FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 199 fornecidas pelo empregador – é um reflexo do elemento organi‐ zacional do teletrabalho. Percebe-se, com isso, que o legislador reformista considerou a lógica aplicada ao preceito contido no artigo 157da CLT 9, ao determinar que o empregador instrua o obreiro educando-o acerca dos riscos do trabalho e do ambiente de labor. Além de tudo quanto já foi dito, é relevante ressaltar em relação a todos os dispositivos que regem o teletrabalho que o legislador reformista, ao inserir o artigo 611-A10 na CLT, estabeleceu no rol de incisos que o acordo coletivo de trabalho e a convenção cole‐ tiva de trabalho prevalecem sobre a lei quando dispuserem sobre o teletrabalho, o que é mais um reflexo da evidente flexibilização da relação trabalhista empregada pela Lei 13.467/17, possibili‐ tando sobrepor a relação negocial à imperatividade da legislação do trabalho. TELETRABALHO NO DIREITO PORTUGUÊS Continuando com uma abordagem sobre a regulamentação do teletrabalho, é feito neste ponto um adendo sobre a normatização desta modalidade contratual na legislação estrangeira. Certa‐ mente há um rol bastante relevante de regimentos alienígenas dessa matéria, mas aqui é tecida apenas uma breve comparação do contrato de teletrabalho no direito Português, que serviu de inspiração para o legislador nacional. O Código do Trabalho de Portugal traz os seguintes dispositivos que regem o contrato de teletrabalho: Artigo 165.º Noção de teletrabalho. Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.
200 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Artigo 166.º Regime de contrato para prestação subordinada de teletrabalho 1 - Pode exercer a actividade em regime de teletrabalho um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de teletrabalho. 2 - Verificadas as condições previstas no n.º 1 do artigo 195.º, o trabalhador tem direito a passar a exercer a actividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a actividade desempenhada. (...) 4 - O empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nos termos dos números anteriores. 5 - O contrato está sujeito a forma escrita e deve conter: (...) e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respectiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização; (...) Artigo 168.º Instrumentos de trabalho em prestação subordinada de teletrabalho 1 - Na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas. 2 - O trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados. 3 - Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho. Artigo 169.º Igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho 1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. 2 - No âmbito da formação profissional, o empregador deve proporcionar ao trabalhador, em caso de necessidade, formação adequada sobre a utilização de tecnologias de informação e de comunicação inerentes ao exercício da respectiva
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 201 actividade. 3 - O empregador deve evitar o isolamento do trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os demais trabalhadores. Artigo 170.º Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho 1 - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico (...) Artigo 171.º Participação e representação colectivas de trabalhador em regime de teletrabalho 1 - O trabalhador em regime de teletrabalho integra o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação colectiva, podendo candidatar-se a essas estruturas. No direito Português, o teletrabalho é tratado na Subsecção V do Código Trabalhista daquele país, dos artigos 165 a 171. E muitas são as similaridades partilhadas com a nova legislação celetista pátria, destacando-se a conceituação do teletrabalho que igual‐ mente apresenta os elementos adotados pela CLT, que são “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica” (equiva‐ lente ao art. 6º, § único); realizado “habitualmente fora da empresa” e “através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.” Além do mais, é importante ressaltar a preocu‐ pação do legislador português em prevê a matéria de maneira mais minuciosa, tratando, inclusive, de questões envolvendo a privacidade do trabalhador no direito à desconexão, a expressa presunção da responsabilidade do empregador pelos equipa‐ mentos necessários ao teletrabalho, e a explícita inclusão do obreiro para todos os fins no ambiente organizacional do empre‐ gador, também para assuntos relacionados a representações coletivas.
202 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Ao instituir o teletrabalho, o legislador brasileiro seguiu a experi‐ ência internacional na compreensão de que era inevitável essa necessidade de regular o contrato teletrabalhista, observando a regulamentação que ocorreu em países como Portugal, Espanha, Colômbia, Itália, e entre outros, pois enquanto a legislação pátria não existia, algumas empresas supriam as lacunas legais com regulamentos empresariais ou por meio de negociação coletivas em alguns seguimentos empresariais. IMPLICAÇÕES DO TELETRABALHO NOS DIREITOS DOS TRABALHADORES Como novo tipo de vínculo empregatício específico que é, o tele‐ trabalho com sua normatização trouxe algumas implicações peculiares aos direitos dos trabalhadores quando comparado ao vínculo celetista contratual ordinário, especificidades essas que se relacionam em essência à jornada de trabalho e que podem reper‐ cutir inclusive nos direitos socias insculpidos constitucio‐ nalmente. Antes da chegada da Lei 13.467/2017, apenas dois tipos de traba‐ lhadores não eram encobertos pelo regime celetista no cômputo da duração do trabalho: aqueles empregados exercentes de ativi‐ dade externa incompatível com a existência de um controle de jornada, como já foi mencionado anteriormente, e outros ocupantes de cargos de gestão, que também é incompatível com uma rígida fixação de horários. Acontece que o legislador refor‐ mista acrescentou a figura do teletrabalhador no rol dos que não são abrangidos pelo controle da jornada de trabalho, como consta no inciso III do artigo 62 da CLT11, o que pode trazer implicações aos direitos desses trabalhadores. É importante frisar que no Direito do Trabalho há dois tipos de jornada: as que são controladas e as que não são passíveis de
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 203 controle, sendo que, em regra, prevalece a primeira. E a definição de uma jornada de trabalho tem como principal objetivo traçar um limite de exposição do obreiro e protege-lo de longos e exaustivos esforços (que no caso do teletrabalho seria um longo período de exposição a equipamentos eletrônicos, potencial‐ mente nocivos à saúde, causando cansaço e fadiga visual etc., ocasionando prejuízos de ordem física e psíquica), além de ser um fator impeditivo da exploração da força de trabalho pelo empre‐ gador. E tendo em vista que sobre a jornada de trabalho é compu‐ tado o período em que o empregado está disponível para a prestação de seus serviços ao tomador, desde que não seja em inatividade, e dada a ausência habitual de controle do horário de início e fim das atividades, essa brecha legal abre margem desvantajosa para o trabalhador, que passa a se expor ao risco de laborar além do tempo devido no limite da jornada-padrão esta‐ belecido na CLT, de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais (art. 58, caput, CLT), que também é prevista na Cons‐ tituição12. Em decorrência disso, há vozes na doutrina como Homero Batista Silva (2017, p. 53) que vêm aventando como consequên‐ cias dessa não-inclusão do teletrabalhador do cômputo de jornada uma possível retirada de direitos, como o adicional de horas extras, intervalos intra e interjornada, e também do acrés‐ cimo devido à hora noturna, o que invariavelmente causaria reflexos negativos nas parcelas do complexo salarial do traba‐ lhador13. Entretanto, como assinalam Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2017), a previsão da impossi‐ bilidade de o tomador de serviços fiscalizar e contabilizar as horas de trabalho do obreiro é apenas juris tantum, por trata-se, na verdade, de uma presunção que depende de uma aferição do caso concreto, pois dependendo da maneira como o contrato de trabalho é acertado entre as partes e das ferramentas utilizadas
204 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA pelo trabalhador, pode existir a viabilidade do controle de jornada. De fato, em várias situações de teletrabalho mostra-se difícil enxergar controle estrito da duração do trabalho, em face da ampla liberdade que o empregado ostenta, longe das vistas de seu empregador, quanto à escolha dos melhores horários para cumprir os seus misteres provenientes do contrato empregatício. Dessa maneira, a presunção jurídica lançada pelo art. 62, III, da CLT não se mostra desarrazoada. Contudo, (...) trata-se de presunção relativa, que admite prova em sentido contrário. Essa prova tem de ser realizada pelo autor da ação trabalhista - o empregado -, em face da presunção jurídica estipulada pela CLT. (DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N., 2017, p. 138) Destarte, apesar de a norma celetista estabelecer que não é feita a contabilização da duração do trabalho, esta é vista apenas como uma presunção relativa que tem aplicabilidade dependendo do caso concreto, haja vista que é possível já nos dias atuais que os meios tecnológicos possam ser usados também para desempe‐ nhar a função de fazer esse cômputo, através do controle de acesso à sistemas com horários de login e logout usados pelo empregador, por exemplo. Vê-se, desse modo, que a inviabili‐ zação de direitos do trabalhador relacionados à jornada pode existir dependendo da situação determinada, mas que nem sempre o novo dispositivo celetista pode servir de escusa ao empregador para o não pagamento das verbas salariais devidas ao extrapolamento do tempo de serviço pelo obreiro.
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 205 INCIDÊNCIA CONTEMPORÂNEA DO TELETRABALHO E SEUS POTENCIAIS BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS AO OBREIRO Além dos reflexos nos direitos trabalhistas, a discussão sobre a incidência contemporânea do teletrabalho surge em razão de ser esta uma recente e importante modalidade contratual, necessi‐ tando que sejam expostas as vantagens e as desvantagens que podem advir aos contratantes em acordar uma prestação de serviços neste molde, pois a realidade hodierna vivenciada no Direto do Trabalho que vem e deve continuar acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade, no que diz respeito às intera‐ ções entre os indivíduos, na virtualização dos processos e nos reflexos que esses fatos ocasionam neste importante ramo do direito, têm transformado os tradicionais parâmetros de trabalho e dado espaço a essa maneira especial de labor aqui discutida. Essas mudanças refletidas no contrato de trabalho se dão em decorrência do avanço tecnológico que tem proporcionado aos trabalhadores uma nova alternativa na forma em que estes prestam seus serviços; uma optação ao deslocamento até os postos de trabalho, possibilitando ao empregado executar suas tarefas fora do tradicional ambiente laboral. E sob essa perspec‐ tiva, o teletrabalho pode ser compreendido como um fenômeno oriundo do processo de virtualização e desconcentração do ambiente de trabalho devido ao uso de tecnologias na troca de informações via telecomunicação avançada, podendo ser citado, ainda, a flexibilidade que teletrabalho proporciona ao traba‐ lhador na dimensão espaço-tempo. E a oportunidade de trabalhar com maior comodidade em casa ou em outro lugar qualquer que convenha é uma possibilidade que tem animado trabalhadores e empregadores.
