A FALTA DE ACOLHIMENTO DIGNO PARA PRESOS NAS PE… | 51 se possa concertar esse problema que se arrasta por anos se faz necessário compreender de forma imparcial a tutela dos direitos que os apenados brasileiros possuem, para isso é de suma impor‐ tância, compreender princípio da dignidade da pessoa humana, para que partindo desse pressuposto a sociedade e o Estado possam juntos decidir de forma eficaz e humana o destino destas pessoas que se encontram encarceradas, entendendo que a pena que os mesmos estão pagando não tem o seu escopo apenas puni‐ tivo mas também; educativo, restaurativo e que visa reabilitar os mesmos para uma regeneração real em sua personalidade para que então, estes, venham ser reinseridos na sociedade para contribuir com o crescimento social da mesma. REFERÊNCIAS Brasil. Lei de execuções penais nº7210/1984. De 11 de julho de 1984. Institui a lei de execução penal, DF, julho de 1984. dispo‐ nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm acesso em: 25/10/2018 Brasil. Lei nº 9.714/1988.de 15 de novembro de1998. Altera dispositivos do decreto lei nº 2848. De 7 de dezembro de 1940 – código penal. Brasília, DF, novembro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9714.htm. Acesso em: 25/10/2018 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: Parte geral – vol 1 (arts. 1º a 120). 6º ed. Ver. Atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012 MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de direito penitenciário. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1975.
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA EFETIVO DE CONTROLE DE DECISÕES MONOCRÁTICAS E DISCRICIONÁRIAS ALINE BARBOSA DOS SANTOS; KAROLINE DE SILVA SOUSA; RODRIGO COSTA FERREIRA INTRODUÇÃO O PRESENTE ARTIGO, INTITULADO “INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA de um sistema efetivo de controle de decisões monocráticas e discricionárias”, traz a discussão acerca da problemática da parci‐ alidade em decisões judiciais discricionárias proferidas por um único magistrado, que por vezes utiliza-se das suas prerrogativas e do poder em si investido pelo Estado, para favorecer interesses próprios ou alheios, atuando de forma contrária as prescrições constitucionais. Assim, este estudo foi elaborado a partir do método indutivo, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, permitindo que fosse inferida uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Além disso, o tema ora apresentado justifica-se devido às consequências que as decisões viciadas causam na sociedade e no sistema judiciário, na medida em que descumpre não somente a Constituição Federal, como também atinge diretamente direitos que foram frutos de conquistas árduas durante todo o processo
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 53 de construção das instituições jurídicas. Com base nisto, o cumprimento das leis e a imparcialidade exercida pelo órgão julgador, possui um liame direto com a manutenção do Estado Democrático de Direito, bem como, com o devido processo legal que é direito fundamental de todo cidadão que se vale dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ATIVISMO JUDICIAL E DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS E DISCRICIONÁRIAS A princípio, não há um entendimento consonante a respeito do que de fato se compreende por ativismo/protagonismo judicial, não havendo, assim, conformidade quanto ao referido conceito. Disto, denota-se que a problemática acerca da decisão judicial, entendida como fragilizador da autonomia do direito e revelando verdadeiro desrespeito ao argumento jurídico, bem como da interpretação/aplicação da hermenêutica jurídica no direito é um ponto de grande seriedade e valor para ser investigado, mormente, pelo jurista, haja vista no panorama atual o ativismo judicial e as decisões discricionárias por parte do judiciário brasi‐ leiro acabarem, por muitas das vezes, deslegitimando a função do processo jurisdicional – concebida com grande valia para o Estado Democrático de Direito – por parte de magistrados, cujos quais deliberam monocraticamente, ocasionalmente, como bem o pretenderem, demonstrando insuficiência no uso de parâmetros normativos decisórios (DORF, 2006). Em conformidade com Tassinari (2013, pg. 36) predomina a “[...] configuração de um Poder Judiciário revestido de suprema‐ cia, com competência que não lhe são reconhecidas constitucio‐ nalmente” (TASSINARI, 2013). Assim sendo, no Brasil para a garantia de segurança jurídica nem sempre há uma criteriologia decisória própria e uniforme,
54 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS tendo em conta que o judiciário, na figura do julgador, ora decide em função da literalidade da lei, ora fundamenta a decisão em critérios éticos, princípios próprios ou argumentos de autorida‐ des, seguindo inteiramente de encontro com o regramento aludido no artigo 93, IX Constituição Republicana Federativa do Brasil (CRFB)/19881, pelo qual demonstra que as decisões no âmbito judicial constituem direito fundamental do cidadão, portanto, deverão ser pautadas na letra da lei, considerando que ocorre mediante a construção do que seja o direito por parte dos legitimados pelo povo. Assim, em concordância assevera Rodriguez (2013): É interessante notar que a recepção brasileira de autores como Ronald Dworkin, Jürgen Habermas e Robert Alexy gerou impacto nulo sobre nossa jurisprudência e nosso modo de operar o direito. Não é incomum que os tribunais brasileiros, inclusive o STF, citem tais autores em suas deci‐ sões. No entanto, tais citações costumam servir como argu‐ mento de autoridade: servem apenas para demonstrar erudição. Não há indício de que os modelos de racionalidade jurídica presentes na obra desses autores tenham tido qual‐ quer influência sobre o modo de raciocinar dos operadores de nosso direito. Tal fato mostra como nossa tradição é forte e coesa; capaz de incorporar a obra destes teóricos em seu registro próprio, sem se deixar influenciar efetivamente por eles (RODRIGUEZ, 2013. pg. 15) Ronald Myles Dworkin é considerado um dos filósofos estaduni‐ denses mais notáveis do campo do Direito2, dialogando, desse modo, acerca da discricionariedade do juiz de direito no processo de tomada de decisões.
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 55 Dessa forma, para o autor, o juiz não deve desconsiderar os aparatos para que haja o ajuste dos fatos à prática constitucional3, entendendo ainda que o magistrado possui a difícil e árdua missão de interpretar o caso consoante aos ditames e moldura do texto normativo, devendo mostrar-se coerente com a sua respectiva aplicação, não o submetendo, necessariamente, ao que está assentado pela jurisprudência, mas, ao mesmo tempo, assegurando que não haja invenção/criação de direitos jurídicos, função essa, sobremaneira, típica do poder legislativo condi‐ zente com o que aduz a Constituição da República relativamente ao princípio fundamental da separação de poderes (DWORKIN, 2011).Isto é, um juiz que é denominado como juiz ativista, não interpreta situações práticas aos ditames constitucionais, podendo se tornar uma tarefa demasiada e irreversível para o Estado Constitucional de Direito (DWORKIN, 2011). Desta maneira, vale ressaltar ainda a crítica feita por Dworkin a Hart. Em que pese, o autor estadunidense argui que o direito deve ser admitido como um conjunto normativo do qual inclui também os prin‐ cípios, estes possuem caráter deontológico, considerados como basilares em razão do desejo por justiça conclamado pela sociedade e frequente‐ mente são tidos como justificadores para as decisões de casos difíceis – aquelas situações que não possuem soluções previstas na lei, ou seja, os fatos não são abarcados pelas regras, ficando a critério do julgador decidir qual seria a melhor resolução, tendo em vista não ser razoável facultar o julgamento ao considerar sua obrigação quanto a incum‐ bência de proferir certa decisão para a deliberação do conflito do caso concreto apresentado. Ainda em suas palavras, Dworkin (2010) aduz:
56 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natu‐ reza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão (Dworkin, 2010, pg. 39). Dessarte, Dworkin denega a tese da discricionariedade judi‐ cial, ratificando que a resolução para os casos difíceis deveria ocorrer mediante princípios constitucionais4, preceitos norma‐ tivos na lei, todavia, nunca na discricionariedade do juiz, no seu livre arbítrio, vez que é necessário certo tipo de restrição para que não haja margem de exacerbação quanto ao ativismo judicial, não obstante, a interpretação do direito seja o melhor recurso tendo em conta a resposta para o resultado de uma sociedade pautada nas diretrizes que manifestam o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, salienta-se ainda a questão tratada por Dworkin acerca dos critérios designados para a decisão de casos, quais sejam, a coerência e a integridade, em que o magistrado deve atentar para os precedentes dos juízes que já se proferiram decisões a respeito de tais situações (DWORKIN, 2010). Isso posto, na realidade brasileira, percebe-se, ocasional‐ mente, que a decisão do magistrado é guiada de acordo com sua própria consciência, desejo ou escolha e não pelo prelecionado na rigorosidade do regramento normativo. Isso significa alegar que, as decisões baseiam-se em diretrizes ou comportamento dos
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 57 juízes5, acarretando, dessa maneira, a concepção de deliberação um tanto quando injusta ou antidemocrática. Dessa forma, imprescindível se faz o exame do posiciona‐ mento firmado a respeito da fundamentação no processo de deli‐ beração e submissão do fato a norma, pelo ministro Gomes de Barros, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 2002, qual seja:
