Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore Direito do trabalho de emergência

Direito do trabalho de emergência

Published by Papel da palavra, 2021-08-12 15:29:30

Description: Direito do trabalho de emergência

Search

Read the Text Version

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 49 nais e de manutenção, seja a pedido do empregado por algum motivo pessoal. Ocorre que recentemente esta modalidade passou de uma exceção para a regra em muitas empresas, em razão do necessário isolamento social decorrente de uma pandemia viral que se espalha exponencialmente mundo afora. O novo coronavírus alterou substancialmente e precipitadamente o método de trabalho de muitas empresas, principalmente para as atividades consideradas não essenciais, em que a pessoa pode fazer o trabalho em domicílio, tais como advogados, contadores, administradores, bancários e demais profissões majoritariamente administrativas e intelectuais. Diante de um cenário de incerte‐ zas, o Governo Federal editou a Medida Provisória n° 927/2020 orientando, entre outros assuntos, aspectos relacionados ao tele‐ trabalho (BRASIL, 2020). A mudança drástica na forma de trabalhar tem provocado debates entre empregados e empregadores, assim como trouxe à tona situações, impasses e limites que ganharam destaque após o início da pandemia e aumento da adoção do teletrabalho. Com efeito, a crise advinda da pandemia do novo coronavírus acarretou em uma situação nova e inesperada para muitos empregados e empregadores e acelerou tendências do futuro do trabalho. Partindo destas premissas, o presente artigo pretenderá analisar o conceito e a evolução da regulamentação do teletraba‐ lho, os primeiros reflexos da pandemia na adoção deste regime de trabalho e, por fim, discorrerá sobre os desafios para a execução do teletrabalho, observando a necessidade de se resguardar os direitos trabalhistas deste teletrabalhador.

50 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA 1. TELETRABALHO: CONCEITO E REGULAMENTAÇÃO 1.1 Definição doutrinária e diferenciação nominal do tele‐ trabalho Na década de 80 o autor Alvin Toffler (1980) já sustentava que o trabalho seria deslocado, pouco a pouco e cada vez mais, dos escritórios para os domicílios, originando empreendimentos nas bases familiares. Na obra intitulada “A terceira onda”, Toffler pondera que os fatores que impulsionam esse deslocamento são de diversas naturezas, incluindo-se aí as dificuldades de traslado no trânsito urbano das grandes cidades e o alto custo com a manutenção de uma sede pelo empregador. Carlos Henrique Bezerra Leite (2018) vaticina que o teletrabalho é uma espécie de trabalho feito à distância, que não se confunde com o trabalho em domicílio, previsto no art. 83 da CLT. O autor elucida que “o teletrabalho ocorre em ambiente virtual e, como tal, é situado no espaço, não se alterando, portanto, a definição de localidade que, no Direito do Trabalho, é estabelecida segundo a eficácia da lei trabalhista no espaço” (LEITE, p. 198). Para Luciano Martinez (2016), o teletrabalho seria mais do que uma modalidade de trabalho em domicílio. Na acepção do doutrinador, teletrabalho é um novo conceito de organização laboral por meio do qual o prestador dos serviços encontra-se fisicamente ausente da sede do empregador, mas virtualmente presente através de meios telemáticos, na construção dos obje‐ tivos contratuais do empreendimento (MARTINEZ, p. 403). Por sua vez, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2017) preceitua que o teletrabalho é modalidade de trabalho à distância, típica dos tempos modernos, em que o avanço da tecnologia permite o labor preponderantemente fora do estabelecimento do emprega‐ dor, em regra na própria residência do empregado, embora

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 51 mantenha o contato com este por meio de recursos eletrônicos e de informática, principalmente o computador e a internet (GAR‐ CIA, p. 141). Maurício Godinho Delgado (2017) diferencia os termos trabalho no domicílio, home office e teletrabalho. O tradicional trabalho no domicílio seria aquele há tempos existente na vida social, sendo comum a certos segmentos profissionais, como costureiras e doceiras. O home office é descrito pelo autor como o novo trabalho no domicílio, à base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos convergentes. Já o teletrabalho poderia se concretizar em distintos locais de utilização dos equi‐ pamentos eletrônicos hoje consagrados (informática, internet, telefonia celular, etc.) (DELGADO, p. 1023). O elemento da distância compreende a separação física entre o local de trabalho e a estrutura física da planta empresarial. A tecnologia, além de funcionar como mediadora da distância geográfica, permitindo o contato entre trabalhador e tomador de serviços, também pode ser utilizada como ferramenta de trabalho e até como espaço virtual de trabalho. Por fim, a organização se constitui como requisito flexível, já que o empregador ou o tomador de serviço é quem deve organizar o ciclo produtivo e considerar a logística do trabalho remoto (NUNES, 2018; FINCATO, 2019). Dessa forma, levando em conta esses elementos é possível distinguir, dentro da modalidade de teletrabalho, classificações específicas conforme o local preponderante de trabalho e a intensidade de conexão telemática entre trabalhador e empre‐ gador. Quanto ao grau de conexão, o teletrabalho pode ser oneway line, compreendendo o uso da comunicação tecnológica apenas para o envio ou a recepção de tarefas, ou on-line, de interatividade “imediata, síncrona e simultânea”, constituindo o

52 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ambiente virtual o verdadeiro espaço de trabalho (FINCATO, 2019). 1.2 A regulamentação do teletrabalho no Brasil antes da pandemia A Consolidação das Leis do Trabalho, concebida na década de 1940, naturalmente não possuía regra específica sobre as novas formas de prestação laborativa vinculadas aos inovadores meios tecnológicos que despontaram somente no final da década de 80. A norma consolidada apenas se reportava ao tradicional trabalho no domicílio, no antigo texto de seu artigo 6º, reportando-se também às situações laborativas externas ao ambiente físico empresarial (art. 62, I, CLT). Não obstante essa defasagem de algumas décadas, a CLT recebeu importante atualização, que lhe aperfeiçoou o espectro norma‐ tivo, por meio de nova redação dada a seu artigo 6º, acrescido de novo parágrafo único, por obra da Lei n. 12.551, de 15 de dezembro de 2011. A nova redação atribuída ao caput do disposi‐ tivo assentou a impossibilidade de, presentes os pressupostos fático-jurídicos da relação empregatícia, fazer-se distinção entre “[...] o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância”. Por meio da inclusão do parágrafo único, o legislador ainda equi‐ parou, para fins de subordinação, “[...] os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão” aos “[...] meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. Maurício Godinho Delgado entende que o novo preceito incor‐ porou, implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reco‐ nhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando,

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 53 controle e supervisão do trabalho alheio (DELGADO, 2017, p. 1024). Apesar de propícia, a Lei n. 12.551/2011 não se revelou suficiente para atender às peculiaridades do teletrabalho, tendo se passado seis anos até que o legislador lhe conferisse regulamentação jurí‐ dica própria, com a edição da Lei n. 13.467/2017. A denominada Reforma Trabalhista incluiu na CLT capítulo específico para o teletrabalho, trata-se do Capítulo II-A, o qual compreende os artigos 75-A a 75-E, conceituando-o como “[...] a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empre‐ gador, com a utilização de tecnologias de informação e de comu‐ nicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”, na forma do caput do art. 75-B. Conforme revela a redação do artigo 75-B, caput e parágrafo único da CLT, a prestação de serviços deve se dar predominante‐ mente fora das dependências do empregador, pelo uso de recursos telemáticos, mas não exclusivamente, o que pode permitir ao teletrabalhador um mínimo grau de convívio social com seus pares. A própria norma celetista esclarece que o compa‐ recimento “[...] às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.” (parágrafo único do art. 75-B da CLT). Não obstante, sobre esse assunto Delgado (2018) alerta que “sendo excessivos ou preponderantes esses comparecimentos ao estabelecimento empresarial, pode se descaracterizar o regime de teletrabalho [...]” (DELGADO, p. 140). A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente de contrato individual de trabalho, que deverá, também, especificar as atividades que serão exercidas pelo empregado (art. 75-C, caput, CLT). Logo, a legislação exige

54 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA que a migração do trabalhador para o regime de teletrabalho seja por mútuo acordo e registrado por escrito, justamente em razão do caráter especial dessa modalidade de trabalho. Em contrapartida, para que o trabalhador retorne ao regime presencial, basta a determinação unilateral do empregador, com aviso prévio de quinze dias, na forma do § 2º do artigo 75-C da CLT. Deveras, a lei pretendeu facilitar a conversão do regime em teletrabalho para presencial e dificultar a alteração inversa, certa‐ mente por conta dos riscos inerentes à prática do labor a distân‐ cia, especialmente os ergonômicos e psicossociais (SOUZA JÚNIOR et al., 2018, p. 108). Quanto à responsabilidade pelo custeio de equipamentos, infra‐ estrutura e eventuais despesas decorrentes do teletrabalho, o artigo 75-D atribui ao empregado e ao empregador o dever de dispor, mediante contrato por escrito, sobre a aquisição, manu‐ tenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado. Os doutrinadores Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado advertem que a regra deve ser interpretada em conso‐ nância com o caput do artigo 2º da CLT, colocando-se, portanto, sob o ônus do empregador os custos inerentes ao teletrabalho. Ainda informam, em observância ao parágrafo único do artigo 75-D, que as utilidades usufruídas para a realização do teletra‐ balho “[...] não integram a remuneração do empregado”, porque fornecidas para a prestação, viabilização ou aperfeiçoamento dos serviços prestados (DELGADO; DELGADO, 2018, p. 141). Sobre a questão relativa à saúde e segurança no trabalho, o artigo 75-E da CLT prescreve de modo superficial que o empregador deve instruir os teletrabalhadores quanto às precauções a tomar