206 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Com o decorrer dos anos, o quantum de empregados que tem deixado de lado o afazer de se deslocar de suas residências para realizar suas atividades laborais tem crescido de maneira signifi‐ cativa, e com o desenvolvimento e popularização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) através de equipamentos eletrônicos na moderna economia capitalista, a possibilidade de trabalhar em casa passa a ser uma realidade mais acessível para uma parcela dos trabalhadores, sendo por vezes atrativa, seja o teletrabalho na forma do home office ou do trabalho remoto, que são os mais comuns. E esse avanço dado pela reforma legislativa de 2017 se mostrou muito significativo, pois, a despeito das críticas que possam ser feitas a ela numa acepção ampla, a inserção do contrato de teletrabalho foi um acerto legislativo, pois não é razoável que diante da evolução das relações de emprego se mantivessem essas sob a égide de uma legislação “defasada”, tendo em vista que a adesão ao teletrabalho tem cres‐ cido de maneira expressiva. Atualmente, estimar a quantidade de teletrabalhadores no mundo se mostra uma tarefa difícil: os números disponíveis na literatura são consideravelmente divergentes. Entretanto, é unânime a constatação da tendência de forte aceitação mundial dessa modalidade de trabalho, bem como seu acelerado crescimento. Com vistas a reconhecer e regulamentar a prática do teletrabalho, países como Portugal, Itália, Espanha, França, Finlândia, EUA, Argentina e Chile já desenvolveram legislações específicas, além de haver regulamentações próprias da União Europeia. (ROCHA; AMADOR, 2018, p. 154). Considerando que o teletrabalho é uma maneira inegavelmente flexibilizatória da relação de emprego, ela evidencia uma valori‐ zação da atividade laboral individual, prezando pelo comprome‐ timento pessoal do trabalhador e atribuindo a ele maiores responsabilidades; colocando-o como seu próprio gestor,
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 207 fazendo com que seja exigido do empregado um acentuado auto‐ controle para que este desempenhe adequadamente suas funções, tendo em vista que ele se encontra fora do alcance imediato da supervisão do empregador, além de trazer a possibilidade de ajustar o vínculo empregatício aos ritos instantâneos de uma sociedade cada vez mais imediatista, fazendo com que haja mobi‐ lidade e versatilidade de hora e lugar para que o trabalho seja feito. Observando o caráter multiforme do teletrabalho, ele pode apre‐ sentar aspectos tanto positivos quanto negativos para os dos atores da relação empregatícia. Assim, pode advir benefícios como um considerável aumento da produtividade do obreiro; a possibilidade de os trabalhadores estarem mais tempo em seus lares, próximos de suas famílias e de uma mais intensa integração com estes; melhoria da qualidade de vida e bem-estar; a redução de custos tanto para as empresas quanto para os trabalhadores, devido a desnecessidade de maiores investimentos na construção e manutenção de estruturas físicas, diminuindo as despesas imobiliárias com a redução dos espaços utilizados e também no custeio do transporte até os postos de trabalho, respectivamente; para as empresas, a desnecessidade de custear também transporte e alimentação através de vales; além de um considerável e conse‐ quente desafogamento do tráfego urbano de veículos e da redução na emissão gases poluentes etc. Contudo, a crescente inserção da figura do teletrabalhador pode trazer malefícios como corolário, verbi gratia, uma tendência à superindividualização do trabalho e a consequente perda da dimensão coletiva do deste, além de um incremento nos processos de individualização no campo social como um todo; em certo grau, a uma diminuição dos postos de trabalho para aqueles que desempenham trabalhos manuais como o de serviços gerais; a tendência em trabalhar mais tempo por dia devido a
208 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA maleabilidade de horários, o que pode levar a altos níveis de estresse, podendo ser citado ainda a chance de o teletrabalho ser responsável em provocar transtorno nas dimensões familiar e pessoal, tendo em vista que este espaço na maioria das vezes passa a ser compartilhado com o ambiente de trabalho. Segundo aponta o relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em parceria com a Eurofund, de 2017, a adesão ao teletrabalho tem o potencial de melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, reduzir o tempo de deslocamento e aumentar a produtividade, mas também pode resultar em horas de trabalho mais longas, maior intensidade de trabalho e interfe‐ rência no trabalho e em casa. Com isso, é possível laborar na forma de teletrabalho, quando a atividade desempenhada permi‐ tir, em horários aleatórios, distintos dos fabris ou até mesmo do padrão social, “observando biorritmos, responsabilidades famili‐ ares ou outras condicionantes-limitantes do tempo do trabalha‐ dor, desde que se faça a mediação da distância via tecnologias de informação e comunicação” (STÜRMER; FINCATO, 2020, p. 342)14. É patente que apesar dos aspectos positivos que possam advir ao obreiro no teletrabalho, os empregadores decerto são os mais favorecidos, seja no setor privado ou mesmo no setor público, pois sob a perspectiva do tomador de serviços o teletrabalho é, sobretudo, uma eleição com o escopo de obter ganhos de produ‐ tividade e de competitividade, além de ser um expediente para redução de despesas no que se refere aos custos espaciais, com energia e equipamentos de escritório, mormente à medida em que se afasta dos grandes centros urbanos, e com isso, por conse‐ guinte, se tornando menos dispendioso, com redução do pessoal de enquadramento e supervisão, além do fato de que o empre‐ gado em regime de teletrabalho dificilmente irá se ausentar.
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 209 Acontecimento experimental recente que impulsionou o teletra‐ balho se deu com o súbito desenvolvimento da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), que acabou abalando as estru‐ turas empresariais e também sociais como um todo. Como assi‐ nala Luciano Martinez e Cyntia Possídio (2020, p. 63), “os patrões e os empregados têm buscado alternativas para conciliar a conti‐ nuidade dos serviços com o isolamento, valendo-se do teletraba‐ lho”. E com a calamitosa situação criada pela proliferação da infecção viral e da necessidade de distanciamento dos indivíduos para conter o espalhamento da doença, as relações de trabalho não saíram ilesas da crise, sendo por ela, ao revés, muito afetadas. Com a disseminação do vírus e a necessidade do fechamento temporário de empresas, partições públicas e estabelecimentos comerciais como um todo, surgiu a necessidade de adaptar as relações de trabalho a esse difícil momento, o que restou levando uma guinada de trabalhadores a aderirem ao teletrabalho como forma de manterem seus empregos e das empresas em reduzir os impactos econômicos da crise, mantendo o funcionamento parcial das atividades empresariais, fazendo com que a implan‐ tação do teletrabalho se desse de maneira urgente, atingindo trabalhadores em todo o mundo. Essa situação, lamentável e inusitada, acabou resultando em uma adesão muito maior ao trabalho remoto, seja naquelas empresas em que este já era prati‐ cado, expandindo a frota de teletrabalhadores já existente, como também causando a adesão de novos, inclusive no setor público, o que se mostrou vantajoso devido a redução de custos e aumento da produtividade, gerando resultados iguais ou superi‐ ores com custos equivalentes ou inferiores ao trabalho presencial, fazendo com que o arranjo planejado para o temporário período de transição da pandemia se tornasse potencialmente permanente.