58 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a auto‐ ridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respei‐ tado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Consti‐ tuição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja (AgRg nos EREsp 279.889-AL, Rel. p./ac. Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 14/08/2002, DJ 07/04/2003). Entretanto, Lenio Streck aduz contrário a este posiciona‐ mento, combatendo o senso comum que norteia a prática jurídica brasileira, bem como assevera de forma cristalina nos seus dize‐ res, a saber:
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 59 Se os juízes podem dizer o que querem sobre o sentido das leis, ou se os juízes podem decidir de forma discricionária os hard cases, para que necessitamos de leis? Para que a inter‐ mediação da lei? É preciso ter presente que a afirmação do caráter hermenêutico do direito e a centralidade que assume a jurisdição nesta quadra da história – na medida em que o legislativo (a lei) não pode antever todas as hipóteses de apli‐ cação – não significa uma queda na irracionalidade e tampouco uma delegação em favor de decisionismos. Nenhum intérprete (juiz, promotor de justiça, advogado, etc.) está autorizado a fazer interpretações discricionárias (STRECK, 2011, p. 164-166). Com efeito, de acordo com Eros Grau (2013) a reformulação do entendimento jurisprudencial sólido de forma monocrática e sem que haja critérios consistentes para justificação, demonstra o quão inseguro e instável pode ser a fundamentação de decisões arbitrárias em um Estado Constitucional de Direito. A julgar que por trazer consigo multiplicidade de respostas e acarretar em discricionariedade exacerbada por parte da tomada de decisões, isto é, na resolução dos casos concretos o interprete possui o poder de escolha que quando usado com ponderação, causam a utilização de princípios6 como o controle de proporcionalidade e razoabilidade da lei – verdadeiros coringas no argumento jurí‐ dico – os quais se revelam a disposição de qualquer interpreta‐ ção, decidindo assim, de maneira subjetiva conforme o que lhe apraz acerca do que a justiça requer. Tal fato gera grandes problemas para a segurança jurídica do país, vez que o precípuo no Estado Constitucional é o dever do magistrado de aplicar a Constituição por meio da interpretação, pautando-se nos limites
60 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS semânticos do texto normativo e não reduzir a prática constituci‐ onal as suas respectivas decisões7. 2. A INFLUÊNCIA DA POLÍTICA E A CORRUPÇÃO DO JUDICIÁRIA O Estado, como legítimo detentor do monopólio da atividade jurisdicional possui a função de responder as lides, a partir da jurisdição contenciosa e chancelar vontades por meio da juris‐ dição voluntária. O exercício desta atividade, contudo, deve ser feito norteado por regras legais e princípios constitucionais que devem moldar o teor das decisões proferidas pelos magistrados, sob pena de nulidade processual. Dentre as condutas exigidas do juiz ao conduzir o processo, destaca-se como pressuposto fundamental, a imparcialidade. Esta possui importância universal, é requisito de validade dos atos processuais e encontra respaldo normativo na Declaração Universal dos Direitos do Homem no artigo X que dispõe: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal indepen‐ dente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Similarmente, o princípio da independência judicial possui fundamento no art. X do referido dispositivo e é prioritário para manutenção e prevenção do devido processo legal, da mesma forma, é reconhecido como um princípio constitucional eivado de garantias institucionais, como o autogoverno, a autonomia orçamentária, financeira e garantias individuais como a vitalicie‐ dade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Este prin‐
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 61 cípio tem como núcleo constitucional os art. 95, 96 e 99 da Constituição Federal de 1988. Dessarte, ambos os preceitos normativos jurisdicionais são colocados a prova pelo alastramento da corrupção, que atinge todos os setores da sociedade, sendo lamentável o fato de que o Poder Judiciário não sai ileso. A corrupção judiciária é denominada como o envolvimento de agentes públicos do sistema judicial que solicitam ou recebem direta ou indiretamente, para si ou para outrem, ainda que fora da função ou antes de assumir, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa para tal. Cometem, portanto, além do próprio crime de corrupção passiva, outros, como prevarica‐ ção, concussão, crimes contra a administração pública, contra o sistema econômico, lavagem de dinheiro, etc. Este tipo de conduta pode ser exercido por juízes, promotores, servidores e afeta direta e amplamente o devido processo legal. No que tange ao papel do juiz no processo o assunto fica ainda mais sensível, vez que este possui o poder de decisão, ou seja, poder discricionário, em que pode dizer qual é o direito, quem tem o direito e ainda o satisfaz, como já salientado neste trabalho. O silogismo jurídico, ou seja, a aplicação da norma aos fatos deve ser regido pelos princípios legais e não pela arbitrarie‐ dade. Como elucidado por KELSEN (1998), cada norma possui uma moldura, que podem existir algumas decisões válidas para o julgador e este dentro das possibilidades legais buscará a melhor resolução para o caso concreto, gerando ao final do processo de decisão, uma norma individual. Este sistema trazido à tona por KELSEN (1998) pressupõe um modelo em que as normas constitucionais possuem eficácia em si mesma, e per si, ocupam status de “norma superior” que é obser‐ vada e respeitada por todos os agentes que atuam no processo judicial, bem como, pela sociedade. Entretanto, em uma realidade de corrupção sistêmica que abala o judiciário, a Constituição
62 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS sucumbe em detrimento dos interesses dos corruptores sendo utilizada para simular a manutenção de uma ordem legal, na tentativa também de justificar decisões ilegais. A título exemplificativo, em maio de 2015 por 11 votos a 2, o Conselho Nacional de Justiça decidiu aposentar compulsoria‐ mente o juiz César Henrique Alves por entender que existiam provas suficientes de participação do magistrado no crime de corrupção por venda de sentença. Segundo relatório do CNJ, em notícia veiculada pelo jornal G1, “um homem tentou intermediar a venda de sentença do magistrado para seu próprio tio, que acabou denunciando a prática à presidência do TJRR”. A apuração policial verificou que o intermediador mantinha frequente contato com o juiz e aquele chegou a ser preso com um cheque enquanto saia da casa do magistrado. De outro modo também, há exemplos em que membros do Poder Executivo e Legislativo demonstram possuírem relações inescrupulosas, e na maioria das vezes criminosas, com membros de órgãos superiores do Poder Judiciário a fim de favorecer esquemas de corrupção e de lavagem de dinheiro. Figuras polí‐ ticas como o ex-presidente José Sarney dizendo em áudio “vamos falar com Teori por meio do César Rocha” ou o senador Romero Jucá afirmando já ter falado com os ministros, ou, ainda, a nome‐ ação da Marcelo Navarro para o STJ, com intermediação do Presidente do Tribunal, para supostamente ajudar o empresário envolvido no escândalo da Petrobras, Marcelo Odebrecht. Não nos faltam casos para citar acerca de relações corruptas entre os membros do Poder Judiciário e dos Poderes Legislativo e Executivo. Neste sentido, o teórico do Direito Constitucional, LASSALE (2001) afirma que a essência da Constituição é o soma‐ tório dos fatores reais de poder. Segundo o autor, a grande burguesia, os banqueiros, a Câmara Senhorial e o Senado, o rei e o exército, ou seja, aqueles que estão em níveis econômicos e sociais superiores ao nível do cidadão comum formam o núcleo
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 63 do fator real de poder, contudo não exclusivamente, são os mais influentes. Lassale (2001) aduz que sobre a relação entre estes possuem com a Constituição ao dizer: Colhem-se estes fatores reais de poder, registram-se em uma folha de papel, se lhes dá expressão escrita, e a partir deste momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais de poder, mas que se erigiram em direito, em instituições jurídicas e quem atentar contra eles atentará contra a lei e será castigado. Neste diapasão, traçará a diferenciação entre a Constituição real e efetiva e uma folha de papel, sendo a primeira aquela que expressa a vontade daqueles que exercem poder na sociedade, enquanto a segunda, quando assim não o faz, não passa de uma mera folha em que seu conteúdo será ignorado ou burlado. Ferdi‐ nand Lassale compreendia o quanto as normas legais poderiam ser manipuladas em favor daqueles que exercem poder. Em perspectiva diversa, HESSE (1991) irá sustentar que o Direito Constitucional não cumpre tão somente a função de justificar as relações de poder dominante, mas ao contrário, é uma doutrina que admite que a constituição possua, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado, ou seja, uma força normativa. Entretanto, o jurista alemão esclarece que a Constituição só se transmuda em força ativa caso exista uma disposição, por parte da sociedade e daqueles que operam o Direito, de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida se, “a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem”.
