medindo-a com os olhos enquanto os companheiros se encolheram, ratinhos, mal respirando e torcendo que a serpente não percebesse o que havia lá dentro da caverna; reles, aperitivos, humanos. Simples ratinhos, trêmulos, hipnotizados; sorte que a serpente acovardou-se em tempo e tomou outros rumos. Comumente viam outros bichos, dos inocentes aos selvagens: pacas, quatis, cachorro do mato, insinuando pelas próprias trilhas entre os vassourais, vergando as vegetações rasteiras, indo aos lugares ermos e aos bebedouros. Com o decorrer do tempo, provavelmente todos ali se tornariam bichos do mato também – as jubas crescidas, os cabelos emaranhados de teias de aranha e gravetos, a pele recendendo a húmus e o mal cheiro das chagas, que demoravam para curar. Tendo ainda a umidade das próprias roupas, a fetidez lúgubre com a qual ninguém ali convivera e muito menos se habituaria. Também a fome... Maldita aquela guerra e malditos os homens! O tempo passava. Entrava lua, saía lua, e permaneciam ali, como ordinários seres humanos, vivendo como bichos. Quando anoitecia, reuniam-se e saiam rastejando, em pencas, até o riacho próximo onde tomavam banho, aproveitando para recolher água para as necessidades prementes. Assustaram-se, certa vez com uma jaguatirica, ou mais a assustaram, pois o pequeno felino bebia também no remanso do riacho.
Os olhos do JacaióTinha ela os olhos vaga-lumes em par estatelados em direção onde estavam. Sorte que alguém se sobressaltou de tal maneira que a bruaca saiu em desembalada carreira, também assustada, em rumo incerto. Na condição de líder do grupo, muito mais pela exigência e inexperiência dos outros que por opção própria, Edu era quem mais tomava decisões e dava respostas a quem do grupo o procurava. Os ensaios emocionais vivenciados nos últimos tempos – ainda que fosse apenas no âmbito da sexualidade – o deixava mais confiante diante dos demais. Decisões aquelas muitas vezes levadas pelo fervor do coração, logo, não muito seguras. Do seu corpo, o coração era o mais enfermo, deixando os demais refugiados com o pé-atrás V com suas decisões. UV196
No grupo havia o Toninho, um mestiço esguio, que muito os Jairo Ferreira Machado alegrava com suas charadas, gesticulando e dando formas U avulsas e enormes aos bichos que dizia vir visitá-lo na caverna todas as noites. Fossem lá, dinossauros, megatérios, brontossauros... 197 Ele os criava na mente, ou mesmo os via em sonhos. Jurava que eram verdadeiros e que voltariam à noite, para atacá- los. Seriam animais pré-históricos que um dia viveram ali, quem sabe? Mas vivos, de verdade, já era coisa da cabeça do moço Toninho! Afirmava que aquele era um lugar misterioso e só ele podia senti-los, falar com eles ou mesmo vê-los. Sonhador, como parecia ser, quem diria que não?... Toninho acordava assustado, gritando, o corpo suarento, deixando o grupo em polvorosa, esquecido que o silêncio era regra básica para se manter escondidos ali; dependendo do sentido do vento, até esse podia denunciá-los. Não podiam arriscar-se. Amanhecia e Toninho era outra pessoa: brincalhão, esperançoso, sorridente e cheio de vida. Dizia que, acabada a guerra, ninguém mais lhe poria a mão, pois o mundo era enorme de grande – ia ser chofer de caminhão. Rodaria por todas as estradas do país, de caminhão, e buzinaria alto quando passasse por ali, modo os companheiros de enxada ouvirem e ficarem com inveja. A roça não fazia parte dos seus planos. E tampouco essa tal guerra que não era sua.
