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Lava Jato e organizações Criminosas

Published by Papel da palavra, 2022-05-15 15:07:54

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ESTADO DE POLÍCIA E ABUSOS AOS DIREITOS FUNDAM… | 251 mento jurídico, evitando, assim, qualquer tipo de ultraje na sua condição humana. CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões possibilitaram uma proposta de desconstrução de alguns paradigmas sobre a atuação dos policiais e como a socie‐ dade reage diante da aplicabilidade do Direito nas instituições policiais pautando-se, assim, no crime de tortura. O crime de tortura é uma herança cultural brasileira ainda arraigada na soci‐ edade. A polícia, com o intuito de coibir e conter determinados atos, acaba, de uma forma ou de outra se corrompendo e usando de uma força desmedida. O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser incorpo‐ rado a todos, sem dicotomias, ou acepções. Visto que, todos são cidadãos. Aos policiais, porém, incumbidos do dever legar de zelar pela segurança, integridade e patrimônio da sociedade, devendo ter sua integridade intacta. Mas, afinal, quais são os direitos fundamentais se está a falar aqui? Ás vezes, apesar do desenvolvimento social, a harmonia é quebrada por conflitos de interesses e abuso de poder. A partir disso, dependendo da natureza do bem jurídico, o Estado deixa a cargo da parte lesionada para que intervenha, ou o faz de forma mais branda. Os direitos e garantias de dignidade da pessoa humana em circunstância alguma podem ser violados. A sociedade, como um todo, exige um determinado empenho irascível por parte dos policiais, estando legitimados a agir com maior perspicácia e respaldo no art. 114 da CF/88. Cabe princi‐ palmente aos juristas ação efetiva a fim efetivar à dignidade da pessoa humana, um dos Fundamentos do Estado Democrático. Aplicação das normas de proteção contra os crimes de tortura e o reconhecimento do Ministério Público como protetor legítimo dos Direitos Humanos.

252 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Face ao desenvolvimento do trabalho, conclui-se que nenhum assunto, inclusive o tema sobre o crime de tortura, é capaz de trazer conclusões imutáveis, a certeza de que se tem que o crime de tortura seja a forma que for precedida é um crime brutal, nefando e que, apesar do crescente respeito dos direitos huma‐ nos, tanto por parte do Estado como dos cidadãos tão atos que ofendem a dignidade da pessoa humana ainda estão em voga. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da UniBrasil, Curitiba, v.1, n. 8, jan./jun. 2008. Disponível em: <https://goo.gl/bWJS8o>. Acesso em: 21 nov. 2018. BOFF, Leonardo. Prefácio. In: ELOYSA, Branca (org.). I Semi‐ nário do Grupo Tortura Nunca Mais. Depoimentos e debates. Petrópolis: Vozes, 1987. BORGES, José Ribeiro. Tortura: aspectos históricos e jurí‐ dicos - o crime da tortura da legislação brasileira - análise da lei n° 9.455/97. Campinas: Romana, 2004. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estado de Direito. 1999. CARRARA, Sérgio et al. Política, Direitos, Violência e Homossexualidade: Pesquisa 9ª Parada do Orgulho GLBT - São Paulo 2005. Rio de Janeiro: CEPESC, 2006. CHAUÍ, Marilena. Um regime que tortura. In: ELOYSA, Branca (org.). I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais. Depoi‐ mentos e debates. Petrópolis: Vozes, 1987. FOCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. _________. Soberania e Disciplina. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e

ESTADO DE POLÍCIA E ABUSOS AOS DIREITOS FUNDA… | 253 consenso no processo penal: na perspectiva das garantias cons‐ titucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. MENDES, Gilmar Ferreira; GONET, Paulo Gustavo Branco. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. Tradução de Tomás Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. MORGANA, Calza. Direito, Ditadura Militar e Consti‐ tuição de 1988. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/YiYrHf>. Acesso em: 24 out. 2018. PNUD; IPEA; FJP. Relatório do desenvolvimento humano para além das médias. Brasília: Athalaia, 2017. Disponível em: <https://goo.gl/3rnJYs>. Acesso em: 17 nov. 2017. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SOUZA, Taiguara Libano Soares e. Estado Policial e Crimina‐ lização dos Movimentos Sociais: notas sobre a inconstitucionali‐ dade do Decreto nº 44.302/13 do governo do estado do Rio de Janeiro. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185- 205, jan./fev. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/XXDzWL>. Acesso em: 17 nov. 2017.

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATUAÇÃO NO CENÁRIO PÁTRIO DANIELA MELISA GOMES SANTOS; ALINE BARBOSA DOS SANTOS; ANA CAROLINA DOS ANJOS MEDEIROS INTRODUÇÃO ADVINDAS, EM SUA MAIORIA, DE MOVIMENTOS POPULARES, AS organizações criminosas ganharam com facilidade voluntários simpatizantes com suas ideias, o que contribuiu sobremaneira para o cometimento de atos ilícitos e para uma maior e melhor organização no curso de suas ações. Com o desenvolvimento desenfreado, não apenas no Brasil, mas a nível transnacional, diversas formas de combate a esse crime foram testadas. No que se refere ao contexto normativo brasileiro, pode-se destacar a Convenção de Palermo, a qual apresentou um conceito inicial para organização criminosa, servindo de base e inspiração para a redação da Lei 12.850/2013, hoje vigente, que pode ser considerada uma das principais, se não, a principal norma que versa a respeito mencionado delito, apresentando não apenas sua conceituação, mas também um aparato de meios de combate ao crime. Assim, diante do contexto vivido pelo Brasil atualmente, o presente artigo foi elaborado com o objetivo de fazer uma análise

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 255 dos modelos de organização criminosa presentes no País e sua relação com o aparato normativo, sendo realizado um estudo doutrinário e legal para melhor explicação dos conceitos que envolvem a temática. Quanto à metodologia utilizada, apresenta-se como uma pesquisa bibliográfica, por ter cunho teórico, tendo sido utili‐ zados como base para a sua produção, artigos, livros e materiais disponíveis e publicados na internet. E também qualitativa e documental, com o emprego do método explicativo, haja vista que as análises realizadas para construção das ideias também são explicadas. Para a realização deste artigo e para um melhor esclareci‐ mento da temática abordada, fez-se o uso dos estudos de impor‐ tantes doutrinadores e estudiosos do Direito, cujos argumentos colaboraram expressivamente para a construção do presente texto, bem como da análise crítica do sistema normativo brasi‐ leiro, especialmente da Lei 12.850/2013. 1 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA E INSERÇÃO LEGAL 1.1 Conceituação A criminalidade organizada é perceptível e enraizada à popu‐ lação brasileira a um tempo considerável, mesmo assim, ainda não se obteve uma definição clara e precisa para do que seja orga‐ nização criminosa, tendo em vista que a inexatidão por parte dos maiores estudiosos do ramo, demostrando que o conceito de criminalidade organizada se reinventa com o poder variante, tornando-se um tema de difícil conceituação. (MENDRONI, 2015). Todavia, ainda nas palavras de NUCCI (2015, pg. 19) “é indis‐ cutível a relevância da conceituação de organização criminosa, não somente para fins acadêmicos, mas pelo fato de se ter criado

256 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS um tipo penal específico para punir os integrantes dessa modali‐ dade de associação”, demostrando assim, seu valor jurídico, como também a intrínseca relação com um princípio basilar para o Estado Democrático de Direito, isto é, o princípio da legalidade. Contudo, vale ressaltar a definição suscitada por SHIMIZU (2011) que conceitua facções criminosas como o grupo de pessoas que se regem por relações de solidariedade e gregarismo, fundados prioritariamente sob o lema da defesa dos interesses da comunidade carcerária e atuando ilicitamente dentro e fora dos presídios. Por fim, o conceito factualmente relevante é o legal, visto que, em última análise organização criminosa será o que a lei definir como tal. Em vista disso, o Decreto Presidencial 5.015/2004 trouxe novos delineamentos para o regimento das organizações criminosas no direito brasileiro, a julgar pela introdução da Convenção de Palermo que inspirou a inserção do preceito legal através deste Decreto, acarretando em um conceito propriamente dito de “grupo criminoso organizado”, nos seguintes termos: \"Grupo criminoso organizado\" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material (DECRETO 5.015/04). Consoante a Lei destacada, para que seja tipificado como organização criminosa, necessário se faz que existam três requi‐ sitos basilares, a saber: o estrutural, temporal e finalístico. No que tange ao requisito estrutural, importa destacar que se