210 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA É necessário enxergar que o teletrabalho se tem mostrado uma forte tendência no mundo atual, e essa modalidade, sem dúvida, pode trazer diversos benefícios tanto às empresas como aos trabalhadores. No entanto, igualmente demonstra-se que esse novo tipo de contrato empregatício não pode ser inequivoca‐ mente considerado como vantajoso, carregando inerentemente associado a si riscos à direitos do ponto de vista dos trabalha‐ dores e de repercussões sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, percebe-se que a ascensão do teletrabalho e sua incorporação à prática de inúmeros obreiros é um aconteci‐ mento natural devido a evolução no desenvolvimento tecnoló‐ gico e social como um todo, pois o Direito do Trabalho assim como qualquer outra área do Direito deve acompanhar as trans‐ formações sociais para que possa cumprir seu objetivo intrínseco que é de proporcionar melhores condições do exercício da força laborativa na economia capitalista moderna. E com o incremento dessa nova modalidade contratual pela Lei 13.467/17, se propôs o legislador a regular a matéria incorporando à CLT um conjunto de normas disciplinadoras do teletrabalho, no Capítulo II-A, dos artigos 75-A a 75-E. Essa lei de reforma, contudo, considerando-a como um todo, vai de encontro com as diretrizes trabalhistas traçadas pelo legis‐ lador constituinte insculpidas no texto da Constituição Federal de 1988, que tem indubitavelmente um manto de proteção ao trabalhador, lhe conferindo uma série de garantias que proporci‐ onem um constante e progressivo melhoramento de sua condição social, fazendo com que seja o Direito do Trabalho um corpo de normas finalisticamente organizado para cumprir esse objetivo de melhorar as condições laborativas da parte hipossuficiente do
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 211 contrato de trabalho; do trabalhador. E como visto, a reforma trabalhista contraria essa diretriz humanística e social da Consti‐ tuição Cidadã e se propõe de maneira inequívoca a flexibilizar as relações de trabalho, dando maior autonomia as partes, privilegi‐ ando o individualismo, e relativizando a imperatividade da regu‐ lamentação trabalhista ao favorecer a relação negocial direta. À vista dessa conjuntura, o teletrabalho surge nessa configuração como uma consequência do processo de flexibilização trabalhista, pois, ele se propõe não apenas a dar mais alternativas ao traba‐ lhador no que se refere a dimensão espaço-tempo de prestar seus serviços, como também de favorecer o tomador empregador com a redução de custos. Compreende-se, também, que o teletrabalho, entendido como a prestação de serviços feita preponderantemente fora das depen‐ dências do empregador com o uso de tecnologias de informação e comunicação, já era uma realidade para alguns trabalhadores antes mesmo da reforma trabalhista de 2017 por alguns segui‐ mentos empresariais, mas que acabou ganhando mais visibilidade a partir desta. E para que o teletrabalho seja caracterizado, deve se fazer presente a junção de alguns elementos de existência da relação de emprego já consagradas na doutrina a na legislação pátria, que são: a existência de pessoalidade, onerosidade, não- eventualidade, trabalho prestado por pessoa física, e com subor‐ dinação (estando pacificada a presença deste último). Ao lado desses, se faz necessário combinar com aqueles requisitos extraídos do artigo 75-B da CLT e que são específicos do teletra‐ balhador: os elementos geográficos, tecnológico, organizacional, a desconcentração de atividades, e o elemento negativo, que é a não-constituição de uma atividade caracterizada como trabalho externo na forma da lei. Dentre todos esses elementos, a exis‐ tência do elemento tecnológico com o usos de mecanismos e instrumentos de Tecnologias de Informação e Comunicação
212 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA (TIC) passa a ser de vital importância para a existência e diferen‐ ciação do teletrabalho, pois o teletrabalhador faz uso destes meios para executar seu labor na forma do trabalho remoto, distinguindo-o de outras figuras contratuais já bastante conheci‐ das, como o trabalho em domicílio. Para disciplinar o teletrabalho, o legislador incorporou alguns dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho, regulamen‐ tando dubiamente dispositivos que causam implicações relativas ao custeio de instrumentos do teletrabalhador e tentando se esquivar da assunção de riscos; tratando pontualmente da conversibilidade do tradicional trabalho presencial em teletraba‐ lho, e vice-versa, além de explicitar a necessidade de o empre‐ gador instruir o obreiro das precauções devidas no teletrabalho. Entretanto, o legislador pátrio foi tímido quando comparado a regulamentação do teletrabalho na legislação alienígena, como o disposto no Código Trabalhista Português, apesar de haver inspi‐ ração neste. Por fim, partindo para as últimas considerações, constata-se que o teletrabalhador aufere algumas vantagens ao optar por esse novo tipo de contrato de trabalho, como a redução de custos, mais comodidade e flexibilidade de tempo, mas que isso também pode desencadear algumas implicações negativas ao obreiro, como a extinção da dimensão coletiva do trabalho e uma possível exploração do trabalhador com sua superexposição ao trabalho, devido a ausência de uma regular contabilização da duração do serviço, o que pode trazer prejuízos sérios ao empregado em seus direitos, como na impossibilidade de plenos intervalos interjor‐ nada e intrajornada, no acréscimo devido em relação a hora- extra, noturna, e a consequente implicação desses direitos no complexo salarial. Por outro lado, é evidenciado que os maiores beneficiados com o teletrabalho são os empregadores, que podem diminuir sobremaneira o custo de produção obtendo resultados
FUNDAMENTOS DO TELETRABALHO E SUAS REP… 213 por vezes igual ou superior quando comparado ao trabalho desempenhado em suas dependências, devido ao aumento de produtividade do trabalhador. Por último, é preciso constatar que a existência do teletrabalho é um reflexo do desenvolvimento social e tecnológico, que tem crescido de maneira significativa e que tende a aumentar, princi‐ palmente após o surgimento da pandemia de COVID-19, que trouxe como consequência uma adesão numerosa de pessoas ao teletrabalho e que tende a perdurar e se desenvolver com o passar dos anos. REFERÊNCIAS BARROS, Alice Monteiro. de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo, LTr, 2016, p. 213. BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARA‐ NHÃO, Ney. O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federa‐ tiva do Brasil. Câmara dos Deputados, 49° Edição, 2016. BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. Consoli‐ dação das Leis do Trabalho (CLT). CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Método, 2017. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.
214 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA FINCATO, Denise. Teletrabalho na Reforma Trabalhista Brasi‐ leira. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/ handle/20.500.12178/152290/ 2019_fincato_denise_teletrabalho_reforma.pdf?sequence=1& isAllowed=y>. Acesso em: 26/07/2020. MARTINEZ, Luciano; POSSÍDIO, Cyntia. O trabalho em tempos de coronavírus. São Paulo: Saraiva, 2020. MELO, Geraldo Magela. O teletrabalho na nova CLT. ANAMA‐ TRA. 2017. Disponível em: <https://www.anamatra.org.br/ artigos/25552-o-teletrabalho-na-nova-clt>. Acesso em: 27/07/2020. NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Relatório da OIT destaca oportuni‐ dades e desafios na expansão do trabalho a distância. 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/trabalhando-a- qualquer-hora-em-qualquer-lugar-novo-relatorio-destaca- oportunidades-e-desafios-na-expansao-do-trabalho-a- distancia/>. Acesso em: 11/09/2020. PORTUGAL. Código do Trabalho Português. ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. Lei n.º 7/2009. Disponível em: <http://cite.gov.pt/ asstscite/downloads/legislacao/CT20032018.pdf#page=66>. Acesso em: 10/08/2020. ROCHA, Cháris Telles Martins da; AMADOR, Fernanda Spanier. O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Rio de Janeiro: FGV EBAPE, 2018. Disponível em: <https://www.scielo. br/scielo.php?pid=S1679-39512018000100152&script= sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 28/07/2020. SILVA, Homero Batista da. Comentários à reforma trabalhista: análise da lei 13.467/2017. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA INFORMAÇÃO IVANA MIRANDA MONTEIRO RESUMO COM A CHEGADA DA ERA INFORMÁTICA, PERCEBEMOS UM AUMENTO das relações em sociedade feitas cada vez mais por meios virtuais e tele presenciais, incluindo as próprias relações jurídicas. Neste cenário, a Lei Geral de Proteção de Dados é criada, por uma necessidade mercadológica, visando trazer segurança e proteção aos direitos fundamentais referentes à privacidade, intimidade, imagem, entre outros. Acelerada pela crise do COVID 19, a economia da informação deixa claro o valor monetário que os dados pessoais possuem para direcionamento de mercado, defi‐ nição de nichos em vendas de produtos e serviços, entre outras vantagens usufruídas em geral pelos adquirentes dos dados, nos mais variados segmentos. A utilização e tratamento dos dados vinha sendo feito sem qualquer proteção ou autorização para uso das informações pessoais do titular, tampouco responsabilização por eventuais vazamentos com viés econômico. Esse panorama está com os dias contados para mudanças. Sabemos que a LGPD tem atuação transversal, abarcando a todos e às mais variadas
216 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA áreas de atuação. No presente artigo, serão traçadas diretrizes para a compreensão de pontos fundamentais do tratamento de dados trazidos pela lei no âmbito das relações de trabalho, nota‐ damente no contexto das instituições financeiras. Também desvendaremos as mudanças que abrangem a regulação dos dados, com a criação da ANPD, e demais peculiaridades no contexto econômico-laboral, da incidência da LGPD ao setor financeiro, com a demonstração de soluções possíveis que precisam ser tomadas de forma urgente para a devida adequação da previsão legal. Palavras-chave: Liberdade de decidir. Privacidade. LGPD. Rela‐ ções de trabalho. Instituições financeiras. ABSTRACT With the arrival of the informatics development, we noticed an increase in the relationships in society, made by virtual and face- to-face means, including the legal relationships themselves. In this scenario, the General Data Protection Law is created, due to a marketing need, aiming to bring security and protection to fundamental rights regarding privacy, intimacy, image, among others. Accelerated by the crisis of COVID 19, the information economy makes clear the monetary value that personal data has for Market direction, definition of niches in sales of products and services, among other advantages generally enjoyed by data acquires, in the most varied segments. The use and treatment of the data had been done without any protection of autorization for the use of the holder’s personal information, nor responsabi‐ lity for any data leaks with an economic bias. This scenario has it days numbered for changes. We know that the LGPD has a trans‐ versal action, covering all people and most varied areas of opera‐ tion. In this article, guidelines will be drawn for the