Muito puro de coração para atirar em alguém; queria apenas gozar a liberdade sem tirar a liberdade do outro. Era melhor que pensasse assim... Olhando por entre uma densa vegetação, Edu viajava numa réstia de sol que adentrava por entre os galhos altos das árvores. O olhar triste, como passarinho que quisesse voar, sair por aquela janela iluminada, ir para longe dali – para junto de Lúcia. E logo se casaria com ela. Os olhos do Jacaió Mas e aquela fatídica guerra, dos infernos? José Surtido, outro refugiado, assim chamado pejorativamente pelo excedido tamanho dos testículos, mas tinha mesmo era uma enorme hérnia ínguino-escrotal, que, por si mesma, o incapacitaria para a guerra. Claro, se soubesse disso, o pobre coitado... V E por tal desinformação, acabou refugiando-se ali, na “pedra do urubu”. Surtido lia os pensamentos de Edu, com a 198 sensibilidade de um vidente – e naquele momento Edu tinha o pensamento longe. Em muitos momentos, via lágrimas escorrer-lhe dos olhos. Jose Surtido sabia por quê... Edu tinha falado de Lúcia. Maria Lúcia. E das experiências vivenciadas com Tami, quando de suas idas para o colégio, ainda na adolescência. Sentimento aquele que mudou no dia em que conhecera Lúcia lá no sítio. Contou do baile. Dos acontecimentos na enseada do rio, com Cândida, a Menina de tranças. Jose Surtido, quando sem assunto, pedia que Edu relembrasse para ele as suas histórias de amor, e a que mais gostava, era quando o companheiro falava de Tami. Punha-se no lugar do amigo. Ouvia atento, depois ia para um dos cantos da caverna, masturbar-se. Não arranjara namorada ainda, por conta do aleijão
– as moças ficavam ressabiadas e o evitavam. Por isso, trazia Jairo Ferreira Machado sempre no rosto os traços tristes da desilusão. U Outro, não menos moço, nem mais velho, Emanuel Rói Osso. 199 Assim apelidado pelos irmãos, desde que o pegaram roendo um tutano, sobras de uma refeição. Era um moço bonito, delicado, mas capaz de muitas proezas com a bíblia na mão. Nada de enxada, de fuzil e de baioneta; valia-lhe o coração de ouro e o apego à paz e à vida. A mãe foi quem o mandara abrigar-se lá, às escondidas do pai que o queria fardado, em combate, para morrer, como herói, caso fosse esse seu destino. Herói morto, não!... A mãe bem o queria vivo, e fez seus planos. Foi o primeiro a galgar a “pedra do urubu”. E já estava familiarizado com a região. Rói Osso ia ao canavial, longe dali, cortava a cana, descascava e mordia o miolo da cana, mastigando-a com a força dos dentes de um cachaço, até o bagaço amarelar-se como uma flor de girassol, tal a força de suas mandíbulas. Era o mais amigo de todos, dividindo o que conseguia de alimento com os companheiros, quando quase nada havia para se comer. Trazia uma bíblia guardada na sacola de roupas, de onde tirava os ensinamentos, modo suportar seus conflitos internos. A bíblia fora presente de sua mãe; afinal, todos ali viviam situações antagônicas – entre o dever com a pátria e o lutar na guerra, a deserção, e o amor-próprio, e com isso, a necessidade de orações. Em razão disso, sentia-se, um pária, covarde, como diziam aqueles que pegavam em armas. No íntimo decepcionado consigo mesmo, sem esquecer as incertezas do futuro de um pracinha e os pecados que aquele traria em seu coração, após tirar a vida de um irmão e voltar de lá, vivo. Ninguém tinha consciência disso...
Ainda que fossem à guerra, havia a possibilidade de nunca mais retornar, ou mesmo retornar de lá morto. Quando então, seriam enterrados com honras militares. Rói Osso, perguntava-se, recalcado, em parte, das atitudes tomadas, mas em contrapartida, tinha uma possibilidade de vida, depois de acabada a guerra; trabalhar, estudar e ter uma carreira digna. Pensava diferente daquele outro, o Foice Pequena, esse, de Os olhos do Jacaió todos foi o que menos tempo permaneceu no esconderijo; no sexto dia disse que não nascera para ficar enfurnado em buraco que só onça aturava e tampouco viraria bala de canhão, na guerra. Não demorou, pegou seus poucos pertences e embrenhou- se mato adentro, como bicho do mato, sem mesmo saber se V viveria para contar sua própria história. Soube-se, muito mais tarde, que foi dar numa fazenda, do 200 outro lado da “serra”, e por ali permaneceu, trabalhando e morando em uma casinha simples, onde logo arranjou mulher. Casado, teria menos chance de seguir para a guerra. Sempre que perguntado, dizia ser parente, primo em segundo grau do capataz da fazenda, e recém-chegado, inventando origens distantes dali. Ajuntou-se, portanto, a necessidade de um com a precisão do outro – o patrão, que nada quis saber da vida dele – e isto era tudo o que importava naquele momento de escassez de mão-de-obra. O mundo que se explodisse lá fora. Aviões iam e voltavam pelos céus do mundo. E também pelos céus dos olhos de Edu. Em certos momentos da noite, os aviões pareciam uma constelação de estrelas andejas, deslocando-se devagar, em direção ao continente europeu. Levando pracinhas, trazendo corpos.
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