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Direito do trabalho de emergência

Published by Papel da palavra, 2021-08-12 15:29:30

Description: Direito do trabalho de emergência

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TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RESPONSABILIDADE PATRONAL PELO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL BEATRIZ KUSTER DEGASPERI, NICOLE ARAÚJO DA SILVA RESUMO O PRESENTE TRABALHO FOI ELABORADO COM O INTUITO DE ressaltar a responsabilidade patronal de proporcionar um meio ambiente de trabalho saudável aos seus empregados, ainda que estes estejam laborando em regime de teletrabalho. Focado nos profissionais da saúde que estão atuando com telemedicina no atual cenário pandêmico, o estudo apresentou as atuais normas balizadoras desta forma de trabalho, traçou uma linha histórica acerca do dever fundamental de garantir meio ambiente do trabalho saudável e apresentou os dados do aumento do número de profissionais atuantes em teletrabalho, bem como os riscos à saúde que podem advir desta modalidade caso os profissionais não sejam devidamente orientados. Palavras-chave: teletrabalho; telemedicina; meio ambiente de trabalho saudável; pandemia. •••

300 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ABSTRACT The present work was developed with the intention of emphasi‐ zing the employer's responsibility to provide a healthy working environment to its employees, even though they are working in teleworking. Focused on health professionals who are working with telemedicine in the current pandemic scenario, the study presented the current guiding norms for this form of work, traced a historical line about the fundamental duty to guarantee a healthy work environment and presented data on the increase in the number of professionals working in teleworking, as well as the health risks that may arise from this modality if the professio‐ nals are not properly oriented. Key-words: telework; telemedicine; healthy work environment; pandemics. INTRODUÇÃO Em março de 2020 foi declarada pela Organização Mundial da Saúde a existência da primeira pandemia que atingiu a sociedade do século XXI, nomeada de \"pandemia do coronavírus” (COVID- 19). Inevitável dizer que essa declaração trouxe inúmeros reflexos para as relações humanas, situação que atingiu em cheio os pactos laborais, trazendo uma nova realidade jurídico-trabalhista. Nesse novo panorama, o Brasil aderiu à política de distancia‐ mento social a fim de reduzir o número de pessoas em circulação e, consequentemente, a ascensão da curva de contágio do COVID19. Assim, o regime de teletrabalho teve mais adeptos nesse período, sendo inclusive aderido na área da saúde. Nesse panorama emblemático, o Conselho Federal de Medicina reconheceu a possibilidade e a eticidade da utilização da Telemedicina.

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 301 Com o objetivo de contribuir com a discussão, o presente artigo analisou o dever e a responsabilidade patronal em garantir um ambiente o trabalho saudável ao empregado, inclusive quando este estiver em regime de teletrabalho, especificamente em relação aos profissionais de saúde que se utilizam ou utilizarão da Telemedicina. Dessa forma, demonstrou-se a importância em analisar tais aspectos, principalmente na perspectiva da legislação vigente acerca do regime de teletrabalho, com intuito de tomar preucau‐ ções a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. 1. A TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA A pandemia do novo Coronavírus (SArS-Cov-2), assim declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020, levou ao reconhecimento de estado de calamidade pública em todo o país, por meio do Decreto Legislativo nº 6/2020, e gerou espanto e preocupação ao redor do globo em razão da facilidade de contágio. De acordo com a classificação da OSHA (Occupational Safety e Health Administration, 2020), os profissionais que têm maior risco de exposição para o Covid-19 são os que têm contato direto com os pacientes como, por exemplo, dentistas, médicos, enfer‐ meiros, fisioterapeutas, intensivistas e profissionais que realizam procedimentos invasivos ou que produzem aerossóis. Já os profissionais que têm o menor risco de exposição para o Covid- 19 são os trabalhadores que não têm contato com pessoas conta‐ minadas ou suspeitas, ou não têm contato com o público em geral e com outros colegas de trabalho, como nas atividades de trabalho remoto (home office), professores, tradutores, youtu‐ bers, etc. Essa classificação feita pela OSHA é de extrema impor‐ tância, tendo em vista que direcionou as medidas de prevenção e

302 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA proteção aos profissionais de saúde, considerando que estes são os profissionais mais expostos. Frente a este cenário, o Brasil, seguindo a orientação da OMS, aderiu à política de distanciamento social, dentre outras medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei nº 13.979/2020, solicitando a todos aqueles que pudessem trabalhar remotamente (home office) o fizessem, a fim de reduzir o número de pessoas em circulação e, consequentemente, a ascensão da curva de contágio do Covid-19. Em razão disso, o Governo Federal sancionou a Lei nº 13.989/2020, a qual autorizou o exercício da Telemedicina, ou seja, o exercício da medicina mediado por tecnologias digitais para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças/lesões e promoção de saúde, restrito ao tempo em que perdurar o estado pandêmico (BRASIL, 2020, online). Na mesma linha, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária publicou a Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 07/2020 (ANVISA, 2020, p. 37), em que apresentou algumas estratégias que poderiam ser implementadas pelo serviço de saúde para minimizar a necessidade de uso de equipamento de proteção individual, dentre elas, a Telemedicina para avaliar casos suspeitos de Covid-19, reduzindo a necessidade de as pessoas se dirigirem às unidades de saúde . Nesse ínterim, por meio do Ofício nº 1756/2020 - CONJUR, o Conselho Federal de Medicina (CFM) (2020, p.1) decidiu aperfei‐ çoar ao máximo a eficiência dos serviços médicos prestados e, em caráter de excepcionalidade, reconhecer a possibilidade e a etici‐ dade da utilização da Telemedicina, além do disposto na Reso‐ lução CFM nº 1.643/2002.

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 303 De acordo com o CFM (2020, p. 1), ao exercer a Telemedicina, o médico pode realizar: i) teleconsulta – consulta médica à distân‐ cia, mediada por plataformas tecnológicas/virtuais; ii) teleorien‐ tação – orientação e encaminhamento à distância de pacientes em isolamento; iii) teleinterconsulta – troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico; e iv) telemonitoramento – ato realizado sob orientação e super‐ visão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença. Vale destacar que a Telemedicina não se restringe apenas aos médicos particulares e conveniados, mas também àqueles que trabalham no Sistema Único de Saúde (SUS), os quais poderão realizar atendimento pré-clínico por telefone, chat online e apli‐ cativo, bem como fazer teleconsultas e continuar o tratamento de pacientes através da plataforma Consultório Virtual (BRASIL, 2020, online). A referida plataforma fora elaborada pela Secre‐ taria de Atenção Primária à Saúde em conjunto com o Hospital Albert Einstein, com o intuito de diminuir a propagação do novo coronavírus e levar assistência à população, além de investir em soluções de telemedicina e telessaúde (BRASIL, 2020, online). Mas, de fato, o que é a Telemedicina? O termo cunhado em meados da década de 1970 refere-se, nos moldes adotados pela Organização Mundial da Saúde à prestação de serviços de saúde, onde a distância é um fator crítico, por todos os profissionais de saúde que utilizam tecnologias de informação e comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, pesquisa e avaliação e para a educação continuada dos profissionais de saúde, tudo no interesse de melhorar a saúde dos indivíduos e de suas comunidades (OMS, 2009, p. 9).

304 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Cabe observar, muito embora geralmente sejam utilizadas como sinônimos, há quem trace uma distinção entre a Telemedicina e a Telessaúde, \"sendo a primeira restrita à prestação de serviços apenas por médicos, e a segunda representando serviços pres‐ tados por profissionais de saúde em geral\" (OMS, 2009, p. 9). A maior parte dos serviços de Telemedicina, focado sobretudo no diagnóstico e gerenciamento clínico, é rotineiramente oferecida em regiões industrializadas, incluindo, entre outras, a América do Norte, Japão e Austrália (OMS, 2020, online). No entanto, seu uso é desigual no globo, de forma que, ao passo em que há nações que há anos gozam e possuem políticas ou estratégias de Telemedi‐ cina, há outras que sequer possuem avaliação de qualquer programa de Telessaúde patrocinada pelo governo, como o Chile, Estônia, Suíça e Vietnã (OMS, 2020, online). Vale mencionar, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a Telemedicina tem o potencial de solucionar grandes desafios da saúde, como a ampliação do acesso a serviços médicos especiali‐ zados a locais que não os apresentam, a melhoria da qualidade da atenção à saúde, a racionalização de custos e no apoio à vigilância epidemiológica (MALDONADO; MARQUES; CRUZ, 2016, p. 2). Assim, considerando o atual cenário pandêmico, a Telemedicina aparece como um meio de dirimir os problemas de saúde pree‐ xistentes somados às demandas relativas ao coronavírus, de modo a efetivar os direitos constitucionais à saúde e à segurança do trabalhador.