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 55 para evitar doenças e acidentes de trabalho. Se na relação de trabalho típica o empregador tem obrigação irrestrita de zelar pela saúde e segurança de seus empregados, no teletrabalho sua atuação é logicamente mais limitada. É certo que em seu domicílio o funcionário não estará sujeito à permanente vigilância de membro da CIPA, ou de responsável análogo, e, portanto, não terá ninguém para lhe advertir e fisca‐ lizar questões relativas à postura ergonômica e demais condições de trabalho adequadas. Salienta-se também a problemática do inciso III do artigo 62 da CLT, que exclui os empregados em regime de teletrabalho do Capítulo pertinente à duração do trabalho. A alteração legislativa promovida pela Reforma Trabalhista afastou o direito do teletra‐ balhador à limitação da jornada diária de trabalho, e por consequência, o direito deste receber por quaisquer horas extras prestadas. Sobre o tema, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado defendem que a referida regra apresenta presunção relativa, passível de prova em sentido contrário, quanto à existência de controle de jornada (DELGADO; DELGADO, 2018, p. 140-141). 1.3 A regulamentação do teletrabalho no Brasil após o início da pandemia No dia 22 de março de 2020 foi publicada a Medida Provisória nº 927 (BRASIL, 2020) que estabeleceu medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública em decorrência da crise provocada pelo novo coronavírus. Entre as alterações promovidas está a preponderância do acordo individual escrito sobre os outros instrumentos, ressalvados os limites previstos na Constituição Federal, bem como houve a flexibilização das regras existentes na CLT quanto ao teletrabalho, regime de trabalho que passou a ser a única opção para muitas empresas após o início da

56 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA pandemia e consequente isolamento social, acelerando uma tendência que já estava em crescimento. Embora atendendo à lógica prevista no Capítulo II-A da CLT, a Medida Provisória nº 927 originou a flexibilização de requisitos formais para, em razão do caráter excepcional e urgente do quadro atual, facilitar a adoção do regime de “teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância”. A referida lei autorizou, enquanto durar o estado de calamidade pública, a mudança para o regime de teletrabalho, independentemente de concordância do empregado e de registro prévio no contrato, sendo suficiente a comunicação com antecedência de 48 horas (art. 4º, caput e § 2º). Ademais, também permitiu a adoção do regime especial para estagiários e aprendizes (art. 5º). Em relação à infraestrutura e meios necessários para a realização do trabalho remoto, a Medida Provisória em questão prevê que a responsabilidade pela aquisição, manutenção e fornecimento de equipamentos e pelo reembolso de despesas arcadas pelo empre‐ gado devem estar registradas em contrato escrito. Este pode ser firmado até trinta dias após a mudança de regime (art. 4º, § 3º), presente a possibilidade de fornecimento de equipamentos em regime de comodato (art. 4º, § 4º). Raphael Miziara entende que a modificação mais sensível no texto da Medida Provisória nº 927 se deu em relação ao neces‐ sário fornecimento de estrutura tecnológica para que o empre‐ gado execute as suas atividades. Isto porque a CLT, em seu art. 75-D, prevê que a responsabilidade pela aquisição dos equipa‐ mentos e pela infraestrutura necessária à realização das ativi‐ dades será estabelecida por acordo entre empregado e empregador, em contrato escrito, já a MP 927 impõe ao empre‐ gador este ônus, caso o trabalhador já não a possua (PESSOA; MIZIARA, 2020).

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 57 Apesar do impacto positivo no momento excepcional advindo da pandemia do novo coronavírus, a Medida Provisória nº 927 não foi convertida em lei e, portanto, acabou perdendo a validade no dia 19 de julho de 2020. Os atos praticados durante a vigência da referida Medida Provisória são válidos, no entanto, após o fim da sua vigência as normas válidas voltaram a ser aquelas previstas no Capítulo II-A da CLT. 2. OS PRIMEIROS REFLEXOS DA PANDEMIA NO TELETRABALHO De acordo com dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 14/06 e 20/06/2020 cerca de 8,7 milhões de pessoas estavam em trabalho remoto. Os dados também revelaram um preocupante indicador da desigualdade social no Brasil, cerca de 31,1% das pessoas neste tipo de regime de trabalho possuem curso superior completo ou pós-graduação, contra 5,9% que possuem ensino médio completo ou superior incompleto, 1,1% possuem ensino fundamental completo ou médio incompleto, e 0,4% não possuem instrução ou possuem apenas o ensino fundamental incompleto (IBGE, 2020). Outra pesquisa, dessa vez divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), revelou que este formato de trabalho poderá ser adotado em apenas 22,7% das ocupações nacionais, alcançando mais de 20 milhões de trabalhadores no país (IPEA, 2020). O Distrito Federal apresentou o maior percentual de possibili‐ dade de teletrabalho (31,6%), em torno de 450 mil pessoas. O estado do Piauí é o que apresenta o menor percentual em teletra‐ balho (15,6%), ou seja, em torno de 192 mil pessoas poderiam potencialmente estar em teletrabalho (IPEA, 2020).

58 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA O estudo realizado pelo IPEA também demonstrou quais funções tinham maiores possibilidades de adotarem o regime de teletra‐ balho, sendo: 61% Diretores e gerentes, 65% Profissionais das ciências e intelectuais, 30% Técnicos e profissionais de nível médio, 41% Trabalhadores de apoio administrativo e 12% Traba‐ lhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados (IPEA, 2020). Uma pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), em abril de 2020, revelou que de um total de 17,2 milhões, 5,3 milhões de empresas mudaram seu funcionamento, principalmente fazendo apenas entregas ou online e utilizando horário reduzido. Cerca de 41,96% das empresas continuaram funcionando apenas para entregas ou online, 41,2% funcionaram com horário reduzido, 21,6% adotaram o teletrabalho, 15,3% funcionaram com rodízio de funcionários e 5,9% apenas com o sistema de drive thru (SEBRAE, 2020). A Fundação Instituto de Administração (FIA) coletou no mesmo período, dados de 139 pequenas, médias e grandes empresas que atuam em todo o Brasil. A Pesquisa Gestão de Pessoas na Crise covid-19 concluiu que o teletrabalho foi a estratégia adotada por 46% das empresas durante a pandemia. O percentual de compa‐ nhias que adotou o teletrabalho durante a quarentena foi maior no ramo de serviços hospitalares (53%) e na indústria (47%). Entre as grandes empresas, o índice das que colocaram os funcio‐ nários em regime de home office ficou em 55% e em 31%, entre as pequenas empresas. Um terço do total das empresas (33%) afirmou que adotou um sistema parcial de trabalho em casa, valendo apenas em alguns dias da semana (FIA, 2020). De acordo com a pesquisa, 41% dos funcionários das empresas foram colocados em regime de home office, quase todos os que

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 59 teriam a possibilidade de trabalhar à distância, que somavam 46% do total dos quadros. No setor de comércio e serviços, 57,5% dos empregados passaram para o teletrabalho, nas pequenas empresas o percentual ficou em 52% (FIA, 2020). O teletrabalho estava em lenta implementação no Brasil e sua regulamentação legal só foi realizada há pouco tempo, portanto, o mercado brasileiro não estava preparado para essa transição tão rápida e radical. Outra pesquisa da mesma fundação, realizada no ano de 2019, ou seja, antes da eclosão da pandemia do novo coro‐ navírus, concluiu-se que apenas 32% das empresas acima de 100 funcionários tinham uma estratégia desse tipo planejada (FIA, 2020). A Pesquisa Gestão de Pessoas na Crise covid-19 revelou que 67% das companhias relataram dificuldades em implantar o sistema de home office. A familiaridade com as ferramentas de comuni‐ cação foi apontada como obstáculo por 34% das empresas, assim como o comportamento dos funcionários ao acessarem os ambi‐ entes virtuais (34%). A atuação das áreas de tecnologia da infor‐ mação foi um ponto levantado como dificuldade por 28% das empresas (FIA, 2020). Outrossim, poucas empresas ofereceram suporte material aos funcionários para implantação do teletrabalho: 9% ajudaram nos custos de internet e 7% nos custos com telefone (FIA, 2020). Com efeito, a pandemia do novo coronavírus apenas acelerou tendências no mundo do trabalho, uma delas é o teletrabalho. Os avanços das tecnologias advindas da Quarta Revolução Indus‐ trial, que permitem ao trabalhador ser pontual e produtivo onde quer que esteja, já eram uma realidade antes da pandemia da covid-19.