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 217 understanding of fundamental points of data processing brought by the law in the scope of labor relations, notabily in the context of financial institutions. We’ll also unveil the changes that encompass data regulation, with the creation of the ANPD, and other peculiarities in the economic-labor contexto, from the inci‐ dence of LGPD to the financial sector, with the demonstration of possible solutions that need to be taken urgently for the due adequacy of the legal provision. Key-words: Freedom to decide. Privacy. LGPD. Work relati‐ onships. Financial Institutions INTRODUÇÃO A conexão entre as pessoas mediante a rede mundial de computa‐ dores vem crescendo a cada dia, sendo ainda notadamente acele‐ rada em razão das restrições ao contato físico, trazida com a pandemia do COVID 19, a que estamos inseridos. Atualmente, grande parte dos objetos que usamos vêm, de alguma forma, conectados à internet, onde a velocidade em que as infor‐ mações se propagam passa a interferir diretamente no ciclo soci‐ oeconômico, substituindo gradativamente a presença física pela virtual, tanto no âmbito público, quanto no privado. No Brasil, vivemos ainda uma fase de extrema exclusão social aos meios digitais e informáticos para a massa populacional, decor‐ rentes da desigualdade social marcante, desde tempos primórdios. Nesse contexto, observamos que o direito ao acesso à informação vem tutelado pela Constituição Federal de 1988, como meio de defesa da própria sociedade, além de contribuir com a educação, crescimento, e desenvolvimento de uma forma geral, está intrin‐ secamente ligado com o direito à liberdade de decidir, no âmbito
218 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA do respeito à privacidade, bem como da autodeterminação informativa. O direito à liberdade de decidir de determinada pessoa só vai até o limite do seu âmbito de controle. Ou seja, na medida que se avança na interferência, e a decisão não compreende mais o mesmo espectro, mas depende da vontade de outrem, chegamos ao campo de liberdade de outro titular, este único atuante, prote‐ gido ainda pelo direito fundamental à sua privacidade. A decisão sobre interferência na privacidade, em regra só cabe ao próprio titular do direito, em aceitar ou não o uso de seus dados ou informações privadas para os fins especificados. Dessa forma, o respeito a vida privada é protegido em nosso ordenamento, onde prevalece a vontade do titular sobre o que prefere resguardar para si, ou o que aceita tornar público. Nesse contexto, já se discute a viabilidade de incluir a autodeterminação informativa como direito fundamental, mediante a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 17/2019 em tramitação nas Casas Legislativas. As preocupações acerca das informações e dados pessoais, de fato não é recente, sendo observada em legislações esparsas. Princi‐ palmente, desde o Marco Civil da Internet, advindo com a Lei 12.965/2014, temos delineados os princípios, direitos e deveres de forma mais direcionada, e voltados ao uso da internet no Brasil. No entanto, a proteção de dados pessoais ganha nova conotação de importância na medida em que o vazamento de dados passa a direcionar a economicamente diversos setores, influenciar dire‐ tamente nas estratégias de venda, de domínio de mercado. Inclu‐ sive, acessar dados pessoais pode até mesmo auxiliar a decidir eleições, criando identidade e orientando o discurso entre o candidato e a população, ao fomentar o pensamento ideológico
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 219 e/ou preferências da maioria dos eleitores de determinada região1. Além da necessidade de legislação desenvolvida para proteção e tratamento dos dados pessoais, se destaca que a finalidade da criação de lei geral para a proteção de dados no país, foi mais premente diante da exigência do próprio mercado. Sem a conformação de legislação direcionada para proteção de dados, o Brasil vinha perdendo investimentos estrangeiros pois, naturalmente, os países que já desenvolveram tal regulamentação, vinham respeitando sua própria legislação de proteção de dados. Por conseguinte, tais Estados só admitem ou priorizam relações com países que também estejam adequados neste sentido. Verifica-se dessa forma, a necessidade urgente da implementação da LGPD, pois a grande preocupação dos Estados que já estão aplicando suas legislações internas, é somente se relacionar com seus semelhantes, até para não correr risco de “efeito dominó”. Ou seja, evitar possibilidade de haver co responsabilização por descumprimento de terceiros, efeito nada interessante para as respectivas economias. A regulamentação da referida proteção é essencial à segurança jurídica, mas ainda configura o primeiro passo, de um caminho trabalhoso a ser percorrido para a implementação da proteção dos dados pessoais, de fato. Notadamente, se o Brasil não tinha nem esse parâmetro legislativo interno a respeito, se pode afirmar que já estava sofrendo os efeitos do isolamento de mercado pelos países desenvolvidos neste sentido. DA PROTEÇÃO DE DADOS ABARCADA PELA LGPD A Lei geral de proteção de dados foi publicada em 2018, com o objetivo de regular a proteção de dados de pessoas naturais,
220 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA tendo, no entanto, sua vigência postergada para, aproximada‐ mente, dois anos subsequentes à sua criação2. Os dados protegidos pela LGPD remetem aos dados que identi‐ ficam a pessoa natural ou que permitem sua identificação. Ex.: coleta, armazenamento, análise, fundamentos, hipóteses de trata‐ mentos, entre outros temas correlatos, estão todos regulados no diploma legal da LGPD. A LGPD se aplica as pessoas naturais ou jurídicas, de direito público, ou de direito privado. Salienta ainda que, em que pese a lei 13.709/2018 não proteja os dados pessoais e/ou sensíveis das pessoas jurídicas, estas não estão desamparadas quanto aos seus dados, pois se valem de proteção constitucional. Juntamente com a criação da referida lei que regula a proteção dos dados, também se criou a autoridade nacional de proteção de dados (ANPD), por meio da Medida Provisória (MP) nº 869/2018, que foi posteriormente convertida na Lei 13.853/2019. Quando a ANPD estiver implementada e em atuação, terá o poder de fiscalizar o respeito à proteção dos dados pessoais; exercerá função de editar normas quanto à essa abrangência; poderá aplicar sanções, mediante instauração de processo admi‐ nistrativo em caso de descumprimento da legislação; bem como terá um papel educativo-orientador para todos os sujeitos envol‐ vidos nas relações desenhadas e previstas para proteção de dados. A atuação da Autoridade nacional de proteção de dados, bem como todos os atores a que a lei faz referência para o tratamento e direcionamento correto dos dados pessoais e sensíveis dos titu‐ lares é orientada por diversos princípios, sendo os principais: o princípio da publicidade; o princípio da exatidão; princípio da
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 221 finalidade; princípio do livre acesso, o princípio da segurança, prevenção, etc. Todos esses princípios formam a base estruturante que significa a LGPD e traz os contornos por meio dos quais as operações de tratamento se firmarão. Muitos destacam que a Lei Geral de Proteção de Dados se inspira na GDPR (General Data Protection Regulation), que é uma verda‐ deira consolidação de legislação de dados para todos os países que compõe o bloco da União Europeia. Todavia, destaca-se que os diplomas em questão têm sua convergência e desdobramentos na Diretiva 46/95 do Parlamento Europeu e do Conselho3, respeitadas as peculiaridades que foram adotadas. Contudo, em tese, há uma clara diferenciação entre a GDPR e a LGPD: aquela foi criada com remissão expressa à incidência na seara trabalhista, enquanto que a LGPD não prevê comando específico dentro do direito do trabalho. Todavia, é clara a constatação de que é justamente na seara traba‐ lhista que o campo de incidência da LGPD se dará com afinidade, eis que as relações de trabalho são compostas em sua totalidade pela troca de dados entre o titular e o empregador, destacando, inclusive a entrega de dados sensíveis sem qualquer preocupação com o tratamento adequado e observância dos princípios básicos já mencionados. Considerando o valor monetário que envolvem os dados de uma pessoa, principalmente dados sensíveis, temos constatado movi‐ mentações de venda ou cessão de informações desses dados para vincular propagandas. O que se observa nos dias atuais é um verdadeiro sentimento de posse das empresas, de uma forma geral, com os dados obtidos dos seus funcionários, em razão da relação de trabalho.
222 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Notadamente, ao saber qualidades, preferências e características advindas dos dados dos titulares, há como se direcionar vendas e expor o nicho de mercado que se aplica a cada caso de consumo (latu sensu) de bens ou serviços. Daí se explica o exemplo claro de as redes sociais direcionarem por meio de algoritmo, o exato produto que determinado perfil virtual procura ou muitas vezes, que tem grandes chances de adquirir. O mesmo ocorre com propagandas que são enviadas por e-mail, ou por mensagens privadas, em que, inclusive, o remetente chama o destinatário pelo nome, sem que tenha havido contato prévio! A complexidade no trânsito e captura de dados em rede carece da regulamentação trazida pela LGPD, pois sua ausência somente favorece ao detentor dos dados, que permanece violando direitos básicos dos titulares prejudicados, lucrando com essa atividade em prol do direito alheio, de forma indevida sem responsabili‐ zação alguma. Nesse panorama, a Lei 13.709/2018 vem em boa hora para regulamentar o presente cenário de insegurança e violação de direitos, com incidência de espectro interdisciplinar, buscando trazer proteção ao banco de dados dos titulares. INCIDÊNCIA DA LGPD NO SETOR FINANCEIRO E A RELAÇÃO DE TRABALHO Dentro da seara trabalhista, primeiramente, devemos lembrar da lei 13.467/2017 (lei da reforma trabalhista) que já causou mudanças significativas ao direito do trabalho e veio precedida de algumas decisões do STF, na ocasião, impondo a revisão de marcos clássicos que sempre nortearam o direito do trabalho no Brasil. Nesse contexto, observamos com as mudanças trazidas, que a autonomia negocial coletiva ganhou força, mediante o princípio
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 223 da adequação setorial negociada, intrinsecamente ligado à auto‐ nomia dos titulares dos dados que a LGPD visa proteger. O cenário da pandemia também trouxe incertezas com a crise econômica, dentro do âmbito trabalhista e igualmente, com a chegada da LGPD e necessidade de adequação ao tratamento dos dados. O fato é que a preocupação com a adequação à nova legis‐ lação da LGPD já deveria ter surgido desde sua criação, para que quando de sua vigência já se tenha os meios desenvolvidos dentro de cada sistema de proteção e se evite judicialização de questões, em razão de erros básicos no tratamento dos dados. Em regra, as instituições financeiras devem manter o sigilo em suas operações em relação às informações sobre clientes, serviços e operações nos casos em que há o consentimento expresso do titular dos dados; em caso de troca de informações para fins de registro; fornecimento de informações de emitentes de cheques sem fundo ou devedores inadimplentes a entidades de proteção de crédito; quanto ao fornecimento de informações requisitadas pelas autoridades competentes em caso de atos ilegais criminais ou administrativos, que são necessários para investigação, entre outros. Decorre do princípio da transparência a criação de meios adequados e canais de comunicação acessíveis aos titulares dos dados para sanar quaisquer dúvidas em relação ao tratamento dos dados ou solicitação de informações. Já o princípio da segurança e prevenção determinam a obser‐ vância de meios aptos para garantir a proteção, a inviolabilidade dos dados por mecanismos de controle de acesso, técnicas de criptografias, entre outros meios que evitem os mais variados tipos de danos aos titulares.