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 257 verifica uma estrutura mínima, que possua uma clara divisão de tarefas, planejamento prévio para a efetuação dos crimes e um líder responsável pela organização, não carecendo de forma‐ lidades. Quanto ao requisito temporal, é majoritário o entendimento não só do autor, como também da doutrina, que a estabilidade e permanência são preceitos cruciais para designação como orga‐ nização criminosa. Quanto a organização interna, as facções têm como caracte‐ rística intrínseca a notoriedade das suas ações, que seriam inexequíveis com baixa quantidade de associados. Sendo a hierar‐ quia marcante, especialmente com a figura de um “chefão”. Ainda em relação à estrutura das facções criminosas, é impe‐ rioso destacar o forte papel da sua figura no surgimento de outras facções, fato que fica claro que, com o desmembramento interno destas, por exemplo como aconteceu com a Okaida que inicial‐ mente vendia o crack fornecido pelo PCC em bairros de João Pessoa e posteriormente passou a ser uma organização autônoma. O desmembramento das facções que resulta no surgimento de novas, caso do Terceiro Comando Puro – que surgiu da divisão do Terceiro Comando- por exemplo. Essas disfunções estruturais merecem um destaque especial, pois a saída de uma facção ou a disputa de liderança é entendida como traição gerando represa‐ rias que vão para além dos presídios e que afetam a sociedade em geral. Ademais, a aliança entre as facções bem como sua aglutinação são episódios extremamente relevantes e diretamente ligados ao caos que se instala na segurança pública. Até mesmo a trégua entre facções é coeficiente de tumulto, visto que, na esmagadora parte das vezes, representa uma união contra o Estado. Portanto, contata-se que qualquer anomalia na estrutura das facções implica necessariamente em mais violência na reafir‐

258 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS mação do poder destas, especialmente com ações coordenadas e dirigidas contra a população. Por fim, o Estado acaba atrofiado ao combater as facções, especificamente ao inserir novos detentos no sistema prisional que acabam sendo recrutados para essas organizações criminosas. Já o requisito finalístico, traz em si o intuito de obter vantagem de qualquer natureza e a ideia intrínseca da pena, como pode ser destacado na expressão “mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”, tornando claro assim, que surge a possibilidade de abarcar a prática de contravenção penal, desde que haja a pratica em concurso material com outros deli‐ tos, cuja pena seja a determinada para organização criminosa. No que tange o requisito finalístico, é mister expor que o legislador plausivelmente colocou vantagem e não somente o intuito de cometer crimes, conforme já dito, o surgimento de facções é normalmente apontado como reação às violações de direitos dos internos do sistema penitenciário. Portanto, muitas condutas seriam tidas como atípicas se não houvesse conjunta‐ mente ao intuito de cometer crimes a aferição de vantagens. 1.2 GÊNESE DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL JORGE (2018) aponta que as organizações criminosas surgem na medida em que a modernização é concebida como fator carac‐ terístico da sociedade contemporânea, atenuando o uso de avanços tecnológicos, haja vista a preponderância de métodos e artifícios inovadores, no sentido de aprimorar um modelo que se tornaria específico, a saber, a criminalidade organizada. É válido salientar ainda que as organizações criminosas são tidas como um fenômeno singular de um mercado desordenado, posto que de acordo com PACHECO (2011, pg. 22) a “maioria teve como

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 259 nascedouro movimentos populares, o que facilitou sobremaneira sua aceitação na comunidade local, assim como o recrutamento de voluntários para o exercício de suas posteriores atividades ilícitas”1. Nesse sentido, os especialistas atribuem o nascedouro das facções criminosas, localizadas no interior dos presídios e enten‐ didas como um fenômeno especificamente brasileiro, além de serem fundadas essencialmente para a defesa e atendimento dos interesses e benefícios para os carcerários, sendo constituída por grupos de criminosos que coordenam e organizam rebeliões comandadas de dentro para fora do sistema carcerário entre lide‐ ranças respeitadas, da mesma maneira que ocorre também entre criminosos de lugares diversos uns dos outros, promovendo assim, amotinação dentro das casas prisionais, resultando muitas das vezes em atentados a vida de funcionários públicos, bem como até em óbito de presidiários. Todavia, se faz necessário destacar que a finalidade da consti‐ tuição destes agrupamentos não era, primariamente, o cometi‐ mento de crimes, contrapondo-se assim, ao que se entende por organização criminosa (SHIMIZU, 2011). Finalidade esta que fica evidente no Estatuto do Primeiro Comando Capital, onde é salientado no item 13, onde é recomen‐ dada a união e organização do grupo para evitar massacres seme‐ lhantes ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção, que ficou conhecido como o Massacre do Carandiru. Em vista disso, o funcionamento presidiário brasileiro se demostra um fator determinante para a compreensão do surgi‐ mento desses grupos, haja vista o contexto de cárcere que o país oferece, apresentando falhas como a superlotação, omissões de gestão, elevado nível de violência e descumprimento de direitos e padrões degradantes de tratamento aos reclusos. •••

260 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS 1.3 ACERCA DA INSERÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO APARATO legal brasileiro A tipificação de uma conduta como delito dentro do ordena‐ mento jurídico brasileiro é uma garantia amparada pela Consti‐ tuição Federal em seu artigo 5°, inciso XXXIX, bem como pelo artigo 1° do Código Penal, ambos de mesma redação que garantem que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Tal redação embasa-se no princípio da legalidade - destacado por sua importância num Estado Democrático de Direito - o qual limita o poder do Estado de interferir nas liberdades individuais. Também conhecido como nullum crimen, nulla poena sine lege, o princípio da legalidade, como assevera CUNHA (2018), mostra- se ainda mais relevante no âmbito penal, haja vista a presença de um forte poder punitivo que ele representa em essência, havendo uma maior necessidade, portanto, de ser limitado, com o objetivo de evitar tiranias e submeter à vontade do Estado à lei. Diante da exigência acima exposta bem como das constantes e crescentes infrações organizadas no Brasil e posteriores ativi‐ dades de grupos organizados, como o Comando Vermelho – oriundo dos estabelecimentos prisionais cariocas – o legislativo brasileiro observou a necessidade de estabelecer uma definição clara e específica de organização criminosa, ratificando múltiplos instrumentos que visam reduzir o crime organizado, a exemplo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), promulgada pelo Decreto 154, de 26 de julho de 1991 e Convenção de Palermo, mediante o Decreto n. 5.015/04, sendo esta a norma cuja redação apresentou uma definição para o crime de organização criminosa. Entretanto, conforme apresenta a jurisprudência e boa parte da doutrina, o mencionado tratado não poderia ser aplicado ao direito brasileiro, tendo em vista que não caracteriza-se como

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 261 constitucional a utilização do conceito de uma norma penal exposto por um Tratado Internacional dentro do ordenamento jurídico brasileiro, sendo esse um texto ratificado por simples decreto. Perante tal situação, o legislador se posicionou, redigindo a Lei 12.850/13, legislação específica referente ao mencionado delito, e apresentando nela, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, sua definição, a qual, porém, mesmo atendendo ao princípio da lega‐ lidade, ao apresentar a conceituação do tipo, a redação demonstra descumprimento da garantia da taxatividade ao expor conceitos vagos em seu texto: § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e carac‐ terizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL. Decreto n. 12.850, de 02 de ago. de 2013) A norma, no entanto, não se limitou à delimitação conceitual do delito mas trouxe um conjunto de artigos abrangendo meios de investigação além dos usuais e obtenção de provas, o que tem contribuído demasiadamente no trabalho dos agentes federais, estaduais e municipais que, junto a novas tecnologias, promovem um processo investigativo mais eficaz. Acerca dos efeitos desse dispositivo legal, o questionamento que, possivelmente permeie entre discussões de cunho jurídico entre os cidadãos da comunidade geral – temerosos diante de notícias desenfreadas a respeito de ações de organizações crimi‐

262 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS nosas - ou mesmo doutrinadores, refletindo a respeito, refere-se à eficácia dos novos instrumentos introduzidos por ela, haja vista a continuidade de crimes praticados por numerosas organizações em todo o território nacional. Porém, deve-se analisar que, além da supracitada norma ser recente, o combate ao delito em pauta revela-se como uma tarefa árdua, haja vista a complexidade de lidar com a organização inse‐ rida em tais grupos, como será visto posteriormente. Outrossim, as ferramentas apresentadas pelo legislador com o intuito de agir contra as práticas delituosas, demonstram grandes avanços em nível nacional para tal enfrentamento. Mesmo que, por hora, haja a necessidade de se modernizar em alguns aspec‐ tos, as armas contra esse complexo delito já começaram a acertar seus alvos. FACÇÕES CRIMINOSAS Em virtude da atuação desenfreada das facções criminosas, o Poder Público se viu na responsabilidade de agir e legislar a respeito de normas penais com o intuito de sanar e diminuir a inquietude, vulnerabilidade e ameaça a segurança pública que perduravam na sociedade (PELUSO, 2006). Disto, é notável destacar a institucionalização do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), tido como uma medida legal adotada para desarticular as facções ao isolar os líderes desta. Para além do RDD, ainda existe a previsão na Lei nº 12.80/2013 dos seguintes meios de prova: colaboração premiada; captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústi‐ cos; ação controlada; quebra de sigilo telefônico e telemáticas, financeiro, bancário e fiscal; infiltração; e a cooperação entre instituições e órgãos na busca de provas e informações de inte‐ resse da investigação ou da instrução criminal. As facções se apresentam como espécie do gênero organiza‐