64 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Assim, vontade de Constituição se constitui em três vertentes: A primeira é a “compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável”, já a segunda está fincada no entendimento de que “essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos” e, portanto, precisa estar em cons‐ tante processo de legitimação. Por fim, assenta-se na “consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não ogra ser eficaz sem o concurso da vontade humana”. HESSE (1991) instrui que tais parâmetros devem estar na consciência geral dos que atuam e são responsáveis pela ordem constitucional, neles devem existir não só a vontade de poder (WillezurMacht), mas também a vontade de Constituição (Willezur‐ Verfassung). CONSIDERAÇÕES FINAIS Desse modo, em consonância ao apresentado neste presente trabalho, faz-se notório a implementação de uma teoria da decisão jurídica que possa atender devidamente o panorama constitucional brasileiro, oferecendo assim, uma reflexão a respeito de questões jurídicas e suas respectivas deliberações mediante atos discricionários em detrimento dos preceitos normativos vigentes, com o intuito e pretensão de revigorar e despertar, da mesma maneira, o anelo pela democracia consti‐ tucional. Em que pese, a “ânsia pela promoção da justiça” por parte da sociedade faz brotar uma espécie de desejo individual pela concretização de equidade no meio social, motivando assim, o denominado ativismo judicial – ao explicitar a exteriorização da vontade do juiz, sem fundamentação jurídica satisfatória ou parâ‐ metros objetivos, o que gera um cenário marcado pela insegu‐ rança jurídica em um sistema regulamentar de direito, haja vista,
A INEFICÁCIA JUDICIÁRIA E A FALTA DE UM SISTEMA E… | 65 v.g., determinado caso forense obter possibilidades diversas de julgamento a depender da vara para o qual foi destinado.Por conseguinte, esse tipo de atuação por parte do poder judiciário fomenta contratempos, a saber, o perigo característico à legitimi‐ dade democrática é constante, pois o juiz arroga a condição de criador de regras para si sem que seja um efetivo representante eleito e legitimado pelo povo. Em vista disso, sabe-se que decisões judiciais possuem grande influência e impacto para a sociedade, pois afetam a vida da população de forma geral. Com isso, deve-se refletir acercada importância que carrega as decisões monocráticas em um Estado Constitucional, bem como, quais serão os possíveis critérios escolhidos para o parecer, a fim de se evitar, por consequência, o decisionismo arbitrário. Não obstante, vale salientar que o ativismo judicial é um mecanismo de grande valor na conjuntura jurídica do Brasil, porém, os excessos devem ser destacados, assim como apresentação de soluções escorregadias, vagas sem a devida fundamentação na lei, posto que a decisão judicial não deve criar direito, mas reconhecer direitos factuais do orde‐ namento. Destarte, é manifesto que para a construção de um modelo de decisões eficientes e em conformidade com os preceitos norma‐ tivos elencados pela Carta Magna, seria sensato ao sistema judi‐ ciário a utilização da deliberação da sentença de forma colegiada que poderia ser discutida por mais de um magistrado, isto é, decisão formada por um número ímpar de juízes, tendo em vista que a apreciação monocrática, reiteradamente, suscita o ativismo judicial ou decisões arbitrárias por meio do protagonismo exacerbado do magistrado, cooperando, dessa forma, para o risco de fragilização no sistema jurídico pátrio no tocante a efetivação do cumprimento normativo. Logo, como bem aduz Streck “a Constituição não pode ser o que o intérprete quer” (STRECK, 2007, pg.125).
66 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Por fim, aliando-se ao que foi defendido por Hesse, uma das formas mais eficazes de combater o desrespeito às normas cons‐ titucionais e, por conseguinte a corrupção no judiciário é desen‐ volvendo a vontade de Constituição, pois se assim não o for, as leis serão apenas folhas de papel, sendo manobradas conforme os interesses alheios a ela e a sociedade. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 08 nov. 2018. BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 15 nov. 2018. Declaração universal dos direitos do homem. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 15 nov. 2018. DORF, Michael. No litmustest: Law versus politics in thetwentiethcentury, 2006, xix. DWORKIN,Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2010. __________________. O império do direito.São Paulo, Martins Fontes, 2011. G1. STF decide aposentar juiz de Roraima acusado de vender sentenças. Disponível em: <http://g1.globo.com/rr/ roraima/noticia/2016/06/stf-decide-aposentar-juiz-de-roraima- acusado-de-vender-sentencas.html>. Acesso em: 15 nov. 2018. GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes. 6. ed. São Paulo, Malheiros, 2013. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Safe, 1991.
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A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORAÇÃO FEMININA NAS ORGANIZAÇÕES CRMINOSAS NATHALY HEINER MAIA CARVALHO; BEATRIZ CLARA LIMA LEAL; GABRIELLY MARIA DA SILVA PEREIRA; LUCIANO NASCIMENTO SILVA 1 INTRODUÇÃO É NOTÓRIA A BAGAGEM PATRIARCAL QUE A SOCIEDADE ATUAL perpassa, contudo ainda que exista opressão e discriminação é imprescindível a busca da mulher em atingir níveis igualitários de gênero e espaço no mundo contemporâneo. Esse artigo, analisa a incorporação crescente do número de mulheres que infringem à lei, culminando na maioria das vezes na integração junto ao Sistema de Justiça Criminal, sendo aprofundado a participação das mulheres nas organizações criminosas. Com construção história a partir de inúmeras pesquisas faz-se mister a investigação da motivação e a influência do meio externo na prática de crimes. Especificamente, pautado no enten‐ dimento da Criminologia como conjunto de conhecimentos que estudam as causas da criminalidade, bem como a personalidade, a conduta do delinquente e a maneira de ressocialização, faz-se um encadeamento lógico com a Criminologia Positivista a fim de análise da criminalidade feminina na visão tradicional de Cesare Lombroso. Evidencia-se a figura da mulher como sujeito ativo,
70 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS surgindo uma feminilidade que concomitantemente carrega a imagem de dona de casa, mas que vira vilã vai à rua e se impõe. Iniciando com estudos generalizados, o trabalho culmina em situações mais específicas, como o perfil traçado a partir de dados do sistema carcerário feminino, bem como também, exemplifica casos concretos de criminosas que ganharam destaque por seus atos infratores. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 A criminalidade feminina sob a perspectiva da escola posi‐ tivista O estudo da criminalidade feminina foi bastante explorado com o advento da Escola Positivista de Direito Penal. Esse momento é marcado pela elaboração criteriosa de um método científico voltado para a prevenção do crime — o que corrobora com a proteção a sociedade — ao determinar fatos confirmados por meio da experimentação. Interessante observar, pois, o embate entre o direito e a medicina, tendo em vista a utilização da criminologia para a classificação biológica do ser humano. O método citado consiste na observação do delinquente para confirmação do determinismo biológico, categorizando-se um método empírico indutivo. Um dos precursores e influenciadores da Escola Positivista é o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909). Para discorrer sobre essa temática torna-se imprescindível uma análise acerca de seus estudos. Intitulado por muitos como o pai da antropo‐ logia criminal, o estudioso revoluciona a seara criminológica ao determinar uma forma diferenciada e inovadora de pensar e examinar os crimes e os criminosos, uma vez que, a base de suas pesquisas era a análise física e sua sequente catalogação, formando a figura do delinquente ou sua tendência à prática do crime.