224 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Conforme se extrai da Lei Geral de Proteção de Dados, em regra, o controlador é responsável pela obtenção do consentimento do titular dos dados, quando se fizer necessário. Também é dever do controlador, prestar informações e fazer a prestação de contas aos titulares, inclusive comunicar quanto a eventual incidente de segurança, tanto ao titular quanto à autoridade nacional. Ademais, deve garantir transparência ao tratar os dados dos titu‐ lares, mantendo o registro das operações necessárias. Em caso de violação, o controlador tem o dever de reparação aos danos causados. O encarregado, nomenclatura trazida pela lei em questão, confi‐ gura o chamado GPO que tem as funções de adotar providências quanto as reclamações dos titulares, orientar os funcionários sobre a prática de conduta na proteção dos dados, além de executar as ordens do controlador ou estabelecidas pela autori‐ dade nacional. Importante destacar que as atividades bancárias estão entre as mais afetadas pela LGPD, não só pela questão da concessão de crédito, mas até mesmo pelos registros simples de cadastros que envolvem operações bancárias no dia a dia de todos. Ademais a quantidade de informações sensíveis e gerais que estão em posse das instituições financeiras deve ser considerada para a urgente e necessária adequação e treinamento dos operadores. Afinal, é notório que grande parte da população utiliza de alguma forma, os serviços bancários e com frequência considerada. No âmbito das relações de trabalho esse cenário ganha mais rele‐ vância, pois há que se destacar que a relação entre as partes não é isonômica, eis que não estão em pé de igualdade. Outrossim, se trata de relação em que o trabalhador é hipossuficiente, que se encontra em situação vulnerável, muitas vezes tendo que fornecer seu consentimento para tratamento de dados pelas insti‐
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 225 tuições financeiras, temendo inclusive perder o emprego se não cumprir as ordens do gestor superior hierárquico. DA IMPLEMENTAÇÃO E ADEQUAÇÃO PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS No campo operado pelas relações ligadas às instituições financei‐ ras, diversos procedimentos operacionais devem ser desenvol‐ vidos em vias de cumprir o que determina a LGPD. Mudanças como: a migração de dados para outro fornecedor de serviço, exclusão de dados que mudaram ou que perderam seu objeto ou ainda revogação do consentimento do próprio titular, que também pode ser dada a qualquer tempo, entre outras situações, devem ter uma resposta rápida do sistema operacional pelo controlador para que o fim da norma seja alcançado. É necessário identificar a forma de armazenamento, o excesso de dados armazenados, e observar os dados que estão em poder de terceiros, com as quais as empresas e funcionários se relacionam. Certamente os contratos igualmente precisarão ser alterados para legitimar ou conformar o tratamento do banco de dados, a depender da fase de contratação de cada caso. As instituições e organizações em geral, destacando as financeiras precisam de mudança de cultura interna, que seja transmitida em cadeia, desde os gestores de alto escalão de gerência, até os funci‐ onários que não lidam diretamente com os produtos financeiros, numa verdadeira mudança de política pedagógica institucional, para se conformar com a lei de proteção de dados. Inclusive, salienta que o descumprimento da LGPD tem previsão de sanções em elevadas multas, se caracterizada infração à Lei de Proteção. Destaca-se que o prejuízo não se retém ao pagamento das multas em si, com prejuízo financeiro, mas também a reper‐
226 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA cussão negativa que a instituição infratora incorpora à sua imagem diante dos clientes titulares, futuros clientes, funcioná‐ rios, colaboradores, etc. Há uma crescente preocupação com a adequação das empresas, pois o poder do titular dos dados é visivelmente crescente, prin‐ cipalmente, destacando o princípio da não discriminação entre iguais funcionários de uma mesma instituição. A adoção de condutas e práticas empresariais deve se desenvolver nesse quadro de complementação. Faz-se necessário traçar um plano de adequação para incorpo‐ ração dos valores da empresa, e consequente detecção dos tipos de dados, e áreas afetadas pela LGPD. As medidas de controle devem partir de um programa de gover‐ nança específico que deixe claro a incidência sobre todo o conjunto de dados, adaptados às operações de coleta e trata‐ mento, tanto do dado pessoal geral, quanto do dado pessoal sensível. Toda atuação deve ser transparente com o titular, com meca‐ nismos de participação e rapidez nos incidentes que surgem sempre diante de qualquer regramento novo. Notadamente muitas peculiaridades se configurarão sem que tenhamos no primeiro momento respostas prontas, antes da própria implementação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que é responsável pela edição de normas, orien‐ tação e procedimentos administrativos para adequação à LGPD. Na prática, várias questões estão à mercê de um debate mais profundo, como, por exemplo, o registro de jornada utilizado pelas instituições para marcar o início e fim de labor dos colabo‐ radores, mecanismo formal e diário que se utiliza de dados
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 227 biométricos, portanto sensíveis, de seus titulares, e que ficam coletados no banco de dados das instituições financeiras. O controle de pontos por dados biométricos é um ponto bastante controverso, pois o consentimento é uma das hipóteses de auto‐ rização de tratamento trazidas pela lei. Contudo, quando se trata de dados pessoais sensíveis, o consentimento não deve ser a base de legitimação utilizada, mas somente em casos de extrema excepcionalidade. O programa de controle médico de saúde ocupacional também está neste cenário, pois utiliza dados sensíveis, em cumprimento de obrigação legais. Compreende-se que não precisaria de autori‐ zação específica. Contudo, o tratamento adequado deve seguir a finalidade e caminho traçado pela LGPD. Espera-se ainda com o desenvolvimento natural da proteção de dados, a edição de um conjunto de diretrizes legislativas especí‐ ficas para que a lei produza os fins almejados, com fins pedagógi‐ cos, para impulsionar um salto de qualidade na proteção dos trabalhadores, funcionários e cidadãos titulares dos dados em geral. Ademais, sendo o tratamento de dados no contexto da relação de trabalho, abarcados pelos princípios e garantias que funda‐ mentam a proteção ao trabalhador, deve haver futuros debates para desenvolvimento de adequação em face da LGPD e segu‐ rança jurídica para cada categoria, mediante instrumento de normas coletivas. Normas coletivas, seja convenção ou acordo coletivo, ganham relevância para conferir uniformidade e proteção à ambas as partes na relação de emprego, e eficiência da adoção de medidas de implementação, não havendo qualquer restrição neste sentido
228 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA para que deliberem igualmente sobre temas ligados à Lei Geral de Proteção de Dados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estamos vivendo um momento de transição, em que se deve formar a cultura da privacidade dentro do âmbito empresarial, com respeito à dignidade da pessoa humana, cumprimento dos deveres legais, e resgate da função social das empresas. Destaca-se que o fim da referida lei não foi proteger os dados sensíveis dos titulares como um desenvolver de novo direito fundamental, mas sim, tem cunho econômico, conforme explici‐ tamente mostra a exposição de motivos da lei. Ou seja, diante de uma necessidade mundial de proteção de dados, as empresas somente estão autorizadas a negociarem com empresas que também adotam a política de proteção aos dados e respeitam a legislação geral de cada país. Assim, compreende-se que o Brasil já se encontra atrasado com o andamento da lei e estudos quanto ao tema de proteção de dados, sendo verdadeiramente pressionado pela competição entre empresas e multinacionais estrangeiras de diversos setores, que estavam deixando de investir e fechar contratos com empresas brasileiras, exatamente pela falta de política neste sentido. Esse foi o verdadeiro motivo com o qual a lei de proteção aos dados vem se apresentando, e cada vez mais necessita de implantação adequada urgente. Nota-se que o poder legislativo concede a vacatio legis por período de tempo bastante considerável, no intuito de que as empresas se preparassem para se adequar à LGPD. Necessário treinamento das pessoas para que o tratamento seja conforme desde a fase pré contratual até a fase pós contratual, inserindo,
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 229 inclusive, conhecimento para funcionários que não lidam direta‐ mente com os dados que se quer proteger. A LGPD se insere num ambiente de direitos de privacidade e liberdade, que justificam a intervenção estatal, cujo cumprimento será objeto de fiscalização, conforme verificado. Destaca-se que o titular é o protagonista no fornecimento de seus dados e que a LGPD se alia à segurança jurídica, proteção das liberdades e direitos fundamentais, além da responsabilização nos casos de descumprimento. Sendo o titular, empregado numa instituição financeira, tem sua relação de trabalho marcada pela desigualdade de poderes, assi‐ metria considerável e grande vulnerabilidade, onde a hipossufici‐ ência do trabalhador e dependência do empregador se destacam. O consentimento nesses casos configura hipótese de legitimação de tratamento de dados que deve ser usada em casos excepciona‐ líssimos, pela natural disparidade na relação, sendo ônus do empregador provar a legitimidade da manifestação de vontade. Assim, de maneira geral, para o tratamento de dados sensíveis, se deve priorizar outras hipóteses de tratamento previstas na legis‐ lação, que confirme maior estabilidade e menor risco de revoga‐ ção, sempre sob orientação de profissionais qualificados em conhecimentos jurídicos, data protection e tecnologia da informação. Vários mecanismos de implementação da LGPD devem passar a fazer parte das instituições, incluindo treinamentos a todos os funcionários, tanto pela quantidade de dados pessoais que circulam com empresas parceiras, terceiros, com clientes ou com os próprios colaboradores. Os direitos resguardados na LGPD compõem a era da infor‐ mação que estamos inseridos, sendo necessário imediata imple‐
230 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA mentação de sistemas para proteção, conforme verificado. A urgência é um fator a ser considerado, em face das sanções previstas na legislação, tanto em razão de valores consideráveis, quanto pelos danos à imagem da empresa infratora que não respeitar o arcabouço normativo-protetivo estabelecido. O correto tratamento dos dados se impõe a todos de forma trans‐ versal, afetando uma gama de segmentos e áreas de forma gene‐ ralizada. Instituições, como as financeiras, merecem atenção especial por resguardarem imensa quantidade de dados advindos de clientes e colaboradores, terceirizados, entre outros. Portanto, devem rever todo seu banco de dados para evitar vazamentos ou utilização indevida, sob pena de responsabilização, e demandas judiciais. Recomenda-se o mapeamento de dados e seu confronto diante de todos os princípios previstos na Lei Geral de Proteção de Dados, para, somente após conhecimento desse panorama, fazer o estudo das hipóteses legitimadoras de tratamento que se adequa a casa caso. Assim, o compliance de dados no seio das instituições, aliados a atuação do operador e encarregado devem definir a regulamen‐ tação de atividades e procedimentos necessários. Com a imple‐ mentação efetiva da ANPD e demais regulamentações normativas específicas que devem surgir, com o auxílio das convenções coletivas voltadas para conformação do tratamento de dados, os contornos da proteção serão mais delineados para que a mens legis seja alcançada. REFERÊNCIAS BRASIL. LEI 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, ago 2018.