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 305 2. O DEVER PATRONAL DE GARANTIR UM MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL: ANÁLISE DO ARTIGO 75-E DA CLT 2. 1 Dever fundamental: noções gerais Antes de analisarmos o dever patronal de garantir um meio ambiente do trabalho saudável, temos que apreciar o conceito de dever fundamental especialmente se tratando do direito ao meio ambiente do trabalho saudável. De acordo com Gonçalves e Fabriz (2013, p. 92) dever funda‐ mental pode ser conceituado como “uma categoria jurídico-cons‐ titucional, fundada na solidariedade, que impõe condutas proporcionais àqueles submetidos a uma determinada ordem democrática, passíveis ou não de sanção, com a finalidade de promoção dos direitos fundamentais”. Nessa perspectiva, analisa-se, inicialmente, o dever fundamental patronal em garantir um meio ambiente de trabalho saudável, pautando-se no artigo 5º, b, da Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho. Conforme sustentando por Martins e Fabriz (2018, p.10) a Convenção 161 da OIT trata sobre os Serviços de Saúde do Trabalho, ratificada e em vigor desde 18 de maio de 1991, sendo formentado um compromisso internacional assumido pelo Brasil no sentido de adotar as medidas necessárias garantidoras de um meio ambiente laboral saudável, reverberando tal compromisso naqueles que se beneficiam do labor humano. Além disso, pontua-se que, por se tratar de norma internacional sobre direitos humanos, aprovada sem o quórum qualificado exigido pelo §5º, do artigo 5º da Constituição de 1988, ostenta o status de norma supralegal.

306 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Assim, vê-se a importância da norma supralegal em promover a saúde do trabalhador, como uma forma de prevenir as doenças e acidentes futuros. Ademais, sabe-se que Direito não é estático justamente pelas diversas transformações que as relações humanas atravessam, tendo abrangente pluralismo. Da mesma forma são as relações de trabalho que se desenvolvem e se modificam com o decorrer do tempo, se adaptando às demandas existentes a depender do momento vivido. Segundo SILVA e FARIAS (2017), percebe-se que a partir da Revolução Industrial ocorrida na Europa no século XVIII, a humanidade teve uma crescente precarização do ambiente de trabalho, num cenário que o homem e a máquina coexistiam de forma simbiótica com intuito de atender as inatingíveis demandas de produção. Diante de enorme mudança nas relações de trabalho, em que a produção era intensa e o lucro era sempre o foco, eram ignoradas demandas essenciais dos trabalhadores. Essa configuração de trabalho estava composta por jornadas exaustivas, fábricas insalubres, ambientes de trabalho degra‐ dantes que proporcionavam diversos riscos para saúde do traba‐ lhador. Assim, exausta de carregar diversas exorbitâncias impostas pelos empregadores, houve a revolta da classe prole‐ tariada. Os abusos ocorridos na Revolução Industrial foram de extrema importância para a classe trabalhadora se unir e exigir melhorias para condições de trabalho que futuramente motivaram na criação da limitação de jornada, o direito às horas extras, inter‐ valos intrajornadas, adicional de insalubridade, e demais diversos institutos do direito do trabalho. Resta claro que as mais diversas situações históricas afetam dire‐ tamente nas relações de trabalho, bem como os direitos a serem

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 307 postulados e medidas a serem tomadas pelo Estado como uma forma de garantir a saúde e integridade do trabalhador. O ordenamento jurídico brasileiro, no art. 225 da CF, visa garantir que o meio ambiente seja um bem de uso comum, do povo. Assim, cabe ao Poder Público e aos particulares o preserva‐ rem. Tratando-se do meio ambiente do trabalho, o qual está contido no conceito geral de meio ambiente (MARTINS, FABRIZ, 2018, p. 5) entendem-se este como o local onde o traba‐ lhador permanece durante seu período laboral, aguardando ordens ou realizando as obrigações oriundas da relação de trabalho. De acordo com ROCHA (2013), o meio ambiente do trabalho “representa todos os elementos, inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, compor‐ tamento e valores reunidos no locus do trabalho”. Sob este prisma, o art. 7º, inciso XXII, tutela acerca da proteção do trabalhador no ambiente de trabalho, protegendo a saúde, bem como integridade física deste trabalhador. Trata-se, pois, de um dever patronal de garantir um meio de trabalho saudável aos seus obreiros e de um direito fundamental do trabalhador de ter o trabalho compatibilizado com a dignidade da pessoa humana (FONSECA, LEITE, 2014, p. 1). Nesse sentido, fica evidenciado o intuito da norma constitucional em proteger o ambiente laboral, sendo exigido que fossem respeitadas as normas que delimitassem e garantissem um ambi‐ ente sadio ao trabalhador. Além disso, no art. 5º, caput, da Constituição de 1988 está previsto o princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida, o qual garante que todo indivíduo tenha direito à uma vida digna. Dessa forma, resta evidente que o trabalhador, ao dispor

308 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA sua força de trabalho, não está numa relação de moeda de troca em que tenha que dispor da sua saúde ou qualidade de vida para que receba seu salário. Ademais, é direito de todo trabalhador ter acesso a um ambiente de trabalho sadio, que, como mencionado no art.7º, inciso XXII da CF, respeite as normas de saúde, higiene e segurança, visando manter a saúde do empregado. Dessa forma, é responsabilidade patronal manter um ambiente de trabalho que cumpra tais normas, como uma forma de proteger o trabalhador de possíveis riscos do ambiente laboral. E, sob essa ótica, o art. 170 da Constituição da República de 1988, ao preceituar que a ordem econômica deve estar pautada na valo‐ rização do trabalho humano, com o objetivo de assegurar a todos uma existência vida digna, reforça o entendimento de que o direito a um ambiente de trabalho sadio é garantia constitucional. Vale ressaltar que as alterações na forma de se prestar o serviço faz com que o conceito de meio ambiente do trabalho se amplie aos espaços para além dos estabelecimentos daquele que se bene‐ ficiam do trabalho do obreiro, para além do ambiente físico da empresa a depender de onde foi prestado o trabalho. Assim, o direito a um ambiente de trabalho sadio se estende inclusive para o trabalhador que labora na forma do teletrabalho. Como mencionado, as situações históricas afetam diretamente as relações de trabalho, o que não foi diferente na pandemia do Covid-19. A pandemia do Coronavírus impactou em todos os setores e, no campo jurídico, especificamente nas relações de trabalho, houve a preocupação acerca da manutenção dos empre‐ gos, em evitar contaminação dos obreiros, bem como evitar o fechamento das empresas.

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 309 Nesse cenário, viu-se a necessidade de diversas empresas aderirem ao regime de teletrabalho como uma forma de manterem seu funcionamento e evitarem aglomeração dos seus trabalhadores. Uma nova forma de trabalho foi implementa às presas por diversas empresas, sem terem, contudo, entendimento de normas a serem cumpridas e não havendo a preocupação em garantirem um ambiente de trabalho sadio para os obreiros que começaram a laborar no regime de teletrabalho. Antes mesmo da reforma trabalhista, o regime de teletrabalho foi levemente mencionado no art. 6º, parágrafo único, da CLT, que dispõe Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Contudo, apenas após a reforma trabalhista (Lei nº 13.467 de 2017) que houve um destaque maior em relação ao teletrabalho, sendo regularizado do art. 75-A até art. 75-E da CLT. Com intuito de ressaltar a responsabilidade patronal em garantir um ambiente sadio no regime de teletrabalho, dispõe o art. 75-E, caput e parágrafo único, da CLT Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. Assim, vê-se que não está imune o empregador da responsabili‐ dade de assegurar condições de trabalho a fim de evitar doenças e

310 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA acidentes de trabalho, garantindo a esse trabalhador um ambiente de trabalho sadio. Pelo exposto, conclui-se que, inclusive no regime de teletrabalho, deverá o empregador garantir a dignidade daquele que labora, enaltecendo o valor social do trabalho, bem como a integridade física e mental desse trabalhador. 2.2 O dever de garantir um meio ambiente do trabalho saudável na telemedicina A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como sendo o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença. Com base neste conceito, a referida entidade compreende um ambiente de trabalho saudável como sendo \"aquele em que os trabalhadores e gestores cola‐ boram para o uso de um processo de melhoria contínua de proteção e promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores e para a sustentabilidade do ambiente de traba‐ lho\" (OMS, 2010, online). Para se efetivar tal pretensão, deve-se levar em consideração, dentre outras, questões de segurança e saúde do ambiente físico de laboro, bem como de saúde, segurança e bem-estar no ambi‐ ente psicossocial de trabalho, incluindo a organização e a cultura do ambiente laboral (OMS, 2010, online). Em regra, as referidas orientações devem ser aplicadas ao ambi‐ ente tradicional de trabalho. No entanto, como dito anterior‐ mente, em consequência da pandemia do novo coronavírus e da necessidade de se implementar a medida de distanciamento social, um grande número de trabalhadores passaram a trabalhar de suas casas, em regime teletrabalho. Teletrabalho nada mais é do que a prestação de serviço do traba‐ lhador fora do local de trabalho fornecido pelo empregador, podendo tal serviço ser prestado em qualquer lugar, inclusive no