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 71 Configurando, pois, um dos pioneiros na formulação da antropologia criminal, Cesare inaugura suas pesquisas na obra L’Uomo Delinquente1 (1876), posteriormente, em parceria com o historiador Guglielmo Ferrero, propõe uma observância profunda e consistente acerca da mulher no cenário criminoló‐ gico ao lançar o livro; La Donna Delinquente: La Prostituta e La Donna Normale2 (1893). Enfatizava-se veementemente a diferen‐ ciação sexual da mulher em relação ao homem para chegar a conclusões. Estudando mulheres presas na Itália, ele funda‐ mentou a sua pesquisa através da medida do crânio, da mandí‐ bula, do clitóris, pequenos e grandes lábios vaginais dentre outros, estabelecendo a tipologia criminal da mulher. A fisio‐ nomia moral da mulher criminosa se aproxima daquela do homem criminoso. Há nas mulheres criminosas uma diminuição atávica dos caracteres sexuais secundários, o que é possível de se ver na antropologia do sujeito e nas suas características morais (LOMBROSO, 2004, p. 183). Lombroso3 dedica algumas páginas de sua obra a tratar sobre a mulher normal, vista por ele com poucas chances de estar propícia ao cometimento de crimes — são raramente perigosas — e quando os cometem são desencadeados por fatores relacio‐ nados ao ciúme ou vingança, o que na visão do autor está entrela‐ çada com o caso da mulher prostituta. O estudioso acrescenta que a prostituição é o crime feminino mais recorrente e marcante, mas que é aceito na sociedade. Em suas palavras:
72 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS “(...) a prostituição é socialmente útil como uma saída para a sexualidade masculina, e previne crimes masculinos. Às vezes a criminalidade funciona de maneira útil. O comporta‐ mento criminoso e a prostituição são duas formas, uma masculina e uma feminina, de criminalidade” (LOMBROSO, 2004, p. 221). Em decorrência dos fatores mencionados, aliado à sua pers‐ pectiva, Cesare põe a mulher em uma posição de inferioridade em relação ao homem, determinando a maternidade a sua função biológica e alegando que nas mulheres morais a sexualidade é canalizada na maternidade, enquanto que as criminosas seriam péssimas mães. Segundo Graziosi (1999: 60-61), no século XIX: Ambos paradigmas – el jurídico y el científico – tendrán naturalmente um gran peso en la construcción de um modelo de mujer al qual será considerado normal adecuarse y patológico apartarse, y que perdurará hasta este siglo. (...) El modelo de femineidad que se supone normal, al cual es justo que las mujeres se conformen, es antes que nada un modelo materno: la mujer, en realidad, es madre antes de toda outra cosa, y en la maternidad se expresa y se realiza gran parte del destino femenino […]. 4 Tamanha inferioridade ao qual a mulher estava submersa era perceptível, uma vez que a mulher que não se tornava mãe era julgada a partir do momento em que seus órgãos de reprodução não realizavam o esperado. Por conseguinte, faz-se mister o
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 73 entendimento de que a mulher — no cenário um tanto quanto arcaico proposto por Lombroso no século XIX — é enxergada então como um ser para procriar, que deve acima de tudo, ter respeito aos homens, pois são considerados superiores as mesmas. Toda a catalogação e estudo proposto por Lombroso e seus simpatizantes produziram uma visão da “natureza feminina” ser algo primitivo e associado à sexualidade patológica. Interessante mencionar a argumentação de Lemos Britto ao alegar a menstru‐ ação como um período patológico feminino: […] nos períodos característicos de sua sexualidade, a mulher sofre não somente alterações orgânicas como padece de profundas modificações na sua afectividade e emotividade. É por esse motivo que já se considera, nos domínios da crimi‐ nalidade, mui attenuada a responsabilidade da mulher nos períodos catameniaes [mesntruais] (LEMOS BRITTO, 1934, p.194). Essa perspectiva aflora um viés de descrença com relação à existência de mulheres realmente criminosas, guerrilheiras e que possam atuar como chefes de gangs ou de máfias com alto grau de periculosidade para uma sociedade. A característica supraci‐ tada de duvidar da capacidade feminina para realização de ativi‐ dades ilícitas e perigosas deve-se ao fato da mulher, nesse âmbito, estar inserida em uma sociedade totalmente patriarcal e com conceitos machistas bastante marcados na relação entre marido e mulher, de forma que a mulher era aceita apenas como uma dona do lar, que deveria cuidar da casa, dos filhos e do marido, se encaixando, pois, no padrão estabelecido pela sociedade. Entre‐ tanto, quando a mesma não seguia essas “regras” sociais e costu‐
74 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS meiras corroborava na sua qualificação como louca, alegando-se um desequilíbrio psicológico devido aos hormônios. 2.2 A inserção da mulher no crime aliado à evolução do seu papel na sociedade De divergência ao exposto por Lombroso, hodiernamente, é possível elencar um número crescente de mulheres no sistema carcerário, perpassando assim, dogmas intrínsecos ao sexo femi‐ nino do seu papel frente à sociedade. O presente estudo vem observar, a correlata ligação atual entre a mulher e o direito penal, aludindo, posteriormente, cenários em que fogem à maciça crença da mulher como tangente à criminalidade, colocando-as em posições de confiança e liderança. À custa de uma sociedade firmada com bases patriarcais, teorias feministas são pouco recepcionadas, reproduzidas e anali‐ sadas no Brasil. Segundo Sandra Harding, o androcentrismo das ciências é culminado na dominação masculina, ignorando dessa forma, a diferença de gêneros. Neste viés, a figura do homem reflete no ideal abstrato amplamente utilizado na esfera pública, enquanto a mulher liga-se mais a pensamentos utilizados em situações concretas específicas e isoladas.5 Pautado nessa doutrina, verifica-se que no campo das ciências e do direito penal, o lado feminino teve suas características, mentalidade, e modo de execução em suma, ignorados pelos teóricos, justificando-se por fugir ao padrão. Gilligan (1982), atrela a incompreensão dos teóricos, ao fato do grande contraste das mulheres e homens, sendo adotado como norma implicita‐ mente a vida masculina. Não é incomum, a reflexão leiga, que o cárcere não é lugar de mulher. Dessa forma, no direito penal, a mulher é inserida geralmente como vítima.6 No que diz as teorias feministas, que nasceram no limiar dos anos 60, pode-se destacar três correntes que ganharam mais voz. O feminismo liberal foi a primeira propagada, de acordo com os juízos concebidos com a mesma, há uma busca de direitos e apli‐
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 75 cação de forma igualitária, entre homens e mulheres, sem refe‐ renciar assim, indagações quanto ao sistema, nem anseios por benefícios às mulheres. Em seguida, aponta-se o feminismo radi‐ cal, que perpassa a necessidade do reconhecimento das caracte‐ rísticas femininas sob um ponto de vista próprio perante à esfera pública. Segundo Espinoza (2002), sua atenção estaria focalizada não mais para atingir a igualdade, mas a diferença ou o reconhe‐ cimento de direitos especiais às mulheres. Por fim, infere-se o feminismo social, onde a demanda não é fazer oposição a figura masculina já inerente a sociedade, mas traçar diálogo com todos os grupos, evidenciando a negociabilidade.7 Os questionamentos duvidosos acerca da mulher adentrar na vida do crime, e ser realmente criminosa, foram minados com o passar das gerações, visto que, a mulher através de muita luta, foi conquistando espaço e independência na sociedade, alcançando lugares antes vistos apenas sob o comando e domínio dos homens. Em conformidade, é de valioso entendimento uma observância criteriosa acerca da relação entre a independência obtida pela mulher e o aumento de sua criminalidade. As reivin‐ dicações que resultaram numa maior igualdade de direitos e a possibilidade de participação feminina na vida pública e política, obtendo avanços e certa emancipação da mulher, encontram uma linha ténue com algo bastante negativo, tendo em vista que o avanço feminino é confrontado com um aumento significativo de mulheres encarceradas. Como bem pontuou Julita Lemgruber em sua obra “Cemitério dos vivos – Análise sociológica de uma prisão de mulheres”:
76 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS […] admite-se, hoje, que as diferenças nas taxas de crimina‐ lidade masculinas e femininas prendem-se sobretudo a fatores sócio-estruturais ... Resumidamente é possível dizer que a medida em que as disparidades sócio-econômico- estruturais entre os sexos diminuem, há um aumento recí‐ proco da criminalidade feminina. Levando-se isso em conta, é razoável supor que, muito em breve, a população de presas no Brasil revele crescimento marcadamente acentuado.8 Essa abordagem propicia uma maior possibilidade para a inserção da mulher em quadrilhas, organizações criminosas, tráfico de drogas e máfias. Sendo vista não mais apenas como do lar ou a esposa do criminoso, e sim, em muitos casos, como a chefe do crime organizado, ou responsável por crimes com certo teor de maldade e dificuldade para realização. Um dos exemplos mais significativos e conhecidos de gangs‐ teres femininos do crime organizado é a famosa Bonnie Parker, que fazia casal com Clyde Barrow. Juntos, eles se tornaram o casal de criminosos mais conhecidos na história americana. Segundo, o Federal Bureau of Investigation – FBI: Sua história, embora romantizada na tela de prata, dificil‐ mente era glamorosa. Do verão de 1932 até a primavera de 1934, eles deixaram um rastro de violência e terror em seu rastro enquanto cruzavam o campo em uma série de carros roubados - roubando postos de gasolina, mantimentos de vilarejos e bancos ocasionais e fazendo reféns [...].9
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 77 De acordo com a publicação do diário “Fatto Quotidiano”, feita pela jornalista italiana Angela Corica: Há muitos sinais de que as mulheres se lançaram de dentro das organizações criminosas sobre seu papel, tanto em termos de ajudar os fugitivos e as comunicações com o exte‐ rior, quanto com a administração do dinheiro, fatos docu‐ mentados pelas operações policiais [...].10 2.3 A cooperação feminina nas Associações Criminosas numa conjuntura mundial, analisado sob a óptica da máfia Ampliando para uma conjuntura internacional, é pertinente um olhar sob a participação de mulheres em organizações crimi‐ nosas como a máfia, que estão enrijecidas nas sociedades, obtendo forte influência. É essencial a análise a partir dos estudos da jornalista britânica Clare Longrigg, atual editora do jornal inglês The Guardian, publicou o livro Mulheres da Máfia (Lands‐ cape, 2004). Clare iniciou suas pesquisas em meados de 80, enfo‐ cando no acompanhando do movimento de viúvas de políticos, juízes e policiais vítimas de mafiosos. Esse movimento iniciado em 1982, nomeado como Associação de Mulheres Antimáfia objetivava o apoio das esposas de mafiosos, para que as mesmas depusessem contra seus maridos. Tais depoimentos, embora, eram vistos de forma incrédula. Um exemplo claro do precon‐ ceito contra o sexo feminino é visto no livro de Longrigg quando um juiz de Palermo declara em um despacho judicial que \"mulheres não podiam ser culpadas por lavagem de dinheiro porque não possuem autonomia e, de qualquer maneira, são burras demais para tomarem parte no difícil mundo dos negócios”.11 Todavia, com o crescente número de depoentes e a impor‐
78 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS tância de suas informações, começou-se a mudar a interpretação ultrapassada da ausência de participação das mulheres na máfia, antes entendidas incapazes de cometerem crimes, passando as mesmas, a serem vistas como peça fundamental dessa entidade. A expansão da máfia culminou numa necessidade maior de mão de obra, passando a participar dessa forma, mulheres e crianças, além do mais, situações de morte, prisão ou fuga nessas institui‐ ções, que eram constantes devida a violência que assolava, abriam espaços e buracos que foram preenchidos por mulheres. Por conseguinte, a mulher que era vista como auxiliadora de dados para registros bancários dos maridos ou como transporta‐ dora de quantidades de drogas e armas, passou a tomar decisões, ganhando figura de liderança e aquisição de poder para manejar o dinheiro, movimentar contas e até mesmo planejar mortes. Averiguando dados, é possível comprovar essa “súbita” partici‐ pação de mulheres na máfia. Na Itália, o número de mulheres indiciadas por associação com a máfia cresceu de 1 em 1990 para 89 acusadas, em 1995. Já o número de mulheres acusadas de portar e traficar drogas cresceu de 37 em 1994 para 422 em 1995, e seguindo este viés o número de acusadas por lavagem de dinheiro aumentou de 15 para 106 e número de mulheres presas por agiotagem subiu de 199 para 421. Algumas mulheres citadas no trabalho de Clare, ganharam destaque devido sua contribuição para máfia. É interessante citar Pupetta Maresca, intitulada como a madrinha da máfia camorrista12. Pupetta casou com um mafioso, que morreu a deixando grávida aos 18 anos, logo depois de cumprir 14 anos de prisão ela casou-se com o chefe da Camorra. Patrizia Ferriero, ganhou notoriedade ao assumir a distribuição de grande parte da cocaína advinda da América do Sul, vista como mais inteligente que o seu marido. Maria Serraino da ‘Ndrangheta, máfia da região da Calábria, ganhou ênfase devido a um centro de operações do tráfico de heroína, que funcionava em
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPOR… | 79 sua residência. Angela Russo, afamada como Vovó Heroína, trans‐ portava droga em suas bagagens enquanto viajava, o fato da idade avançava culminava numa ausência de suspeitas contra a mesma. Angela conseguiu envolver três gerações da família com o tráfico de drogas e um fato interessante é o pedido feito para o seu filho antes de morrer, para que o mesmo não colaborasse com a polícia italiana, visto como atitude de desonra. Anna Mazza, a Viúva Negra, era a matriarca dos Moccia e impôs a seu filho de 13 anos o papel de matar o assassino de seu pai, ganhando assim, por merecimento próprio, a entrada no mundo da máfia. Por fim, destaca-se uma brasileira, chamada Cristina Guimarães, que se casou com um mafioso siciliano após de conhecerem no Rio de Janeiro, Cristina se tornou uma espécie de conselheira e persu‐ adiu o mafioso a colaborar com a Justiça italiana. É entendível que em consonância as pesquisas de Longrigg, se ver o desejo de vingança e proteção dos interesses da família como ponto em comum das participações das mulheres mafiosas. Outro fator de importância são os resultados dessas participa‐ ções, que muitas vezes tem consequências melhores que as dos homens, haja vista o cinismo e dissimulação das mesmas nos tribunais. 2.4 A entrada do sexo feminino nas Organizações Crimi‐ nosas no cenário brasileiro, a massificação no tráfico de drogas. Em virtude de sua imagem estereotipada, a mulher muitas vezes é visualizada como incapaz de cometer crimes. Durante muito tempo acreditava-se que ela só seria apta a perpetrar delitos passionais ou contra a maternidade, como o aborto. Em dados colhidos no ano de 2016 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) — Órgão do Ministério da Justiça — a popu‐ lação carcerária feminina em 2016 obteve um aumento de 656% em relação ao início dos anos 2000, alcançando assim a marca de 6% do contingente prisional brasileiro. Nada obstante, atual‐
80 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS mente as pesquisas estatísticas explicitam predominantemente que as mulheres estão sendo encarceradas devido ao cometi‐ mento de crimes ligado ao tráfico de drogas e contra o patrimônio. Esses dados percentuais revelam um crescimento exponencial não só da quantificação de mulheres privadas de liberdade, como também de problemas intrínsecos desencadeados a partir dessa triste realidade vivida no Brasil. A título de exemplificação dessa problemática, é possível salientar a existência da superlotação nos presídios femininos, corroborando para a criação de facções como forma de sobrevivência. Esse panorama, ainda que em constante evolução e mudança, evidencia a imprescindível ânsia por levantamentos aprofundados para analisar o fenômeno em questão. A partir de apreciação, pode se elencar e formar três princi‐ pais perfis das mulheres que entram para o mundo do crime no Brasil. Primeiramente, é a mulher com pouca escolaridade, com filho, sem marido e desempregada, que através do tráfico encontra uma maneira de sustentar financeiramente sua família, evitando assim, passar necessidade. Posteriormente, aquelas que se envolvem com o crime em razão de uma relação íntimo-afetiva com o seu companheiro. Inicialmente, elas possuem uma pequena atuação, como depositando dinheiro, e depois passam a se destacar e a dominar o tráfico. Por fim, temos aquelas que são movidas pela ganância. Que para ter a tão sonhada vida de luxo e poder, essas são atraídas pelo mundo do crime para conseguir esses feitos. E o meio mais fácil de consegui-los é através do tráfico de drogas; muitas entram retraídas, porém ao começarem a ver o retorno finan‐ ceiro, elas envolvem-se cada vez mais, vivendo numa jamais imaginada vida, com garantia de obter roupas, joias, viagens, carros de luxo; Algumas chegam a arrecadar R$ 500 mil reais por mês com o tráfico de drogas.