LGPD E SETOR FINANCEIRO NA ECONOMIA DA I… 231 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_A‐ to2015-2018/2018/Lei/L13709.htm >. Acesso em 15 de julho de 2020; ______. LEI 13.853, de 8 de Julho de 2019. Altera a Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de dados; e dá outras providencias. Brasília, DF, jul 2019. Dispo‐ nível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/ 2019/lei/ l13853.htm >. Acesso em: 15 de julho de 2020; CISNEIROS, Gustavo. Manual de Prática Trabalhista. 2 ªEd. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018; MIZIARA, Raphael. LGPD: razões de sua existência e impactos nas relações de emprego. Disponível em: <https://www.jota. info/opiniao-e-analise/artigos/lgpd-razoes-de-sua-existencia-e- impactos-nas-relacoes-de-emprego-15032020>. Acesso em 28 de Agosto de 2020; MOREIRA, Teresa Coelho. O controlo da temperatura dos trabalhadores no âmbito da covid-19. Disponível em: < https://observatorio.almedina.net/index.php/ 2020/05/05/o- controlo-da-temperatura-dos-trabalhadores-no-ambito-do- covid-19 > . Acesso em 12 de setembro de 2020; OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. 6ª Ed. Ver. Ampl. E atual. São Paulo: LTr, 2011; OLIVIERI, Nicolau. LGPD e sua necessária adequação à rela‐ ções de trabalho. Disponível em: < https://www.jota.info/ opiniao-e-analise/artigos/lgpd-e-sua-necessaria-adequacao-as- relacoes-de-trabalho-28092019> . Acesso em 14 de Agosto de 2020;
232 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A lei geral de proteção de dados pessoais e seus impactos no direito do trabalho. Disponível em: <https://revistas.unifacs.br/index. php/redu/article/downlo‐ ad/6744/4066>. Acesso em 02 de Agosto de 2020; PEIXOTO, Ulisses Vieira Moreira. Reforma Trabalhista comen‐ tada: com análise da Lei nº 13.467, de julho de 2017. Leme: São Paulo; JH Mizuno, 2017; REINALDO FILHO. Demócrito. A Diretiva Europeia sobre proteção de dados pessoais. Uma análise de seus aspectos gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, nº 3507, 6 fev 2013. Disponível em: < https ://jus.com. br/ arti‐ gos/23669> . Acesso em 14 de Agosto de 2020. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil - volume único. 10 Ed, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILIDADE E VULNERABILIDADE DO TRABALHO POR APLICATIVOS (UBERIZAÇÃO) LETIANE CORRÊA BUENO NOGUEIRA RAMOS RESUMO O presente estudo propõe uma análise acerca do “novo normal” e uma análise da invisibilidade e vulnerabilidade do trabalho por aplicativos. Os trabalhadores por aplicativos emergem por uma proteção social e por direitos mínimos a categoria em meio de uma pandemia global decorrente do COVID-19 realizando movi‐ mentos grevistas, denominados “breque dos apps”. Nesse cenário são trabalhadores informais sem qualquer garantia e ainda como uma ideia de empreendedorismo. Assim, os movimentos grevistas materializam o antigo conflito capital x trabalho, em que se nega a relação de emprego da categoria, dissuadindo as novas formas de prestação de serviço e a necessidade de enqua‐ dramento contemporâneo aos requisitos da relação de emprego. Em razão disso, é necessário apresentar um novo cenário jusla‐ boral para um futuro do trabalho por aplicativos, bem como fortalecer e proteger o núcleo da proteção dos direitos mínimos. Palavras-chave: Invisibilidade. Vulnerabilidade. Trabalho. Apli‐ cativos. Uberização.
234 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ••• ABSTRACT The present study proposes an analysis of the “new normal” and an analysis of the invisibility and vulnerability of work by applications. Application workers emerge for social protection and minimum category rights in the midst of a global pandemic stemming from COVID-19 carrying out striking movements, called “apps lock”. In this scenario, they are informal workers without any guarantee and still as an idea of entrepreneurship. Thus, the strike movements materialize the old conflict between capital and labor, in which the employment relationship of the category is denied, deterring new forms of service provision and the need for a contemporary framework to the requirements of the employment relationship. As a result, it is necessary to present a new workplace scenario for a future of application work, as well as to strengthen and protect the core of the protec‐ tion of minimum rights. Keywords: Invisibility. Vulnerability. Job. Applications. Uberization. INTRODUÇÃO A importância da temática decorre da necessidade de, democrati‐ camente, da invisibilidade e vulnerabilidade do trabalho dos entregadores por aplicativos é um tema que causa indignação, tal estudo já foi iniciado anteriormente em um trabalho desenvol‐ vido no curso, entretanto as recentes manifestações apontam que o tema necessita de destaque e análise. O trailer do documentado por Guimel Salgado e Antonio Matos denominado Quantas vidas vale o frete grátis?1 nos motiva a questionar e até mesmo entender o protesto por melhores condições de trabalho dos
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 235 entregadores por aplicativos e a indagação insurge: realmente é o trabalho virou sinônimo de apenas sobrevivência? Em um atual governo com slogan de desregular e flexibilizar, inclusive, com a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego, com a edição de Medidas Provisórias principalmente de nº 927 e 936, aqui cito a desclassificação da doença do vírus COVID-19 como doença do trabalho e até mesmo a desnecessidade do exame demissional. Em um cenário, após a “reforma trabalhista” de fragilização sindical e, consequentemente, afastamento da atuação sindical, direcionando em uma “criminalização” do sindicato é um caos social e, portanto, um “um tiro no pé historicamente e democrati‐ camente na proteção do direito social ao trabalho”. A coletividade olvida no dialogo social caminhando para um caos social e histórico impulsionado pela pandemia mundial decor‐ rente do COVID-19. No estudo proposto, observamos os entre‐ gadores por aplicativos questionarem apoio, protestarem por segurança e requererem, no mínimo, um olhar da sociedade e das entidades da categoria de trabalhadores. A história nos alerta se não colocamos regras e limites o descon‐ trole insurge na sociedade, seria o momento de afastar a invisibi‐ lidade e vulnerabilidade do trabalho dos entregadores por aplicativos? Será que os ensinamentos de Américo Plá Rodrigues2 aos princí‐ pios juslaborais de proteção; irrenunciabilidade; continuidade; primazia da realidade; razoabilidade e boa-fé estão sendo substi‐ tuídos pelo princípio da liberdade econômica? Pois bem, em nome de uma “liberdade econômica” desenfreada presenciamos o desmonte de anos de batalha, pelo sangue derra‐ mado desde a Revolução Industrial é colocado em xeque, disposi‐
236 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ções legislativas que fomentam o afastamento dos trabalhadores da proteção, incumbindo aos operadores de direito a árdua tarefa de analisar as alterações e defender a democracia. 1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA INVISIBILIDADE E VULNERABILIDADE “NOVO NORMAL” Em um recente estudo desenvolvido para a Academia Brasileira de Direito do Trabalho analisava a ESCRAVIDÃO CONTEMPO‐ RÂNEA: UMA ANÁLISE A “INVISIBILIDADE DO DESCON‐ TROLE”, ou seja, uma análise inicial as alterações promovidas pela Lei n. 13.467/17, a célebre “reforma trabalhista” e as recentes alterações da Medida Provisória 881/19 afamada “MP da liber‐ dade Econômica” no tocante a jornada e condições de trabalho. Os textos de ambas as legislações, nos limites do presente estudo, não observaram a necessidade de equilibrar os princípios e fundamentos previstos na Constituição Federal. Assim, em uma “invisibilidade do descontrole” opera com uma cegueira delibe‐ rada ao desrespeito de direitos mínimos de trabalhadores vulne‐ ráveis contribuindo ao retrocesso social e configuração do trabalho escravo contemporâneo. Diante dessas considerações, não é forçoso relembrar a tentativa global de compliance no combate às condutas configuradoras do trabalho escravo contemporâneo, o qual demonstra retrocessos à classe trabalha‐ dora e evidentemente à ordem democrática.3 Pois bem, em uma análise da derivação do estudo é a análise do tema proposto, ou seja, uma vulnerabilidade e invisibilidade dos entregadores por aplicativos. Nas palavras de Ludmila Costhek Abílio “o que a uberização consolida é o sonho da redução do trabalhador a forma de trabalho. Ser reduzido a força de trabalho é ser utilizado da forma mais eficiente possível, na maior intensi‐ dade possível, no tempo que for necessário, obtendo remune‐
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 237 ração apenas pelo tempo em que efetivamente se produz. Todo o mais fica por conta do trabalhador, no autogerenciamento do que, distante da figura do empreendedorismo, são nada mais do que estratégias de sobrevivência”4. É necessária uma retomada no tempo. A partir do ano de 2017 o descontrole legislativo e democrático diante das medidas de alte‐ rações legislativa era introduzido em nossa realidade. Em primeiro trabalho desenvolvido sobre as alterações legislativas analisava a sentença condenatória do Brasil da Corte Internaci‐ onal de Direitos Humanos no caso Trabalhadores fazenda Brasil Verde com ênfase nas flexibilizações de direitos introduzidas pela lei n. 13467/17 (reforma trabalhista) e portaria n. 1.129/17 do Ministério do Trabalho5. Há poucos meses da vigência da Lei n. 13.467/17, o tema anali‐ sado era o Direito a Greve e seus limites na atualidade brasileira6, diante do cenário político e legislativo e, principalmente ao momento histórico de manifestações pelas greves dos caminho‐ neiros, tanto que em parecer desenvolvido à Revista Derecho Del Trabajo, houve a abordagem do assunto. Posteriormente, em tese ao 40º Congresso Nacional dos Advo‐ gados Trabalhistas7 defendia a insegurança democrática na afronta ao direito constitucional ao acesso à justiça pela “reforma trabalhista” e a importância da advocacia trabalhista qualificada na contemporaneidade na proteção dos trabalhadores. A inda‐ gação era: como podemos salvar os trabalhadores? Sempre em um viés protetivo e de aquinhoar as configurações do trabalho escravo contemporâneo analisava-se o quão a demo‐ cracia vinha sendo atacada com o decurso do tempo. Em sequência, no recente estudo desenvolvido na Universidade de São Paulo8, discutia-se as inovações tecnológicas, as alterações