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 311 domicílio do empregado. Além disso, no teletrabalho há a utili‐ zação de mecanismos de comunicação e informação, com o manuseio de tecnologia (dispondo de um computador ou note‐ book, etc). Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís‐ tica (IBGE), enquanto em 2018 havia um total de 3,8 milhões de pessoas trabalhando em domicílio, na semana de 21 a 27 de junho de 2020, já no contexto pandêmico, o IBGE estimou em 8,6 milhões o número de brasileiros que trabalhavam remotamente, dos quais 31,1% possuem formação de nível superior completo e/ou pós-graduação, percentual em que se enquadram os profis‐ sionais da área da saúde (AGÊNCIA SENADO, 2020, online). Tendo em vista o elevado número de trabalhadores em regime de teletrabalho, bem como a preocupação da OMS com o bem-estar dos trabalhadores, não só físico, mas psicológico e social, é preciso trazer à baila a necessidade de se oferecer recursos para a saúde pessoal dos do profissionais de saúde que exercem a Tele‐ medicina. De acordo com MASSI (2017, p. 105), o profissional que atua com o teletrabalho, na hipótese, a Telemedicina, deve ser objeto intenso de treinamento visando torná-lo capaz de se autopoliciar nos cuidados com a postura, tempo de trabalho, iluminação, qualidade do ar, estresse, e outros riscos inerentes a esta modali‐ dade trabalhista. Vale destacar, além da necessidade de se observar aspectos de proteção ao bem-estar físico e psicossocial intrínsecos ao teletra‐ balho, no atual cenário de pandemia, os profissionais que laboram em regime de Telemedicina devem ter especial atenção à saúde mental. Isso porque, estudos têm sugerido que houve um aumento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse na popu‐ lação em geral, tanto em razão do medo de ser infectado pelo

312 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA coronavírus (SCHMIDT; CREPALDI; BOLZE; NEIVA-SILVA; DEMENECH, 2020, online), quanto do isolamento social. Além do desenvolvimento de doenças físicas e psíquicas, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ressalta acerca do agrava‐ mento de doenças preexistentes em razão dos desafios e das consequências da nova forma de vida e de trabalho, afetando, especialmente, a população mais vulnerável (TST, 2020, online). Ainda, o referido Tribunal chama a atenção para a provável perpetuação das consequências e dos riscos psicossociais do trabalho pós-pandemia, uma vez que, como bem salientou a desembargadora Márcia Bessa, do TRT da 11ª Região (AM/RR), \"é certo que o teletrabalho e a interação virtual, envolvendo a comunicação não presencial intermediada por e-mails, telefone, videoconferências e aplicativos como WhatsApp, serão inte‐ gradas ao cotidiano de muitas empresas definitivamente\" (TST, 2020, online). Inclusive, vale mencionar que os profissionais da saúde que estão na linha de frente no combate ao COVID-19 têm disponível suporte psiquiátrico ofertado pelo Ministério da Saúde em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) (BRA‐ SIL, 2020, online). Além disso, na perspectiva de paciente, possi‐ bilita-se aos trabalhadores de diversas empresas terem cuidados médicos sem precisarem sair de casa, podendo tirar dúvidas médicas e realizar consultas de forma rápida e segura, não preci‐ sando de deslocamento. Assim, com tal acompanhamento médico, quem labora no regime de teletrabalho poderá se cuidar, evitando eventuais doenças decorrentes do labor em domicílio. Por tudo exposto, vê-se a telemedicina como um facilitador da saúde, principalmente na época da pandemia da Covid-19, tanto para o paciente que precisa de acompanhamento médico, como para o profissional de saúde que terá diminuída a probabilidade

TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA: RES… 313 de contágio, devido ao fato de poder exercer sua profissão longe de locais de alto pico de contágio (como as dependências hospi‐ talares). CONSIDERAÇÕES FINAIS A realidade pandêmica vivenciada pelo mundo afora trouxe à tona, com maior força, uma forma consideravelmente recente de se trabalhar: a Telemedicina, uma forma de teletrabalho aplicada à área da saúde. Em razão da medida de distanciamento social adotada pelo governo para frear a ascensão da curva de contágio, cerca de 8,6 milhões de brasileiros passaram a trabalhar de suas residências em regime de teletrabalho. No entanto, por mais que o empre‐ gado não esteja laborando no local tradicional disponibilizada pelo empregador, isto não exime este de cumprir com seus deveres trabalhistas de prezar pela saúde e segurança do ambi‐ ente de trabalho. Dentre as medidas que podem ser adotadas pelo empregadores para tanto, é importante destacar o treinamento dos obreiros visando torná-los capaz de se autopoliciar nos cuidados com a postura, tempo de trabalho, iluminação, qualidade do ar, estresse, e outros riscos inerentes ao teletrabalho. Combinado aos aspectos de proteção ao bem-estar físico e psicossocial intrínsecos ao teletrabalho, é importante que os profissionais que exercem as profissões da saúde se atentem à saúde mental, sobretudo se levado em consideração o aumento no número de casos de desenvolvimento ou o agravamento de doenças psicoemocionais, como ansiedade e depressão. Além disso, na perspectiva de paciente, possibilita-se aos traba‐ lhadores de diversas empresas terem cuidados médicos sem

314 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA precisar sair de casa, podendo tirar dúvidas médicas e realizar consultas de forma rápida e segura, não exigindo deslocamento. Desse modo, quem labora no regime de teletrabalho poderá se cuidar, evitando eventuais doenças decorrentes do labor em domicílio. Por tudo exposto, vê-se a telemedicina como um facilitador da saúde, principalmente na época da pandemia da Covid-19, tanto para o paciente que precisa de acompanhamento médico, como para o profissional de saúde que terá diminuída a probabilidade de contágio, devido ao fato de poder exercer sua profissão longe de locais de alto pico de contágio (como as dependências hospi‐ talares). REFERÊNCIAS AGÊNCIA SENADO. Teletrabalho ganha impulso na pande‐ mia, mas regulação é objeto de controvérsia. 2020, online. Dis‐ ponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/ infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na- pandemia-mas-regulacao-e-objeto-de-controversia>. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 07/2020. 2020, onli‐ ne. Disponível em: < http://portal.anvisa.gov.br/docu‐ ments/33852/271858/NOTA+TÉCNICA+-GIMS-GGTES- ANVISA+Nº+07-2020/f487f506-1eba-451f-bccd- 06b8f1b0fed6>. BRASIL. Lei nº 13.467/2017. Reforma Trabalhista. Brasília, DF, Novembro 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>

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A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHADA ÀS RELAÇÕES TRABALHISTAS: A ESSENCIALIDADE DE ADEQUAÇÃO NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NOVAS TECNOLOGIAS E DIREITO DO TRABALHO ANA LUIZA DA SILVA ALEXANDRE, RAFAELLE BEATRIZ SOARES PEREIRA, YANN GOMES BARBOSA RESUMO O PRESENTE RESUMO BUSCA ANALISAR A INTERSEÇÃO ENTRE O Direito do Trabalho, visto em uma perspectiva constitucionali‐ zada, dentro da Lei Geral de Proteção de Dados. Abordando os direitos da personalidade à intimidade e privacidade, tutelados pela Constituição Federal, diante do regramento trazido pela Lei 13.709/2018, que trata diretamente da regulamentação da priva‐ cidade e proteção de dados pessoais. Examinando-se as regras trazidas nessa legislação para a devida adequação da tutela de tais direitos da personalidade em sequência às atividades a serem exercidas pela empresa em comum acordo com os ditames legais, no tocante aos registros inseridos no contrato de trabalho, tendo como ponto inicial a fase pré-contratual, composta pelo recruta‐ mento e seleção, findando no marco temporal do desligamento da empresa, concretizado com a rescisão do contrato. Pontua-se,

A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHAD… 319 essencialmente, as funcionalidades do controlador, operador e encarregado pelo tratamento de dados pessoais na construção do contrato de trabalho, bem como as devidas sanções aplicáveis na hipótese de falha desse sistema, no descumprimento das obriga‐ ções protecionistas elaboradas sob a LGPD. Palavras-chave: Lei Geral de Proteção de Dados. Contrato de Trabalho. Dados Pessoais. INTRODUÇÃO Os avanços tecnológicos enfrentados pela sociedade no decurso do tempo promovem transformações nas dinâmicas sociais, fenô‐ meno este que exige posicionamentos jurídicos capazes de acom‐ panhar as demandas surgentes, proporcionando segurança e transparência aos envolvidos. Neste norte, cabe destacar a presença de ferramentas tecnológicas nos mais diversos aspectos da vida cotidiana, tais como a comunicação interpessoal, o acesso a serviços essenciais e o desenvolvimento de atividades educacio‐ nais e laborais. Todos esses processos, no entanto, exigem a disposição de dados responsáveis pela identificação dos indivíduos, gerando a neces‐ sidade de que estes registros sejam protegidos pelo ordenamento jurídico, possibilitando segurança aos envolvidos. À vista disto, a Lei n. 13.709/2018 — Lei Geral de Proteção de Dados — apre‐ senta-se como forma de regulação das atividades inerentes ao tratamento de dados, tendo como objetivo a proteção da privaci‐ dade dos indivíduos. Embora não haja previsão específica no texto legal no tocante aos dados resultantes das relações trabalhistas, são também estes alcançados pelas regulamentações trazidas pela LGPD, de modo que devem ser protegidos, desde a fase pré-contratual, uma vez