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 81 O delegado João Paulo Pinto, titular da Delegacia Especiali‐ zada de Tópicos e entorpecentes (Deten) afirma que: “Elas sempre entram no crime com o objetivo de ganhar dinheiro fácil, nunca de trabalhar. Em 90% dos casos, entram pelo tráfico de drogas. O tráfico é o principal por causa desse dinheiro fácil e por, teoricamente, não envolver violência. A violência está sempre ao redor. Às vezes isso até facilita a entrada delas, porque acham que não vão correr risco”. 13 A partir de dados coletados pelo INFOPEN14, verifica-se que cerca de 68% das presidiárias têm entre 18 e 34 anos, que 62% das mesmas tem a etnia negra, 45% tem como nível de escolaridade o ensino fundamental incompleto, 62% são solteiras e 45% tem entre 1 e 3 filhos. Dessa forma, é entendível que existe sim um perfil de mulher presidiária, o qual é negra, pobre, jovem e prove‐ dora do seu lar, que objetiva suprir as lacunas do assistencialismo da esfera pública de forma ilícita. Como já mencionado no corrente estudo, a população carce‐ rária feminina em massa no Brasil tem como tipo incriminador o tráfico de drogas, sua previsão legal na legislação penal é expres‐ sado como uma ofensa à saúde pública, bem jurídico tutelado pelo Estado. A prática deste delito é crescente, devido enorme demanda de alimentação do mercado ilícito, que enxerga às drogas como uma oportunidade de vantagem econômica. Segundo dados da DEPEN, 62% das mulheres estão encarce‐ radas a crimes ligados ao tráfico de drogas, entre as especifici‐ dades relacionadas ao tráfico, 16% é do crime de Associação ao tráfico e 2% corresponde ao delito de Tráfico Internacional de drogas, e o restante está interligada, propriamente dita, a tipifi‐ cação de Tráfico de drogas. Um fator alarmante é que no estado
82 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS paraibano, das 615 mulheres em privativa de liberdade, 60% destas cometeram crime de tráfico de drogas..É valido ressaltar que entre os anos de 2005 e 2016, houve um crescimento notório do encarceramento de mulheres pelos crimes que estão ligados ao tráfico de drogas em detrimento dos crimes de homicídios simples e qualificados. (DEPEN, 2016).15 Ainda no cenário brasileiro, é de notório destaque as pesquisas feitas pela autora César (2005), ao fundamentar as motivações alegadas pelas detentas estando voltadas a insufici‐ ência econômica e a necessidade de sustentar os seus filhos e a si mesmas. Logo, deveriam ser consideradas vítimas e não crimino‐ sas. Outra alegação feita pelas presidiárias, segundo César, era a violência doméstica cometida pelos seus parceiros criminosos, além da dependência química apresentada pelas presidiárias.16 2.5 As “armas” utilizadas pelas mulheres no tráfico de drogas e casos de repercussões Nesta perspectiva, é possível uma fundamentação com o ideal que as mulheres desde os primórdios são reconhecidas pela sua beleza e sedução, todavia ninguém suspeitara que essas mulheres com sua audácia e ambição conseguiriam chegar ao poder em uma esfera totalmente machista referente ao “mundo do tráfico”. No momento atual em que vivemos, ao fazer análise de uma pessoa pelo seu estereótipo, ninguém suspeitaria que belas mulheres reconhecidas na mídia estivessem envolvidas com o tráfico, estas são denominadas como “as damas do tráfi‐ co”. Um dos exemplos mais significativos a respeito de tal situ‐ ação é a ex – modelo colombiana Angie Sanclemente Valencia, que é acusada de comandar uma quadrilha de mulheres que são denominadas de “mulas”, por ingerirem as drogas e transpor‐ tarem para vários países da Europa; Angie está na lista dos criminosos mais procurados da América do Sul. Ao trazer tal situação para o Brasil, temos Rafaela conhecida como “musa do instagram” e Natasha, esta comandava cinquenta e um trafican‐
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPOR… | 83 tes, negociava e distribuía drogas em duas comunidades, ambas foram presas. Ao pensarmos acerca dos principais criminosos procurados no Brasil, seria improvável que alguém suspeitasse que uma mulher estivesse nessa lista. Uma das mulheres mais procuradas do Brasil é a traficante Sônia Aparecida Rossi, reconhecida por todos como “Maria do Pó”. Ela ficou famosa na crônica policial após o desaparecimento de 340 quilos de cocaína do IML¹ de Campinas. Ela fugiu da Penitenciária de Sant´Ana, no Carandiru, fingindo serviço e até os dias atuais não foi recapturada. Outra mulher que é procurada pela Interpol² Brasil é Vilma Cristina de Oliveira que integra uma organização criminosa que estava ligada com o tráfico internacional de pessoas desde 1999, essas mulheres que foram traficadas trabalhavam como prostitutas em casas de prostituição que esta quadrilha possuía. Segundo o site O GLOBO, Amorim, 2017: Em São Paulo, um dos primeiros registros da presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na maior penitenciária feminina foi em 2015. Um vídeo de uma festa para come‐ morar os 22 anos do grupo criminoso na Penitenciária de Santana, na capital, mostrou presas cantando o hino da facção, e drogas e bebidas sendo distribuídas. [...].17 Interessante a observância acerca do levantamento feito pelo Ministério Público sobre a maior facção criminosa do país, o PCC, sendo então divulgado no presente ano de 2018. Intitulada por Operação Echelon, essa investigação detectou cerca de 30 mil envolvidos na — maior facção criminosa do país — além de cons‐ tatar uma organização dotada de estratégias para o controle do tráfico de drogas no país. O marco dessa operação surge no
84 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS momento em que foi encontrado fragmentos de bilhetes trocado entre integrantes do PCC, alegando a necessidade de disseminar a facção para os presídios femininos. O promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), Lincoln Gakya, argumentou, segundo o R7, Alfaya, 2018: Hoje, o PCC já conta com a presença de várias mulheres. São integrantes, batizadas como os outros membros. Há uma tendência a expandir o quadro feminino, isso ficou claro nos bilhetes encontrados pela investigação. Uma vez batizadas, elas possuem os mesmos direitos e deveres que os homens [...].18 O promotor ainda destaca que essas mulheres envolvidas na maior facção criminosa do país constituem pessoas realmente criminosas, com a vida do crime já iniciada, as que transportam armas, vendem drogas, matam pessoas, fazendo então tudo que os homens membros do PCC fazem. Ainda de acordo com O GLOBO, traz-se a notícia de uma denúncia feita pelo Presidente João Carvalho, do Sindicato de agentes penitenciários, devido à existência de facções na Colônia Penal Feminina Bom Pastor. O presidente conta que compo‐ nentes de facções locais não são separadas das demais por falta de uma estrutura adequada da Colônia. Ele relata que nos primeiros dias do ano de 2017 houve o surgimento de uma nova facção no presídio, nomeada como Facção Rosa, que seria a primeira fundada por mulheres. Tais dados e pesquisas citadas anteriormente denotam com veemência a possibilidade convicta da mulher se inserir em crimes organizados ou facções criminosas no Brasil. Essa reali‐
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPOR… | 85 dade demonstra o que foi argumentado de início acerca de como o papel da mulher no âmbito da criminologia transformou-se, de forma que, gradativamente, a mulher tida como ingênua e com poucas chances de ser criminosa, adquire um posicionamento de destaque nos crimes cometidos, principalmente com sua partici‐ pação no tráfico de drogas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES Torna-se bastante válido, ao finalizar a presente pesquisa, mensurar resultados obtidos diante do problema abordado em questão. Em primeiro plano, após uma análise histórica ao relaci‐ onar a atuação da mulher na seara criminológica, o presente estudo perpassou por momentos que devem ser recapitulados para o entendimento dos resultados. Anali‐ samos fases primordiais — na qual a imagem feminina era infan‐ tilizada, vitimizada e esquecida, bem como lhe era subestimada a capacidade de envolvimento em crimes, posto o estudo da escola positivista e a influência social da época — e, por conseguinte argumentação foi observado a inserção da mulher, que tanto fora posta em situação inferior, em facções, máfias e demais crimes. Essa realidade vem à tona justamente com a evolução do pensar acerca do papel feminino na sociedade e da evolução do gênero, juntamente com o estudo de autores renomados acerca da participação da mulher nas organizações criminosas. Tais estudos são fortalecidos e ganham notoriedade frente a discus‐ sões e dados percentuais demonstrados ao longo da pesquisa em questão. Em decorrência desses fatores, percebemos a intrínseca associação do papel ativo feminino nos crimes com a sua maior inserção na sociedade. Sendo assim, é notória a discrepância de pensamentos dos autores citados na pesquisa, tendo em vista que, ao longo dos séculos, os ideais da teoria de Lombroso são confrontados por
86 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS pensadores, como o ponto de vista analisado da autora Clare Longgrig a título de exemplificação. Dessa forma, vemos com nitidez uma mudança no papel da mulher no mundo do crime ao enfatizarmos sua independência diante de padrões arcaicos e preenchidos de machismo, posto que essa situação corroborou em uma maior liberdade de escolha, podendo aflorar, então, um desejo em obter situação financeira estável através de ações ilíci‐ tas, adentrando, pois, nas organizações criminosas. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos fatos supracitados, conclui-se que existe uma carência de interpretações criminológicas femininas, haja vista a escassa perspectiva das escolas penais que ao retratarem a mulher crimi‐ nosa, colocam à margem. Não obstante, a seara jurídica atual é clara ao demonstrar que a inserção da figura feminina no mundo do crime vem tornando-se cada vez mais independente, sendo desatrelada do universo masculino, ademais, a crescente partici‐ pação das mulheres no sistema carcerário brasileiro vem à tona para inferir a necessidade de um olhar sob o ponto de vista da mulher na criminalidade atual. Às organizações criminosas – com destaque para a máfia numa conjuntura mundial e especificamente o tráfico de drogas para uma conjuntura brasileira – ganham a característica de envolvimento de todo o seio familiar, o que traz a mulher cada vez mais em posições de liderança. Neste viés, entende-se que vinculado a concepção de gênero e criminalidade, a mulher sai da posição única de vítima. Por fim, constata-se através da obra a ausência de um fator único que explique a complexidade da criminalidade feminina, aponta-se, entretanto, a existência de uma multicausalidade de aspectos que levam à mulher ao crime organizado, que se manifesta de maneira atrelada a ascensão da figura da mulher na sociedade.