238 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA legislativas e seus reflexos no contrato de trabalho, no qual a incógnita era: Como será o trabalho na atualidade à luz das novas tecnologias? Assim, o estudo abordava a intitulação da 4ª Revo‐ lução Industrial, a tecnológica, onde tudo o que se faz de faz de forma on-line. A insurgência da tecnologia no direito do trabalho e a reper‐ cussão nos requisitos do contrato de trabalho era e, ainda é, polê‐ mica acerca se poderíamos comemorar as alterações. As mutações tecnologias alarmava a substituição humana, entre‐ tanto, em uma tangente analisava os avanços ou retrocessos soci‐ ais. Pois bem, diante da evolução tecnológica, os requisitos da relação de emprego do artigo 3º da Consolidação das Leis Traba‐ lhistas (CLT) (BRASIL, 1943) são analisados por um viés inovador. O trabalho habitual é caracterizado, no viés revolucionário, acerca da sistemática de prestação de serviços, independente‐ mente do local de prestação de serviços, compreendendo a habi‐ tualidade pela entrega ou realização do trabalho estabelecido, de forma virtual. E pelo login e logoff em sistemas a pessoalidade é identificada. A noção de subordinação na clássica obediência do poder de comando do empregador, essência da subordinação jurídica, no status de dependência do empregado é transformada em comandos por softwares inteligentes, os quais, determinam o trabalho a ser realizado pelo empregado, a quantia relativa aos serviços prestados e, inclusive, a análise do desempenho do profissional. E mais, a onerosidade é sem qualquer contato humano na reali‐ zação de pagamentos por transações em contas bancárias.
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 239 Nesse contexto, pelas novas modalidades de empresas, trabalha‐ dores são introduzidos em plataformas tecnológicas, em que sequer existe na realidade física a dependência física do emprega‐ dor, esta é a dinâmica, em que pese as discussões jurisprudenciais acerca da relação de emprego, contratual da famosa empresa multinacional Uber: A Uber usa softwares com uso de algoritmos para supervisionar, administrar e controlar os motoristas, que são constantemente rastreados e avaliados. É o software que determina quem, de que forma, e por qual valor o prestador de serviço vai ser remunerado pela corrida. Ainda, pode determinar a outro humano que demita o prestador de serviço, caso o mesmo não receba recomendações positiva dos usuários.9 [grifo meu] E não é só. Outras modalidades de trabalho, com viés tecnológico são reguladas especificadamente pela novel legislação trabalhista, como os trabalhadores em regime de teletrabalho, trabalho desenvolvido fora das dependências do empregador, apresen‐ tando mudanças nos aspectos produtivos, sociais e familiares do trabalhador. O teletrabalho não determina um local definido para a prestação de serviços, sendo especificado em consonância com a realidade da atividade empresarial, podendo ocorrer por home office, nas dependências do ambiente residencial do empregado ou por anywhere office, em qualquer local.10 O direito do trabalho e a tecnologia vivem simultaneamente, mas diante do novo cenário, houve um avanço ou retrocesso social? O estado brasileiro tem realizado sua responsabilidade em salva‐ guardar a constitucional redução da desigualdade eminente do trabalhador frente a avalanche tecnológica imposta, por derra‐ deiro, o ressalto ao teletrabalho?
240 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA A Lei n. 13.467/17 intitulada como “reforma trabalhista”, enfra‐ queceu os sindicatos, salários, direitos e ambiente de trabalho e, regulou especificadamente o teletrabalho, em seu título II, capí‐ tulo II-A é todo destinado à modalidade, apresentando a redação: Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (CLT, artigo 75-B). No calhamaço de alterações, os trabalhadores em teletrabalho não são abrangidos à limitação de jornada de trabalho, constitu‐ cionalmente garantida de não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais em homenagem aos direitos sociais (CFB, artigo 7º, XIII) e intervalos. Assim sendo, não são ampa‐ rados pelo pagamento de horas extraordinárias, caso haja extra‐ polação da jornada, intervalos e adicional noturno. Contudo, mesmo com o controle patronal pela utilização de tecnologias de informação e de comunicação, o legislador apre‐ sentou com a “reforma trabalhista” excludente de proteção da duração do trabalho, é a redação do CAPÍTULO II - DA DURAÇÃO DO TRABALHO - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: III - os empregados em regime de teletrabalho (CLT, artigo 62, III). O capítulo ainda se destina a impor o dever patronal de instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho (CLT, artigo 75-E). E, ainda, a previsão do caput, destoa na obrigação do trabalhador em assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador (CLT, artigo 75-E, parágrafo único). Ocorre que pela inacessibilidade do lar, pela inviolabilidade, inibe a fiscalização pelas autoridades responsáveis de medicina e segu‐
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 241 rança do trabalho, o que se assemelha à luta diária dos empre‐ gados domésticos pela proteção. A intenção foi, sem dúvidas, eximir o empregador a responsabilidade por eventuais doenças e acidentes. Nessa análise, a “reforma trabalhista” reconheceu a existência da inovação tecnológica nas relações de trabalho, entretanto, arcai‐ camente decide pela desproteção na regulação do teletrabalho quanto as regras de limitação de jornada e condições de trabalho. E ainda, a tecnologia apresenta uma insegurança jurídica latente, tanto que atualmente a polêmica acerca da competência para julgamento de trabalhadores em plataforma, como no caso da empresa Uber em que se questiona a competência e aplicação da legislação entre tribunais do trabalho e comum11, ocasionando a precarização desta classe tal sofrida, não enquadrando os traba‐ lhadores como empregados. No mesmo sentido é o Colendo Tribunal Superior do Trabalho em que recentemente no mês de fevereiro de 2020, a primeira da corte, no julgamento do processo nº 1000123- 89.2017.5.02.003812 rejeitou o vínculo de emprego de motorista com a Uber entendendo “motorista tinha a possibilidade de ficar “offline” no aplicativo, com flexibilidade na prestação de serviços e nos horários de trabalho”. Aqui já está presente a invisibilidade justrabalhista, vejamos as palavras do presidente da Quinta Turma, ministro Douglas Alencar no referido julgamento “não é possível tentar enquadrar essa nova realidade de emprego nos conceitos clássicos de empregado e empregador previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. No entanto, a seu ver, isso não significa que esses trabalhadores não devam merecer algum tipo de proteção social. “É preciso que haja uma inovação legislativa urgente”.
242 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Ora, não seria a hora de observamos os princípios do direito do trabalho e trazer novas formas e categorias a proteção celetista? O trabalho pelos entregadores de aplicativo é uma nova forma de emprego e com particularidades, portanto, deve ser enquadrado os requisitos da relação de emprego a essa nova realidade, o que o Judiciário olvida em analisar. A uberização é uma forma de gerenciamento, controle e organi‐ zação do trabalho9 que hoje atravessa o mundo do trabalho de lado a lado; apresenta-se como o presente de algumas ocupações, mas é também uma tendência global que vai reconfigurando uma série de profissões.13 Nas palavras de Henrique Amorin, há uma novidade nessa explo‐ ração do século XXI: a algoritmização: “Este gerenciamento algorítmico funciona como um controlador de tempos e movi‐ mentos, nos moldes tayloristas, do trabalhador individual e cole‐ tivo submetidos às plataformas digitais”, explica. “Ao mesmo tempo, o gerenciamento algorítmico controla, por exemplo, quem recebe cada pedido, o tempo gasto na realização das entregas e os valores que serão cobrados, coordenando de maneira minuciosa o conjunto dos trabalhadores conectados à plataforma digital, além de coletar dados e vigiar os entregado‐ res por geolocalização. Desta forma, os ganhos da empresa são potencializados, pois o serviço passa a ser produzido com maior grau de eficiência e eficácia e com controle em tempo real”. Na cidade de São Paulo existem ainda duas leis em tramitação na Câmara para segurar e discutir leis sobre adicional de periculosi‐ dade para as empresas que contratam motociclistas para entregas e responsabilidade solidária em caso de acidentes com o traba‐ lhador (PL 578/2019)14 e ainda exigência de placa vermelha para os entregadores que trabalham nos apps (PL 130/2019)15.