320 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA que a relação laboral consiste em fonte inesgotável de dados pessoais tratados, sendo dever do empregador utilizá-los corre‐ tamente.1 Partindo deste entendimento, reconhecendo a exposição dos dados pertencentes ao trabalhador, presente na concepção contratual trabalhista, pretende-se analisar, a partir da presente discussão, de que forma a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais impacta nas fases de celebração de contratos trabalhis‐ tas, identificando os deveres decorrentes de tal repercussão, bem como a necessidade da existência de segurança jurídica no que tange às relações laborais e do tratamento de dados oriundos destas. JUSTIFICATIVA Segundo Norberto Bobbio, em sua Teoria do Ordenamento Jurí‐ dico, o direito, aqui entendido como o conjunto de normas válidas dentro de uma dada circunscrição, deve ser compreen‐ dido como um sistema. Em outras palavras, o direito não é um amontoado de normas em que cada uma basta-se a si mesma e não se relaciona com as demais. Visto que o ordenamento jurí‐ dico se destina à regulação da vida social, é necessário que ele seja dotado de coerência interna. Sendo assim, as regras que estão em vigor em um determinado momento histórico dentro de uma ordem jurídica influem umas nas outras, complementando-se mutuamente. Dessa maneira, quando uma nova norma é introdu‐ zida dentro do direito ela irá, em maior ou menor grau, rever‐ berar seus efeitos em todo o sistema jurídico. No caso da Lei Geral de Proteção de Dados, trata-se de uma lei que “dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos

A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHAD… 321 fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvi‐ mento da personalidade da pessoa natural”. Como se pode cons‐ tatar, o raio de alcance da LGPD é bastante amplo, visto que operações com dados pessoais são realizadas diariamente em relações de diversas naturezas, tais como as cíveis, previdenciá‐ rias e consumeristas. Não seria diferente, portanto, com as rela‐ ções trabalhistas, nas quais a obtenção e uso de dados pessoais são essenciais, dentre outras coisas, para a celebração dos contratos de trabalho. Contudo, tendo em vista a novidade que a LGPD ainda é dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível que se desenvolva, com celeridade, material acadêmico, tal como o presente resumo, capaz de fazer compreender a real extensão dos efeitos dessa norma na ordem jurídica nacional, especialmente, neste caso, nas relações contratuais trabalhistas. Esse aporte não é necessário apenas aos operadores do direito, mas também e principalmente, àqueles que mais são afetados pelas mudanças carregadas pela lei, isto é, os integrantes da relação jurídica traba‐ lhista: empregador e trabalhador. OBJETIVO Este resumo tem como objetivos: Assinalar a importância da nova Lei Geral de Proteção de Dados dentro do ordenamento jurídico brasileiro; Analisar a relação entre as determinações deste dispositivo legal e a vigente legislação trabalhista referente ao contrato de trabalho; Verificar quais foram as alterações empreendidas pela lei na coleta e utilização de dados pessoais para a celebração dos contratos trabalhistas;

322 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Destacar medidas práticas que devem ser adotadas pelos empregadores em vias de contratação de trabalhadores ou com contratos já em curso, para o tratamento dos dados pessoais desses indivíduos. METODOLOGIA O segmento em que se encaminha este resumo quanto à sua natureza diz respeito à finalidade construída sob a aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais considerando a sua essencialidade em defesa da privacidade no contrato de trabalho, apresentando as necessidades e exigência legislativa quanto ao instrumento trabalhista quando formalizado, de forma aplicada na problematização da falta de transparência no tratamento dessas informações personalíssimas quanto a empresa e o indivíduo. O mais significativo ponto se encontra no eixo exploratório, pois em uma fase preliminar e objetiva, percebe-se a construção de um cenário de adequação por parte de uma temática jovem e necessária de discussão na legislação brasileira aplicadas às rela‐ ções trabalhistas, compreendendo-se desde as fases anteriores à celebração do contrato, como a coleta de informações sobre o candidato, o histórico, até a execução do contrato de trabalho, com a devida possibilidade de traçar o perfil mais adequado, de forma qualitativa e quantitativa entre privacidade e proteção dos dados pessoais. DISCUSSÃO A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) trata de inte‐ resses sob medidas que deve ser observada pela sociedade seja ela a União, Estado, Municípios e entidades privadas a fim de unifor‐

A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHAD… 323 mizar o tratamento de dados em proteção à privacidade, quando esta é colocada a prova no decorrer da usabilidade frente a um sistema obrigacional de coleta de dados, inclusive nos meios digi‐ tais, por pessoa natural ou jurídica, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais de liberdade, segurança e de privacidade quanto aos direitos personalíssimos, já que através deles é possível identificar e construir perfis de consumo e de relaciona‐ mento jurídicos. Sendo assim, temos que a principal finalidade da LGPD é garantir legalmente privacidade e transparência na coleta de dados seja das pessoas físicas e/ou jurídicas, principalmente dos consumidores, empregadores e contratantes, gerando para todos entre si, o direito e dever de atender as exigências normativas e garantias de um amplo cenário de direitos e deveres quando se trata dos titulares dos dados pessoais. Obstinadamente em adequação a LGPD, aquelas entidades e instituições que não possuírem aparatos capazes de assegurar a devida proteção no tratamento dos dados pessoais terão muitas dificuldades, a começar por possíveis relações comerciais e traba‐ lhistas, partindo da construção do contrato de trabalho, como o primeiro passo para a formalização da relação trabalhista. Na esfera de consentimento por parte dos titulares de dados pessoais, esta deve fornecer informações com clareza com decisão detalhada, expressa e consentida dos dados que serão adquiridos e exportados, e qual será sua finalidade para que a empresa receptora de dos dados possa dar o devido seguimento e encaminhamento para o setor responsável e mais cabível de proteção. Assim, as empresas terão que revisar e trazer a adequação necessária aos seus contratos, especialmente os de trabalho, e termos de uso do consumidor, evitando textos dema‐ siadamente longos e confusos, mas cláusulas passíveis de

324 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA compreensão e plausivel de informações legais e de \"fácil acesso comum” por parte do indivíduo, conscientes do tempo de arma‐ zenamento desses dados, e a limitação de uso desses, por exemplo. Não obstante, para além da etapa pré-contratual, que abrange desde o momento do primeiro contato entre os sujeitos envol‐ vidos na relação laboral, muitas vezes sendo o empregador repre‐ sentado por setor de departamento pessoal ou terceirizando a fase de entrevistas por empresas especializadas, até a análise de currículo e seleção, a LGPD se faz presente na etapa que a segue, que inicia-se com a contratação do selecionado. Para que o documento seja feito, os dados coletados na fase de entrevista e recrutamento serão utilizados no espaço destinado à qualificação e identificação do trabalhador, sendo necessário que as providências legais tenham sido tomadas quando da coleta dos registros pessoais. De todo modo, a entrada nas empresas deve ser precedida pela apresentação da política de tratamento de dados realizada pela empresa contratante, devendo ser assinado por ambos os sujeitos envolvidos na relação um termo de consentimento, visando demonstrar anuência expressa do recém-contratado com os processos empresariais e suas especí‐ ficas finalidades. Esta etapa é essencial para a legalização e formalização do contrato de trabalho, vez que o fornecimento de consentimento pelo titular dos dados é requisito para o tratamento de dados pessoais, conforme previsão expressa contida no art. 7º, I, da Lei nº 13.709/2018. Esta concordância justifica-se com base no teor sensível dos dados coletados durante a vigência contratual, uma vez que podem ser necessárias informações relacionadas, por exemplo, à saúde do trabalhador, seja na recepção e acolhimento de atestados médicos no caso de ausência justificada ou na reali‐

A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHAD… 325 zação de exames periódicos, na hipótese de empresas que neces‐ sitem de avaliação clínica. Cabe salientar, inclusive, que os exames passíveis de solicitação não devem oferecer riscos de exposição ao trabalhador, como na hipótese de exame de HIV, de modo que este seja protegido de qualquer tipo de discriminação no ambiente laboral. Ante o exposto, pode-se notar que a proteção dos registros ocorre em diversos momentos, valendo relembrar que o titular dos dados (empregado) tem direito garantido pela LGPD de acesso aos dados coletados e armazenados pela empresa empre‐ gadora, bem como a todas as questões inerentes a este, tais como a finalidade específica do tratamento, informações do uso compartilhado pelo controlador (empregador) e a forma e duração do tratamento, sendo estes e outros direitos são previstos nos incisos do artigo 9º da legislação em comento. Após análise das necessidades inerentes à fase contratual, nota-se que a empresa deve observar os procedimentos adotados por sua política de tratamento de dados, de modo a promover o respeito, em primeiro lugar, do direito à privacidade do empregado, de modo que todos os registros que não sejam necessários à função laboral e à relação trabalhista não devem ser coletados, com o objetivo de que sejam evitadas sanções disciplinares para a empresa, em caso de fiscalização. É preciso observar também que se fará necessária a observância da LGPD quando o contrato for extinto, ou seja, quando chegar ao fim a relação jurídica trabalhista. Uma vez que o trabalhador se desliga da empresa, esta possui a seu dispor diversos dados pessoais que precisaram ser recolhidos no momento da contra‐ tação ou mesmo posteriormente. A LGPD determina, com vistas a proteger o direito à autodeterminação informativa e ao livre acesso, que os titulares têm direito a conhecer a “finalidade espe‐