60 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA As mudanças de comportamento necessárias para o isolamento social só anteciparam a concretização de uma tendência no dia a dia das empresas e de seus colaboradores, isto é, o trabalho remoto. Seja pela surpresa com o aumento da produtividade, pela economia ou pela praticidade, o fato é que diversas organizações já preparavam a implantação desse modelo a partir de 2021. O estudo Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humani‐ dade Redefinida e os Novos Negócios, do Infobase e Institute For Technology, Enterpreneurship and Culture (2020), prevê crescimento de 30% no modelo home office no Brasil após a quarentena. Já a pesquisa Covid19-Home Office - Trabalho Remoto, realizada pela escola de negócios Fundação Dom Cabral (2020), mostra que mais de 54% dos 669 colaboradores têm a intenção de propor ao gestor a possibilidade de continuar trabalhando em casa. Em reportagem publicada na Revista Isto É, a imobiliária digital Quinto Andar, criada com o objetivo de usar a tecnologia para desburocratizar o setor, vai permitir aos seus 1 mil colaboradores diretos optarem pelo regime de teletrabalho a partir do ano que vem. O cofundador e CEO Gabriel Braga avaliou que é possível melhorar o nível de eficiência e satisfação do time, mesmo à distância. A imobiliária digital implantou o home office em 13 de março e acaba de anunciar a prorrogação até dezembro, mesmo em caso de flexibilização ou encerramento da quarentena no país (Revista Isto É, 2020). O Banco BMG adotou medida semelhante, prorrogou o home office até o fim de 2020, e a partir de janeiro de 2021 planeja a adoção de um regime híbrido de serviço que abrangerá tanto a presença física no escritório quanto em atividade remota (Revista Isto É, 2020). A mudança drástica na forma de trabalhar tem provocado debates entre empregados e empregadores, afinal, como exercer o

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 61 poder diretivo quando não se está fisicamente próximo ao empregado? É certo que os meios telemáticos facilitam a comuni‐ cação entre as partes durante o teletrabalho, mas como fiscalizar se o empregado está realmente cumprindo suas atribuições sem ferir direitos de proteção de dados? Quais os cuidados que o empregador precisar ter com a saúde física e mental do teletra‐ balhador? Tais situações têm gerado preocupações entre empregadores e gerentes, mas do mesmo modo muitos empregados têm se quei‐ xado de excessos e abusos cometidos pelos seus gestores durante o teletrabalho, bem como o descumprimento ao seu direito à desconexão, o que será melhor abordado no próximo tópico. 3. DESAFIOS PARA A EXECUÇÃO DO TELETRABALHO E A NECESSIDADE DE RESGUARDAR OS DIREITOS TRABALHISTAS DO TELETRABALHADOR A alteração necessária, abrupta e radical na forma de trabalhar também reacendeu debates sobre os direitos trabalhistas dos tele‐ trabalhadores, bem como revelou impasses, desafios e problemas advindos deste tipo de regime de trabalho. A crise provocada pelo novo coronavírus acelerou a implantação deste modo de pres‐ tação de serviços, e consigo, também trouxe situações novas enfrentadas por empregadores e teletrabalhadores. Carlos Henrique Bezerra Leite (2018) adverte que é preciso atenção para os modos de controle e vigilância do trabalho em domicílio (ou a distância ou em regime de teletrabalho) levados a efeito pelo empregador, pois em nenhuma hipótese poderá haver lesão ou ameaça aos direitos fundamentais de privacidade, imagem e intimidade do empregado, sobretudo porque a sua proteção em face da automação também é considerada um direito fundamental social (CF, art. 7º, XXVII) (LEITE, p. 200).

62 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Marcelo Moura (2014) entende que equilibrar a necessidade de controle da atividade, com a preservação da vida íntima do empregado, considerando-se a particularidade do trabalho reali‐ zado em seu domicílio, é um dos desafios do mundo moderno (MOURA, p. 167). Este desafio ganha especial relevância e urgência no atual cenário de pandemia e aumento da adoção deste tipo de regime de trabalho. O regime de teletrabalho, ainda que possa estabelecer maior flexibilidade na rotina do trabalhador, predispõe o surgimento de diversas mazelas sociais, além da necessidade de garantir o chamado direito à desconexão. Sobre este tema, Márcia Vieira Maffra (2015) conceitua o direito a se desconectar do trabalho como o direito individual do trabalhador de liberar-se das ordens emanadas do seu empregador nos interregnos de descanso legal‐ mente estabelecidos, e também como prerrogativa da própria sociedade e da família (MAFFRA, p. 505). De forma semelhante Célio Pereira Oliveira Neto (2015) prele‐ ciona que o direito de desconexão representa sob o viés do direito do trabalho, o desligamento do labor em prol da vida privada, ao livre gozo do tempo, permitindo equilíbrio entre as atividades de labor, lazer e descanso (OLIVEIRA NETO, p. 88) Considerando que ser digital já virou uma característica intrinse‐ camente humana, necessário se faz limitar o uso indiscriminado das tecnologias a fim de proteger o direito à desconexão do trabalho, resguardando a saúde mental do trabalhador e os direitos fundamentais como lazer, descanso, saúde e convívio social. Patente que as partes integrantes dos contratos de trabalho devem obediência não só às cláusulas contratuais e legislação ordinária especializada, como também aos direitos humanos fundamentais que incidem nas relações trabalhistas. Apesar de

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 63 não estar expresso no texto da Constituição Federal, o direito à desconexão relaciona-se com direitos fundamentais trabalhistas não especificados, tais como o direito social ao lazer (art. 6º, caput, da CF) e à intimidade e à vida privada (art. 5º, X, da CF). Deveras, quando o empregado vincula-se à fonte produtiva por intermédio de instrumentos tecnológicos, tal como ocorre no teletrabalho, as fronteiras entre os períodos de trabalho e descanso ficam mais fluídas, confundindo tanto empregados quanto empregadores. Justamente por este motivo que o direito à desconexão torna-se tão relevante, pois garante aos trabalhadores a desvinculação plena do trabalho, inclusive da possibilidade potencial de ser convocado a realizar as suas atividades. Se a subordinação e fiscalização do empregador ultrapassaram os horizontes da empresa e atingiram o âmbito privado do empre‐ gado, nada mais justo do que este possuir o direito de se desvin‐ cular virtualmente da empresa, preservando o ambiente domiciliar em face das novas técnicas invasivas que perturbam a vida íntima, o convívio familiar, o repouso e o lazer do trabalhador. Além da saúde mental, o teletrabalho também traz à tona ques‐ tões relativas à saúde física do teletrabalhador. Verifica-se que o artigo 75-E, caput, da CLT, impõe ao empregador o dever de instruir o teletrabalhador quanto aos cuidados a serem tomados para evitar doenças e acidentes de trabalho. Já o parágrafo único impõe ao teletrabalhador o dever de se comprometer a seguir as instruções fornecidas pelo empregador mediante firma de termo de responsabilidade. Ademais, é ônus exclusivo do empregador responder pelo meio ambiente saudável e seguro do teletrabalhador, a partir de uma conjuntura de fatores, inclusive na perspectiva objetiva quando necessário, sendo que o local de trabalho encontra-se passível de

64 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA fiscalização por parte dos órgãos competentes, nos termos do art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal. Os juízes do trabalho, Fabrício Lima Silva e Iuri Pinheiro alertam que, caso surjam doenças ocupacionais em período de teletraba‐ lho, certamente será investigado em eventuais demandas judiciais se o empregador orientou seu empregado sobre os riscos ocupa‐ cionais (ergonômicos e de luminosidade por exemplo) e se certi‐ ficou que o trabalho à distância reunia requisitos mínimos de segurança (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 578). Complementam tais juristas que: É importante reforçar que o trabalho à distância geralmente suprime a visualização constante das condições ambientais de trabalho, propiciando o descumprimento das condições ergonômicas adequadas nas estações de trabalho, iluminações deficientes ou até mesmo a realização do trabalho em locais inapropriados, tais como na própria cama. Assim, deverá ser observado se foram fornecidos equipamentos adequados de trabalho (caso necessário) e o manual de orientações sobre o modo de realização das atividades, tudo mediante recibo. (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 579) Marco Antônio César Villatore e Edison Luiz Rodrigues Junior orientam que se não há a ambientação de um espaço de trabalho que proporcione ergonomia e qualidade de vida aos empregados, “mesmo que estes assinem um termo de responsabilidade sobre instruções recebidas, não existirá uma prevenção efetiva” (VIL‐ LATORE; RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 83). Ressaltam os autores que o teletrabalho pode ser uma das moda‐ lidades em crescimento na atualidade, podendo se tornar maior ainda no futuro. Entretanto, alertam de forma veemente que:

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 65 O que não pode ocorrer é a simples adequação do direito juslaboral brasileiro às novas exigências pós-modernas, em detrimento da segurança, da saúde, da privacidade, da vida e da dignidade humana dos trabalhadores. (VILLATORE; RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 84) O aumento da implementação do teletrabalho no âmbito das empresas e instituições também acendeu debates quanto à um terceiro problema, trata-se da proteção dos dados dos teletraba‐ lhadores. As práticas de RH que recorrem a formas de inteli‐ gência artificial que facilitam a “gestão por algoritmo” e o “monitoramento eletrônico do desempenho” são amplamente utilizadas no meio laboral de diversas empresas. O monitoramento de desempenho eletrônico (EPM, na sigla em inglês) foi descrito por Phoebe Moore et al. (2018) como incluindo “monitoramento de e-mail, escutas telefônicas, rastrea‐ mento de conteúdo de computador e tempos de uso, monitora‐ mento de vídeo e rastreamento por GPS”. Segundo esses pesquisadores, os dados produzidos podem ser utilizados como indicadores de produtividade; indicação da localização dos empregados; uso de e-mail; navegação no site; uso de impressora; uso de telefone; até mesmo tom de voz e movimento físico durante a conversa. (MOORE; AKHTAR; UPCHURCH, 2018). O EPM também tem sido utilizado para monitorar os trabalha‐ dores em situações de teletrabalho, empresas como a Crossover vendem sistemas, como a ferramenta de produtividade Worksmart, que servem para monitorar teletrabalhadores e outros trabalhadores remotos, capturando a tela de seus computadores em intervalos fixos e coletando dados adicionais. O site da