A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPOR… | 87 REFERÊNCIAS ALFAYA, Ingrid. PCC quer mais mulheres no crime e avançar nos presídios femininos. <Disponível em: https://noticias.r7. com/sao-paulo/pcc-quer-mais-mulheres-no-crime-e-avancar- nos-presidios-femininos-09072018>. Acesso em: 24 set. 2018. AMORIM, Silvia. Facções chegam a presídios femininos e viram novo desafio. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ brasil/faccoes-chegam-presidios-femininos-viram-novo-desafio- 20776434>. Acesso em: 24 set. 2018. ANGOTTI, Bruna. Entre as leis da ciência, do estado e de deus : O surgimentos dos presídios femininos. 2 . ed. IBC‐ CRIM, 2012. 202 p. Disponível em: <http://carceraria.org.br/ wp-content/uploads/2018/06/bruna-angotti-entre-as-leis-da- cincia-do-estado-e-de-deus.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2018. BARATTA, Alessandro. “O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana”. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Org.) Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 20. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departa‐ mento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, 2ª edição. Brasília, 2018. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/ depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07- 03-18.pdf/view>. Acesso: 24 set. 2018. BRISO, Caio Barretto . As damas do tráfico. Isto é. 2010. Dis‐ ponível em:<https://istoe.com.br/67395_AS+DA‐ MAS+DO+TRAFICO/>. Acesso em: 18 nov. 2018. CÉSAR, Maria Auxiliadora. Exílio da Vida: O cotidiano de Mulheres Presidiárias. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília, 1995. CORICA, Angela. “Se le donne di mafia smettono di essere
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A MULHER NO MUNDO DA CRIMINALIDADE: A CORPORA… | 91 TOMAZ, Kleber ; ARAÚJO, Glauco . Após prisão de 'musa do crime', Maria do Pó passa a ser a mais procurada de SP. G1. São Paulo, 2017. Disponível em:<https://g1.globo.com/sao-paulo/ noticia/apos-prisao-de-musa-do-crime-maria-do-po-passa-a- ser-a-mais-procurada-de-sp.ghtml>. Acesso em: 17 nov. 2018. ÚLTIMO SEGUNDO – IG. Conheça os 10 criminosos mais procurados pela polícia federal e interpol Brasil. Disponível em: <https:// https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2017-01- 17/procurados.html> Acesso em: 20 nov. 2018.
A PLEA BARGAIN ESTADUNIDENSE E SUAS INFLUÊNCIAS NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO ANA PAULA PASINATTO 1 INTRODUÇÃO SERÁ ANALISADO SE A COLABORAÇÃO PREMIADA E A RESOLUÇÃO Nº. 181/2017 são, de fato, formas de plea bargain no Brasil, ou, se são, apenas, acordos que receberam certas influências da plea bargain americana. Verificando se o acordo regulamentado nos Estados Unidos teria espaço para ser aplicado em sua totalidade no Brasil, quiçá com a proposta do Anteprojeto do Novo Código de Processo Penal - Projeto de Lei no Senado/PLS nº. 156, de 2009 ou Projeto de Lei de nº. 8.045, de 22 de dezembro de 2010. Lembrando que os meios complementares à Justiça tradicio‐ nal, que trocam a confissão do acusado por uma punição justa e imediata, sem qualquer antecedente criminal, podem apresentar- se como estratégia para a redução de tempo e de custos despen‐ didos com os processos. Reestabelecendo, por exemplo, a própria espera social pela punição do agente causador de determinado delito. Esses acordos até acarretam celeridade e efetividade de punição do acusado. Mas, ao mesmo tempo, podem cobrar um
A PLEA BARGAIN ESTADUNIDENSE E SUAS INFLUÊNCIA… | 93 preço alto. A mitigação das garantias previstas na Constituição Federal, especialmente do contraditório e da ampla defesa. Isto, pois, nem sempre haverá culpa. Sendo o réu inocente, a caracte‐ rística inerente a um inocente, de ter receio do processo por desconhecer as leis e o sistema, o levaria a aceitar um acordo com o Ministério Público, deixando de usufruir das garantias consti‐ tucionais. Outras vezes, mesmo sendo inocente, se sujeita a acordos por saber que o custo processual será maior se levar adiante. Não só pecuniariamente, mas também moralmente. O direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) e o direito ao contraditório e a ampla defesa, respectivamente prescritos no art. 5º, inciso LXIII e LV da Cons‐ tituição Federal do Brasil, são algumas das visões da doutrina majoritária no sentido de que a Justiça consensual ofende as garantias fundamentais. Para Walter Fanganiello Maierovitch, por exemplo, a adoção por lei ordinária do modelo americano “esbarraria em obstáculos constitucionais, sem contar a descaracterização da natureza retri‐ butiva da pena e o desrespeito às vítimas pela falta de ajuiza‐ mento da ação penal”.1 Apesar de haver o outro lado, que restaria garantida a celeridade de tramitação do feito, também garantido pela Constituição Federal e fortalecido subjetivamente pela reforma processual penal de 2008. Para tanto, neste contexto, o trabalho trará a definição da plea bargain, brevemente suas influências na Europa, verificando suas influências no Brasil. Concluindo, com o uso do método hipoté‐ tico-dedutivo, que os supostos modelos de plea bargain no Brasil são, em verdade, apenas inspirações advindas do modelo ameri‐ cano. Não idênticas e nem aplicadas em sua totalidade, principal‐ mente por não possuir espaço em um sistema jurídico de civil law.
94 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS 2 DEFINIÇÃO DO INSTRUMENTO DA PLEA BARGAIN D. W. Maynard apresenta o instrumento como prática antiga, adotada há mais de três décadas pelo direito positivo da América do Norte.2 Para o autor, há claras evidências da presença dessa negociação nos Estados Unidos desde a Guerra Civil.3 Nas últimas duas décadas, o modelo da plea bargain se espa‐ lhou para além dos Estados Unidos da América, ou seja, de onde se originou. Tornando-se um fenômeno global4, espalhando-se rapidamente para outros países de common law e, também para países de civil law, que anteriormente encaravam-na com ceticismo.5 Mas, como afirma John Hospers, para que uma palavra seja definida, deve ser indicado o que ela é, o que ela significa. De forma usual, quando se formulam definições, são definições léxicas ou informativas. Essas definições tem a finalidade de informar o significado que determinado termo possui. Principal‐ mente pelas pessoas que se utilizam desta linguagem, sem inventar novos significados para tanto.6 É o caso do termo “plea bargain”. A plea bargain, plea negotiation, plea agreement ou, simples‐ mente, plea bargain estadunidense, autocompositiva de litígios penais, faz jus à sua denominação de \"negociação de pena\" ou “barganha”. Em síntese, é uma espécie de contrato realizado entre o acusado e o promotor (ou \"prosecutor\" na língua inglesa). Neste contrato, o prosecutor compromete-se a reduzir a pena do acusado se houver colaboração útil com a investigação, sem qualquer interferência do magistrado, a não ser em casos extremos. Como, por exemplo, quando o prosecutor não estiver agindo de acordo com o princípio contratual da boa-fé.7 Para Regina Rauxloh a plea bargain nada mais é que um acordo informal, realizado entre o advogado de defesa e a acusação. Ao réu é oferecida sentença reduzida em troca de uma confissão.