326 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA cífica do tratamento” e a “forma e duração do tratamento, obser‐ vados os segredos comercial e industrial”. Na mesma linha, dispõe o art. 15 que o término do tratamento ocorrerá quando se verificar que a finalidade foi alcançada ou que os dados deixaram de ser necessários ou pertinentes ao alcance desta ou pelo fim do período de tratamento. Exige-se, portanto, que o tratamento, para ser lícito, se destine a um objetivo determinado e dure somente pelo tempo ao qual anuiu o titular dos dados. Sendo assim, deixando de haver a finalidade específica para o trata‐ mento e esgotando-se a duração pré-informada ao titular, é forçoso que cesse também o tratamento. Entretanto, a cessação do tratamento acarreta outra consequên‐ cia: a necessidade de que os dados sejam eliminados. Isso se dá por força do art. 16 da lei ora analisada. É forçoso reconhecer que, para a maior parte dos casos, a finalidade de um empregador tratar dados pessoais de seus funcionários está relacionada à própria atividade laboral que estes desempenham para ele. Dessa maneira, com o rompimento do vínculo trabalhista, por regra, esgota-se a finalidade e os dados do desligado deverão ser elimi‐ nados. Assim também, caso a duração especificada no contrato para que a empresa esteja autorizada ao tratamento se confunda com a duração do próprio contrato. Sendo assim, ao término do contrato, os dados devem ser eliminados. É preciso referir, entretanto, que o art. 16 estabelece, ele próprio, as exceções cabíveis a essa regra geral. Uma delas é a de que a conservação dos dados se destine ao “cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador”, isto é, o controlador estará autorizado a conservar os dados se por força de lei ou de regula‐ mento aprovado por autoridade competente, ele estiver obrigado a fazê-lo ou, no mínimo, autorizado a tal por legislação especí‐ fica, visto que as normas específicas terão prevalência, neste caso, sobre a norma geral. Assim, se por força de obrigação previden‐

A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ALINHAD… 327 ciária, trabalhista ou de outra natureza for necessária a conser‐ vação dos dados, o antigo empregador estará autorizado a conservá-los. Faz-se mister destacar, por fim, que a vedação ao tratamento permanece incólume, restando, nesse caso, apenas o direito de guardar consigo os dados. Realizar operações de tratamento mesmo depois de esgotada a finalidade específica e o tempo determinado para tal poderá acarretar sanções para o empregador. CONCLUSÃO Obstante ao cenário de enquadramento e adequação, a LGPD, quanto aos contratos de trabalho, não traz consigo um capítulo específico acerca da proteção de dados obtidos em decorrência das relações trabalhistas, de modo que a regra geral se aplica a esses dados pessoais adquiridos em consequência da relação de emprego, conforme as regras e estipulações da LGPD, em prol da defesa e proteção dos empregados frente a seus contratantes, ainda que não estejam sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Sendo assim, como pontapé inicial há de haver uma profunda adaptação de todos os formulários de contratação e formalização da celebração trabalhista, entre a empresa e os empregados para garantir a observância aos princí‐ pios exigidos no dispositivo em questão, devendo, portanto, considerar-se a finalidade da coleta de dados para propósitos efetivamente necessários até que seja findada essa relação, levando em consideração o objetivo específico e explícito, trans‐ parente e consentido pelos titulares, assegurando o direito à privacidade e proteção dos dados pessoais em questão. Em conclusão, é preciso atentar para as implicações que a nova Lei Geral de Proteção de Dados trouxe e trará para a dinâmica

328 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA das relações sociais no âmbito trabalhista, visto que, por sua ampla interface de aplicação, seus efeitos se fazem sentir em praticamente todos os rincões do ordenamento jurídico pátrio e, dessa maneira, alteram não apenas a práxis jurídica, mas, princi‐ palmente, ditam como deverá ser o exercício dos usos inerentes às relações de trabalho em tudo que envolve a coleta, utilização e conservação de dados pessoais. Evidentemente, este resumo não esgota o tema que, certamente, ainda precisará ser amplamente desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, ainda incipientes no assunto, uma vez que a referida norma segue extremamente recente dentro do sistema jurídico brasileiro. REFERÊNCIAS AGUIAR, Antônio Carlos. A proteção de dados no contrato de trabalho. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 82, n. 6, p.655-661, jun. 2018. DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo. LTr. 2017. SANTOS, F. A lei geral de proteção de dados pessoais (LGPD)e a exposição de dados sensíveis nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 24, n. 2, p. 145- 151, 14 jan. 2021.

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO DO TRABALHO: DA FORMAÇÃO À EXTINÇÃO CONTRATUAL LGPD E DIREITO DO TRABALHO (GT) LUANNA ZANFORLIN GONÇALVES, PAULA R. ESTEVAM FERREIRA RESUMO DIANTE DE UM CENÁRIO ECONÔMICO MOVIDO A DADOS, O PRESENTE resumo busca realizar um breve estudo acerca da LGPD e sua incidência nas relações de trabalho. Busca-se, através deste projeto, analisar como a nova lei altera o panorama empresarial de circulação de informações pessoais, sem que haja o sacrifício de direitos fundamentais à intimidade e privacidade dos titula‐ res. Notadamente, determinados sujeitos já considerados hipos‐ suficientes em decorrência de outras formas de dominação, como no caso dos empregados, no cerne da relação trabalhista, necessitam da aplicação do novo diploma legal a fim de se concretizar a igualdade material nesta relação jurídica. Aliado a este fato, a LGPD é silente quanto aos ramos de incidência, o que permite a estabilização do entendimento de que é possível a aplicação da norma na seara celetista, caso estejam todos os requisitos demandados pela lei devidamente cumpridos. Para tanto, buscou-se um ensaio da LGPD desde a sua sistematização, sabidamente influenciada pela onda internacional de regulação

330 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA de tal matéria, encerrando o estudo com a análise de algumas modificações acarretadas pelas disposições legislativas nos prin‐ cipais momentos de vigência e desligamento do vínculo empre‐ gatício. Palavras-chave: Tratamento de dados. Consentimento. Contrato de trabalho. INTRODUÇÃO O cenário atual é marcado pela intensa coleta e tráfego de dados, não se podendo afirmar ser esta uma prática recente, mas que, pela velocidade de circulação e magnitude de informações verifi‐ cadas após a introdução de novos meios tecnológicos, a exemplo da internet, assumiu contornos diferentes. Todo esse agenciamento de dados acontece por meio de um “monitoramento de vigília”1, espécie de regime preocupado com qualquer movimentação dos sujeitos, o que resultou no chamado “capitalismo de vigilância”. O varejo de dados ganhou gigantescas proporções na pós-modernidade contribuindo para o advento de uma nova fonte de dominação econômica2, visto que os dados chagaram a ser comparados até mesmo ao petróleo. Surge, portanto, de forma direta, um plexo de direitos intrinsica‐ mente ligado aos novos veículos de propagação de informações concernentes precipuamente à intimidade e à privacidade, ressig‐ nificando o conceito desses direitos fundamentais e ampliando os meios tradicionais de violação. Cria-se, por conseguinte, uma latente necessidade de tutela de direitos de 5ª dimensão. Para Norberto Bobbio, tais direitos nascem das ameaças provo‐ cadas pelo aumento do progresso tecnológico à vida, à liberdade e à segurança, contando como principal adversário o poder econômico, pois os controladores de dados criaram um sistema

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 331 não para tratar os titulares de dados de maneira digna, mas sim para potencializar seus lucros. Redobra-se a preocupação diante de dados de caráter íntimo, pois, através da coleta, tratamento e transferência desses é possível desvendar o perfil, a personalidade, todo o rol de ativi‐ dades públicas ou privadas relativas ao seu titular, invadindo de maneira brusca a esfera de direitos. Além do mais, o cidadão sequer tem conhecimento do funcionamento e processamento, tampouco da extensão do tratamento, em sua maioria das vezes. Alguns acontecimentos recentes envolvendo má-gestão de dados tomaram grandes proporções na comunidade internacional3, evidenciando cabalmente a importância da proteção de dados de usuários, patenteando, no âmbito empresarial, que os incautos, não possuidores de uma tutela segura nesta seara enfrentam grandes problemas relacionados à reputação empresarial, atração de investimentos, incorrendo ainda em graves penalidades. Visando suprir um vazio normativo, a LGPD foi sancionada com o intuito de reger as relações que impliquem fluxo de dados. Entretanto, nota-se a existência de lacuna neste diploma quanto às áreas de proteção. Neste diapasão, o presente trabalho busca inserir, na prática da relação trabalhista, a aplicação da nova lei, notadamente por ser este mecanismo crucial para proteger a intensa circulação de dados inerentes às atividades voltadas para contratação e rescisão contratual. JUSTIFICATIVA O Brasil estava em descompasso com a tendência internacional na elaboração de uma legislação específica que tutelasse o complexo de relações oriundas do massivo tráfego de dados pessoais. Elaborou-se, portanto, a LGPD, com o propósito de