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 243 A conclusão de que a inovação tecnológica disruptiva não se encaixa adequadamente na estrutura normativa apresentava pode ser a justificativa para tal insegurança. No pacote de alterações, podemos ainda destacar a prevalência do negociado pelo legislado CLT, artigo 611-A), sendo que por uma exclusão do parágrafo único (CLT, artigo 611-B), regras sobre duração do trabalho e intervalos poderiam ser reguladas irrestritamente. Em quase dois anos de vigência da Lei n. 13.467/17, a célebre “reforma trabalhista” o projeto de Lei (PLV 17/2019), decorrente da Medida Provisória 881/2019, conhecida como “MP da Liber‐ dade Econômica”, foi introduzido no cenário brasileiro, popular‐ mente denominada de “minirreforma trabalhista”. A “minirreforma trabalhista” é traduzida como um desvalor social e ir contrariamente a Constituinte. A primeira era funda‐ mentada no aumento dos empregos, entretanto, o IBGE divulgou recentemente que 3,3 milhões de desempregados procuram trabalho há ao menos dois anos16, ou seja, as constatações corro‐ boram com a falsa promessa do primeiro discurso de propagação de empregos. Pois bem, pela simples leitura da “minirreforma trabalhista”, o texto sofre de fatal inconstitucionalidade, tanto que sujeitava o direito social às diretrizes da liberdade econômica. Numa chan‐ cela de facilitação da vida empresarial, coloca esse valor acima de todos os outros e, consequentemente, prevalece o capitalismo e desregula, mais uma vez, a balança capital x trabalho. Assim, em uma “invisibilidade do descontrole” operava com uma cegueira deliberada ao desrespeito de direitos mínimos de traba‐ lhadores vulneráveis contribuindo ao retrocesso social, o qual foi minimizado por alterações do texto pela Câmara de Deputados e Senado Federal.
244 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Um ponto crítico e de exilio do trabalhador era a previsão do texto inicial em afastar a aplicação da legislação trabalhista aos trabalhadores que recebiam salários acima de 30 salários míni‐ mos, aplicando o direito comum, sendo este afastado em sua análise pela Câmara dos Deputados. O texto da Medida Provisória aprovado pela Câmara dos Depu‐ tados, quanto ao objeto do presente estudo, inicialmente autori‐ zava o trabalho aos domingos e feriados, sem qualquer chancela do poder público e a desobrigação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes. Em texto final aprovado pelo Senado Federal, após diversas alte‐ rações do original foi suprimido a autorização do trabalho aos domingos e feriados, devendo haver a prévia permissão do poder público, resguardando o convívio do trabalhador com sua família e, consequentemente, o direito a desconexão, prevalecendo a teoria francesa. A alteração também ocorreu quanto a desobrigação das Comis‐ sões Internas de Prevenção de Acidentes, permanecendo a atual obrigatoriedade, priorizando a garantia a saúde e segurança do trabalho. Quanto a jornada, em uma dança cíclica com a exclusão dos trabalhadores em regime de teletrabalho das regras de duração da jornada, o texto regulou o regime de “ponto por exceção” (MP 881, Art. 15): “Art. 74. §4º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo indi‐ vidual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, sendo que nos controles de jornada somente seriam anotadas as exce‐ ções a jornada habitual convencionada entre empregado e empregador.
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 245 Ora não é dificultoso entender que o sistema dificulta o controle de jornada, não marcando os horários de saída e entrada, limi‐ tando apenas as exceções, ou seja, anotações de atrasos, faltas, horas extraordinárias. Nessa toada, o sistema dificulta o controle de jornada e ainda mais o pagamento das horas extraordinárias, cumulativamente, inibe a fiscalização pelos órgãos de proteção e diretamente afeta o direito constitucional a limitação da jornada de trabalho, tanto que o Ministério Público do Trabalho editou uma nota técnica ao projeto, anteriormente a aprovação pelo Senado Federal: §3º: O denominado registro por exceção, em verdade, corresponde à ausência de registro dos horários de trabalho (entrada, saída e intervalos), pois supostamente o empregado anotaria apenas o trabalho ocorrido fora dos horários contratuais. No entanto, na realidade das relações de trabalho, as anotações das exceções dependem de autorização do empregador, cabendo sempre lembrar que o empregado é subordinado às ordens do patrão, de modo que tal sistemática em geral serve para sonegar o pagamento de horas extras e exigir jornadas de trabalho muito além do permitido.Com esse sistema, priva-se também a Fiscalização do Trabalho de instrumento para verificar se estão ocorrendo excessos de jornada, pois inexistentes os registros de horários trabalhados, além de instrumentalizar a possibilidade de pagamento “por fora” de parte da remuneração, em prejuízo tanto ao empregado quanto à Previdência Social e à Receita Federal. Cabe lembrar novamente que os excessos de jornada estão associados ao adoecimento e aos acidentes de trabalho, que de um lado prejudicam imensamente os trabalhadores e de outro oneram severamente os cofres públicos. 17 Merece realce o trabalhador ser hipossuficiente na relação de emprego, portanto, no receio diante a gerencia patronal do contrato de trabalho, certamente não estarão confortáveis em anotar o horário extraordinário, sob pena de ser advertidos ou
246 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA até mesmo dispensados pelo empregador, consubstanciando a ausência de pagamento de horas extras e o excesso de trabalho. Nesse ínterim, o texto também apenas torna obrigatório o registro de jornada em empresa com quadro funcional superior a 20 empregados alterando o parágrafo 1º do artigo 74 da CLT (MP 881, Art. 15). A fixação de quadro superior ao constante na anterior legislação de apenas 10 empregados, propaga à afronta a limitação de jornada e ausência do pagamento das horas extraor‐ dinárias, pelos argumentos já mencionados no parágrafo anterior. Ademais, as alterações contrariam as normas de saúde e segu‐ rança no trabalho, visto que jornada extraordinária é responsável pelos adoecimentos e acidentes de trabalho, consequentemente, pelos afastamentos previdenciários, onerando os cofres públicos, tal conclusão tem embasamento também nos dados do próprio Colendo Tribunal Superior do Trabalho, os quais apontam o tema relativo ao pagamento das horas extras ser o mais recor‐ rente nos processos judiciais18. E ainda, a Medida Provisória prioriza a CTPS por meio eletrô‐ nico, alterando o artigo 14 da CLT (MP 881, Art. 15), demons‐ trando o reconhecimento dos avanços tecnológicos e a necessidade de agilidade nas anotações. Acontece que, paradoxal‐ mente, altera o artigo 29 da CLT na previsão do prazo do registro do contrato de trabalho de 48 horas para 5 dias úteis (MP 881, Art. 15). Ora, a irresignação ressurge: O avanço tecnológico, as alterações no contrato de trabalho ressurgem, entretanto, ao mesmo tempo que se reconhece um avanço é introduzido um retrocesso, o que se parece um incentivo ao trabalho sem o respectivo registro em CTPS.
“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 247 Conforme aludes mencionados, o texto considera que o princípio da livre iniciativa está acima de outros princípios constitucionais, como se a pacificação social e sustentabilidade das relações econômicas no país baseassem na supressão de direitos mínimos. Ocorre que penaliza os princípios da proteção à dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho humano e da proteção ao meio ambiente em homenagem a “liberdade econô‐ mica”, a interpretação apresentada diverge da até então ressal‐ vada pelo sistema do direito do trabalho, ou seja, pressupõe que a atividade privada está em uma hipossuficiência frente ao trabalhador. Pois bem, pode ser até mesmo que o Presidente da República vete algumas alterações promovidas pela Medida Provisória em análise, entretanto, o que se busca com o presente estudo é demonstrar que os ataques a proteção e, portanto, a “invisibili‐ dade do descontrole” é um tema recorrente no cenário brasileiro, o que fundamenta as configurações das práticas configuradoras do trabalho escravo contemporâneo. As palavras da última participação no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) como procuradora-geral da República, Raquel Dodge pediu atenção aos “sinais de pressão sobre a demo‐ cracia” e discursou: Fiquem atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal, vez que no Brasil e no mundo surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para as futuras gerações. Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias.19
248 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA O discurso nos apresenta um alerta a própria “invisibilidade do descontrole” estatal na caminhada de redução de direitos mínimos do trabalho e no enfraquecimento das instituições de proteção. As alterações legislativas são como um “pacote” de monstruosidades e desconsidera, inclusive, os diplomas interna‐ cionais e ratificados pelo Brasil. Não é forçoso ressalvar o Brasil ter ratificado o Pacto Internaci‐ onal sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais20, portanto, sujeita-se as disposições do diploma no fornecimento de um trabalho em condições dignas, o qual vem sendo desgastado continuamente e fundamentação as práticas da escravidão contemporânea. 2. Panorama geral e contemporâneo do trabalho dos entregadores em aplicativos A proposta apresenta, objeto do presente estudo, vivemos em uma realidade que lida como a “nova informalidade” apresen‐ tando um contexto de “novo normal” e, portanto, mascarando a marca secular da desigualdade do processo de distribuição de riquezas e ainda a presença de uma escravidão eloquente. Existe um ditado popular brasileiro bastante conhecido “trabalhe enquanto eles dormem”, podendo ser uma variação ou adaptação do proverbio japonês “Treine enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham21”, mas tal pensamento nos remete a um trabalho em exaustivas horas, o que se enquadra a uma escravidão contemporânea em uma espécie de mito da meri‐ tocracia. Em um cenário atual de desmonte social, em um estudo denomi‐ nado Um Elevador Social Quebrado? Como Promover a Mobilidade Social22 promovido pela OCDE - Organização para Cooperação e
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