A PLEA BARGAIN ESTADUNIDENSE E SUAS INFLUÊNCIA… | 95 Renunciando, dessa forma, o seu direito a um julgamento completo. A autora exemplifica a plea bargain de três formas.8 A primeira forma, o acordo judicial foi coercivo chamado “charge bargainins”. Segundo a autora, baseia-se no fato de que o promotor da coroa tem o poder de alterar ou encerrar as acusa‐ ções. Nos casos de negociação judicial, por exemplo, a acusação oferece a suspensão de taxas ou ausência de evidências em troca da declaração de culpa do Réu.9 A segunda forma de negociação de pleito é a “fact bargaining”. Regina Rauxloh relata que nesta forma o promotor promete apresentar os fatos do caso no tribunal de maneira benéfica para o Réu, em troca da declaração de culpa do Réu. O Ministério Público pode, por exemplo, deixar de mencionar circunstâncias agravantes ou o envolvimento de terceiros no delito.10 Já a terceira e última forma de barganha apresentada pela autora é a “sentencing bargaining”. Esta é a única forma de negoci‐ ação que envolve diretamente o magistrado. Nesse modelo, o advogado de defesa fala diretamente com o Juiz para descobrir qual será a troca pela declaração de culpa do Réu. A iniciativa pode decorrer do advogado de defesa ou do próprio magistrado que convoca o advogado. Ou, ainda, pode estar implícita na prática de sentença do juiz, quando conhecida pelos advogados de defesa. O réu pode receber tanto uma redução de sentença, quanto uma alteração do tipo de sentença.11 Há, também, a count bargaining, caracterizada pela vantagem de algumas condutas ilícitas serem desconsideradas pelo promotor.12 A Suprema Corte dos Estados Unidos tem incentivado essa prática declarando a sua constitucionalidade13 e apresentado os seus benefícios. Dentre eles está que a defesa evita as ansiedades antes de um julgamento, ganhando celeridade na resolução do seu caso. Enquanto os Juízes e os Promotores conservam recursos vitais e escassos.14
96 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS O caso Brady v. Maryland, de 1963, teve grande importância na Corte Americana. Estabeleceu, à época, que a acusação deve entregar todas as evidências que possam exonerar o Réu (evi‐ dência ilibada) para a defesa. Posteriormente houve o leading case Brady x United States, de 1970, quando então, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou os argumentos sobre inconstitucio‐ nalidade do acordo de plea bargain. Desde então, a Corte Ameri‐ cana só faz duas ressalvas (McCarthy x United States de 1969). A primeira de que os acordos realizados devem ser voluntários e a segunda de que os acusados devem saber das consequências desses acordos. Segundo G. Nicholas Herman esse acordo pode ocorrer \"before the defendant is formally charged or after formal charges have been brought\".15 Na concepção de John Langbein, a plea bargain acontece quando o prosecutor induz o acusado a confessar sua culpa e a renunciar ao seu direito de julgamento. Em troca acorda uma sanção criminal mais branda do que aquela que o acusado teria caso escolhesse levar seu caso ao Tribunal.16 Ou seja, o acusado confessa e, por sua vez, recebe uma punição menos severa.17 Identificando, também, como o procedi‐ mento não probatório para condenar indivíduos que cometeram qualquer delito. Nos Estados Unidos tornou-se a negociação central para a administração do sistema de Justiça Criminal. Ela resolve aproxi‐ madamente 90-95% dos casos criminais.18-19 Os americanos relatam ser o “mal necessário” por transformar a Justiça Criminal em um jogo, fornecendo a cada jogador uma chance de servir menos tempo do que a lei propõe20, perdendo força o sistema formal de prova e o julgamento por Júri imparcial previsto na Declaração de Direitos. Segundo John Langbein, essa mudança se deve principal‐ mente em razão da preocupação excessiva com a salvaguarda dos
A PLEA BARGAIN ESTADUNIDENSE E SUAS INFLUÊNCIA… | 97 direitos fundamentais do Réu, tornando o sistema de julgamento por Júri imparcial tão complicado a ponto de se tornar impra‐ ticável.21 Kenneth Kipnis concorda ao afirmar que o sistema de julga‐ mento criminal dos Estados Unidos não opera mais como antes. Começou a ser visto como uma \"aberração\", sendo substituído pelas negociações.22 Há doutrinadores que alegam que, nesses sistemas de negoci‐ ação significa dizer ao acusado o mesmo que: \"Don't put us to the trouble of a trial unless you are really innocent\".23 Assim, a plea bargain pode ser denominada como meio alter‐ nativo, ou complementar, de resolução de conflitos diante de ilícito penal. Vista como freio inibidor do delito, pela infalibili‐ dade da pena, “ainda que branda ou socialmente injusta”, ou como o “poderoso remédio contra a impunidade diante do elevado número de crimes a exigir colheita de prova induvidosa da auto‐ ria, com a consequente pletora de feitas e insuportável carga de trabalho judiciário\".24 Sendo, em síntese, caracterizada como forma de negociação entre as partes em que há um acordo resol‐ vendo uma ou mais causas criminais do réu. Possuindo como objetivo a finalização da questão delineada sem julgamento, desde que o acusado cumpra um único requisito, qual seja, o de efetuar nota de culpa, como uma declaração.25 3 INFLUÊNCIAS DA PLEA BARGAIN DO SISTEMA ADVERSARIAL ANGLO-SAXÔNICO Na Alemanha, as negociações de pena surgiram na prática forense, mesmo sem permissão legal. O Judiciário e o Legislativo só as regularam após verificarem a importância da postura dos atores processuais.26 Enquanto a regulamentação não ocorria, funcionavam de forma similar ao plea bargaining dos Estados Unidos. A diferença é que na Alemanha não há acordos formais,
98 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS somente “um acordo baseado na confiança” em que o acusado “não se declara culpado (guilty plea), mas apenas formaliza uma confissão que é valorada pelo Tribunal como meio de prova geral para a sua culpabilidade”.27 Por sua vez, na Itália o método consensual existente recebeu influências da commom law. É a experiência mais instigante para essa pesquisa, tendo em vista ser, também, sistema romano- germânico ou civil law. Mas que, infelizmente, não está atingindo sua finalidade. Em 1988 houve reforma do Código de Processo Penal itali‐ ano, estabelecendo o sistema acusatório ao invés de permanecer o inquisitorial do antigo Código Rocco28, de forte influência fran‐ cesa, datado de 1930. O principal objetivo, com a substituição, era aumentar a eficiência da justiça criminal e, consequente‐ mente, reduzir a taxa de congestionamento dos tribunais penais italianos. Permitindo às partes resolverem seus conflitos por meio de acordos, assim como no sistema adversarial anglo- saxônico. Isto, porque, do ano de 1972 a 1988, período anterior à intro‐ dução do novo Código Penal, o número dos processos conclusos era semelhante ao número dos processos entrados.29 Essa grande quantidade de casos pendentes resultou em um aumento do período necessário para eliminar os casos, inspirando a adoção de acordos para resolver conflitos penais. O novo Código italiano introduziu, assim, procedimentos que aceleravam a investigação preliminar e aumentavam a celeridade do julgamento. Esses procedimentos passaram a ser denomi‐ nados de \"Riti Alternativi\", classificados em duas categorias: i. Aos acusados que não precisam passar pela audiência preliminar (Procedimento per Decreto Penale) e ii. Uma via alternativa aos acusados (Applicazione della pena su richiestadelle parti – APR). A forma comum a ser utilizada é a denominada “Applicazione della pena su richiestadelle parti – APR”, a que mais se aproxima à
A PLEA BARGAIN ESTADUNIDENSE E SUAS INFLUÊNCIA… | 99 plea bargain americana, sendo permitida a sua utilização apenas àqueles crimes cuja sentença não exceda dois anos de detenção ou às multas pecuniárias. Os acusados que aceitarem essa negoci‐ ação recebem redução de até 1/3 (um terço) da pena. Essa redução de um terço não depende do Ministério Público, pode ser solicitada diretamente ao juiz pelo próprio acusado, indepen‐ dente da aceitação da promotoria.30 Mas, desde a sua inserção no direito italiano, em termos rela‐ tivos, a proporção dos acordos de confissão italiana não está cres‐ cendo. De 1989 a 1993 as negociações não chegaram a 8% comparado ao sistema tradicional. Segundo Nicola Boari e Gian‐ luca Fiorentini, isso se deve à falta de incentivos para que o acusado realmente opte pela negociação e renuncie aos seus direitos de ir a julgamento.31 Nicola Boari e Gianluca Fiorentini vão adiante e citam algumas principais diferenças entre a plea bargain estadunidense da common law e o sistema consensual italiano da civil law. A primeira é o fato da negociação geralmente ser oferecida após as investigações preliminares, o que leva os promotores italianos a não deterem discricionariedade para resolverem os casos mais simples antes de resolverem os casos que demandam mais tempo e mais recursos públicos. A segunda é que os acordos se aplicam apenas às infrações menores, de menor potencial lesivo. A terceira e última é o fato de os promotores italianos não terem o costume de aplicar a pena máxima cabível a cada infração penal que for cometida.32 O fato de a Justiça Criminal italiana estar atabalhoada de processos acaba demonstrando ser vantajoso ao acusado correr o risco de não aceitar os acordos de barganha. Em outras palavras, o incentivo para a barganha não superou os riscos do prossegui‐ mento da ação penal. Mas, em suma, na Europa, essa tendência à utilização dos meios consensuais de resolução de litígios em matéria penal é
100 | L AVA JATO E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS uma discussão de tempos. O Comitê de Ministros do Conselho da Europa, nos termos do art. 15b, vem recomendando aos governos dos Estados membros que introduzam, por exemplo, procedimento de \"confissão de culpa\" sempre que as tradições constitucionais e legais permitirem. Há algumas razões apontadas para essa recomendação. Acelerar e simplificar o funcionamento do sistema de justiça penal, considerando o aumento do número de processos penais submetidos aos tribunais e os problemas causados pela duração do processo penal. 33 4. INFLUÊNCIAS DA PLEA BARGAIN NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (United Nations Convention against Corruption) – promulgada em 31 de outubro de 2003 e que entrou em vigor na data 14 de dezembro de 2005, aprovado no Brasil por meio do Decreto nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006 – tem determinação expressa incentivando a utilização de negociações como a plea bargain estadunidense. O art. 37 da Convenção, no primeiro e no segundo ponto, estabe‐ lece que cada Estado-Parte deve adotar as medidas apropriadas, incentivando a colaboração das partes na investigação para que forneçam informações úteis às autoridades competentes. Devendo cada Estado-Parte considerar a possibilidade de mitigar a punição de um colaborador que efetivamente cooperou ou, ao menos, reprimiu certa infração cometida.34 Tanto que o Anteprojeto do Novo Código de Processo Penal – Projeto de Lei no Senado/PLS nº. 156 de 2009 ou Projeto de Lei de nº. 8.045, de 22 de dezembro de 2010 – propõe a inclusão da plea bargain em seu art. 283, redefinindo o procedimento sumá‐ rio. Permitindo que determinados crimes sejam solucionados pela plea bargain. Crimes como, por exemplo, a lesão corporal de natureza grave ou de natureza gravíssima, elencadas no art. 129,
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