332 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA suprir tal omissão. Referida lei apenas menciona ser aplicável a tratamentos de dados realizados no território nacional, dedu‐ zindo-se, por consequente, a sua irradiação para os diversos campos jurídicos, incluindo o laboral. Em que pese a especificidade e a recente vigência, a lei é omissa quanto às relações em que haverá sua incidência, contribuindo para o aparecimento de divergências quanto a sua repercussão às relações trabalhistas. Entende-se que este grau de incerteza não pode persistir, visto que a LGPD demanda adequações e revisões na política de compliance por parte do empregador, especialmente no que toca a contratação de pessoal, sob pena de aplicação de sanções que poderão inviabilizar a atividade empresarial. Nesse cenário, o atual resumo tem como objetivo o estudo sobre a aplicabilidade da LGPD frente às relações de trabalho, especial‐ mente por nestas haver abundante fluxo de dados, perpassando, principalmente, por identificações e conceitos que irão proporci‐ onar a estabilização da temática controvertida acerca da inci‐ dência do novo diploma. OBJETIVO O objetivo precípuo deste trabalho é demonstrar que a lacuna existente no diploma legal destinado à proteção de dados acerca de sua propagação nas áreas jurídicas não exime profissionais do ônus de gestão de riscos e adequação de práticas empresariais, razão pela qual devem os empregadores, na condição de contro‐ ladores, seguir tais diretrizes, visto que os principais destinatários do banco de dados são os empregados, que se enquadram na posição de vulneráveis digitais. Para desenvolver tal raciocínio, necessário identificar, recor‐ rendo-se a uma pesquisa bibliográfica e documental, a impor‐

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 333 tância da obtenção do consentimento do titular de dados; quais os principais dados existentes no contexto trabalhista, bem como a finalidade por trás da coleta; a possibilidade de portabilidade e quando operará o fim do tratamento dos mesmos; e, por fim, a responsabilização decorrente do descumprimento legal. METODOLOGIA O esclarecimento das questões que circundam o tema ocorrerá sob a abordagem qualitativa, estruturada em conceitos e descri‐ ções. O método será o hipotético-dedutivo, voltado à elaboração de uma hipótese diante de uma lacuna legislativa existente. A pesquisa, evidenciada pela consulta à legislação pertinente e artigos científicos, será bibliográfica e documental. DISCUSSÃO 1. Breve contextualização da LGPD no tempo e no espaço A urgência pela proteção de informações pessoais foi pronta‐ mente atendida por alguns países pioneiros na regulamentação de tal matéria. Segundo Volia Bomfim e Iuri Pinheiro (2020), na década de 70 o Conselho da Europa4 já possuía tímido regra‐ mento. Posteriormente, em 1995, a União Europeia operou trata‐ mento mais abrangente, pela Diretiva Nº 46, sucedida pela GPPR5 (2018), unificadora da legislação de privacidade de dados em todos os países do bloco (FILHO; CONI JR., 2021), base de inspiração da recentíssima LGPD6, que, por sua vez, é o marco brasileiro. Entretanto, em que pese ser a LGPD um divisor de águas no país, não se pode dizer que não havia proteção pela legislação consti‐ tucional e infra, de modo esparso, visto que a intimidade e a privacidade possuem status de direito fundamental (art. 5º, X, CF). Da mesma forma, a Constituição aborda a proteção do sigilo

334 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA dos dados e da correspondência no extenso rol do art. 5º (inciso XII). No que toca à legislação infraconstitucional, cita-se o CDC; a Lei do Habeas Data; Lei do Cadastro Positivo; e, por fim, o Marco Civil da Internet. Apesar da existência desses mecanismos, a carência de uma legis‐ lação específica fez surgir, no contexto internacional, certa desconfiança quanto à fidúcia da operacionalização de dados de sujeitos no país, ao passo que já havia ampla dinamização inter‐ nacional para mudança de panorama (BOMFIM; PINHEIRO, 2020). Exsurge daí a LGPD, que, apesar de sancionada em 2018, passou por um longo período de vacatio legis a fim de que todos promovessem as adequações necessárias, somente entrando em vigor em setembro de 2020, exceto quanto às sanções adminis‐ trativas (arts. 52, 53 e 54) (PONTINI; ROCHA, 2021). Entretanto, ainda que as sanções permaneçam em período de vacância, aplicam-se seus princípios e deveres, acarretando responsabilidade civil a inobservância do diploma legal, salvo exceções previstas na própria lei (BOMFIM; PINHEIRO, 2020). 2. Principais aspectos da Lei Geral de Proteção de Dados A LGPD, como bem trazido por seu art. 1º, diante de seu inte‐ resse nacional, tem aplicação cogente em todos os entes federati‐ vos. Ela deve ser observada por entes privados, seja pessoa natural7 ou jurídica, de direito público ou privado, em meio físico ou digital, bastando que os dados se encontrem em território brasileiro no momento da coleta, podendo-se dizer que seu obje‐ tivo central, segundo Ana Frazão (2019, p. 100) “é resgatar a dignidade dos titulares de dados e seus direitos básicos relacio‐ nados à autodeterminação informativa”. Os fundamentos que norteiam a lei encontram-se dispostos no art. 2º, demonstrando apreço à privacidade e intimidade, num

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 335 verdadeiro diálogo constitucional, rompendo com antigos para‐ digmas empresariais de que os dados gerenciados pelas empresas a elas pertenciam. Destacam-se também o consentimento do particular e o legítimo interesse da empresa que anseia a obtenção de dados, o que induz ao raciocínio de que a lei não proíbe o seu gerenciamento, sequer visa causar quaisquer prejuízos ao setor empresarial, mas dá ao titular o empodera‐ mento e protagonismo sobre suas informações (BOMFIM; PINHEIRO, 2020). Por sua vez, em seu art. 6º, há a base principiológica, destacando- se o tripé finalidade-adequação-necessidade (ou minimização) (BOMFIM; PINHEIRO, 2020). Precedentemente, cuida o art. 5º da conceituação de alguns termos importantes para maximizar o entendimento da lei, cingindo-se este trabalho aos conceitos de controlador8, operador9 e encarregado10; dados pessoais11, sensí‐ veis12 e pseudoanonimizados13 (alvos de proteção da lei); e, por fim, ANPD14, todos orientados para uma aplicação nas relações juslaboristas. 3. A LGPD e o Direito do Trabalho Com o advento da LGPD, diversos foram os questionamentos a respeito de sua aplicabilidade. É cediço, partindo-se de um prisma constitucional e trabalhista protetivo, que a LGPD, do mesmo modo que se depreende da nomenclatura da lei (“geral”) (BOMFIM; PINHEIRO, 2020), não obsta a incidência, direta e indireta, à esfera celetista. Tal afirmação encontra fundamento na literalidade dos arts. 3º e 4º, os responsáveis pela indicação da hipótese de (não) incidência do diploma legal. Acrescenta-se que a relação de trabalho, categoricamente marcada por um contrato de natureza adesiva, sequer se desen‐ volveria sem a coleta e retenção de dados pessoais de empregados ou candidatos, demandando não só uma expressiva adaptação

336 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA nos contratos e demais documentos firmados pelos funcionários (FILHO; CONI JR., 2021), como também fortalecimento da polí‐ tica de compliance. Por excesso de zelo, aconselhável seja o consentimento colhido por cláusulas ou termos aditivos à contra‐ tação originária, valendo lembrar que é da empresa o ônus probatório de obtenção do consentimento nas conformidades da lei (art. 8º, § 2º, LGPD). Apesar de certas regras trabalhistas, desde que não ofendam prin‐ cípios básicos protecionistas, comportarem ajustes, como bem prevê o art. 444 da CLT, mesmo no caso de empregados hipers‐ suficientes, possuidores de maior autonomia para a transação e renúncia de direitos, prudente a obtenção do consentimento nos moldes do art. 8º, da LGPD. Sem embargo de a LGPD não trazer expressamente a possibili‐ dade de obtenção de consentimento por negociação coletiva, como no caso da GDPR (art. 88), as modificações da Reforma Trabalhista atribuíram aos instrumentos coletivos preponde‐ rância em relação à própria lei (art. 611-A e 611-B, CLT), portanto, aceita-se que tais instrumentos normativos possam estabelecer critérios e regras que confiram maior segurança aos empregados (FILHO; CONI JR., 2021). Sendo os reais titulares dos dados, os empregados são os princi‐ pais destinatários da proteção conferida pela lei, não somente no momento de vigência do contrato de trabalho. Logicamente, é na fase pré-contratual que a coleta de dados se inicia, com o recebi‐ mento, pela empresa, de currículo, histórico funcional, dados pessoais (endereço, estado civil e etc.). Nesta etapa, na eventuali‐ dade de armazenamento de currículos em bancos de dados para futuros processos seletivos, imprescindível seja obtido o consen‐ timento específico (FILHO; CONI JR., 2021).