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 263 ções criminosas, preenchendo os requisitos estrutural, temporal e finalístico do art. 1º da Lei nº 12.850/2013. Não obstante aos requisitos já descritos, vale algumas considerações sobre o modus operandi das facções. MENDRONI (2015) arrola a atuação das facções brasileiras, através dos seguintes traços característicos, quais sejam, a especi‐ alização de tarefas conforme os ramos de atuação da própria organização, controle rígido na integração de novos membros, envolvimento de agentes estatais, domínio de determinada área territorial, alternância em suas atividades, mistura entre ativi‐ dades ilegais e legais, utilização de ações violentas e, especial‐ mente a “lavagem” de dinheiro. Ressalta-se, ainda, como especificidades, a obtenção do lucro econômico ou poder, considerado elemento fundamental e notável para o crime organizado, estrutura hierarquizada ou formal, concretização de seus fins mediante ações hostis, forte influência da sociedade mediante os aparatos tecnológicos. Segundo MENDRONI (2015), as organizações criminosas tradicionais revelam estrutura hierárquico-piramidal, com no mínimo três níveis composta por chefe, subchefes, gerentes e aviões. O termo “aviões” corresponde a uma gíria para designar as pessoas que transporta drogas. O autor ainda coloca que os chefes da organização, são o cérebro desta, ao passo que os subchefes são encarregados de propagarem as suas determinações da chefia, enquanto os gerentes que transferem essas determinações aos “aviões”, que tem o dever de cumpri-las. No que tange o financiamento das facções, é mister expor o apontamento feito por FARIAS (2018), segundo o qual a principal fonte de renda das facções criminosas provém de atividades ilícitas que em sua grande maioria, são crimes, mas uma pequena parcela é de contravenções. O autor ainda destaque que esses ilícitos se originaram dentro dos presídios, mas hoje estão em

264 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS nível intercontinental, visto seu aperfeiçoamento, forma de orga‐ nização e sua estrutura empresarial. Nesse sentido, aponta GOLÇALVEZ (2006) que nos últimos 25 anos houve o fortalecimento do crime organizado, com rami‐ ficações nas mais diversas formas de atividades ilícitas, do narco‐ tráfico à extorsão e corrupção, passando pela prostituição, tráfico de pessoas e órgãos, tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Ademais, além do caráter empresarial, as organizações crimi‐ nosas têm cooperado entre si e formado verdadeiros conglome‐ rados transnacionais promotores de delitos. FALSA TESE DE ESTADO PARALELO É evidente que algumas localizações encontram-se reconhecida‐ mente sob o domínio de facções, que possuem leis próprias e distintas, não democraticamente eleitos. Aponta MINOTTO (1994) que o Comando Vermelho em suas áreas de domínio busca a legitimidade atuando como impera‐ dores romanos, na tática pão de circo, ou seja, patrocinam festas que propagam, de diversas formas, o desrespeito ao poder consti‐ tuído. O autor ainda destaca a promoção do assistencialismo, segurança no território dominado, fornecimento de remédios, materiais escolares e de construção para os moradores. As facções são marcadas pela concepção de assistencialismo, através da troca de favores, doação de remédios, alimentos, cons‐ trução de parques esportivos e creches, além de financiarem diversão em ambientes de exclusão social, como por exemplo, tem-se os bailes funks realizados nas favelas. Essa prestação de assistência é observada até mesmo no interior dos presídios, em que fornecem auxílio tanto à família como ao detento. Dessa forma como apontam LAVORENTI e SILVA (2000), os “laços” da criminalidade organizada são fortalecidos, os recursos destinados aos presídios se deterioram cada vez mais, ao mesmo

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 265 tempo, o setor social sente o esvaziamento de sua atuação e atribuição. Além de tudo isso, proporcionam segurança para os seus moradores, pois no local onde exercem poder, criam uma código de conduta interna, onde são proibidos roubos, assaltos e furtos dentro de seus territórios, ou seja, cada morador deve respeitar o seu vizinho; exercem assim a represália que caberia ao Estado. É comum dentro dessa área os pequenos criminosos que praticam furtos internos, serem reprimidos com sanções severas dos integrantes das facções, ação essa que é consentida pelos moradores que os defendem e atuam para o seu fortalecimento. Segundo LAVORENTI e SILVA (2000), no Rio de Janeiro, o Comando Vermelho em 1991, exigiu, como o pagamento de um sequestro, a distribuição de dezoito toneladas de alimentos para os moradores da favela denominada de Morro do Juramento. De acordo com o entendimento de MINGARDI (1994) por causa destas regiões onde o Crime Organizado é mais visível do que o aparelho de estado, as chamadas zonas liberadas, criou-se uma teoria errônea, que dá ao Crime Organizado o status de um Estado Paralelo. Segundo MADRID (2004) explicita bem a ideia de estado paralelo do crime organizado ao definir este como aquele que surge, cresce e se desenvolve ao lado de um outro Estado, sendo este oficial, ademais salienta que o crime organizado surge em um Estado desorganizado. Outra característica das facções é a atuação legislativa, execu‐ tiva e judiciária, visto que estes criam suas próprias leis, os seus próprios códigos de conduta, definem o seu próprio conceito de ilegalidade), o Poder Executivo, (porque prendem as pessoas consideradas inimigas, como se fossem policiais) e o Poder Judi‐ ciário ( porque aplicam a pena, significando na maioria das vezes, na execução de seus réus). Fatores estes que afrontam diretamente a soberania do Estado

266 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS brasileiro, que se revela através da ligação entre facções e socie‐ dade é, e estes acabam por proporcionar mais dignidade do que o Poder Público, ineficiente em conferir políticas eficazes nesses lugares. As características da soberania são: una (é só o Brasil, é um poder só com três funções diferentes: Legislativo, Executivo e o Judiciário); indivisível (o poder é um só, mas é exercido por pessoas diferentes); imprescritível (porque nunca se acaba, não se finda) e inalienável (porque não é possível internacionalizar nenhuma região do Brasil). Fatores estes que afrontam diretamente a soberania do Estado brasileiro, que se revela através da ligação entre facções e socie‐ dade é, e estes acabam por proporcionar mais dignidade do que o Poder Público, ineficiente em conferir políticas eficazes nesses lugares. Não se pode falar em legitimidade e legalidade do estado paralelo, visto que a legitimidade refere-se à titularidade do poder, enquanto a legalidade diz respeito a seu exercício. Contudo, conforme aponta MINOTTO (1994), entendimento que compartilhamos, a atuação da facções não refere-se a um Estado paralelo, mas a um poder paralelo. Distinção que merece ser destacada, porque como já falamos não se pode falar em Estado paralelo, visto que esta figura é incompatível com a sobe‐ rania de um país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos, portanto, que as facções criminosas é verdadeira espécie do gênero de organizações criminosas, constituídas com modos de operação intrínsecos e próprios dela. Vale ressaltar que enquanto as facções apresentam-se de forma empresarialmente organizada, ela insurge contra um Estado desmontado, com instituições precárias, precariedade de

FACÇÕES CRIMINOSAS: UM ESTUDO DO MODO DE ATU… | 267 prestação de serviços públicos e banalização de direitos funda‐ mentais. Como consequência dos fatores supracitados, as facções rapi‐ damente ganham adeptos, especialmente nas comunidades caren‐ tes, onde estas representam uma figura secundaria do poder estatal ao suprir a falta de atuação do poder público, engessando a atuação policial em desfavor dessas organizações. É mister expor que as facções, para além do delito previsto na lei 12.850/2013, ordinariamente estão correlacionadas com outros delitos, especialmente com delitos que agreguem valor patrimonial – destes, destacam-se o tráfico de drogas, assaltos a bancos, dentre outros, sendo o primeiro o mais comum, necessa‐ riamente, em decorrência da atividade ilícita, a lavagem de dinheiro. Portanto, as facções geram um completo desajuste da tranquilidade coletiva. Nesse sentido, foi idealizada um política criminal diferenciada para esse tipo de delito, fornecendo mais meios para a obtenção de provas, desmembramento das facções e favorecendo o isola‐ mento dos seus líderes. Contudo, esses esforços apesar de úteis, não se mostram suficientes para cessar as atividades das facções. É imprescindível o fortalecimento das instituições públicas, a atividade de inteligência e o fortalecimento da projeção do indi‐ víduo, especialmente dos que estão encarcerados e em comuni‐ dades dominadas por facções. REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 26 out. 2018. _______. Lei n° 12. 850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os