66 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA empresa explica que a atividade de teclado, uso de aplicativos, capturas de tela e fotos de webcam geram um cartão de ponto a cada 10 minutos com tais registros (CROSSOVER). As práticas acima referidas também podem conduzir a uma intrusão muito grave na vida privada dos trabalhadores e violar materialmente a privacidade do teletrabalhador, ao permitir que a gestão tenha acesso a informações muito íntimas, considerados dados sensíveis do funcionário. É natural que o empregador, detentor da prerrogativa diretiva, ele mesmo ou seus encarregados (gerentes, chefes, supervisores, coordenadores) avalie a regularidade, qualidade e quantidade da prestação dos serviços dos seus empregados em teletrabalho. Contudo, importantes problemáticas surgem das colisões entre direitos fundamentais, uma vez que alguns empregadores nem sempre reconhecem a utilização de sistemas de fiscalização eletrônica como controle da atuação laboral. Não obstante todas as controvérsias que envolvem o uso de algumas tecnologias de vigilância e de monitoramento, há que se utilizar tais meios com razoabilidade, proporcionalidade e bom senso, para que os empregados não se sintam violados em sua intimidade ou vida privada. A solução nesses casos é alcançada mediante a avaliação do direito fundamental que merece maior proteção no caso, alinhada aos regramentos estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018). Por todas essas digressões, percebe-se que o tema do teletrabalho provoca, ainda, muitas dúvidas, e até mesmo inquietações, entre os operadores jurídicos. Tais debates ganharam maior destaque com o aumento da adoção do teletrabalho em razão da pandemia do novo coronavírus, por este motivo há a necessidade de estudos aprofundados sobre o impacto desse novo tipo de

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 67 trabalho no mundo atual, especialmente no que diz respeito à rede protetiva quanto aos teletrabalhadores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde o início dos primeiros casos do novo coronavírus em terri‐ tório brasileiro percebe-se uma sucessão de reflexos advindos desta pandemia. O estado de calamidade pública e a necessidade de isolamento social repercutiram em praticamente todos os âmbitos da sociedade, desde as relações sociais, familiares, as relações de trabalho, políticas e econômicas. O Governo Federal adotou de forma enérgica diversas medidas a fim de minimizar o impacto que a pandemia viral poderia provocar no país. Como nunca antes visto, houve uma avalanche de portarias, leis e medidas provisórias dispondo sobre situações envolvendo a crise pandêmica. Neste contexto, o teletrabalho passou de uma exceção para a regra em muitas empresas, em razão do necessário isolamento social decorrente de uma pandemia viral que se espalha exponen‐ cialmente mundo afora. O novo coronavírus alterou substancial‐ mente e precipitadamente o método de trabalho de muitas empresas, principalmente para as atividades consideradas não essenciais e majoritariamente administrativas e intelectuais. Diante de um cenário de incertezas, o Governo Federal editou a Medida Provisória n° 927/2020 orientando, entre outros assun‐ tos, aspectos relacionados ao teletrabalho (BRASIL, 2020). A refe‐ rida Medida Provisória ensejou diversas alterações no Capítulo II-A da CLT, o que possibilitou certa flexibilidade nos requisitos formais para, em razão do caráter excepcional e urgente do quadro atual, facilitar a adoção do teletrabalho pelas empresas.

68 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Em que pese o impacto positivo no momento excepcional advindo da pandemia do novo coronavírus, a Medida Provisória nº 927 não foi convertida em lei e, portanto, acabou perdendo a validade no dia 19 de julho de 2020. A mudança drástica na forma de trabalhar tem provocado debates entre empregados e empregadores, principalmente no que se refere ao direitos trabalhistas dos teletrabalhadores. O direito à desconexão ganhou destaque com o aumento do teletra‐ balho, além da saúde mental também há grande preocupação com a saúde física do teletrabalhador. Afinal, ainda que o funcionário esteja trabalhando em sua resi‐ dência, permanece ao empregador a responsabilidade de orientar seu empregado sobre os riscos ocupacionais, principalmente os ergonômicos. O aumento da implementação do teletrabalho no âmbito das empresas e instituições também acendeu debates quanto à um terceiro problema, trata-se da proteção dos dados dos teletraba‐ lhadores. Não obstante todas as controvérsias que envolvem o uso de algumas tecnologias de vigilância e de monitoramento, há que se utilizar tais meios com razoabilidade, proporcionalidade e bom senso, para que os empregados não se sintam violados em sua intimidade ou vida privada. O presente artigo buscou analisar e compreender a situação atualmente vivenciada no que se refere ao aumento do teletra‐ balho no Brasil. A crise advinda da pandemia do novo corona‐ vírus acarretou em uma situação nova e inesperada para muitos empregados e empregadores, acelerou tendências do futuro do trabalho, e consigo, também trouxe novas problemáticas sobre o teletrabalho.

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 69 REFERÊNCIAS BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Inflação. Brasí‐ lia, v. 22, n. 1, 2020. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/ content/ri/relatorioinflacao/202003/ri202003p.pdf. Acesso em: 10 set. 2020. BRASIL. Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. Diário Oficial da União. Brasília, 22 mar. 2020g. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/ Mpv/mpv927.htm. Acesso em: 10 set. 2020. CROSSOVER. Disponível em: https://www.crossover.‐ com/worksmart/#worksmart-produc tivity-tool. Acesso em: 10 set. 2020. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à lei n. 13.467/2017. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018. FIA. Fundação Instituto de Administração. Pesquisa Gestão de Pessoas na Crise covid-19. [Online], 2020. Disponível em: https://fia.com.br/consultoria-e-pesquisa/. Acesso em: 10 set. 2020. FINCATO, Denise. Saúde, higiene e segurança no teletrabalho. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 9, p. 101-123, 2009. Disponível em: http://dfj.emnuvens.com.br/dfj/ article/view/467. Acesso em: 10 set. 2020. FUNDAÇÃO DOM CABRAL. Novas formas de trabalhar: impactos do home office em tempos de crise. Relatório de Pesquisa, [Online], 2020. Disponível em: https://www.fdc.org.br/

70 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA conhecimento/publicacoes/relatorio-de-pesquisa-34994. Acesso em: 10 set. 2020. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: COVID19. Brasília, 2020. Disponível em: https://covid19.ibge. gov.br/pnad-covid/trabalho.php. Acesso em: 10 set. 2020. ISTO É. O futuro do trabalho é remoto. Disponível em; https:// www.istoedinheiro.com.br/o-futuro-do-trabalho-e-remoto/. Acesso em: 10 set. 2020. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. MAFFRA, Márcia Vieira. Direito à desconexão no universo do trabalho. In: GUERRA, Giovanni Antônio Diniz; VASCONCE‐ LOS, Ricardo Guerra; CHADI, Ricardo (Org.). Direito do Traba‐ lho. Belo Horizonte: FUMARC, 2015. MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. MOORE, Phoebe; UPCHURCH, Martin; WHITTAKER, Xanthe (eds.). Humans and machines at work: monitoring, surveillance and automation in contemporary capitalism. Cham: Palgrave Macmillan, 2018. MOURA, Marcelo. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2014. NUNES, Talita Camila Gonçalves. A precarização no teletra‐ balho: escravidão tecnológica e impactos na saúde física e mental do trabalhador. Belo Horizonte: RTM, 2018.

A PANDEMIA COMO VETOR DE TENDÊNCIAS FU… 71 OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente às novas tecnologias no âmbito das relações de emprego. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, v. 39, ano 2015. OMS. Organização Mundial da Saúde. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. Genebra, 2020. Disponível em: https:// covid19.who.int. Acesso em: 10 set. 2020. PESSOA, Andre; MIZIARA, Raphael. Teletrabalho à luz da Medida Provisória nº 927 de 2020. Jota, 18 abr. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ teletrabalho-a-luz-da-medida-provisoria-no-927-de-2020- 18042020. Acesso em: 10 set. 2020. PNAD COVID19. Desocupação, renda, afastamentos, trabalho remoto e outros efeitos da pandemia no trabalho. Disponível em: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/trabalho.php. Acesso em: 10 set. 2020. Portal IPEA. Potencial de teletrabalho na pandemia: um retrato no Brasil e no mundo. n. 47, 2º trimestre 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ conjuntura/200608_nt_cc47_teletrabalho.PDF. Acesso em: 10 set. 2020. SEBRAE. Pesquisa: O Impacto da pandemia de corona vírus nos Pequenos Negócios. [Online], 2020. Disponível em: https:// datasebrae.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Impacto-do- coronav%C3%ADrus-nas-MPE-2%C2%AAedicao_geral-v4- 1.pdf. Acesso em: 10 set. 2020. SILVA, Fabrício Lima; PINHEIRO, Iuri. Quais os impactos do coronavírus no gerenciamento de programas de Compliance?. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, edição especial, t. II, jul. 2020.