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 337 Ainda, segundo Volia Bomfim e Iuri Pinheiro (2020), deve-se evitar exigências de informações relacionadas ao gênero, pretensão matrimonial, religião, doenças prévias, patrimônio genético, atendo-se ao estritamente necessário. Bastante polê‐ mica é a verificação dos antecedentes do candidato (“background check”). Ao mesmo tempo que um processo de triagem é neces‐ sário para questões de segurança da empresa, a prática não é benquista sob a ótica da LGPD. Para que esse processo seja legí‐ timo, o essencial é estabelecer diretrizes objetivas e igualitárias. Já na vigência contratual, os dados exigidos tornam-se mais sensíveis, a exemplo da biometria para anotação da jornada (casos de registro eletrônico de ponto); aqueles decorrentes da monito‐ rização de funcionário em certas instalações; exames periódicos; descontos e faltas; “inclusão de um dependente no plano de saúde, escolha dos beneficiários de um seguro de vida ou de benefícios previdenciários” (FILHO; CONI JR., 2021, p. 26), apli‐ cando-se aqui o princípio da minimização (ou necessidade). Haverá, outrossim, dados relevantes no término do contrato. Ressalta-se o motivo do desligamento; totalidade de verbas resci‐ sórias; possíveis pedidos de referência; dados necessários para o PPP15. Adequado também abordar a possibilidade de tráfego de dados entre empresas que se valham de empregados terceiriza‐ dos, a exemplo de prestadores de serviço de limpeza e segurança, não obliterando a portabilidade quando a relação de emprego não for a fonte direta de recepção de informações, sendo subsidi‐ ariamente responsável pelo tráfego a empresas de seguro de vida, planos de saúde, vale transporte e consultorias em geral, bem como instituições de caráter público16 (FILHO; CONI JR., 2021). Desse modo, a coleta de dados deve ser executada para alcançar metas necessárias, legítimas, específicas, explícitas e com a aqui‐ escência do titular, mesmo em situações nas quais a lei prevê a

338 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA possibilidade de compartilhamento de dados, sendo vedada a alteração posterior sem a adesão do empregado, garantindo-se a ele os direitos de acesso gratuito e amplo aos dados que lhe forem tomados, além da revogação, a qualquer tempo, do consenti‐ mento. Não obstante, a lei também impõe restrições a imediata revogação, sendo legítima a recusa pela empregadora nos casos de cumprimento de obrigações legais. No caso do Direito do Trabalho, o empregador pode manter seu arquivo de informações referente aos empregados desligados durante o prazo prescricional de dois anos, observando ainda o prazo quinquenal (art. 11, CLT), os quais poderão ser úteis na ocorrência de defesas trabalhistas (FILHO; CONI JR., 2021). Ainda assim, deve-se levar em conta casos de suspensão e impe‐ dimento do prazo prescricional, circunstâncias que os poderão alongar, quando, por exemplo, houver absolutamente incapazes na relação jurídica (art. 440, CLT) (BOMFIM; PINHEIRO, 2020). Finalmente, algumas considerações são necessárias a respeito da responsabilização dos agentes. A primeira diz respeito aos danos (patrimonial, moral, individual ou coletivo) causados pelo descumprimento das obrigações legais ou pela desobediência de instruções dadas pelo controlador, situação em que o operador atua com excesso de poderes, respondendo pelos danos de forma solidária, somente não incidindo nesta modalidade de responsa‐ bilidade caso reputem-se perfeitas as excludentes do art. 43, LGPD. Esta situação também abrirá precedentes para descontos salariais (art. 462, CLT) e até mesmo configuração de justa causa (art. 482, CLT). O art. 43 prevê não somente isenções, como também importante regra de cunho probatório, pois devem ser observadas pelos controladores e operadores para a adoção de mecanismos que sejam aptos a documentar que não realizaram o tratamento dos

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 339 dados pessoais em questão; que não violaram a lei; ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do titular ou de terceiros. Em relação ao encarregado, deverá sua responsabilidade pessoal ser adstrita ao bom exercício de sua função (FILHO; CONI JR., 2021). Na contigência de danos extrapatrimoniais (in re ipsa, na esfera trabalhista), necessário aplicar o regramento celetista contido nos artigos 223-A ao 223-G, responsabilizando todos que contri‐ buíram para a lesão ao bem jurídico proporcionalmente à ação ou omissão, não desconsiderando a solidariedade do controlador e do operador, diante da possibilidade de cumulação de indeniza‐ ções decorrentes do mesmo ato lesivo (FILHO; CONI JR., 2021). Diante de todo o exposto, conclui-se que deveria o legislador ter direcionado um capítulo da LGPD para disciplinar as relações trabalhistas, na falta, acredita-se que o primeiro passo para a regularização seria o levantamento dos dados (“data mapping”) de posse da empresa para a análise dos riscos reais (relatório de impacto). Superada esta fase, o próximo passo seria proceder a uma avali‐ ação e valoração dos dados levantados, mantendo somente os que encontrarem respaldo na LGPD. Posteriormente, elaboração ou revisão da política de privacidade, dos contratos de trabalho e aditivos, bem como de instrumentos correlatos; elaboração de um regulamento de compliance para a plena conformidade com as regras da LGPD. Ato seguinte, a contratação dos agentes (opera‐ dor/encarregado) e elaboração de um código de conduta para a correta atuação dos mesmos; treinamento de pessoal, o que abrange não apenas os que tenham proximidade constante com os dados tratados, incluindo, de igual maneira, os que eventual‐ mente possam ter qualquer contato. Igualmente necessário, em tempos excepcionais, como o pandê‐ mico, o excesso de zelo quanto ao trabalho remoto, que fez com

340 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA que a capacidade de vigilância e controle sofresse drásticas alte‐ rações, assim como fez com que houvesse um expressivo aumento no tráfego de dados pelos meios digitais, tão imprescin‐ díveis atualmente, acabando por ocasionar em maior exposição e submissão, do empregado, a um estado de fragilidade digital, requisitando maiores prudências. CONCLUSÃO A LGPD é um dos frutos do capitalismo de vigilância. A legis‐ lação emergiu de uma sociedade que valora a incomensurável extração de dados, na maioria das vezes, distantes de qualquer utilidade prática. Nesta lógica, a proteção de dados conquistou um status de diferencial mercadológico, certificando a inevitabili‐ dade de uma estrutura empresarial inteiramente fechada para evitar escoamento ou uso indevido de dados pessoais, numa ferrenha busca por um correto mecanismo de controle que vise a atuação adequada não somente dos agentes diretamente envol‐ vidos no tratamento, mas o empenho de toda a cadeia empresa‐ rial, visto que interessa à LGPD não apenas o seu cumprimento, mas a demonstração de que ela esteja sendo levada a cabo, evitando a aplicação de multas aos incautos e até mesmo o ajuiza‐ mento de eventuais ações trabalhistas. REFERÊNCIAS BOBBIO, N. A era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 97. Disponível em: https:// edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/297730/mod_resource/ content/0/norberto-bobbio-a-era-dos-direitos.pdf. Acesso em: 16 abr. 2021.

AS CONTRIBUIÇÕES DA LGPD PARA O DIREITO … 341 BOMFIM, V.; PINHEIRO, I. A Lei Geral de Proteção de Dados e seus impactos nas relações de trabalho. Instituto Trabalho em Debate, 01 out. 2020. Disponível em: http://trabalhoemdebate. com.br/artigo/detalhe/a-lei-geral-de-protecao-de-dados-e-seus- impactos-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em: 01 mai. 2021. FILHO, R. P.; CONI JR, V. V. A lei geral de proteção de dados pessoais e seus impactos no Direito do Trabalho. Revista Direito UNIFACS – Debate Virtual. n. 249 (2021). Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/7108. Acesso em: 17 abr. 2021. FRAZÃO, A. Fundamentos da proteção dos dados pessoais: Noções introdutórias para a compreensão da importância da Lei Geral de Proteção de Dados. In: FRAZÃO, A.; TEPEDINO, G.; OLIVA, M. D. (Coord.). A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019 PONTINI, M.S; ROCHA, C.J. Compliance trabalhista: impacto da lei geral de proteção de dados (LGPD) no direito do trabalho. Revista Jurídica Luso-Brasileira. n. 2. 2021. Disponível em: https://www.cidp.pt/publicacao/revista-juridica-lusobrasileira- ano-7-2021-n-2/214. Acesso em: 04 mai. 2021.

A LGPD NO ÂMBITO DO TRABALHO: O TRATAMENTO DE DADOS DOS EMPREGADOS NO NOVO CONTEXTO LEGISLATIVO EUNICE COSTA DE ARAÚJO PENAFORTE RESUMO PROMULGADA A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS EM 2020, fez-se necessária a adequação das empresas no que tange ao correto tratamento dos dados pessoais de seus clientes, fornece‐ dores e funcionários, o que tem sido um grande desafio para as firmas. Diante disso, trata-se, o presente trabalho, de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, cujo objetivo é o de analisar os principais princípios elencados na Lei de n° 13.709/2018 para o correto tratamento dos dados pessoais, observando, especificamente, de que forma as empresas podem manusear os dados de seus colaboradores em todas as etapas da relação de trabalho ou emprego. Para isso, este estudo se reveste de um caráter exploratório e utiliza-se de uma abordagem quali‐ tativa, sendo realizada uma arguição bibliográfica e a análise da lei novel. Assim, conclui-se que, a fim de dar cumprimento ao disposto na LGPD, que é necessário que as empresas observem, principalmente, cinco princípios elencados no art. 6° da LGPD, a saber: Finalidade, adequação, necessidade, transparência e livre