268 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e proce‐ dimento criminal. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12850.htm > .Acesso em: 22 out. 2018. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. FARIAS, Gabriel. Facções criminosas e o crime organizado. Disponível: <file:///C:/Users/DANIELA/Documents/faccoes- criminosas-e-o-crime-organizadofinal.pdf>. Acesso em: 23 de out de 2018. GONÇALVES, Joanisval Brito. A atividade de inteligência no combate ao crime organizado: o caso do Brasil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?Id=8672>. Acesso em: 26 de out de 2018. MINOTTO, Marcos Aurélio. O Estado Democrático de Direito e o Estado Paralelo. 208. Curitiba http://tcconline.utp.br/ wp-content/uploads/2013/08/O-ESTADO-DEMOCRATICO- DE-DIREITO-E-O-ESTADO-PARALELO.pdf MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. MINGARDI, Guaracy. O Estado e o Crime Organizado. São Paulo: Boletim IBCCRIM, 1994. MADRID, Daniela Martins. O crime organizado como precursor do estado paralelo e o seu confronto perante o Estado Democrático de Direito. 2004, PRESIDENTE PRUDENTE, SP. Disponível em : <https://www2.mppa.mp.br/ sistemas/gcsubsites/upload/60/o%20crime%20organizado% 20como%20precursor%20do%20estado%20paralelo.pdf>. Acesso em: 15 de nov de 2018. NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. 2° ed. Ver. atual e ampl. São Paulo: Forense, 2015. PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Legislação penal do

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FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA E COLISÃO COM O DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO JOSSEANE FÁTIMA DE LIMA; LUCIANO DO NASCIMENTO SILVA 1 INTRODUÇÃO O PRESENTE TRABALHO VISA REALIZAR UM ESTUDO SOBRE O fenômeno das fake news, propagada principalmente no âmbito das mídias sociais. Levando em consideração o crescente aumento do poder simbólico exercido pela mídia brasileira, considerada por algumas teorias jornalísticas como o “Quarto Poder”, este trabalho também analisa a influência dessas notícias na formação da opinião pública e como, ao tentar solucioná-las, podem significar uma ameaça à garantia fundamental assegurada na carta magna constitucional: a liberdade de expressão. Por sua vez, este trabalho pretende averiguar esses conteúdos inverídicos que são propagados por todos os meios de comuni‐ cação e, seu imensurável poder de influência na sociedade contemporânea. Através desses meios que se define os temas que são importantes para discussão e em que âmbito se encontram. Além disso, através da divulgação das notícias falsas, há um envi‐ esamento ideológico proposital para impor ao indivíduo uma

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 271 verdade absoluta, excluindo, na maioria das vezes, a possibilidade do questionamento. Por este fato, é necessário procurar meios de coibir a propa‐ gação das Fakes News. Será analisado no decorrer deste artigo, de que forma algumas medidas cabíveis para proteger a sociedade contemporânea desse tipo de conteúdo, pode configurar uma ameaça as garantias fundamentais expressas na Constituição, principalmente, o direito à liberdade de expressão, onde constitui sua essência na dignidade do indivíduo e no Estado Democrático de Direito. No âmbito da dignidade humana, há necessidade de ser assegurada a liberdade de expressão para que o indivíduo possa exercer de forma livre o direito de expressar seus desejos e convicções. No que concerne à democracia, a liberdade de expressão é direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, relacionando-se de forma direta com a garantia de voz aos cidadãos na manifestação de seus posicionamentos políticos e ideológicos. Diante disso, na presente conjuntura, faz-se mister este trabalho não apenas pelo valor acadêmico do presente estudo, mas também por estimular e aprofundar a discussão sobre as fake news e suas consequências. Este trabalho, através de uma minu‐ ciosa metodologia de pesquisa exploratória e bibliográfica, onde serão reunidos informações para solucionar o problema, ofere‐ cerá um parâmetro aos juristas de, como as fake news pode inter‐ ferir na construção da opinião pública da sociedade contemporânea, e como ao criar medidas de proteção ao indi‐ víduo contra os conteúdos inverídicos, possa ser assegurado a proteção da liberdade de expressão, direito fundamental impres‐ cindível para que a sociedade se manifeste na esfera pública sem medo de atos que possam reprimir esse direito.

272 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS 2 A PROBLEMÁTICA DAS FAKES NEWS O problema que necessita de uma importância crucial é o fato empiricamente comprovado de que a criação e disseminação de notícias falsas tem capacidade potencial de influenciar a opinião pública, principalmente em um pleito eleitoral, atingindo o Estado Democrático de Direito em sua essência: a emanação do poder pelo povo, no exercício da escolha de seus representantes políticos, que consiste em Cláusula Constitucional Pétrea (pará‐ grafo único do artigo 1.º, da Constituição Federal) e, consequen‐ temente atingir as garantias fundamentais asseguradas à liberdade de manifestação do pensamento (art. 5.º IV e V, CF), à liberdade de comunicação (art. 5.º, IX e X, CF), à liberdade de informação (art. 5.º, XIV e XXXIII, CF). Conforme o dicionário de Cambridge o conceito fake news indica histórias falsas que, parecem ser notícias jornalísticas, se espalham pela internet ou por outras mídias, sendo normalmente criadas para influenciar pontos de vista políticos ou como uma piada. Assim, estas notícias falsas podem ser compreendidas, como conteúdos inverídicos, ou distorcidos que são dissemi‐ nados como se fossem notícias reais para desinformar o público de maneira proposital. Existem diversos fatores que ocasionam a elaboração desse tipo de conteúdo. Mas, pode-se afirmar que, os principais fatores estão ligados a questões econômicas—pelos valores econômicos proporcionados através do grande número de acessos a notícias falsas—, e/ou políticas— através do objetivo de influenciar pensamentos, ideologias, de forma que ludibrie o leitor, já que dá contornos de seriedade, às vezes misturando um dado real com um fictício, por exemplo. É notório que as instituições brasileiras vêm atribuindo uma maior relevância ao problema das fake news. Por isso, estas vêm criando mecanismos para coibir os conteúdos inverídicos,

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 273 evitando qualquer possibilidade de influência indevida na cons‐ trução da opinião pública e de modo que assegure os direitos fundamentais. Nesse sentido, cita-se a criação pela Polícia Federal Brasileira de grupo de trabalho em conjunto outros órgãos federais, e a criação de Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições pela Presidência do TSE, para desenvolver e discutir soluções a serem tomadas para combater o uso, a propa‐ gação e a influência de notícias falsas, além do uso de robôs na disseminação das informações durante o pleito eleitoral de 2018. De fato, o risco é real e iminente, motivo pelo qual necessita haver mobilização da sociedade e das instituições do Estado para obstruir a disseminação das notícias falsas. Vale ressaltar que a problematização já se fazia presente, em menor escala, na eleição de 2014, sendo pertinente citar o primeiro indiciado pela Polícia Federal por crime de divulgação de pesquisa eleitoral em razão de compartilhamento de uma falsa pesquisa eleitoral por meio da criação de um mecanismo em que o endereço eletrônico onde encontrava-se a enquete era bastante semelhante a um jornal local de elevada credibilidade. 3 CASOS ELUCIDATIVOS É dado destaque para o período pré-eleitoral nos Estados Unidos em 2016. Foi nesse período que o termo Fake News ganhou força mundialmente, época em que conteúdos falsos sobre a candidata Hillary Clinton foram compartilhados de forma intensa pelos eleitores de Donald Trump. É digno de nota o fato de que, conforme pesquisa feita pela Universidade de Oxford, o uso de Fake News nos Estados Unidos durante o ano de 2018 já ultra‐ passou os índices de 2016. No Brasil, cabe lembrar as notícias falsas difundidas em que, algumas, causaram danos irreparáveis, como a barbárie protago‐ nizada dois homens que torturaram um jovem de 17 anos e tatu‐