72 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da lei 13.467/2017 e da med. prov. n. 808/2017. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2018. TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. Tradução: Marcelos Schild. Rio de Janeiro: Best Seller, 2015. TEC. Institute for Technology, Enterpreneurship and Culture. Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade Redefinida e os Novos Negócios. [Online], 2020. Disponível em: https://www.aberje.com.br/wp-content/uploads/2020/04/ COVID-Infobase_trendstecnologia.pdf. Acesso em: 10 set. 2020. TOFLER, Alvin. A terceira onda. São Paulo: Record, 1987. VILLATORE, Marco Antônio César; RODRIGUES JUNIOR, Edison Luiz. Novidades sobre o teletrabalho e a Lei n. 13.467, publicada em 13 de julho de 2017: o avanço legislativo e o retro‐ cesso de direitos. In DALLEGRAVE NETO, José Affonso; KAJOTA, Ernani (Coord). Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao Professor Luiz Eduardo Gunther. São Paulo: LTr, 2018.

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO, DE SALÁRIOS E SUSPENSÃO CONTRATUAL ATRAVÉS DE ACORDO INDIVIDUAL PELA LEI 14.020/2020 JOÃO FELIPE SOUZA ELVA DE SÁ RESUMO EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID- 19) o Direito do Trabalho sofreu profundas alterações, pois o impacto na economia afetou diretamente as relações empregatí‐ cias. Na tentativa de amenizar os efeitos da pandemia para os trabalhadores e empregadores, o Governo Federal instituiu através da Medida Provisória 936 (posteriormente convertida na Lei 14.020/2020) o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que buscou assegurar a remuneração do trabalhador e evitar demissões durante a crise sanitária. O presente estudo é uma revisão bibliográfica e tem o escopo de analisar o referido programa frente à Constituição Federal de 1988 (CF/88), a fim de verificar se há inconstitucionalidade e violação a direitos e garantias fundamentais por essa lei. Palavras-chave: Coronavírus. Relação de emprego Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Constitu‐ cionalidade.

74 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ••• ABSTRACT As a result of the New Coronavirus pandemic (COVID-19), Labor Law has undergone profound changes, as the impact on the economy directly affected employment relationships. In an attempt to mitigate the effects of the pandemic for workers and employers, the Federal Government instituted, through MP 936 (later converted into Law 14.020 / 2020) the Emergency Program for the Maintenance of Employment and Income, which sought to ensure the remuneration of workers and avoid layoffs during the health crisis. The present study is a bibliographic review and has the scope of analyzing the referred program against the Federal Constitution of 1988 (CF / 88), in order to verify if there is unconstitutionality and violation of fundamental rights and guarantees by this law. Keywords: Coronavirus. Employment relationship Emergency Employment and Income Maintenance Program. Constituti‐ onality. 1. INTRODUÇÃO A humanidade passa por um momento sem precedentes na histó‐ ria, um cenário inimaginável de pandemia, uma crise sanitária com efeitos devastadores em diversas esferas da sociedade. O direito do trabalho também vem sofrendo mudanças devido esse novo fato social, e para se adequar a essa nova realidade, foram necessárias novas normas para regulamentar as relações traba‐ lhistas que foram gravemente afetadas. Ainda no início da pandemia aqui no Brasil, a primeira legislação a tratar sobre o Coronavírus (Covid-19) e as relações de emprego

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 75 foi a lei 13.979/2020, publicada em 06/02/2020. Essa lei é rele‐ vante, pois passou a considerar falta justificada ao trabalho o período de ausência por adoção de medidas que evitem a propa‐ gação do vírus, como por exemplo, o isolamento e a quarentena. Devido à gravidade da situação, em 20/03/2020, com a crise sanitária instaurada e ganhando maiores proporções, foi promul‐ gado o Decreto Legislativo n° 6 de 2020, em que foi reconhecida a ocorrência do estado de calamidade pública. No entanto, as normas supracitadas não se demonstraram sufici‐ entes para enfrentar os problemas do desemprego e perda da renda pelo trabalhador. Com isso, em 01/04/2020 foi editada a Medida Provisória 936, posteriormente convertida na lei 14.020/2020, sancionada em 06/07/2020. Essa lei instituiu o Programa Emergencial de Manu‐ tenção do Emprego e da Renda, que tem a finalidade de auxiliar principalmente os trabalhadores durante o estado de calamidade pública instaurado pela pandemia do Coronavírus. O cenário exige o isolamento e o distanciamento social como formas de enfrentamento ao vírus. Em decorrência desse contexto, muitas empresas lamentavelmente tiveram que encerrar suas atividades, aumentando ainda mais a triste estatística do desemprego, que já assolava o Brasil antes do período pandêmico. No entanto, as medidas tragas pela Lei 14.020/2020 para manu‐ tenção do emprego e renda permitem que os empregadores adotem a redução de jornada de trabalho e de salário e suspensão temporária do contrato de trabalho, a depender da remuneração, através de acordo individual, o que se demonstra uma flexibili‐ zação excessiva dos direitos trabalhistas. O partido político Rede Sustentabilidade ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para questionar a constitu‐

76 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA cionalidade da lei, contestando dentre outros pontos a redução de salário e de jornada através de acordo individual, a não parti‐ cipação dos sindicatos nessas negociações e o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas como instrumento democrá‐ tico de resolução dos interesses de empregados e empregadores. Diante de toda essa conjuntura, o presente trabalho busca analisar se as medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda são admitidas no ordenamento jurídico pátrio, frente aos direitos e garantias fundamentais dos trabalha‐ dores, assegurados pela Constituição Federal. 2. O PROGRAMA EMERGENCIAL DE MANUTENÇÃO DO EMPREGO E DA RENDA O programa foi originalmente instituído pela Medida Provisória 936, em 1° de Abril de 2020, com o objetivo de manter o emprego e a renda do trabalhador, em meio à pandemia do Covid-19. Posteriormente, em 06/07/2020 a MP foi convertida na Lei 14.020/2020, com algumas alterações, seu texto foi quase que em sua integralidade mantido. O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda tem aplicação durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo n° 6 de 20 de março de 2020. De acordo com o Decreto, o estado calamitoso tem duração até 31/12/2020. Os objetivos do programa são a preservação do emprego e renda do trabalhador, bem com assegurar a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública.

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 77 Para isso, a lei permite que o empregador adote as seguintes medidas: o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho. 2.1 Redução proporcional de jornada de trabalho e de salário Como forma de desoneração da folha de pagamento das empre‐ sas, a legislação emergente permite que o empregador reduza proporcionalmente a jornada de trabalho e o salário do cola‐ borador. Essa medida se operacionaliza da seguinte forma: o empregador poderá de comum acordo com o empregado firmar a redução proporcional de jornada e trabalho, devendo observar a preser‐ vação do salário-hora de trabalho, podendo ser feita nos percen‐ tuais de 25%, 50% ou 70%, pelo prazo máximo de 90 dias. A lei autorizou ainda que a medida fosse prorrogada, por ato do Poder Executivo. O Decreto 10.422 regulamentou o texto legal e permitiu que a redução fosse estendida por mais 30 dias, totali‐ zando 120 dias. Em decorrência da continuidade do período pandêmico, em 24/08/2020, O Poder Executivo Federal pror‐ rogou novamente tal prazo através do Decreto 10.470, por mais 60 dias, podendo tal medida ser estendida até o total de 180 dias. Este último Decreto também estabeleceu o prazo máximo de 31/12/2020 para a duração das medidas. 2.2 Suspensão temporária do contrato de trabalho A suspensão do contrato de trabalho é definida pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maurício Godinho Delgado como

78 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA A sustação temporária dos principais efeitos do contrato de trabalho no tocante as partes, em virtude de um fato juridicamente relevante, sem ruptura, contudo, do vínculo contratual formado. É a sustação ampliada e recíproca de efeitos contratuais, preservado, porém o vínculo entre as partes. (DELGADO, 2019, p. 1262). Pode-se extrair do conceito do Exmo. Ministro que a suspensão do contrato de trabalho é uma pausa nas atividades laborais, no entanto o contrato de trabalho permanece vigente. Em decor‐ rência dessa sustação temporária, o empregado não trabalha, o tempo de serviço não é contado e o empregador não paga o salário ao colaborador. É uma cessação recíproca de obrigações contratuais. A lei 14.020/2020 também permitiu que fosse feito acordo para a suspensão temporária do contrato de trabalho durante o estado de calamidade pública. Nos termos da referida lei, o acordo pode ser feito durante o estado de calamidade pública, através de acordo entre as partes, pelo período de até 60 dias, podendo ser prorrogado por igual prazo, conforme a permissão traga pelo Decreto 10.422. Assim como na redução de jornada, o Decreto 10.470 também auto‐ rizou a prorrogação da medida de suspensão do contrato de trabalho por mais 60 dias, totalizando 180 dias, observado o prazo do estado de calamidade pública, ou seja, até 31/12/2020. Durante a suspensão do contrato de trabalho, o empregado continuará a receber os benefícios concedidos pelo empregador, como por exemplo, o vale refeição. Caso queira, poderá contri‐ buir para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), como segurado facultativo. Com o contrato suspenso, o empregador não poderá, por nenhum meio, exigir do empregado atividade laboral, sob pena

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 79 de ser caracterizada fraude, ficando responsável pelo pagamento da remuneração durante todo o período, além dos encargos sociais trabalhistas e demais penalidades previstas em negociação coletiva e na legislação. 2.3 Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) O legislador trouxe providências para amparar os trabalhadores que foram afetados pelas medidas de suspensão do contrato de trabalho e redução proporcional de jornada e de salário. A prin‐ cipal delas é o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm). O BEm consiste em uma prestação mensal, devida a partir da data em que o trabalhador foi atingido com a redução de salário e jornada ou suspensão do contrato, custeada pela União e calcu‐ lada com base no seguro desemprego que o empregado teria direito. É importante destacar que o valor do seguro desemprego é utili‐ zado apenas como base de cálculo do benefício, não interferindo no direito que o trabalhador vir a ter posteriormente. Para o trabalhador com a jornada reduzida, o valor do benefício será calculado de acordo com o percentual da redução. Então, ilustrativamente, se o empregado teve a jornada de trabalho reduzida em 50%, o empregador irá pagar 50% do salário, e o BEm corresponderá a 50% do seguro desemprego que o obreiro teria direito. Já na suspensão temporária do contrato de trabalho, o valor do benefício corresponderá ao valor mensal de 100% do valor do seguro desemprego que o trabalhador teria direito.