A LGPD NO ÂMBITO DO TRABALHO: O TRATAME… 343 acesso, os quais devem ser aplicados nas fases pré-contratual, contratual e até mesmo pós-contratual na relação laboral. Palavras-chave: LGPD. Direito do Trabalho. Tratamento de dados. 1. INTRODUÇÃO A Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida como LGPD, passou a vigorar em setembro de 2020, com o objetivo de regula‐ mentar o tratamento de dados de pessoas naturais acessados e utilizados pelas empresas, pessoas e órgãos públicos para as mais diversas finalidades. A lei busca oferecer ao titular dos dados privacidade, se preocupando em dar mais autonomia e partici‐ pação ativa a este durante todo o tratamento e, garantindo a transparência durante todo o processo. A partir disso, sempre que a empresa necessite manusear dados pessoais, este manuseio deve estar devidamente adequado à Lei Geral de Proteção de Dados, o que inclui necessariamente os dados dos seus funcionários. Diante disso, a empresa precisa voltar o seu olhar para esses dados dos trabalhadores enquanto integrantes daquela estrutura desde o período pré-contratual, até o pós-contratual, atendendo todos os requisitos impostos pela LGPD. Desta forma, frente à esta novidade legislativa, é o presente trabalho com o objetivo de destacar os princípios elencados na Lei Geral de Proteção de Dados, bem como evidenciar de quais formas, tais princípios podem e devem ser devidamente aplicados em toda a relação de trabalho ou emprego, por parte das empresas. Para alcançar tais objetivos, este trabalho se reveste de um caráter exploratório e abordagem qualitativa, sendo, para tanto, utilizada

344 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA uma pesquisa bibliográfica e feita a análise da legislação novel. 2. JUSTIFICATIVA Havendo sido promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados e, consequentemente, com a sua entrada em vigor, muitas empresas têm tido dificuldades na sua aplicação e, notoriamente, o trata‐ mento dos dados dos funcionários tem sido relegado em diversas situações. Diante disso, a negligência ao lidar com os dados dos empregados pode atrair altas condenações em multas impostas pela LGPD ou mesmo indenização ao trabalhador. Frente ao exposto, é o presente trabalho uma análise da LGPD no âmbito laboral e de como a empresa deve se resguardar a fim de evitar eventuais condenações nesta seara. 3. OBJETIVO O presente trabalho objetiva, de maneira geral, analisar os princi‐ pais princípios elencados na Lei de n° 13.709/2020 para o correto tratamento dos dados pessoais, observando, especificamente, de que forma as empresas podem manusear os dados de seus funcio‐ nários em todas as etapas da relação de trabalho ou emprego. 4. METODOLOGIA Para o desenvolvimento do presente trabalho e o atingimento dos objetivos elencados, foi utilizada uma pesquisa de caráter explo‐ ratório e abordagem qualitativa, sendo, para tanto, empregada uma pesquisa bibliográfica e feita a análise da recente Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018).

A LGPD NO ÂMBITO DO TRABALHO: O TRATAME… 345 5. DISCUSSÃO 5.1 A Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709/2018 A Lei Geral de Proteção de Dados, popularmente conhecida como LGPD, foi sancionada em 2018 e passou a vigorar em setembro de 2020. O seu objetivo principal é o de regulamentar o tratamento de dados de quaisquer pessoas naturais acessados e utilizados pelas empresas, pessoas e órgãos públicos para as mais diversas finalidades. Portanto, pode-se considerar que a LGPD é um conjunto de normas sobre como se deve proteger, usar e guardar dados pessoais - físicos ou eletrônicos, de maneira a garantir o direito à privacidade que possui cada ser humano pela lógica constitucio‐ nal. Dessa forma, o sentido da lei é o de proteger a privacidade em um momento histórico em que controlar o acesso de dados é uma questão muito sensível e particularmente difícil. É por compreender a dificuldade de proteção de dados pessoais no cenário moderno, que a LGPD determina a necessidade de que o titular destes dados consinta com a sua utilização, permi‐ tindo o seu tratamento em algum nível. Por isso, pode-se dizer que a lei busca oferecer ao titular privatividade, se preocupando em dar mais autonomia e participação ativa a este durante todo o tratamento e, garantindo a transparência durante todo o processo. Isto posto, faz-se necessário caracterizar o tratamento de dados, que é tudo que pode ser feito com dados pessoais do titular, ou seja, com toda informação que identifique ou possa identificar aquela pessoa natural, a partir do momento em que o controlador coleta os dados, até o momento em que os exclui, passando ainda pelas fases de classificação e utilização. Neste sentido, define a

346 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Lei de n° 13.709/2018, a LGPD, no art. 5°, X, em rol meramente exemplificativo: X - Trata-se de toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração (BRASIL, 2020). - Grifo nosso. Dessa forma, é evidente que qualquer empresa que faça trata‐ mento de dados pessoais deve se adequar à LGPD quanto aos dados de funcionários, fornecedores e clientes. Do contrário, a empresa está sujeita às sanções previstas na lei, a qual institui penalidades como advertências, multa simples no importe de 2% sobre faturamento, multa diária, publicização da infração, bloqueio, eliminação ou suspensão total ou parcial do funciona‐ mento do banco de dados, a serem aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) - órgão fiscalizador das empresas no que tange ao cumprimento e adequação à LGPD - para àquelas empresas que violarem às suas previsões normati‐ vas. Estas penalidades poderão ser aplicadas a partir da data de 01 de agosto de 2021, de acordo com o art. 65, I-A1. Acerca do tema, aduz CHC ADVOCACIA (2020): embora não haja, antes da referida data, viabilidade de imposição de penalidades por meio da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), qualquer trabalhador que se sentir ofendido ou prejudicado em relação a quaisquer dados pessoais poderá ajuizar ação com pedido de condenação à reparação dos danos eventualmente sofridos, já que toda a LGPD já encontra-se em vigor, com exceção apenas das sanções administrativas.

A LGPD NO ÂMBITO DO TRABALHO: O TRATAME… 347 Evidentemente, a LGPD não se destina exclusivamente às rela‐ ções de trabalho, mas sim às relações jurídicas no geral, em que se envolva o manuseio de dados ou de informações entre pessoa física ou jurídica que tratam desses dados. O seu campo de apli‐ cação é bastante vasto, no entanto, visando dar cumprimento ao objetivo específico do presente trabalho, passa-se a discorrer brevemente acerca do impacto da LGPD na área trabalhista. É manifesto que, sempre que a empresa necessite manusear dados pessoais, este manuseio deve estar devidamente adequado à Lei Geral de Proteção de Dados. Portanto, se a empresa tem funcionários, estes também são titulares de dados pessoais, pelo que a empresa precisa voltar o seu olhar para esses dados dos trabalhadores enquanto integrantes daquela estrutura. As relações de trabalho, desde o seu momento prévio, ou seja, no recrutamento e seleção de novos empregados, já oferecem a possibilidade do tratamento de dados. O mesmo ocorre no período contratual, bem como no pós-contratual. Para que o empregador possa tratar esses dados, é necessário atender a alguns requisitos como, por exemplo, o consentimento expresso - onde o empregado autoriza a utilização de seus dados por parte da empresa a fim de entrar nessa relação de trabalho e, a empresa, por outro lado, deixa clara a finalidade do recolhi‐ mento daqueles dados. Outros requisitos impostos pela LGPD para o recolhimentos destes dados são: A necessidade, de acordo com a qual a empresa deve coletar apenas os dados que são realmente necessários à relação de trabalho; e, a segurança dos dados, uma vez que é necessário estar atento ao compartilhamento dos dados, pois este deve ser feito de acordo com o que institui a lei, segundo a qual o terceiro (neste caso, aquele que receberá os dados) também precisa encontrar-se adequado à LGPD, pois se porventura

348 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA algum dano vier a ser causado aos seus colaboradores ou aos stakeholders2, a empresa que compartilhou os dados inicialmente será responsabilizada pelo dano. Diante disso, é incontestável que as empresas têm o direito de fazer a gestão e o tratamento dos dados pessoais dos seus funcio‐ nários, no entanto, existem regras de como esse processo deve ser realizado, e estas regras estão ostensivamente expostas na Lei Geral de Proteção de Dados. Por isso, é importante que, no que tange à utilização de seus dados, o colaborador tenha ciência de o que está sendo feito, porque está sendo feito e por quem está sendo feito. Assim, é necessário que a empresa tome as suas ações com o olhar no futuro para que possa se precaver diante do que diz a LGPD, de forma a evitar passivos trabalhistas que podem ocasionar futuras e eventuais condenações, através da incorporação do que deter‐ mina a lei para as suas relações de trabalho, acerca do que se passa a discorrer. 5.2 Aplicação da LGPD por parte das empresas Ao lidar com o tratamento dos dados, as empresas precisam ter em mente que o conceito de dado é bastante abrangente, pelo que não se trata apenas de documentos e fotos. Na verdade, os dados, em conjunto, caracterizam um verdadeiro retrato preciso do seu titular, uma vez que através deles, em muitos casos, é possível tomar ciência dos gostos, crenças, predileções, e demais particu‐ laridades que dizem respeito à sua identidade. Tendo isto em vista, a Lei Geral de Proteção de Dados apresenta o princípio da qualidade dos dados, segundo o qual, o corpo eletrônico do titular deve ser correto, atualizado e fidedigno com a sua personalidade, uma vez que dele dependem diversas deci‐ sões que lhes dizem respeito. Além disso, este princípio objetiva


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