274 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS aram “eu sou ladrão e vacilão” na testa dele, em São Bernardo do Campo (SP), onde na verdade sequer o furto fora confirmado. Além disso, ainda circulou nas mídias sociais a mentira de que a vaquinha criada para custear a remoção da tatuagem da pele do rapaz e auxílio psicológico a ele, é obra de um estelionatário que “desapareceu com o dinheiro”. Outro caso expressivo, foi a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, morta por moradores do Guarujá, no litoral de São Paulo, ao ser confundida e acusada de sequestrar e praticar rituais de magia negra com crianças, através de um boato gerado por uma página em uma rede social. A preservação dos direitos fundamentais deve ser priorizada em relação a qualquer fato inverídico difundido. Neste diapasão, é perceptível que a difusão das notícias falsas nos meios de comunicação de massa, cada vez mais influentes, repercutem de forma direta no modo de enxergar realidades por parte de seus interlocutores, tornando-se uma verdade absoluta. Assim, a influência das fake news, de forma expressiva, na cons‐ trução de pensamento social, pode afetar os direitos fundamen‐ tais dos indivíduos, de forma que precisa haver um entendimento de que o direito próprio termina onde o do outro começa, ou seja, é imprescíndivel o uso moderado da liberdade de expressão individual, para que se possa garantir a proteção aos outros direitos fundamentais, principalmente os que estão ligados a este. Não obstante, vale ressaltar o caso polêmico da Escola Base, em São Paulo. Na época, houve uma disseminação de notícias falsas pelos principais veículos de comunicação sobre abuso sexual de crianças que destruiu a reputação dos proprietários, e levou a escola ao seu encerramento de atividades e, por consequência, diversas pessoas perderam os seus empregos. É notório que as notícias falsas estão presentes nos veículos de comunicação e repercutem de forma negativa e com grande potencial persuasivo, na vida de cada indivíduo da sociedade.

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 275 Também é possível perceber que, as fake news não estão restritas apenas ao conteúdo político, mas também à diversos outros assuntos enfatizados pelo poder midiático e jornalístico que noti‐ ciam sem verificar a informação, contribuindo para construir a opinião pública. 4 PROPAGAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS FAKES NEWS Buscar informação é primordial para que um indivíduo não seja influenciado sobre os assuntos do cotidiano. As notícias falsas estão presentes em todos os meios de comunicação. A partir do século XX, a propaganda tornou-se o veículo utilizado para espa‐ lhar dados destorcidos para a população e, houve uma ampliação do consumo de notícias por sites de redes sociais, o que também fomenta um novo tipo de concorrência com os meios de comuni‐ cação tradicionais. A revista Science publicou o maior estudo já realizado sobre a disseminação de Fake News na internet, realizado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde foi comprovado que as notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam um número maior de pessoas. De acordo com o estudo, as informações falsas ganham espaço na internet de forma mais rápida, mais profunda e com mais abran‐ gência que as verdadeiras. Cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas, enquanto as postagens falsas mais populares - aquelas que estão entre o 1% mais replicado - atingem de mil a 100 mil pessoas. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo o autor principal do estudo, Sinan Aral, pesquisador do MIT disse:

276 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS As conclusões do nosso estudo podem ser extrapoladas para qualquer outro país, incluindo o Brasil. O estudo teve foco nos Estados Unidos e nós estudamos as postagens feitas em inglês no Twitter em todo o mundo que passaram pela veri‐ ficação de agências de checagem de fatos. No entanto, os padrões de disseminação das informações falsas que detec‐ tamos foram os mesmos em diversos países de língua inglesa e certamente se aplicam a postagens em outras línguas também. (ARAL, 2018) Nesse sentido, foi constatado que a propagação de Fake News teve mais alcance, velocidade, e abrangência do que as notícias verdadeiras. De acordo com o estudo supracitado, usuários reais são os principais responsáveis pelo compartilhamento de fake news e, consequentemente, seu âmbito de maior propagação são as redes sociais visto que, nesses sites não há um processo de seleção e verificação da notícia como há nos demais meios de comunicação. O referido estudo ainda mostrou formas parâmetros de iden‐ tificação das notícias falsas, onde deve-se: (I) considerar a fonte – A fonte da mensagem é desconhecida e/ou de origem suspeita; (II) A mensagem pode não ter data; (III) A informação se apre‐ senta de forma “viralizada” na timeline; (IV) O título da mensagem tem adjetivos apelativos; (V) O texto apresenta erros de português; (VI) A postagem é feita de forma ininterrupta. 5 A INTERFERÊNCIAS DAS FAKES NEWS NA INTERFERÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA Em meados de 1950, os pensadores da Escola de Frankfurt atri‐ buíram, ao nascente “mundo-mídia”, um poder totalizante, sendo

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 277 hoje o terreno mais fértil para a propagação das notícias falsas. A opinião pública pode ser facilmente influenciada pelo poder exercido pela mídia através da informação transmitida através dos variados meios de comunicação, levando a população a determinado comportamento. Através do que é divulgado, as notícias são modificadas e condicionadas para atingir a sociedade de maneira desejada predeterminante. Nesse sentido, existem distintas formas de abordar o papel da mídia, - principal âmbito de propagação das fake news -, e sua relação com a opinião pública, pois engloba fenômenos ligados a uma combinação de diversos elementos. Visto que esses elementos se desenvolvem e articulam no âmbito social, a compreensão da esfera pública e das relações que se estabelecem nela é central na discussão do tema. Desta feita, Habermas (1984) apresenta a esfera pública como um lugar onde as pessoas privadas se juntam como público para discutir questões de interesse geral visando o melhor argumento. É nesse âmbito que se estabelecem as representações sociais. A esfera pública é o local de manifestação, é o reflexo e o retrato da realidade social, exerce, no seu estado dinâmico, influência direta sobre os indivíduos. Contudo, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa tornou cada vez mais insignificante o encontro direto para estimular conversação e discussão, bem como a troca de informa‐ ção. Conforme o pensamento de Jovchelovitch (2000), a medi‐ ação dos meios de comunicação de massa produz um deslocamento na experiência pública. Ao tornar-se a forma mais difundida de comunicação social das sociedades contemporâneas, os meios de comunicação de massa informam e formam a esfera pública. Eles o fazem de tal forma que a informação e representa‐ ções da esfera pública substituem toda e qualquer experiência na esfera pública. Entretanto, ao ser considerado como fator importante para o

278 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS funcionamento da democracia, a opinião pública foi conceituada por Bobbio (1998) como “pública” em dois sentidos. Primeiro, pública “porque ela surge do debate público” e, segundo, “porque seu objeto é qualquer coisa”, desde que seja de interesse público. Sendo assim, opinião pública, para ele, é: A existência da Opinião pública é um fenômeno da época moderna: pressupõe uma sociedade civil distinta do Estado, uma sociedade livre e articulada, onde existam centros que permitam a formação de opiniões não individuais, como jornais e revistas, clubes e salões, partidos e associações, bolsa e mercado, ou seja, um público de indivíduos associa‐ dos, interessado em controlar a política do Governo, mesmo que não desenvolva uma atividade política imediata. (BOB‐ BIO, 1998, p. 852) Nesse interim, uma pesquisa realizada pela Associação Brasi‐ leira de Comunicação Empresarial (Aberje) avaliou como 52 empresas nacionais e internacionais encaram o fenômeno da disseminação de mentiras on-line. Segundo o levantamento, As Fake News preocupam 85% das empresas. Os veículos apontados como os mais confiáveis são os jornais e as revistas tradicionais (impressos ou on-line), que têm a confiança de 91% dos entrevis‐ tados. As agências de notícias também são bem avaliadas (71%). Já as informações consideradas como menos confiáveis são as encontradas nas mídias sociais (71%). É propriamente neste âmago que, através dos meios de comu‐ nicação de massa, há nas sociedades contemporâneas uma debili‐ tação da esfera pública– como espaço onde os indivíduos se encontram para debater e discutir sobre questões da vida comum – no sentido de criar/oferecer uma esfera pública distrativa e

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 279 alienante, que incentiva a passividade em vez de gerar um debate público de interesse geral. Nesse sentido, vale citar o livro “Controle da Mídia – Os espetaculares feitos da propaganda”, em que Chomsky (2003) desenvolve uma denúncia a democracia do espectador das socie‐ dades modernas, em que a população, aparentemente livre, está alienada em frente à televisão. As massas estão, segundo o autor, a mercê de uma “fábrica do consenso” que oferece distrações e apresenta periodicamente novos “inimigos comuns” que mantêm os indivíduos alienados e complacente com os rumos dos assuntos de interesse social. Por esta via, é expressivo o fato de que, estes meios de comu‐ nicação em massa exercem uma grande influência na formação da opinião pública e, consequentemente, as fake news se propagam com maior velocidade e abrangência formando consensos e influenciando a formação de pensamentos, impossi‐ bilitando, na maioria das vezes, o questionamento e a busca pela verificação da notícia por parte do indivíduo. Em cada conteúdo com notícias falsas compartilhado, há linguagens e valores que a mídia, na sua mediação, transmite à sociedade. 6 TRATAMENTO JURÍDICO Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, há formas de coibir a disseminação de notícias falsas. Em suma, não há uma legislação específica que penalize as Fake News, mas ela pode ser incriminada, caso a caso, de acordo com uma análise sistêmica. Há juristas que defendem a criminalização, criando projetos de lei que já estão em tramitação no Congresso Nacional, mas a maioria entende ser muito difícil identificar os criadores e todos os que repassaram a informação, o que tornará a medida puniti‐ vista inviável. Por essa via, dar-se-á expressividade a primeira iniciativa