80 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Na hipótese da empresa a qual o trabalhador está vinculado tiver auferido receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) no ano de 2019, esta somente poderá suspender o contrato de trabalho mediante o pagamento de multa compensatória no valor de 30% do salário do empregado, mensalmente enquanto durar a medida. Nesse caso, o BEm corresponderá a 70% do valor do seguro desemprego que o trabalhador teria direito. 2.4 As garantias provisórias de emprego da Lei 14.020/2020 Outra contraprestação assegurada pela lei para os empregados afetados pela suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada foi a estabilidade provisória. Essa garantia provisória no emprego é dada ao trabalhador pelo tempo que durar a redução e/ou suspensão, somados a igual período após o fim das medidas. Ilustrativamente, se um empregado tiver a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias, durante esse prazo estará assegurado seu emprego, e quando terminar, terá mais 60 dias de estabilidade. A lei também passou a regulamentar a estabilidade da empregada gestante, de modo que ela terá período estabilitário equivalente ao acordado pelas medidas de redução e/ou suspensão, iniciando a contagem a partir do término da estabilidade que já tem direito por ser gestante, ou seja, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. A pessoa com deficiência (PCD) também possui garantia provi‐ sória no emprego, não podendo ser demitida durante o estado de calamidade pública, que nos termos do Decreto Legislativo n° 6/2020, tem duração até 31/12/2020.

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 81 Para os trabalhadores demitidos sem justa causa durante a garantia provisória de emprego, a lei assegurou uma indenização compensatória, no valor de: I – 50% (cinquenta por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% (vinte e cinco por cento) e inferior a 50% (cinquenta por cento); II – 75% (setenta e cinco por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) e inferior a 70% (setenta por cento); (BRASIL, 2020). Vale ressaltar que tal indenização não será devida nas hipóteses de demissão por justa causa ou pedido de demissão. 3. A VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA LEI 14.020/2020 A legislação de emergência, rapidamente elaborada em decor‐ rência da crise sanitária do Covid-19, viola direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, direitos esses dispostos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), além de outros previstos na legislação ordinária e em Convenções Internacionais nas quais o Brasil é signatário. São direitos sociais voltados a proteção do trabalhador, tendo em vista que os valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil. 3.1 Irredutibilidade salarial

82 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA A irredutibilidade salarial é um direito fundamental que compõe o sistema de garantias salariais, que são proteções jurídicas rela‐ cionadas ao valor do salário. O princípio da irredutibilidade salarial decorre do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. A CF/88, em seu artigo 7°, VI, diz que é direito dos trabalhadores a irredutibilidade salarial, exceto se disposto em convenção ou acordo coletivo. Assim, todos os demais dispositivos legais atinentes à redução salarial por acordo individual consideram-se revogados tacita‐ mente, pois a CF/88 regulamentou o tema, estabelecendo a única hipótese em que é admitida a redução. Como exemplo de leis que tratam desse tema, temos a própria CLT, em seu art. 503 que diz que: É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região. (BRASIL, 1943). Esse artigo da CLT trata de uma situação bem específica, que é a possibilidade de redução de salários através de acordo individual, em decorrência de foça maior. De acordo com a própria CLT no art. 501, força maior é todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. A questão do Covid-19 poder ser considerado uma hipótese de força maior é bem sensível. A MP 927 tratava sobre medidas trabalhistas para enfrentamento da crise sanitária, estabelecendo regras emergenciais para o teletrabalho e antecipação de férias, por exemplo. A MP 927 vigorou entre 22/03/2020 e 19/07/2020

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 83 e chegou a considerar, para fins trabalhistas, a hipótese de força maior. No entanto a medida perdeu sua validade por não ser apreciada a tempo pelo Congresso Nacional. A CLT, de 1943, precede a Constituição Federal, que posterior‐ mente tratou acerca da redução de salários, a proibindo forma expressa, exceto se disposto em negociação coletiva. Mesmo que haja interpretação diversa, ou seja, considerando que tal disposi‐ tivo foi recepcionado pela CF/88, o percentual máximo de redução é de 25%, já na lei 14.020/2020, o percentual pode chegar até 70%. Nesse sentido, Henrique Correia afirma que a irredutibilidade salarial significa que: Veda-se a redução (diminuição) dos salários dos trabalhadores, exceto por convenção ou acordo coletivo (artigo 7°, inciso VI, da Constituição Federal). Portanto, para que essa redução salarial seja válida, há necessidade da participação do sindicato dos trabalhadores. (CORREIA, 2020, p. 109). Portanto, uma eventual redução de salários deve acontecer via acordo ou convenção coletiva de trabalho, e caso não haja partici‐ pação dos sindicatos laborais nessa negociação, ela não terá vali‐ dade. Essa é a única ressalva feita pela Carta Magna, nem mesmo a lei pode disciplinar sobre a redução salarial. A ADI 6363, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade indagou o art. 12 da lei 14.020/2020 (à época MP 936, ainda não conver‐ tida em lei), que permite a realização de acordo individual para redução de jornada e de salário, e também de suspensão do contrato de trabalho, para os empregados:

84 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA I - com salário igual ou inferior a R$ 2.090,00 (dois mil e noventa reais), na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais); II - com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil, cento e trinta e cinco reais), na hipótese de o empregador ter auferido, no ano- calendário de 2019, receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais); ou III - portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (BRASIL, 2020). O partido argumentou que: A irredutibilidade salarial é garantia social intrinsecamente ligada à dignidade humana, ao valor social do trabalho (disposto no art. 170, caput, da CF) e ao mínimo existencial elencado no art. 6º do texto constitucional. A irredutibilidade salarial tem lugar apenas mediante negociação coletiva e para garantir a manutenção dos postos de trabalho, e não cabe em nenhuma outra hipótese. (REDE, 2020). A medida demonstra-se ainda mais gravosa, pois além de permitir a redução de salário por acordo individual, o que é expressamente vedado pela CF/88, ainda distingue os trabalha‐ dores pelo salário que recebem, e pela renda que a empresa a qual estão vinculados auferiu, ferindo outro princípio constitucional, o da isonomia. A lei ainda estabelece que além dos empregados enquadrados nos requisitos supracitados, também poderão fazer acordo individual os trabalhadores com redução de 25% do salário, independente‐ mente de sua remuneração e da receita da empresa. Da mesma

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 85 forma poderá se fazer acordo individual quando este não resultar na diminuição da remuneração do empregado. A relação empregatícia é distinta das relações civis, portanto não pode ser tratada da mesma maneira. O trabalhador é a parte mais vulnerável dessa relação e individualmente possui menos poder de negociação. A vulnerabilidade do trabalhador é reconhecida por lei, quando a CLT, em seu artigo 3°, define a subordinação jurídica como requisito indispensável para a configuração da relação de emprego. Não há relação igualitária quando uma parte é subordi‐ nada juridicamente à outra, e o objetivo do direito do trabalho é justamente amenizar esse desequilíbrio. Logo, por mais que se demonstre uma medida conveniente, a redução de salário por acordo individual não é constitucional. Não basta que uma medida seja aconselhável, ela deve encaixar-se nos moldes do ordenamento jurídico. 3.2 Reconhecimento dos acordos e convenções coletivas como instrumento democrático de resolução dos interesses entre empregados e empregadores. Outro direito fundamental violado pela lei 14/020/2020, foi o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. A negociação coletiva pode ocorrer de duas formas: através da convenção coletiva de trabalho (CCT) e do acordo coletivo de trabalho (ACT). A primeira decorre da negociação entre os sindi‐ catos de categoria econômica e profissional, ou seja, entre os sindicatos de empregadores e empregados, respectivamente. O acordo coletivo de trabalho é mais específico, e advém da negoci‐ ação entre o sindicato laboral e uma ou mais empresas.