280 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS brasileira no combate à veiculação e disseminação de notícias falsas encontrava-se no artigo 16 Lei de Imprensa de 1967, decla‐ rada pelo Supremo Tribunal Federal como não recepcionada pela Constituição de 1988, nos termos da ADPF 130-7/DF, da rela‐ toria do Ministro Carlos Ayres Britto. A lei tornava fato típico a publicação ou divulgação de notícias falsas ou deturpadas que provocassem consequências específicas, como a perturbação da ordem pública ou a alarmação da sociedade. Hodiernamente, tem-se o Marco Civil da Internet, que ocorreu com a edição da Lei n.º 12.965/14, que estabelece princí‐ pios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Segundo a legislação, o uso da Internet é permeado por inúmeros princípios, como a preservação e a garantia da neutralidade da rede e a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, e tem como objetivos o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condição dos assuntos públicos. Nesse panorama, o caput do artigo 19 da Lei que instituiu o Marco Civil da Internet traz importante norma referente ao combate e à disseminação de informações falsas: Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (MARCO CIVIL, 2014) Nesse interim, ainda no âmbito legislativo, contudo no código

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 281 eleitoral, a Lei 12.891/13, em seu artigo 57-H, § 1o, tipifica qual‐ quer conduta que tenha por finalidade emitir mensagens ou comentários que possam ofender o direito à honra e /ou imagem de qualquer canditato. A Constituição Federal de 1988, carta magna do ordenamento jurídico brasileiro, estabelece no artigo 220 que, “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qual‐ quer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” Este artigo deve ser interpretado em conjunto com algumas das disposições que compõem o art. 5º, especificamente os incisos IV, V, X, XIII, XIV: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual‐ quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estran‐ geiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

282 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exer‐ cício profissional”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1988) Nesse panorama, não é difícil notar que a Constituição Federal ao mesmo tempo em que garante a livre manifestação do pensamento, assegura a proteção de outros valores fundamentais ao indivíduo, como a intimidade, a vida privada e a honra, ou seja, a liberdade de expressão não deve afetar os direitos indivi‐ duais de outrem. Outrossim, ao assegurar o acesso à informação – cuja elaboração compreende a livre manifestação do pensa‐ mento –, a Constituição se refere a conteúdo verdadeiro e não a informações ficcionistas. Neste sentido, na esfera civil e criminal, também há medidas punitivas que podem ser relacionadas as fake news. No âmbito cívil, é possível a busca pela reparação de dano, sempre que atin‐ gida a honra, a boa imagem ou a vida privada de alguém. O caso concreto é que deve determinar, com base na relevância e na gravidade do que foi divulgado, se é cabível a reparação por danos morais – ou mesmo materiais –, que podem sem dúvida decorrer de uma notícia falsa envolvendo uma pessoa. No âmbito criminal, é possível a punição, sendo esta determinada conforme as nuances características dos crimes tipificados contra a honra, dispostos nos artigos 138, 139, 140 do Código Penal. Assim, percebe-se que a divulgação de notícias falsas pode gerar respon‐ sabilidade nas esferas coletiva, civil e criminal, tudo a depender da natureza e da relevância do que é produzido, assim como do propósito de quem o faz. Destarte, dado o caráter de garantia fundamental que a Cons‐ tituição conferiu ao acesso à informação, não é incoerente sustentar a possibilidade de atuar contra quem se dedica a disse‐

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 283 minar informações sem correspondência na realidade. Através do poder de divulgação que meios de comunicação como a internet podem proporcionar, é complexo determinar a quantidade de pessoas que podem ser atingidas por informações falsas de cunho jornalístico. Entretanto, as medidas cabíveis de atuação contra as fake news pelas instituições do Estado não podem punir a criação e disseminação destas, se, reprimir alguma garantia fundamental asseguradas à liberdade de manifestação do pensamento, à liber‐ dade de comunicação, à liberdade de informação. 7 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO Há três séculos atrás, o pensador e político britânico John Milton escreveu a obra Areopagítica, panfleto político de 1644, que é hoje considerada uma das mais importantes referências filosó‐ ficas para a defesa de um direito de livre expressão. O documento supracitado – originalmente, um discurso para ser lido no Parla‐ mento inglês – reúne argumentos contra a censura prévia e a favor do direito de escrever e de opinar racionalmente. Milton demonstra através de seus argumentos que a virtude, a religião e a verdade precisam ser exercitadas de forma constante confrontando com opiniões divergentes, conhecendo-as e, optando ou não por caminhos distintos. O autor supracitado estabelece em sua obra as bases da defesa da liberdade de imprensa, argumentando sobre a força da busca pela verdade, sendo esta irrefutável, de modo que, em um confronto com o erro, aquela jamais poderia perder. As discussões sobre a centralidade da liberdade de expressão e acesso a informação e conhecimento para a democracia, o desen‐ volvimento e proteção dos direitos fundamentais não é algo novo. Entretanto, não há dúvida de que o advento das novas tecnologias de comunicação e informação, em particular a expansão da Internet, oferece uma dimensão única para essas

284 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS discussões. O avanço das sociedades do conhecimento está inti‐ mamente ligado ao aprofundamento das discussões sobre o direito à liberdade de expressão e do acesso universal à infor‐ mação em um mundo cada vez mais conectado. Nesse interim, cabe ressaltar que o assunto referente à liber‐ dade de expressão está presente nos diversos campos do saber jurídico ‒ inclusive a ciência jurídico-penal ‒ abrindo espaço para abordagens distintas. Contemplando a profusão de direitos deri‐ vados, tais como o direito de opinião, o direito de imprensa, o direito à informação e o direito à proibição da censura, esse direito mãe (Mutterrecht) ou cluster right – denominado assim por Jónatas Machado - tem suas raízes mais profundas no prin‐ cípio jurídico-democrático da dignidade da pessoa humana, que assegura ao indivíduo o direito de conformar livremente sua existência, elegendo suas próprias crenças e opiniões, aperfeiço‐ ando e manifestando a informação através da variedade de meios tecnicamente aptos a proporcionar esse intercâmbio. Mais do que um direito, a liberdade de expressão pode ser entendida como um conjunto de direitos relacionados às liber‐ dades de comunicação. Tal conjunto de direitos visa à proteção daqueles que emitem e recebem informações, críticas e opiniões. No entendimento de Jose Afonso da Silva:

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 285 A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direi‐ tos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coorde‐ nação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII, e XIV do artigo 5 combinados com os artigos 220 a 224 da Constituição. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de infor‐ mação, e a organização dos meios de comunicação, esta sujeita a regime jurídico especial. (SILVA, 2000, p. 247) Urge, nesse panorama, a proteção dessa garantia fundamental que é pilar do Estado Democrático de Direito. Entretanto, de acordo com a publicação anual do Ranking Mundial da Liber‐ dade de Imprensa pelo site Repórteres sem Fronteiras (RSF), há, de forma clara, lacunas na asseguração dessa pelo ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o Mapa da Liberdade de Imprensa, o Brasil encontra-se na posição 102° da Classificação Mundial de 2018 em relação à proteção da liberdade de expres‐ são. Diante disto, verifica-se que a proteção a esta garantia funda‐ mental ainda é falha no ordenamento jurídico, e que se deve criar medidas para garantir que haja essa defesa dos direitos funda‐ mentais, e não a limitação destes. 8 AS FAKE NEWS E A AMEAÇA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO O problema das notícias falsas motivou um documento denomi‐ nado “Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Fake news, Desinformação e Propaganda”, assinado pelo relator espe‐ cial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, David Kaye, e outros representantes de organismos internacio‐

286 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS nais. O documento alerta para soluções em planos legais nacio‐ nais que possam, sob a justificativa de combater as notícias falsas, violar a liberdade de expressão. Segundo os relatores do documento supracitado, a imposição de restrições deve respeitar os limites dos parâmetros da legis‐ lação internacional. De acordo com a declaração, os Estados, não devem filtrar conteúdos ou recorrer a bloqueios de aplicações, portais e websites como um todo. Defende também a declaração que o papel dos governos e parlamentos é promover um ambi‐ ente de respeito à liberdade de expressão, plural e diverso. No ordenamento jurídico brasileiro, para que não soe como censura ou cerceamento da liberdade de expressão (ou de imprensa), as ordens judiciais de remoção de conteúdo falso divulgado na internet que vierem a ocorrer, com maior fulgor nas eleições de 2018, foram limitadas aos casos em que sejam devida‐ mente constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas que ferem os direitos de pessoas que participam do processo eleitoral. Cita-se como exemplo, o caso ocorrido em junho de 2018, em que o ministro substituto Sérgio Banhos determinou que fosse apagado da internet textos de uma página do facebook que ofendia um dos canditatos à presidência da república. Banhos também deu 48 horas para que o Facebook removesse os posts com o conteúdo e 10 dias para que a empresa forneça os registros de acessos a um dos posts, dados sobre a origem do cadastro da página responsável pelas publicações e os dados pessoais de seu criador e administradores. O ministro observou que a liberdade de expressão está garan‐ tida na Constituição brasileira, mas que “sua proteção não se estende à manifestação anônima” e que a ausência de identifi‐ cação de autoria das notícias “indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público”. Há mais de 20 projetos de lei em tramitação que tornam crime a divulgação de fake news e, a maior preocupação dos

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 287 especialistas é a possível violação das liberdades de expressão e de imprensa. Como exemplo, em 2017, o Senador Ciro Nogueira (PP/PI) apresentou um projeto para acrescentar ao Código Penal o artigo 287-A, com a seguinte proposta de redação: Divulgação de notícia falsa Art. 287-A - Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendo-se da internet ou de outro meio que facilite a divul‐ gação da notícia falsa: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando a obtenção de vantagem para si ou para outrem. (PROJETO DE LEI N°473, 2017) Neste panorama, a maior parte dos juristas, considera esses projetos “inconstitucionais” por ferir a liberdade de expressão. É inconcebível, nos dias atuais, pensar em encarcerar cidadãos devido à divulgação de informação incompleta ou mesmo falsa. Ainda é pior quando há a consideração sobre a possibilidade de se voltar a aplicação da lei contra a imprensa. No ordenamento jurídico brasileiro já existem mecanismos para punir publicações ilícitas tanto na imprensa quanto na internet e nas redes sociais, como já fora citado. Na mídia tradici‐ onal, existe histórico de ações judiciais que questionam o conteúdo supostamente ilícito, determinando remoção e respon‐ sabilizando o autor. Na Internet, há Marco Civil da Internet que

288 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS tem um procedimento para a remoção de conteúdo e responsabi‐ lização autor. Nesse sentido, é natural que com os aumentos dos índices de fake news, haja uma maior preocupação por parte dos legisla‐ dores para criminalizar a divulgação de notícias falsas. Entre‐ tanto, deve ser deixado claro que Fake News não são aquelas notícias divergentes da opinião individual, são notícias inverí‐ dicas em que não há conteúdo correspondente com a realidade, e que, antes de qualquer medida legislativa, deve ser ponderado os prós e os contras e não os desejos subjetivos individuais. 10 FORMAS DE OBSTRUÇÃO DAS FAKES NEWS PROTEGENDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Diante do cenário atual, é possível coibir as fake news envol‐ vendo vários setores da sociedade: empresas de tecnologia, governos, mercado e sociedade civil. Cabe atuar em diversas frentes e com instrumentos variados, sendo um dos mais potentes a educação digital, para que as pessoas aprendam a iden‐ tificar e a diferenciar conteúdos falsos ou maliciosos de conteúdos checados ou com elevada chance de veracidade bem como auxiliem no processo de denúncia de fake news. Não obstante, é preciso meios e modos para lidar, inclusive com os provedores, adaptando os métodos judicias existentes, garan‐ tindo a preservação dos direitos fundamentais. Neste sentido, para inibir as fake news, qualquer ação deve passar por mais informação. Assim, propostas que permitam a remoção sem ordem judicial de conteúdos ou censura prévia bem como que prejudiquem a mídia alternativa e criminalizem todo aquele que publicar conteúdo falso deverão ser evitadas a qual‐ quer custo, por não se alinharem com a Constituição e com a proteção dos direitos fundamentais. Ainda que, em alguns casos, possa ser necessário aplicar uma

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 289 tutela não apenas cível, o recurso ao Direito Penal deve ser sempre o último caminho e, inclusive, não parece uma solução realmente efetiva para inibir a criação e a disseminação desse tipo de conteúdo. Pelas razões que movem seus autores, não parece que uma tipificação penal seja capaz de contê-los. Neste sentido, o relatório anual sobre jornalismo digital do Instituto Reuters, da Universidade Oxford, na Inglaterra, afirma que, 42% dos usuários de redes sociais assumem já terem compartilhado notícias falsas. Com isso, as redes sociais em parceria com agências jornalísiticas do Brasil, criou um programa de verificação de notícias em parceria com organizações de checagem integrantes da International Fact-Checking Network (IFCN). As agências têm verificado os posts que usuários da rede sinalizam como falsos. Caso o conteúdo seja de fato considerado falso pelas checadoras, eles terão sua distribuição orgânica redu‐ zida e não poderão ser impulsionados. Outro projeto que vale a pena citar é a seção Fato ou Fake das equipes de G1, O Globo, Extra, Época, Valor, CBN, GloboNews e TV Globo. Lançado durante as eleições de 2018, têm como obje‐ tivo alertar os brasileiros sobre conteúdos duvidosos dissemi‐ nados na internet ou pelo celular, esclarecendo o que é notícia (fato) e o que é falso (fake), através do monitoramento diário feito por jornalistas para identificar mensagens suspeitas comparti‐ lhadas nas redes sociais e por aplicativos como o WhatsApp. 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, pode-se concluir que, em um Estado Demo‐ crático de Direito, a formação da opinião pública deve ser carac‐ terizada pela pluralidade de canais comunicativos que efetivamente viabilize a expressão dos diferentes setores da soci‐ edade, sem atingir os direitos fundamentais de outrem, e que colabore de forma imparcial para a construção autônoma da

290 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS opinião pública. contribuindo para a conformação de uma socie‐ dade passiva e apática perante os problemas jurídicos e políticos do País, iniviabilizando dessa forma, a cidadania efetiva, a evolução do pensar social, dos quadros políticos e da legitimidade democrática do Estado. No que concerne à proteção da liberdade de expressão, é imprescíndivel que haja uma regulação para coibir a disseminação do conteúdo inverídico pelos meios de comunicação em massa. Apesar do direito e a Tecnologia possuírem entre si grande dife‐ rença em relação às velocidades de renovação e capacidades de lidar com as inovações, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro tem alicerces e ferramentas para coibir e punir a dissemi‐ nação de notícias falsas. No entanto, o ponto crítico é o Poder Judi‐ ciário querer dar respostas rápidas à proliferação de fake news, que se vale de mecanismos virais de replicação; e isso pode afetar as garantias fundamentais dos indivíduos da sociedade conteporânea. Nesta perspectiva, regular e dar efetividade aos direitos fundamentais – entre eles a liberdade de expressão – significa lutar em prol da meta constitucional de uma sociedade mais livre, justa e solidária. A questão encontra-se, pois, focada não em novas leis, mas na adequação técnica daquelas já existentes, atri‐ buindo às ordens judiciais eficácia máxima, sem a qual o combate ao conteúdo ilícito sem dúvidas haverá de fracassar. Os prove‐ dores de conteúdo devem, por outro lado, estabelecer-se como parceiros das autoridades, de maneira a poderem conferir, sendo o meio de propagação de notícias falsas, máxima eficácia e celeri‐ dade às emanações do Poder Judiciário. Feitas tais considerações, pode-se considerar que os objetivos pretendidos com a pesquisa foram alcançados, uma vez que foi possível fazer uma análise da efetiva interferência das notícias falsas na construção da opinião social. Além disso, foi possível fazer um paralelo entre a colisão das fake news com o direito

FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 291 fundamental à liberdade de expressão, explicitando as medidas existentes no ordenamento jurídico brasileiro para solucionar o problema, analisando como estas afetam esse direito e a forma correta de solucionar as fake news protegendo os direitos funda‐ mentais. Todavia, é oportuno considerar que não pretende-se negar a possível existência de uma nova difusão das fake news em larga escala, tampouco impedir a atuação do judiciário e do legislativo no combate a esse problema, mas sim promover um parâmetro reflexivo acerca do nível persuasivo e negativo que estas possuem, e sobre qual a melhor forma de obstruir essas notícias falsas, protegendo todo e qualquer direito fundamental. Por fim, é de suma importância para obstrução das Fakes News a alfabetização digital. É por meio da educação e do uso responsável da tecnologia que logramos sair de um lugar para chegar a outro, melhor. Trata-se de um caminho longo, demo‐ rado e que demanda esclarecimento incessante e esforço coletivo em repudiar notícias falsas e estimular a busca por fontes alterna‐ tivas e seguras de informação, formentando a construção de opiniões críticas e independentes de qualquer meio de comuni‐ cação em massa. REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASIL - EBC. ONU diz que as notícias falsas são um panorama global. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.‐ com.br/internacional/noticia/2017-03/onu-diz-que-noticias- falsas-representam-uma-preocupacao-global >. Acesso em: 03 nov. 2018 BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política . 11 ed. Bra‐ sília: Universidade de Brasília, 1998, p. 852. CAMBRIDGE DICTIONAY. Fake news. Disponível em:

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FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 293 www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/2018/01/pf-indicia- empresario-do-espirito-santo-por-compartilhar-fake-news- 1014114841.html>. Acesso em: 31 out. 2018. G1 Mulher espancou boatos em rede social em Guarujá, SP . Disponível em: < http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/ noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede- social-morre-em-guaruja-sp.html > . Acesso em: 31 out. 2018 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações sociais e esfera pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000, p.86. JUS BRASIL. Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1582069 RJ 2013 / 0229868-0 . Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/450542297/ recurso-especial-resp-1582069-rj-2013-0229868-0?ref=juris- tabs >. Acesso em: 03 nov. 2018 MACKENZIE. Escola base: um caso que não pode ser esquecido . Disponível em: < https://www.mackenzie.br/ fakenews/noticias/arquivo/n/a/i/escola-base-um-caso-que-nao- pode-ser-esquecido/ >. Acesso em: 31 out. 2018 MILTON, John. Aeropagítica: discurso Pela Liberdade de Imprensa ao Parlamento da Inglaterra. 1 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade de expres‐ são: Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra editora, 2002, p. 370. OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. A iniciativa de um site colombiano para deter as fake news. Disponível em: <http:// observatoriodaimprensa.com.br/checagem-de-informacoes/ sera-possivel-deter-as-famosas-fake-news/>. Acesso em: 19 nov. 2018. PLANALTO. LEI nº 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE

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FAKE NEWS: A INTERFERÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA … | 295 justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-portaria-no-949-de-07-de- dezembro-de-2017>. Acesso em: 31 out. 2018. VEJA. Vaquinha para ajudar jovem torturado e tatuado não é golpe. Disponível em: < https://veja.abril.com.br/blog/me- engana-que-eu-posto/vaquinha-para-ajudar-jovem-torturado-e- tatuado-nao-e-golpe/ >. Acesso em: 31 out. 201

MÉTODOS PREVENTIVOS DA CORRUPÇÃO – O CASO POLICIAL, MODUS OPERANDI E EMPIRISMO RAFAELA DOS SANTOS JALES; ISMÊNIA ÁUREA EVARISTO DINIZ; LUCIANO NASCIMENTO SILVA INTRODUÇÃO DIANTE DA SITUAÇÃO CRÍTICA QUE ASSOLA O NOSSO PAÍS, mormente no que pertine ao campo de atuação dos agentes polí‐ ticos brasileiros, onde os escândalos sobre corrupções acontecem quase que diariamente, com a intervenção da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário Nacional. Assim sendo, necessário se faz que medidas preventivas no combate a corrupção sejam tomadas, objetivando dirimir essas atividades ilícitas. A corrupção policial é insatisfatoriamente abordada pelas ciências sociais no Brasil. A análise científica do fenômeno da corrupção policial carece de dados empíricos e embasamento teórico. Os poucos estudos já realizados no Brasil concentram-se basicamente em analisar as formas de punição e repressão, deixando de lado as formas preventivas de se coibir a corrupção. Defende-se neste trabalho que a corrupção policial, por ser um dos principais fatores determinantes do aumento da violência e da

MÉTODOS PREVENTIVOS DA CORRUPÇÃO – O CASO PO… | 297 criminalidade, segundo análise de alguns autores, tais como, Marcelo Cataldo, Marco Antonio Veneziani, e Nathalie Teysson‐ neyre, é um sério problema de gerência com o qual se defronta qualquer autoridade governamental ou executiva das polícias atualmente. Esse autores, defendem que “a corrupção policial aparece como fator determinante do aumento da violência por dois principais motivos. Primeiro, devido à uma certa permissivi‐ dade com que é vista entre a corporação, algo corriqueiro, sem valor ético ou moral. O segundo ponto diz respeito à impunidade, uma vez que as apurações dos delitos muitas vezes não são conclusivas”. (CATALDO; VENEZIANI; TEYSSONNEYRE, 2009) Assim como ocorre na repressão ao crime cometido por cidadão comum, as formas reativas de combate à corrupção poli‐ cial demandam mais recursos financeiros e humanos. A prevenção à corrupção policial além de diminuir a incidência da prática de corrupção, ainda é mais barata e eficiente. Ainda que seja um planejamento a longo prazo, torna-se mais rápida em relação à um processo administrativo para punição de alguma conduta corrupta, que em muitas das vezes, terminam por ser arquivado, pelo advento da prescrição e nada contribui para a diminuição da corrupção. Desta forma, o presente trabalho tem o intuito de contribuir, usando o método analítico descritivo, no que tange à prevenção à corrupção, e em específico, de corrupção policial, com relevância jurídica e social. 1 CORRUPÇÃO 1.1 Conceito A corrupção vem do latim corruptus, que significa “quebrado em pedaços” ou seja, deteriorar algo. Ademais, a corrupção não é novidade. Ao contrário, desde a

298 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS antiguidade ela estava presente na vida dos povos, sob diversas formas. Se tornando um fenômeno social e político. De acordo com Marcos Otávio Bezerra, são três os tipos de definição mais utilizados para a corrupção: a baseada no ofício público, a definição baseada no mercado e a baseada na ideia do bem público. Para a definição baseada no ofício público, existe corrupção quando há desvio, por parte dos funcionários públicos, dos seus deveres formais com o intento de obter benefícios para si ou para outrem; a definição centrada no mercado considera corrupção o ato do funcionário público que tenha como objetivo a maximização de sua renda pessoal; por fim, a definição centrada na ideia de bem público visualiza a corrupção como sendo a violação do inte‐ resse público em função da preocupação com ganhos parti‐ culares. Para Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino, o conceito que mais define o termo corrupção é de que ela seria um \"fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recom‐ pensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal\". Já o conceito utilizado pelo Banco Mundial é o de que a \"cor‐ rupção é geralmente definida como o abuso do poder público para benefício privado\". A corrupção, portanto, pode ser entendida também como o resultado de subornar, dando dinheiro ou presentes para alguém em troca de benefícios especiais de interesse próprio. 1.1.2 CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA No âmbito de nosso ordenamento jurídico, o Código penal

MÉTODOS PREVENTIVOS DA CORRUPÇÃO – O CASO PO… | 299 estabelece a corrupção, pura e simplesmente, em duas modalida‐ des, a saber, a corrupção passiva e a corrupção ativa. A corrupção passiva está prevista no artigo 317 do Código Penal e é um crime que se caracteriza pela prática das condutas de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. A pena cominada para o delito é a de 2 a 12 anos de reclusão e multa. A modalidade delitiva aventada tem sua pena aumentada em “um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infrin‐ gindo dever funcional”. Já a corrupção ativa, por sua vez, está disciplinada no arti‐ go 333 do Código Penal e se constitui na conduta de “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. O parágrafo único do dispositivo em destaque encera uma causa de aumento de pena, em um terço, se “em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou emite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional” 2 CORRUPÇÃO POLICIAL 2.1 Conceito A palavra corrupção policial também é derivado do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper significa tornar pútrido, podre. A corrupção se origina através da deturpação de um objeto, com comportamentos que agridem a norma norteadora, moti‐ vados por desejos particulares de obter vantagens. Levando-nos a concluir que a corrupção é um mal, que tem como objetivo destruir os objetivos da administração pública em favorecimento a desejos particulares. (Cardoso, 2005)

300 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Numa definição estrita, corrupção policial significa o uso ilegal, por parte de agentes policiais, do poder de polícia legitimo que lhes é conferido no exercício de suas funções, com o objetivo de receber vantagem indevida, seja ela pecuniária seja ela pessoal de maneira criminosa, em detrimento do exercício legal de sua atividade. O Código Penal Brasileiro define, em seu artigo 317, o que vem a ser corrupção passiva, vejamos: Corrupção passiva Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: 18 Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa Assim, do ponto de vista criminal, a corrupção policial seria a prática de qualquer das condutas descritas no tipo penal elencado no artigo 317 do Código Penal, praticado por qualquer agente da Segurança Pública. O crime de corrupção ativa encontra correspondência no Código Penal Militar em seu capítulo IV nos artigos 308 a 310.


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