86 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA A principal diferença entre esses dois instrumentos é presença do sindicato de categoria econômica, que não é necessária nos acordos coletivos de trabalho. Por sua vez, em qualquer negoci‐ ação coletiva é obrigatória a participação do sindicato de cate‐ goria profissional. Esses instrumentos de negociação coletiva são métodos auto‐ compositivos de solução de conflitos. São considerados fontes formais autônomas do direito do trabalho, pois são elaboradas pelas próprias partes e fazem lei entre elas. A solução de conflitos através da autocomposição tem se demonstrado um método bastante efetivo, pois os próprios liti‐ gantes negociam as cláusulas do acordo, há uma concessão recí‐ proca mediante ajuste de vontades. Através da negociação coletiva os trabalhadores unidos através do sindicato têm um maior poder de negociação, podendo expandir os direitos previstos na legislação. No entanto, apesar da negociação coletiva ser um instrumento de suma importância na relação empregatícia, recentemente esse método de solução de conflitos vem ganhando exacerbada margem de direitos disponíveis à negociação, permitindo a excessiva flexibilização das normas trabalhistas. A reforma trabalhista deu amplitude ao negociado em desfavor do legislado, isso significa que as negociações coletivas foram valorizadas. Porém, paralelamente a essa sobreposição, houve também o definhamento dos sindicatos de trabalhadores com a reforma, como por exemplo, na faculdade no pagamento de contribuição sindical e a necessidade de autorização expressa para o referido desconto. Isso demonstra uma notória contradição da lei com todo o conjunto normativo constitucional, pois ao mesmo tempo em

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 87 que foram concedidos amplos poderes aos instrumentos de nego‐ ciação coletiva, foi enfraquecido o meio pelo qual o trabalhador pode negociar seus direitos. Para além da questão financeira, que prejudicou a principal fonte de renda de grande parte dos sindicatos, outro ponto que preju‐ dicou as negociações coletivas foi o fim da sua ultratividade, traga também pela reforma trabalhista. Isso significa que as negociações coletivas, de acordo com a CLT, têm duração máxima de dois anos, e após o decurso desse prazo, ela perde sua vigência. A não ultratividade das normas coletivas é de certa forma um estímulo para o empregador manter-se inerte, ou pelo menos postergar a negociação, pois assim que encerra a sua vigência, os direitos ali assegurados, por não integrarem o contrato de trabalho, podem ser suprimidos. As negociações coletivas justamente nesse momento de crise deveriam ser incentivadas, através da aproximação entre os sindi‐ catos e empresas, fazendo valer o equilíbrio entre os contratantes coletivos. O que a lei 14.020/2020 buscou foi excluir os sindi‐ catos das negociações para redução de salário e de jornadas. Nessa perspectiva, Maurício Godinho Delgado afirma que: A negociação coletiva trabalhista consiste em um instrumento de democratização do poder e da riqueza no âmbito da sociedade civil; é importante veículo institucionalizado para a busca da maior democratização e inclusão socioeconômica das pessoas humanas na sociedade civil. (DELGADO, 2019, p. 1650). Assim sendo, a negociação coletiva é o meio adequado para a solução de tal conflito, por serem instrumento democrático para isso, permitindo que ambas as partes, através de concessões recí‐ procas, possam dialogar e chegar a um denominador comum.

88 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA A lei 14.020/2020 não observou esse aspecto da negociação cole‐ tiva, optando por suprimir a participação dos sindicatos na defesa dos interesses da classe trabalhadora. 3.3 Obrigatória participação dos Sindicatos nas negociações coletivas. Os ordenamentos jurídicos trabalhista, constitucional e conven‐ cional garantem a participação dos sindicatos em negociações coletivas. Conforme já exposto, a irredutibilidade salarial é um direito fundamental e só pode ser alterada por negociação cole‐ tiva. Portanto o direito de participação dos sindicatos nas negoci‐ ações que envolvam redução de salário foi tolhido. Esse outro direito fundamental violado, consta no artigo 8°, III e VI da CF/88. Esses dispositivos referem-se, respectivamente, ao objetivo dos sindicatos de defender os direitos da categoria e a sua obrigatória participação nas negociações coletivas. Desse modo, a exclusão dos sindicatos da negociação coletiva demons‐ tra-se inconstitucional. O artigo 12 §4° da lei 14.020/2020 assim dispõe: Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Lei deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato da categoria profissional, no prazo de até 10 (dez) dias corridos, contado da data de sua celebração. (BRASIL, 2020). Portanto, os sindicatos na respectiva lei apenas devem ser comu‐ nicados do acordo individual firmado, e nada é mencionado sobre eventual punição em caso de descumprimento dessa comu‐ nicação. Diante do silêncio da lei, a interpretação a ser adotada é pela nulidade do acordo não comunicado no prazo estabelecido.

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 89 Nem mesmo em sede de Embargos de Declaração na ADI 6363 tal questão restou-se esclarecida. O relator da ação, o Ministro Ricardo Lewandowski, apenas deu a entender qual seria a consequência da não comunicação: Uma das possíveis consequências jurídicas da falta de comunicação do empregador à respectiva entidade sindical, no prazo de 10 dias, estabelecido pela MP, será a perda da validade do acordo individual por descumprimento de formalidade essencial. (STF, 2020). Ou seja, nem a lei, nem mesmo com o ajuizamento da ação direita de inconstitucionalidade e consequente embargos de declaração para esclarecer pontos obscuros da decisão foram suficientes para elucidar tal ponto. O artigo 12§ 4° da lei 14.020/2020 colide frontalmente com os artigos 7°, XXVI e 8°, III e VI da CF/88, inviabilizando tais direitos fundamentais. Interpretação diversa, ainda que sob a justificativa da celeridade, tende a inconstitucionalidade, pois a agilidade não pode se sobrepor a garantias constitucionais. Ademais, os meios telemáticos foram intensificados durante a pandemia, e podem suprir a eventual morosidade das negocia‐ ções coletivas. Deve-se destacar ainda que a exclusão dos sindicatos da negoci‐ ação coletiva não pode simplesmente ser suprida por uma comu‐ nicação posterior ao acordo, ainda que seja fundamentado na dificuldade de comunicação com os sindicatos. Obviamente que se comprovada a tentativa de obstrução da negociação coletiva, a entidade de classe deverá ser penalizada. Excepcionalmente pode se admitir que Federações e Confedera‐ ções possam ser comunicadas dos acordos coletivos, nos casos

90 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA em que os sindicatos não forem localizados por nenhum meio, inclusive os eletrônicos. Os Tratados e Convenções constituem fontes do direito do traba‐ lho, e após aprovados pelo Congresso Nacional passam a ter vigência no ordenamento jurídico brasileiro, com status constitu‐ cional e de observância obrigatória. O Brasil ratificou conven‐ ções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam da negociação coletiva. A Convenção 98 da OIT trata sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva. Seu artigo 4° assim dispõe que: Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego. (OIT, 1949). No mesmo sentido, a Convenção 154 da OIT, que versa acerca do fomento à negociação coletiva, afirma em seu art. 5° que: Art. 5 — 1. Deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais no estímulo à negociação coletiva. 2. As medidas a que se refere o parágrafo 1 deste artigo devem prover que: a) a negociação coletiva seja possibilitada a todos os empregadores e a todas as categorias de trabalhadores dos ramos de atividade a que aplique a presente Convenção;

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 91 b) a negociação coletiva seja progressivamente estendida a todas as matérias a que se referem os anexos a, b e c do artigo 2 da presente Convenção; c) seja estimulado o estabelecimento de normas de procedimentos acordadas entre as organizações de empregadores e as organizações de trabalhadores; d) a negociação coletiva não seja impedida devido à inexistência ou ao caráter impróprio de tais normas; e) os órgãos e procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas sejam concedidos de tal maneira que possam contribuir para o estímulo à negociação coletiva. (OIT, 1981). Então, a lei 14.020/2020, além de ir de encontro a CF/88, ofende também convenções internacionais nas quais o Brasil é signatá‐ rio, na medida em que desestimula as negociações coletivas. O entendimento de que acordos individuais para redução de jornada e de salário são inconstitucionais é corroborado inclusive pelo Ministro Ricardo Lewandowski, em decisão na ADI 6363, quando afirma que: Tudo indica que a celebração de acordos individuais “de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho”, cogitados na Medida Provisória em comento, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto nos arts. 7, VI, XII e XVI, e 8, III e VI, da Constituição. (STF, 2020). No entanto, apesar desse “indício de inconstitucionalidade” apontado, o Ministro entendeu que a MP 936 (ainda não conver‐ tida na lei 14.020/2020 a época) deveria ser interpretada conforme a constituição.

92 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA 4 ENFRENTAMENTO À CRISE E PERSPECTIVAS DO DIREITO DO TRABALHO PÓS-PANDEMIA O Direito do Trabalho possivelmente tem sido o ramo jurídico mais impactado com a pandemia do Covid-19, muitas dessas alterações inclusive afrontando direitos arduamente conquis‐ tados pelos trabalhadores. O cenário pós-pandemia não é próspero, pois os direitos violados durante a crise sanitária abrem um perigoso precedente em nosso ordenamento jurídico. As normas constitucionais devem vigorar em qualquer tempo, inclusive nos de crise, quando os mais vulne‐ ráveis necessitam da proteção dada pela Magna Carta. O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda infringiu direitos fundamentais que jamais poderiam ter sido transgredidos, além de não cumprir com o seu objetivo, que leva em seu próprio nome, que é manter o emprego e a renda. Estudo realizado pelo “Grupo de Pesquisa Estado, Direito e Soci‐ edade: Direito e Desenvolvimento Econômico” da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), aponta que de acordo com os dados do CAGED, a pandemia do COVID-19 provocou a demissão de aproximadamente 1.144.875 (Um milhão Cento e Quarenta e Quatro Mil e Oitocentos e Setenta e Cinco) pessoas entre os meses de Janeiro e Maio de 2020, afetando principalmente os setores do comércio, serviços e indústria. O estudo ainda indica que o rendimento médio real dos trabalha‐ dores foi afetado, com uma redução de R$ 2.320,00 (Dois Mil Trezentos e Vinte Reais) para R$ 1.899,00 (Mil Oitocentos e Noventa e Nove Reais). Ou seja, mesmo aqueles que conseguiram manter o emprego, tiveram renda reduzida.

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 93 Portanto, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda pode ser considerado um fracasso, tanto por não atingir seu principal objetivo, como por infringir o ordenamento jurídico. Diante desse cenário catastrófico, fica o questionamento do que deve ser feito para amenizar os efeitos da crise. Não há uma solução específica, mas há medidas que podem ser tomadas para reduzir os impactos. A melhor maneira de enfrentar a crise é através da união dos trabalhadores. É através da coletividade que os direitos são conquistados e negociações podem ser feitas de maneira a garantir a equidade entre as partes. Os sindicatos tem papel crucial nesse momento, pois já que foram excluídos da possibilidade de negociar coletivamente acerca da redução de salários e de jornada, devem atuar de outra maneira, mas sempre tendo em vista a defesa dos interesses da categoria profissional que representa. O que deve ser feito primeiramente é a fiscalização do cumpri‐ mento da lei 14.020/2020, inclusive dos prazos nela descritos, em especial o de comunicação ao sindicato dos acordos individuais firmados (10 dias após a realização do acordo). Em caso de não comunicação no prazo legal, entende-se que o acordo é nulo, devendo ser restabelecida a jornada e o salário do empregado. Outra maneira do sindicato agir perante essas condições é a possibilidade da atuação do sindicato como substituto processual para a defesa de direitos de um grupo de trabalhadores. Isso significa que o sindicato poderá postular em juízo, em nome próprio, para defender o direito dos empregados a ele vinculado. É importante observar que o sindicato representa todos os traba‐

94 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA lhadores da categoria, independentemente do pagamento de contribuição sindical. A legitimidade das entidades de classe para representarem os empregados na defesa de direitos individuais homogêneos já é admitida inclusive pelo TST, conforme o seguinte julgado: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017 – TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. A jurisprudência do TST consolidou-se no sentido de que a prerrogativa prevista no art. 8º, III, da Constituição da República confere à entidade sindical ampla legitimidade para, na qualidade de substituta processual, atuar na defesa dos direitos individuais homogêneos dos seus substituídos, hipótese dos autos, em que se pleiteia o pagamento de horas extras decorrentes do enquadramento dos ocupantes do cargo de \"operador de mesa de câmbio\" no art. 224, caput, da CLT. Julgados. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 1005- 44.2018.5.09.0004, 8° Turma, Relator Ministro Marcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 26/06/2020). (TST, 2020). Ao não concordar com as medidas adotadas pelos empregadores, o sindicato deve manifestar-se sobre o acordo, deflagrando a negociação coletiva e estabelecendo condições mais benéficas aos trabalhadores. Caso não haja consenso sobre os termos acordados individual‐ mente, os trabalhadores podem exercer o direito de greve. Esse direito está previsto no art. 9° da CF/88 e Henrique Correia (2020, p. 343) o conceitua como a “paralização coletiva, total ou

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 95 parcial, pacífica e temporária do trabalho com o objetivo de defender interesses profissionais”. A greve é um meio de solução de conflito bastante efetivo, pois faz uma pressão sobre os empregadores, os forçando a atender o pleito dos trabalhadores. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS É notório que o momento pelo qual a humanidade esta passando é bem complexo, em decorrência da crise sanitária do Covid-19. Esse cenário abalou diretamente o direito do trabalho e as rela‐ ções trabalhistas, pois para viabilizar o distanciamento social recomendado pelas autoridades da saúde, empresas foram obri‐ gadas a se reinventar e funcionar com as portas fechadas, em sua maioria apenas através do teletrabalho e serviço de entregas. Essa adversidade provocou uma abrupta queda na arrecadação das empresas, e o Estado, na tentativa de socorrer as empresas e os empregos, lançou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Portanto, a partir da análise proposta pelo presente estudo pode- se concluir que a Lei 14.020/2020, que instituiu tal programa, traz consigo afronta a direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores. Dentre as inconstitucionalidades, destacam-se a redução de salários mediante acordo individual e a não obrigato‐ riedade de participação dos sindicatos nesses acordos. O programa da lei 14.020/2020 além das inconstitucionalidades que constam em seu texto, não demonstrou efetividade em cumprir seu objetivo de manter o emprego e a renda do trabalhador.

96 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Na realidade, o trabalhador é jogado a própria sorte e se vê obri‐ gado a aceitar as condições do acordo individual, pelo medo de perder o que na maioria das vezes é a principal fonte de subsis‐ tência, que é o emprego e o salário. Em outras palavras, o traba‐ lhador aceita a precarização da relação de emprego para não ser demitido. Para ser considerada constitucional, a medida traga pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda teria que utilizar como base de cálculo a remuneração do empre‐ gado, e não o valor do seguro desemprego que este teria direito, pois assim está caracterizada uma alteração contratual lesiva ao trabalhador, atingindo o núcleo do contrato de trabalho, que é o salário. Caso utilizado como base de cálculo o salário efetivo do trabalhador, apesar da jornada ser reduzida, a remuneração restaria intacta. Além disso, para suprir a inconstitucionalidade da referida lei seria necessária a inclusão dos sindicatos nas negociações que reduzam o salário dos trabalhadores. Apenas a obrigação das empresas em comunicar o acordo individual, posteriormente, à entidade de classe não pode substituir a negociação coletiva, que nesse caso, é indispensável. O empregador é quem deve assumir os riscos da atividade econô‐ mica. Nos momentos em que a empresa tenha lucro, ele não é obrigado a partilhar isso com os colaboradores, por outro lado, nos momentos de crise, o empregado não deve assumir parte desse prejuízo. Não é juridicamente viável uma medida que busque acentuar ainda mais a desigualdade entre os polos da relação empregatícia, como ocorre na lei 14.020/2020. É preciso compreender o momento dificultoso pelo qual passamos, no entanto o ordena‐ mento jurídico deve continuar em plena vigência, e o que a lei

A (IN)CONSTUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE J… 97 deveria buscar era o fomento a negociação coletiva tendo em vista a hipossuficiência do polo mais fraco da relação trabalhista, o empregado. REFERÊNCIAS ANPT, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Intervenção como AMICUS CURIAE. Brasília, DF: 8 de abril de 2020. Disponível: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/ consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf? seqobjetoincidente=5886604. Acesso: 22 ago. 2020. BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARA‐ NHÃO, Ney. Direito do trabalho na crise do covid-19. Salvador: Juspodivm, 2020. Disponível em: https://especial. editorajuspodivm.com.br/ebook-direito-trabalho-covid19. Acesso em: 3 ago. 2020. BRASIL, Decreto Legislativo nº 6, 20 de março de 2020. Brasília, DF: Congresso Nacional, 20 mar. 2020. Disponível: https://www. conjur.com.br/dl/decreto-legislativo-2020-coronavirus.pdf. Acesso em: 13 set. 2020. BRASIL, Decreto nº 10.088, de 05 de novembro de 2019. Brasí‐ lia, DF: Planalto, 05 novembro. 2019. Disponível: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/ D10088.htm. Acesso em: 14 ago. 2020. BRASIL, Decreto nº 10.422, de 13 de julho de 2020. Brasília, DF: Planalto, 13 julho. 2020. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10422.htm. Acesso em: 13 set. 2020. BRASIL, Decreto nº 10.470, de 24 de agosto de 2020. Brasília, DF: Planalto, 24 ago. 2020. Disponível: https://www.in.gov.br/

98 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA en/web/dou/-/decreto-n-10.470-de-24-de-agosto-de-2020- 273771108. Acesso em: 13 set. 2020. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01.mai.1943. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm. Acesso em: 03.mar.2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL, Emb. Decl. na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.363, Brasília, DF: STF, 13 de abril de 2020. Disponível: https://static.poder360.com.br/2020/04/ decisao-stf-mp936-agu.pdf. Acesso em: 03.mar.2011. BRASIL, Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020. Brasília, DF: Planalto, 06 julho. 2020. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato20192022/2020/Lei/L14020.htm. Acesso em: 13 set. 2020. BRASIL, Medida cautelar na ação direta de inconstitucionali‐ dade 6.363, 06 de abril de 2020, Brasília, DF: STF, 06 de abril de 2020. Disponível: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/ noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6363.pdf. Acesso em: 03.mar.2011. BRASIL, Medida provisória n° 927, de 22 de março de 2020. Brasília, DF: Planalto, 22 março. 2020. Disponível: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/ mpv927.htm. Acesso em: 13 set. 2020. BRASIL, Medida provisória nº 936, de 1º de abril de 2020. Brasília, DF: Planalto, 01 abril. 2020. Disponível: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/ mpv936.htm. Acesso em: 13 set. 2020.


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook